QUINTA CÂMARA CÍVEL Apelação Cível nº 0020989

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QUINTA CÂMARA CÍVEL
Apelação Cível nº 0020989-35.2005.8.19.0038
Relator: DES. HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
CIVIL. CONSUMIDOR. RESPONSABILIDADE CIVIL.
EXAME DE VIDEOCOLONOSCOPIA. IATROGENIA.
PERFURAÇÃO DO INTESTINO.
Ação indenizatória derivada de danos causados a paciente em
exame de videocolonoscopia que perfurou o intestino.
As prestadoras de serviço respondem de forma objetiva pelos
danos que seus prepostos provocam a terceiros.
O plano de saúde e a casa de saúde onde se realizou o
malsinado exame respondem pela falha de seu preposto na
prestação do serviço.
Muito embora a perícia conclua pela ausência de defeito no
serviço, esta opinião não vincula o julgador. Caraterizada na
hipótese a falha médica, pois impossível admitir como fato
normal a perfuração do intestino no exame de colonoscopia.
Se a Autora nada prova quanto a despesas decorrentes do
evento lesivo, nem a alegada incapacidade permanente,
inviável o pedido de ressarcimento do dano material.
Presente o dano estético nas enormes cicatrizes abdominais
que transfiguram o físico da vítima.
Manifesto o dano moral em vista do padecimento da Autora,
derivado da imperícia médica.
Recurso provido em parte.
A C Ó R D Ã O
Vistos, relatados e discutidos estes autos da Apelação Cível nº 002098935.2005.8.19.0038, originários da 2ª Vara Cível da Comarca de Nova Iguaçu,
em que figuram como Apelante MARIA HELENA ALVES DA SILVA e
Apeladas UNIMED NOVA IGUAÇU COOPERATIVA DE TRABALHO
MÉDICO
LTDA.
e
CENTRO
INTEGRADO
DE
GASTROENTEROLOGIA,
HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA:000009674 Assinado em 10/12/2013 15:10:44
Local: GAB. DES HENRIQUE CARLOS DE ANDRADE FIGUEIRA
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A C O R D A M os Desembargadores da Quinta Câmara Cível do
Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, por unanimidade de votos, em
dar parcial provimento ao recurso nos termos do voto do Relator.
MARIA HELENA ALVES DA SILVA move ação indenizatória contra
UNIMED NOVA IGUAÇU – COOPERATICA DE TRABALHO MÉDICO
LTDA. e CENTRO INTEGRADO DE GASTROENTEROLOGIA porque na
condição de associada da 1ª Ré se submeteu a exame de videocolonoscopia com
médico credenciado no estabelecimento da 2ª Ré. Durante o exame sofreu
perfuração do intestino, que causou danos materiais, morais e estéticos cuja
reparação postula.
A 2ª Ré nega a deficiência na prestação do serviço, pois os danos
derivaram da atuação do médico, para os quais não contribuiu nem mesmo de
forma culposa. Sustenta a inexistência de relação de consumo com a Autora e
de erro médico, que afasta o nexo causal, e impugna os danos.
Na contestação a 1ª Ré afirma a ausência de nexo causal por fato de
terceiro, uma vez que adimpliu regularmente sua obrigação contratual e não
mantém vínculo com o médico cooperado, pois este age com autonomia. Não
houve culpa do médico, que, verificada a ruptura do abdômen, levou a Autora
para hospital próximo a fim de ser imediatamente operada. Alega fato exclusivo
da vítima e força maior como excludentes de responsabilidade e impugna os
danos.
A sentença de fls. 258/260 (pasta 309) julgou improcedentes os pedidos.
Na apelação de fls. 262/268 (pasta 314) a Autora reitera os termos da
inicial e afirma a falta de informação quanto aos riscos em se submeter ao
exame. Tem direito à indenização por falha na prestação do serviço de vez que
caracterizados o dano, o nexo causal e o comportamento culposo do médico por
imperícia. Pede a reforma da sentença a fim de julgar procedentes os pedidos.
Contrarrazões da 1ª Ré a fls. 271/272 (pasta 324) pelo desprovimento do
apelo.
É o relatório.
Pretende a Apelante a reforma da sentença que julgou improcedente o
pedido de reparação dos danos materiais, morais e estéticos decorrentes de falha
na prestação de serviço médico.
Segundo a Apelante, no exame de videocolonoscopia que se submeteu
nas dependências da 2ª Apelada o médico perfurou seu intestino, sendo
necessária intervenção cirúrgica de emergência de laparotomia exploradora.
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A responsabilidade civil das Apeladas possui natureza objetiva tendo em
vista cuidar a hipótese de relação de consumo, na medida em que a 1ª Apelada
mantinha contrato de serviço médico com a Apelante prestado na 2ª Apelada.
Assim, ambas apenas se liberam do dever de indenizar se comprovarem alguma
excludente de responsabilidade como define o artigo 14 do Código de Processo
Civil, ou seja, se não houve falha na prestação do serviço, fato de terceiro ou
culpa exclusiva da vítima.
Na hipótese em exame, o evento lesivo restou amplamente comprovado,
notadamente pelos documentos que instruem a inicial e a perícia, ambos a
demonstrarem a lesão perpetrada na Apelante. Além disso, as Apeladas
admitem a realização do exame que perfurou o sigmoide.
O laudo pericial afirma no capítulo discussão (fls. 234, pasta 284) que a
perfuração “é complicação possível e não caracteriza erro médico, a não ser
quando o procedimento é feito por médico não habilitado ou quando o
procedimento é tecnicamente impróprio, mas não há nos autos nenhuma
comprovação de que este colonoscopista não era especialista o mesmo não
habilitado a estes procedimentos”.
A conclusão do Dr. Perito não descaracteriza o dever de indenizar das
Apeladas.
Primeiro ressalte-se que a perícia de forma alguma vincula o julgador,
que pode dela se afastar no exame do conjunto probatório e na aplicação da
norma ao fato. Segundo porque extrapola o limite do razoável a afirmação de
que a perfuração do intestino no exame de colonoscopia constitui fato normal.
Não é.
Nenhuma cirurgia ou exame tem por consequência natural a perfuração
do intestino. Nenhuma enciclopédia de medicina é capaz de afirmar que a
colonoscopia implica em danos ao intestino, de vez que a prática normal e
regular consiste tão somente em filmar e analisar o aparelho digestivo com
objetivo investigatório.
A possibilidade de ocorrer perfuração do intestino apenas impõe atenção
redobrada ao médico durante o exame sem descurar de verificar imediatamente
se houve o referido dano, já que se trata de risco conhecido.
Houve crasso erro médico ao perfurar o intestino da Apelante, e ao
contrário do que afirma o laudo, competia às Apeladas demonstrarem a regular
habilitação do médico assistente considerando que a elas incumbia o ônus de
comprovar o fato impeditivo do direito alegado na inicial.
Presente o nexo causal, pois o comportamento lesivo das Apeladas
provocou danos na Apelante, que passou por cirurgia a fim de corrigir a falha
na primeira intervenção.
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A responsabilidade da 1ª Apelada, plano de saúde, decorre do fato de o
médico assistente ser credenciado seu e integrar a rede de profissionais postos à
disposição dos consumidores clientes.
Já a responsabilidade da 2ª Apelada, casa de saúde, deriva do fato de que
o malsinado exame nela se realizou, sob seus auspícios para o qual recebeu o
valor contratado pela internação e uso de suas dependências.
O dano material necessita de comprovação ainda no curso da instrução, e
não há nos autos a prova de qualquer despesa feita pela Apelante.
Quanto à incapacidade da Apelante, não prospera o pedido. Primeiro
porque é servidora pública e não há qualquer prova de que deixou de receber
seus vencimentos. Segundo porque a prova dos autos não caracteriza a
incapacidade permanente.
O dano moral é evidente, deriva do inaceitável padecimento imposto à
Apelante, que necessitou passar por intervenção cirúrgica. Analisado o evento
lesivo, suas consequências e a capacidade das partes, atende ao princípio da
razoabilidade arbitrar o valor da reparação em R$30.000,00 (trinta mil reais).
Patente o dano estético, espécie de dano extrapatrimonial que não se
confunde com o dano moral por objetivar o ressarcimento do defeito físico que
distingue negativamente a vítima de seus semelhantes e provoca repulsa a quem
vê o aleijão. As fotos que instruem a inicial comprovam o dano. Considerando a
idade da Apelante e a extensão das lesões, razoável arbitrar o valor da reparação
em R$15.000,00 (quinze mil reais).
Nestes termos, dá-se parcial provimento ao recurso para julgar
procedente em parte os pedidos e condenar as Apeladas solidariamente a
ressarcirem à Apelante pelo dano moral no valor de R$30.000,00 (trinta mil
reais) e pelo dano estético no valor de R$15.000,00 (quinze mil reais),
acrescidos de juros de mora contados da citação e correção monetária desta
data. Tendo em vista a sucumbência recíproca, as despesas processuais são
divididas e os honorários de advogado compensados.
Rio de Janeiro, 10 de dezembro de 2013.
Desembargador Henrique Carlos de Andrade Figueira
Relator
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