O limite da recuperação judicial

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O limite da recuperação judicial
06/11/2012 - 00:00
Por Ivanildo Figueiredo
O instituto da
recuperação
judicial de
empresas vem
formando uma
vasta
jurisprudência
desde a entrada
(/sites/default/files/gn/12/11/foto06leg-101-artigo-e2.jpg)
em vigor da Lei mº 11.101, em junho de 2005. Segundo estatísticas da Serasa-Experian, do início da vigência da
norma até agosto de 2012, foram requeridas, em todo Brasil, cerca de 3.147 recuperações judiciais, sendo
deferidos 2.293 dos pedidos (73%). De todas as ações iniciadas, foram concedidas 710 recuperações judiciais
(22% dos processos), estágio que importa na aprovação dos planos pelas assembleias de credores.
A recuperação judicial tem a sua justificação no princípio da preservação da empresa. Esse princípio, porém,
não pode ser interpretado em termos absolutos, de modo a desconsiderar outros princípios do ordenamento
jurídico, a começar pelo princípio da propriedade privada. Em nome da preservação da empresa, sem embargo,
os direitos dos credores não podem ser limitados, reduzidos ou até mesmo suprimidos, sem justificativa
lógica, razoável.
Isto porque, em alguns planos de recuperação judicial constatou-se a concessão de perdão ou de remissão da
dívida em montante superior a 80% do total do débito da empresa, chegando a alcançar o patamar de 90% de
redução para pagamento da dívida em outros casos. Esses índices elevados e desproporcionais indicam, na
verdade, insolvência definitiva, estado de falência, porque, ao admitir-se nível tal de perdão da dívida, a única
conclusão é a de que a empresa em recuperação demonstra-se, sem sombra de dúvidas, irrecuperável. Além
desse perdão inexplicável, desprovido de nexo lógico, também se observaram planos em que a empresa
devedora se comprometia a pagar a dívida no longo prazo de 20 anos, sem a incidência de juros ou atualização
monetária, com três anos de carência para iniciar o pagamento. Noutros processos, a amortização da dívida
ficava, inclusive, condicionada à existência de fluxo de caixa na empresa devedora. Caso não houvesse fluxo de
caixa suficiente, o pagamento aos credores ficava postergado a prazo incerto e indeterminado.
Planos com descontos absurdos, conspiram contra o próprio espírito da lei
Planos de recuperação com propostas de pagamento dessa natureza, com descontos absurdos, revelam-se
inaceitáveis, porque conspiram contra o próprio espírito da lei, que é recuperar empresas temporariamente
insolventes que possam ser saneadas, e não de enriquecer o devedor à custa do sacrifício do credor e do
mercado. Não é possível, nessa linha de raciocínio, admitir que o processo de recuperação judicial possa ser
manipulado como instrumento jurídico para frustrar o pagamento de dívidas, com a anuência do Poder
Judiciário, ao qual compete, ao final, a concessão da recuperação.
6/11/2012 15:20
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Apesar de a Lei 11.101 atribuir à assembleia de credores competência para a aprovação do plano de recuperação
judicial, ela não pode ser considerada como instância absoluta, como assim decidiu recentemente o Superior
Tribunal de Justiça: "A assembleia de credores é soberana em suas decisões quanto aos planos de recuperação
judicial. Contudo, as deliberações desse plano estão sujeitas aos requisitos de validade dos atos jurídicos em
geral, requisitos esses que estão sujeitos a controle judicial". (REsp 1314209-SP, Rel. Min. Nancy Andrighi,
DJe 01/06/2012). Em precedente anterior, a Câmara de Falência e Recuperação do Tribunal de Justiça do
Estado de São Paulo, já havia constatado em plano de recuperação judicial aprovado pela assembleia de
credores "graves violações aos clássicos princípios gerais do direito, a diversos princípios constitucionais e às
regras de ordem pública, não apresentando condições constitucionais, principiológicas e legais para ser
homologado pelo Poder Judiciário" (Agravo de Instrumento 0136362, Rel. Des. Manoel Pereira Calças,
28/02/2012), declarando, então, o plano nulo e ordenando a elaboração de nova proposta, pena de decretação
da falência.
A Lei 11.101, diferente do antigo regime da concordata, não estabeleceu um patamar mínimo para o perdão ou
remissão da dívida, que alguns planos denominam, eufemisticamente, de "deságio". Na lei anterior, caso a
empresa devedora não conseguisse pagar na concordata, ao menos, 50% ou metade da sua dívida
quirografária, ela era declarada falida. Esse mesmo patamar, que representa a equação contábil da insolvência,
vem previsto na lei atual, quando trata da extinção das obrigações na falência (art. 158). Todavia, essa equação
da insolvência ainda permanece implícita em nosso sistema de direito positivo, constituindo limite que deve
ser observado na aprovação de qualquer plano de recuperação judicial. Se a empresa devedora não consegue
pagar ao menos metade da sua dívida, ela demonstra ser uma empresa insolvente e, por isso mesmo,
economicamente irrecuperável. Nessa situação fática, a única solução jurídica é a decretação da falência, por
importar em sacrifício menor para os direitos dos credores.
Ivanildo Figueiredo é mestre e doutorando em direito, professor de direito comercial da
Faculdade de Direito do Recife; chefe do Departamento de Teoria Geral do Direito e Direito
Privado (UFPE)
Este artigo reflete as opiniões do autor, e não do jornal Valor Econômico. O jornal não se
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