Introdução à Ciência do Direito . Unidade III. 3. Moral, a Ética e o Direito. Antes de buscarmos fazer distinção entre a moral e o Direito, é preciso fazer uma distinção entre leis físicas e leis éticas. 1. Leis físicas - conforme Godofredo Telles Jr. “a s leis físicas são fórmulas elaboradas pelo homem, para revelar, em síntese, o que a ciência descobriu de constante, em tipos de fenômenos observados na natureza” 1. 2. Leis éticas - em contrapartida, as leis éticas, que também são fórmulas elaboradas pelo Homem, têm como objetivo ordenar o comportamento do humano. Desta forma, podemos concluir: a) que as normas tanto éticas quanto físicas são elaboradas pelo homem; b) que as leis físicas traduzem o ser das coisas observadas, ou seja, a descrição dos fenômenos observados na natureza; c) que as leis éticas revelam como as coisas devem ser, isto é, indicam qual deve ser a melhor conduta da pessoa humana. É extremamente importante saber diferenciar a Ética da Moral e do Direito. Estas três áreas de conhecimento se distinguem, porém têm grandes vínculos e até mesmo sobreposições. Tanto a Moral como o Direito baseiam -se em regras que visam estabelecer certa previsibilidade para as ações humanas. Ambas, porém, se diferenciam. A Moral estabelece regras que são ass umidas pela pessoa, como uma forma de garantir o seu bem-viver. A Moral independe das fronteiras geográficas e garante uma identidade entre pessoas que sequer se conhecem, mas utilizam este mesmo referencial moral comum. O Direito busca estabelecer o regr amento de uma sociedade delimitada pelas fronteiras do Estado. As leis têm uma base territorial, elas valem apenas para aquela área geográfica onde uma determinada população ou seus delegados vivem. Alguns autores afirmam que o Direito é um sub-conjunto da Moral. Esta perspectiva pode gerar a conclusão de que toda a lei é moralmente aceitável. Inúmeras situações demonstram a existência de conflitos entre a Moral e o Direito. A desobediência civil ocorre quando argumentos morais impedem que uma pessoa acate uma determinada lei. Este é um exemplo de que a Moral e o Direito, apesar de referirem-se a uma mesma sociedade, podem ter perspectivas discordantes. 3.1 Conceito de moral. Buscando uma definição simples pode -se dizer que moral são os costumes, as tradiç ões referentes comportamento social. Sua origem não está centrada em uma reflexão racional, mas sim nos costumes de determinada sociedade de determinado lugar em um determinado momento histórico. Vicente Ráo 2 percebeu que a moral apresenta diversos aspecto s, quais sejam: a) “os estudos dos fins que os atos voluntários e livres tendem a realizar; b) o estudo das condições psicológicas de conformidade com os quais estes atos se particam; c) “o estudo da natureza e do desenvolvimento da ordem moral disciplinad ora dos mesmos atos, ordem esta que a Moral fundamentalmente constrói sobre a distinção entre o bem e o mal, partindo do pressuposto de ser o bem o fim natural do homem.” 1 2 TELLES Jr. Godofredo. Iniciação na ciência do direito . São Paulo: Saraiva, 2001, p. 35. RÁO, Vicente. O direito e a vida dos direitos. 5. ed. São Paulo: revista dos Tribunais, 1999, p. 71. Para Guilherme Assis de Almeida e Martha Ochsenhofer Christmann, “ a moral, por não se basear numa reflexão filosófica ou científica, não tem pretensões universalizantes, nem normativas”.3 A Ética é o estudo geral do que é bom ou mal correto ou incorreto, justo ou injusto, adequado ou inadequado. Um dos objetivos da Ética é a busca de just ificativas para as regras propostas pela Moral e pelo Direito. Ela é diferente de ambos - Moral e Direito - pois não estabelece regras. Esta reflexão sobre a ação humana é que caracteriza a Ética. 3.2 Conceito de ética. Para Miguel Reale temos que a Ética vem a ser a “realização da liberdade, e que o direito, momento essencial do processo ético, representa a sua garantia específica, tal qual vem sendo modelado através das idades, em seu destino próprio de compor em harmonia, liberdade, normatividade e pode r”.4 No entender de Paulo Nader, 5 temos que: “a atividade humana, além de subordinar -se às leis da natureza e conduzir -se conforme às normas éticas, ditadas pelo Direito, Moral, Religião e regras de Trato social, tem necessidade de orientar-se pelas chamadas normas técnicas, ao desenvolver o seu trabalho e construir os objetos culturais. Enquanto as normas éticas determinam o agir social e a sua vivência já se constitui um fim, as normas técnicas indicam fórmulas do fazer e são apenas meios que irão capacitar o homem a atingir resultados. Estas normas (regras) técnicas não constituem deveres, mas possuem o caráter de imposição àqueles que desejam obter determinados fins. São neutras em relação aos valores, pois tanto podem ser empregadas para o bem quanto p ara o mau”. 3.2.1 Características das normas morais: Conforme classificação defendida por Rubens Nogueira 6, as normas morais podem ser classificadas em unilaterais, autônomas e incoercíveis. a) unilaterais - aquelas que não concedem faculdades, mas apen as criam deveres. O imperativo do dever moral depende da consciência individual, só esta pode podendo exigir de alguém a sua observância – exemplo: caridade. b) autônomas – aquelas que se relaciona ao reconhecimento da validade da norma ética – exemplo: bom comportamento. c) incoercíveis – aquelas que não se pode exigir que sejam cumpridas pela força. È preciso que o sujeito tenha uma adesão interna à norma ética de sorte que diante dessa compreensão é que o indivíduo irá cumprir a norma ética. Portanto, as normas éticas são: Unilaterais Autônomas Incoercíveis 3 ALMEIDA Guilherme Assis de e CHRISTMANN, Martha Ochsenhofer. Ética e direito: uma perspectiva integrada. São Paulo: Editora Atlas, 2002, p. 15. 4 REALE, Miguel. Filosofia do direito. São Paulo: Saraiva, 12. ed., 1987, p.219 5 NADER, Paulo. Introdução ao estudo do direito . 24. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2004, p. 30. 6 NOGUEIRA, Rubem. Curso de introdução ao estudo do direito . 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1989, p. 53. 3.3 Normas Jurídicas: Kant considera ser a norma jurídica um juízo hipotético. No Kantismo encontramos a origem da distinção de imperativo categórico do hipotético. O primeiro impõe dever sem qualquer condição (norma moral), enquanto o hipotético é condicional. O categórico ordena por ser necessário, enquanto no hipotético a conduta imposta é meio para uma finalidade. Assim, o imperativo hipotético estabelece condição para a produção de determina do efeito. Kelsen retomou essa distinção, considerando a norma jurídica um juízo hipotético por dependerem as suas conseqüências da ocorrência de uma condição: se ocorrer tal fato deve ser aplicada uma sanção. Então conclui Kelsen que a estrutura da norm a jurídica é a seguinte: em determinadas circunstâncias, determinado sujeito deve observar determinada conduta e se não a observar, outro sujeito, órgão do Estado, deve aplicar ao delinqüente a sanção. A norma jurídica é sempre redutível a um juízo ou pro posição hipotética, na qual se prevê um fato (F) ao qual se liga uma conseqüência (C), conforme o seguinte esquema: Se F é ========= deve ser C Em síntese, a norma jurídica é imperativa e autorizante. Isso significa dizer que a característica da imperatividade nos demonstra que a norma jurídica pertence ao grupo das normas éticas que irão reger a conduta do ser humano, em contraposição às normas físico morais, que regem a natureza a natureza. O autorizamento por sua vez é o traço diferenciador das demais normas éticas. 7 3.3.1 Características das normas jurídicas. a) Imperatividade - São aquelas que traduzem um comando, uma ordem, uma imposição sob a que deve fazer ou deixar de fazer. Em relação ao particular temos a: norma taxativa, que são aquelas obriga tórias, não modificáveis, inderrogáveis. Temos ainda as normas dispositivas que são aquelas em que as partes podem alterar, interferir, para completar a norma quando necessário e quando de acordo com seu interesse. Em relação ao poder público temos as nor mas rígidas, são as leis que não admitem modificação por parte do juiz, são leis imutáveis; e normas elásticas ou flexíveis, são as normas que admitem o arbítrio judicial, jurisprudência. b) Bilateralidade atributiva - é uma relação objetiva que, ligando e ntre si dois ou mais seres, lhes confere e garante de maneira recíproca ou não, pretensões ou competências. A bilateralidade atributiva pode ser desdobrada da seguinte forma: 1) “dois ou mais seres “ - trata-se de uma relação intersubjetiva, ou seja , uma relação que une duas ou mais pessoas, que podem ser físicas ou jurídicas; 2) relação objetiva - a relação entre os sujeitos deve ser objetiva, isto significa que nenhum dos dois sujeitos deverá ficar nas mãos do outro. É preciso que haja uma precisão do que se esteja tratando, que as partes conheçam o conteúdo da relação jurídica e os seus parâmetros. 3) relação de exigência - aquilo que foi pactuado espera -se que seja cumprido. A relação jurídica passa a não depender da vontade das partes para o seu cumpri mento, mas sim, no caso de se “mudar de idéia”, pode -se exigir que venha a ser cumprido, nos termos em que foi pactuado. 4) relação de garantia - se o exigido extrapola a esfera pessoal, sendo em razão do descumprimento, pode-se buscar o Estado que é o res ponsável por impor o respeito à uma norma jurídica. 7 NAWIASKI, Hans. Teoria general del derecho. Madrid : Rialp, 1962, p.30-5 c) Heteronomia - Do grego heteros (diverso) + nomos (regra), a heteronomia é a característica da norma jurídica que esclarece ser esta imponível à vontade do destinatário. A vontade do Estado prevalece, n o âmbito da legalidade, sobre a vontade individual. Enquanto a norma moral é autônoma , pois seu cumprimento é livre pelo destinatário, a norma jurídica é heterônoma, isto é, o seu cumprimento é obrigatório. d) Coercibilidade - A norma jurídica não depend e de aceitação do indivíduo para que ela se cumpre, então é necessário algo mais, para que venha obrigar que o indivíduo a realize. A coercibilidade é uma conseqüência da heteronomia da norma. As normas jurídicas são: Bilaterais Atributivas Coercíveis Heterônomas Imperativas 3.4 Diferenças entre Normas Jurídicas e Normas Morais Fazer a relação entre Direito e a Moral, no entender de Rudolf Von Ilhenrig, corresponde ao Cabo das Tormentas da Filosofia do Direito, tamanha a dificuldade existente. 3.4.1 Diferença quanto à forma: distinção quanto às suas características. Normas Jurídicas imperatividade bilateralidade atributiva heterônoma coercibilidade Normas Morais imperatividade unilateral autônoma incoercível 3.4.2 Quanto ao conteúdo das normas jurídicas e das normas morais : Tanto as normas jurídicas quanto as normas morais têm em comum a investigação da conduta humana, o que deve ser buscado é a existência ou não de conteúdo diferenciado de uma ou de outra. Na antiguidade havia apenas consciên cia do problema, mas somente com a Teoria de Thomasius é que se tomou ciência do mesmo. 3.4.2.1 Em Roma Em Roma, o Digesto Confusão entre Direito e Moral. Segundo Celso: “o Direito é a arte do bom e do eqüitativo “ jus esta rs boni et aequi. 3.4.2.2 Teoria de Thomasius. Atribui delimitação a essas duas espécies de normas. Para ele o Direito deveria se preocupar e regulamentar a conduta humana depois que ela fosse exteriorizada, desta maneira a norma jurídica somente poderia intervir no que disses se respeito ao foro externo. A norma moral só teria respeito àquilo que ficasse no plano da consciência. Não havia, segundo Thomasius, nenhuma possibilidade dessas duas espécies de normas virem interagir ou sobrepor. Havia dois mundos de normas, mais ou menos assim representados. Mundo do Direito Mundo da Moral Esta teoria foi concebida baseada nas idéias de liberdade e pensamento e de consciência, sendo que o Estado não poderia int ervir neste âmbito. Crítica que a separação total entre essas normas, acaba gerando dois mundos desvinculados e estanques. O Direito só poderia apreciar a ação quando ela estivesse projetada no ambiente social não levando em consideração a inclusão no âmbito da sociedade e o elemento intencional que uma grande diferença na motivação da conduta. Saber qual o motivo da conduta de um ser humano diante do que ocorreu é importante para poder analisar o quadro corretamente. Exemplo: João pegou a bolsa de Ma ria. Foi furto? Foi roubo? Foi latrocínio? Não houve crime? 3.4.2.3 Teoria dos Círculos Concêntricos. Desenvolvida por Jeremy Bentaham ( 1748-1832) - defende que a ordem jurídica deveria estar totalmente inserida dentro do campo da moral. O campo da mo ral é maior e mais abrangente que o mundo jurídico. Crítica: as normas jurídicas estariam dentro das normas morais confundindo -se com estas, o que lhes garantia certo caráter sancionador. É perceptível que nem todas as normas jurídicas são normas morais. Existem atos que são considerados juridicamente lícitos e amorais ou até mesmo imorais. Exemplo: Prostituição. 3.4.2.4 Teoria dos Círculos Secantes. Desenvolvida por Claude Du Pasquier postula que o mundo da Moral e o mundo do Direito são mundos distintos, porém possuem uma área em comum. 3.4.2.5 Teoria do Mínimo Ético. Desenvolvida por Georg Jellinek (1851-1911), para essa teoria, as normas jurídicas devem conter o mínimo de preceitos morais necessários para que a sociedade não se destrua. Para os defensores desta teoria, a norma mora l é cumprida de forma espontânea, porém pode vir a ser violada. Daí a necessidade de um mínimo ético que venha a ser resguardado na norma jurídica, para que em caso de descumprimento possa ser possível utilizar -se da força inerente à normas jurídicas para se fazer cumprir. O mínimo ético aqui previsto tem o objetivo de indicar que a s normas jurídicas deverão ter apenas o mínimo de conteúdo moral, por ser indispensável ao equilíbrio das forças sociais, visto que as normas jurídicas devem visar sempre o be m estar social. Exemplo: A função social do contrato e da propriedade. Conclusão: Após análise das diversas teorias acerca do direito e da moral, podemos perceber que as normas jurídicas e as normas morais são normas distintas, porém , elas apresentam uma interligação extremamente forte de sorte que não temos como considerá -las totalmente separadas, sendo que Del Vecchio afirmou sabiamente que as normas jurídicas e as normas morais são conceitos que conseguimos disting uir, mas que não se separam. Todavia, precisamos ficar atentos para não confundir as duas espécies de normas, pois podemos encontrar situações em que existem normas jurídicas que não possuem qualquer relação com as normas morais, temos ainda situações em que são contrárias às normas morais, mas não se encontram inseridas no mundo jurídico e ainda uma terceira possibilidade que é a de termos normas referentes somente ao mundo moral, sem qualquer ingerência no mundo jurídico. No entanto, é preciso ficar at ento para que não haja uma separação por completo desses dois mundos, porque conforme visto anteriormente, existe um campo em comum entre as normas jurídicas e as normas morais.