O Princípio da Irredutibilidade de Vencimento e o aumento

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O Princípio da Irredutibilidade de Vencimento e o aumento da carga de
responsabilidade do Procurador do Estado em razão da cumulação das
atribuições de colega em gozo de férias
Gustavo Brugnoli Ribeiro Cambraia
Procurador do Estado de Minas Gerais
Introdução:
Todo cargo público é ocupado por um servidor que possui funções próprias, além de
uma remuneração fixada em lei e paga pelo Estado. Entretanto, não pode haver um
incremento substancial das atribuições de um servidor público, ainda que temporariamente,
sem que haja um aumento da contraprestação pecuniária que é paga pelo Estado. Caso esse
desequilíbrio ocorresse, certamente haveria uma vantagem indevida para o Estado, além de
uma violação às avessas ao Princípio da Irredutibilidade do Vencimento, previsto no art. 37,
inciso XV da Constituição da República.
É com essa breve exposição que passamos a analisar o fenômeno jurídico das
substituições, que ocorrem no âmbito das Procuradorias do Estado, em razão das férias dos
seus Procuradores, em que um Procurador do Estado passa a cumular temporariamente as
funções do seu colega.
1. Os prepostos do Estado – Administração Pública Eficiente e a adequada
distribuição de serviço entre seus agentes
O Estado é um ente abstrato, imaterial e intangível, que emprega diversos agentes
públicos como “instrumentos expressivos da sua vontade”1. O gênero dos agentes públicos
abrange todos aqueles que, mesmo de modo temporário ou não remunerado, desempenham
alguma função pública, seja na Administração Direta, em qualquer um dos três Poderes ou
mesmo na Administração Indireta.
Tais agentes ora ocupam cargos públicos, ora empregos públicos, ora são contratados
temporariamente, ora são agentes em colaboração com a Administração Pública, mas, em
1
Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 22ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 235
1
todos os casos, eles desempenham uma função pública, sendo prepostos do Estado. Nas
palavras de José dos Santos Carvalho Filho: “Como se sabe, o Estado só se faz presente
através das pessoas físicas que em seu nome manifestam determinada vontade, e é por isso
que essa manifestação volitiva acaba por ser imputada ao próprio Estado. São todas essas
pessoas físicas que constituem os agentes públicos.”2
Dentro da categoria dos Agentes Públicos, existem os Servidores Públicos, que se
vinculam à Administração Direta de modo permanente. Eles desempenham uma variedade
enorme de funções previamente determinadas, relativas ao cargo público que ocupam, com
uma carga previamente definida de serviço, dentro do Quadro Funcional do respectivo Ente
Federado, mediante o pagamento de retribuição pecuniária na forma de remuneração ou
subsídio.
Com relação aos cargos e funções públicas, cumpre novamente buscar a doutrina de
José dos Santos Carvalho Filho3 para entender o seu conteúdo:
“Cargo Público é o lugar dentro da organização funcional da Administração Direta e
suas autarquias e fundações públicas que, ocupado por servidor público, tem funções
específicas e remuneração fixada em lei ou diploma a ela equivalente.
A função pública é a atividade em si mesma, ou seja, função é sinônimo de atribuição
e corresponde às inúmeras tarefas que constituem o objeto dos serviços prestados
pelos servidores públicos.” (grifo nosso)
Além disso, como as funções desempenhadas pelos servidores públicos possuem
inequívoco Interesse Público, é correto dizer que há um dever do Estado de criar meios para
que elas possam ser prestadas, tal como bem observou José dos Santos Carvalho Filho4:
“Os poderes administrativos são outorgados aos agentes do Poder Público para lhes
permitir atuação voltada aos interesses da coletividade. Sendo assim, deles emanam
duas ordens de conseqüência:
1ª) são eles irrenunciáveis; e
2ª) devem ser obrigatoriamente exercidos pelos titulares.”(grifo nosso).
2
Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 19ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 531.
3
Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 19ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 549.
4
Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 14ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2005, p. 34.
2
Ademais, não basta qualquer tipo de prestação desses serviços públicos pelos agentes
do Estado. O Direito Administrativo contemporâneo exige uma Administração Pública
eficiente5, atenta às peculiaridades e desafios que cada um dos seus serviços públicos possui,
o que demanda a criação de um corpo normativo capaz de concretizá-la. Dessa forma, é
conseqüência da organização eficiente dos serviços públicos a sua divisão racional entre os
prepostos do Estado, quais sejam, os seus agentes públicos.
Com relação a essa divisão racional e eficiente do serviço público, é necessária a
fixação de uma carga de serviço individualizada, que leve em conta os detalhes de cada uma
das funções atribuídas aos agentes do Estado, além da criação de meios específicos para
controlar o seu cumprimento. Em outras palavras, funções diferentes devem ser organizadas e
controladas de maneiras diferentes, do contrário há sério risco de que o Princípio da
Eficiência, inerente à Administração Pública, seja violado.
Por exemplo, é adequado fixar uma jornada diária de oito horas para um carcereiro de
uma penitenciária estadual, ou mesmo de vinte e quatro horas seguidas para um médico
plantonista, controlando o cumprimento dessas funções através da folha de ponto. O serviço
prestado por esses servidores é diretamente ligado ao tempo que eles permanecem, à
disposição do Estado, dentro da repartição pública em que estão lotados. O carcereiro, assim
como o médico plantonista, cumpre com todas as suas atribuições dentro de determinado
horário, sendo imediatamente substituído por outro servidor com idênticas atribuições ao
término da sua jornada, já que o serviço público prestado na penitenciária estadual, assim
como no hospital, jamais pode ser interrompido. Por outro lado, seria inviável organizar e
controlar o cumprimento das atribuições de todos os demais agentes do Estado simplesmente
a partir de uma jornada diária de serviço medida em horas.
Certas categorias de servidores públicos, por exemplo, possuem funções muito
peculiares, tal como é o caso do Chefe do Poder Executivo estadual. Este é o agente público
responsável, com o auxílio dos Secretários de Estado, pelo exercício da administração
superior do Poder Executivo do respectivo Ente Federado6 e retira suas atribuições do texto da
própria Constituição da República e da Constituição do Estado.
5
Constituição da República, art. 37, caput in fine.
Constituição do Estado de Minas Gerais, art. 83 – O Poder Executivo é exercido pelo Governador do Estado,
auxiliado pelos Secretários de Estado.
6
3
Por exemplo, de nada serviria um mero relatório de ponto7 para auferir se este agente
público cumpriu sua atribuição de sancionar, promulgar e fazer públicas as leis e, para a sua
fiel execução, expedir decretos, conforme dispõe o art. 90 da Constituição do Estado de Minas
Gerais8. Além do fato de que a presença do Chefe do Poder Executivo dentro da sede do
Governo estadual é infreqüente, ela não tem qualquer relação com o fiel desempenho dessa
sua atribuição. A elaboração do texto de um decreto para regular a execução de uma lei
estadual, por exemplo, pode demorar dias de serviço, pesquisa e reuniões fora da sede do
Governo Estadual ou mesmo algumas horas numa conversa com um de seus Secretários de
Estado. Logo, devem existir mecanismos específicos para auferir o desempenho dessa função.
Entretanto, não é preciso ir tão longe, bastando o exemplo do Oficial de Justiça lotado
no Setor de Cumprimento de Mandados. A atribuição desse servidor consiste no cumprimento
de um número variável de mandados a partir de uma determinada distribuição de serviço.
Assim, caso o Oficial de Justiça cumpra com todos os mandados que lhe forem entregues num
mês em apenas alguns dias, é possível dizer que, além de cumprir integralmente as suas
diligências, ele também o fez de maneira eficiente, fazendo jus à sua remuneração. Não há
cabimento em vincular diretamente essa atividade a um número fixo de horas diárias de
serviço ou mesmo exigir de maneira inútil que esse servidor permaneça dentro da repartição
público quando não estiver cumprindo suas atribuições. O servidor público não está lá para
enfeitar a repartição, mas sim para servir de maneira eficiente.
Aliás, é comum a edição indiscriminada de leis fixando uma jornada semanal de
serviço de vários cargos públicos e carreiras dentro do Estado a partir de um número definido
de horas. Mas essas normas devem ser interpretadas cum grano salis, pois não implicam em
obrigações que não possuam fundamento no interesse público.
Na hipótese do Oficial de Justiça, a eventual fixação de uma jornada semanal de
serviço em, por exemplo, quarenta horas, deve ser interpretada como parâmetro para definir a
distribuição de serviço dentro do órgão público, evitando-se a criação de jornadas abusivas ou
mesmo inexeqüíveis. Aliás, não seria lícito ao Estado exigir que um servidor, que tem uma
7
A lei do Estado de Minas Gerais n. 869 de 1952 define o ponto como meio para apurar a freqüência do
servidor, a partir do registro das entradas e saídas diárias do servidor da repartição em que está lotado:
“Art. 94 - A freqüência será apurada por meio do ponto.
Art. 95 - Ponto é o registro pelo qual se verificarão, diariamente, as entradas e saídas dos funcionários em
serviço.
§ 1º - Nos registros de ponto deverão ser lançados todos os elementos necessários à apuração da freqüência. (...)”
8
“Art. 90 – Compete privativamente ao Governador do Estado:
(...)
VII – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis e, para sua fiel execução, expedir decretos e regulamentos;
(...)”
4
jornada semanal de quarenta horas, uma quantidade de serviço que demanda sessenta horas de
dedicação semanal, por exemplo. Em outras palavras, a jornada de quarenta horas semanais é
uma referência e um limite para a distribuição do serviço eventualmente existente, não
se exigindo que o Oficial de Justiça permaneça efetivamente quarenta horas cumprindo
mandados ou mesmo aguardando o término desse período dentro da repartição pública.
Afinal, não há interesse público em manter um servidor dentro da repartição pública em que
estiver lotado sem motivo algum e, muito menos, após o cumprimento de todas as suas
atribuições.
Segundo ensina José dos Santos Carvalho Filho9:
“Deve o Estado prestar seus serviços com a maior eficiência possível. Conexo com o
princípio da continuidade, a eficiência reclama que o Poder Público se atualize com os
novos processos tecnológicos, de modo que a execução seja mais proveitosa com
menor dispêndio.
Fator importante para a Administração reside na necessidade de, periodicamente, ser
feita avaliação sobre o proveito do serviço prestado. Desse modo, poderá ser ampliada
a prestação de certos serviços e reduzida em outros casos, procedendo-se à adequação
entre o serviço e a demanda social.” (grifo nosso)
Também cumpre ressaltar que a fixação das atribuições de cada servidor, a partir da
distribuição de serviço dentro do órgão público, é de crucial importância para determinar o
dever do Estado de pagar a contraprestação pecuniária ao seu agente. Assim, se determinado
carcereiro guarda as celas de um presídio estadual durante oito horas diárias, tal como
determinado na lei que regula a sua carreira e atribuições, cumprindo uma jornada semanal de
quarenta horas, ele faz jus à sua remuneração, tal como o Oficial de Justiça que cumpriu todos
os mandados que lhe foram entregues com apenas duas horas de dedicação diária.
Com relação à remuneração ou ao subsídio que é pago pelo Estado, deve-se ressaltar
que essas formas de retribuição pecuniária são irredutíveis. É cediço na jurisprudência do
Supremo Tribunal Federal10 que, muito embora não exista um direito adquirido à forma como
9
Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 14ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 270.
10
"Estabilidade financeira. Modificação de forma de cálculo da remuneração. Ofensa à garantia constitucional
da irredutibilidade da remuneração: ausência. Jurisprudência. Lei complementar n. 203/2001 do Estado do Rio
Grande do Norte: constitucionalidade. O Supremo Tribunal Federal pacificou a sua jurisprudência sobre a
constitucionalidade do instituto da estabilidade financeira e sobre a ausência de direito adquirido a regime
jurídico. Nesta linha, a Lei Complementar n. 203/2001, do Estado do Rio Grande do Norte, no ponto que alterou
a forma de cálculo de gratificações e, conseqüentemente, a composição da remuneração de servidores públicos,
5
a remuneração é calculada, decorrente da inexistência de um direito adquirido ao regime
jurídico do servidor, seu valor bruto não pode ser reduzido por lei ou ato administrativo.
2. A natureza da função exercida por um Procurador do Estado e a
mensuração dessa atividade – Carga de Responsabilidade
As funções desempenhadas por um Procurador do Estado possuem assento
constitucional e consistem, basicamente, na “representação judicial e a consultoria jurídica
das respectivas unidades federadas”11. Entretanto, as funções de um Procurador do Estado vão
muito além disso, pois se trata de um agente que, com independência funcional12, detém a
representação judicial do respectivo Ente Federado e desempenha função essencial à Justiça.
Trata-se de um servidor que tem sob sua inteira responsabilidade a defesa jurídica dos
interesses do Estado.
Enquanto o Governador desempenha a administração superior do respectivo Ente
Federado, a Procuradoria Geral de um Estado, através dos seus Procuradores, detém o
monopólio sobre a consultoria jurídica da qual nenhum dos órgãos do Estado pode se furtar.
Trata-se de uma espécie de agente do Estado que deve buscar livremente os elementos
capazes de formar a sua convicção jurídica, possibilitando a defesa do interesse do Estado e
não de determinada política pública, muito embora uma não exclua a outra necessariamente.
Por outro lado, embora a Procuradoria Geral do Estado possua apenas um chefe e seja
única dentro do respectivo Ente Federado, a busca pela eficiência do serviço prestado por essa
não ofende a Constituição da República de 1988, por dar cumprimento ao princípio da irredutibilidade da
remuneração." (RE 563.965, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 11-2-09, Plenário, DJE de 20-3-09)
“Servidor público estatutário – Inalterabilidade do regime jurídico – Direito adquirido – Inexistência –
Remuneração – Preservação do montante global – Ausência de ofensa à irredutibilidade de vencimentos (...) Não
há direito adquirido do servidor público estatutário à inalterabilidade do regime jurídico pertinente à composição
dos vencimentos, desde que a eventual modificação introduzida por ato legislativo superveniente preserve o
montante global da remuneração, e, em conseqüência, não provoque decesso de caráter pecuniário. Precedentes.”
(AI 679.120-AgR, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 4-12-07, DJE de 1º-2-08). No mesmo sentido: AI
609.997-AgR, Rel. Min. Cezar Peluso, julgamento em 10-2-09, 2ª Turma, DJE de 13-3-09.
11
Constituição da República, Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em
carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos
Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das
respectivas unidades federadas.
12
Conforme enunciado elaborado no 1º Congresso de Advocacia Pública no Estado do Espírito Santo, realizado
nos dias 04 e 05 de junho de 2009: “O advogado público federal detém independência técnica e funcional no
desempenho de suas funções, não podendo ser compelido a praticar ou deixar de praticar ato na representação
judicial ou extrajudicial da União, ou em atividades de consultoria jurídica, que seja contrário ao seu
entendimento técnico-jurídico, desde que devidamente fundamentado, ressalvado o caso de existência de súmula
administrativa ou parecer vinculante do Advogado-Geral da União uniformizando o entendimento técnico na
defesa da União, reconhecendo-se, ainda, a necessidade de regulamentação da AGU para o exercício da
independência funcional;”
6
Instituição determina que a distribuição dos seus agentes deva seguir a sua demanda dentro da
Administração. Assim Procuradores do Estado são lotados nos mais diversos órgãos públicos,
assim como em seus órgãos próprios. Ou seja, é comum encontrar Procuradores lotados em
Secretarias de Estado, Fundações Públicas, Autarquias e outros órgãos que demandam
constante atividade consultiva jurídica, além, é claro, dos órgãos próprios da Procuradoria do
Estado.
Trata-se de uma organização que visa atingir uma maior eficiência do serviço público
prestado pela Procuradoria do Estado. Destarte, fica claro que a distribuição do serviço de
consultoria jurídica e representação judicial entre os Procuradores do Estado varia muito, pois
depende da lotação de cada Procurador, assim como da divisão do serviço existente em cada
órgão.
Dentro de um órgão próprio da Procuradoria do Estado, encarregado do
acompanhamento de todas as ações judiciais em curso em uma determinada Comarca, por
exemplo, cada Procurador do Estado pode ser responsável por um número determinado de
processos ou essa divisão pode ser feita por Varas Judiciais existentes nessa Comarca. Para
Procuradores lotados em uma Secretaria de Estado, a divisão do serviço pode envolver o tema
dos pareceres a serem elaborados ou mesmo a sua complexidade. Logo, não há uma regra
rígida para a divisão do serviço dentro da Procuradoria do Estado, bastando o respeito ao
Princípio da Eficiência nessa organização, assim como a distribuição equânime do serviço
entre os Procuradores, de modo que uns não trabalhem demais e outros muito pouco.
Portanto, mesmo que a Lei que regula a carreira de Procurador do Estado, em
determinado Ente da Federação, preveja uma jornada semanal medida em horas13, ela
deve ser interpretada apenas como um dos critérios que devem informar a divisão do
serviço entre os Procuradores do Estado, já que os Procuradores do Estado possuem uma
carga de serviço cujas atribuições só possuem um vínculo indireto com o tempo gasto nesse
sentido.
Por exemplo, caso um Procurador do Estado deva acompanhar todos os processos em
curso perante determinado Juízo, o efetivo desempenho das suas atribuições dependerá do
acompanhamento de todas as publicações daquele órgão judicial, da elaboração de todos os
recursos e manifestações processuais, de visitas ao Fórum para despachar com o Juiz e
consultar processos em cartório, do comparecimento em audiências, da elaboração de
13
Tal como é o caso do Estado de Minas Gerais, cuja Lei Complementar nº 81 dispõe que: “art. 5º O ocupante
de cargo da carreira da Advocacia Pública do Estado cumprirá carga horária de trabalho de quarenta horas
semanais.”
7
pareceres solicitando a dispensa do dever de recorrer, levantamento de alvarás, do estudo em
casa e no escritório para se manter atualizado, da busca de livros, artigos e notícias jurídicas
para fundamentar eventuais teses jurídicas necessárias à defesa dos interesses do Estado, etc.
Aliás, não é incomum que o serviço de um Procurador do Estado seja também realizado em
casa, em horários estranhos àquele do funcionamento da repartição pública, com o estudo e
pesquisa em um ambiente mais agradável ou mesmo através da elaboração de petições ou
pareceres em notebooks, que são fornecidos pelo próprio Estado, para que sejam utilizados
fora da repartição pública.
Dessa forma, se em determinado mês, o Estado foi intimado a se manifestar em
trezentos feitos diferentes em determinada Vara judicial, essa será essa a carga de
responsabilidade do Procurador do Estado encarregado do acompanhamento dos processos
daquele órgão forense. Assim sendo, diante da peculiaridade da função exercida pelo
Procurador do Estado, é mais adequado dizer que este possui uma carga de
responsabilidade e não uma carga horária.
Da individualização da carga de responsabilidade de cada Procurador do
Estado – Férias – Princípio da Continuidade do Serviço Público –
Substituições
Assim como no exemplo do Oficial de Justiça que cumpre mandados de citação e
intimação, muito embora o Procurador do Estado possua uma carga de serviço variável, essa
pode ser bem muito bem definida e, tal como já foi dito anteriormente, é apenas indiretamente
ligada ao tempo que o Procurador do Estado efetivamente gasta no cumprimento das suas
atribuições.
Ainda que a Procuradoria do Estado não seja uma linha de montagem14, já que a
elaboração de recursos e pareceres são atividades de produção científica, existem outros
meios, que não o vetusto relógio de ponto e a mensuração exata do tempo gasto em cada
tarefa, capazes de individualizar, a partir de estimativas, o volume de serviço de cada
Procurador do Estado e, conseqüentemente, a sua carga de responsabilidade.
14
Inventada por Gerald Ford em 1908, como meio para a produção em massa do seu automóvel Ford T, onde o
tempo cada uma das tarefas envolvidas na montagem dos veículos era medido com precisão, dividindo-se a
produtividade e a carga de trabalho de cada funcionário pelo tempo que ele permanecia trabalhando.
8
Ora, numa época em que se encontra em implementação o processo eletrônico15, em
que todas as atividades do Estado são informatizadas e que a governança corporativa exige o
preenchimento de diversos relatórios virtuais de atividades por cada um dos órgãos dessa
grande empresa que é o Estado, é perfeitamente possível estimar a demanda de qualquer tipo
de serviço público, inclusive aquele da Procuradoria do Estado.
Se a Procuradoria do Estado tem conhecimento, a partir de relatórios mensais
elaborados por Procuradores e outros servidores da Procuradoria, que uma determinada Vara
Judicial analisa, em média, entre duzentos e trezentos feitos por mês que tem o Estado como
parte e que acompanhamento desses feitos por um Procurador do Estado demanda entre trinta
e quarenta horas de dedicação semanal, temos ai a carga de responsabilidade ideal para ser
atribuída a um Procurador do Estado.
Logo, no pior dos meses, ainda haverá uma jornada exeqüível de serviço e caso aquele
Juízo tenha uma produção forense inferior à sua média, não há que se falar que o Procurador
do Estado deixou de cumprir integralmente com sua carga de responsabilidade.
Ademais, essa individualização é realizada, em regra, através de atos normativos que
geralmente seguem a forma de instruções, circulares ou ordens de serviço tal como ensina
Celso Antônio Bandeira de Mello16:
“d) Instrução – é fórmula de expedição de normas gerais de orientação interna
das repartições, emanadas de seus chefes, a fim de prescreverem o modo pelo
qual seus subordinados deverão dar andamento aos seus serviços.
(...)
f) Circular – é fórmula pela qual autoridades superiores transmitem ordens
uniformes a funcionários subordinados. Não veicula regras de caráter abstrato
como as instruções, mas concreto, ainda que geral, por abranger um categoria
de subalternos encarregados de determinadas atividades.
g) Ordem de Serviço – é fórmula usada para transmitir determinação aos
subordinados quanto à maneira de conduzir determinado serviço. Ao invés
desta fórmula, as ordens por vezes são veiculadas por via de circular.”
Também é importante lembrar que a individualização da carga de responsabilidade de
cada Procurador do Estado deve levar em conta o direito de férias que é comum a todos os
15
Lei Federal n. 11.419-96.
Mello, Celso Antônio Bandeira de, Curso de Direito Administrativo, 22ª Edição, São Paulo: Malheiros, 2007,
p. 422.
16
9
servidores públicos17. Dessa forma, o quadro funcional de qualquer Procuradoria do Estado
deve contar com Procuradores também para substituir aqueles que se encontram no gozo de
férias.
Ou seja, mutatis mutandis, durante trinta dias por ano, o Procurador do Estado percebe
a sua remuneração ou subsídio sem cumprir com a sua carga normal de responsabilidade.
Entretanto, como o serviço de consultoria jurídica e representação judicial prestado pela
Procuradoria do Estado está ligado a quase todos os serviços públicos prestados pelo Estado,
além, é claro, de ser um dos meios para se proteger o Erário Público, o Princípio da
Continuidade do Serviço Público determina que o Estado encontre um meio para suprir essa
ausência, evitando qualquer prejuízo para a Administração e para os administrados. Afinal, os
prazos judiciais não se suspendem durante as férias de um Procurador do Estado, assim como
não haveria cabimento postergar todos os procedimentos licitatórios a serem realizados por
uma determinada Secretaria do Estado, aguardando o final das férias do Procurador do Estado
encarregado de elaborar os pareceres jurídicos inerentes a esse certame18.
Tal como ensina José dos Santos Carvalho Filho: “os serviços públicos não devem
sofrer interrupção, ou seja, sua prestação deve ser contínua para evitar que a paralisação
provoque, como às vezes ocorre, colapso nas múltiplas atividades particulares.”19
Diante do exposto, como cada Procurador do Estado possui uma carga de
responsabilidade bem definida, além do que só um Procurador do Estado pode desempenhar
as funções previstas no art. 132 da Constituição da República20, as férias de um Procurador do
Estado determinam a substituição deste por um colega, garantindo a continuidade do serviço
público de “representação judicial e a consultoria jurídica” prestado pela Procuradoria do
Estado que é essencial para o respectivo Ente Federado.
17
Constituição da República art. 39, parágrafo 3º combinado com o art. 7º, inciso XVII.
Lei Federal nº 8.666/93, “Art. 38. O procedimento da licitação será iniciado com a abertura de processo
administrativo, devidamente autuado, protocolado e numerado, contendo a autorização respectiva, a indicação
sucinta de seu objeto e do recurso próprio para a despesa, e ao qual serão juntados oportunamente:
(...)
VI - pareceres técnicos ou jurídicos emitidos sobre a licitação, dispensa ou inexigibilidade;”
19
Filho, José dos Santos Carvalho, Manual de Direito Administrativo, 19ª edição, Rio de Janeiro: Lumen Juris,
2008, p. 300.
20
Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso
dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em
todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
18
10
Substituição de Procuradores do Estado – Incremento da Carga de
Responsabilidade – Vedação da Irredutibidade da Remuneração –
Necessidade de contraprestação pecuniária adicional pelo Estado
A Ordem de Serviço ou ato administrativo similar, que determina a substituição de um
Procurador do Estado em gozo de férias por outro, é um ato administrativo que normalmente
implica em um incremento da carga de responsabilidade para o Procurador que substitui. Por
exemplo, para um Procurador do Estado que acompanha os feitos em curso perante
determinado Juízo, a cumulação das funções de um colega, que possua atribuições
semelhantes, implica, necessariamente, em um aumento considerável da sua carga de
responsabilidade. Nesse caso, o Procurador do Estado que substitui, cumulando as duas
cargas de responsabilidade, deverá elaborar mais recursos e manifestações processuais,
realizará mais visitas ao Fórum para despachar com o Juiz e consultar processos em cartório,
comparecerá a mais audiências, etc.
Ademais, tal substituição representa uma vantagem para o Estado, que poderá contar
com uma Procuradoria do Estado que funciona de maneira ininterrupta, sem precisar criar e o
prover de cargos de Procurador do Estado apenas para substituir aqueles que se encontram de
férias.
É importante ressaltar que o art. 37, inciso XV da Constituição da República
determina que “o subsídio e os vencimentos dos ocupantes de cargos e empregos públicos são
irredutíveis, ressalvado o disposto nos incisos XI e XIV deste artigo e nos arts. 39, § 4º, 150,
II, 153, III, e 153, § 2º, I”. Ou seja, como a retribuição pecuniária paga aos Procuradores do
Estado tem como base a carga de responsabilidade, certamente não cabe a edição de um ato
administrativo que determine o incremento dessa carga de responsabilidade sem que a
remuneração ou subsídio pago ao Procurador do Estado também seja proporcionalmente
majorada. Seria uma diminuição da remuneração ou subsídio que é pago ao Procurador
do Estado às avessas.
O Supremo Tribunal Federal já se manifestou sobre questão semelhante no julgamento
do RE 255.792/MG, conforme consta do voto do Relator Ministro Marco Aurélio, que foi
acompanhado à unanimidade pela Primeira Turma daquela Egrégia Corte em 28/04/2009:
“As premissas constantes do acórdão impugnado revelam que o edital de concurso
veiculou carga de trinta horas semanais. Mediante lei posterior teria ocorrido a
majoração da jornada semanal para quarenta horas sem a indispensável
11
contraprestação. O juízo julgou procedente o pedido formulado na ação, vindo a
sentença a ser reformada por maioria de votos, vencido o relator.
Está configurada, na espécie, a violação ao princípio da irredutibilidade dos
vencimentos. Ao aumento da carga de trabalho não se seguiu a indispensável
contraprestação, alcançando o Poder Público vantagem indevida. Daí o acerto da
concessão da segurança para anular o decreto municipal.” (grifo nosso)
Esse julgado deixa claro que não cabe qualquer incremento da jornada de trabalho dos
servidores públicos ou, no caso dos Procuradores do Estado, da carga de responsabilidade,
sem a proporcional majoração da remuneração que é paga aos servidores pelo Estado, sob
pena de se criar uma vantagem indevida para o Poder Público. Se as atribuições dos
servidores mencionados no RE 255.792 eram definidas a partir de uma jornada de trabalho de
trinta horas semanais, é certo que um aumento de 33% dessa jornada não pode vir
desacompanhado de uma elevação da remuneração paga pelo Ente Público. O mesmo vale
para as variações periódicas, determinadas pela própria Administração Pública em
razão da substituição de Procuradores do Estado em gozo de férias, pois se trata de um
incremento considerável da carga de responsabilidade atribuída ao Procurador que
substitui, cumulando duas cargas de responsabilidade, além de uma inequívoca
vantagem para o Estado que poderá continuar a contar com os serviços de consultoria
jurídica e representação judicial ininterrupta21.
Assim, todo o ato administrativo ou mesmo Lei que determine a substituição de um
Procurador do Estado em gozo de férias por um colega, implicando na cumulação de duas
cargas de responsabilidade, será nulo caso não venha acompanhado de uma contraprestação
adicional.
Também se deve ressaltar que qualquer interpretação de que a substituição de um
Procurador do Estado no gozo de férias faz parte da carga de responsabilidade normal do
Procurador que substitui é uma fraude ao disposto no art. 37, inciso XV, da Constituição da
21
Isso já acontece, por exemplo, no Estado do Rio de Janeiro, cuja Lei Complementar nº 15 de 1980, Lei
Orgânica da Procuradoria Geral do Estado do Rio de Janeiro, dispõe que:
“Art. 57-A – O Procurador do Estado, quando exercer, além de suas atribuições ordinárias, outras
decorrentes da substituição de outro Procurador do Estado, em virtude de férias, licença ou qualquer
outra hipótese de afastamento ou impedimento, perceberá gratificação mensal equivalente a 1/3 (um
terço) da retribuição estipendial a que se refere o art. 47-A desta Lei.
Parágrafo único - O valor da gratificação será concedido por ato do Procurador-Geral do Estado,
proporcionalmente ao período da substituição, o qual não poderá ser inferior a 30 (trinta) dias.” (grifo nosso)
12
República. Primeiro porque não são todos os Procuradores que realizam essa substituição e,
quando esta acontece, ela é restrita a determinado período do ano e implica num incremento
anormal e expressivo do volume de serviço atribuído ao Procurador do Estado que realiza a
substituição. Além disso, as substituições devem ser realizadas com muito cuidado, pois
seriam inconstitucionais caso resultem numa jornada de serviço que ultrapasse quarenta horas
semanais, limite previsto no art. 39, parágrafo 3º, combinado com o art. 7º, inciso XIII, ambos
da Constituição da República.
Portanto, a substituição de um Procurador do Estado em férias por um colega, que
passa a cumular duas cargas de responsabilidade, resulta em um significativo aumento do
serviço prestado por este servidor, que faz jus a uma retribuição pecuniária adicional pelo
Estado, sob pena deste obter uma vantagem sem a justa contraprestação.
Conclusões:
Diante de todo o exposto, permitimo-nos lançar as seguintes conclusões:
1. Em respeito ao Princípio da Eficiência, o Estado deve levar em conta as peculiaridades
das funções desempenhadas por cada um dos seus servidores ao organizar e distribuir a
demanda pelo serviço público existente em seus órgãos, criando métodos adequados para
auferir a sua prestação.
2. Para os servidores públicos cujas atribuições não tenham uma ligação direta com um
número de horas de serviço, a edição de lei estadual, fixando uma jornada semanal em
horas, deve ser interpretada como referência e limite para a distribuição de serviço dentro
do órgão público, já que o Estado não pode fixar atribuições excessivas ou mesmo
inexeqüíveis, além de não haver interesse público em impor obrigações irrelevantes aos
seus servidores.
3. Os servidores públicos, cujas atribuições não tenham ligação direta com um número de
horas efetivamente dedicadas ao cumprimento das suas atribuições, fazem jus à sua
remuneração ou subsídio, ainda que cumpram todo o serviço existente em um tempo
menor do que aquele previsto na lei para a sua jornada semanal.
4. Mesmo que a Lei que regula a carreira de Procurador do Estado em determinado ente da
Federação preveja uma jornada semanal em horas, é certo que se trata apenas de um dos
critérios que devem informar a divisão do serviço entre os Procuradores do Estado, pois
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essa norma não está diretamente ligada a nenhuma das atribuições do cargo de Procurador
do Estado.
5. Diante das peculiaridades das funções desempenhadas pelos Procuradores do Estado, é
adequado dizer eles não possuem uma carga horária ou carga de trabalho medida em horas
e sim uma carga de responsabilidade.
6. Muito embora um Procurador do Estado possua uma carga de responsabilidade, cujo
volume de serviço varia mensalmente, é possível individualizar essa carga de
responsabilidade a partir da divisão da demanda de serviço existente em cada um dos
órgãos da Procuradoria do Estado que leva em conta, dentre outros fatores, uma estimativa
dessa demanda.
7. Como o serviço prestado pela Procuradoria do Estado está ligado a todos os demais
serviços públicos prestados pelo Estado, este não pode prescindir, em momento algum,
das funções desempenhadas pelos seus Procuradores do Estado, devendo levar em conta,
ao definir a carga de responsabilidade de cada um destes, dentre outros fatores, o direito a
férias.
8. Como cada Procurador do Estado possui uma carga de responsabilidade bem definida,
além do que só um Procurador do Estado pode desempenhar as funções previstas no art.
132 da Constituição da República22, as férias de um Procurador do Estado determinam a
substituição deste por um colega.
9. Como o Estado paga uma contraprestação pecuniária ao Procurador do Estado sob a forma
de remuneração ou subsídio, em razão do cumprimento de uma carga de responsabilidade,
o aumento dessa carga de responsabilidade por um ato administrativo não pode vir
desacompanhado do aumento proporcional dessa contraprestação.
10. Todo o ato administrativo ou mesmo Lei que determine a substituição de um Procurador
do Estado em gozo de férias por um colega, implicando na cumulação de duas cargas de
responsabilidade, será nulo caso não venha acompanhado de uma contraprestação
adicional.
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Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso
dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em
todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas.
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