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Jurisprudências/
Destituição do poder familiar. Família substituta. Melhor interesse
Destituição do poder familiar. Família substituta. Melhor interesse do menor
Relator:
Tema(s): Destituição do poder familiar Família substituta Melhor interesse do menor
Tribunal TJMG
Data: 02/06/2014



Chamada
Jurisprudência na integra
Ementa na Íntegra
EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DO PODER
FAMILIAR - GENITORA COM TRANSTORNOS DE PERSONALIDADE INSTABILIDADE EMOCIONAL - NEGLIGÊNCIA EM RELAÇÃO AO FILHO RECUSA A TRATAMENTO - PERFEITA ADAPTAÇÃO DA CRIANÇA À
FAMÍLIA SUBSTITUTA - MELHOR INTERESSE DO MENOR - MANUTENÇÃO
DA SENTENÇA
1. A proteção à criança e ao adolescente foi erigida como prioridade pelo Constituinte,
sendo dever da família, da sociedade e do Estado, numa atuação conjunta, assegurar aos
menores "o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227, CR/88).
2. Buscando assegurar o bem estar das crianças e dos jovens, a legislação
expressamente prevê hipóteses de extinção do poder familiar, nos termos da lei civil e
do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando demonstrada a inadequação do
ambiente em que estão inseridos.
3. Comprovada a negligência da genitora em relação ao filho (derivada do descuido em
relação à sua própria saúde psíquica), justifica-se a medida protetiva de destituição do
poder familiar, mormente quando o menor já está inserido e plenamente adaptado à
família substituta, que o acolheu há mais de 4 anos, e com esta tem vivido por quase
metade de seus 10 anos de idade.
4. Mãe bipolar e instável emocionalmente, que recusa o tratamento psiquiátrico.
5. Criança que tem os atuais guardiães e pretensos adotantes como referência familiar,
manifestando o desejo de com eles permanecer.
6. Recurso não provido.
APELAÇÃO CÍVEL Nº 1.0183.08.151724-9/004 - COMARCA DE CONSELHEIRO
LAFAIETE - APELANTE (S): S.F.B. - APELADO (A)(S): MINISTÉRIO PÚBLICO
DO ESTADO DE MINAS GERAIS
ACÓRDÃO
(SEGREDO DE JUSTIÇA)
Vistos etc., acorda, em Turma, a 5ª CÂMARA CÍVEL do Tribunal de Justiça do Estado
de Minas Gerais, na conformidade da ata dos julgamentos em NEGAR PROVIMENTO
AO RECURSO.
DESEMBARGADORA ÁUREA BRASIL
RELATORA
DESA. ÁUREA BRASIL V O T O
Trata-se de apelação cível interposta por S.F.B. em face da r. sentença de f. 808/815,
proferida pelo MM. Juiz José Aluísio Neves da Silva, do Juizado da Infância e
Juventude da comarca de Conselheiro Lafaiete que, nos autos de ação de destituição do
poder familiar ajuizada pelo Ministério Público do Estado de Minas Gerais contra a ora
apelante, julgou procedente o pedido inicial.
A apelante apresenta suas razões recursais às f. 818/827, alegando que: a) "não há nos
autos qualquer prova relativa aos fatos alegados pelo MP, sendo que a presente
fundamenta-se, em uma suposta denúncia não comprovada, pois pessoas que tinham
interesse em retirar o filho da apelante inventaram 'estórias', sem qualquer
comprovação" (sic); b) não se verifica qualquer situação capaz de ensejar a destituição
do pátrio poder, conforme prevê o art. 1.638 do Código Civil; c) os estudos sociais e
psicológicos em nenhum momento aconselham a retirada do poder familiar; d) o fato de
a apelante ter depressão não lhe retira a capacidade de ser mãe; e) a medida deferida em
primeira instância é "extrema e desnecessária, visto que a mãe tem ótima relação com o
filho, sendo que ambos tem amor recíproco, tanto que não há nenhum relato de maus
tratos por parte da mãe" (sic); f) deve-se priorizar a manutenção do filho com a mãe
biológica, utilizando-se de todos os recursos disponíveis e acreditando na recuperação
do ser humano; g) se a genitora possui condições de cuidar de seu filho mais novo, de
apenas 1 ano e 1 mês, não se compreende o motivo pelo qual não teria condições de
cuidar de M.
Contrarrazões às f. 830/839.
Remetidos os autos à Procuradoria-Geral de Justiça, manifestou-se a douta Procuradora,
Drª. Luísa Carelos, pelo não provimento do recurso (f. 844/851).
Presentes os requisitos para sua admissibilidade, conheço do recurso.
A proteção à criança e ao adolescente foi erigida como prioridade pelo Constituinte,
sendo dever da família, da sociedade e do Estado, numa atuação conjunta, assegurar aos
menores "o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência
familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência,
discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão" (Art. 227, CR/88).
Consagrou-se a "Doutrina da Proteção Integral", colocando-se o bem estar das crianças
e adolescentes como uma absoluta prioridade do Estado, da família e da sociedade,
sendo dirigida aos menores uma especial atenção e cuidado, devido à sua peculiar
condição de pessoas em desenvolvimento.
O pátrio poder, embora consista originalmente uma prerrogativa dos pais biológicos,
não lhes outorga apenas direitos sobre os infantes, mas traduz uma série de obrigações
dos genitores em relação à prole, justamente com o objetivo de conferir efetividade à
previsão Constitucional.
É uníssono na doutrina e na jurisprudência que se deve atentar sempre para "o melhor
interesse do menor", buscando garantir-lhe uma criação apropriada, num ambiente
harmonioso e propício ao seu adequado desenvolvimento físico, emocional e
intelectual.
Com vista a assegurar o bem estar das crianças e dos jovens, o ordenamento
expressamente prevê hipóteses de extinção do poder familiar, nos termos da lei civil e
do Estatuto da Criança e do Adolescente, quando demonstrada a inadequação do
ambiente em que estão inseridos.
A respeito, dispõe o Código Civil:
Art. 1.638. Perderá por ato judicial o poder familiar o pai ou a mãe que:
I - castigar imoderadamente o filho;
II - deixar o filho em abandono; III - praticar atos contrários à moral e aos bons
costumes;
IV - incidir, reiteradamente, nas faltas previstas no artigo antecedente.
O Estatuto da Criança e do Adolescente, por sua vez, em seu art. 98 e seguintes, prevê o
procedimento a ser adotado em caso de violação ou ameaça a quaisquer dos direitos
nele protegidos por falta, omissão ou abuso dos pais ou responsáveis.
Comprovado que os genitores são incapazes de atender aos deveres de sustento, guarda
e educação dos filhos, justifica-se a medida protetiva de destituição do poder familiar,
inserindo-se a criança em outro núcleo no qual possa ser suficientemente assistida.
Da análise dos autos, verifico, lamentavelmente, uma evidente inabilidade da ré para
dirigir sua própria vida, em virtude de sua falta de estabilidade emocional e psicológica,
o que se agrava diante da recusa sistemática em se submeter aos tratamentos
psicológicos e psiquiátricos indicados.
A recorrente não possui condições de cumprir com os cuidados e deveres inerentes à
maternidade responsável, em virtude da imprevisibilidade de seu quadro psicológico,
que por vezes culmina em surtos que colocam a integridade do menor em risco, os quais
somente poderiam ser controlados através do adequado acompanhamento médico, ao
qual a paciente reiteradamente nega adesão.
A genitora de M.H.B. foi diagnosticada como portadora de Transtornos de
Personalidade (Transtorno Esquizotípico, Transtorno de Personalidade Esquizóide e
Transtorno Esquizoafetivo) - f. 68/72 -, o que, inclusive, ensejou um processo de
interdição da mesma, com nomeação de diversas curadoras provisórias ao longo de sua
tramitação, à vista da dificuldade de convivência e relacionamento apresentadas pela ré,
que invariavelmente levava suas responsáveis a abandonar o encargo da curatela.
Em virtude de denúncias quanto ao comportamento inadequado da demandada em
relação a si própria e ao filho (noticiadas, inclusive, por duas de suas ex-curadoras, Sra.
M.A.C.F. - f. 357/400, e Sra. E.F.B - f. 334/337, respectivamente prima e irmã da
curatelada), bem como pelos indícios de sua incapacidade civil, o menor chegou a ser
entregue a sua então curadora provisória - Sra. M.P.M. -, que assumiu sua guarda.
Contudo, a criança foi retirada dos cuidados da citada guardiã pela mãe, o que
ocasionou mais uma vez a renúncia da curatela, e o consequente abrigamento da criança
em 01.09.2008 (f. 08/11, 17 e autos em apenso).
O quadro patológico da requerida parece ter corroborado para a configuração de uma
relação simbiótica mãe-filho, caracterizada por um apego exagerado e um ciúme
patológico da apelante em relação à prole. Tais constatações, evidenciadas no primeiro
estudo social e psicológico realizado nos autos (f. 68/72), não caracterizaram, a
princípio, motivo suficiente ao afastamento materno-filial, embora tenha sido
recomendado, na ocasião, o acompanhamento do caso e o tratamento psiquiátricopsicológico, especialmente em relação à recorrente.
À vista das primeiras observações técnicas, que também evidenciaram a existência de
fortes laços afetivos entre mãe e filho, o próprio órgão ministerial fez a proposta de
suspensão do processo, com a entrega imediata da criança à genitora, através de sua
nova curadora provisória - Sra. T.R.S. -, considerando a importância da preservação do
vínculo e da reinserção familiar, condicionada a atendimento psicológico para a
requerida e para a criança (f. 101/102)
Dessa forma, em 11.03.2009, o menino foi entregue à ré, representada por sua curadora
(f. 103, 112/113).
No entanto, a nova representante da requerida procurou o Ministério Público logo no
mês seguinte, em 23.04.2009, informando "novas e reiteradas violações aos direitos da
criança pela própria genitora", consistentes na "falta da assistência à saúde e educação, e
alimentação inadequada, exposição da criança a ambiente domiciliar prejudicial à sua
formação" (f. 115).
Na citada oportunidade, a curadora T.R.S. foi atendida por psicóloga judiciária tendo
relatado à mesma que a mãe de M.H.B. "entrega-se a uma vida sexual promíscua, que o
filho presencia; sua casa é muito suja, com roupas mofadas, e ela sempre atribuiu a
'culpa' a uma terceira pessoa, não assumindo compromissos. Não vem obedecendo a
orientações de como cuidar de seu filho, deixando-o exposto ao frio, às noitadas, o que
culminou numa pneumonia. Não mantem compromisso com a Escola que M. está
matriculado, e as professoras de tal escola consideram-no um 'filho sem mãe' (sic)" - f.
116/117.
A conclusão da psicóloga, então, foi no sentido de que S. "vive em crise psicótica
(surto), não se submetendo a nenhum tratamento psiquiátrico que lhe é recomendado" ,
que "suas crises se cronificam e que ela se recusa a tratar" , o que recomendou "a
retirada de M. de sua presença", à vista dos riscos psíquicos e físicos que sua condição
trazia à criança. (f. 116/117). Tal orientação foi corroborada pelo Relatório Social de f.
120/121, de 12.05.2009.
Diante da situação delineada, o magistrado a quo suspendeu o poder familiar de S.F.B. e
aplicou a medida de proteção de abrigamento do menor (f. 122/123), que foi novamente
encaminhado à instituição Lar de Maria na data de 13.05.2009, sendo, em seguida,
deferida pelo juízo a guarda provisória a um casal que estava no cadastro de adoção e
demonstrou interesse por M.H.B., sendo a criança a eles entregue em 01.06.2009 (f.
157/159, 166/167).
Ocorre, contudo, que, quando do cumprimento da ordem de busca e apreensão da
criança, as Conselheiras Tutelares noticiaram a existência de "muita afinidade entre mãe
e filho", narrando, ainda, que a criança se abraçou à genitora, chorando para que não
fossem separados, e que a residência estava limpa e organizada naquela ocasião (f. 162).
Tal informação, aliada à ausência de esclarecimentos quanto à capacidade da genitora e
de novos estudos técnicos realizados na presença da ré, levou este Tribunal a cassar a
primeira sentença de procedência (f. 570/574), sob a consideração de que "o feito não se
encontrava maduro para o julgamento, já que necessária seja produzida prova
interprofissional, dando-se particular atenção a laudo psiquiátrico, para que possam ser
afastadas as medidas menos gravosas, antes de que se conclua pela procedência do
pedido de destituição (perda) do poder familiar" (acórdão de f. 614/623, de Relatoria do
e. Desembargador Manuel Saramago).
Retornaram, então, os autos à instância primeva para realização das diligências
complementares sugeridas.
Posteriomente, juntou-se aos autos informação quanto à renúncia da curatela provisória
da demandada por parte da Sra. T.R.S., assumindo o encargo R.A.B. (em 24.08.2009 - f.
681/682), bem como cópia da sentença de improcedência proferida em 15.07.2010 na
ação de interdição, na qual o laudo pericial concluiu que a Sra. S.F.B. tem condições
plenas de exprimir sua vontade, não padecendo de enfermidade que a impossibilite de
praticar os atos da vida civil (f. 636/636v).
Houve notícia, ainda, de que a ré teve um outro filho no curso do feito, que está
aparentemente bem cuidado (f. 702).
Contudo, intimada para comparecer ao ambulatório de saúde mental (f. 685/686), a
requerida faltou à primeira perícia agendada (f. 700). Outras tentativas de intimação
restaram frustradas (f. 706, 708/715), diante da recusa da ora apelante em fornecer seu
novo endereço.
Vieram aos autos, ainda, notícia de que a demandada estaria ameaçando a Conselheira
N. (f. 716/717).
Finalmente, foram realizados os estudos sociais e psicológicos "in loco", tanto com o
menor e sua nova família, quanto com a genitora (f. 730/733, 767/769 e 771/773).
O primeiro documento, que abrangeu a oitiva dos guardiães (pretensos adotantes), do
menor e visita domiciliar, consignou que M., entrevistado, afirmou "suas boas notas
escolares e informou suas atividades extracurriculares, que incluem de natação, futebol
e violão", listou "seus primos (sobrinhos dos guardiães)" e disse que "se sente bem em
Ouro Branco, na companhia dos guardiães". Concluindo, na data de 13.08.2012, que
"após quase três anos de convivência as relações estão solidificadas" e que há "um
núcleo familiar típico plenamente configurado" (f. 730/733).
No segundo relatório social, de 21.02.2013, em visita domiciliar à ré, a moradia foi
encontrada em boas condições, não se constatando exposição dela e de seu filho mais
novo a riscos sociais e pessoais. Não obstante a melhora do quadro da apelante,
noticiou-se que a mesma não deu continuidade ao tratamento psiquiátrico, devido à sua
resistência. Em certo momento, informou-se que a mãe "declara contentar com contatos
regulamentados, objetivando à criança o acesso à sua história de origem e o
estabelecimento de vínculos fraternos com D." (sic).
A mesma assistente social consignou, noutro giro, que "ao ser acolhido pelo casal
guardião M. adaptou-se muito rapidamente ao novo lar"; "encontrou em C. um 'pai', que
supriu imediatamente sua maior carência afetiva e seu maior desejo: ter um pai" ; "M.G.
'substituiu' em parte a ausência da figura materna e os vínculos parentais foram se
estabelecendo com a convivência, o carinho e a presença participativa e atuante daquela
que logo tornou-se 'mãe' da criança". Continuou afirmando que "além da integração ao
núcleo familiar, M. também está integrado ao meio escolar onde frequenta o 4º ano do
ensino fundamental em escola de qualidade, tendo vários colegas, considerados seus
amigos".
Finalizando com as seguintes observações:
M. recebeu através dos guardiães atendimento psicopedagógico e psicológico e no
momento apresenta-se uma criança bem desenvolvida, comunicativa e bem educada.
Muito à vontade durante entrevista aberta, ele relata com entusiasmo a nova vida na
família acolhedora. Tudo o que vivencia é motivo de satisfação, realização e felicidade:
a amizade com os primos, o cotidiano na escola com professores e seus novos
familiares, preponderamentemente seus 'pais'. Por tudo que lhe é proporcionado e pela
plena integração e adaptação ao meio familiar, social, escolar e cultural ao qual passou
tardiamente a pertencer, M. afirma com convicção o desejo de permanecer com o casal
guardião e diz se identificar com o 'pai' C., sua maior referência para formação de sua
personalidade masculina. Ele fala de seu sonho em ser médico e apresenta o desejo de
incorporar ao seu nome, o sobrenome (A.) daqueles que já são considerados seus pais
adotivos. Ele se intitula uma criança feliz com a adoção, cujo processo é de seu
conhecimento.
A criança tem várias lembranças de sua história de origem, sabe da existência do
irmãozinho, manifesta o desejo de conhecê-lo e futuramente rever a genitora. Mas no
momento demonstra estar inseguro para um reencontro que necessariamente deverá ser
precedido de uma preparação psicológica. (f. 768/769)
Pelo último estudo psicosocial, vislumbra-se uma considerável melhora da apelante,
sendo afirmado pela psicóloga judicial que o "quadro apresenta-se em remissão (CID 10
- F31.7) dos episódios de crise" (sic).
Porém, apenas isso não é suficiente, a meu ver, para reverter a situação já consolidada,
seja à vista da plena adaptação do menor ao novo lar, seja pela reticência da apelante em
se submeter a tratamento constante.
Extrai-se, de todo o conjunto probatório, que a postura da ré é instável e imprevisível.
Ao longo do feito, a genitora apresentou momentos de equilíbrio, nos quais demonstra
seu amor e apego à prole, e em outros se descontrolou, descuidou de si mesma e do
filho, desentendeu- -se com todos que a cercavam ou ofereciam ajuda, inclusive
colocando o menor em risco.
Nesse sentido, os relatórios psicosociais afirmaram que a apelante "vive períodos
cíclicos de vulnerabilidade, descontrole emocional, afetivo e comportamental. Ora
apática, desinteressada e desmotivada; ora eufórica, ativa, agindo compulsivamente" (f.
14), que tem um "comportamento desorganizado em função de suas crises" (f. 116), é
"inconstante e impulsiva e não admite interferências em sua vida" (f. 402),
características típicas do Transtorno Bipolar, diagnosticado à f. 750 e confirmado à f.
768.
Tal circunstância, inclusive, fica clara das cópias do processo de interdição, no qual se
efetivaram diversas substituições de curadoras, vindo a renúncia ao encargo sempre
fundada na rebeldia e na mudança repetina de humor da curatelada.
Os "altos e baixos" e as repentinas alterações comportamentais da ré também se
evidenciam na prova oral de f. 232/234, e justificam a aparente contradição entre os
depoimentos de T.R.F. e R.G.C. - que noticiam os descuidos da genitora em relação ao
filho - e o prestado por M.V.S. - que a qualifica como "excelente mãe". A próposito é
esclarecedor o depoimento da ex-curadora de S.F.B. (f. 232), que afirma que, antes de
ter um convívio mais próximo com a requerida, via nela a figura de uma boa mãe, pelo
que procurou ajudá-la, a fim de que não perdesse o filho, oferecendo-se para exercer o
encargo da curatela. Contudo, a depoente continua, dizendo que, após a mãe reaver o
menor "tudo mudou", e que pôde constatar que "o que se dizia a respeito do tratamento
que ela dispensava ao filho era verdadeiro", pelo que confirmou em juízo as graves
denúncias anteriormente relatadas ao Ministério Público e ao Conselho Tutelar (f.
116/117, 120/121).
Noutro giro, a patologia da recorrente, conforme decidido no feito de interdição, não lhe
acarreta incapacidade civil - embora lhe traga notória debilidade emocional, psíquica e
interrelacional -, o que reforça a tese de que a requerida deve ser responsabilizada por
seus atos, aí inseridos os momentos de negligência em relação a M.H.B.
Em certos períodos, a ré descuidou da alimentação e da saúde do filho, levando-o
consigo a locais inapropriados, além de submetê-lo às instabilidades de sua
personalidade, que, não tratadas, geravam inseguranças e possibilitavam o
desenvolvimento de sintomas semelhantes na criança, como chamou atenção o laudo
psicológico de f. 116/117, ao afirmar que o afastamento do menor naquele momento era
recomendável para evitar "que venha a desenvolver quadro de distúrbio psíquico
semelhante ao da mãe" (sic).
O abandono, na hipótese sob análise, se configurou na negligência quanto à integridade
física e mental do menor, derivada do descuido da genitora em relação à sua própria
saúde psíquica, o que não pode ser desconsiderado pelos momentos de "tranquilidade"
em que a ré se apresentou como uma mãe carinhosa.
Não se olvida que a moléstia que acomete a requerida é controlável. Contudo, para
garantir a estabilidade do quadro, é imprescindível que se faça o adequado tratamento
médico e psicológico, ao qual a apelante não aderiu satisfatoriamente, não obstante
encaminhada e orientada a respeito durante toda a tramitação do feito.
As ex-curadoras foram unânimes em afirmar que S. não se submetia ao
acompanhamento psiquiátrico com a constância necessária, o que é corroborado pelos
estudos sociais e psicológicos, e pelas informações de f. 659, 780 e 787 do CAPS de
Conselheiro Lafaiete, que informam que a paciente abandonou o tratamento
ambulatorial.
Não obstante a genitora viva um momento "sem crises", a doença que a acomete é
crônica, havendo enorme risco de recaídas - de 80 a 90% -, conforme esclarece o último
relatório psicológico, realizado em 24.03.2013:
A maior parte dos pacientes com transtornos de humor tem bom prognóstico, com
remissão completa e controle de reicidivas, desde que estejam adequadamente tratados.
No entanto, S. sempre se mostrou bastante resistente ao tratamento psiquiátrico e, no
momento, não faz qualquer tipo de acompanhamento neste sentido. Ela apresenta
sintomas fóbicos, dificuldades em estabelecer relação de confiança, mania de
perseguição, tudo fruto de seu quadro psiquiátrico e também de seus vivências,
inclusive, a perda do filho M. Por este motivo é de difícil adesão aos tratamentos, pois
não consegue confiar nos médicos e demais profissionais que a atendem, muito menos
nos medicamentos por eles prescritos. Além disso, seu quadro clínico a torna, em
muitos momentos, uma pessoa de difícil manejo, afastando os próximos e S. é muito
sozinha e não tem quem a acompanhe e incentive.
(...)
S. é inconstante, não adere adequadamente a tratamento, há elevado risco de recidivas, o
que nos faz considerar que a aproximação de M., no momento, possa não ser benéfica
para a criança. M ainda é muito sensível às suas vivências enquando com S. e o contato
novamente com sua instabilidade afetiva pode lhe ser desestruturante.
(...)
Para retomada de contatos entre M. e S., e priorizando a integridade psíquica da criança,
acreditamos que seria prudente que S. estivesse em tratamento, comprovado nos autos, e
que M e seus 'pais' estivessem em acompanhamento psicológico, como forma de
preparação. De qualquer maneira, todo o manejo da situação será bastante delicado,
trará repercussões emocionais e influenciará nas dinâmicas de todos os envolvidos.
A submissão de S. ao tratamento lhe trará maior estabilidade emocional, o que também
beneficiará D. No momento, a criança parece bem protegida, mas devido ao padrão
clínico da mãe, entendemos prudente o acompanhamento da família pelas redes
assistenciais. (f. 771/773)
O quadro psicológico da recorrente ainda é delicado, notadamente diante de sua recusa a
se submeter ao acompanhamento psiquiátrico constante.
Em suma, os últimos estudos técnicos consideram cedo até mesmo para promoção de
um reencontro entre mãe e filho, justamente pelo risco de recidivas da apelante, não
sendo sequer levantada pelos profissionais especializados a possibilidade de retomada
da guarda pela genitora.
O apego da mãe ao filho e o sofrimento que o afastamento lhe causa, somado à sua
condição patológica, é comovente e inspira sentimentos de compaixão. Porém, o bemestar da genitora não pode se sobrepor ao da criança, que, sem dúvida alguma, se
encontra muito melhor amparada em seu novo lar, onde, além de amor, encontrou a
estabilidade, amparo e tranquilidade necessários ao seu pleno e sadio desenvolvimento.
Passados mais de 4 anos da inserção do menor em família substituta, este mostra-se
plenamente adaptado ao novo núcleo, manifestando inequivocamente seu interesse em
permanecer com os atuais guardiães e pretensos adotantes.
A infância não espera. Infelizmente, não se pode aguardar indefinidamente a
recuperação plena da apelante - que sequer está em tratamento -, mantendo-se a situação
de incerteza em relação ao menor, que já se afeiçoou sobremaneira aos novos "pais".
M. identifica seus guardiões como referência familiar, tendo vivido com eles quase
metade de seus 10 anos, manifestando o desejo de estabilização da atual situação
(inclusive com a inclusão do sobrenome de seus pais afetivos ao seu nome).
Não se olvida que, preferencialmente, os filhos devem permanecer com seus pais
biológicos. No entanto, em casos como o presente, em que o histórico familiar denota a
instabilidade da genitora - com risco de recaídas -, aliado à inserção e perfeita adaptação
da criança à família substituta, deve prevalecer o melhor interesse do menor.
Nesse sentido, citam-se precedentes deste TJMG:
FAMÍLIA - AÇÃO DE DESTITUIÇÃO DE PODER FAMILIAR CUMULADA COM
ADOÇÃO - CRIANÇA ENCAMINHADA PARA ABRIGO - APLICAÇÃO DE
MEDIDA PROTETIVA PREVISTA NO ART. 98 DO E.C.A - COLOCAÇÃO EM
FAMÍLIA SUBSTITUTA PREVIAMENTE INSCRITA - MANIFESTO INTERESSE
À ADOÇÃO - CONVÍVIO COM O CASAL ADOTANDO HÁ MAIS DE 04
(QUATRO ANOS) - ADAPTAÇÃO AO NOVO CONTEXTO FAMILIAR CRIANÇA INTEGRADA E FELIZ - INTERESSE DO MENOR - PREVALÊNCIA ARTS. 3º E 43 DO ESTATUTO DA CRIANÇA E DO ADOLESCENTE OBSERVÂNCIA - MANUTENÇÃO DA SENTENÇA CONCESSIVA DA ADOÇÃO.
1 - Nos termos do art. 43 do E.C.A., a adoção será deferida quando importar em
vantagem real para o adotando e fundar-se em motivos legítimos. 2 - Constatada pelo
Serviço Social da Comarca a negligência dos pais biológicos com relação aos cuidados
com o filho, é cabível a adoção de medida de proteção para resguardar o interesse no
menor. 3 - Verificada a aptidão do casal adotante para o exercício do poder familiar, o
que foi confirmado após o convívio com a criança, que hoje se encontra assistida
emocional e materialmente, demonstrando adaptação ao novo seio familiar, e
perdurando o laço afetivo há mais de quatro anos, deve ser mantida a sentença de
procedência do pedido à adoção, privilegiando o princípio constitucional de máxima
proteção à criança. (Apelação Cível 1.0024.07.512446-1/001, Relator (a): Des.(a)
Sandra Fonseca , 6ª CÂMARA CÍVEL, julgamento em 12/07/2011, publicação da
sumula em 12/08/2011)
APELAÇÃO CÍVEL. DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR E ADOÇÃO.
ABANDONO DE MENOR. NEGLIGÊNCIA NO EXERCÍCIO DO PODER
FAMILIAR. DANOS À SAÚDE E AO DIREITO DE SER INSERIDA EM UM
NÚCLEO FAMILIAR. ADOÇÃO CONCEDIDA. - Justifica a extinção do poder
familiar a negligência nos deveres de sustentar, educar e guardar a menor,
permanecendo a criança por vários meses em abrigo, por não deter a família biológica
condições de provê-la com os cuidados necessários ao seu desenvolvimento saudável,
sob o aspecto físico, mas também intelectual, emocional, afetivo, espiritual e social.Hipótese em que a menor nasceu com problemas de saúde decorrentes do alcoolismo da
mãe, tendo sido prestados auxílios por programas sociais à família sem se obter o
retorno esperado, ausente estrutura necessária para criar a menina. - Verificada a
adaptação da criança na família substituta, onde encontrou todo o amparo necessário
para viver dignamente, e presentes os requisitos legais, cabe a adoção, resguardando-se
os melhores interesses da infante.- Recurso improvido. (Apelação Cível
1.0024.05.570839-0/001, Relator (a): Des.(a) Heloisa Combat , 7ª CÂMARA CÍVEL,
julgamento em 27/11/2007, publicação da sumula em 18/12/2007)
Com tais considerações, NEGO PROVIMENTO AO RECURSO.
Custas, na forma da lei.
DES. LUÍS CARLOS GAMBOGI (REVISOR) - De acordo com o (a) Relator (a).
DES. FERNANDO CALDEIRA BRANT - De acordo com o (a) Relator (a).
SÚMULA: "NEGARAM PROVIMENTO AO RECURSO."
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