o ERRO NO PROCEDIMENTO DE CORREf;Ao ETIPOLOGIA NA LfNGUA FALADA: NOf;Ao Maria Eulalia Sobral TOSCANO (Universidade Federal do Para - Universidade de Silo Paulo) ABSTRACT: This paper considers conversation as a locally planned speech activity whose conditions of production favour the occurrence of various linguistic phenomena, one of which is correction. It discusses the notion of error in the spoken text, and classifies the errors according to the nature of the phenomenon they point to. Este trabalho distingue a conversa~ao como uma atividade de fala cujas condi~oes de produ~ao (quase simultaneidade entre elabora~ao e verbaliza~iio) revelam seu proprio processo de edi~ao. Dentre os fen6menos lingiHsticos que desnudam este em se fazendo esta a corre~ao, procedimento que se encontra apagado na llngua escrita e a descoberto na Hngua falada. Baseados no conceito de reformula~ilo discutido por GULICH & KOTSCHI (1987) e GAULMYN (1987), definimos corre~ilo, a exempl0 desses autores, como 0 procedimento atraves do qual, no contexto de uma primeira formula~ilo (FI), se realiza uma segunda (Fz), que mantem com aquela rela~oes semdnticas que variam desde a nega~ilo do conteudo proposicional da primeira formul~ilo ate urn nfvel em que nlio hIi propriamente oposi\rilo entre as duas formula\roes, mas, simplesmente, diferentes focaliza\roes sobre 0 estado de coisas referido pelo discurso. Nosso objetivo e discutir a nO\rilode erro sob 0 ponto de vista da Analise da Conversa\rilo e classificar estes erros segundo a natureza do fen6meno em questao. Para tanto, tomamos duas conversa\r0es do arquivo de Ataliba Teixeira de Castilho, ora em organiza\rilo, gravadas e transcritas por alunos de Lingua Portuguesa VII do curso de Letras da Universidade de Silo Paulo no primeiro semestre de 1996. Erro e 0 que e considerado inadequado pelo falante para atender aos seus objetivos comunicativos e nilo, obrigatoriamente, 0 que transgride as regras da gramatical (geralmente a da variedade lingUfstica tida como padrilo). Cabe ao falante decidir se a formula\rilo esta "errada" ou nilo em razilo do que ele pretende fazer ser!fazer com a Hngua. Neste sentido, a corre~ao so se implementa se 883 o falante distingue uma primeira formula~ao (PI) como impr6pria e, por esse motivo, produz uma segunda formula~ao (Fz) no contexto daquela, que pode anular a verdade do conteudo proposicional de FI ou apenas dar-Ihe uma outra orienta~ao discursiva. Conclui-se, portanto, que 0 procedimento de corre~ao na conversa~ao distancia-se muito da no~ao do senso comum de corre~ao, da mesma maneira como a defini~ao de erro e eqtiidistante do que comumente se entende por erro: "erro" refere-se a primeira formula~iio (PI) e "corre~iio", a segunda formula~iio (Fz) que se realiza no contexto da primeira. Os erros informacional. (inadequa~oes) podem ser do tipo gramatical, discursivo ou As formula~oes com inadequa~oes gramaticais sao aquelas que apresentam erros concernentes a gramatica da lingua alvo. Estes errOS podem ser de natureza morfossintatica, fonetico-fonol6gica ou semantica. Os erros morfossintaticos mais comuns dizem respeito a: a) concordancia nominal; (1) FIA:eu gasto uns tres pau e meio ... ce ganha quatro Fz mas gasta tres paus e meio pra sustentar e pra viver (2) FI B: e as medidas ne? Fz as medidas sao muito diferencial (3) FI B: eu tava indo no quarto ana A: tambem hein? Na Ibero ... na PUC 6 a cole~ao ...que tive que refazer Fz B: niio entiio eu tava indo pro quarto ana (4) FI A:eu odeio gente que antes de sair ja ta perguntando onde e a hora de vail Fz que vai voltar ... (5) F, A: quem paga quarenta reais pra mim dar aula de matematica? at ele entrou em crise F2 B: nem vinte A: at ele entrou em crise ele falou assim 0 QU~? Quarenta reais a hora? eu falei e::pra eu ir na casa do cara ... Os erros de natureza fonetico-fonol6gica referem-se a a1tera~oes geralmente de ordem segmental (troca de fones) e podem estar condicionados pelo ambiente foneticofonol6gico do(s) enunciado(s) circunvizinho(s) ou pelo grande numero de tra~os comuns existentes entre F1 e F2• (7) F1 --> A: ai que aconteceu? eu peguei... ahn ... F2 decidi que tinha que mudil mudar de Os erros de ordem semantica dizem respeito aos casos em que 0 falante procede a sele~oes lexicais inadequadas e, em vista disto, realiza a corr~lio. Neste particular, as corr~oes referem-se a incompatibilidades semanticas verificadas entre os constituintes de uma constru~ao sintagmatica. (9) L2: ela desligou ... F1 ela desliGOU 0 show chegoul F2' desligou os aparelhos ne? F2" acabou com 0 show foi Ia acabou 0 tempo e e isso ... As inadequa~oes do tipo discursivo concernem, fundamentalmente, As altera~oes no percurso do discurso, As mudan~as nas rela~oes intersubjetivas e As mudan~as de atitudes do falante (expressao de sentimentos, opinioes) ante ojd-dito. Esta reorient~ao discursiva pode se dar, dentre outros fatores, em virtude do(a): a) aspecto categ6rico do enunciado; (10) F1 B: nlio pai e mae as vezes e urn crime ne? .. F2 as vezes chega a ser urn crime (11) F1 A: ces viram uma loira IIi uma loira horroRO::AS fiNfsSIMA F2 e/e/eu acho aguela mulher horrorosa (12) F1 F2 A: 0 proBLEma e 0 cara e urn pintor niio tern trabalho fixo e ainda e urn pintor como voce coloca af o problema niio e s6 ser pintor e totalmente desestruturado (13)FI A: eu falei paL. 6i eu vo vo eu vou entrar e dentro do seu argumento F2 porque 0 teu argumento e... dinheiro ta certo? (14) B: ce niio sabe NA:da F1 -+ F2 imagina vocltua irmii engravida de urn cara F1 -+ F2 que voce ninguem sabe nada (15) B: tradi~iio e urn problema o problema e uma tradi~iio ... A: e B: acaba sendo uma tradi~iio porque:: 0 modo de voce encarar as coisas e tiio limitado ... que:: que:: F1 -+F2 isso/ ... esse 0 0 a tradl 0 problema e que se torna tradi~iio 2.3. Erros do tipo informacional As inadequa~oes informacionais colocam em cena especificamente a informa~iio provida pelo falante. Neste caso, 0 falante reformula F) por considerar a informa~iio nela contida insuficiente e/ou vaga, gerando imprecisoes, ou desconforme com os fatos da realidade, ou seja, a inadequa~iio decorre da falta de correspondencia, total ou parcial, entre a informa~iio fornecida pelo falante e a realidade objetiva dos fatos. Nesta categoria, 0 erro pode ser creditado a: a) imprecisiio informativa elou referencial; (16) F1 B: quando saiu aquele neg6cio de de .. F2 quando saiu uh/a lista de dispensa de disciplinas b) posslvel falta de correspondencia entre os fatos da realidade objetiva e a informa~iio fornecida pelo falante. (17) F1 A: eu telefonei pra ela ... de manhii:: de manhii nada F2 eraldevia ser hi uma hora e tanto .. Algumas observa~oes podem ser feitas a partir da analise dos dados: a) 0 erro na conversa~iio distancia-se e muito, do que tradicionalmente se entende por erro: urn fato s6 se torna erro no momento em que 0 falante implementa a corre~iio; b) os erros destacados pelo falante siio de natureza diversa, a saber, gramatical, discursiva e informacional; c) dentre os erros gramaticais (15,7%), os de natureza fonetico-fonol6gica (2,5%) e semlintica (2,5%) perfazem menos da metade do total dos erros de natureza morfossintatica, decorrendo desta observa~iio, pelo menos, duas constat~oes: 1) siio os fatos morfossintaticos os que sofrem maior monitora~iio; 2) os falantes demonstram ser mais "tolerantes" com os fatos fonetico-fonol6gicos e semlinticos; d) os erros discursivos (60,3%) totalizam mais da metade da somat6ria dos outros tipos de erros, 0 que indica que a corre~iio e sobretudo uma questao discursiva, concernente as atitudes e posi~oes do falante ante 0 mundo enredado pelo discurso; e) depois dos erros discursivos, os erros informacionais foram os que tiveram maior incidencia (24%), 0 que atesta que a corre~iio e urn fen6meno constrangido em grande parte pelo mundo exterior ao discurso, uma vez que e a inadequ~iio a este mundo (realidade objetiva dos fatos) que e objeto de corre~iio. 1. Gramatica e 0 conjunto das possibilidades e das restri~oes morfossintaticas, foneticofonol6gicas e semlinticas de uma dada variedade de lfngua. RESUMO: localmente len(Jmenos e classifica Este trabalho considera a conversafiio como uma atividade de lala planejada cujas condifoes de produfiio lavorecem a ocorr2ncia de vdrios lingiUsticos, dentre eles, a correfiio. Discute a nOfiio de erro no texto lalado os erros segundo a natureza do len(Jmeno em questiio. GAULMYN, M-A de (1987). Actes de reformulation et processus de reformulation. In: BANGE, P. (ed.). L'analyse des interactions verbales. La dame de Caluire: une consultation. Actes du Colloque tenu a l'Universite Lyon 2, 13 a 15 dez., 1985. Berne, Peter Lange. GULICH, E. & KOTSCHI, T. (1987). Les actes de reformulation dans la consultation "La dame de Caluire". In: BANGE, P. (ed.). L'analyse des interactions verbales. La dame de Caluire. Actes du Colloque tenu a I'Universite Lyon 2, 13 a 15 dez., 1985. Berne, Peter Lange.