Entende-se por valencia a capacidade do verbo ou de

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ABSTRACT: This paper presents some considerations about the Valency Theory.
focusing the syntactic valency and its divulgation by German linguists. Special attention
is given to the Portuguese linguist, Mario Vilela. who, inspired in the German scholars.
offered a systematic classification of the Portuguese verbal valency.
Entende-se por valencia a capacidade do verbo ou de qualquer outro
elemento de admitir facultativa ou obrigatoriamente uma determinada quantidade de
complementos oracionais (actantes I argumentos I "lugares vazios") para formar
constru~oescompletas, quer do ponto de vista sintatico, quer do semftntico.
o termo valencia deve ser, entiio, considerado a partir desses dois pIanos: 0
sintatico e 0 semftntico,em fun~iioda rela~iiode paralelismo e de interdependencia em
que se encontram.
Como bem disse 0 precursor dessas ideias, Lucien Tesniere (1959) em seu
estudo Elements de Syntaxe Structurale, a Sintaxe tem por objetivo tornar possfvel a
expressiio da Semantica. Essas duas faces da valencia estiio intimamente unidas,
correspondem-se mutuamente, mas niio de forma isomorfa. Dois verbos podem
apresentar a mesma valencia semftntica e, no entanto, possuir valencias sintaticas
diferentes, sendo 0 contrarlo tambem vatido - ha verbos que possuem a mesma valencia
sintatica, e valencias semftnticasdistintas.
Tesniere, instigado por essa no~iio de valencia e suas implica~oes, chegou a
uma teoria que denominou Granuitlca ou Teorla das Valencias. Nesse contexto,
garante ao verbo a condi~iiode elemento central da frase, fazendo, com essa postura,
cair por terra 0 aspecto mais arraigado da Gramatica Tradicional e da Gramatica
Gerativa, a divisiio bipartida da frase em, respectivamente, sujeito e predicado, e
sintagma nominal e sintagma verbal (SN + SV).
A validade da teoria tesneriana deve-se ao fato de niio restringir suas
coloc~oes e analise aos aspectos morfossintaticos da lfngua. Essa teoria ultrapassa-os,
vai alem da mera elenca~iio de regras, exce~oes, formulas - 0 seu objetivo e
trabalhar com 0 verbo do ponto de vista da sua pertinencia; niio priva 0 falante de
explicar uma frase a partir de categorias sintaticas e semftnticas.
A teoria valencial foi definitivamente introduzida no dmbito lingiHstico gra~as
a a~iio de H. Brinkmann, J. Erben e P. Grebe, que se empenharam em aplicar os
conceitos referentes a essa teoria na lfngua alemii. Com essa atitude, a Gramatica das
Valencias passou a ter a sua aplicabilidade e funcionalidade comprovadas. No entanto,
quem primeiramente se referiu a esse termo foi 0 lingiiista holandes de Groot, num
estudo intitulado Structurale Syntax, durante muito tempo desconhecido em fun~iio da
dificuldade representada pela lfngua materna do autor (Liberato Martinez, 1981).
A teoria de Tesniere, uma vez introduzida na Alemanha, desenvolveu-se em
dois enfoques. Havia urn grupo de lingUistas, dentre eles Brinkmann, Erben, Heringer,
que aplicava 0 termo valencia apenas aos verbos, e outro grupo, cujos representantes
eram Helbig, Schenkel, Engel, etc, estendeu essa capacidade aos substantivos, adjetivos
e, especificamente em alemiio, as preposi~oes,
alem dos verbos. Apesar dessa
diferen~a de alcance do emprego do termo valencia, a concep~iio dos alemiies refletia
urn consenso: concordavam com a exigencia de zero, urn ou mais complementos
obrigat6rios por natureza, dos quais urn ou outro podia
ser
facultativo se se
considera 0 fen6meno
de varia~iio valencial) e de implica~oes contextuais. Esse
conceito liga-se, assim, diretamente a no~iio de valencia sintatica e semdntica do verbo.
Vale lembrar que niio se aplica a valencia sintatica aos complementos de frase,
os chamados por Tesniere circunstantes, que
trazem informa~oes exteriores e
desnecesslirias para a significa~iio do verbo. Pode-se recorrer a uma clara distin~iio se se
pensar em: Pedro comprou vdrios livros num sebo em Assis. Nesta frase, os unicos
complementos do verbo siio "Pedro" e "vmos livros", os demais elementos constituem
circunstantes, portanto, desprovidos de rela~iio com a valencia do verbo.
Partindo dessa perspectiva, os lingoistas alemiies formularam suas listas de
complementos, lan~ando miio da letra g (inicial de Erganzung, ou seja, complemento,
em alemiio) para representa-los.
Essa realidade pode ser constatada no quadro comparativo dos complementos
oferecido por Liberato MartInez (1981 : 37):
Engel
Erben
Heringer
Eo
E)
E)
E)
~
E3
E4
~
E3
~
E4
E3
Grebe
sujelto
RalllEngel/
Rail
complemento
elemento
nominAtivo
b4sico
objelo
complemenlO
elemonto
acusativo
acuaativo
meta.flm
objelo genitivo
complemento
elemento
I!CIlitivo
oartitivo
objoto dativo
complemento
dativo
E4
Es
Es
objOlo
Es
Glinz
olemonto
oreooslcional
comnlcmenlo
comnlemento
sujelto
objoto acuaativo
objeto genltivo
de
objoto
dativo
IncUnacln
objeto preposlclonal
complemento
nrennsicional
Flaming
olemenlo
delenninaclo
silUativol
adverbial
tempo, causa,
particula dc
limitada (local, modo
modo (cm parte)
silUa~Ao
instrumental)
de lugar,
E6
Eadv
dc silUa~Ao
complemcnto dc
complemento
detennina~Ao
lugar
de dir~Ao
dirccional em uniAo
nrcdlcativa IImitada
E,
E6
E6
Dominativa
e
acusativo de
iouaJdadc
Es
Eadj
complemento
elcmento
nominal (em nominativo
de
predlcativo
iguaJdade
substantivo
ou acusativo \
adjctivo
complcmcnto de
complemcnto
particula de
predicativo
predicativo
modo
qualificativo
iguaJdadcl
adjctival
elemenoo
situatiYO
Eg
---
constru~Ao
(infinitiYo)
compiemcnoo yerbatiyo
Infmitiya
infmitiyo
---
dcoendente
Com as coloca~oes tesnerianas e com a leitura de autores alemiies, Mario
Vilela desenvolve uma classifica~iio sistematica e aplicavel a nossa Hngua materna, no
que diz respeito aos aspectos morfo-sintaticos.
Considera 0 elemento verbal 0 centro gerador da ora~iio, ao qual se ligam os
actantes, tambem chamados complementos pelos germanistas. A partir daf, surge a
no~iio de valencia Quantitativa - hli verbos sem actantes e verbos com urn, dois, tres e
quatro actantes. Conforme a sua necessidade, 0 verbo e nomeado, pois, como avalente
(Ventava.), monovalente (0 garoto sorria.), bivalente (A empregada lavou a lou~a.),
trivalente (A professora recebeu flores dos alunos.) e tetravalente (Paulo traduziu 0
livro do espanhol para 0 alemiio.).
Levando em conta a referencia da valencia sintatica quanto as propriedades dos
argumentos dos verbos, depara-se com a presen~a de varios tipos de actantes: a valencia
Qualitativa. De acordo com a orienta~iio geral de Vilela, esses actantes, que se
relacionam com 0 verbo, podem ser representados pela letra maiuscula A (actantes),
acompanhada de elementos numericos. A lista de actantes e a seguinte:
At- corresponde ao sujeito tradicional (niio traz marca preposicional
ocupa a posi~iio anterior ao verbo).
o estudante depende dos pais para concluir os estudos.
Ar corresponde ao complemento direto tradicional,
sujeito da voz passiva.
o medico aplicou um anestesico no paciente,
e geralmente
quando for transformavel
em
A3- complemento indireto tradicional, quando permite a pronominaliza~iio e, quando
nominal, vem regido por uma marca preposicional (!Lou para).
o fiel amigo deu-Ihe os parabens.
A4- complemento preposicional com preposi~ao fixa~,.!!, em ...), sem possibilidade de
ocorrer pronominaliza~ao; a preposi~ao nao depende do complemento, e sim do verbo.
A auxiliar de enfermagem precisa do medico.
As- actante locativo; qualquer indica~ao de lugar com ou sem movimento.
Venho de Sao Paulo.
Pedro mora em Sao Paulo.
A6- complemento modal.
Correu tudo hem na cirurgia.
A7- actante temporal, precedido pela marca para, de, desde ...
A prova foi marcada para amanha.
As- complemento de quantidade (medida, peso, dura~iio, pre~o ...). Ocorre
freqil8ncia com verbos do tipo de durar, pesar, medir, custar.
A cirurgia durou cerca de cinco horas.
com
A9- corresponde ao agente da passiva tradicional.
o dclistafoi atropelado pelo caminhao.
AlO- actante predicativo de complemento direto tradicional
predicativos de verbos bivalentes .
o povo elegeu Barbosa prefeito.
e
tambem
os nomes
Quanto a estrutura interna de cada complemento, vale ressaltar que hl1 actantes
que se restringem a forma adverbial ou equivalente (As, ~, A7), a forma de um
sintagma nominal ou adverbio de quantidade (As), a urn sintagma nominal
preposicionado ou equivalente (A9), e a urn adjetivo ou equivalente (AJO). Alem da
forma de sintagma nominal, podem ocorrer por meio de outras estruturas, como frases
completivas, constru~oes infinitivas, interroga~ao indireta, e pronomes em geral, 0 AI e
Az, sem ressalvas, e A3 e ~, se se desconsiderar a interrogativa indireta.
P6de-se perceber atraves das observa~oes realizadas que a Teoria das
Val8ncias trabalha em fun~ao dos aspectos pertinentes, funcionais da Hngua. Nomeia urn
elemento essencial, 0 verbo, teoriza e aplica essa teoria a partir desse elemento, sem 0
qual a frase niio poderia ocorrer.
Esse procedimento de cunho objetivo, concreto deve-se primeiramente aos
estudos do franc8s L. Tesniere, e a~ao dos germanistas que atuaram, como tudo indica,
na divulga~iio e aperfei~oamento dos conceitos tesnerianos no mundo lingtiistico.
Gra~as a esses estudos, a Teoria das Val8ncias atingiu, por sua coer8ncia e
funcionalidade,
a Lingua Portuguesa, atraves dos estudos de Mario Vilela, e vem
conquistando lingtiistas de vacias nacionalidades.
a
363
No tocante a Ungua Portuguesa, ha, ainda, a urg~ncia de se propagar essa
proposta na gradua~ao, como se vem fazendo entre alunos e professores da P6sGradua~ao, para que os graduandos, futuros profissionais da lingua, se conscientizem da
necessidade de urn re-pensar 0 t6pico sintaxe gramatical, mais pautado na observa~ao
da lfngua. E preciso que tomem conhecimento de que ha outros meios mais eficazes de
se entender a lingua e de ensina-Ia.
* Este
trabalho faz parte de uma Sessao de Comunica~oes Coordenadas, Teoria das
VaMncias; foi elaborado para 0 XLV Seminano do GEL.
1 A varia~iio de val~ncias ocorre quando 0 verbo apresenta
varios significados
correspondentes a diferentes estruturas relacionais. - Cf. VILELA, M. Gramatica de
VaMncias: Teoria e Aplicafiio. Almedina, Coimbra: 1992, p. 61.
2 Niio e possfvel aplicar 0 conceito de val~ncia aos verbos ~
e estar, ja que eles nao
possuem valor semfuttico em si, ou seja, correspondem a verbos copulativos. A condi~ao
desses verbos pode ser comprovada com as seguintes frases: Voce e agradavel, que
equivale a Voce agrada; 0 mesmo com A rosa esta murcha e A rosa murcha I
murchou.
RESUMO: Este trabalho pretende fazer algumas considerafoes acerca da Teoria das
VaMncias, no que se refere a vaMncia sintatica e a sua divulgafiio grafas a afiio de
lingiiistas alemaes. Merecem especial atenfiio os estudos de Vilela, que, de acordo
com essa nova perspectiva, trouxe uma classificafiio sistematica e aplicavel ao
portugues.
LIBERATO MARTINEZ, M. (1981.). Los complementos preposicionales segun la
gramatica dependencial del verbo: Estudio Contrastivo aleman- espanol. (Tesis
Profesional). Mexico: Facultad de Filosoffa y Letras - Universidad Nacional
Aut6noma de Mexico.
TESNIERE, L (1959). Elements de Syntaxe Structurale. Paris: Klincksieck.
VILELA, M e BUSSE, W. (1986). Gramatica de Val€ncias. Coimbra, Almedina.
VILELA, M. (1992). Gramatica de VaLencias: Teoria e Aplicafiio. Coimbra, Almedina.
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