Uma lei para salvar ou prolongar a agonia das empresas? No Sul, como no resto do País, pipocam casos de companhias que recorrem à lei de recuperação judicial. Mas, da forma como as regras estão postas, nem todas escaparão do naufrágio. Na esteira do modesto crescimento econômico brasileiro, a notícia de que empresas tradicionais do sul do Brasil estão procurando a justiça para tentarem sobreviver lança um sinal de alerta. No final de agosto, foi a vez da rede Manlec (foto), atuante no mercado varejista gaúcho desde 1967. Em seguida, no começo de setembro, a Inepar Indústria e Construções, do Paraná, seguiu o mesmo caminho. Afogadas em dívidas – a Manlec deve aproximadamente R$ 100 milhões para bancos, funcionários e fornecedores e a Inepar não conseguiu cumprir contratos firmados com a Petrobras –, as empresas apelam para um mecanismo criado para dar fôlego a companhias pressionadas, que buscam uma reestruturação: a Lei de Recuperação Judicial. “Tivemos um aumento de mais de 150% nas demandas e consultas por planos de recuperação judicial nos últimos 60 dias. A gente não via isso desde a crise 2008/2009”, indica Fabrício Scalzilli, sócio da Scalzilli.flv. Advogados Associados. Instituída em 2005, a regulamentação foi criada para substituir a antiga concordata, considerada ineficaz para evitar a falência. Porém, o resultado não foi o esperado. “O processo de recuperação judicial não é como devia ser. Como funciona hoje, são muitos os fatores a dificultar que uma empresa endividada volte a operar normalmente”, salienta o advogado Milton Terra Machado, sócio da Farah e Terra Machado Advogados. Baseada no chamado Chapter 11 da legislação americana, que salvou gigantes internacionais como General Motors da falência, a Lei de Recuperação Judicial brasileira não conseguiu colocar todos os credores em situação de “espera” – isto é, obrigados a conceder uma trégua até a melhora da situação da empresa em dificuldades, como acontece nos Estados Unidos. Aqui, além do fisco, há uma gama de contratos com bancos – chamados pelos advogados de travas bancárias – que não ficam sujeitos à recuperação judicial. “Os bancos e o fisco prosseguem suas execuções normais, não entram no concurso de credores. Fazem voo solo”, explica Machado. Pela atual legislação, após o pedido de recuperação judicial a empresa em dificuldades tem a garantia de que por 180 dias todas as ações de cobrança ficam suspensas. Como contrapartida, os administradores tem um prazo de 60 dias para apresentar um plano viável de viabilização da operação. “Este planejamento vai, então, ser colocado ao crivo dos credores, que vão dizer se aceitam ou não”, indica Scalzilli. E se houver impaciência ou mesmo má vontade por parte de quem segura a forca? Credores que adotam esta postura de intransigência não tem tido apoio do judiciário. Os juízes entendem que não basta apenas a negativa dos credores para decretar a falência da companhia. “Não se pode dar esse poder para quem espera para receber. Até para que não fiquem barganhando: ‘ou tu me pagas ou eu te quebro’. Toda a lei é passível de interpretação, mas a não concordância do credor com o plano de recuperação da empresa tem que ser bem fundamentada. Se há 10 anos a empresa cresce 2%, não dá pra dizer no plano que vai crescer 10%. Quem apresenta a proposta também precisa ser realista”, avisa Scalzilli. Então, se o plano não for executável, o juiz normalmente pede que outro seja elaborado. O problema é que, mesmo com a aprovação dos planos, são poucas as empresas que têm tido sucesso e “levantado” a sua operação. “Como instrumento de moratória controlada, apenas, o plano consegue tirar a empresa da crise? Não. É o que a gente tem visto. Em alguns casos específicos, sim, mas na maioria não”, conta Scalzilli. Adianta ou não adianta? Em outubro de 2013, o jornal O Estado de São Paulo publicou um levantamento apontando que apenas 1% das empresas que pediram recuperação judicial, desde a regulamentação da lei, em 2005, conseguiu efetivamente ter sucesso no processo. Uma taxa muito baixa quando se compara a média dos Estados Unidos, que, segundo o jornal, registra sucesso em aproximadamente 40% dos casos. Para o especialista em gestão de empresas em desequilíbrio financeiro, Artur Lopes, esses números não estão corretos. “Não existem estatísticas concretas sobre esse assunto no Brasil. Pessoalmente, eu nunca tive um insucesso. Ninguém que pediu os meus serviços quebrou, então de algum modo a gente sempre preservou a companhia. Agora, a gente sabe de alguns casos em que isso não aconteceu. Segundo a minha visão de mercado, temos um índice de mortalidade de 50%”, aponta Lopes, coautor do livro Recuperação Judicial – Um guia descomplicado para empresários, executivos e outros profissionais de negócios. Para ter sentido prático e não ser uma medida que apenas prolonga a agonia e adia a falência, é preciso que a empresa em dificuldade reorganize toda a sua operação. “A recuperação exige um esforço do setor jurídico, financeiro, dos gestores de Recursos Humanos, da área comercial – todo mundo precisa estar imbuído do propósito de trabalhar pelo sucesso do plano. Enquanto o empresário considerar que é um ato da direção, e o advogado achar que é um ato jurídico, não vai funcionar. É um plano de mercado”, orienta Scalzilli. Atuando com empresas em dificuldades desde 1994, Artur Lopes considera que a Lei de Recuperação Judicial trouxe uma série de alternativas que a antiga figura da concordata não oferecia. “Antes de 2005 era possível pedir um prazo, um desconto e um prazo e um desconto. Agora a lei permite que se façam outras coisas, como a alienação de uma unidade produtiva, fazer arrendamento, dar imóveis, fazer parcelamento... O acordo entre a empresa e seus credores é soberano, o que está acertado vale”, defende. O advogado Milton Terra Machado acha que ainda é pouco: “a Lei ainda precisa evoluir. O que temos hoje é muito pouco. A dívida maior das empresas normalmente é com o fisco, que é o que o empresário para de pagar primeiro quando faltam recursos. O fisco deve fazer parte do plano, assim como os bancos, para que seja possível realmente traçar um plano de recuperação.” Exemplos de empresas notórias do sul em recuperação judicial: Metalúrgica Duque – Santa Catarina Via Uno – Rio Grande do Sul Frigorífico Diplomata - Paraná Construtora e Incorporadora Walan – RS Inepar – PR Manlec – RS Aeromot – RS Busscar – SC Fonte: Consumidor RS em 09/09/2014.