“Há já algum tempo que se assiste à erosão daquilo a que podemos chamar o teológicp-ético, por analogia com o teológico-político. Vivemos o fim do enraizamento das visões morais do mundo num universo tradicional e religioso, que era vivido pelos homens como exterior a eles, mas impondo-selhes de fora com a força duma norma comum. De facto, nós entrámos numa era que se pode chamar de individualista, quer dizer, numa época em que as normas morais, independentemente da forma em que existem, são pensadas como devendo ser produzidas pelos próprios indivíduos, e não por referência àquele universo tradicional que se impunha aos homens do exterior. (...) Estamos, com efeito, num lento e secular processo de decomposição das tradições, que engendrou o desagregar dos sistemas morais. Alguns qualificam esta situação de pós-moderna. Todas as análises sociológicas, de Marx a Durkheim ou Clastres, insistiram nisso: numa sociedade tradicional os indivíduos assemelham-se, eles estão próximos uns dos outros. Os costumes impõem-se a todos de tal maneira que, em última instância, o indivíduo, no sentido em que nós o entendemos, não existe. A erosão destas tradições produziu a explosão donde nasceu o problema: como produzir consenso a partir desta situação de desagregação ética, para tentar responder às questões, por vezes urgentes, que se nos põem, tais como a manipulação genética?” Luc Ferry in Frédéric Lenoir, Le Temps de la Responsabilité, Fayard, Paris