123 ESTADO DO RIO DE JANEIRO PODER JUDICIÁRIO Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro Vigésima Sétima Câmara Cível do Consumidor APELAÇÃO CÍVEL Nº. 0009256-44.2014.8.19.0204 APELANTE: SERV-BABY HOSPITAL MATERNO INFANTIL LTDA APELADO : JEAN PINHEIRO DOS SANTOS RELATOR : JDS DES. JOÃO BATISTA DAMASCENO EMENTA: APELAÇÃO. AÇÃO DE REPARAÇÃO DE DANOS. RELAÇÃO DE CONSUMO. SERVIÇO HOSPITALAR. PACIENTE QUE APÓS MEDICAÇÃO SOFRE DESMAIO E, COM A QUEDA, SUPORTA LESÃO FÍSICA. VIOLAÇÃO AO DEVER DE CUIDADO. EXISTÊNCIA DE NEXO CAUSAL ENTRE O DANO SUPORTADO PELO AUTOR E A QUEDA NO HOSPITAL. FALHA COMPROVADA NA PRESTAÇÃO DO SERVIÇO. DANO MORAL IN RE IPSA. QUANTUM RAZOAVELMENTE FIXADO EM R$ 7.000,00 (SETE MIL REAIS). ALEGAÇÃO DE SENTENÇA EXTRA PETITA QUE SE REJEITA. PROVA PERICIAL DESNECESSÁRIA AO DESLINDE DA CAUSA. SENTENÇA QUE SE CONFIRMA. RECURSO DESPROVIDO, COM FULCRO NO ART. 557, CAPUT, DO CPC. DECISÃO JEAN PINHEIRO DOS SANTOS ajuizou ação de reparação de danos em face de SERV-BABY HOSPITAL MATERNO INFANTIL LTDA. Em sua inicial sustentou, em síntese, o seguinte: 1) que em 11 de maio de 2013 compareceu até o hospital réu com suspeita de dengue; 2) que no atendimento foi aplicado antibiótico injetável chamado Benzetacil; MM Apelação Cível n° 0009256-44.2014.8.19.0204 27ª Câmara Cível/Consumidor JOAO BATISTA DAMASCENO:000016691 Assinado em 25/08/2015 08:26:50 Local: GAB. JDS. DES. JOÃO BATISTA DAMASCENO 124 3) que após a aplicação da injeção veio a desmaiar caindo no chão quebrando o seu dente; 4) que o hospital de pronto se prestou a pagar pelo tratamento odontológico, mas não cumpriu; 5) que devido ao ocorrido quase perdeu a chance de ir para o quartel. Por fim, pugnou pela condenação da ré na reparação do dano moral, além da sucumbência. Com a inicial de fls. 02/06 vieram os documentos de fls. 12/36. Despacho citatório à fl. 38, onde também foi designada audiência prévia. Audiência restou realizada nos termos da assentada de fl. 43, onde a ré apresentou contestação de fls. 44/59, acompanhado de documentos de fls. 64/73, argüindo que foram prestados todos os cuidados ao autor; que o mesmo não apresentava quadro de dengue; que não houve falha na prestação de serviço. Por fim, pugnou pela improcedência dos pedidos autorais. Sentença de procedência parcial do pedido, nos seguintes termos: “...Por tudo o que foi exposto, JULGO parcialmente PROCEDENTES os pedidos autorais, resolvendo o mérito na forma do art. 269, I, do Código de Processo Civil, condenando o réu a: 1 - indenizar o autor a quantia de R$ 7.000,00 (sete mil reais) para compensar os danos morais experimentados, observando-se também o caráter punitivopedagógico da condenação, com juros desde a citação e correção monetária desde a sentença. Condeno as rés no pagamento das despesas processuais e nos honorários advocatícios que arbitro em 10% sobre o valor da causa, com fulcro no artigo 21, parágrafo único, do CPC, a serem recolhidos em favor do Centro de Estudos Jurídicos da Defensoria Pública do Estado do Rio de Janeiro...” Parte ré interpôs recurso de apelação e sustentou, em síntese, o seguinte: 1) que na peça vestibular o apelado reclamou que os prepostos do hospital teriam realizado a aplicação de vacina errada, uma vez que a medicação denominada benzetacil não poderia ser aplicada em um paciente com suspeita de dengue, o que ensejou o desmaio; 2) que se defendeu MM Apelação Cível n° 0009256-44.2014.8.19.0204 27ª Câmara Cível/Consumidor 125 exclusivamente desta alegação, demonstrando que o apelado não se encontrava acometido pela dengue, de modo que não existia nenhuma contraindicação na aplicação da vacina de benzetacil; 3) que restou demonstrado que seus prepostos prontamente socorreram o paciente, realizando imediato exame de tomografia computadorizada para apurar eventuais traumas que pudessem ter ocorrido com a queda brusca, sendo certo que ainda mantiveram o paciente em observação neurologia; 4) que a r. sentença condenou o nosocômio em fundamento diverso do alegado na peça vestibular, qual seja, de que os prepostos do hospital teriam deixado de alertar o paciente sobre a necessidade de permanecer deitado após a aplicação da vacina; 5) que não se verifica dos autos da presente demanda nenhuma alegação ou comprovação de que os pacientes devem permanecer deitados após a aplicação da vacina benzetacil, sendo certo que não existe na literatura médica qualquer recomendação de repouso após a administração da vacina; 6) que o desmaio sofrido pelo apelado se trata de intercorrência que não poderia ter sido evitada pelos prepostos, eis que decorreu de uma reação imprevisível do próprio organismo do apelado; 7) que houve cerceamento de defesa uma vez que o julgamento se deu sem a prova pericial requerida; 8) que somente através da competente produção de prova pericial que poderia se esclarecer se os prepostos foram omissos no momento posterior à aplicação da vacina no apelado, se a vacina era contraindicada para o quadro clinico do apelado e se, após a aplicação da vacina, se faz necessário algum repouso do paciente; 9) que a sentença é extra petita; 10) inexistência de falha na prestação do serviço. Por fim, pugnou pela anulação da sentença para realização da prova pericial ou, alternativamente, a reforma da sentença para julgar improcedente o pedido inicial. Contrarrazões às fls. 107/114. É O RELATÓRIO. DECIDO. O recurso é tempestivo e deve ser conhecido, podendo ser apreciado monocraticamente. Cuida-se de ação de reparação de danos onde o autor alega ter comparecido no hospital/réu com suspeita de dengue e lhe foi ministrado antibiótico injetável, sendo certo que após a aplicação veio a desmaiar e, com a queda, quebrou seu dente. MM Apelação Cível n° 0009256-44.2014.8.19.0204 27ª Câmara Cível/Consumidor 126 A ré não nega o desmaio do autor e quebra de seus dentes, alegando apenas que se trata de fato imprevisível e que, portanto, não tinha como impedir. É sabido que a responsabilidade dos estabelecimentos hospitalares é de natureza objetiva, conforme preceitua o Código de Defesa do Consumidor, diversamente da responsabilidade civil do médico, que é subjetiva. O artigo 14 do Código de Defesa do Consumidor (Lei nº 8078/90) dispõe sobre a responsabilidade por danos causados aos consumidores por serviços prestados de forma defeituosa e consagra a responsabilidade objetiva, nos seguintes termos: “O fornecedor de serviços responde, independentemente da existência de culpa, pela reparação dos danos causados aos consumidores por defeitos relativos à prestação dos serviços, bem como por informações insuficientes e inadequadas sobre a sua fruição e riscos”. Assim, o paciente pode demandar a reparação em face do estabelecimento hospitalar, apenas provando a efetiva ocorrência do dano e do nexo de causalidade – incumbindo ao hospital provar as excludentes do art. 14, § 3º, como único modo de se exonerar do encargo. In casu, o cerne da questão consiste em analisar ocorrência de falha na prestação do serviço, quanto ao fato do autor ter se acidentado no interior das dependências do hospital/réu, após aplicação de antibiótico injetável. A ré alega que o julgado é extra petita porque o fundamento utilizado é diverso do explicitado pelo autor em sua inicial e que há necessidade de realização de prova pericial para comprovar que o desmaio do autor se trata de uma intercorrência que não poderia ter sido evitada. Analisando o caso concreto, verifica-se que restou incontroverso o nexo causal entre o desmaio com quebra de dentes do autor e a queda ocorrida nas dependências do hospital após recebimento de medicação, sem o cuidado que lhe era devido. Em que pesem as razões recursais, pouco importa se o desmaio do autor se deu por aplicação de medicação inapropriada ao seu quadro clinico ou por não ter sido advertido de que deveria fazer repouso. O que importa é que posteriormente ao recebimento da medicação nas MM Apelação Cível n° 0009256-44.2014.8.19.0204 27ª Câmara Cível/Consumidor 127 dependências do hospital/réu, o autor sofreu desmaio e, ao cair, quebrou seus dentes e suportou os danos alegados na inicial. Portanto, não há que se falar em julgamento extra petita ou necessidade de realização de prova pericial a fim de comprovar se os prepostos da ré foram omissos no momento posterior à aplicação da medicação ou se era necessário algum repouso do paciente. Nesse sentido, diante da inequívoca falha na prestação do serviço, não há dúvidas acerca do dever de indenizar, eis que o atendimento prestado ao autor foi incompatível com a destreza e eficiência que devem orientar os serviços hospitalares. O dano moral, neste caso, ocorre in re ipsa, admitindo-se, sem qualquer dúvida, que sofrer perda dos dentes em razão de queda nas dependências de estabelecimento hospitalar, após ser submetido a atendimento médico, ultrapassa os limites do mero aborrecimento, causando sérias aflições e angústias, restando apenas apreciar o quantum indenizatório arbitrado. Nesse aspecto, considerando as circunstâncias do caso concreto, verifico que o valor arbitrado pelo Juízo a quo, em R$ 7.000,00 (sete mil reais), observou o princípio da proporcionalidade em relação ao dano moral sofrido e prestigiou o aspecto inibitório e punitivo do instituto. Neste sentido a jurisprudência: “INDENIZATÓRIA. PACIENTE QUE, AO REALIZAR EXAME RADIOLÓGICO, DESMAIA E SOFRE QUEDA EM HOSPITAL. AGRAVAMENTO DE SEU QUADRO DIANTE DAS LESÕES SOFRIDAS. FALHA DA INSTITUIÇÃO HOSPITALAR. DANOS MATERIAS E MORAIS. LUCRO CESSANTE. RENDA NÃO DEMONSTRADA O laudo pericial deixa claro a grave falha cometida pelo técnico em radiologia que, atendendo a autora com histórico de desmaio, simplesmente não permite que a mesma se fizesse acompanhar no exame, obviamente com o necessário uso de equipamento de segurança que deveria existir no local, medida que certamente evitaria a queda que lesionou a autora. Agrava-se a falha pela inexistência, no prontuário da autora, de informações acerca da colocação de colar cervical e do uso de prancha estabilizadora, procedimentos obrigatórios em traumas cervicais. Tal fato demonstra que, naquele momento, a ré não primou pelo MM Apelação Cível n° 0009256-44.2014.8.19.0204 27ª Câmara Cível/Consumidor 128 melhor atendimento ao problema que ela mesmo havia criado. Induvidoso que o quadro da autora foi agravado pela queda ocorrida nas instalações da ré retardando seu retorno a São Paulo e ensejando o afastamento da autora de suas atividades por 05 meses e cinco dias desde 04/01/2009. Demonstrado o nexo de causalidade, a falha na prestação do serviço impõe à ré a reparação dos danos causados à autora. O dano material é representado pelos valores despendidos pela autora em razão do evento e nestes se incluem medicamentos e itens necessários ao seu tratamento assim como o valor gasto com passagens aéreas para sua mãe que viria acompanhá-la até o retorno à sua cidade. A análise do aumento do seguro saúde feito pelo sentenciante se mostra correta e não enseja ressalvas. Em que pesem as alegações da autora acerca dos recibos juntados aos autos, não há como se verificar que a autora efetivamente auferisse a renda que alega. Ausente qualquer declaração da renda que a autora alega auferir mensalmente, mostra-se a solução mais adequada ao caso a aplicação do piso salarial da categoria a que pertence a autora, sendo o total apurado em liquidação. O dano moral é claro mostrando-se o valor indenizatório arbitrado pelo sentenciante em patamar justo e adequado pelo que deve ser mantido. Desprovimento do 1º recurso e parcial provimento do 2º recurso”. (0097343-76.2009.8.19.0001 – APELAÇÃO MARCOS ALCINO DE AZEVEDO TORRES - DÉCIMA NONA CÂMARA CÍVEL). Por fim, não se vislumbram razões que ensejariam a reforma da decisão recorrida na forma pleiteada pela ré/apelante, mantendo-se a sentença como lançada. Pelo exposto, nego provimento ao recurso, nos termos do art. 557, caput, do CPC. Rio de Janeiro, 24 de agosto de 2015. JOÃO BATISTA DAMASCENO JDS DESEMBARGADOR RELATOR MM Apelação Cível n° 0009256-44.2014.8.19.0204 27ª Câmara Cível/Consumidor