ABSTRACT: This paper reflects on the concept of

Propaganda
ABSTRACT: This paper reflects on the concept of grammaticalization,
specially in
order to evaluate the status - more grammatical or less grammatical - of certain clausal
conjunctive elements in the grammar of the language.
o processo de gramaticaliza~ao vem sendo estudado sobre a assun~ao de uma
indetermina~ao relativa da lingua e do caniter nao-discreto de suas categorias,
salientando a tensiio que se estabelece entre a expressao lexical, relativamente livre de
restri~oes, e a codifica~ao morfossintlitica, mais sujeita a restri~oes. Envolvendo
coexistSncia de diferentes formas para fun~oes semelhantes, a gramaticaliza~ao pode ser
examinada com vistas a mostrar a possibilidade que 0 falante tern de ufazer uso" dessas
diferentes formas para obten~iio de diferentes efeitos de senti do.
Para as reflexoes que se fazem neste estudo, foram examinados os enunciados
que compoem 0 c6rpus de lfngua escrita do Brasil disponfvel no Departamento de
Lingiifstica da UNESP- Cllmpus de Araraquara para servir aos projetos DUP
(UDicionano de usos do portuguSs") e GUP (uGramlitica de usos do portuguSs").
Gramaticalizafiio e urn termo que nao tern sido definido de maneira uniforme
pelos diversos estudiosos. Entretanto, segundo Traugott e Heine (1991), pode-se dizer
que 0 termo se refere a parte da teoria da linguagem que tern por objeto a
interdependSncia entre 0 categorial e 0 menos categorial, entre 0 fixo e 0 menos fixo na
lingua.
E facH mostrar a existSncia de palavras funcionais originadas em palavras de
conteudo lexical e que constituem, pois, 0 que se poderia considerar como as instdncias
prototfpicas da Ugramaticaliza~ao". Siio casos, por exemplo, como 0 das preposi~oes
durante e mediante, ou das conjun~oes consoante, conforme, segundo, apenas, mal. Por
outro lado, muitos autores nao exigem nem mesmo urn ponto de partida no material
lexical, para a considera~iio do processo da gramaticaliza~ao, incluindo tambem nesse
processo 0 percurso feito a partir de urn elemento ja gramatical.
A unidirecionalidade da gramaticaliza~ao e tida como uma caracterlstica blisica
do processo, partindo-se do princfpio de que uma mudan~a que se dli numa dire~ao
47
especffica niio pode ser revertida. Essa caracteristica uniderecional da gramaticaliza~iio
implica a considera~iio de uma escala do seguinte tipo: item de significado pleno >
palavra gramatical > clftico > afixo flexional (Hopper e Traugott, 1993:7). Heine e Reh
(1984) mostram que os tres nfveis da estrutura lingiifstica afetados pela gramaticaliza~iio
- 0 funcional, 0 morfossintlitico e 0 fonetico - em geral se arranjam, na gramaticaliza~iio,
nessa mesma ordem crono16gica: os processos funcionais (como dessemantiza~iio,
expansiio, simplifica~iio) precedem os morfossintliticos (como permuta~iio, composi~iio,
cliticiza~iio, afix~iio), que precedem os foneticos (como adapta~iio, fusiio, perda).
Varias questoes entram no exame da natureza do processo de gramaticaliza~iio.
Algumas delas siio as que se discutem a seguir.
A primeira divergencia na considera~iio da gramaticaliza~iio diz respeito,
exatamente, a avalia~iio do campo primario no qual 0 fen6meno tern de ser colocado:
diacronia ou sincronia?
Ate 1970, dizem Heine et alii (1991b:1O-ll), a gramaticaliza~iio foi vista
principalmente como parte da lingUfstica diacr6nica, como urn meio de analisar a
evolu~iio lingUfstica e reconstruir a hist6ria de uma determinada lfngua ou grupo de
lfnguas, ou, ainda, de relacionar as estruturas lingilfsticas do momento com os padroes
anteriores do uso lingUfstico. Desse modo, urn dos principais meritos dos estudos sobre
gramaticaliza~iio posteriores a 1970 seria a aten~iio dada ao potencial que eles ofere cern
como urn parametro explanat6rio para a compreensiio da gramatica sincr6nica.
Hopper e Traugott (1993:2) apontam duas "perspectivas" de estudo da
gramaticaliza~iio: a "hist6rica", que estuda as origens das formas gramaticais, bem como
as mudan~as tfpicas que as afetam, e a "mais sincr6nica", que estuda 0 fen6meno do
ponto de vista de padroes fluidos de uso lingUfstico. Heine et alii (l991b) tratam a
gramaticaliza~iio defendendo que e injustificavel e impraticavel uma separa~iio rfgida
entre diacronia e sincronia, ja que uma niio pode ser entendida independentemente da
outra; desse modo, a gramaticaliza~iio pode ser descrita alternativamente como urn
fen6meno diacr6nico ou sincr6nico.
E corrente nos estudos sobre gramaticaliz~iio a afirma~iio de que 0 processo
envolve abstratiza~iio, ja que 0 significado niio-gramatical pode ser descrito como mais
concreto do que 0 significado gramatical. Com base no princfpio de explora~iio de
velhos meios para novas fun~oes, pode-se entender que conceitos concretos siio
empregados para entender, explicar ou descrever fen6menos menos concretos:
experiencias niio-ffsicas siio entendidas em termos de experiencias ffsicas, tempo em
termos de espa~o, causa em termos de tempo, rela~oes em termos de processos
cineticos, etc.
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A gramaticaliza~lio
jli foi apontada como um "subtipo" da metlifora,
considerada como um "desvio metaf6rico em dire\llio ao abstrato" (Matisoff, 1991:384).
Entretanto, entende-se, em geral, que essa vincula~lio nlio e necessaria, jli que a
metafora, embora tenha sido tradicionalmente vista como central para a mudan~a
semllntica, nlio e 0 unico processo ligado a gramaticaliza~lio.
Heine et alii (1991a e 1991b), acentuam a complementaridade da metlifora e da
metonfmia nesse processo, no qual fazem intervir um componente discreto (de natureza
metaf6rica, e livre de determina~oes pragmaticas) seguido de um componente contfnuo
(fortemente dependente do contexto lingUfstico e extralingiifstico). Metlifora e
metonfmia slio, pois, componentes do mesmo processo, que leva dos conceitos
gramaticais "concretos" para os "abstratos": metonimicamente, 0 processo e construfdo
numa escala de entidades contfguas que slio metonimicamente
relacionadas;
metaforicamente, 0 processo contem categorias descontfnuas, como espafo, tempo ou
qualidade. 0 que se apresenta, afinal, e uma outra escala, que estende espa~o e tempo
para 0 texto, isto e, que prev@que elementos espaciais, aIem de poder passar a expresslio
de tempo, ainda possam passar a organiza~lio do universo do discurso.
A questlio "diacronia" versus "sincronia" liga-se a questlio "carater gradual"
versus "carater instantAneo" da gramaticaliza\llio. Se considerado do ponto de vista
hist6rico, 0 processo e gradual: 0 que ocorre e que, embora se possa encontrar, num
determinado momento, uma estrutura substituindo completamente outra, por um
consideravel perfodo de tempo coexistem a forma nova e a velha, que entram em
varia~lio, sob diversas condi~oes; e essa varia~lio encontrada nada mais e do que 0
reflexo do carater gradual da mudan~a lingiifstica.
E tambem sobre a base de uma vislio da gramaticaliza~lio como processo
gradual que a metaforiza~lio e explicada no sentido de amplia~lio de uma categoria, e,
eventualmente, do pr6prio prot6tipo. Prot6tipo - conceito estabelecido dentro da
psicologia cognitiva - e 0 membro de uma categoria que ostenta 0 maior numero das
propriedades mais caracteristicamente importantes, e todos os demais membros devem
ser classificados de acordo com 0 grau de semelhan~a com 0 prot6tipo, ou seja, de
acordo com a distllncia do "pico prototfpico". A mudan~a metaf6rica dos prot6tipos e,
como diz Giv6n (1984), a ess@ncia da gramaticaliza~lio, 0 processo pelo qual a
morfologia gramatical se desenvolve a partir de itens lexicais.
Diversos
autores
t@m
buscado
determinar
os
princfpios
que regem a gramaticaliza~lio. Um texto fundamental e Hopper (1991), que tenta isolar
e descrever esses "princfpios" com 0 prop6sito utilitario de identificar instAncias
potenciais de gramaticaliza\llio anteriores ao estagio no qual as formas podem,
inequivocamente, ser consideradas como parte da gramatica da lingua. 0 carater gradual
da gramaticaliza\llio e acentuado por Hopper, e os princfpios buscados respondem a
questlio do "mais" ou "menos" gramaticalizado, nlio a questlio do "dentro" ou "fora" da
gramatica:
a)
b)
c)
d)
e)
estratifica~iio (coexistencia de formas com fun~iio similar);
divergencia (caso particular de estratifica~iio);
especializa~iio(possibilidade de que urn item se torne obrigat6rio);
persistencia (permanencia de vestfgios do significado lexical original);
descategoriza~iio (diminui~iio do estatuto categorial de itens gramaticalizados).
Na contraparte, a gramaticaliza~iio pode ser considerada do ponto de vista de
seus efeitos - ou seja, da emergencia de novas categorias - mais do que do ponto de vista
do processo em si. Para Haiman (1991:153-154), duas especies de mudan~a siio sempre
associadas a gramaticaliza~iio: a redu~iio fonetica e 0 descoloramento semlintico.
Sweetser (1988), porem, prefere ver, no processo de gramaticaliza~iio, uma proje~iio
metaf6rica, que vai de urn domfnio (que e fonte) para outro (que e meta), e no qual ha,
ainda, aquisi~iio de novo significado, 0 que descartaria a considera~iio da existencia de
dessemantiza~iio envolvida no processo.
Siio tres as conseqiiencias prototfpicas decorrentes do processo hist6rico da
gramaticaliza~iio, segundo Lichtenberk (1991):
a) emergencia de uma nova categoria gramatical;
b) perda de uma categoria existente;
c) mudan~a no conjunto de membros que pertencem a uma categoria gramatical.
Esses tres tipos siio historicamente ligados: quando elementos lingiifsticos
adquirem novas propriedades, eles se tornam membros de novas categorias, isto e,
ocorre uma reamilise categorial. Retomando-se a explica~iio do carater gradual da
mudan~a, pode-se dizer que uma forma que exibe, por exemplo, propriedades de uma
categoria lexical pode come~ar a perder essas propriedades, niio simultaneamente, mas
uma ap6s a outra: a forma nova niio expulsa a forma velha imediatamente, mas come~a a
ser usada como variante cada vez mais freqiiente, ate a completa substitui~iio da forma
velha.
E exatamente essa questiio que vai estar em foco na analise que se fara a seguir.
A coordena~iio - tanto de sintagmas como de ora~oes ou frases - pode ser
marcada apenas entonacionalmente, por exemplo pela entoa~iio caracterfstica de vfrgula.
Existem, porem, marcas formais de coordena~iio em muitas li'nguas, e, freqiientemente, a
origem desses marcadores e conhecida, sendo possfvel tra~ar-se 0 percurso de seu
desenvolvimento hist6rico, percurso que, em geral, representa urn processo de
gramaticaliza~iio. Mithun (1988), estudando uma grande variedade de lfnguas, mostra,
por exemplo, que a origem de conjun~oes coordenativas ocorrentes entre sintagmas
nominais estli, frequentemente, em constru~oes comitativas, ou em partfculas adverbiais
de significado aditivo - e, muitas vezes, de valor discursivo - do tipo de tambem.
Mostra, ainda, que a coorden~iio entre ora~oes e registrada, em algumas lfnguas, por
urn elemento adverbial - com significado pr6ximo a entao - que marca uma rela~iio
50
temporal com 0 contexto precedente, mas niio assinala nenhuma rela~iio gramatical. Em
todos os casos, niio e diffcil entender que tais elementos passem, por for~a de seu
funcionamento na frase, a conjun~oes de coordena~iio. Em vanas das lInguas estudadas,
Mithun (1988) mostra uma falta de distin~iio clara entre adverbios e conJun~oes, a
ponto de, em alguns casos, os estudiosos terem declaradamente desistido de estabelecer
essa distin~iio. Isso apenas significa que, como se aponta em estudos referentes a Hnguas
diversas, muitos desses elementos estiio em fase de transi~iio, uns mais pr6ximos, outros
mais distantes da plena gramaticaliza~iio. Esses estudos indicam, ainda, que muitas
conjun~oes coordenativas siio novas nas Hnguas, isto e, foram gramaticalizadas muito
recentemente, e, inclusive, entraram em lInguas que antes niio tinham conjun~oes para
estabelecer coordena~iio.
Em portugues, tambem, as part(culas adverbiais siio fontes de elementos
coordenativos, e tambem siio fluidos os limites entre urn papel semAntico-discursivo e
urn papel basicamente relacional de tais partfculas. Fluida e a pr6pria classific~iio
atribufda a elementos ou sintagmas como porem, entretanto, contudo, no entanto,
portanto, por conseguinte. As gramaticas mais recentes arrolam todas essas formas entre
as conjun~oes, embora elas niio passem nos testes que lhes poderiam dar esse estatuto.
Cite-se, apenas, a possibilidade de coocorrencia desses elementos com uma conjun~iio
coordenativa como e ou mas, como em:
[l]
Ando por aqui como umforasteiro, e entretanto tudo isso jafoi meu. (AM)
[2] Sim, ele the falara no quanto era bela a morte e contudo continuava vivo, ele e
Luciana vivos, sozinhos dentro de casal (CP)
[3] Aqui 0 6dio continuava mais intenso ainda e, todavia, foram obrigados a conviver
na mesma senzala e como mercadoria de um mesmo proprietario. (ZH)
[4] Dante e um homem da Ida4e Media e Petrarca e um homem do Renascimento e, no
entanto, siio homens de uma mesma epoca. (AU)
[5] Ai esta Minas: a mineiridade. Mas, entretanto, cuidado. (A VE)
[6] Da-se enfase a intenfiio plastica enquanto se busca 0 que existe de mais moderno
na tecnica construtiva (...), mas, no entanto, imaginam-se programas nem sempre
compat(veis com a realidade social. (AQT)
[7] [Ananias] gostava dela, sim, mas porem niio podia esquecer que fora infelicitada.
(FR)
[8] Sem chuvafenece. Mas porem resiste. (FR)
[9] 0 Jim dos cheques ao portador obrigou 0 produtor a identificar a origem do
dinheiro e, portanto, pagar imposto. (AGF)
A diferen~a de estatuto entre, de urn lado, elementos como porem, entre tanto,
contudo, todavia, no entanto - todos representando instdncias de gramaticaliza~iio de
elementos adverbiais - e, de outro lado, as conjun~oes e, mas e ou fica evidente na
simples observa~iio da impossibilidade de coocorrencias como as que se exemplificam
abaixo (que devem ser examinadas em compara~iio as sequencias vistas nos enunciados
acima):
a) sequencias com duas conjun~oes, como * e ou, *e mas, *ou e, *ou mas, *mas e,
*masou;
b) seqUencias com a conjunyiio e, ou ou mas na segunda posiyiio, como *por~m e,
*por~m ou, *por~m mas, *entretanto e, *contudo e, *todavia e, *no entanto e,
*entretanto ou, *contudo ou, *todavia ou, *no entanto ou, *entretanto mas, *contudo
mas, *todavia mas, *no entanto mas.
Ha, porem, entre os elementos do grupo de entre tanto, diferenyas de
comportamento
que
revel am
que
eles
niio
se
encontram todos num mesmo estagio de gramaticalizayiio. Assim, por exemplo, mas
por~m e ocorrente, 0 que colocaria por~m no mesmo grupo de entretanto, enquanto *e
por~m nao ocorre, 0 que 0 retiraria desse grupo.
Acresce que, mesmo entre os tres elementos que funcionam mais
evidentemente como conjunyoes - e, mas e ou - hii diferenyas de comportamento que
colocam, num grupo, e e ou, e, em outro grupo, mas, marcado por urn determinado
processo de gramaticalizayiio.
As duas conjunyoes coordenativas do portugu8s que podemos considerar como
prototfpicas (e e ou) tern origem em conjunyoes latinas (et e aut, respectivamente), e,
portanto, em relayiio a elas niio existe urn processo de gramaticalizayiio que possa ser
examinado.
A conjunyiio mas, porem, se desenvolveu de uma palavra que, se nao e lexical, e menos
gramatical do que a conjunyiio; trata-se do adverbio latino magis, usado para estabelecer
comparayoes de desigualdade, mais especificamente de superioridade, e que, entretanto,
ja no latim vulgar adquiriu sentido adversativo. Como sin6nimo de potius, "antes", "de
prefer8ncia a", magis se tomou concorrente de sed, "mas" (correspondente ao alemiio
sondern e ao espanhol sino) ap6s frase negativa. Tambem se empregou em combinayao
com partfculas adversativas como autem, tamen, enim, immo, e, mesmo, sed. Ja 0
emprego de magis como adversativo depois de frases afirmativas (correspondendo ao
alemiio aber e ao espanhol pero e mais tardio, niio se podendo dizer se e fen6meno
latino ou rom~nico (Neves, 1984).
Pode-se supor que essa ligayiio com magis responde por urn comportamento de
mas que difere do comportamento de e e de ou, conjunyoes ja na origem. Estas ultimas
adicionam niio apenas frases, orayoes e sintagmas de diversos tipos, mas, tambem,
quaisquer palavras do mesmo estatuto, como, por exemplo, ate dois numerais ou duas
preposiyoes (dois e tr€s I dois ou tr€s; primeiro e segundo I primeiro ou segundo; de e
para / de ou para), enquanto 0 mas, ainda guardando 0 trayo adverbial de marca de
desigualdade, nao e capaz de estabelecer esse tipo de relayao (*dois mas tr€s, *primeiro
mas segundo, *de mas para), votando-se, especialmente, para relacionar predicados
(Neves, 1984).
Ora, muito facilmente se pode verificar que 0 elemento mas tern empregos que
ilustram diferentes estiigios compreendidos entre uma simples marca de desigualdade
(que pode ser uma pura mudanya de rumo do discurso) e uma marca evidente de
contrariedade, "adversidade" (= no entanto). Castilho (1996) estudou essa questao,
mostrando a exist8ncia do que ele chamou "usos discursivos" do mas - em que 0 mas
ainda niio se gramaticalizou - ao lado de ''usos sintaticos" - em que 0 mas adquiriu,
especialmente, a propriedade de contrajunyiio. Nosso estudo tern a mesma linha, com
encaminhamento urn pouco diferente, e 0 que se traz aqui e uma amostra que destaca, no
estagio atual da lfngua, a conviv8ncia de estagios diferentes do uso desse elemento.
Vejam-se os seguintes casos:
a)
[10]
[11]
b)
[12]
p mas"" p = p mas, no entanto, ""p
You bem. Mas vod vai mal.
Tudo isso mefez esquecer um pouco a solidiio. Mas agora!
P mas p-::::>? p mas, no en tanto, p-/?
_ Os bichos comem a gente.
_ Mas a gente niio e isso.
embora p-, p
c)
p mas p+ ::::>? p mas, no entanto, + / ? embora P+, p
[13]
Os medicos vieram ver Aicd e outras v{timas de fogo selvagem que hd no
Xingu. Mas vieram principalmente para Aicd.
*"
*
*"
*
*"
d)
P mas P ::::> P mas, no entanto, p / embora p, p
[14]
A pequena niio era boba, era ate bem sabida, logo se via. Mas se comefasse a
achacd-Io?
[15]
_ Niio. A gleba no Guarujd e uma so, e olhe ld!
_ Mas. Augusto, como voce estd bem disposto!
o que se veri fica, ai, e que, em [lO] e em [11] - que ilustram 0 grau maximo de
gramaticaliza~ao - mas 0 que se pode chamar realmente de "adversativo", valor que a
expressao advebial no entanto acentua. Observe-se, ademais, que, nessas frases,
poderiam, mesmo, coocorrer a conjun~ao (mas) e 0 adverbio (no entanto). JIi nas frases
seguintes - que ilustram graus cada vez mais baixos de gramaticaliza~ao do mas verifica-se que, em grau cada vez maior, esse elemento fica a dever, em termos de
indica~ao de "dire~ao contraria", de "oposi~ao", e repele em grau cada vez maior a
coocorrencia com no entanto.
Outro caso interessante a ser apontado na questao da gramaticaliza~ao se refere
as conjun~oes subordinativas adverbiais. Podem contar-se entre as representantes de
conjun~oes latinas a condicional se e a causal porque. Ao contrlirio, as conjun~oes
concessi vas sao tardias. Lembre-se que 0 proprio termo concessivo surgiu no seculo
XVII (Hermodsson, 1994).0 elemento embora tern origem adverbial: liga-se A locu~ao
em boa hora, que se acrescentava a frases optativas ou imperativas, representando a
cren~a de que 0 exito dos empreendimentos dependia da hora em que ocorriam, como se
ve em Vaamos em boa hora nosso caminho (Zurara, Guine, 337, apud Said Ali, 1964).
Posteriormente, fundiram-se as tres palavras em embora, elemento que passou a ser
muito empregado - ainda com 0 significado de born agouro - com 0 imperativo dos
verbos ir e vir, como em Vay-te embora ou na md hora (Serm 1, 208, apud Said Ali,
1964). Modernamente desapareceu essa acep~ao de votos de born exito, e 0 elemento
embora usado junto a esses verbos de movimento passou a ser entendido como
expressao da no~ao de afastamento, jli presente nos pr6prios verbos. Por outro lado, a
conjun~ao embora e vista tambem em outro percurso de altera~ao semintica: usada posteriormente - como aponta Said Ali (1964:190), para indicar que "se concede a
possibilidade do fato, ou que 0 indivfduo que fala nao se opoe ao seu cumprimento".
Urn dos exemplos que Said Ali apresenta e: Ria embora quem quiser, que eu em meu
siso estou (Oil Vicente). 0 que ocorreu foi que "a principal passou a servir de
e
53
subordinada, e a correlata despe-se da part(cula que, convertendo-se em principal" (Said
Ali, 1964:190).
Nesse percurso - como ocorre tambem com 0 mas - verifica-se a manifesta~ao
das tres tendencias sem~ntico-pragmaticas apontadas por Traugott e Konig (1991) para
a gramaticaliza~iio e que lembram a base metaf6rica desse processo:
a) da situa~iio extema para a situa~ao intema (avaliatival perceptuall cognitiva)
embora: "born augurio" => "preferencia" => "concessiio da possibilidade de urn
b) da situa~ao externa ou intema para a situ~iio textual (coesiva)
embora: "concessao": adverbio => conjun~ao/subordinador;
mas: "diferen~a": adverbio => conjun~ao/coordenador;
c) em dire~ao a uma atitude subjetiva do falante diante da situ~iio
embora: "concessiio" + adverbio => "refuta~iio de obj~iio", com concord~ncia
de falante e ouvinte quanto ao tema e com assun-riio do rema apenas pelo falante"
(Danon-Boileau, 1991);
mas: "diferen~a" + adverbio => "contraposi~ao de argumenta~ao".
Para exame do estatuto categorial de embora, verifica-se que esse elemento se
comporta diferentemente das conjun~oes adverbiais "canonic as":
[16]
Sejam embora as especies tropicais sens{veis, geralmente de dias curtos (l014 dias), isso pouca diferenfafaz em vista das pequenas variafoes. (TF)
o
mesmo nao poderia ocorrer, por exemplo, com as demais "conjun~oes
adverbiais": ?sejam conquanto, *sejam ainda que, *sejam se bem que, *sejam porque,
*sejamse.
b) 0 elemento embora ocorre em ora~iio adverbial de gerundio (anteposto ou posposto
ao verbo):
[17]
Rubem Braga, meu amigo, ameafou-me com cicuta, embora adocicando-a,
por ser amigo, com Coca-Cola. (MH)
[18]
A estrategia de desenvolvimento adotada, respeitando embora a prioridade
essencial que se deve dar ao crescimento do produto real, preocupa-se, sobremaneira,
com a universalizafiIo dos beneftcios que seforem alcanfando. (ME-O)
o mesmo
?respeitando
niio poderia ocorrer, por exemplo, com outros juntivos adverbiais:
conquanto,
*respeitando
ainda que, *respeitando
se bem que, *se
54
respeitando, *respeitando se, *respeitando porque. Observe-se que conquanto e ainda
que, entretanto, ocorrem com gen1ndio:
[19]
Conquanto usufruindo os beneflcios da riqueza, aquele varao tinha uma boa
consci€ncia que 0 atormentava, culpando-se pelos pelos seus desatinos. (LE-O)
[20]
Ainda que apoiando 0 pacote em linhas gerais, 0 ex-ministro recomenda que 0
excesso de demanda seja esfriado. (VIS)
Verifica-se, assim, que esses elementos se situam num intermedio do percurso
de gramaticaliza\rao, ja que podem ocorrer em ora\rao de gen1ndio (0 que os afasta das
conjun\roes prototfpicas), mas nao podem pospor-se ao gen1ndio (0 que os aproxima
dessas conjun\roes). A pr6pria conjun\rao porque ocorre com gen1ndio:
[21]
A paz niio pode estar baseada numafalsa retorica de palavras, bem recebidas
porque correspondendo a profundas e genu(nas aspirafoes do homem. (CPO)
[22]
Disciplina, tal como a entendemos, e usada como sinOnimo de ci€ncia, muito
emhora 0 termo "disciplina" seja mais empregado para designar 0 "ensino de uma
ci€ncia". (IP)
[23]
Grande perdiio venha de let sobre todos os todos os nossos inimigos ou sobre
todos aqueles que julgamos tais, muito embora objetivamente devam chamar-se
benfeitores. (NE-O)
o mesmo nao poderia ocorrer, por exemplo, com os outros juntivos adverbiais:
*muito conquanto, *muito ainda que, *muito se bem que, *muito se, *muito porque.
Considerando-se que muitos dos elementos usados na articula\rao de ora\roes
estao envolvidos em processo de gramaticaliza\rao, e observado 0 seu comportamento
nos enunciados da lfngua, verificou-se que esses elementos podem ser colocados em
pontos de escalas, segundo os diferentes estagios em que se encontram, nesse processo,
'na dire\rao do estatuto de "conjun\rao".
Na chamada "coordena\rao", propoe-se aqui uma escala, na dire\rao do menos
gramatical para 0 mais gramatical, com 0 seguinte percurso:
entretanto, contudo, todavia, etc. ~ porem ~ mas ~ e, ou
Na chamada "subordina\rao" de rela\rao lato sensu causal, propoe-se, na mesma
dire\rao, uma escala com 0 seguinte percurso:
embora ~ porque ~ se
Partindo-se do princfpio de que a gramaticaliza\rao se explica nao como uma
transi\rao que se faz com entidades discretas, mas como uma extensao gradual do uso de
uma entidade original, facilmente se entende, por exemplo, que 0 elemento porem possa
comportar-se ora como mas (seu vizinho a direita na escala) ora como entretanto (seu
vizinho it esquerda). E~tende-se, tambem, por exemplo, que 0 elemento embora possa
ser entendido, em certos casos, como do mesmo estatuto de se ou de porque, mas possa
comportar-se, em outros casos, como urn verdadeiro adverbio. Todo esse processo tern
motiva~ao nas necessidades comunicativas nao satisfeitas pelas formas existentes, bem
como na exist8ncia de conteudos cognitivos para os quais nao existem designa~oes
lingiifsticas adequadas. Merece destaque, ainda, 0 significativo fato de que, para
satisfazer a essas necessidades, novas formas gramaticais podem desenvolver-se ao lado
de estruturas equivalentes disponfveis, podendo ocorr8ncias diversas de urn item exibir
caracterfsticas de diferentes categorias, sem que se possa dizer que urn elemento seja, ao
mesmo tempo, membro de duas categorias gramaticais diferentes.
RESUMO: Este estudo examina 0 conceito de gramaticalizafiio,
buscando avaliar,
especialmente, 0 estatuto - mais gramatical, ou menos gramatical - de determinados
elementos conjuntivos oracionais, dentro do quadro da gramdtica da Ungua.
PALAVRAS-CHA VE:
conjuntivos.
gramaticalizafiio,
combinafiio
de
orafoes,
elementos
CASTILHO, A.T. (1997) Lingua falada e gramaticaliza~ao. Filologia e LingiUstica
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