UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE

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UNIVERSIDADE VALE DO RIO DOCE
FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E SOCIAIS
CURSO DE SERVIÇO SOCIAL
Dayse Cardoso da Silva Lima
Eunice Chaves
Marinez Prates Cantarino
Sânzya Theles Oliveira Silva
O ATENDIMENTO AO SURDO NA ÁREA DA SAÚDE EM GOVERNADOR
VALADARES: avanços e desafios
Governador Valadares
2010
1
Dayse Cardoso da Silva Lima
Eunice Chaves
Marinez Prates Cantarino
Sânzya Theles Oliveira Silva
O ATENDIMENTO AO SURDO NA ÁREA DA SAÚDE EM GOVERNADOR
VALADARES: avanços e desafios
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Serviço Social da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Vale do Rio Doce como requisito para obtenção
do grau de bacharel em Serviço Social.
Orientadora: Ana Maria Eller Mariano
Governador Valadares
2010
2
Dayse Cardoso da Silva Lima
Eunice Chaves
Marinez Prates Cantarino
Sânzya Theles Oliveira Silva
O ATENDIMENTO AO SURDO NA ÁREA DA SAÚDE EM GOVERNADOR
VALADARES: avanços e desafios
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado
ao Curso de Serviço Social da Faculdade de
Ciências Humanas e Sociais da Universidade
Vale do Rio Doce como requisito para obtenção
do grau de bacharel em Serviço Social.
Governador Valadares, 02 de dezembro de 2010
Banca Examinadora:
______________________________________________
Ana Maria Eller Mariano
Orientadora
______________________________________________
Cristina Caetano Salles
Examinadora
______________________________________________
Fátima Martins Dias de Oliveira
Examinadora
3
Dedicamos a Deus, aos nossos
familiares pelo apoio, e aos surdos
cujo trabalho foi inspirado.
4
AGRADECIMENTOS
Agradecemos a Deus pelo cuidado, pelo consolo.
Senhor, nos momentos mais difíceis deu-nos compreensão para nossos estudos,
esteve presente, nos auxiliando e iluminando nossas vidas e dando-nos toda
sabedoria.
Aos nossos familiares, pais, irmãos, filhos, esposos, pelo apoio, pelo carinho,
paciência e nos momentos de ausência de nossas vidas, puderam nos entender.
Aos amigos, colegas, que oraram por nós.
A nossa orientadora Ana Maria Eller Mariano pelo seu apoio e dedicação em prol da
realização deste estudo.
5
“A democracia moderna repele a fraternidade no que pode lembrar a caridade.
Rejeita a noção de dever substituindo-a pela noção de direito.
Se os homens são irmãos,
devem ser iguais;
se não o são, o mais fraco
tem direito de ser protegido.
A experiência demonstra que a liberdade não basta para
assegurar a igualdade,
pois os mais fortes depressa
se tornam opressores.
Cabe neste caso ao Estado
intervir para proteger os fracos.
O dever que cada particular não
cumpre em relação ao próximo, e a que, em todo o caso,
a lei não pode obrigá-lo,
pertence ao Estado
cumpri-lo em nome de todos,
e quando passa a ser um dever do Estado, torna-se um direito para quem
se beneficia dele.”
RIPERT
6
RESUMO
O objetivo deste estudo é analisar os desafios e identificar as possibilidades de
efetivação da política de saúde específica para o atendimento aos surdos/as em
Governador Valadares. Com a Constituição Federal de 1988, passa-se a enfatizar o
respeito e a defesa dos direitos humanos, entre os quais se incluem o direito à
saúde aos diversos segmentos sociais, entre eles os/as surdos/as. O Sistema Único
de Saúde traz um avanço à saúde, como direito e como um dever do Estado. A
Política Nacional de Atenção a Saúde Auditiva é um avanço, no sentido de garantir e
estruturar uma rede de serviços que se estabeleça de forma regionalizada e
hierarquizada uma linha de cuidados integrais e integrados no manejo das principais
causas da deficiência auditiva, com vista a minimizar os danos da deficiência
auditiva na população. Os resultados deste estudo demonstraram que há
insuficiência de profissionais capacitados para o atendimento aos surdos/as, sendo
este fato uma barreira no acesso desse segmento social aos serviços de saúde e a
discriminação no tratamento efetuado pelos profissionais, falta de Intérpretes nas
instituições públicas e privadas, pouco investimento em campanhas sobre Doenças
Sexualmente Transmissíveis/AIDS, prevenção da gravidez na Língua Brasileira de
Sinais, inexistência da Triagem Auditiva Neonatal e falta de aplicabilidade das leis
vigentes que preconizam o atendimento integral e individual. Concluímos que há
necessidade de criar estratégias e políticas de saúde que visem consolidar ações
articuladas incluindo o cidadão surdo, garantindo um cuidado inclusivo, qualificado e
eficaz.
Palavra-chave: Surdo/a. Saúde Pública. Atenção Saúde Auditiva.
7
ABSTRACT
The aim of this study is to analyze the challenges and identify opportunities for
effective health policy for the specific service to the deaf / as in Governador
Valadares. With the 1988 Federal Constitution, is to emphasize respect and
protection of human rights, among which include the right to health to various social
groups, among them / the deaf / as. The Health System provides a breakthrough on
health, such as a right and duty of the state. The National Policy for Health Care
Hearing is a step forward in ensuring a structure and network services in order to
establish a regionalized and hierarchical line of integrated and comprehensive care in
the management of the main causes of hearing loss, to minimize damage of hearing
impairment in the population. The results of this study demonstrate that there is a
shortage of professionals trained to care for deaf / as, being this fact a barrier in this
social segment access to health services and discrimination in the treatment
provided by professionals, lack of interpreters in public and private institutions, little
investment in campaigns on STD / AIDS, prevention of pregnancy in Brazilian Sign
Language, lack the Newborn Hearing Screening and lack of enforceability of laws
calling for the comprehensive care and individual. We conclude that there is need to
develop strategies and health policies aimed at strengthening joint actions including
citizen
deaf,
ensuring
an
inclusive
caring,
skilled
and
effective.
Keyword: Deaf / a. Public Health. Hearing Health Care.
8
LISTA DE SIGLAS
AAIS – Aparelhos de Amplificação Sonora Individual
AIS - Ações Integradas de Saúde
CF/88 - Constituição Federal de 1988
CAPs – Caixa de Aposentadorias e Pensões
CAAD – Coordenadoria de Apoio e Assistência ao Deficiente
CADEF – Centro de Apoio ao Deficiente Físico
CONASP - Conselho Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária
CRASE - Centro de Referência em Atenção Especial à Saúde
FAEC - Fundo de Ações Estratégicas e Compensação
FMI - Fundo Monetário Internacional
IAPs - Institutos de Aposentadorias e Pensões
INPS - Instituto Nacional de Previdência Social
LIBRAS – Língua Brasileira de Sinais
MARE - Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado
MPAS – Ministério da Previdência da Assistência Social
NOB - Norma Operacional Básica
PACS – Programa de Agentes Comunitários de Saúde
PNASA – Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva
PPI – Programação Pactuada Integrada
PSF - Programa Saúde da Família
SAS – Serviços da Atenção à Saúde
SASA – Serviço de Atenção à Saúde Auditiva
SINPAS – Sistema Nacional de Assistência da Previdência Social
SUDS – Sistema Unificado e Descentralização de Saúde
SUS – Sistema Único de Saúde
9
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO...................................................................................................
10
METODOLOGIA ...............................................................................................
13
1. CAPÍTULO I ..................................................................................................
15
1.1 HISTÓRICO DA POLÍTICA DE SAÚDE NO BRASIL...................................
15
1.2 DÉCADA DE 80: CONSTITUIÇÃO FEDERAL E A CRIAÇÃO DO SUS......
30
1.3 A POLÍTICA DE SAÚDE NA DÉCADA DE 90 E OS REBATIMENTOS DO
NEOLIBERALISMO............................................................................................
42
2. CAPITULO II...................................................................................................
54
2.1 POLITICA DE SAÚDE VOLTADA PARA O ATENDIMENTO AO SURDO....
54
2.2 A SAÚDE EM GOVERNADOR VALADARES E A POLITICA DE
ATENDIMENTO AO SURDO..............................................................................
67
2.3 ANÁLISE DO ATENDIMENTO AO SURDO NA ÁREA DA SAÚDE
EM GOVERNADOR VALADARES, CONSIDERAÇÕES ACERCA DOS
AVANÇOS E DESAFIOS....................................................................................
74
3. CONCLUSÃO.................................................................................................
90
REFERÊNCIAS..................................................................................................
96
APÊNDICES.......................................................................................................
106
ANEXO................................................................................................................ 130
10
INTRODUÇÃO
Este Trabalho de Conclusão de Curso, elaborado para a obtenção do Título de
Bacharel em Serviço Social pela Universidade Vale do Rio Doce – UNIVALE, tem
como objetivo analisar o tema: “O atendimento ao/a surdo/a1 na área da saúde em
Governador Valadares: avanços e desafios”, tendo como finalidade discutir a
efetivação de uma política de saúde específica para o atendimento aos surdos/as na
realidade de Governador Valadares, partindo do pressuposto de que a saúde é um
"direito de todos e dever do Estado", tendo como objetivos específicos, analisar a
política de saúde como direito universal e dever do Estado garantido pela
Constituição Federal de 1988; discutir acerca da política de saúde específica de
atendimento às surdos no cenário brasileiro; refletir acerca da política de saúde em
Governador Valadares e as suas particularidades no atendimento as surdos.
A motivação para pesquisar o referido tema surgiu, inicialmente, da experiência
do grupo em instituições de atendimento à saúde pública e privada, proporcionada
pelo Estágio Curricular Obrigatório do Curso de Serviço Social da UNIVALE 2. É
importante destacar ainda, que uma das componentes deste grupo tem uma
convivência com a comunidade surda de Governador Valadares e outra trabalha em
uma empresa que presta atendimento a esse segmento social. Cabe ressaltar que
experiências no campo de estágio possibilitaram a observação de diversos
problemas e dificuldades que os surdos/as enfrentam no seu dia-a-dia para garantir
seus direitos, especificamente na área da saúde.
Através da observação nos campos de estágios, foi verificado que muitos
surdos ao serem atendidos nesses espaços, os funcionários quase em sua
totalidade, desconhecem a Libras3, e por causa disto, não conseguem estabelecer
uma comunicação qualificada para a promoção e proteção à saúde, fazendo com
que a maioria destes usuários não receba uma assistência à saúde individualizada e
integral.
Entendemos que a inclusão social dos surdos nos estabelecimentos de saúde é
essencial para a promoção e proteção da saúde, conforme preconiza a Constituição
1
Neste trabalho, utilizaremos os termos pessoas surdas e surdos/as para designar as pessoas que
possuem surdez e formam o povo surdo, o qual é objeto do nosso estudo.
2
Realizado no período de 2009 a 2010 no Hospital Municipal de Governador Valadares e na Clínica
OTOMED – Serviço de Atenção a Saúde Auditiva.
3
Língua Brasileira de Sinais
11
Federal vigente. Porém, a falta de comunicação muitas vezes a impede, dificultando
assim o atendimento humanizado.
Considerando que a perda auditiva, independente do seu grau, provoca
transtornos na qualidade de vida do ser humano, sejam comunicativas, intelectuais
ou sociais, esta é considerada um grave problema de saúde pública, que só foi
priorizada no Brasil a partir da implementação da Política Nacional de Atenção à
Saúde Auditiva em 2004, a qual consiste em um avanço na área da intervenção em
saúde auditiva. Tal política tem como objetivo estruturar uma rede de serviços
regionalizada e hierarquizada, que estabeleça uma linha de cuidados globais e
integrados no atendimento das principais causas da deficiência auditiva.
Concomitantemente, ocorreu no cenário brasileiro, a aprovação das Portarias
SAS/MS nº. 587 e 589 de outubro de 2004, que determinaram diretrizes para
credenciamento de serviços de atenção básica, média e alta complexidade para o
atendimento da pessoa com deficiência auditiva.
Para a construção desse estudo, foi realizada uma pesquisa bibliográfica, tendo
como base autores que discutem a temática e legislações pertinentes à política de
saúde específica à pessoa com deficiência auditiva, constituída por dados
secundários como livros, artigos que nos auxiliaram para o desenvolvimento desta
pesquisa. Foi realizada, pesquisa de campo qualitativa e quantitativa, tendo com
objetivo identificar as particularidades do atendimento dos surdos em Governador
Valadares, sendo utilizado neste processo a técnica de entrevista semi-estruturada,
orientada por questionário4, contendo dez questões, que foram aplicadas em 126
entrevistados no mês de novembro de 2010, onde 47 destes eram surdos/as 5, num
universo de 128 surdos cadastrados na Associação dos Surdos de Governador
Valadares; 76 profissionais da saúde que atendem diretamente o usuário, no
Hospital Municipal (30%), e 20% dos funcionários da OTOMED, 3 gestores, sendo
eles do Hospital Municipal, Serviço de Atenção a Saúde Auditiva - OTOMED e
CADEF- Centro de Apoio ao Deficiente Físico6.
Esta pesquisa subsidiou a compreensão de como os surdos/as tem acessado
os serviços de saúde, verificando também como os profissionais realizam seus
4
Apêndice 1; 2 e 3
O critério estabelecido para aplicação da pesquisa foi a utilização de interprete de Libras.
6
Instituição pública que presta serviços de reabilitação às pessoas com deficiência física, bem como
o fornecimento de órteses, próteses, dispositivos auxiliares de locomoção, bolsas coletoras de
excremento para ostomizados.
5
12
atendimentos, bem como, as dificuldades encontradas para desenvolverem suas
ações junto a esses usuários, perpassando assim, pela problematização dos
avanços e desafios para a efetivação da Política de Saúde específica voltada para o
atendimento aos surdos/as no município de Governador Valadares.
Ressalta-se que não foi possível realizar a pesquisa documental aprofundada
no Hospital Municipal de Governador Valadares sobre o número de atendimentos
realizados especificamente aos/as surdos/as, devido à organização dos cadastros
destes atendimentos ainda não serem informatizados e a sua sistematização exigiria
uma maior dedicação de tempo na coleta dos dados.
Para a construção das referidas reflexões, este estudo será constituído de dois
capítulos. No primeiro capítulo será analisada a política de saúde enquanto direito
universal e dever do Estado garantido pela Constituição Federal de 1988,
compreendendo o desenvolvimento histórico desta política no cenário brasileiro.
No segundo capítulo será realizada a análise acerca da política de saúde
específica ao atendimento aos surdos/as no Brasil e em Governador Valadares, a
partir do entendimento das suas particularidades. Para finalizar, serão discutidos os
desafios e limites para a efetivação da PNASA no município de Governador
Valadares.
Acredita-se que a realização desse trabalho dará maior visibilidade às pessoas
surdas, o que é de fundamental importância, visto que ao estudar e analisar as
especificidades deste segmento em relação a política de saúde, este estudo, busca
colaborar para que estes possam conhecer e reivindicar os seus direitos, bem como,
para uma reorganização de serviço de saúde municipal para atendimento aos
surdos.
13
METODOLOGIA
Este
estudo
apresenta
como
referencial
metodológico
a
pesquisa
bibliográfica, e entrevista semi-estrutrada. Trata-se de um estudo de campo, através
do Estagio Curricular Obrigatório do Curso de Serviço Social da UNIVALE, A
pesquisa foi desenvolvida com profissionais da saúde do Hospital Municipal de
Governador Valadares, Serviço de Atenção à Saúde Auditiva - Otomed, gestores do
Hospital Municipal, do Serviço de Atenção à Saúde Auditiva - Otomed, do Centro de
Apoio ao Deficiente Físico – CADEF, também da Secretaria Municipal de Saúde e
com os/as surdos/as da Associação dos Surdos de Governador Valadares –
ASUGOV.
Foram selecionados como sujeitos da pesquisa profissionais que trabalham
no HM: Enfermagem, técnicos de Enfermagem, Médicos, Fisioterapeutas,
Psicólogos, Assistentes Sociais, Recepcionistas, Radiologistas, Patologistas, Auxiliar
da ortopedia (gesseiros); profissionais do Serviço de Atenção à Saúde Auditiva –
Otomed: fonoaudiólogas, recepcionista, otorrinolaringologista e os respectivos
gestores dos órgãos de saúde.
A coleta de dados de se baseou em uma técnica de entrevista. Foi realizada
entrevistas individuais semi-estruturadas com cada profissional de saúde e com os
surdos acima especificado.
A fala dos diversos sujeitos entrevistados, após colhida, foram transcritas de
forma a reconstruir a integralidade dos depoimentos.
As entrevistas feitas com os participantes do estudo abordam questões, as quais
podem verificar a partir do apêndice E na página 113.
Considerações éticas
Foi solicitado aos informantes desta pesquisa que assinassem o Termo de
Consentimento Livre – TCL, que ficou sob a responsabilidade do pesquisador.
Foi encaminhado ofício para os gestores do Hospital Municipal, Serviço de
Atenção à Saúde Auditiva – Otomed, solicitando a autorização para realização da
pesquisa pelos funcionários.
A confiabilidade é uma questão importante e o anonimato dos pesquisados
deve ser garantido. Os sujeitos desta pesquisa foram identificados por número que
correspondeu à ordem da realização das entrevistas. Os dados que poderiam vir a
identificar claramente os sujeitos foram omitidos.
14
As entrevistas serão guardadas por um período de três meses, sendo após o
material impresso serão destruídos.
15
CAPÍTULO I
1.1 Histórico da política de saúde no Brasil
Para discutir a política de saúde específica ao surdo (a), e a efetivação das
leis vigentes que preconizam o atendimento integral e individual ao surdo (a) no
Brasil, é necessário refletir como a política de saúde foi constituída no cenário
brasileiro, compreender todo o seu processo histórico, analisar as reformas e
transformações ocorridas nesta política ao longo dos anos, bem como os conflitos,
avanços e contradições que perpassaram a busca do direito universal à saúde.
Assim, recuperar a trajetória da política de saúde e a conformação desta até o
momento presente, demanda rastrear a constituição do sistema de proteção social
brasileiro7, entendendo o papel do Estado na sua relação com os interesses das
classes sociais, as suas ações interventivas sobre a questão social 8 através das
políticas sociais e suas principais características nos diferentes momentos históricos.
Diferentemente da forma como o Estado tratava as sequelas da questão
social no capitalismo concorrencial9, baseada em ações coercitivas, fragmentadoras
da organização da força de trabalho, que buscava a conquista dos seus direitos
sociais,
no
capitalismo
monopolista,
o
Estado
se
volta
a
responder
institucionalmente à questão social por meio da implementação das políticas sociais.
Neste sentido, cabe elucidar que o surgimento das políticas sociais está
associado ao processo de desenvolvimento do capitalismo em seu estágio
monopolista, vinculadas ao conflito entre o capital e o trabalho 10, e o seu papel na
7
Para aprofundamento dessa discussão ver Fleury,2004; Behring, 2003; Mota, 1995;
Viana,1998;Pereira,1996 e 2000; Boschetti, 2003.
8
O conceito de “questão social” que embasará a construção do conteúdo deste trabalho será a
seguinte: “Por „questão social‟, no sentido universal do termo, queremos significar o conjunto de
problemas políticos, sociais e econômicos que o surgimento da classe operária impôs no curso da
constituição da sociedade política”. Assim, a „questão social‟ está fundamentalmente vinculada ao
conflito entre o capital e o trabalho. (Cerqueira Filho apud. Netto, 2005, p. 17).
9
Capitalismo concorrencial fase do capitalismo que teve início com aparecimento de máquinas
movidas por energia não-humana. Inicia-se na Inglaterra com a máquina a vapor, por volta de 1746 e
finda com o início dos monopólios. (Behring, 2000, p. 32).
10
Segundo Iamamoto e Carvalho, “a questão social não é senão as expressões do processo de
formação e desenvolvimento da classe operária e seu ingresso no cenário político da sociedade,
exigindo seu reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado”. É a
manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado e a burguesia, a qual
passa a exigir outros tipos de intervenção, mais além da caridade e repressão. (1998, p. 77)
16
sociedade, seria assegurar as condições necessárias para o desenvolvimento do
capitalismo, através da reprodução do capital e não simplesmente a mera correção
dos efeitos negativos do processo de exploração da mais-valia11.
A respeito desse avanço por parte do Estado no modo de tratar as seqüelas
da questão social no período do capitalismo monopolista, Netto analisa que:
É somente nestas condições que as seqüelas da questão social tornam-se
(...) objeto de uma intervenção contínua e sistemática por parte do Estado. É
só a partir da concretização das possibilidades econômico-sociais e
políticas segregadas na ordem monopólica que a questão social se põe
como alvo de políticas sociais. (...) No capitalismo dos monopólios, tanto
pelas características do novo ordenamento operário e pelas necessidades
de legitimação política do movimento operário e pelas necessidades de
legitimação política do Estado burguês, a questão social como que se
internaliza na ordem econômico-político: não é apenas o acrescido
excedente que chega ao exército industrial de reserva que deve ter a sua
manutenção "socializada"; não é somente a preservação de um patamar
aquisitivo mínimo para as categorias afastadas do mundo do consumo que
se põe como imperiosa; não são apenas os mecanismos que devem ser
criados para que se dê a distribuição, pelo conjunto da sociedade, dos ônus
que asseguram os lucros monopolistas - é tudo isto que, caindo no âmbito
das condições gerais para a produção capitalista monopolista, articula o
enlace, já referido, das funções econômicas e políticas do Estado burguês
capturado pelo capitalista monopolista, com a efetivação dessas funções se
realizando ao mesmo tempo em que o Estado continua ocultando a sua
essência de classe (Netto, 2001, p. 29-30).
Esse novo enfoque do Estado na questão social através da implementação
das políticas sociais se justifica pela instabilidade do modo de produção capitalista,
que se manifesta nas suas fases de expansão seguidas de fases de recessão12. É
necessário ressaltar que para Iamamoto e Carvalho, essa nova realidade de
intervenção do Estado, se justifica principalmente pelo caráter político que a
questão social passa a adquirir, tendo em vista, a exigência de legitimação da
classe trabalhadora, enquanto classe social no cenário político por parte do Estado
e do Capital. De acordo com as suas análises,
O que se considera como mais – valia é o conjunto do excedente, não é só o lucro. No sistema
Capitalista, todo excedente de produção, isto é, tudo o que depois que se pagou os produtos
assalariados, fica em primeiro lugar nas mãos do dono da empresa, porque ele é dono das
mercadorias que foram produzidas e vendidas (...) Mais – Valia é igual ao lucro bruto, ou seja, a soma
de todos os rendimentos que não são salários (Singer, 1983, p. 34 – 35).
12
O que comprova que este sistema não é um sistema estável, mas sujeito a crises constantes, que
incidem direta ou indiretamente em todos os níveis da sociedade, o econômico, o social e o político.
Para alguns estudiosos como Mandel (1982), essas crises, decorrem de fatores estruturais, isto é,
da própria lógica do capital, de causalidades intrínsecas às contradições estruturais postas pelo
desenvolvimento do capitalismo. Assim, por sua natureza contraditória, o capitalismo caracterizado por
movimentos cíclicos de aceleração e de depressão utiliza as políticas sociais como estratégias
anticíclicas.
11
17
(...) as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe
operária e de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu
reconhecimento como classe por parte do empresariado e do Estado. É a
manifestação, no cotidiano da vida social, da contradição entre o
proletariado e a burguesia, a qual passa a exigir outros tipos de
intervenção, mais além da caridade e repressão (Iamamoto e Carvalho,
1995, p. 78).
Não contrária a essa idéia, Behring e Boschetti (2008, p. 78) enfatizam que
em relação à particularidade brasileira, a questão social se apresentou enquanto
questão política somente a partir da primeira década do século XX, com as
primeiras lutas de trabalhadores e as primeiras iniciativas de legislação voltadas ao
mundo do trabalho.
Neste sentido, segundo as autoras, as primeiras décadas desse século foram
marcadas por mudanças em relação à postura do Estado Brasileiro, passando por
uma maior intervenção nas expressões da questão social, em resposta à pressão
dos trabalhadores, de forma que, em 1919, é instituída a primeira legislação sobre
indenização por acidente de trabalho no Brasil.
Salvador ressalta que, as iniciativas de proteção social do Estado brasileiro
foram bastante restritas nos primeiros 25 anos deste século13. O autor enfatiza ainda
que “as primeiras medidas de proteção social nascem no Brasil com mais de trinta
anos de atraso em relação aos países centrais do capitalismo” (2010, p.140).
Segundo este autor, da falta de industrialização, do limitado poder de pressão dos
sindicatos e da estrutura política assentada nos interesses das oligarquias
brasileiras.
De acordo com Cohn (2001), a origem das políticas de saúde no Brasil
caracteriza-se pelo seu vínculo estreito com as políticas de previdência social,
principalmente referente à sua forma de financiamento. Essa articulação se
configurou em uma relação de dependência das políticas de saúde à previdência
social, sendo impossível compreender e explicar essas políticas no país, restringindo
apenas a análise do desenvolvimento de uma única política.
13
Cabe ressaltar que analisar a política social no Brasil nos remete ao entendimento de suas
particularidades históricas, isto significa compreender as marcas da formação social brasileira e a
consolidação do capitalismo de forma subordinada e dependente do mercado mundial. Conforme
Salvador, (2010, p. 41) “com a saída do Império (1889) e com uma economia fundada na escravidão
até 1888, o Brasil começou o século XX sob a supremacia econômica liberal e baseada no
clientelismo político”. Tais situações rebateram fortemente na configuração do mercado de trabalho
brasileiro, e na própria formação socio-histórica do Estado.
18
A autora enfatiza que a organização dos serviços de saúde no país, em
contraste com os demais países latino-americanos, e em consequência desse
vínculo com a previdência social, apresenta um processo de privatização dos
serviços de assistência médica extremamente precoce, com o credenciamento de
serviços médicos privados pela previdência social, já na década de 1920.
Não obstante, em 1923 foi instituída a Lei Eloy Chaves, criando assim as
primeiras Caixas de Aposentadorias e Pensões - CAPS, sendo esta iniciativa a
primeira modalidade de seguro para trabalhadores do setor privado e um marco para
o sistema de previdência no Brasil.
Cohn (2001) ressalta que as CAPs eram organizadas por empresa e/ou
categoria profissional. Seu sistema básico era o de capitalização coletiva, financiada
pelos trabalhadores e empregadores. As primeiras CAPs foram criadas para
aquelas categorias que tinham um papel expressivo na atividade exportadora14,
como é o caso dos ferroviários, sendo responsáveis pelos seguros sociais e
abrangiam a área da saúde, assistência e previdência social, assegurando direitos
àqueles que estavam inseridos nesse mercado de trabalho, prestando serviços de
assistência médico-curativa, fornecendo medicamentos, aposentadoria por tempo de
serviço, velhice e invalidez, pensões para os dependentes dos empregados e auxíliofuneral.
Essas Caixas tinham como fonte de receitas os trabalhadores e as empresas
do ramo, enquanto ao Estado cabia apenas o papel de controle externo e de
intervenção, em caso de existência de conflito entre as partes (Salvador 2010, p.
143). As arrecadações objetivavam o pagamento das aposentadorias, pensões dos
dependentes dos trabalhadores e redução do valor dos medicamentos. Nesse
sentido, os seguros sociais atendiam apenas aos trabalhadores inseridos no setor
produtivo, enquanto os excluídos do sistema seriam atendidos pelos programas
assistenciais (Cohn, 2001, p. 14).
Assim, em 1926, as CAPS se estenderam para os portuários e marítimos, com
a Lei nº. 5.109 de 20.12.1926. Estas eram, então, estruturadas como organizações
privadas, supervisionadas pelo governo e financiadas pelos trabalhadores,
patronato e pela contribuição dos usuários da rede ferroviária, via impostos.
Posteriormente alcançaram outras categorias ligadas à infra-estrutura de serviços
14
“Para os marítimos e portuários, depois estendeu a outras categorias vinculadas à infra-estrutura
nascente no país e aos servidores públicos”. (Salvador 2010, p.143)
19
públicos, refletindo as características do desenvolvimento capitalista do período,
centrado em uma economia agro-exportadora em que esses serviços eram
essenciais.
De acordo com Salvador (2010, p. 144), a partir de 1930, temos um período
marcado por profundas transformações sociais e econômicas no país, “destacandose a industrialização, a regulamentação do mercado de trabalho e o estabelecimento
de novas relações salariais”. Esse período marcou o início da industrialização do
país, e, consequentemente, o momento em que a produção da vida social assentouse mais no trabalho assalariado. Processo que emerge de uma mudança no sistema
de produção, antes basicamente agro-exportador, tornando-se mais industrial e
voltado para o mercado interno.
O novo cenário cria um trabalhador mais desprotegido e mais exposto aos
riscos e acidentes. Entretanto, cada vez mais crítico e consciente de seus direitos, o
que torna a questão da proteção social emergente e efervescente no debate
nacional. Assim, as lutas sindicais por melhores salários e condições de trabalho e
as lutas populares por melhores condições de vida provocaram o confronto entre
proletariado, burguesia e Estado, em torno de problemas que se referem à
sobrevivência dos indivíduos, na sociedade. Essas lutas desenvolveram a
consciência das necessidades da produção e dos indivíduos, em determinadas
conjunturas.
Assim, a primeira etapa da Era Vargas15 foi marcada pela intensa produção
legislativa, com muitas inovações no campo das relações de trabalho e das políticas
sociais, sobretudo na previdência social. Em 1930 foi criado o Ministério do
Trabalho, Indústria e Comércio, que tinha como uma de suas principais atribuições
orientar e supervisionar a Previdência Social. Esse novo Ministério serviu como
impulso para a criação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões - IAPs, que se
espalharam por todo o país entre 1933 e 1938, ao mesmo tempo em que as
legislações sindicais e trabalhistas sofreram profundas alterações.
A autora Cohn (2001), ressalta que os IAPs, diferentemente das Caixas de
15
É importante destacar que de acordo com Salvador (2010, p.144), tal período é dividido
historicamente como Governo provisório (1930 a 1934), Governo Constitucional (1934 a 1937) e
ditadura do Estado Novo (1937 a 1945).
20
aposentadoria do setor urbano 16, em 1933 criou o Instituto de Aposentadorias e
Pensões dos Trabalhadores Marítimos, através do Decreto nº. 22.872 (de 29.06),
considerada a Aposentadorias e Pensões, não vinculadas às empresas e sim às
categorias profissionais mais expressivas no mercado de trabalho, para as quais
sempre havia um sindicato: marítimos, bancários, industriários, servidores do Estado
e comerciários, e ainda, possuíam planos diferenciados de benefícios e serviços,
sendo os mais comuns as aposentadorias, as pensões, o auxílio-funeral e o auxíliodoença. Com eles, a assistência particular das empresas esvaziava-se em favor da
oferta de serviços previdenciários públicos, cujo financiamento contava com
recursos da União, embora a criação dos mesmos não tivesse eliminado a
prestação de serviços próprios das empresas (Teixeira, 1991 apud Boschetti, 2003,
p. 10).
Contudo, apenas em 1934 o sistema previdenciário adquiriu status
constitucional, com a Constituição Federal vigente na época, estabelecendo a forma
tripartite de contribuição já adotada pelos institutos existentes. Nesse período os
comerciários e bancários tinham seus próprios IAPs. Esta Constituição trazia um
capítulo sobre direitos sociais, contendo grandes novidades, entre elas, a criação do
salário mínimo, regulamentado em 1940, e o retorno da pluralidade sindical. De
acordo com Salvador, a Constituição de 1934 incluía como proteção social,
assistência médica e sanitária ao trabalhador e à gestante, assegurando a
esta descanso antes e depois do parto, sem prejuízo do salário e do
emprego, e instituição de previdência, mediante contribuição igual da
União, do empregador e do empregado, a favor da velhice, da invalidez, da
maternidade e nos casos de acidentes de trabalho ou de morte. (2010,
p.145)
Desta forma, conforme este autor, a embrionária legislação social, ao se
referir ao seguro social17, adotava o termo “previdência” como sinônimo deste, para
16
Em 1930, foi criado o Ministério do Trabalho, e 1932, a Carteira de Trabalho, a qual passa a ser o
documento da cidadania no Brasil: eram portadores de alguns direitos àqueles que dispunham de
emprego registrado em carteira (Berhing & Boschetti, 2007, p.106).
17
Os seguros sociais, para Boschetti (2003), significam a garantia compulsória de prestações de
substituição de renda em momentos de riscos derivados da perda do trabalho assalariado pelo
Estado. Foram implementados lentamente pela Alemanha na era Bismarckiana e surgiram sob a
ótica privada, e destinados a reduzidas categorias profissionais, espalhando-se no final do século
XIX de tal modo que, em 1938, abrangiam 30 países da Europa, Ásia, Américas e Austrália. Na
particularidade brasileira, embora alguns autores considerem a sua reforma em 1988, a partir da
Constituição, e a aprovação do Sistema de Seguridade Social sob os princípios beveridgiano,
(modelo inglês de políticas sociais) baseado na instituição de direitos universais a todos os cidadãos,
21
designar o pagamento dos benefícios de aposentadorias e pensões. Assim, a
previdência, um dos mais importantes seguros sociais, surgiu como uma resposta
do Estado às necessidades sociais, decorrentes das desigualdades entre os
capitalistas e os trabalhadores, trazidas pela expansão do capitalismo industrial
(Faleiros, 1983, p. 120).
Em relação à saúde, Salvador (2010) enfatiza que haviam poucas unidades de
saúde pública, e estas eram vinculadas aos governos estaduais, limitadas
territorialmente às capitais e às principais cidades do interior. O financiamento de tais
unidades era oriundo dos orçamentos dos governos estaduais, das ínfimas
contribuições da União e filantropias. Contudo, de acordo ainda com este autor, “os
trabalhadores assalariados contavam com os benefícios de assistência médica
curativa e o fornecimento de médicos das caixas e institutos de aposentadorias”
(2010, p. 146).
Assim, durante o período de 1933 a 1938 as CAPs são unificadas e
absorvidas pelos Institutos de Aposentadorias e Pensões, que vão sendo
sucessivamente criadas, agora congregando os trabalhadores por categorias
profissionais. Em 1933 é criado o IAPM (dos marítimos), em 1934 IAPC (dos
comerciários), e o IAPB (dos bancários), em 1936 o IAPI (dos industriários), que
começa a funcionar somente em 1938, e nesse ano o IAPETC (dos trabalhadores em
transportes e cargas). Através das 99 CAPs e dos 5 IAPs, mais de 3 milhões de
assalariados urbanos e seus dependentes diretos estavam sob cobertura de diversas
instituições previdenciárias, constituindo uma
ampla e diversificada estrutura
administrativa, profundamente marcada por sua vinculação ao Ministério do Trabalho
e à burocracia oriunda do sindicalismo corporativista18 (Iamamoto & Carvalho, 2001,
p. 292).
Faleiros (2000, p. 45) destaca que o objetivo de Vargas se resumia em
"controlar as greves e os movimentos operários e estabelecer um sistema de seguro
(Vianna, 1998, p. 130), é evidente que os elementos do seguro não foram eliminados da política de
previdência social.
18
Corporativismo consistia na articulação da harmonia entre patrões e empregados pela
transformação dos sindicatos em órgãos do Estado e pela atribuição a eles de funções assistenciais.
Segundo essa política, os próprios trabalhadores seriam instrumentos de prestação de assistência à
sua classe, o que institucionalizou o clientelismo e o peleguismo entre os operários. O peleguismo
significa a formação de elementos intermediários para amortecer os conflitos entre as classes, assim
como os pelegos amortecem os contatos entre o cavaleiro e o cavalo (Faleiros, 1992, p. 69).
22
social. Falava explicitamente em substituir a luta de classes pela colaboração de
classes". A cooptação sindical desse período é característica básica, que revela que
o sistema de seguro social foi implantado na ótica da seletividade, deixando uma
grande demanda da população brasileira fora das estruturas de proteção social.
De acordo com Cabral (2000), o projeto previdenciário foi articulado com um
conjunto de medidas sociais e trabalhistas que integram uma estratégia maior de
política estatal da proposta nacional desenvolvimentista de Vargas. Do ponto de
vista estrutural, estava em construção um novo patamar da acumulação capitalista
no país, com base no processo de substituição das importações via instalação de um
parque industrial e ação ativa do Estado na economia e no setor social, redefinindo
as novas relações entre o projeto previdenciário e a sociedade. Com a expansão
industrial e o aumento do trabalho assalariado, a previdência social sofreu sua
primeira crise, em virtude do aumento do número dos segurados e da
inadimplência do Governo para com o sistema, que atingiu cifras significativas.
Entretanto, cabe destacar que em 1937 o governo reagiu à pressão dos
trabalhadores com um golpe político, instalando o chamado Estado Novo, que
vigorou até 1945. Esse Estado Novo se traduziu na eliminação do que existia de
democracia representativa no país. Os sindicatos únicos19 foram restabelecidos, as
greves proibidas, os partidos políticos abolidos, o Congresso Nacional fechado e toda
e qualquer oposição ao Governo reprimida.
Segundo Araújo (1991), em 1945, a dívida do Estado com os IAPs equivalia
a 85% das despesas totais do conjunto do sistema, pois além das cotas das taxas
de previdência ficarem retidas pela União, as reservas do Sistema eram repassadas
ao Estado, através de investimentos em títulos da dívida pública ou ações de
empresas estatais. Esses recursos foram utilizados para o projeto econômico do
Governo de desenvolvimento industrial, a exemplo da indústria de celulose,
siderurgia, de álcalis e energia elétrica. Assim, os IAPS “foram utilizados como
instrumentos de captação de poupança para realização de investimentos eleitos como
estratégicos pelo governo no processo de industrialização”. (Salvador, 2010 p. 148)
19
Além da necessidade de reconhecimento do sindicato por parte do Estado, a legislação também
estabelecia a unicidade sindical, ou seja, somente poderia haver um sindicato por categoria em
determinada base territorial. A unicidade sindical é o sindicato único estabelecido em lei (Boito Jr,
1991, p. 27). Uma segunda ação decisiva do Estado foi o estabelecimento, também por lei, em 1940,
da contribuição compulsória – o imposto sindical –, extensiva a todos os trabalhadores, independente
de serem sindicalizados ou não.
23
Em 1945, conforme ainda este autor, o presidente Getúlio Vargas tentou
unificar as CAPs e os IAPs, quando assinou o Decreto-Lei nº. 7.526, em 07.05,
criando a Lei Orgânica dos Serviços Sociais no Brasil, cujo objetivo era juntar os
IAPs e o Instituto de Serviços Sociais do Brasil - ISSB, com o intuito de promover
serviços de previdência, assistência médico-hospitalar e condições de melhorias nas
áreas de alimentação, vestuário e educação.
Contudo, em meados da década de 1940, finda-se o Estado Novo e o
primeiro mandato de Getúlio Vargas, com sua deportação em 29 de outubro de
1945. Diante desse quadro, volta o pluripartidarismo 20, eleições diretas e,
consequentemente, há uma grande retomada do movimento organizado dos
trabalhadores, oprimidos pelo autoritarismo de Vargas.
Não obstante, a legislação social e o decreto do salário mínimo não foram
suficientes para impedir a deterioração das condições de vida dos trabalhadores. As
bases legais também não significaram a verdadeira efetivação dos direitos, que
eram desrespeitados ou usados como instrumentos para reforçar o mando patronal.
Conforme Paoli apud Telles, (1987, p. 87), os direitos se transformaram em regras
legais no processo de trabalho, mas deslegitimaram a reivindicação e legalizaram a
repressão.
A política social brasileira dos anos 1945 até o início de 1964 foi marcada
fortemente pela ideologia populista21, o que permitiu, de certa forma, "voltarmos a ter
uma ativação da sociedade civil, o que levou inclusive à forte participação de
sujeitos políticos organizados nos movimentos que antecederam o golpe de 1964"
(Coutinho, 2002, p. 22). A legislação da previdência após 1945 sofreu profundas
mudanças em relação ao período de 1930 a 1945. Porém, as políticas sociais
20
Ver Fleischer, 1981; Souza, 1976.
O populismo brasileiro surge sob o comando de Vargas e os políticos a ele associados. Desde
1930, pouco a pouco, vai se estruturando esse novo movimento político. Ao lado das medidas
concretas, desenvolveu-se a ideologia e a linguagem do populismo. Ao mesmo tempo em que os
governantes atendem a uma parte das reivindicações do proletariado urbano, vão se elaborando
instituições e símbolos populistas. Pouco a pouco, formaliza-se o mercado de força de trabalho, no
mundo urbano-industrial em expansão. Ao mesmo tempo, as massas passam a desempenhar
papéis políticos reais, ainda que secundários. Assim pode-se afirmar que a entrada das massas no
quadro das estruturas de poder é legitimada por intermédio dos movimentos populistas. (...) No
conjunto, trata-se de uma política de massas específicas de uma etapa das transformações
econômico-sociais e políticas no Brasil. Trata-se de um movimento político, antes do que um partido
político. Corresponde a uma parte fundamental das manifestações políticas que ocorrem numa fase
determinada das transformações verificadas nos setores industrial e, em menor escala, agrário. Além
disto, está em relação dinâmica com a urbanização e os desenvolvimentos do setor terciário da
economia brasileira. Mais ainda, o populismo está relacionado tanto com o consumo em massa como
com o aparecimento da cultura de massa. “Em poucas palavras, o populismo brasileiro é a forma
política assumida pela sociedade de massas do país" (Ianni, 1971, p. 209-211).
21
24
respaldavam-se na seletividade e na excludência das classes trabalhadoras, já que
só foram beneficiadas as categorias profissionais mais estruturadas e inseridas
funcionalmente no mercado de trabalho e que manifestavam expressiva capacidade
de pressão, a exemplo dos marítimos, bancários, industriários, servidores do Estado e
comerciários.
Cohn (2001) aponta que a partir de 1946, sob a democracia populista, há a
cooptação das classes assalariadas pelo poder instituído, ao mesmo tempo em que,
com o processo de intensa mobilização e luta dos trabalhadores, na busca de formas
de organização não verticalizadas, transformava-se o controle da previdência social
num importante elemento de reivindicação desses setores, que demandavam o
controle dos IAPs.
Com o ritmo acelerado da industrialização durante a década de 1950, todo o
sistema previdenciário cresceu em volume de recursos, em aparato institucional, e em
clientela a ser atendida. Nesse período, o custo da assistência médica experimentou
rápida e progressiva elevação, especialmente em função da incorporação tecnológica,
trazida pelos avanços produzidos no campo científico e tecnológico, desde a Segunda
Guerra Mundial. Ao lado disso, apresentava-se uma demanda social aumentada pelo
exército de desempregados, e pelos escombros a que a Europa se viu reduzida, num
sistema econômico mundial em crise, pela destruição dos grandes centros produtores
e consumidores.
Assim, conforme ainda Cohn (2001), a emergência de uma classe média
urbana, ávida de inserção nas condições de vida satisfatória, entre as quais se inclui o
cuidado à saúde, ocorreu ao lado de um contingente de trabalhadores assistidos por
uma estrutura médica hospitalar própria, mas também conveniada e financiada pela
previdência dos IAPs.
Entretanto, em 1964, com a posse do governo militar, que foi marcado pelo
acirramento das desigualdades sociais, pela concentração de renda, e pela
intervenção do Estado nos moldes do regime autoritário-burocrático, o compromisso
com uma maior acumulação do capital e com o crescimento econômico romperam
com o antigo relacionamento democrático entre o Estado a sociedade civil. Assim, os
trabalhadores politicamente mais organizados, com influências na formulação de
políticas sociais foram desmobilizados, e o trato das seqüelas da questão social foi
despolitizado.
25
O golpe de 1964 [...] é dado contra forças sociais crescentes, como o
movimento dos trabalhadores rurais, pela primeira vez atuando como ator
político, através de sindicatos e de ligas camponesas; como o movimento
sindical dos trabalhadores urbanos, extremamente forte naquele momento,
organizado na Central Geral dos Trabalhadores (CGT); como o movimento
estudantil, liderado pela união Nacional dos Estudantes (Une) etc. Mas eu
diria que a prova de que a sociedade civil ainda não era consolidada, estável,
é que foi possível acontecer o golpe tal como aconteceu, ou seja, sem
nenhuma efetiva reação popular, pelos menos no primeiro momento. Foi
anunciado o golpe e resistiu-se muito pouco; a greve geral prevista pelos
sindicatos e pela esquerda, e proposta como reação ao golpe, não vingou.
Aquela sociedade civil já não existia e isso foi o suficiente para amedrontar a
burguesia, para unificar o conjunto das classes dominantes e levá-las a
romper com qualquer formalidade democrática durante muitos anos; mas
não era ainda consolidada e organizada (Coutinho, 2002, p. 23).
Dessa forma, desaparece o populismo e a sociedade civil silencia pela
dominação política exercida abertamente pelos militares e tecnocratas instalados
nas altas esferas do poder executivo. São tomadas medidas de desengajamento
popular nos processos decisórios e o Estado assume mecanismos mais
aperfeiçoados de controle, repressão e cooptação.
Para Couto:
O golpe militar e a forma de governo estabelecida a partir dele tiveram uma
incidência importante no campo dos direitos, uma vez que, embora nos
discursos oficiais ainda se colocasse a democracia e a garantia dos direitos
como razões para a existência da revolução, os instrumentos legais
editados nesse período demonstram muitas razões para que se comprove
o contrário. (2004, p. 120).
Netto (1999) destaca que a ditadura de 1964 representou o estabelecimento
de uma relação de interesses da burguesia nacional, representadas pelos grandes
setores latifundiários e pelas corporações transnacionais, notadamente norteamericanas, com o objetivo de redimensionar o Estado e a sociedade brasileira em
virtude dos interesses do grande capital.
Assim, a conjuntura do período da ditadura militar (1964 - 1985) foi marcada
também por um novo padrão de acumulação capitalista no Brasil: o monopolista, que
redefine as relações Estado-sociedade. Segundo ainda Netto,
(...) a idade do monopólio altera significativamente a dinâmica inteira da
sociedade burguesa: ao mesmo tempo em que potencia as contradições
fundamentais do capitalismo. (...) a constituição da organização monopólica
obedeceu à urgência de viabilizar um objetivo primário: o acréscimo dos
lucros capitalistas através do controle dos mercados (...) (Netto, 2001, p. 1920).
26
Esse fato, por um lado, ensejou mudanças no processo tecnológico de
produção e fez surgir a necessidade de abertura de um novo mercado consumidor.
Por outro lado, tal modelo de desenvolvimento econômico, centralizado pelos
interesses das corporações transnacionais, em associação com o capital nativo,
exigiu o controle da população, o esvaziamento das reivindicações sociais e o
rebaixamento salarial, o que reforçava a postura autoritária do governo militar.
Portanto, no governo militar, o tratamento da questão social, via repressão e
assistência, subordinada aos preceitos da segurança nacional e da
acumulação capitalista, implicou não só no agravamento das tensões sociais,
na ampliação do processo de pauperização absoluta e relativa dos
assalariados, mas também estimulou o reaparecimento dos trabalhadores
no cenário político da sociedade, a partir da crise e do milagre, na luta por
melhores condições de vida e de trabalho. Aí a assistência reaparece na
pauta de reivindicação dos movimentos sociais e do próprio movimento
sindical, como estratégia mobilizadora pelos trabalhadores para fazer face
ao crescente processo de exploração no confronto com o capital e o
trabalho. Assistência torna-se também uma demanda da própria classe
trabalhadora. Ela passa a ingressar como parte da luta pela conquista da
cidadania na época do regime militar, administrada e tutelada pro um Estado
que Chico de Oliveira chama de Estado do Mal-estar social, em que os
fundos públicos são canalizados para a reprodução do capital, estando
ausentes no que diz respeito aos interesses do trabalho (Iamamoto, 1987, p.
44).
Por sua vez, a previdência social cumpriu um importante papel nesse
período, como política compensatória, ampliando programas assistenciais, numa
realidade em que o Estado voltava-se, especificamente, para garantir uma maior
acumulação do capital. Segundo Netto (2001) os sistemas de previdência social,
além de exercer um importante papel de preservação e controle da força de
trabalho, servem também como instrumento para evitar o subconsumo no mercado.
Assim, a previdência social no contexto da ditadura militar, adota o modelo
centralizado, em oposição ao modelo anterior, mais autônomo, onde as lideranças
sindicais, quando não controlavam as organizações previdenciárias, exerciam forte
pressão. Sobre elas o referido modelo foi elaborado dentro de critérios técnicos e
administrativos considerados "apolíticos", porque excluíam qualquer possibilidade
de interferência sindical em sua programação. A reforma implantada emergiu de
uma situação na qual, em termos técnicos, refletia os objetivos e valores de um
grupo de especialistas, convergindo com os objetivos políticos de centralização e
27
controle do regime político-militar implantado em 1964, reforçando-os.
Isso revela os motivos para a ampliação das políticas sociais na sociedade
brasileira, a partir de meados da década de 1960, entre elas, a política social
previdenciária, acionada pelo capital como um instrumento compensatório. Nesses
termos, destacamos: a) a criação do Instituto Nacional de Previdência Social - INPS
em 1966, com a unificação dos Institutos de Aposentadorias e Pensões (IAPs), com
a supressão dos trabalhadores da sua gestão, limitando a sua participação apenas
ao financiamento da previdência, através da contribuição mensal retirada de seus
salários; b) o PRORURAL, em 1971, o qual foi executado pelo FUNRURAL (Fundo
de Assistência ao Trabalhador Rural), e estendeu os benefícios e serviços de
assistência médica aos trabalhadores do campo, além de responder à capitalização
do setor agrícola e à ascensão do movimento organizado dos camponeses,
originário dos anos sessenta, e c) a inclusão dos empregados domésticos e
trabalhadores autônomos ou empregadores (individuais) que contribuíssem para o
INPS, com 16% de sua renda básica (1972/1973).
Em suas reflexões Médici (2005) afirma que, com a criação do INPS, o
sistema previdenciário passou também a ser o responsável direto pela assistência
médica de todos os trabalhadores formais que contribuíam com a previdência,
independentemente do ramo de atividade ou categoria profissional. Essa extensão
de cobertura trouxe problemas para as instituições de assistência médica da
previdência social, uma vez que, os estabelecimentos dos antigos IAPs não davam
conta dessa nova clientela do INPS. Foi necessário então, não apenas ampliar as
instalações de assistência médica da previdência, como também, contratar uma rede
maior de estabelecimentos privados que, mediante processos de compra e venda de
serviços médicos por Unidade de Serviço (US), passariam a integrar a rede de
assistência médica do INPS.
Entretanto, conforme ainda este autor, foi na década de 1970, quando o
Brasil ocupava o 8º lugar entre as economias capitalistas do mundo, e se propalava
o "milagre brasileiro”
22
, que os recursos previdenciários começaram a sofrer
reduções, quer porque o sistema tinha alcançado níveis de maturidade que
elevavam as despesas com aposentados, quer porque o volume de gastos com a
Na década de 1970, o Brasil viveu o período que ficou conhecido como o do “milagre econômico”,
em que foram apresentados altos índices de crescimento e o consumo de bens duráveis alcançou
patamares nunca antes vistos, além da construção de estradas, hidrelétricas e a consolidação de um
grande parque industrial no país. (Couto 2008, p.127).
22
28
assistência médica, por meio de redes privadas, era muito alto, ao ponto de se
permitir que fossem estruturados no país grandes complexos de serviços médicos
particulares;
quer
porque
os
mesmos,
já
haviam
sido
desviados
para
investimentos que favoreciam o empresariado industrial brasileiro. Conforme
Salvador,
Uma das principais características que esteve presente nas políticas
sociais durante a ditadura militar (1964 a 1985) foi o padrão regressivo
de financiamento. (...) As políticas integrantes do complexo
previdenciário (previdência, assistência médica e assistência social)
tiveram como principal base financeira, no período, o Fundo de
Previdência e Assistência Social (FPAS), mantido pelas contribuições
dos assalariados, dos empregadores e dos trabalhadores autônomos,
denotando as características regressivas dessas fontes de
financiamento. (2010, p. 158)
Por conseguinte, o governo militar adotou na previdência uma política de
redução de benefícios com o congelamento dos seus valores. Nesse cenário, o
Estado começou a usar o discurso governamental da situação deficitária da
previdência23. De fato, as mudanças ocorridas no período ditatorial passaram longe de
um padrão de bem-estar social24, a expansão dos programas sociais foi seletiva e com o
favorecimento do setor privado, principalmente nas áreas de saúde e previdência,
habitação e educação. Segundo ainda Salvador, durante a ditadura militar “foi criada a
medicina empresarial (grupo) e a previdência complementar privada, além da extinção
dos mecanismos que garantiam a participação dos trabalhadores no controle dos
sistemas existentes anteriormente”. (2010, p.158)
A partir de 1977 a previdência social passou por novas modificações com a
criação do Sistema Nacional de Assistência da Previdência Social - SINPAS,
através da Lei nº. 6.439, sob orientação, coordenação e controle do MPAS, que
previa uma descentralização por área de atividade, ou seja, uma política de
previdência, de assistência médica, farmacêutica e social com supervisão dos
23
Para aprofundamento ver Bravo, 2007;
Quanto à análise da origem das políticas sociais na particularidade brasileira, estudiosos têm
afirmado que o "Estado de Bem-Estar Social", em comparação a outros países, não se concretizou,
afirmando alguns que, no Brasil, historicamente, o que predominou, foi um "Estado de Mal-Estar
Social", sendo um importante instrumento dos interesses conservadores e elitistas da sociedade.
Isso porque as políticas de bem-estar social deram-se, principalmente, após a Segunda Guerra
Mundial e referem-se ao "financiamento público das despesas sociais consagradas ao ensino, aos
serviços de saúde, às pensões, à indenização de desemprego" (Brunhoff, 1991, p. 55). Isso foi
possível graças à existência de um compromisso de classes que liga o Estado, o patronato e os
sindicatos a um conjunto de concessões múltiplas.
24
29
órgãos que o constituíam. A finalidade do SINPAS estava respaldada na tentativa
de diminuir gastos e racionalizar a administração das várias instituições do sistema
previdenciário. Assim, entre outras medidas, restringiu as atribuições do INPS à
gerência do sistema de benefícios previdenciários e criou o Instituto Nacional de
Assistência Médica da Previdência Social - INAMPS, para cuidar exclusivamente
dos assuntos relativos à assistência médica.
No entanto, conforme ainda Salvador (2010) em relação à saúde, muitos
brasileiros permaneciam ainda sem acesso a serviços médicos, pois estes consistiam
na existência de um setor privado de saúde para o atendimento via planos de saúde,
destinados a uma parcela reduzida de trabalhadores assalariados. É notório que a
produção privada de bens e serviços de saúde foi crescente neste período, financiada
pelo Estado via arrecadação da previdência. As análises apreendidas até aqui,
permitem visualizar que, ao longo do período ditatorial, foi consolidado no Brasil um
“arcabouço político-institucional das políticas sociais brasileiras”. De acordo com
Salvador, estas continham as seguintes características:
1. extrema centralização política e financeira no nível federal das ações
sociais do governo; 2. fragmentação institucional; 3. exclusão da
participação social e política da população nos processos decisórios; 4.
autofinanciamento do investimento social; e 5. privatização”. (2010, p.158)
Segundo Couto (2008), o cenário brasileiro dos anos de 1980 apresentava
um país com grandes dificuldades, decorrentes da alta concentração de renda e o
conseqüente agravamento da questão social, e ao mesmo tempo, um tempo pródigo
em movimentos sociais e em participação da sociedade, envolvida no movimento
pré-Constituinte que fez germinar a construção de uma nova Constituição.
1.2 Década de 80: Constituição Federal e a criação do SUS
Como visto anteriormente, podemos considerar que as medidas de proteção
social iniciaram-se no Brasil na década de 20, com a criação das Caixas de
Aposentadorias e Pensões (CAP‟s), que mediante contribuição, possibilitavam aos
trabalhadores o acesso aos serviços de saúde e previdência social. Já no período
30
ditatorial, a política social vai caracterizar-se pelo controle, fragmentação e
seletividade frente às demandas dos trabalhadores urbanos, institucionalizando os
seguros sociais para as categorias de trabalhadores mais organizadas politicamente
e mais estratégicas ao desenvolvimento do capitalismo monopolista em ascensão,
como eram os casos dos marítimos, dos estivadores, dos bancários e dos
industriários.
Segundo Bravo (2007) no que diz respeito à fase do processo Constituinte,
tem-se que os seus princípios basilares remontam ao período da transição
democrática projetada por Geisel nos anos 1974-1979, no âmbito da sua política de
distensão, desenvolvida ainda no contexto da ditadura militar. Este momento
corresponde, em essência, a uma estratégia pactuada de mudança do regime militar
para um governo liberal-democrático, sob a hegemonia de forças conservadoras,
ocorrido em meio a uma crise marcada pela recessão econômica.
Neste período, a política econômica é reafirmada na tríade capital nacionalprivado, capital internacional e o estatal, engendrando uma queda no padrão de vida
da classe trabalhadora que, reativamente, impulsiona o ressurgimento do movimento
operário e da organização partidária25 que emergiu na sociedade civil as
organizações e movimentos populares, reivindicando melhorias nas condições de
vida.
Para a autora, a crise do “milagre econômico” brasileiro, que se evidenciou a
partir de 1974, e seus efeitos sobre a população permitiram o reaparecimento, no
cenário político, de forças sociais que lutavam para recuperar o espaço vedado com
o golpe de 1964, cabendo destacar o sindicalismo operário, aliado às categorias
profissionais dos estratos médios; os trabalhadores rurais, uma parcela da Igreja,
que se posicionou em favor das classes trabalhadoras, e entidades da sociedade
civil, como a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), a Associação Brasileira de
Imprensa (ABI), a Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), bem
como os movimentos urbanos.
Durante o período de 1979 a 1985 com o aprofundamento da crise econômica
ocasionou enorme endividamento externo, acarretando maior índice de desemprego,
25
É nesse sentido que Mota (1995, p.104) op. cit, assevera que: “[...] no Brasil, a década de 80
representou uma derrota para os trabalhadores no campo econômico, mas certamente, o mesmo não
ocorreu no campo da ação organizada das classes subalternas. Os trabalhadores ampliaram,
significativamente, sua organização com a formação do novo sindicalismo político, com a criação da
CUT, com a construção do Partido dos Trabalhadores e com um amplo leque de movimentos
reivindicatórios [...]”.
31
arrocho salarial e a crise da previdência, como dito anteriormente. Conforme Navarro
apud Mota (2008, p. 71):
(...) crise econômica que, tematizada como produto do esgotamento do
padrão de acumulação, subsume na economia uma questão política; subtraise da questão os processos de resistência das classes trabalhadoras,
sobretudo nos anos 60, como um dos fatores que desencadeiam a crise.
Conforme ainda Bravo (2007), dentre as principais questões identificadas no
período ressalta-se o aprofundamento da dívida externa, a elevação da taxa
inflacionária, a recessão econômica, que tornou aguda a situação de desemprego e
ampliou o processo de pauperização das classes trabalhadoras, com o crescimento
da mortalidade infantil e morbidade, por doenças infecciosas. O avultamento dessas
questões gerou tensões sociais e violência urbana, dificilmente controlável pelo
sistema, o qual teve de enfrentar também déficits no orçamento público. Além das
contradições internas, o governo se viu diante da crise energética de âmbito
mundial.
Bravo (2007) ressalta que, no último governo do regime ditatorial,
representado por Figueiredo e sua política de abertura, tem-se como consolidação
das liberdades democráticas, o restabelecimento do hábeas corpus, a anistia, a
reorganização partidária e as eleições diretas para os governos estaduais em 1982.
Ressalta-se dentre essas mobilizações sociais, a campanha das “Diretas Já”, algo
até então nunca vivenciado no país: ma multidão concentrada nas principais
cidades, cujo objetivo manifesto era a defesa das eleições diretas para Presidente
da República. Segundo Couto:
(...) pode-se demarcar que do ponto de vista dos direitos políticos, civis e
sociais, os governos que se sucederam de 1964 a 1985 primaram por
aniquilar os direitos políticos e civis e por novamente acionar, ainda que de
maneira restrita, medidas na área social, desenhando o perfil limitado e
autoritário na concepção de direitos sociais, onde os mesmos tinham a
finalidade de assegurar a sustentação política do regime. (2004, p. 135).
Estes acontecimentos culminaram com a reconstitucionalização do país,
inaugurando-se a Nova República sob o governo do presidente José Sarney em
1985, mostrando novas possibilidades frente à insatisfação popular, como vimos
anteriormente, principalmente devido às condições de vida da população. Sendo
assim, a década de 80 se apresentou com fortes indícios para a mobilização popular
32
e a participação de diversos setores da sociedade civil, e por conseqüência, as
reivindicações por direitos sociais, materializados através das políticas sociais – o
que teve seu apogeu na Constituição de 1988.
Couto evidencia esse paradoxo existente da década de 1980:
A década de 80 mostrou-se um país com enormes dificuldades geradas
pela grande concentração de renda e por uma política econômica restritiva
do ponto de vista da participação da população na riqueza nacional (...). Ao
mesmo tempo, foi uma década pródiga em movimentos sociais e em
participação da sociedade, organizando-se por meio de entidades e
organizações não-governamentais (ongs) e sindicatos, para participarem
do movimento pré-constituinte. (2004, p.137)
Não contraria a essa idéia, Motta (1995) enfatiza que, tal conjuntura
econômica dos anos 80, pode ser compreendida como expressão particular de um
processo de proporções mais amplas, que atinge o capitalismo contemporâneo e
assume características peculiares no Brasil, em função da sua integração
subordinada à ordem internacional. Esta autora esclarece que o termo crise não é
utilizado como sinônimo de colapso ou falência, mas na perspectiva de apreender as
transformações por que passam o Estado e a sociedade, e as novas relações que
estes estabelecem.
Não obstante, a autora Raichelis (2007) em sua análise, afirma que, diante da
crise do Estado autoritário, do agravamento da questão social na década de 80 – a
chamada “década perdida”, em função do aumento da pobreza e da miséria, e da
luta pela democratização do Estado e da sociedade, intensifica-se o debate sobre as
políticas públicas, especialmente as de corte social. Este movimento põe em
discussão não apenas o padrão histórico que tem caracterizado a realização das
políticas sociais em nosso país - seletivo, fragmentado, excludente e setorializado mas também a necessidade de democratização dos processos decisórios
responsáveis pela definição de prioridades e modos de gestão de políticas e
programas sociais.
Em conseqüência da crise houve o descontentamento de toda a sociedade,
levando a mesma à luta pelos seus direitos, ocorrendo iniciativas populares na
política em forma de partidos. Os movimentos sociais se mobilizaram não somente
em função dos salários, mas também para a questão da saúde, visando à melhoria
dos serviços prestados à população, conforme afirma Behring (2003, p. 49),
33
(...) a sociedade emergiu com força inusitada dos porões da repressão com
manifestações de rua, formação de comitês, articulação de organismos,
estruturação de baixo-assinados, organizações de lobbies. Fizeram-se
ouvir as vozes de mulheres, índios, negros, alem de empresários setores
específicos de empresas, ruralistas, evangélicos na disputa por seus
interesses na Assembléia Nacional Constituinte.
É neste contexto que, na década de 1980, profissionais da saúde e
representantes da sociedade civil, na busca por soluções mais eficazes que
amenizassem as problemáticas advindas das questões conjunturais e estruturais
que repercutiam na área da saúde e, portanto, na vida dos indivíduos se
mobilizaram, culminando em conferencias, seminários, e mobilizações no estado de
São Paulo, debatendo o agravamento da situação da saúde principalmente na VII e
VIII Conferência Nacional de Saúde (Faria & Jatene, 1995).
No mesmo período de agudização das expressões da questão social que a
Saúde Pública, através do Movimento de Reforma Sanitária apresentou um projeto
de política de saúde que até então não se tinha visto na realidade brasileira.
Resultou, portanto, uma nova forma de relação entre Estado e Sociedade Civil,
provenientes dos embates entre diferentes atores sociais.
Sobre esse processo, Bravo 2007, ressalta que a luta pela saúde se ampliou
e diversos movimentos se destacaram, dentre eles: os movimentos de bairros de
periferia urbana e favelas, políticas, eclesiais de base e sindicais, colocando na
pauta de reivindicações essa questão. A partir desses movimentos, surgiram
eventos que debateram sobre a política de saúde.
O primeiro foi a VII Conferência Nacional de Saúde-CNS, que estava marcada
para 1979 e ocorreu em março de 1980, e teve como pontos importantes, a proposta
de implantação de um Programa Nacional de Serviços Básicos de Saúde, tendo
como objetivo principal a extensão da cobertura dos serviços de saúde à população.
Também foi discutido nesta Conferência o resgate da presença dos trabalhadores
que foram excluídos da gestão da previdência e reprimidos em suas bases sindicais.
Segundo Bravo (2007) foi a partir da VII CNS que se articulou o Conselho
Consultivo de Administração de Saúde Previdenciária-CONASP, objetivando
sistematizar as políticas de assistência à saúde da população previdenciária, e
apresentando algumas estratégias de racionalização dos recursos alocados para a
assistência médica.
34
O CONASP, segundo Almeida (1995), composto por representantes da
medicina, de vários Ministérios, de trabalhadores, do setor patronal e dos
prestadores privados de serviços, com o objetivo de reorganizar a assistência
médica no Brasil, reduziu custos e controlou gastos com a assistência médica. O
CONASP teve a finalidade de estudar e propor normas mais adequadas para a
prestação de assistência à saúde da população previdenciária, assim como indicar a
necessária alocação de recursos financeiros de qualquer outra natureza,
indispensáveis à operação dessa assistência. De acordo com Oliveira & Teixeira
(1986) apud Bravo, o CONASP tinha tais propostas:
1. Melhoria de qualidade da assistência à saúde prestada à população,
pelo Inamps direta ou indiretamente;
2. Cobertura assistencial em igualdade de condições, a toda a população
rural e urbana;
3. Planejamento da assistência à saúde de acordo com parâmetros
assistenciais aceitáveis, respeitadas as disponibilidades orçamentárias do
Inamps e das demais instituições envolvidas no processo;
4. Aumento da produtividade dos recursos da Previdência Social, aplicados
em saúde com racionalização das formas de prestação de serviços.
Uma das estratégias postas do CONASP foi à criação, em 1984, das Ações
Integradas de Saúde-AIS, que tiveram propostas de articulação dos recursos
federais, estaduais e municipais para a atenção à saúde. Iniciaram com estas ações
um processo “embrionário” do SUS no que se refere à universalização (agora o
direito à saúde na assistência médica era para toda a população, independente de
vínculos previdenciários), priorização dos serviços de atenção primária à saúde, com
ênfase na prevenção e descentralização nas decisões administrativas técnicas e
políticas.
As AIS, como todo projeto inicial, dependendo da intencionalidade política e
da correlação de forças que permeiavam as ações em suas implantações,
desencadearam algumas distorções ou utilização incorreta da máquina pública,
conforme percebemos na citação realizada por Marsiglia (1993, p.26) referente à
alocação de recursos aos municípios,
Face a face com uma crônica escassez de recursos humanos, materiais e
financeiros, a grande maioria dos municípios do país passou a dispor, com
os convênios AIS, dos primeiros recursos financeiros que lhes foram
repassados pelo INAMPS. Embora muitos municípios não tivessem
utilizado os recursos com presteza e eficiência necessária, outros
aproveitaram esta oportunidade para criar Secretarias de Saúde com
máquinas autônomas da educação, da promoção social ou do saneamento.
35
Assim, Andrade (2007) destaca que, a partir destas proposições, duas
medidas importantes foram tomadas, sendo a integração do INAMPS com o Setor
Publico de Saúde e a Implementação do Sistema de Assistência médico-hospitalar
da Previdência Social, induzindo novos mecanismos de auditoria técnica além de
propostas de co-gestão hospitalar.
(...)as AIS criaram a infra-estrutura fundamental de rede física de cuidados
básicos de saúde, essencial ao posterior desenvolvimento das políticas de
universalização e descentralização (...) na construção de um sistema de
saúde descentralizado”. (Guimarães, 1994,p.86)
Porém mesmo com a criação das AIS, não foi possível resolver toda a
problemática que a saúde estava enfrentando. Então foi criado o Sistema Unificado
e Descentralizado – SUDS, que contribuiu para o desenvolvimento da qualidade das
AIS e de sua consolidação.
Através destes movimentos sociais e ações voltadas para a melhoria da
saúde, os profissionais dessa área, professores universitários, estudantes de
medicina, sindicalistas e os movimentos populares da sociedade civil se
organizaram em busca de um ideário. Estes grupos deram origem ao Movimento
Sanitarista, cujo objetivo era buscar respostas para os dilemas da política de saúde
nacional, influenciados também pelos debates mundiais acerca da promoção da
saúde, tendo como ideal a busca pela saúde enquanto direito de todos e dever do
Estado. (Bertolli Filho, 2001)
O Movimento Sanitário é, conforme a interpretação de Fleury 1995, apud
Escorel (1995):
Como de caráter contra-hegemônico, concretizador das propostas de
transformação do Sistema de Saúde – constituído na primeira década do
regime autoritário que materializava a hegemonia da política de
mercantilização da medicina sob o comando da Previdência Social. (1995,
p. 95)
Segundo Bertolli Filho (2001), as ações de assistência à saúde da população
em geral passaram, então, a ser discutidas pelo Movimento da Reforma Sanitária
em um processo político que, motivado pelos médicos sanitaristas, mobilizou a
sociedade brasileira, propondo novas políticas e novos modelos de organização do
sistema, serviços e práticas de saúde. Todo este esforço convergia para uma
36
política de saúde democrática, com propostas que procuravam instituir programas
que atendessem às necessidades do usuário, antes centralizadas nas mãos do
governo federal, visando à descentralização dos serviços, tendo também como
princípios a universalização e a unificação.
Outro fato marcante e fundamental para a discussão da questão da saúde no
Brasil, nesse período, ocorreu na preparação e realização da VIII Conferência
Nacional de Saúde, realizada em março de 1986, em Brasília. A VIII Conferência
Nacional de Saúde foi um marco significativo não somente na história da saúde, mas
também no contexto brasileiro das políticas sociais, pois visava debater com os
diversos atores sociais que ali estavam presentes as problemáticas na área da
saúde e também questões permeadas no momento pré-constituinte. As temáticas
discutidas foram acerca da saúde enquanto direito inerente à personalidade e à
cidadania, a reformulação do Sistema Nacional de Saúde, em consonância com os
princípios de descentralização, participação universalização e integração entre os
entes federativos (União, estados, municípios), e sobre o financiamento setorial.
A Conferência propiciou a criação de uma comissão composta por vários
segmentos da sociedade que objetivavam propor mudanças no padrão
organizacional do sistema de proteção social no país (...) embora de fato, a
repercussão se deu mais na área da saúde e da previdência. (Marsiglia,
1993, p. 27).
Esta Conferência, ao contrário das anteriores, contou com a participação de
mais de 4.500 pessoas, exibiu o momento em que ganhava força a discussão sobre
o direito de todos ao acesso à saúde e consolidou os princípios defendidos pelo
Movimento da Reforma Sanitária. Conforme Bravo (1996, p.77) os setores
empresariais da saúde não participaram, em protesto contra o principio da
conferência, que se fundamentou no conceito de saúde enquanto direito de todos os
cidadãos e dever do Estado. Foi reforçada ainda, nesta conferência a necessidade
de ampliar as propostas das AIS, almejando ações mais eficazes no que se refere à
unificação do Sistema de Saúde – com fortes traços para a universalização e a
descentralização político administrativa.
Para que estas questões pudessem ser definidas com maior clareza e
alcançassem os objetivos propostos na Conferência, segundo consta nos Anais
desta Conferência, a discussão foi iniciada a partir de uma reflexão sobre o próprio
conceito de saúde,
37
(...) saúde não é simplesmente a ausência de doença, não é simplesmente
o fato de que, num determinado instante, por qualquer forma de
diagnóstico médico, ou através de qualquer tipo de exame, não seja
constatado doença na pessoa. Para a OMS, é mais do que isso: além da
simples ausência de doença, saúde deve ser entendida como bem estar
físico, mental e social. (BRASIL, 1987, p. 36).
Arouca (2002) continua evidenciando que para tal compreensão, faz-se
necessário a abrangência da interpretação deste conceito, pois uma qualidade de
vida implicaria em questões mais amplas, até então não subsumidas no Brasil. A
partir desta visão, o processo saúde-doença deixou de ser entendido apenas
enquanto alternativas individuais e pontuais, alcançando uma compreensão mais
abrangente, a partir do modo como os homens estabelecem relações com o meio,
das relações que estabelecem entre si enquanto indivíduo e enquanto grupo.
Materializou-se, assim, na VIII Conferência Nacional de Saúde o consenso
em torno dessa nova lógica que permeava a definição de saúde, seus
determinantes, sua incorporação ao direito de cidadania, a conseqüente intervenção
do Estado e a criação do Sistema Único de Saúde, conforme evidencia Marsiglia:
(...) o Movimento Sanitário encaminhou a elaboração de um projeto para a
área, que se denominou Reforma Sanitária, buscando definir ao nível do
Legislativo as normas legais a serem inseridas na Nova Constituição
Federal para garantir a efetivação das reformas. (Marsiglia, 1993, p. 27).
Segundo Bravo (1996), essa conferência representou um marco para a
sociedade, pois a introduziu no cenário da discussão da saúde. Os debates saíram
dos seus fóruns específicos (ABRASCO, CEBES, Medicina Previdenciária, Saúde
Publica),
assumindo
outra
dimensão
com
a
participação
das
entidades
representativas da população. A questão da saúde expandiu ainda à análise setorial,
referindo-se à sociedade como um todo, propondo-se não somente o Sistema Único,
mas a Reforma Sanitária. (Bravo apud Netto, 1996, p.77).
O relatório final da VIII Conferência Nacional de Saúde (Anais, 1987, p. 382)
foi divulgado amplamente entre os participantes e os delegados, e nele continha o
conceito de saúde e a necessidade de reestruturação do setor com a criação do
Sistema Único de Saúde, que representasse uma nova estrutura que separasse a
saúde da previdência. Neste relatório a saúde, em seu sentido mais amplo, foi
considerada como resultante das condições de alimentação, moradia, trabalho, meio
38
ambiente, lazer, acesso a bens e serviços, sendo então referência para os
constituintes dedicados à elaboração da Carta Magna de 1988, conforme Arouca
(1991).
O processo constituinte e a promulgação da Constituição de 1988
representaram no plano jurídico, o compromisso com a afirmação e extensão dos
direitos sociais em nosso país, frente à grave crise e às demandas de enfrentamento
dos enormes índices de desigualdade social existentes. A Constituição Federal
inseriu avanços, em busca de corrigir injustiças sociais acumuladas ao longo do
tempo.
Em relação à saúde, a Assembléia Constituinte se transformou em uma arena
de interesses políticos, onde de um lado estava um bloco formado por grupos
empresariais, tendo como líderes a Federação Brasileira de Hospitais (que
representava o setor privado), e a Associação de Indústrias Farmacêuticas
(representando as multinacionais), e do outro lado, o bloco da Reforma Sanitária,
representadas pela Plenária Nacional de Saúde na Constituinte, órgão que passou a
congregar cerca de duas centenas de entidades representativas do setor26.
Bravo (2007) considera que a eficácia da Plenária das Entidades, para atingir
seus objetivos, foi resultado do uso de três instrumentos de luta: a capacidade
técnica de formular com antecipação um projeto de texto institucional claro e
consistente, a pressão constante sobre as constituintes e a mobilização da
sociedade.
Nessa perspectiva, o direito à saúde articulado pela Reforma Sanitária
fundamenta o protagonismo dos sujeitos sociais para defesa dos direitos à saúde,
através de apoio, participação e pressão coletiva. A implicação direta deste processo
foi a necessidade do Estado assumir a política de saúde, integrada às demais
políticas econômicas e sociais, não mais de forma autoritária e centralizadora,
visando controlar a população. Tal responsabilidade implica ser assumida de uma
forma descentralizada e participativa, com a população assumindo a participação na
formulação, gestão e avaliação destas políticas sociais.
Na conjuntura apresentada, cabe destacar ainda a criação, em 1987, do
Sistema Unificado e Descentralizado de Saúde-SUDS, cujo objetivo principal era
26
As entidades que participam da Plenária foram: sindicados e centrais sindicais, associações
profissionais e culturais, partidos políticos, progressistas, movimentos populares, associações de
usuário entre outros.
39
unificar racionalizar, democratizar e descentralizar os recursos federais, estaduais e
municipais. Com a criação dos SUDS:
(...) os convênios passaram a ser assinados com os Estados tendo em
vista: repassar as funções de gerência dos serviços previdenciários para as
secretarias estaduais, bem como a decisão e execução de contratos do
INAMPS com o setor privado na região. Recomendava-se, ao mesmo
tempo, que as secretarias estaduais descentralizassem o atendimento
básico de saúde, deixando-os a cargo das secretarias municipais
(Marsiglia, 1993, p. 28).
Esses movimentos culminaram por assegurar na Constituição Federal de
1988 a saúde, sendo definida como um elemento da Seguridade Social (Saúde,
Previdência e Assistência), a qual compreende: “um conjunto integrado de ações de
iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade destinado a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social” (Brasil, 1988, p.103).
Assim, com a Constituição Federal de 1988 a saúde foi vinculada aos direitos
sociais, compondo o tripé da Seguridade Social. Após constantes discussões e
impasses na elaboração da Constituição Federal de 1988, a saúde foi garantida
como direito universal, mediante políticas sociais e econômicas, que contribuam
para a redução dos riscos de doenças e outros agravos. O acesso às ações e
serviços para a promoção, proteção e recuperação da saúde passa a ser universal e
igualitário, para todos os indivíduos. Neste Sistema, os serviços de saúde seguem
algumas diretrizes, como a universalização, a descentralização, o financiamento
eqüitativo, comando único em cada esfera de governo, atendimento integral e
participação comunitária.
A saúde, neste momento, ganha outra conotação legal e incorpora novas
instâncias legais de regulação, para sua efetivação. Entre elas, cita-se a Lei
Orgânica da Saúde composta pelas Leis nº. 8.080 e nº. 8.142 de 1990, que criam os
princípios e diretrizes da Política Nacional de Saúde (1968), bem como, delegam
novas responsabilidades às três esferas de governo. Avançou-se, quanto à
competência do poder público (especialmente, para Estados e municípios), aos
quais foram delegadas responsabilidades na elaboração de ações e serviços
públicos de saúde, sua regulamentação, fiscalização, controle e execução, para a
integração das redes regionalizadas e hierarquizadas do Sistema Único de Saúde SUS.
40
Com a Política Nacional de Saúde e a descentralização político-administrativa
do Estado, se estabeleceu um novo parâmetro de atendimento. Ampliaram-se às
responsabilidades, principalmente no âmbito municipal, quanto às responsabilidades
pela atenção básica de serviços e ações em saúde, e simultaneamente foi
estabelecido o processo de regionalização, como estratégia para a hierarquização
dos serviços de saúde. Esse processo procurava viabilizar níveis maiores de
eqüidade, com a criação de mecanismos para fortalecer a capacidade de gestão do
SUS. A proposta pretendia contemplar a lógica do planejamento integrado,
respeitando os limites intermunicipais para a garantia do acesso às ações e serviços
necessários a todos e otimizando recursos disponíveis.
Nogueira (2002) ressalta que na Lei Orgânica da Saúde, a satisfação das
necessidades em saúde foi vista como um direito independente de contribuição ou
qualquer outro requisito antecedente, bem como, não estava submetida à sujeição
de limites. Com isso, o direito à saúde passou a ter independência frente ao
mercado no momento que foi proposto o atendimento universal, integral e igualitário
para todos.
O referido autor destaca ainda que, estes são os elementos institucionais e
organizativos que viabilizarão a concepção de direito aprovada pela Constituição
Federal. O artigo 198 da Constituição Federal de 1988 determina que as ações de
saúde integram uma rede regionalizada e hierarquizada e constituem um sistema
único, organizado de acordo com as seguintes diretrizes:
I. Descentralização, com direção única em cada esfera de governo; II.
Atendimento integral, com prioridade para as atividades preventivas, sem
prejuízo dos serviços assistenciais; III. Participação da comunidade. (Brasil,
1988).
É criado então o Sistema Único de Saúde - SUS, cujas características
apontam que, primeiramente, o SUS é um sistema, ou seja, é formado por várias
instituições dos três níveis de governo (União, Estado e Municípios), e pelo setor
privado contratado e conveniado. O serviço privado, quando contratado pelo SUS,
deve atuar como se fosse público, usando as mesmas normas do serviço público.
Depois é único, isto é, tem a mesma doutrina, a mesma filosofia de atuação em todo
o território nacional, e é organizado do acordo com uma mesma sistemática. De
acordo com Andrade, o SUS,
41
(...) representou importante ponto de inflexão na evolução institucional do
Brasil e determinou praticamente uma total reengenharia institucional, ao
introduzir novo arcabouço jurídico institucional no campo das políticas
publicas em saúde. (Andrade, 2007, p. 38)
Assim, verifica-se que, conforme a Constituição Federal, o SUS tem por
princípios doutrinários: a) a universalidade - todos os indivíduos têm direito ao
atendimento sem distinção de raça, cor, religião, renda, entre outros; b) a eqüidade todo cidadão é igual, perante o SUS, e terá atendimento conforme suas
necessidades, a fim de atender e tratar desigualmente os desiguais; c) a
integralidade - os serviços de saúde devem atender o indivíduo como um ser
humano integral, que está, constantemente, submetido a diferentes situações de
vida e de trabalho que o levam a adoecer e morrer. O indivíduo deve ser
compreendido como um ser social, cidadão que, biológica, psicológica e socialmente
está sujeito a riscos de vida; d) descentralização - envolve a redistribuição das
responsabilidades pelas ações e serviços de saúde entre os níveis de governo:
União, Estados e Municípios; e) controle social - é a garantia constitucional, para
que a população, através de suas entidades representativas, participe do processo
de formulação das políticas de saúde e do controle de sua execução, em todos os
níveis de governo, por meio dos Conselhos e Conferências de Saúde; f)
complementaridade do setor privado, que de acordo com o artigo 199 desta, em seu
inciso l, “as instituições privadas poderão participar de forma complementar do SUS,
seguindo as diretrizes deste, mediante contrato de direito público ou convênio, com
preferência às entidades filantrópicas e sem fins lucrativos” (Brasil, 1990).
Um dos princípios norteadores do SUS, que vem se destacando no cenário
dos avanços institucionais, é a descentralização, entendida como a redistribuição
das responsabilidades por ações e serviços de saúde entre os vários níveis de
governo. Sendo assim, compreende-se que quanto mais próximo das demandas as
decisões são tomadas, maiores serão as chances das ações se concretizarem com
sucesso. Há o reforço do poder municipal - municipalização, sendo delegadas
responsabilidades na gestão e implementação das ações e serviços em saúde.
Essa nova atribuição conferida aos municípios, como cita Nogueira (2002),
causou alterações significativas, pois transferiu a capacidade decisória sobre ações
e programas de saúde para o âmbito municipal. Simultaneamente, foram ampliadas
as competências estaduais, mas, especialmente à esfera municipal, foram atribuídas
42
responsabilidades executivas na provisão de serviços sociais, abrindo espaço para
diversas práticas que apresentaram resultados, por vezes, favoráveis, por vezes,
desfavoráveis para o campo da saúde.
Segundo Gerschman (2001), o final dos anos 1980 foi marcado por diversos
avanços trazidos pela Constituição. Suas inovações ocorreram, especialmente, em
relação à descentralização das políticas públicas, que buscava a reordenação do
sistema com centralidade nos princípios do SUS, e no processo de descentralização
das ações nas três esferas de governo.
Porém, em contrapartida a este processo, a partir da década de 1990, com o
advento do modelo neoliberal, a política de saúde vem sofrendo ataques sucessivos,
ameaçando a consolidação dos princípios e diretrizes do SUS. Desta forma,
vivenciamos a ascensão de um modelo de atenção à saúde cada vez mais
excludente e privatista e negligenciador dos direitos sociais garantidos na
Constituição Federal de 1988, conforme veremos a seguir.
1.3. A política de saúde na década de 1990 e os rebatimentos do neoliberalismo
Pouco tempo após a promulgação da Constituição Federal de 1988, na
década de 90 o país experimenta, conforme já desenvolvido no capítulo anterior, a
invasão de uma fatídica onda neoliberal, que acarreta transformações profundas no
país nas suas dimensões políticas, econômicas sociais e ideológicas. Desta forma a
então
„conjuntura constitucional‟ e seus avanços no campo dos direitos sociais e
da participação popular na sua formação e fiscalização foi contra-arrestada
pelo avanço de um discurso que, usando o argumento da necessária
redefinição das relações entre o Estado e a sociedade, passa também em
investir na participação social no campo da sociedade civil. Esta
participação é incentivada, a partir dos anos 1990, pelo projeto neoliberal
em ascensão, não na direção do controle social na gestão e
implementação das políticas sociais, mas na direção de transferir e atribuir
às organizações da sociedade civil o papel de agentes do bem-estar social
mediante práticas voluntárias, filantrópicas e caritativas (Duriguetto, 2005,
p. 89 e 90).
43
Para Bravo (2006b) apesar dos avanços na área da saúde, nessa década
assiste-se também ao avanço das políticas neoliberais onde o Estado teve seu papel
redirecionado. Nesta esfera ocorreu a chamada Reforma
do Estado ou
Contrarreforma27 que em conjunto com a Reforma Constitucional (mais voltada para
o setor da previdência), tinham por intuito desmontar a seguridade social brasileira.
A Contrarreforma tinha como objetivo redirecionar o papel estatal, desviando-o de
suas funções básicas ao passo que expandia sua presença no setor produtivo.
Os anos 1990 são marcados pela forte entrada do projeto neoliberal no país,
o qual revelou um processo político-econômico anti-Constituição Federal de 1988,
isso porque o avanço da política neoliberal levou o país a adotar um modelo
fragmentário de proteção social, reforçando a idéia de um "Estado mínimo" como
saída para a crise econômica. Nesse contexto, defendeu-se através de um discurso
falseado em prol do social, o corte de gastos e a desativação dos programas sociais
públicos, por entenderem que acarretavam déficit público, inflação, redução da
poupança interna e desestímulo ao trabalho. Para Matos, tal estratégia de
rearticulação do capital, trouxe também,
[...] a defesa de um Estado mínimo para as questões do social, a promoção
de uma reestruturação do mundo do trabalho, em que a precarização e a
drástica redução das conquistas sociais e trabalhistas são propostas em
nome de uma adaptação inexorável aos novos ditames mundiais. O
discurso predominante passa a ser o de que a globalização é um fato
inconteste, que atinge a todos, sendo necessário um conjunto de esforços
nessa realidade. [...] Tendemos a pensar diferente: o projeto neoliberal, as
estratégias de globalização e a reestruturação produtiva não são mais que
uma fase tática de sobrevivência e de manutenção do capitalismo, frente a
sua crise estrutural (2003, p.90 -91).
Contudo, cabe destacar que a Constituição de 1988 definiu um conceito de
Seguridade Social abrangente, estendendo os direitos à cobertura previdenciária,
saúde e assistência social para a totalidade da população, independentemente do
exercício profissional e da existência de vínculo contributivo. Isso significou
segundo Silva (1997) grandes avanços no campo da proteção social do trabalhador
e dos cidadãos, passando a ser visto como um conjunto de iniciativas
indissociáveis e essenciais.
Cabe ressaltar que o modelo de Seguro Social adotado na Constituição
27
Para aprofundamento ver Behring, Elaine Rossetti. Brasil em contra-reforma – São Paulo: Cortez,
2003.
44
Federal de 1988 veio a se contrapor ao modelo de Seguro Social que fora adotado
no Brasil desde a década de 1930, desenvolvido a partir da Era Vargas, voltado
para a classe trabalhadora contributiva da Previdência Social. Ou seja, a proposta
de Seguridade Social agora buscava superar a concepção de proteção baseada
apenas no vínculo trabalhista e no assistencialismo via filantropia, ao afirmar o
princípio de justiça, eqüidade, solidariedade e cidadania. Com isso a nova
Constituição procurou resgatar o direito social.
Podemos admitir que essa nova característica da seguridade social brasileira
conferida pela Constituição de 88 apresenta uma abertura para a construção de um
sistema de proteção social universal e igualitário semelhante ao Estado de BemEstar Social implementado por países europeus nos "30 Anos de Ouro" seguintes à
2ª Guerra. Contudo, o mesmo estava longe de se concretizar, se consideramos a
falência da economia internacional ocorrida na década de 1970, devido à saturação
dos paradigmas de acumulação capitalista adotados. A partir dos anos 1940, o
capitalismo vivencia o esgotamento do padrão de acumulação baseado na produção
e no consumo de massas. Este esgotamento, identificado como crise do
fordismo/keynesianismo, se expressou principalmente pela queda nas taxas de
lucro, variações na produtividade e desemprego. Em resposta a esse abalo no
sistema financeiro internacional, os países hegemônicos apontam à necessidade de
se encontrar mecanismos de superação dos problemas demandados por essa
situação. A solução encontrada foi à reforma do Estado via implantação da política
neoliberal.
Assim, nas últimas duas décadas do século XX, as medidas de ajustes
necessárias ao processo de reestruturação econômica vem se dando através da
defesa de um programa de corte neoliberal, assentado na negação da regulação
econômica estatal, no abandono das políticas de pleno emprego e na redução dos
mecanismos de Seguridade Social em prol da sua regulação via mercado. De
acordo com Anderson (1995), o neoliberalismo surge como uma reação técnica e
política contra o Estado intervencionista e de bem-estar.
Esse processo acabou por determinar outro perfil para a seguridade social
brasileira, marcada pela mercantilização dos serviços de saúde e previdência social
para os trabalhadores assalariados e, ao mesmo tempo, pela difusão de programas
de assistência social para os pobres, coerentes com a proposta neoliberal do Estado
45
Mínimo e com a necessidade de redução dos impactos sociais dos ajustes
econômicos.
É nesse contexto que emerge o "Estado mínimo" ou "Estado máximo" para o
capital no dizer de Netto (1993), voltado para "erradicar mecanismos reguladores
que contenham qualquer componente democrático de controle do movimento do
capital" e, ao mesmo tempo, gerindo o social na ótica dos ajustes neoliberais de
diminuição dos gastos sociais e da desregulamentação, diminuição ou do
aniquilamento dos direitos sociais historicamente conquistados.
Desse modo a trajetória política do grande capital nos anos 80 e 90 no Brasil
vêm se dando pela tentativa de construção de sua hegemonia, através da formação
de uma cultura marcada pela necessidade de desqualificação das demandas dos
trabalhadores, enquanto exigência de classe. Na Seguridade Social essa iniciativa é
materializada pelo argumento da necessidade de mudanças no sistema de
seguridade social existente, de modo a adequá-lo a reformas macroeconômicas com
o consentimento das classes trabalhadoras. Segundo Mota (2008), esse contexto,
tornou possível a formação de uma cultura política da crise, marcada pelo
pensamento privatista e pela constituição do cidadão - consumidor28.
Carvalho (2005) enfatiza que não podemos negar que a década de 1980 foi
um período de resultados positivos, dentre os quais o autor destaca a gradativa
descentralização dos serviços para os estados e municípios e a progressiva
unificação das ações de saúde em uma única instituição, o Sistema Único de Saúde
(SUS). Este é a concretização do texto constitucional, que declara, a partir de 1988,
a saúde como um direito de todos e um dever do Estado. Este novo sistema traz
consigo inúmeros desafios, a começar pela grandiosidade que é fazer cumprir o
conteúdo legalmente instituído no que tange à administração, organização,
execução, e tantos outros aspectos referentes à assistência cotidiana, entre os quais
a qualidade dos serviços prestados pelos trabalhadores.
No entanto, o SUS e as políticas públicas, de um modo geral, passam a
enfrentar, a partir dos anos de 1990, outros “contra-ataques”, operadas pelas
políticas de cunho neoliberal nos governos no país. Estas instalam-se no campo da
saúde, introjetando, em meio ao SUS, um projeto de saúde articulado ao mercado.
28
Para Mota, o cidadão-consumidor “é o sujeito político nuclear da sociedade regulada pelo mercado”
(2008, p.164).
46
Este pautado na política de ajuste tem como tendências a contenção dos
gastos com a racionalização da oferta e a descentralização com isenção de
responsabilidade do poder central. Ao Estado cabe garantir um mínimo aos
que não podem pagar ficando para o setor privado o atendimento aos
cidadãos consumidores. Como principais características destacam-se: o
caráter focalizado para atender às populações vulneráveis, a
desconcentração dos serviços e o questionamento da universalidade do
acesso. Bravo (2006, p. 35)
Entretanto, apesar do direito à saúde ter se ampliado com a eliminação da
contribuição previdenciária como condição para o acesso aos serviços públicos de
saúde, a baixa qualidade do subsistema político acabou por expulsar os segmentos
sociais das camadas médias e do operariado mais qualificado. Dessa forma, o
mandamento constitucional da universalização da saúde como direito de todos os
cidadãos acabou sendo reinterpretado na prática social como um “universalismo
excludente” 29.
Tal fato, segundo Mendes (1994), se deu porque o processo de
universalização do sistema de saúde vem sempre acompanhado de mecanismos de
racionamento, principalmente a queda na qualidade dos serviços públicos. Este
fenômeno da “universalização excludente” acabou por criar, dentro do espaço
público uma opção pela focalização através da atenção primária seletiva, como
expansão de um modelo assistencial de baixo custo, dirigido a grupos populacionais
excluídos do modelo médico-assistencial privatista.
Segundo Faveret e Oliveira (1990) este processo da “universalização
excludente”, ao expulsar do subsistema público os segmentos de classe média e os
trabalhadores mais qualificados, grupos de maior vocalização política, acabou por
contribuir para a erosão das bases sociais da reforma sanitária, anulando a
capacidade de formação de opinião política do segmento de classe média e a força
de mobilização dos sindicatos dos setores industriais modernos. Dessa forma,
esvaecem as bases de apoio político para a melhoria dos serviços públicos e cresce
o risco de perpetuação do ciclo: má qualidade - expulsão de setores organizados baixa atividade reivindicatória – má qualidade.
Para o autor Mendes (1994), na realidade os setores sociais expulsos do
subsistema público de saúde não são totalmente expulsos, visto que eles continuam
a depender do subsistema de alta tecnologia para receber os serviços de alto custo,
29
Para aprofundamento ver. MENDES, Eugênio Vilaça (org). Distrito Sanitário – O processo social de
mudança das práticas sanitárias do sistema único de saúde. SP/RJ,HUCITEC –ABRASCO,1994.
47
pois geralmente tais serviços não são cobertos pelo subsistema de atenção médica
supletiva30.
É importante compreender que o fenômeno da “universalização excludente”
faz parte de uma estratégia para que se cumpra o processo de privatização da
saúde. Este é objetivo central para a implantação da política social neoliberal, pois é
esta ação que atende ao objetivo econômico de abrir todas as atividades
econômicas rentáveis ao investimento privado, com vistas a ampliar os âmbitos da
acumulação, bem como atende ao objetivo político-ideológico de remercantilizar o
bem-estar social, depende de ações estatais específicas com o intuito de criar um
mercado estável e garantido, assim como para resolver as contradições políticas
geradas pela imposição dos postulados neoliberais.
Segundo Laurell (1997), uma das condições para que o processo de
privatização seja socialmente aceito, bem como para criar uma demanda para os
benefícios ou serviços privados - fato que só ocorre quando os serviços fornecidos
pelo setor público são considerados insuficientes ou de má qualidade – é o corte dos
gastos sociais públicos. Tal corte acaba por provocar uma deterioração dos serviços
públicos e o seu desprestígio, provocando a migração do setor de classe média e os
trabalhadores de maior qualificação para o setor privado, ajudando-o a criar uma
demanda para si e a tornar o processo de privatização aceitável socialmente. Neste
contexto, há um processo de satanização do Estado31, que passa a ser visto como
espaço de corrupção e ineficiência, e, por outro lado, a exaltação do mercado,
enquanto espaço da virtude e da eficiência.
Para Bravo & Matos, (2001) a privatização gera uma dualidade discriminatória
entre os que podem e os que não podem pagar, passando o cidadão a ser
dicotomizado entre cliente e consumidor. O cliente é objeto das políticas públicas,
oferecido através de um pacote mínimo para a saúde, previsto pelo Banco Mundial.
Já o cidadão consumidor tem acesso aos serviços de saúde, via mercado. Assim, as
políticas sociais sob a perspectiva neoliberal, especialmente a política de saúde, tem
por base a desigualdade entre os indivíduos, contrariando o princípio legal da
universalidade do atendimento. Rompe-se com a perspectiva de direitos sociais
30
Idem.
À satanização do Estado deve-se creditar a possibilidade da redução e, em alguns casos, da
supressão da sua intervenção garantidora de direitos sociais e, mais amplamente, da mercantilização
de serviços e produtos anteriormente de sua responsabilidade. (Cf. Teixeira, 2006, p.138-139).
31
48
universais, passando a ser visto como cidadãos apenas aqueles que possuem poder
de consumo.
Para o autor Coutinho (2000), apesar dos avanços obtidos com a Constituição
Federal de 1988 e as Leis Orgânicas da saúde, ao reconhecer a política de saúde
como um direito social derivado do exercício de uma cidadania plena, tal direito foi
desmantelado, não chegando a ser implementado. Tal fato demonstra que a
presença dos direitos sociais nas Constituições, ou seja, seu reconhecimento legal,
não garante de forma automática a efetiva materialização dos mesmos, mas que
mesmo assim é importante assegurar seu reconhecimento legal, visto que isso
facilita a luta para torná-los efetivamente um dever do Estado. Não é a toa que os
neoliberais têm se empenhado em eliminar tais direitos das normas legais e,
especialmente da Constituição.
Conforme Netto (1999), a orientação do projeto político do grande capital,
cujo objetivo era a integração subordinada do Brasil ao sistema econômico
mundializado, materializou-se na política econômica de FHC, desenvolvida através
das seguintes ações: o “Plano Real”, enquanto instrumento de estabilização
monetária, como o primeiro passo para a abertura do mercado brasileiro (de bens e
serviços) ao capital internacional, desregulamentando-o; a redução do papel
empresarial estatal, decorrente da desregulamentação do mercado brasileiro, que
levou a privatização e a redução dos fundos públicos para o financiamento das
políticas sociais voltadas para a massa dos trabalhadores, sob o pretexto da
redução do déficit público e em nome do “ajuste estrutural”. Assim, segundo o autor,
o projeto político do grande capital, conduzido por FHC, concentrou-se na reforma
do Estado brasileiro sob a perspectiva neoliberal, “reforma” esta conduzida contra o
espírito da Constituição de 1988.
A reforma do Estado atinge o setor saúde notadamente, apresentando uma
proposta de reforma para este setor, dirigida para a assistência ambulatorial e
hospitalar, afirmada no documento MARE32 como uma das partes fundamentais e
mais caras do SUS. Assim, são propostas três ações:
1- Uma descentralização mais rápida e decisiva, com maior definição das
atribuições e do poder de decisão das três esferas de governo, mantendo-se os
32
O documento do Ministério da Administração Federal e Reforma do Estado (MARE)- nº13, 1998,
em especial de Bresser Pereira, apresenta uma proposta de reforma para o setor saúde, dirigida para
a assistência ambulatorial e hospitalar, afirmada no documento como uma das partes fundamentais e
mais cara do SUS. (Bravo, 2008, pág. 208).
49
estágios atuais: “centralizados”, “descentralização incipiente”, “descentralização
parcial” e “descentralização semiplena”.
2- A montagem de um sistema integrado, hierarquizado e regionalizado,
composto por dois subsistemas. O primeiro denominado subsistema de entrada e
controle, em que a porta de entrada seria os postos de saúde e o Programa Saúde
da Família (PSF), responsáveis pela integralidade das ações, encaminhamentos
para atendimento de casos de maior complexidade e de especialização para a rede
ambulatorial e hospitalar, através de Autorização de Internação Hospitalar, que
passaria a ser distribuída pelo número de habitantes e não mais por número de
leitos. O segundo, intitulado subsistema de referência ambulatorial e especializada,
seria formado pelas unidades de maior complexidade e especialização na rede
ambulatorial e por hospitais credenciados (estatais – futuramente Organizações
Sociais –, públicos não-estatais e privados). As unidades de emergência seriam as
únicas a terem atendimento direto; em seguida o usuário deverá ser encaminhado
ao distrito sanitário de sua área. Estimava-se que 60% a 75% dos casos atendidos
não eram de emergência.
Aspectos importantes da reforma do Estado para o setor saúde são
encontrados em diversas normatizações que surgem na segunda metade da década
de 1990, como a Norma Operacional Básica (NOB-96), regulamentação dos planos
e seguros de saúde e dos preços dos medicamentos, incluindo aí estabelecimento
dos genéricos.
Esta NOB, ao enfatizar os Programas de Saúde da Família (PSF) e Agentes
Comunitários de Saúde (PACS), tem clara orientação focal, priorizando a atenção
básica desarticulada da atenção secundária e da terciária. Percebe-se, também,
nessa proposição, a divisão do SUS em dois: o hospitalar (de referência) e o básico
– através dos programas focais. Essa proposição, apesar de ser anterior, estava
articulada ao documento do MARE de 1998, que deixa subentendidos dois sistemas:
um SUS para os pobres e outro sistema para os consumidores.
Segundo Behring e Boschetti (2007) outra questão que aparece e que possui
destaque no processo de reforma em curso é o Programa de Publicização 33, que se
33
O acompanhamento da implementação do Programa de publicização podia ser feito por meio da
página da internet, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão (MPOG). As duas primeiras
instituições estatais a tornarem-se organizações sociais foram a Associação de Comunicação
Educativa Roquete pinto e Associação Brasileira de Tecnologia de Luz Síncroton. No território das
50
expressou na criação das agências executivas e das organizações sociais, e mais
recentemente na regulamentação do Terceiro Setor – aspecto que não aparece no
Plano, mas que se desdobra a partir dele, para a execução de políticas públicas.
Essa nova arquitetura institucional na área social – sempre ignorando o
conceito constitucional da seguridade, combinada com o serviço voluntário, que
desprofissionalizava a intervenção nessas áreas, remetendo-as para o mundo da
solidariedade, da realização do bem comum pelos indivíduos através de um trabalho
voluntário não remunerado, deve ser entendida conforme Montaño, “como um
fenômeno real inserido na e produto da reestruturação do capital, pautado nos
princípios neoliberais, que criam um novo padrão para a função social de respostas
às seqüelas da “questão social” (2002, p.22)”.
Tal resposta deixa de ser privilégio do Estado, passando a ser uma
responsabilidade dos próprios sujeitos portadores de necessidades, o “cidadão
pobre”, e da ação filantrópica, “solidário-voluntária”, de organizações e indivíduos.
Desse modo, a resposta às necessidades sociais deixa de ser uma responsabilidade
do Estado e um direito do cidadão, para ser uma opção do voluntário que ajuda o
próximo, e um não-direito do “cidadão-pobre”. Isso se configura na chamada
refilantropização, que implica numa precipitada volta ao passado sem esgotar as
possibilidades da política pública na sua formatação constitucional. Segundo Telles
apud Behring, (2003, p. 254), “esse processo, trata-se de uma nova forma de gestão
da pobreza e do social, em que há um encapsulamento comunitário da questão
social e o esvaziamento das noções de democracia e justiça social”.
Em outubro de 2002, a vitória eleitoral de Luiz Inácio Lula da Silva
configurou-se num marco político importante na história do Brasil. Pela primeira vez
foi eleito um representante da classe operária no país, ainda que sob um arco de
alianças bastante amplo. Porém, um ponto que merece destaque é que o governo
Lula se esbarra na hegemonia mundial neoliberal, que vai além dos projetos
nacionais e também lida e reforça a despolitização dos partidos, o que também é
resultado da política de alianças que já vinha se consolidando desde as eleições de
1994.
agências, estava em curso, quando da conclusão deste trabalho, a definição do Contrato de Gestão
das seguintes instituições: Inmetro, Cadê, IBGE, CNPq, DAS e ANSV. (cf. Behring, 2003, p. 204)
51
O que se colocava como problema imediato e efetivo era articular um arco
de forças políticas e sociais que, amarrando interesses diferentes,
assegurasse o enfrentamento com os beneficiários da orientação
macroeconomia da era FHC (ou seja, com os segmentos parasitáriofinanceiros); problema difícil de solução, na medida em que supunha o
exercício da hegemonia do PT sobre o conjunto dos aliados. (Netto, 2004,
p. 13).
Segundo Netto (2003), o que mais caracteriza o governo Lula é a convivência
de “duas almas” em um mesmo governo, ambas mudancionistas: uma buscaria dar
continuidade ao governo FHC, por meio do aprofundamento de suas feições; outra,
progressista, em que procuraria “dar início ao árduo trabalho de superação de suas
pesadas hipotecas”. Estas duas almas, a conservadora e a progressista, seriam
resultantes da própria natureza do governo eleito, que buscou articulações além da
esquerda para vitória eleitoral.
Sobre a vitória do Presidente Luis Inácio Lula da Silva, Coutinho (2003, p.22)
ressalta:
Trata-se da maior vitória política da esquerda em nosso país (...) foi a
vitória de um projeto político, representado, sobretudo, por um partido que
soube crescer nos quadros de um processo de redemocratização do qual,
foi de resto, um dos maiores protagonistas.
Bravo & Matos (2004), identifica aspectos positivos e negativos presentes no
atual governo. Como aspecto positivo, ressalta o retorno da concepção de Reforma
Sanitária; alterações na estrutura organizacional do Ministério da Saúde; a ocupação
nos cargos de segundo escalão de profissionais comprometidos com a Reforma
Sanitária; a convocação extraordinária da 12ª Conferência Nacional de Saúde 34; a
participação do Ministro da Saúde nas reuniões do Conselho Nacional de Saúde; e a
escolha do representante da CUT para assumir a Secretaria Executiva do Conselho
Nacional de Saúde.
Bravo (2007) acrescenta, ainda, como ponto positivo a criação da Secretaria
de Gestão do Trabalho em Saúde, que buscaria enfrentar a questão da qualificação
dos Recursos Humanos para o SUS, que é um grande problema de
estrangulamento do sistema. Outro aspecto inovador na estrutura do Ministério
34
Teve como objetivo definir orientações para o plano plurianual de saúde do governo e as principais
diretrizes a serem incorporadas ao sistema de saúde. Escrita pela autora Bravo, publicado pela
revista Inscrita, (2004).
52
refere-se à criação da Secretaria de Atenção à Saúde, que visou unificar as ações
de atenção básica, ambulatorial e hospitalar, integrando as atribuições das extintas
secretarias de Política de Saúde e Assistência à Saúde.
Foi também criada a
Secretaria de Gestão participativa, que tem como função fortalecer o controle social,
organizar as conferências de saúde e estabelecer a comunicação do ministério da
saúde com outros níveis de governo e com a sociedade.
Em relação aos aspectos negativos, Bravo (2007) ressalta a continuidade da
política de saúde dos anos 90, com ênfase na focalização, na precarização, na
terceirização dos recursos humanos, no desfinanciamento deste setor e a falta da
não referência à concepção de Seguridade Social, inscrita na Constituição Federal
de 1988, mencionada apenas no Programa de Governo, além da não
implementação do Conselho de Seguridade Social.
Como exemplos de focalização podem ser destacados a centralidade do
Programa Saúde da Família (PSF), hoje denominado por Estratégia de Saúde da
Família, sem alterá-lo significativamente, para que se torne em estratégia de
reorganização da atenção básica, em vez de ser um programa de extensão de
cobertura para as populações carentes. É importante sinalizar que este programa
precisa ter sua direção modificada na perspectiva de prover a atenção básica em
saúde para toda a população de acordo com os princípios da universalidade e para
garantir a integralidade, o programa de ter como meta a (re) organização do sistema
como um todo, prevendo a articulação da atenção básica com os demais níveis de
assistência.
Outro aspecto que está relacionado mais diretamente com a precarização e a
terceirização dos recursos humanos refere-se à continuidade e ampliação da
contratação de agentes comunitários, bem como a inserção de outras categorias
que são regulamentadas (auxiliar e técnico de saneamento, agentes de vigilância
sanitária, agentes de saúde mental). A incorporação dos agentes comunitários de
saúde na equipe do PSF já foi polêmica, gerando diversos debates centrados na
ausência de regulamentação da profissão, como também da imprecisão de suas
funções, da precarização das contratações e da falta de concurso público para a
seleção dos mesmos, que tem sido realizada, na maioria dos casos, com base em
indicações político-partidárias.
Autora Bravo (2007) destaca, ainda, como aspecto negativo no atual Governo
o desfinanciamento, sendo esta a situação mais séria, pois está diretamente
53
articulada com o gasto social do governo e é a determinante para a manutenção da
política focal, de precarização e terceirização dos recursos humanos.
Conforme esta autora o governo se comprometeu com o FMI a estudar a
desvinculação de recursos para a saúde e educação, o que significa eliminar da
Constituição de 88 os preceitos que obrigam a União, o Estado e os Municípios a
gastarem um percentual de todo o dinheiro arrecadado para os setores da educação
e saúde. Contudo, de acordo com Carvalho (2004) apud Bravo (2007), o
argumentado utilizado pelos economistas do governo é que a vinculação da saúde e
educação inibem, de maneira significativa, uma alocação mais justa e eficiente de se
usar os recursos públicos.
Desse modo, os autores acabam por considerar que na atualidade mantêmse a disputa entre os dois projetos sanitários: o Projeto de Reforma Sanitária e o
Projeto Privatista; e que o atual governo ora fortalece o primeiro projeto, ora mantêm
a focalização e o desfinanciamento, que caracterizam o segundo projeto.
Cabe destacar que vem chegando o término do mandato do presidente Luiz
Inácio “Lula” da Silva. Porém, destacam-se os avanços e continuidade que o mesmo
obteve na área econômica em relação ao projeto neoliberal, bem como, a ampliação
da política de assistência social, principalmente através do Programa Bolsa Família,
contudo, não realizando mudanças significativas nas demais políticas públicas do
país, particularmente na área da saúde.
54
CAPITULO II
2.1 Política de saúde voltada para o atendimento ao surdo
A consolidação da Política de Saúde voltada para o surdo no Brasil é muito
recente na história deste país, pois esse segmento social só pôde desfrutar
especificamente desse atendimento a partir dos avanços obtidos após a
implementação da Constituição Federal de 1988. No que tange a área da saúde, os
surdos foram contemplados por legislações, decretos, portarias que abrangem todas
as pessoas com deficiência, bem como legislações especificas. O que será nosso
foco de análise a seguir.
A história da humanidade mostra que desde os tempos mais remotos a
existência de pessoas que possuíam algum tipo de deficiência, as quais sempre
foram colocadas à margem da sociedade devido ao preconceito e à discriminação.
As pessoas com deficiência ainda são ignoradas e mesmo com a evolução da
sociedade, o tempo não foi suficiente para afastar a segregação e as dificuldades
que essas pessoas enfrentam, para que de fato, a acessibilidade 35 e os direitos
sejam garantidos.
Conforme o autor Sassaki (1997, p.1) a prática da exclusão social sempre foi
uma marca na história da humanidade, principalmente nos séculos passados, onde
as pessoas com deficiência sempre eram marginalizadas, consideradas inválidas,
sem utilidades para a sociedade e incapazes para trabalhar, características essas
atribuídas indistintamente a todos que tivessem alguma deficiência. Algumas
culturas simplesmente eliminavam essas pessoas, outras, adotaram a prática de
interná-las em instituições de caridade, junto com doentes e idosos.
De acordo com a autora Maior (1997, p. 34), nas primeiras décadas do século
XX no Brasil, persistiu a crônica omissão do Estado em relação às políticas dirigidas
às pessoas com deficiência. Essa autora ressalta que a atuação estatal neste
período caracterizava-se como assistencialismo e paternalista, pois cabia à pessoa
com deficiência amoldar-se aos padrões da sociedade para ser aceito, ficando a
35
A acessibilidade é garantir a todas as pessoas o direito de acessar os espaços equipamentos
urbanos, rádios, TV, internet, órgãos públicos. Fonte: Cartilha Pintando Direitos uma cartilha sobre
deficiência e participação. Disponivel em: www.creaba.org.br/imagens/fckimagens/12.
55
atenção a esse segmento social ficara relegada unicamente às entidades
filantrópicas e benemerentes.
Como exemplo dessa tendência, a autora sinaliza que, basta recordar que a
proteção social voltada às pessoas com deficiência durante o período anterior à
década de 70 do século XX, concentrava-se na reabilitação das crianças e
adolescentes com deficiência, sob a responsabilidade do setor privado. A outra
parcela deste segmento que não integravam aos grupos atendidos das entidades
filantrópicas continuava sem acesso ao atendimento custeado pelo Estado.
Contudo, segundo o autor Ribas (1985), na segunda metade da década de 70
começou a emergir no cenário político brasileiro uma tímida consciência política
entre as pessoas com deficiência.
Não contrária a essa idéia, a autora Maior (1997) ressalta que, a década de
70 foi assinalada pelo início da organização das associações de pessoas com
deficiência em grupos específicos, sendo eles auditivos, físicos e visuais, que se
fortalecem na década de 80, culminando em avanços significativos, principalmente
na área de reabilitação, tendo como referência o ano de 1981 que representou um
marco para os movimentos de luta dos anos anteriores, em face de ser considerado
pela Organização das Nações Unidas (ONU) como o ano internacional das pessoas
com deficiência.
O autor Bieler (1990) cita que nesse ano, no Brasil foi iniciada uma série de
estudos visando avaliar a atuação nesta área, com a criação de comitês e conselhos
nos níveis federal e estadual e em diversos municípios. Esses conselhos foram
integrados por pessoas com deficiência, inaugurando uma profícua parceria entre
profissionais de reabilitação, técnicos do poder executivo e membros do legislativo
(Encontro Nacional Com Procuradores da República e de Justiça, 1993).
Cabe ressaltar que em 1986, o Governo Federal criou a Coordenadoria
Nacional para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência - CORDE, por meio do
Decreto 93481/8636, tendo como atribuições e competências, a elaboração da
proposta de uma política nacional de integração das pessoas portadoras de
deficiência, bem como, a formulação e execução de uma política de prevenção de
36
Cabe aqui destacar que essa Coordenadoria foi reestruturada por meio da Lei 7853 de 1989, que
manteve a entidade como autônoma, com dotação orçamentária própria. (Brasil, 1999a). Entretanto,
com a reformulação administrativa proposta pelo governo do presidente Fernando Henrique Cardoso,
a CORDE passou para o Ministério da Justiça.
56
doenças e criação de programas e projetos no âmbito dos Ministérios da Educação,
da Saúde, da Previdência Social e do Trabalho.
Segundo Mendes (1995) ainda na década de oitenta, criaram-se propostas
reformadoras do
processo
de
saúde, em
paralelo
com o
processo
de
redemocratização do país, desencadeando um forte movimento social, denominado
Movimento da Reforma Sanitária que fora apontado anteriormente neste estudo,
reunindo atores diversificados em uma luta política pelo reconhecimento da saúde
como direito social, pela universalização do acesso aos serviços de saúde e pela
integralidade da atenção à saúde. A responsabilidade do Estado pela garantia
desses direitos foi incorporada ao texto Constitucional de 1988, estabelecendo-se
que deve ser assegurada a toda a população “mediante políticas sociais e
econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
assegurem o acesso universal e igualitário às ações e serviços para a promoção,
proteção e recuperação da saúde” (Brasil, Constituição Federal 1988, art. 196).
A Constituição Federal de 1988 foi pródiga ao tratar da pessoa com
deficiência, estabelecendo não somente a regra geral relativa ao princípio da
igualdade (art. 5º, “caput”), mas também, a competência comum da União, Estado,
Distrito Federal e Municípios para cuidar da saúde e promover a assistência pública,
a proteção e garantia das pessoas com deficiência (art. 23, II); a assistência social
no que se refere à habilitação, reabilitação e benefício previdenciário (art. 203, IV e
V); e a criação de programas de prevenção e atendimento especializado para as
pessoas com deficiência (art. 227, II).
Sendo, os diretos garantidos, especificamente, para os/as “deficientes”
registrados na Constituição de 1988, através dos seguintes artigos: art. 7º, inciso
XXXI; art. 23, inciso II; art. 24, inciso XIV; art. 37, inciso VIII; art. 203, incisos IV e V;
art. 208, inciso III; art. 227, parágrafo 1º, inciso II e parágrafo 2º e, art. 244. A
menção a estes direitos na Constituição Federal foi sem dúvida de grande
contribuição e importância às pessoas com deficiência e para os surdos/as,
significou um grande avanço, contribuindo para a consolidação, posterior, de outras
Leis em favor dessas pessoas.
Um ano após a promulgação da nova Constituição Federal do país, foi
aprovada a Lei nº 7.853, de 24 de outubro de 1989, que trata do apoio às pessoas
com deficiência, sua integração social e sobre a CORDE (Coordenadoria Nacional
para Integração da Pessoa Portadora de Deficiência), institui a tutela jurisdicional de
57
interesses coletivos ou difusos dessas pessoas e, trata das responsabilidades do
Ministério Público, que passa a definir a deficiência como a perda ou anormalidade
de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica ou anatômica que gere
incapacidade para o desempenho de atividades dentro do parecer considerado
normal para o ser humano. Esta lei garante às pessoas com deficiência a integração
social, assegurando o pleno exercício dos direitos básicos dessas pessoas, incluindo
o direito à educação especial, à saúde, ao trabalho, ao lazer e à previdência social.
Esta Lei foi regulamentada, posteriormente, pelo Decreto nº. 3.298,
20/12/1999, que “dispõe sobre a Política Nacional para a Integração da Pessoa com
Deficiência e consolida as normas de proteção, e dá outras providências”. Este
Decreto apresenta as diretrizes nas áreas de saúde, educação, habilitação e
reabilitação profissional, trabalho, cultura, desporto, turismo, lazer, capacitação de
profissionais
especializados
e
acessibilidade.
E,
também,
especifica
as
“deficiências”, sendo a “deficiência auditiva” caracterizada como a perda bilateral,
parcial ou total, (Art. 4º, inciso II).
Cabe destacar que a Lei nº. 7.853/89 e o Decreto nº. 3.298/99 devem ser
considerados como dois grandes instrumentos colocados à disposição dos
governantes e da sociedade, para a continuidade da luta pela conquista da
cidadania desse segmento social.
Neste contexto, no ano de 2000, foi normatizada a Portaria SAS nº. 432 que
focada na importância social das conseqüências da deficiência auditiva e na
necessidade das concessões de Aparelhos de Amplificação Sonora Individual
(AASI) aos usuários do SUS. Contudo, segundo Carvalho (2007) os programas de
reabilitação auditiva e o acompanhamento desses indivíduos, não cresceram
proporcionalmente,
tornando
os
AASIs,
muitas
vezes,
subestimados
e/ou
subutilizados. Devido a este fator, tal portaria foi reformulada pelo Ministério da
Saúde. Mesmo sendo um grande marco para a Saúde Auditiva, a portaria não
garantia atenção integral ao deficiente, afirmada por Bevilacqua et. al.(2010, p. 157)
“o Programa previa o credenciamento de Serviços para distribuição de AASI, sem
garantir o processo de adaptação e a continuidade do acompanhamento dos
pacientes”.
O Ministério da Saúde ao reconhecer que a deficiência auditiva é uma
questão de saúde pública, institui a Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva
(PNASA) em todas as unidades federativas, respeitando a competência das três
58
esferas de gestão através da Portaria nº. 2.073 de 28 de setembro de 2004
(BRASIL. Ministério da Saúde, 2004). Assim, o Estado ao instituir o PNASA passa
estruturar uma rede de serviços regionalizados e hierarquizados que estabeleça
uma linha de cuidados integrais e integrados no manejo das principais causas da
deficiência auditiva, com vistas a minimizar o dano da deficiência auditiva na
população.
Essa política permitiu, entre outras coisas37:
• Desenvolver estratégias de promoção da qualidade de vida, educação,
proteção e recuperação da saúde e prevenção de danos, bem como
protegendo e desenvolvendo a autonomia e a eqüidade de indivíduos e
coletividades;
• Definir critérios técnicos mínimos para o funcionamento e a avaliação dos
serviços que realizam reabilitação auditiva, bem como os mecanismos de
sua monitoração com vistas a potencializar os resultados da protetização;
• Promover a ampla cobertura no atendimento aos pacientes portadores de
deficiência auditiva no Brasil, garantindo a universalidade do acesso, a
eqüidade, a integralidade e o controle social da saúde auditiva;
• Fomentar, coordenar e executar projetos estratégicos que visem ao
estudo do custo-efetividade, eficácia e qualidade, bem como a
incorporação tecnológica do processo da reabilitação auditiva no Brasil;
• Qualificar a assistência e promover a educação continuada dos
profissionais de saúde envolvidos com a implantação e a implementação
da Política de Atenção à Saúde Auditiva, em acordo com os princípios da
integralidade e da humanização.
A consolidação desta política ocorre num processo dinâmico de construção. A
implantação das diretrizes apontadas implica descentralização das ações de
assistência, articulação intra-institucional e intersetorial de âmbito Estadual e
Municipal, bem como a sensibilização e envolvimento da sociedade organizada e
segmentos políticos de defesa dos direitos das pessoas com deficiência auditiva,
garantindo os princípios e diretrizes de universalidade, eqüidade, regionalização,
hierarquização e integralidade da atenção à saúde.
Segundo Carvalho (2007), esta nova política visa medidas de intervenção na
história natural da deficiência auditiva, através de ações integrais de promoção de
saúde, proteção específica e tratamento. De acordo com as estratégias desta nova
política, o processo de reabilitação audiológica passa a envolver um trabalho muito
mais amplo que prevê a adaptação de próteses auditivas de fluxo contínuo, com
acompanhamento médico e fonoaudiológico, tanto para ajustes como para
verificações periódicas das condições técnicas e do benefício obtido com o uso
desses equipamentos, e quando necessário de terapia fonoaudiológica, além de
assistência social e psicológica.
37
Retirado do Art. 2º Portaria GM n° 2.073/04, do Ministério da Saúde.
59
Sobre essa Política Bevilacqua (2010) afirma que após a instituição dessa
Política Nacional os estados são responsáveis por sua incorporação às ações de
saúde tendo como instrumento o Plano Estadual de Saúde. Tal Plano tem como
objetivo explicitar o problema da deficiência auditiva, buscando definir as prioridades
para proposição de medidas e ações reais que facilitem o acesso eqüitativo dos
usuários do SUS aos SASA‟s, desenhados em rede e com atenção em todos os
níveis de complexidade. Busca-se a partir daí a melhoria da qualidade de vida das
pessoas surdas, a promoção da saúde auditiva, prevenção de alterações auditivas,
detecção precoce e reabilitação do usuário adaptado com AASI.
Para o financiamento das ações dos SASA o Ministério da Saúde transfere
aos estados e municípios o recurso financeiro pelo Bloco de Financiamento para a
Atenção de Media e Alta Complexidade. No inicio da implantação da Política de
Saúde Auditiva o financiamento era realizado através do Fundo de Ações
Estratégicas e Compensação - FAEC, que se destina ao custeio de novos
procedimentos de ações estratégicas emergenciais, entre outros. Pelo FAEC, os
procedimentos realizados pelos SASA eram pagos de acordo com a produção
através de Autorização para Procedimentos de Alta Complexidade - APAC,
respeitando um limite financeiro determinado pelo Ministério da Saúde.
A partir de 2008 o recurso da Saúde Auditiva foi transferido para o Limite
Financeiro da Média e Alta Complexidade Ambulatorial e Hospitalar, sendo
necessária maior organização da regulação estadual para inclusão de todos os
procedimentos da saúde auditiva na PPI Estadual. Tal ação descentralizou a gestão
do recurso possibilitando maior ajuste do financiamento de acordo com as
necessidades de cada estado.
A responsabilidade do financiamento estadual objetiva garantir recurso
complementar para adequação da Política Nacional de Saúde Auditiva. Ao município
cabe o financiamento das ações de atenção primaria, a contratação de serviços e
profissionais responsáveis por perpetuar as ações em nível local. Cabe também ao
município o financiamento dos gostos com o deslocamento do seu cidadão para o
atendimento em outros municípios, garantindo a universidade e integralidade do
acesso à saúde auditiva (Bevilacqua, 2010, p. 6).
Considerando a necessidade de definir ações e de auxiliar os gestores no
controle e avaliação da atenção às pessoas com deficiência auditiva, é estabelecida
novas Portarias. A primeira SAS/MS nº. 587/10/2004 vem redefinindo as ações de
60
saúde auditiva na atenção primária, atenção na média e na alta complexidade, onde
às Secretarias de Saúde dos Estados são delegadas as providências necessárias
para organizar e implantar as redes estaduais de atenção à saúde auditiva (BRASIL.
Ministério da Saúde, 2004a). A segunda SAS/MS nº. 589/10/2004 vem direcionar o
cadastramento dos serviços no Cadastro Nacional de Estabelecimento de Saúde
(CNES),
assim
com
redirecionar,
excluindo
alguns
procedimentos
da
classificação/serviços do SIA/SUS (Brasil. Ministério da Saúde, 2004b).
A partir da Portaria nº. 587/2004 fica definida a composição das redes
estaduais de atenção á saúde auditiva, considerando as ações na atenção básica,
na média e alta complexidade. As Secretarias de Estado da Saúde e do Distrito
Federal devem considerar os respectivos planos diretores de regionalização, os
planos estaduais e municipais, garantindo o fluxo assistencial considerando os três
níveis de atenção à saúde (Brasil. Ministério da Saúde, 2004).
Conforme esta Portaria, na Atenção Primária de promoção à saúde auditiva é
priorizada a prevenção e identificação precoce dos problemas auditivos, as ações
informativas e educativas, orientação familiar e encaminhamento quando necessário
para o serviço na média complexidade. As ações deverão ser desenvolvidas em
estabelecimentos de saúde, devidamente cadastrados no Sistema de Cadastro
Nacional, considerando-se a saúde auditiva nos diferentes segmentos: gestantes,
crianças, adolescente, adultos e idosos.
Na Atenção na Média Complexidade são realizados triagem e monitoramento
auditivo, garantida a partir do processo de referência e contra referência do usuário
com deficiência auditiva, excluindo o diagnóstico e a protetização de crianças até
três anos de idade, usuários com afecções associadas (neurológicas, psicológicas,
síndromes genéticas, cegueira, visão subnormal) e perdas auditivas unilaterais. As
unidades devem ser articuladas e integradas com o sistema local e regional,
oferecendo consulta otorrinolaringológica avaliação fonoaudiológica de linguagem e
audiológica; realizar triagem e monitoramento da audição de neonatos, préescolares e escolares, diagnóstico, tratamento e reabilitação de perda auditiva em
crianças a partir de três anos de idade.
Ainda deve garantir avaliação e terapia psicológica, atendimento em serviço
social, orientação à família e à escola. O usuário que não necessita de protetização
deverá ser contra-referenciado para a atenção primária com a orientação a ser
seguida por aquele nível de atenção.
61
Na Atenção na Alta Complexidade as condutas terapêuticas especializadas
devem ser de forma articulada e integrada com o sistema local e regional de
referência e contra-referência para o diagnóstico e tratamento da deficiência
auditiva. Neste sentido, o serviço deve contar com equipamentos específicos,
estrutura física, recursos humanos especializados e estar devidamente credenciado
no SUS, para execução das seguintes ações ( SAS/MS nº 587/2004): diagnóstico de
perda auditiva em crianças até 03 (três) anos de idade; em usuários com perdas
unilaterais; em usuários com afecções associadas e naqueles que apresentaram
dificuldade na realização da avaliação audiológica em serviço de menor
complexidade; exames complementares de emissões otoacústicas38 evocadas
transientes e por produto de distorção e potencial evocado auditivo de curta, média e
de longa latência; consulta otorrinolaringológica, neurológica, pediátrica, avaliação
audiológica e avaliação fonoaudiológica de linguagem; garantir a reabilitação
mediante o tratamento clínico em otorrinolaringologia; seleção, adaptação e
fornecimento de prótese auditiva e terapia fonoaudiológica; garantir avaliação e
terapia psicológica, atendimento em serviço social, orientações à família e à escola.
Com relação ao atendimento, essa Portaria assegura que cada serviço na
média e na alta complexidade deverá ofertar consultas e exames aos usuários
referenciados que tenham o diagnóstico confirmado de deficiência auditiva e atender
consultas gerais e exames em adultos idosos de média complexidade para usuários
externos referenciados pela atenção básica para consulta especializada de
otorrinolaringologia. Neste caso, o número de consultas a ser oferecido para
usuários externos referenciados será de no mínimo 224 por mês, e o mínimo de 112
exames por mês deve ser oferecido para usuários externos referenciados ou de
acordo com as necessidades definidas pelo gestor municipal ou estadual (SAS/MS
nº. 587/2004).
A Política Nacional de Saúde Auditiva permitiu um grande avanço no
aprimoramento das ações de saúde auditiva do SUS, principalmente na organização
da rede dos serviços de Media e Alta Complexidade. Porém, para a Rede de
Atenção à Saúde Auditiva estejam em consonância com a proposta desta Política,
integradas aos diversos serviços de saúde, estabelecendo uma linha de cuidados
38
Teste da Orelhinha.
62
integrais, ainda faz-se necessária a articulação destes serviços com a atenção
primária em saúde. Bevilacqua (2008) enfatiza que,
O número expressivo da cobertura assistencial proporcionado pelas
equipes de Saúde da Família no Brasil também tem impacto na Rede de
Atenção à Saúde Auditiva, uma vez que, quando capacitados de forma
adequada, tais profissionais podem atuar não apenas na promoção da
saúde auditiva e na identificação das desordens auditivas, como também
na conscientização da comunidade sobre a importância de todas as etapas
do tratamento da deficiência auditiva e no resgate dos pacientes faltos dos
serviços de referência. Bevilacqua (2008, pág. 92)
Esta articulação sistemática entre atenção básica e serviços de alta e média
complexidade é de fundamental importância para a garantia de um atendimento com
resolutividade, com vistas a minimizar o dano da deficiência auditiva na população.
Alem disto, com ações sistemáticas na promoção à saúde auditiva e prevenção das
desordens neste nível de cuidado à saúde haverá uma otimização da verba pública,
posto que haja maior resolutibilidade das ações promovidas pela Política de Atenção
à Saúde Auditiva.
A rede estadual de assistência à pessoa com deficiência no SUS deve estar
configurada de acordo com o plano diretor de regionalização de cada Estado e
Municípios. Para a composição da distribuição geográfica dos estabelecimentos
credenciados à rede de atenção à saúde auditiva, deve ser considerada a
necessidade de cobertura assistencial do nível de complexidade dos serviços e a
capacidade técnica operacional destes serviços, a série histórica de atendimentos
realizados, levando em conta a demanda e mecanismos de acesso com os fluxos de
referência e contra-referência (Brasil. Ministério da Saúde, 2004a).
Desta forma, os novos parâmetros definidos para a distribuição dos serviços
na média e na alta complexidade são de um serviço para cada 1.500.000 habitantes.
Para os Estados com população inferior a 1.500.000 de habitantes foi estipulado um
serviço, e dois serviços com população entre 2.000.000 e 3.000.000 de habitantes.
Contudo, os Estados podem solicitar credenciamento para mais de uma Unidade
Prestadora de Serviço (UPS) e podem distribuí-los a critério do gestor desde que até
50% (cinqüenta por cento) deles sejam serviços de atenção à saúde auditiva na alta
complexidade, sob o código 27/114. Entretanto, o gestor pode solicitar novos
credenciamentos na média complexidade e distribuir o quantitativo entre estes,
63
redimensionando o quantitativo de usuários por mês entre as UPS credenciadas no
estado (Brasil. Ministério da Saúde, 2006).
A Portaria GM/MS nº. 626, de 23 de março de 2006, define os Serviços de
Atenção à Saúde Auditiva e os limites físicos e financeiros dos estados, Distrito
Federal e municípios, apresentando todos os Serviços de Atenção à Saúde Auditiva,
dentre elas, do estado de Minas Gerais:Juiz de Fora - Clinica Dr. Evandro Ribeiro de
Oliveira; Alfenas - Hospital Universitário Alzira Velano; Montes Claros – Audiobera;
Patos de Minas - Apae Patos de Minas; Pouso Alegre - Instituto Sul Mineiro de
Otorrinolaringologia; Belo Horizonte - Hospital das Clinicas da UFMG ; Teófilo Otoni Audiotoni; Governador Valadares – OTOMED; Diamantina - Hospital de Nossa
Senhora da Saúde; Formiga - Otocenter de Formiga e São Sebastião do Paraíso Hospital Sagrado Coração de Jesus.
Para a autora Logman (2007) predomina na política de saúde a visão clínicopatológica da surdez. Constata-se, segundo essa autora que na área de saúde,
ainda não há espaço para aceitação e respeito à cultura surda e à Libras, as quais
permitem o desenvolvimento, autonomia e independência das pessoas surdas.
O Ministério da Saúde, na legislação acima citada, afirma a importância da
formação continuada dos profissionais no que diz respeito a próteses auditivas,
aparelhos de amplificação de som e outras tecnologias auditivas e, não se refere à
necessidade dos surdos/as de se comunicarem através de sua língua, oficialmente
reconhecida pelo Estado - a Libras, dentro dos hospitais, postos de saúde e outras
instituições da área.
Para esse órgão governamental, o serviço de reabilitação auditiva oferecido
pelo SUS significa:
Serviços organizados pelo SUS para diagnóstico, e terapias
especializadas, triagem, monitoramento e reabilitação da audição em
recém nascidos, pré-escolares e escolares, em crianças a partir de 3 anos,
jovens e adultos, trabalhadores e idosos, respeitando a reabilitação
adequada para cada um desses segmentos. Podem ser de média ou alta
complexidade, fornecem a prótese necessária, e têm como objetivo permitir
que a pessoa com deficiência auditiva adquira autonomia, independência e
melhoria em sua condição de vida (Portal da Saúde, Ministério da Saúde).
Portanto, fica claro, a partir deste conceito, que esta política de reabilitação
auditiva do Ministério da Saúde situa-se no que Longman (2007) chama de busca
pela normalização dos surdos/as:
Essa noção de “corpo perfeito” está comumente referenciada ao outro, ao
ideal e à norma e, mais grave, tem a assinatura das autoridades médicas.
64
Levantar as linhas divisórias entre o normal e o anormal, o sadio e o
doente, o racional e o louco, é começar a entrar no discurso da ideologia
do normal quando usa a máscara da norma ou da saúde, que reproduz o
discurso da oposição e classificação gerando a violência da discriminação
(p.33).
A autora reconhece a importância dos serviços de prevenção e diagnóstico da
surdez, no entanto, é preciso repensar essa política de “reabilitação”. Assim surgem
alguns questionamentos: as pessoas surdas e suas famílias estão sendo levadas a
buscarem os serviços de saúde com qual objetivo, encontrar a “cura” para a surdez.
Mas, como curar o que não é doença? Como “reabilitar” um bebê que já nasceu
surdo/a? Onde está o respeito à diversidade e à identidade lingüística, quando
obrigam a criança surda a se “(re)habilitar” à sociedade ouvinte?
Para Liliane Longman, a visão que predomina nas políticas públicas voltadas
para os/as surdos é da literatura médica e educacional corretiva:
É certo que cada surdez e cada surdo têm uma história pessoal, como
qualquer pessoa, mas geralmente a surdez é encarada de maneira
corretiva, como necessidades especiais ou mesmo como pejorativa e
depreciativa. Nunca é trazida como uma questão lingüística ou política, ou
como uma diferença que produz sujeitos com uma experiência visual.
(LONGMAN, 2007, p.62).
Apesar da conquista obtida com a criação do SUS e a consequente garantia
da saúde enquanto um direito de cidadania e dever do Estado, a sua implementação
vêm sendo marcada pelo enfrentamento de uma série de rebatimento impostos pela
modelo econômico adotado no país na década de 1990, fortemente pelo ideário
neoliberal.
Segundo Mota (2008), esse contexto, tornou possível a formação de uma
cultura política da crise, marcada pelo pensamento privatista e pela constituição do
cidadão - consumidor39.
A discussão da implementação do SUS, da Reforma Sanitária e seus ideais
de uma política de saúde justa, igualitária, universal, não foi visualizada no cotidiano,
sobretudo devido à implementação da Reforma do Estado, uma das exigências do
neoliberalismo.
De acordo com Vasconcelos:
39
Para Mota, o cidadão-consumidor “é o sujeito político nuclear da sociedade regulada pelo
mercado” (2008, p.164).
65
As garantias constitucionais, antes que pudessem
ser asseguradas na vida social, foram atropeladas
pela implementação de uma Reforma do Estado,
exigida pela forma do capitalismo atual, que como
vimos, tem a característica de fragmentar ainda
mais, todas as esferas da vida social [...]. (2002,
p.91)
As propostas de abertura comercial, desregulamentação da economia,
privatização, diminuição do papel de Estado e primazia da remuneração do capital
financeiro nos gastos públicos representam um vetor contrário ao processo de
construção de um projeto de proteção social para o Brasil e à consequente defesa
da saúde enquanto um direito universal a ser garantido pelo Estado. Essas medidas
têm implicações sobre a possibilidade plena do projeto de reforma sanitária, onde é
reduzido de forma sistemática o gasto público per capita em saúde no Brasil.
Como afirma NETTO (2001), apesar dos avanços na área da saúde percebemse diversos momentos de retrocesso político-histórico, na política de saúde no
Brasil, principalmente após a década de 1990, com contexto histórico propício para a
disseminação do neoliberalismo. Houve uma diminuição das verbas para setores
sociais, incluindo a saúde pública, ou seja, a qualidade de vida da população não
teve mudanças.
Segundo Mota (2000) no contexto neoliberal, também os serviços sociais
participam mais diretamente do processo de acumulação do capital. Serviços como
saúde, educação e previdência, que seriam responsabilidade do Estado, passaram a
ser mercantilizados, propagando-se a ideia de que o bom é o que é privado, mas
que só estão ao alcance daqueles que tem condições de pagar por ele. Ao serem
incorporados pelo capital, esses serviços tem uma utilidade social voltada para o
lucro, “de modo a atender necessidades das indústrias, seja ela farmacêutica, de
equipamentos, de produto da cesta básica, dos proprietários de grandes hospitais,
creches e escolas, bem como do setor financeiro, voltado para os seguros de vida e
previdência”.
Assim, a ampliação da oferta de serviços públicos de saúde se dá com a
participação crescente do setor privado, através de convênios, o que é uma outra
dimensão da relação público-privado nas políticas sociais. Cabe aqui observar que,
mais do que a questão da estatização versus privatização, o que importa considerar
66
são as formas específicas em que se dão as relações entre o Estado e, no caso, as
empresas do setor de saúde.
As empresas privadas quando apropriam de questões sociais tais como o
aumento das desigualdades sociais e a pobreza no país, pretende de alguma forma
chamar a responsabilidade para um contexto em que possam desenvolver seus
negócios, adaptando com vantagens às formas de obtenção de lucros. Geralmente
as maiorias do empresariado além de se lançar ativamente nas áreas sociais
procuram investir em práticas comerciais como marketing, publicidade e assim
expõe os produtos que são públicos (prótese, órteses) como uma mercadoria,
elevando os custos dos serviços, portanto evidencia-se a relação mercadológica e
desconsiderando a questão do direito.
Assim, como nas outras políticas sociais, no âmbito da saúde, essa se
individualiza, fragmenta, focaliza, e o Estado incentiva sua privatização, como afirma
Bravo:
As reformas para o campo da Saúde nessa ótica
tem apresentado como propostas
de caráter
focalizado para atender as populações vulneráveis
através do pacote básico para a Saúde, ampliação
da privatização, estímulo ao seguro privado,
desconcentração dos serviços em nível local,
eliminando de fonte com relação ao financiamento
(2001,p.20)
A política pública de saúde na atualidade é analisada em Bravo (2006) como
apresentando características de permanência da disputa entre o projeto privatista,
voltado para o mercado, e o projeto da Reforma Sanitária, alternando medidas
governamentais de fortalecimento e ampliação ora de um, ora de outro projeto.
Observe-se, no contexto de Governador Valadares, que a questão dos surdos/as em
relação ao serviço de saúde auditiva nesse município não está desvinculada do
contexto geral da sociedade capitalista. A PNASA no país fora instituída em 2004, e
no município de Governador Valadares é contemplada um depois, onde, no que se
refere à habilitação e reabilitação, é prestada por uma empresa privada.
Sabe-se que os tratamentos e a reabilitação auditiva concedida através do
Programa de Saúde Auditiva, no sistema privado, têm um alto custo e não permitia
que a grande parte da população tivesse acesso aos mesmos.
67
Em relação às Leis, mesmo depois de promulgadas, essas são implantadas
de modo lento e parcial, sendo ignoradas pela maior parte da população e
principalmente pelo poder público. Além disso, para usufruírem seus direitos, as
pessoas com deficiência, dentre essas as pessoas surdas precisam sempre recorrer
à legislação.
Diante do apresentado acerca da situação do surdo no Brasil, além da
constituição de uma política de saúde voltada para o/a surdo/a no país, a seguir
iremos apresentar sobre a constituição da política de saúde direcionada o surdo no
municio de Governador Valadares.
2.2 A Saúde em Governador Valadares e a Política de Atendimento ao Surdo
Como mencionado anteriormente, o assunto que se segue discute a Política
de Saúde voltada para o atendimento o/a surdo/a em Governador Valadares,
perpassando pelas ações na Atenção Primária à saúde, bem como da atenção de
Média e de Alta Complexidade no setor público de saúde voltado para atendimento
desse segmento.
O município de Governador Valadares é pólo macrorregional, dentro do Plano
Diretor de Regionalização - PDR delineado pela SES/MG, com população própria de
261.961 habitantes (IBGE, 2008), e com população regional referenciada em torno
de 900 mil habitantes.
A Secretaria Municipal de Saúde - SMS, criada em 1991, recebeu habilitação
em Gestão Plena de Sistema em 24/06/1998, conforme Portaria Ministerial nº. 3.061,
sendo o secretário municipal de saúde, o ordenador de despesas; que com a
descentralização das ações de saúde passaram a efetuar o controle de toda a rede
assistencial, assumindo as prerrogativas e responsabilidades pertinentes ao novo
modelo. (Pereira, 2008)
A partir da VIII Conferência Nacional de Saúde, organizou-se dos movimentos
populares e do tecido social em função da Constituinte e Lei Orgânica Municipal,
que definiram as bases para a implantação progressiva do Sistema Único de Saúde
- SUS em nosso meio. Desse modo, com a descentralização das ações, a criação
da Norma Operacional Básica - NOB 1993 e 96, a Gestão Plena do Sistema e mais
68
recentemente com a Norma Operacional de Assistência à Saúde - NOAS 2001,
houve um começo de ordenação municipal, configurada desde o seu primeiro Plano
Municipal de Saúde em 1990 e corroborada pelas Conferências Municipais que se
sucederam até os dias atuais, onde já se tem uma situação bem definida do modelo
a ser perseguido; e, em que pesem as grandes dificuldades e barreiras a serem
superadas, já é possível assinalar um grande avanço na organização e
implementação deste sistema.
Assim, com estudos populacionais bem definidos, metas do Plano Municipal
de Saúde estabelecida, razoável capacidade física instalada e crescente interesse e
participação social, pode-se julgar viável e extremamente factível a construção
adequada e o aprimoramento de um SUS com características modernas do ponto de
vista gerencial e uma estrutura sólida e eficaz em suas ações, com pendências no
que diz respeito à escassez de recursos humanos capacitados e ao adequado
financiamento, que hoje é, historicamente, insuficiente (Pereira, 2008).
(...) este sempre se organizou em torno de um modelo hospitalocêntrico e
de forma a atender com prioridade os interesses do setor privado em
detrimento do setor público. Esta situação começa a se inverter a partir do
final da década de 80 e início da década de 90, com a VIII Conferência
Nacional de Saúde, organização dos movimentos populares, melhor
organização do tecido social em função da Constituinte e Lei Orgânica
Municipal, que definiram as bases para a implantação progressiva do SUS
em nosso meio. (SMS-GV, 2010, p.5)
A Secretaria municipal de Saúde é composta por quatro grandes áreas
assistenciais: Departamento de Atenção à Saúde, Departamento de Saúde Coletiva,
Departamento de Controle Avaliação e Auditoria e Hospital Municipal de Governador
Valadares.
O Departamento de Atenção à Saúde é composto por os seguintes serviços,
CRASE - Centro de Referência em Atenção Especial à Saúde – Centro de
Referência para Tratamento de Doenças Sexualmente Transmissíveis e AIDS;
CROS - Centro de Referência em Oftalmologia Social, CEREST - Centro de
Referência em Saúde do Trabalhador, CADEF - Centro de Apoio ao Deficiente
Físico; Centro Viva Vida; CERSAM - Centro Referência em Saúde Mental;
CREDEM-PES - Centro de Referência em Doenças Endêmicas e Programas
Especiais – atendimento a hanseníase, tuberculoses, leishmaniose, etc.; Policlínica
69
Central Municipal – consultas de especialidades médicas, radiologia, mamografia,
Laboratório de Análises Clínicas, que centraliza os exames municipais.
O Controle, Regulação, Avaliação e Auditoria da SMS de Governador Valadares
são prestadas na própria Secretaria Municipal de Saúde, compostos por médicos
revisores
autorizadores,
enfermeiras
auditoras,
bioquímicos,
odontólogos
e
assistentes administrativos que fazem análise da produção, autorização de
procedimentos, cirurgias eletivas procedimentos de alta complexidade e alguns de
média complexidade. Realizam também credenciamentos de novos serviços já
cadastrados, apuram denúncias vindas da Secretaria de Estado, Ministério da
Saúde ou dos usuários dos serviços de saúde. O planejamento da PPI é realizado
em reunião na Gerência Regional de Saúde - GRS de acordo com a
predeterminação, considerando o valor per capta do município. A regulação do
acesso aos serviços hospitalares e ambulatoriais de média e alta complexidade, de
urgência/emergência e eletivos, credenciados ao SUS/MG é de responsabilidade da
Secretaria Estadual de Saúde através do Sistema Estadual de Regulação
Assistencial. Utiliza-se o software SusFácil, para agilizar o processo. Caracterizando
urgência/emergência, o controle é mais difícil em nível hospitalar, pois a maioria dos
usuários é encaminhada ao Pronto Socorro, muitas vezes não passando pela
Central de Regulação, desta forma extrapolando a cota pactuada com a nossa
Unidade. (Pereira, 2008)
Em relação ao orçamento, a União separa cerca de 12% de sua arrecadação
total para a saúde. O Estado de Minas Gerais repassa cerca de 4,5% de sua
arrecadação aos municípios. Em Governador Valadares o repasse para a saúde é
de 15% do orçamento como é preconizado pelo ministério. O município investe 15%
do recurso próprio em saúde, conforme fixado pela Emenda Constitucional nº. 29 de
13/09/2000.
A assistência primária em saúde é prestada aos seus cidadãos através da
rede básica, que conta com, Estratégia de Saúde da Família (ESFs) que são 35
ESFs, com cobertura de 54,68%, representando 143.261 pessoas cadastradas. Em
2008, houve implantação e implementação de 4 equipes do Núcleo de Apoio à
Saúde da Família (NASF), atendendo a 8 equipes. Nas Unidades Básicas de Saúde
há 4 equipes de Programa de Agentes Comunitário de Saúde (PACS), que ficam
responsáveis por mais 22% desta, sendo complementado por 11 unidades básicas
70
de saúde e 3 distritos sanitários. Na zona rural existem 11 postos de saúde, e um
em cada distrito rural.
No município há 62 equipes de Saúde Bucal. Há atendimento odontológico
nas Equipe de Saúde da Família (9 Equipes de Saúde da Família (ESF) básica, 18
Equipes de Saúde da Família com Saúde Bucal Modalidade I e 8 Equipes de Saúde
da Família com Saúde Bucal Modalidade II.). Em 14 escolas municipais há
consultórios odontológicos com atividade de prevenção e execução de curativos
básicos. Nas Unidades Básicas de Saúde e CRASE há 5 consultórios odontológicos,
sendo 4 em UBS e 1 no CRASE. Existe um consultório odontológico itinerante para
atendimento na zona rural, a Unidade Móvel de Saúde (UMS), Centro de
Especialidades Odontológicas (CEO), localizado nas dependências da Policlínica
Municipal, que fazem atendimentos de periodontia, endodontia, prótese entre outras
especialidades da odontologia (SMS-GV, 2010).
Compõe ainda a atenção primária o Programa Vale Juventude: Iniciado no
município em 2004, com o nome de Programa Educacional Afetivo-Sexual – PEAS
Vale. É uma parceria entre a Vale e os entes públicos. Em 2008 houve a transição
do PEAS Vale para o Vale Juventude – PVJ. Tendo como pressuposto a confiança
nas potencialidades do ser humano; valorização da diversidade humana; o
protagonismo juvenil/participação juvenil (reconhecimento do adolescente como
sujeito de direitos e responsabilidades); garantia dos direitos sexuais e reprodutivos
(atenção à educação e à saúde integral do adolescente). Ainda em 2008, o PVJ
formou novos facilitadores, realizou reuniões mensais para elaborar um Guia para
Atendimento à Saúde Integral de Adolescentes no Município de Governador
Valadares-MG (em fase de elaboração), além de participar de reuniões do Grupo de
Referência de Governador Valadares.
Além dos já referidos na rede de saúde em Governador Valadares, temos o
SISVAN - Sistema de Vigilância Nutricional; Assistência Farmacêutica – há postos
de distribuição em todas unidades de saúde, e uma Farmácia Central, na Policlínica
Central Municipal, que centraliza a dispensação de Medicamentos Sujeitos a
Controle Especial (Portaria SVS/MS N.º 344/98), inclusive de talidomida; o Centro de
Saúde Dr. Rui Pimenta Filho – unidade de pronto-atendimento adulto e infantil com 6
leitos de observação funcionamento de segunda a sexta-feira, jornada de 12 horas
diárias. Auxilia o Hospital Municipal no atendimento de casos menos graves; O
Departamento de Saúde Coletiva é responsável pela vigilância epidemiológica,
71
vigilância sanitária, análises de água, análises bromatológicas, setor de imunização
e controle das zoonoses no município e com o canil municipal. Todos esses setores
possuem um espaço físico próprio e que atende a necessidade e especificidade de
cada trabalho; a Cobertura Vacinal: O município de Governador Valadares conta
com 47 salas de vacinação de rotina, sendo 39 salas na zona urbana e 8 na zona
rural, alem de 1 sala para vacinas especiais. Periodicamente monta-se equipe móvel
para realização da vacinação de toda área rural descoberta. Anualmente são
realizadas Campanhas de Vacinação contra a Poliomielite (duas etapas) para
crianças de 0 a 4 anos de idade e contra a Gripe, para pessoas de 60 anos e mais.
Em 2008, o nosso município atingiu a meta estipulada pelo Ministério da Saúde que
e vacinar no mínimo 95% das crianças contra a Poliomielite e 80% dos idosos contra
a Gripe; o Hiperdia que está inserido nas diversas unidades, criado pelo do
Ministério da Saúde, e estão cadastrados 17.658 hipertensos e 5.158 diabéticos
(SIAB/PMGV, novembro/2008). O Hiperdia é um programa que muito impacta na
saúde do município, principalmente porque controla o quadro clínico, diminui os
casos descompensados e aumenta a sobrevida. Usuários diabéticos e hipertensos
sem atendimento na atenção primária podem levar as internações hospitalares por
causas evitáveis, sendo consideradas doenças sensíveis à atenção primária.
O acesso ao atendimento de média complexidade é feito através da Policlínica
Central Municipal que concentra a maioria das especialidades além de alguns
serviços credenciados, sendo controlada pela Central de Marcação de Exames e
Consultas, do Departamento de Controle Avaliação e Auditoria/SMS.
Os municípios que são pactuados com o município de Governador Valadares o
atendimento de média e alta complexidade, além das consultas especializadas,
obedecem ao mesmo fluxo dos nossos usuários, tendo seu acesso garantido
conforme cota estipulada através da Programação Pactuada Integrada (PPI), com a
utilização de uma senha que é fornecida pelo controle e avaliação para marcação na
central de marcação de exames e consultas especializadas. Após passar pelas
consultas especializadas e realização de exames de média complexidade
detectando a necessidade de continuidade do tratamento através de procedimentos
de alta complexidade o cidadão é encaminhado ao controle avaliação e auditoria
que libera o seu tratamento (como quimioterapia, radioterapia, hemodiálise, prótese
auditiva e outros).
72
O município conta com estabelecimentos de atendimento de média e alta
complexidade SUS e não SUS, registrados no CNES/2008, dentre esses serviços
que são prestadores de serviços ao SUS, encontra-se a Clinica OTOMED,
credenciada pelo Serviço de Atenção à Saúde Auditiva, no que aprofundaremos
mais a frente; conta ainda com o credenciamento de dois serviços de tomografia
computadorizada, um serviço de hemodinâmica, radiodiagnóstico EPM III,
hemoterapia, tratamento da AIDS, ressonância magnética, medicina nuclear, serviço
de órtese e prótese locomotora, laboratórios de análises clínicas e clínicas
radiológicas. Além de dois serviços de hemodiálise, radioterapia e quimioterapia,
cirurgias eletivas, na rede conveniada.
Governador Valadares dispõe de 2,23 leitos por 1000 habitantes, muito abaixo do
preconizado pela OMS (Organização Mundial de Saúde), que fixa a necessidade de
4 leitos por 1000 habitantes. No que se referem os equipamentos, o município
dispõe de equipamentos dentro do fixado na Portaria/GM 1.101 de 11 de junho de
2002, Ministério da Saúde.
Os atendimentos de urgências e emergências são prestados na sua totalidade
(100%) pelo Hospital Municipal que chegam pela procura espontânea, ou trazida
pelo SAMU (Serviço Atendimento Móvel de Urgência), Resgate do Corpo de
Bombeiros, Policias Civil, Militar e Rodoviária. O Hospital Municipal tem um papel
imprescindível para o município de Governador Valadares, bem como para a
Macrorregião Leste, que tem uma população de 1.407.089 habitantes, por ser o
único Pronto Socorro da região e ser o responsável pelo atendimento de 100% da
demanda de urgência e emergência, realizando uma média de 1.100 a 1.300
internações por mês e média de 13.000 internações por ano. (Pereira, 2008)
Em 28 de setembro de 2004 entrou em vigor a Portaria nº. 2.073 que institui a
Política Nacional de Atenção à Saúde Auditiva como já explanado anteriormente,
essa política para Novaes (2007), trata-se da primeira abordagem específica da
questão da saúde auditiva das pessoas surdas ou com perdas auditivas. Antes
desta política, apenas era ofertado pelo SUS aparelhos auditivos, tornando uma
ação mínima em relação às necessidades dos usuários. Percebendo a necessidade
de uma política que englobasse diferentes ações na assistência à saúde auditiva,
hoje não se fornece apenas aparelhos auditivos, mas há também um trabalho de
acompanhamento do uso desses equipamentos e de terapia fonoaudiológica.
73
No município de Governador Valadares no que tange ao atendimento à saúde
auditiva, tem-se o SASA – OTOMED - Nunes e Costa Serviços Médicos LTDA, que
compreende o Serviço de Atenção a Saúde Auditiva na Alta Complexidade e o
Serviço de Implante Coclear. A OTOMED atende desde dezembro de 2005 os
usuários, de acordo com a Portaria SAS/MS nº. 587 e nº. 589 ambas de outubro de
2004, que são pessoas com alterações auditivas, fornecendo o diagnostico e
tratamento para adaptação de AASI. Tal serviço abrange a Macro Região Leste de
Minas Gerais, realizando em media 240 consultas por mês, fornecendo em media
115 AASI/mês.
A OTOMED tem um responsável técnico e conta com uma equipe
interdisciplinar, com dez fonoaudiólogas, dois otorrinolaringologistas, uma assistente
social e uma psicóloga.
Para que o usuário tenha acesso ao SASA, é necessário que o mesmo
consulte (no caso de Governador Valadares) no posto de saúde e solicita
encaminhamento para a saúde auditiva. Em seguida a Junta Reguladora de Saúde
Auditiva (JRSA) ira autorizar a consulta e simultaneamente por meio da Central de
Marcação de Consulta o usuário receberá a guia com a data e horário agendado. A
partir disso, cabe ao SASA oferecer todo o aparato necessário para um atendimento
efetivo e eficiente respaldado em lei.
Há situações em que o aparelho não é capaz de suprir a deficiência.
Dependendo do tipo de perda auditiva, pode ser que o mais indicado seja o implante
coclear, um procedimento cirúrgico que exerce sua função por meio da estimulação
elétrica direta das fibras do nervo auditivo, por meio de eletrodos implantados em
pacientes onde o ouvido interno está danificado.
Anteriormente, todo o estado de Minas Gerais encaminhava a maior parte dos
casos de implante coclear em crianças para outros estados. Mas, desde novembro
de 2009, começaram a ser realizadas cirurgias de implante coclear pelo Sistema
Único de Saúde (SUS), em Minas Gerais, e Governador Valadares conta com esse
serviço desde dezembro de 2009. Serviço esse prestado pela Clínica OTOMED, e
Hospital Samaritano.
Foram habilitados no Estado, por meio das portarias ministeriais nº 418 e
2.958, publicadas em 25 de novembro de 2009, os serviços do Hospital das Clínicas
de Belo Horizonte, Hospital Samaritano de Governador Valadares, Hospital Maria
74
José Baeta Reis de Juiz de Fora e o Hospital Dilson de Quadros Godinho de Montes
Claros.
Com o credenciamento, serão implantados por ano em Minas Gerais 96
pessoas com deficiência auditiva, sendo que cada serviço fará duas cirurgias
mensais. Para financiar os procedimentos, será incorporado ao teto de média e alta
complexidade do Estado um recurso anual de R$ 4.400.439,36. Os prestadores
receberão mensalmente R$ 91.675,81 para realização das duas cirurgias. O custo
de cada uma é R$ 45.838,0040.
Antes da habilitação desse serviço no Estado, os usuários de Minas Gerais
eram encaminhados para São Paulo. Segundo a Gerência de Redes Temáticas da
Secretaria de Estado de Saúde (SES), por mês eram conduzidos, para o tratamento
fora
domicílio
(TFD),
aproximadamente
30
processos
para
avaliação
da
possibilidade da realização de cirurgias de Implante Coclear.
A Política de Saúde Auditiva é um avanço no sentido de atender os/as
usuários/as surdos/as. No entanto, é preciso refletir acerca dessa política, haja vista
que pode ocorrer o agravamento da doença pela ausência de articulação das ações
voltadas a esse segmento social, acrescido do desconhecimento dos usuários
quanto à política de próteses auditivas no município, falta de intercâmbio entre as
políticas sociais de forma atender o usuário na sua integralidade, falta às famílias
orientação e apoio, quanto ao encaminhamento aos serviços para a intervenção
precoce, sensibilização para aceitação da surdez, desenvolvimento emocional e
cognitivo da criança e adolescente, e desconhecimento por parte dos profissionais
de saúde em geral acerca do fluxo de atendimento do Programa de Atenção à
Saúde Auditiva.
2.3 Análise do atendimento ao surdo na área da saúde em Governador Valadares,
considerações acerca dos avanços e desafios.
A sistematização do estudo acerca da constituição da política de saúde no
Brasil, em conjunto com o histórico do/a surdo/a particularizado/a em tal política,
40
Fonte:http://minasempauta4.wordpress.com/2010/11/05/governo-anastasia-promove 2%C2% BAseminario-de-saude-auditiva-e-discute-implante-coclear/ acessado em 15/11/2010 às 18:40.
75
permitiu visualizar que ao longo do tempo houve uma ampliação destas políticas
voltada para os/as surdos/as.
Continuando esta discussão, será analisado a seguir como é executado o
atendimento ao/a surdo/a na saúde em Governador Valadares, bem como as
limitações que esse segmento social enfrenta pela não efetivação da política como é
preconizada. Com intuito de analisar o atendimento ao surdo na área da saúde, foi
aplicado um questionário a 47 surdos/as, sendo esse aplicado na Associação dos
Surdos de Governador Valadares – ASUGOV e no SASA, em 05 profissionais (ou
20%) do Serviço de Atenção a Saúde Auditiva (SASA) OTOMED 41, ao Gestor do
Hospital Municipal de Governador Valadares (HMGV), a Gestora do Centro de Apoio
ao Deficiente Físico Dr. Octavio Soares (CADEF), além de 71 profissionais
entrevistados que atuam na política de saúde no Hospital Municipal neste município.
Na deficiência auditiva profunda, a intervenção terapêutica precoce e intensa,
com uso de Aparelho de Amplificação Sonora Individual - AASI ou, implante
coclear42 possibilita o desenvolvimento da fala e linguagem, embora de maneira
lenta e com dificuldade, contudo, crianças que utilizam tal aparelho freqüentemente
precisarão de leitura orofacial (leitura labial). A contribuição da audição como meio
para o desenvolvimento da fala e da linguagem varia muito entre as crianças com
deficiência auditiva profunda. Conforme o gráfico abaixo:
É ou foi usúario de AASI
4%
28%
Não
Sim
Não respondeu
68%
Gráfico 1 - É ou foi usuário de Aparelho de Amplificação
Sonora Individual
41
A clínica OTOMED é uma empresa privada credenciada ao SUS que presta serviço a esse
seguimento, no entanto, foi optada por sistematizar as questões separadamente, para visualizar a
diferença do atendimento dos profissionais da saúde do serviço público e privado.
42
Implante Coclear: é o tratamento da perda auditiva severa por uma tecnologia de substituição da
audição natural por prótese no interior do ouvido.
76
É possível perceber que a maioria dos entrevistados (68%), são ou já foram
usuário de AASI. Contudo, se for feito o uso de AASI, em conjunto com a
intervenção terapêutica e esforço contínuo desde criança, a mesma poderá receber
informações utilizando a audição para o desenvolvimento da fala, da linguagem e do
aprendizado.
Porém não podemos julgar os 28% dos entrevistados que responderam
nunca terem feito uso do AASI, pois devemos considerar a cultura deste segmento,
porque a surdez possibilita o desenvolvimento de uma cultura com características
visuais e, conseqüentemente, a existência de uma identidade cultural diferente das
culturas e identidades da sociedade ouvinte.
“Ainda hoje, os definidos como portadores de deficiência auditiva, visual,
física, mental são inscritos num único grupo social, num único discurso
político, numa única ideologia, os quais se materializam ao ser subjetivado
através do estereótipo da “universalidade” deficiência, como se existisse
uma identidade universal deficiente. Constatou-se, no entanto, ao longo da
história, que o único traço que une os grupos que se narram ou são
narrados como portadores de deficiência, é o sofrimento da discriminação e
exclusão que carregam em todos os momentos das suas vidas.” (Longman,
2007, p. 27).
A autora Strobel (2008) reflete que a cultura surda é o jeito do sujeito surdo
entender o mundo, ajustando-o com as suas percepções visuais, que contribuem
para a definição das identidades surdas e das almas das comunidades surdas.
Entende-se então que as pessoas surdas vivem em uma cultura diferente da cultura
hegemônica dos sujeitos ouvintes.
Os surdos, ao serem questionados se os órgãos de saúde dispõem de
recursos especiais para atendê-los, observa-se que:
77
Os órgãos da saúde dispõem de recursos
especiais para atendê-los
40%
Não
60%
Sim
Gráfico 3 – Os órgãos de saúde dispõem de recursos especiais
para atendê-los
Assim, ao serem questionados se os órgãos de saúde dispõem de recursos
especiais para atendê-los, 40% destes estes explicitam que sim e 60% enfatizam
que os órgãos não estão preparados para atendê-los.
É importante ressaltar que o Decreto 5.626, de 22 de dezembro de 2005
regulamentou a Lei de Libras (10.436/2002) preconizando em seu inciso IX, quanto
ao atendimento das pessoas surdas ou com deficiência auditiva na rede de serviços
do SUS e das empresas detentoras de concessão ou permissões de serviços
públicos de assistência à saúde. Este determina que este atendimento deve ser feito
“por profissionais capacitados com o uso de Libras e sua tradução e interpretação”,
além de ofertar apoio para a capacitação dos profissionais.
Sabemos que em abril de 2002 a Presidência da República sancionou a Lei
Federal 10.436 decretada pelo Congresso Nacional, que oficializa a Libras em todo
o território nacional (Ministério da Educação, 2002) como sendo a língua oficial dos
surdos. Contudo, ao contrario da legislação, o que encontramos como resultado, ao
perguntarmos para os entrevistados surdos quais os recursos que os órgãos
dispõem para atendê-los, apenas 5% declarou que esse atendimento é feito por
profissionais que dominam a Libras, sendo no gráfico 4 (em anexo), 64% declaram
que os órgãos não estão preparados para atendê-los, pois não conhecem a Língua
Brasileira de Sinais.
Afirmando tais questionamentos aplicados aos surdos, ao indagar sobre qual
a principal dificuldade encontrada ao necessitarem de atendimento na saúde, ainda
78
sim esbarramos com a comunicação sendo a principal dificuldade, com 53% das
respostas. Conforme gráfico abaixo
Qual a principal dificuldade encontrada ao
necessitarem de atendimento na saúde
Compreensão
23%
15%
Comunicação
Falta de interprete ou
profissonais qualificados
9%
53%
Não respondeu
Gráfico 5 – Qual a dificuldade encontrada ao necessitarem
de atendimento na saúde
A convivência no universo das pessoas com deficiência envolve uma
mudança de paradigmas. Para os/as surdos/as, essas mudanças acontecem
quando são aceitos e respeitados em suas diferenças. Neste sentido, contar com
profissionais capacitados na comunicação com esse segmento social ou a presença
de intérpretes da Língua Brasileira de Sinais (LIBRAS) no atendimento aos/as
surdos/as em espaços da sociedade, dentre esses a saúde, é exemplo de
valorização das diversidades.
Segundo Novaes (2007), barrar ou retardar a comunicação do cidadão surdo
em sua língua natural (Libras) no uso dos serviços públicos da saúde pode levar ao
caráter de crime, conforme a Lei nº. 7.853/1989, que prevê punição, com reclusão
de 1 a 4 anos e multa, recusar, retardar, dificultar internação ou deixar de prestar
assistência médico-hospitalar e ambulatorial, quando possível a pessoa portadora
de deficiência (Art. 7°, IV).
Completando a discussão, Novaes (2007) afirma que,
(...) cabe ao poder publico a prestação de serviços adequados e eficientes
para permitir um nível mínimo para a garantia de qualidade de vida. (...) No
caso da pessoa surda, o nível mínimo exigido é a preparação para a
recepção e comunicação deste durante o uso dos serviços públicos da
área da saúde em todas as suas etapas. (2007, p.50)
79
Ainda assim, ao referir sobre a Secretaria de Saúde do município, 76% dos
entrevistados surdos afirmaram que os seus serviços não estão preparados para
recebê-los, ou seja, a grande maioria. Portanto, ressalta-se que a comunicação nãoverbal é de extrema importância no atendimento aos usuários e permite a excelência
do cuidar em saúde. A falta de domínio de uma língua comum entre surdos e
ouvintes dificulta ou mesmo impede a interação de conhecimento. Assim, é
importante enfatizar que a linguagem (Língua) desempenha um papel decisivo na
interação entre o surdo e o meio em que ele vive.
ENTREVISTA AOS PROFISSIONAIS – OTOMED
Em relação aos profissionais da Clínica OTOMED, ao serem questionados
sobre a forma de comunicação adotada de atendimento ao surdo, foi observado no
que 40% destes afirmaram fazer uso da fala, outros 40% fazem uso de mímica e
escrita, somente 20 % afirmaram fazer uso da Língua de Sinais como forma de
comunicação adotada para atender os surdos. Conforme gráfico a seguir,
Qual a forma de comunicação adotada de
atendimento ao surdo
40%
40%
Fala
Língua de sinais
Mímica e escrita
20%
Gráfico 13- Qual a forma de comunicação adotada
de atendimento ao surdo
A maioria desses profissionais (60%) afirmaram que se sentem preparados
para atender o surdo e que a empresa também está preparada para atendê-los,
mesmo sendo apenas 20% dos funcionários que sabem a Língua de Sinais.
(Apêndice S - Gráfico 14). Ao serem questionados se a empresa fornece o curso de
80
Libras para os funcionários todos responderam que não, porém os mesmos (100%)
afirmaram que gostariam de ser capacitados para atender os surdos.
Logo, se percebe que, mesmo considerando as respostas acima, é possível
perceber que há um despreparo no que diz respeito ao atendimento feito pelo
profissional de saúde ao surdo, no que preconiza a comunicação entre surdo e o
profissional que o atende. Como forma adotada para conseguir estabelecer uma
comunicação com o surdo, os funcionários os orientam a sempre irem para a
empresa Otomed acompanhados, para que o acompanhante estabeleça a
comunicação entre surdo e profissional.
Ainda na entrevista na clinica Otomed, foi aplicado um questionário composto
por dez perguntas ao gestor da instituição acerca da prestação de atendimento ao
surdo em tal instituição. Ao questionado se o estabelecimento possui em seu quadro
de funcionários, profissionais que sabem se comunicar com os usuários surdos por
meio da Libras, conforme determina a Lei Municipal nº. 5.150 de 20 de fevereiro de
2003, a resposta foi afirmativa a esse questionamento.
ENTREVISTA AOS GESTORES
O gestor relatou que sendo a empresa referência em adaptação de prótese
auditiva, segue as normas preconizadas nas Portarias 587 e 589 ambas de 2004,
para o fornecimento do AASI, bem como trabalham com a reabilitação da audição e
da fala das pessoas surdas. Esse serviço existe desde dezembro de 2005, e por
meio das portarias ministeriais nº. 418 e 2.958 de novembro de 2009, a empresa
credenciou em dezembro de 2009 o serviço de implante coclear, ambos os serviços
(serviço de atenção a saúde auditiva e implante coclear) é realizado por uma equipe
composta por médicos otorrinolaringologistas, fonoaudiólogas, assistente social e
psicóloga.
Questionado se a instituição realiza campanhas preventivas em relação à
surdez, o gestor relatou que existe atualmente o Projeto de Intervenção 43 da
estagiária do Curso de Serviço Social na instituição.
43
Projeto elaborado no 6º período como exigência obrigatória da disciplina de Oficina de Supervisão
Acadêmica, implementado nos anos de 2009 e 2010 nesta instituição.
81
Foram entrevistados o gestor do Hospital Municipal de Governador Valadares
(HMGV) e o gestor do Centro de Apoio ao Deficiente Físico (CADEF). As
informações colhidas nestes estabelecimentos foram analisadas em conjunto, por
serem instituições públicas.
Ao serem questionados se o estabelecimento possui em seu quadro de
funcionários, profissionais que sabem se comunicar com os usuários surdos por
meio da Libras, conforme determina a Lei Municipal nº. 5.150 de 20 de fevereiro de
2003, a Gestora do CADEF respondeu que existe neste estabelecimento
profissionais qualificados em Libras, já a Direção do HMGV respondeu que não há
profissionais qualificados em Libras.
Quanto aos projetos que os estabelecimentos desenvolvem, ao perguntar se
os estabelecimentos desenvolvem campanhas educativas sobre DST e prevenção e
à gravidez indesejada junto a este segmento social, o gestor do HMGV afirmou
realizar estas campanhas nos leitos do hospital, porém estas não são adaptadas em
Libras. Por outro lado, a resposta da gestora do CADEF foi que não existem
campanhas educativas no que tange a essas temáticas. Ainda em relação à
campanha, ao questionar se tais estabelecimentos ofertam campanhas sobre
prevenção da surdez, os dois estabelecimentos responderam que não oferecem
campanha relacionada sobre a temática.
Uma questão importante a ressaltar é que, ao ser questionado acerca do
fornecimento de aparelhos auditivos e implante coclear, a Gestora do CADEF
afirmou ofertar esses serviços na instituição, porém de acordo com as Portarias
GM/MS nº. 626, 418 e 2.958 de novembro de 2009, apenas estabelecimentos
credenciados como prestadora destes serviços, como a OTOMED, pode prestar tal
serviço, o que leva a uma informação que ainda precisa ser melhor esclarecida em
relação ao fornecimento de aparelho auditivo e implante coclear neste município.
ENTREVISTA AOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE DO HOSPITAL MUNICIPAL
Em relação aos profissionais que atuam na política de saúde de Governador
Valadares, quando perguntados se estes já atenderam algum usuário surdo 54%
responderam positivamente e 46% responderam negativamente.
82
JÁ ATENDEU USÚARIO SURDO/A
Sim
46%
54%
Não
Gráfico 16 – Já atendeu usuário surdo/a
Observa-se no gráfico que o atendimento de pessoas surdas é uma realidade
presente no trabalho de profissionais da área de saúde, sendo no Hospital Municipal
e na OTOMED em Governador Valadares, em diversas áreas de atuação.
O fato de 46% dos participantes não atendeu os /as surdos/as não significa
que estes/as nunca tenham procurado os serviços.
É importante destacar que com a Constituição Federal de 1988, o cidadão
tem o direito e o Estado o dever de oferecer gratuitamente tratamento para a (re)
habilitação de pessoas com deficiência, acesso aos estabelecimentos públicos e
privados e de seu tratamento adequado; garantia de atendimentos domiciliares,
desenvolvimento de programas voltados às pessoas com deficiência, auxílio à
maternidade e à infância. O direito a saúde vai desde o usuário receber a
informação do médico acerca da deficiência e suas conseqüências até a visita
domiciliar, caso a pessoa não tenha condição de locomoção.
A Lei Federal n 7853/89, artigo 2º parágrafo único, inciso II assegura esse
direito a qualquer pessoa, inclusive sobre os cuidados que ela deve ter consigo,
notadamente no que se refere à questão do planejamento familiar, às doenças e
seus diagnósticos e ao encaminhamento precoce de doenças, causadoras de
deficiência.
O direito à saúde não significa, apenas, o direito de estar sadio e de se
manter são; não significa apenas o direito a tratamento de saúde para se manter-se
bem. Esse direito abrange a garantia e promoção à habilitação e a reabilitação,
devendo-se entender a saúde como um estado físico e mental que possibilita ao
83
indivíduo ter uma vida normal, integrada socialmente. De acordo ainda com esta Lei,
em seu 2º parágrafo único, alíneas “c e d”, o Poder Público é obrigado a oferecer
uma rede de serviços especializados em habilitação e reabilitação, bem como
garantir o acesso aos estabelecimentos de saúde pública e privada.
Nesse sentido o Sistema de Saúde Pública, não pode abrir mão de se
adequar às necessidades dos usuários surdos/as, a fim de que possa prestar a
estes, serviços de atendimento digno em todos os seus níveis de atuação.
Principal dificuldade encontrada ao atender o
surdo
4% 4% 4%
Falta de acompanhante
15%
Comunicação
Não dominar a Libras
Não há
Não respondeu
73%
Gráfico 17 – Principal dificuldade encontrada ao atender o surdo
Os profissionais ainda quando perguntados sobre a principal dificuldade
encontrada ao atender o surdo, 4% responderam que a falta de acompanhante é um
agravante para o atendimento, 73% responderam que é a comunicação, outros 15%
responderam não dominar Línguas de Sinais. Diferentemente dessas respostas 4 %
responderam que não há dificuldade para atender ao surdo e por último 4% não
responderam. Conforme demonstra o gráfico.
Percebe-se que a dificuldade para interação com o/a surdo/a aparece num
percentual significativo, conforme relato dos profissionais, o que vem de encontro à
literatura revista, na qual os autores enfatizam para que ocorra a comunicação, é
necessário que o usuário compreenda e seja compreendido, e quando este procura
o serviço de saúde, se depara com condições que interferem de forma negativa na
qualidade do processo de comunicação conseqüentemente interferindo na
assistência prestada (Chaveiro; Barbosa, 2005; Dizeu; Caporali, 2005 Cardoso;
Rodrigues; Rachion, 2006).
84
Os participantes que responderam afirmativamente apontaram que a maior
dificuldade de interação com o/a usuário/a está na comunicação, no profissional
compreender o que o surdo deseja, e quando este se encontra desacompanhado
dificulta a compreensão do profissional que o assiste na consulta e nos
procedimentos de rotina dos estabelecimentos de saúde pesquisados.
Conforme Lima (2007, p.26) apud Novaes (2010) é certo que, caso “a
comunicação entre o profissional de saúde e usuário não ocorrer efetivamente, o
significado do cuidado prestado pode ser afetado profundamente”.
Quando pesquisados sobre a forma de comunicação adotada no atendimento
ao surdo/a pelos profissionais da saúde, em relação ao uso de escrita, 20%
confirmaram que faziam uso dessa comunicação, 8% afirmaram fazer uso da Língua
de Sinais para comunicar, 61% afirmaram que fazem uso da mímica para comunicar.
Os 11% afirmaram não adotar nenhuma comunicação para com os usuários.
Forma de comunicação adotada de atendimento
ao surdo/a
11%
20%
Escrita
8%
Língua de sinais
Mímica
Não há
61%
Gráfico 18 – Forma de comunicação adotada de atendimento ao surdo/a
Percebeu-se que se utiliza mais a mímica como forma de comunicação do
profissional da saúde com o usuário/a surdo/a. Neste sentido, Silva (1991) apud
Rosa (2000) ressalta a importância dos profissionais de saúde estudarem e fazerem
uso da comunicação não – verbal, de tal maneira que estes desenvolvam maior
habilidade em compreender os sentimentos, dúvidas e dificuldade de verbalização
do usuário.
O uso de gestos, mímica e expressão corporal como forma de comunicação
utilizada pelo e com o/a surdo/a nem sempre são claros e facilmente entendidos,
85
demandando tempo e esforço por parte dos profissionais que os atendem. A ajuda
do acompanhante e a leitura labial são recursos mais fáceis de compreensão,
citados pelos profissionais.
A presença do acompanhante ou Intérprete é importante no processo de
comunicação entre o usuário/a e profissional da saúde. Porém apesar de
representar auxílio, o acompanhante pode tornar-se um problema quando não
permite que o surdo participe ativamente da conversa, pois é ele quem explica ao
profissional a dificuldade de saúde do surdo/a e recebe as orientações, limitando a
individualidade necessária e minimizando as oportunidades do usuário em expor
suas dúvidas (Santos; Shiratori, 2004). Em relação à comunicação através da
escrita, segundo Almeida (2000), a escrita do surdo não obedece às exigências da
língua portuguesa, uma vez que ele escreve na ordem que são apresentados os
sinais através da LIBRAS, e, além disso, a língua de sinais não faz uso de
preposições, artigos, conjunções. Portanto, pode ser necessária a presença de um
intérprete se o profissional não entender sua escrita.
Quando questionados aos profissionais da saúde se a empresa/órgão fornece
curso de Libras para os funcionários, 89% responderam que negativamente, 4%
responderam positivamente, 4% não souberam responder e 3% não responderam.
A empresa fornece curso de Libras para os
funcionários
3%
4%
4%
Não
Sim
Não sabe
Não respondeu
89%
Gráfico 19 – A empresa fornece curso de Libras para os funcionários
Segundo Souza et al (2009) a forma mais comum de comunicação entre
pessoas é a língua falada. A transferência de conhecimento se faz através dela. Os
surdos têm essa forma de comunicação tradicional afetada. Isso faz com que os
mesmos tenham como língua padrão as linguagens através de gestos, que utilizam
86
a visão como fonte receptora desses gestos corporais, em sua formação. A falta de
comunicação oral torna o surdo desintegrado da sociedade ouvinte, tendo
dificuldades de usufruir serviços básicos, como por exemplo acesso a hospitais, já
que os ouvintes também têm dificuldades de entender a língua dos sinais.
Em decorrência de tais fatos, é indispensável que os profissionais da Saúde
de toda rede de saúde no município de Governador Valadares, principalmente
aqueles componentes da Atenção Primária de Saúde e também a Clínica
credenciada ao Serviço de Atenção à Saúde Auditiva sejam capacitados para se
comunicarem de maneira eficiente com tais usuários. Essa capacitação se
concretizaria na oferta de cursos de LIBRAS (Língua Brasileira de Sinais) a todos os
profissionais de Saúde de tais áreas, para que pelo menos esses profissionais
tenham um mínimo de entendimento necessário para o atendimento do usuário
surdo/a.
Cabe então às instituições públicas e à sociedade de modo geral proporcionar
meios para que a inclusão social possa verdadeiramente acontecer. Ressalta-se,
aqui, a importância do Artigo 3º da Lei Federal nº. 10.436/02 e do Artigo 1º da Lei
Municipal nº. 5.150/03, descritos a seguir:
As instituições públicas e empresas concessionárias de serviços públicos
de assistência à saúde devem garantir atendimento e tratamento adequado
aos portadores de deficiência auditiva, de acordo com as normas legais em
vigor (10.436/02: art.3º).
Fica estabelecido que as pessoas surdas deverão ser atendidas na
repartições públicas e municipais por profissionais que saibam se
comunicar por meio da Língua Brasileira de Sinais – Libras (5.150/03, 1º).
87
Gostariam de ser capacitados para atender os
surdos
11%
1%
Sim
Não
Não respondeu
88%
Gráfico 20 – Gostariam de ser capacitados para atender os surdos
Quando perguntado aos profissionais se gostariam de ser capacitados para
ao atendimento ao surdo, 88% declararam positivamente, 11% afirmaram não ter
interesse e 1% não respondeu.
Nota-se que a maioria dos profissionais possui consciência de algumas
medidas que devem ser tomadas para oferecer uma melhor assistência ao/a surdo/a
e reconhecem a ausência de recursos para atender às necessidades desse usuário.
Assim, é necessário destacar que para minimizar os efeitos causados pela
falta de comunicação entre os profissionais e o usuário surdo/a a adoção da
educação continuada em Libras, ou seja, possibilitar aos profissionais a
oportunidade de aprenderem a língua de sinais, continuamente atualizados e
acompanhados quanto ao desempenho na troca de informações com o usuário
através da LIBRAS.
Quando perguntado aos profissionais se sentem preparados para fazer
qualquer atendimento ao surdo, do total dos entrevistados 79% afirmaram
negativamente e apenas 21% afirmaram positivamente.
88
Você se sente preparado para prestar qualquer
atendimento ao surdo
21%
Sim
Não
79%
Gráfico 23 – Você se sente preparado para prestar qualquer
atendimento ao surdo
Ao serem questionados se quando contratados pela empresa ou órgão
público, foram questionados se os mesmos conheciam e utilizavam a língua de
sinais, 99% responderam negativamente e 1% positivo, de acordo com o apêndice
AC.
ENTREVISTA COM O SECRETÁRIO MUNICIPAL DE SAÚDE
Foi entrevistado ainda o gestor do Setor Público municipal responsável pela
saúde pública em Governador Valadares. Este afirmou que a Secretaria Municipal
de Saúde possui 2.700 servidores públicos e enfatizou que não há atualmente
nenhum servidor publico surdo em seu quadro de profissionais.
Questionado se possui em seu quadro de funcionários, profissionais
Intérpretes de Língua Brasileira de Sinais – Libras para atender as pessoas surdas,
conforme determina a Lei Municipal nº.5.150, de 20/02/2003, esse respondeu
negativamente.
Diante das respostas apresentadas pelo Gestor, foi possível verificar que a
Secretaria Municipal de Saúde não possui esses profissionais Intérpretes de Libras,
não fornece para os funcionários cursos de Libras para o atendimento aos/as
surdos/as, não oferece campanhas adaptadas em Libras para as pessoas surdas
compreenderem.
Quando
questionado
se
o
município
fornece
aparelhos
auditivos
gratuitamente para os/as surdos/as, a resposta foi positivamente, ressaltando que
89
fornece tais aparelhos através do Centro de Apoio ao Deficiente Físico – CADEF e
por empresa credenciada para prestar o Serviço de Atenção à Saúde Auditiva no
Município. Oferecendo ainda testes preventivos como a Triagem Auditiva Neonatal e
o Teste da Orelhinha, contudo, justifica que para a efetivação destes serviços, está
ainda em processo de credenciamento junto à Gerência Regional de Saúde de
Governador Valadares.
90
CONCLUSÃO
Este estudo procurou destacar que a Carta Cidadã de 1988 traz em seu artigo
196, que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Portando, os/as
surdos/as também tem direito ao acesso às instituições de saúde, pois é um cidadão
como todos os outros, e o Estado tem o dever de assegurar que este atendimento
ocorra, e com nível de qualidade de excelência.
A inclusão social referente ao atendimento aos/as surdos/as, nos serviços da
área de saúde, estabelece-se como fator essencial de qualidade dos serviços
prestados, enquanto que a falta de comunicação inviabiliza um atendimento
humanizado. A comunicação com os surdos surge como um desafio aos
profissionais que lhes prestam assistência à saúde.
A relação profissional da saúde e usuário/a surdo/a precisa ser melhorada,
porque para os surdos o atendimento digno é atingido quando são compreendidos
em suas necessidades, efetivando assim a inclusão na saúde. A comunicação
estabelecida com os surdos instaura-se como um dos grandes obstáculos do cuidar
em saúde. O bloqueio de comunicação prejudica o vinculo entre profissionais da
saúde e surdos, comprometendo o atendimento.
Ressaltamos que o intuito da pesquisa diante de entrevistas junto aos
profissionais da saúde, não é de responsabilizar individualmente cada profissional,
mas sim reivindicando que empregadores e entidades representativas e, de
formação profissional da categoria deem atenção à temática, promovendo espaços
nos quais os/a profissionais e estudantes possam adquirir esses conhecimentos.
Constata-se, através da observação da realidade, que a questão das pessoas
surdas não está desvinculada do contexto geral da sociedade capitalista em que
vivemos. Os surdos/as necessitam que o Estado assuma sua responsabilidade
perante as desigualdades sociais.
Para estas pessoas, a autonomia é um direito que, ainda, precisa ser
conquistado, tanto em relação às famílias, como em relação à toda sociedade visto
que na maioria das vezes eles/as, são tratados como inferiores.
91
A Política de Atenção à Saúde Auditiva, é um avanço no município, porque
existe desde dezembro de 2005 o Programa de Atenção à Saúde Auditiva 44 de alta
complexidade voltada para o atendimento aos/as surdos/as, que abrange toda a
macro-região Leste de Minas Gerais, sendo o mesmo executado por uma empresa
terceirizada. Em relação a Triagem Auditiva Neonatal, segundo informações da
Secretaria Municipal de Saúde, esse serviço está em processo de credenciamento
junto a Gerência Regional de Saúde
Neste estudo procurou-se apresentar a preocupação com a forma de
atendimento da política de saúde a este segmento social. Percebe-se que as ações
de acompanhamentos dos indivíduos usuários de prótese auditiva encontram
insuficientes, bem como da reabilitação auditiva, especialmente para as crianças.
Falta de integração entre os procedimentos de concessão de prótese e os outros
níveis de atenção de saúde auditiva no Município de Governador Valadares,
especialmente no que concerne ao diagnóstico e monitoramento durante o período
de adaptação da prótese e reabilitação da linguagem oral.
A integralidade das ações, isto é, a promoção, a prevenção e as ações
assistenciais de cura e reabilitação, só acontecem quando cada serviço é capaz de
se ver enquanto parte constitutiva do Sistema, e ao desempenhar seu papel
predominante, não deixa de lado as demais dimensões da atenção em saúde. Na
concepção de Junqueira (2007), os possíveis “nós críticos” de uma rede estatal
tornam-se “verdadeiras caixas pretas” ao serem concebidos pela via de entidades
prestadoras de serviços.
Em relação à prestação do serviço de saúde auditiva no Município, cabe
ressaltar que dentre as inconstitucionalidades e ilegalidades presentes nessa
mesma reflexão, tem-se o impedimento legal de o Estado desresponsabiliza-se da
prestação de serviços como saúde (Art. 196), assistência social (Art. 203 e 204) e
educação (Art. 205), garantidos como direitos do cidadão e dever do Estado. No que
se refere à saúde, a transferência de serviços encontra impedimento legal na
Constituição (Art. 199) e na Lei Orgânica da Saúde n. 8.080/90 (Art. 24), onde é
permitida a participação em caráter complementar, mediante contrato ou convênio,
somente quando esgotada a capacidade e disponibilidade de atendimento pelo SUS.
³ Este programa tem como finalidade a protetização e reabilitação das pessoas surdas usuárias de
AASI (Aparelho de Amplificação Sonora Individual).
92
Segundo Pietro (2002) apud Rezende (2007) a transferência de serviços do
poder público a terceiros ou que estes administrem serviços públicos de saúde “(...)
significa que a instituição privada, em suas próprias instalações e com seus próprios
recursos humanos e materiais, vai complementar as ações e os serviços de saúde,
mediante contrato ou convênio”.
Nas questões de campanhas educativas no sentido de prevenção a perda
auditiva, prevenção às DST/HIV para o público surdos/as, são inexistentes neste
município, o que um dado preocupante.
O direito dos usuários terem acesso e receberem informações estão
asseguradas pela Constituição Federal de 1988 (Brasil, 1998) no capítulo I, “dos
direitos e deveres individuais e coletivos”, artigo 5º, que se refere do direito ao
acesso e a receber informações de interesse particular”.
Esse direito acima explicitado abrange informações inerentes às pessoas,
tanto as que dizem respeito a sua própria pessoa, acerca da sua saúde, quanto aos
serviços que estão a sua disposição.
É preciso que os profissionais de saúde sejam capazes de fornecer
adequadamente informações e esclarecimentos, de forma a facilitar a compreensão
do indivíduo a respeito do seu estado de saúde e promoção de uma vida mais
saudável. Nesse sentido, os usuários surdos/as só podem compreender acerca
dessas informações, quando são transmitidos através da Libras. A desinformação
faz com que os usuários fiquem sem entender o que está realmente ocorrendo
consigo e as formas de tratamento que lhes estão sendo propostas.
Assim, para a eficiência da Política de Atenção à Saúde Auditiva, é
necessário realizar estudos aprofundados nesta área, como também levantar
maiores dados sobre a deficiência auditiva no município, uma vez que, são poucos
os indicadores que possuímos para discutir e assim melhorar a qualidade das
políticas públicas. Existe também a necessidade de realizar um trabalho regional, a
fim de adequar os serviços às realidades de cada região e municípios. Realizar
palestras, conferências sobre o assunto, para orientar e informar a população sobre
a existência do programa de concessão de aparelhos auditivos, além de, investir no
constante aprimoramento e na capacitação profissional no que tange ao uso da
Libras como forma de comunicação com o usuário surdo/a.
Tendo em vista a repercussão da deficiência auditiva na vida de uma criança
e de sua respectiva família, programas para detecção precoce que visam a triagem
93
e o diagnóstico precoce da surdez são necessários no primeiro ano de vida.
Podemos considerá-la medida de prevenção primária fazendo parte dos programas
de promoção e proteção à saúde, previstos pela política de saúde brasileira, que
podem ser desenvolvidos por instituições governamentais, empresas, associações
comunitárias e indivíduos. É necessário pensar e propor ações que visem despertar
para a deficiência auditiva em sua fase inicial, pois é nítido o desconhecimento em
relação à Triagem Auditiva Neonatal, ao direito garantido à triagem e a assuntos que
dizem respeito à surdez.
Diante desse panorama a realização deste estudo foi importante e oportuna.
As percepções dos surdos em relação aos atendimentos no sistema de saúde
constituem-se de dados imprescindíveis para ao acesso aos bens e serviços,
respeitando e valorizando as diferenças, melhorando conseqüentemente a qualidade
da assistência em saúde.
A discussão da assistência à saúde, como fator de inclusão social, não se
encerra neste estudo, mas sinaliza para a necessidade de novas pesquisas que
sensibilizem e esclareçam os profissionais da saúde para bem atender à
comunidade surda.
Cabe enfatizar que responder às dificuldades dos surdos quando procuram
atendimento à saúde é dever de todos, profissionais da saúde, gestores e sociedade
comprometidos em colaborar na construção de uma sociedade inclusiva.
É necessário compreender que para o processo de efetivação da PNASA, ter
no município de Governador Valadares, políticas públicas mais abrangentes, como a
inclusão de programas de triagem auditiva neonatal e a criação de serviços de
referência para as maternidades, garantindo, assim, que todos os recém-nascidos
sejam avaliados antes do momento de alta.
Sendo imprescindível que a atenção primaria passe a ser mais discutida e
priorizada pelos gestores da área. "A prevenção, promoção e detecção precoce de
problemas auditivos poderiam ocorrer por meio da Estratégia da Saúde da Família.
Os agentes comunitários seriam capacitados para notificar possíveis riscos auditivos
e apontar casos suspeitos para intervir na perda auditiva no período crítico de
desenvolvimento da criança".
Desta forma, estabelecer co-responsabilidade com o PACS/ESF, visando à
capacitação dos agentes comunitários de saúde e supervisores sobre prevenção e
identificação precoce de deficiência auditiva, bem como acompanhar as atividades
94
desenvolvidas e incluir nas ações do PACS/ESF a identificação e encaminhamento
das crianças nascidas na comunidade para a realização do teste do pezinho e teste
da orelhinha.
Para a questão dos dados referente à população dos surdos no município é
importante identificar o perfil - população das pessoas com deficiência - realizando
censo qualitativo e quantitativo, através do PACS/ESF, CAAD e IBGE.
Fazer o mapeamento dos atendimentos das unidades de saúde auditiva com
vistas a possibilitar melhores fluxos de referência e contrarreferência de uma
unidade a outra e de um nível de complexidade a outro; e também a
descentralização dos serviços para garantir melhor atendimento ao usuário, evitando
assim grandes deslocamentos.
São muitos os desafios em relação à efetivação dos direitos das pessoas
surdas nos âmbitos nacional, estadual e municipal, como pudemos constatar a partir
do levantamento das principais leis que envolvem surdos/as, apresentado nesse
trabalho.
Sendo necessário efetivar o Decreto Federal 5.296/04, que assegura
atendimento prioritário às pessoas com deficiência na rede de saúde, principalmente
municipal e capacitar em LIBRAS, os profissionais de atendimento público nas
unidades de saúde para o atendimento aos/as surdos/as além dos demais
profissionais das outras áreas, e suas formações acadêmicas, terem nos currículos
de seus respectivos cursos, incluída a disciplina de Libras, não como eletiva, mas
sim como crédito obrigatório.
É imprescindível garantir a participação do segmento dos surdos nos
Conselhos de Saúde para viabilizar propostas que atenda às necessidades desse
segmento social.
Cabe destacar a importância de promover e realizar ações educativas para
conscientização e quebra de preconceitos em relação à pessoa com deficiência,
reconhecer a Libras como meio de comunicação e expressão das pessoas surdas
no Município, determinar que o poder público se empenhe no apoio e difusão do seu
uso, que as instituições públicas prestem atendimento aos surdos em Libras.
Tais medidas, num futuro próximo, proporcionará a aquisição de saberes que
visem modificar as atitudes dos profissionais em relação ao atendimento prestado
aos/as usuários/as surdos/as, aos seus familiares, assim como também uma maior
interação em situações de convívio profissional com colegas surdos, contribuindo
95
assim, sobremaneira para uma otimização da atuação do profissional, da atenção à
saúde e do ato de cuidar.
Portanto acreditamos que nosso trabalho abre um leque de possibilidades
para futuros estudos, mais aprofundados, sobre diversas questões aqui levantadas e
desejamos que a temática seja abraçada por mais profissionais e pesquisadores de
várias áreas de conhecimento, principalmente por aqueles que atuam, na prática,
com surdos/as, pois é extremamente necessário o estudo sobre esta temática junto
à profissão.
96
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106
APÊNDICES
107
APÊNDECE A - QUESTIONÁRIO PARA PESSOAS SURDAS
Finalidade: A entrevista é parte integrante do projeto: “O atendimento ao surdo da
área da saúde em Governador Valadares”, tendo como finalidade obter dados para o
trabalho de conclusão de curso, a ser apresentado para a Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da UNIVALE, como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.
Esta pesquisa tem por objetivo, compreender a forma de atendimento em relação
aos surdos nos órgãos de saúde em Governador Valadares.
Questionário para pessoas surdas
Data da Entrevista:
/ / 2010
Nome: ________ (identificação por letra) /Sexo: _____/ Idade___________
Nível de Escolaridade: ( ) Analfabeto ( ) Primário: ( ) incompleto ( )completo
Secundário:( ) incompleto ( ) completo
( ) Superior: ( ) Incompleto ( ) completo ( ) Profissionalizante
Profissão:............................................................................................................
Estado Civil:.....................................
É ou foi usuário de Aparelho de Amplificação Sonora Individual? ( ) sim ( ) não
1- Quando necessitam de atendimento na saúde, os órgãos dispõe de recursos
especiais para atendê-los?
( ) sim
( ) não
Caso a reposta seja sim, de quais recursos dispõe?
( ) intérprete de Libras
( ) Os funcionários dominam Libras
( ) Outros.
2- Estes órgãos estão preparados para receber os surdos, conhece sua língua?
( ) sim
( ) não
3- Qual a principal dificuldade encontrada pelos Surdos ao necessitarem de tais
atendimentos?
___________________________________________________________________
___
108
Quando necessita de atendimento na saúde, como faz?
( ) vai sozinho
( ) acompanhado
4- Os funcionários têm facilidade para compreendê-los? Por quê?
( ) sim ____________________________________________________________
__________________________________________________________________
( ) não ____________________________________________________________
__________________________________________________________________
5- Nestes órgãos ao serem abordados, vocês sofrem algum tipo de discriminação?
( ) sim
( ) não
6 – Os profissionais da saúde ao atendê-lo, prefere que estes falem as línguas de
sinais ou tenham intérpretes?
( ) Línguas de Sinais ( ) Intérpretes
Por
que?_______________________________________________________________
7 – As campanhas educativas tais como sobre DSTs e prevenção a gravidez
indesejadas feitas sem interpretes são compreendidas pelo surdos ?
( ) sim
( ) não
8 – A Secretaria de Saúde está preparada para atender os Surdos?
( ) sim
( ) não
Por
que?
_______________________________________________________________
9 - Qual a forma de comunicação é adotada pelos funcionários da Saúde?
( ) mímica
( ) com intérpretes de Libras
( ) Escrita
( ) Não há
10- Estes órgãos da Saúde, ao atendê-los, têm diferença quando é público ou
privado? Explique.
109
APÊNDICE B- QUESTIONÁRIO AOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE
Finalidade: A entrevista é parte integrante do projeto: “O atendimento ao surdo da
área da saúde em Governador Valadares”, tendo como finalidade obter dados para o
trabalho de conclusão de curso, a ser apresentado para a Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da UNIVALE, como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.
Esta pesquisa tem por objetivo, compreender a forma de atendimento em relação
aos surdos nos órgãos de saúde em Governador Valadares.
Questionário aos Profissionais da Saúde
Data da Entrevista: / / 2010
Nome: ............ (identificação por letra) /Sexo: .../ Idade... . . ...... anos
Nível de Escolaridade: ( ) Analfabeto ( ) Primário: ( ) incompleto ( )completo
Secundário:( ) incompleto ( ) completo
( ) Superior: ( ) Incompleto ( ) completo ( ) Profissionalizante
Profissão.........................................................................................................................
.....
1- Você já atendeu o usuário surdo/a? (
) sim
(
) não
2 – Qual a principal dificuldade encontrada ao atender o Surdo?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
3 - Qual a forma de comunicação adotada de atendimento ao surdo?
( ) línguas de sinais
( ) escrita
( ) mímica
( ) não há
4 - A empresa/órgão fornece para os funcionários curso de Libras para atendimento
aos Surdos?
( ) sim
( ) não
5 – Os funcionários da Saúde gostariam de ser capacitados para atender os
Surdos?
( ) sim
( ) não
6 – Você se sente preparado para fazer qualquer atendimento ao surdo?
( ) sim
( ) não
110
7 – Ao ser contratados por uma empresa/órgão são questionados se sabem a língua
de sinais?
( ) sim
( ) não
8- Para você ao atender o surdo, julga necessário um acompanhante?
( ) sim
( ) não
9 – Em sua opinião, a empresa/órgão está preparada para atender os surdos?
( ) sim
( ) não
10 – Há propostas da direção em capacitar os funcionários com a língua de sinais
(LIBRAS)?
( ) sim
( ) não
111
APÊNDICE C - QUESTIONÁRIO PARA GESTORES EM EMPRESAS E ÓRGÃOS
PÚBLICOS
Finalidade: A entrevista é parte integrante do projeto: “O atendimento ao surdo da
área da saúde em Governador Valadares”, tendo como finalidade obter dados para o
trabalho de conclusão de curso, a ser apresentado para a Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da UNIVALE, como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.
Esta pesquisa tem por objetivo, compreender a forma de atendimento em relação
aos surdos nos órgãos de saúde em Governador Valadares.
Data da Entrevista: / / 2010
Nome: ...... (identificação por letra) /Sexo: .../ Idade... . . ...... anos
Moradia: ( ) Própria ( )Alugada ( ) Cedida /Cidade ::
...................................................- Fone: ( ) ...............................
Nível de Escolaridade: ( ) Analfabeto ( ) Primário: ( ) incompleto ( )completo
Secundário:( ) incompleto ( ) completo
( ) Superior: ( ) Incompleto ( ) completo ( ) Profissionalizante
Profissão.........................................................................................................................
.....
Questionário para Gestores em empresas e órgãos públicos.
1-O
estabelecimento
funcionários?______________________________
possui
quantos
2-Quantos destes são surdos ou deficientes auditivos?_____________________
3-O estabelecimento possui em seu quadro de funcionários, profissionais que sabem
se comunicarem por meio da Língua Brasileira de Sinais – Libras para atender
pessoas surdas, conforme determina a Lei Municipal n º 5.150, 20 de fevereiro de
2003?
( ) sim
( ) não
Caso seja NÃO sua resposta, como é feito esse atendimento e porque ainda o
estabelecimento não possui esses profissionais interpretes de Libras?
4-Quais os projetos desenvolvidos pelo estabelecimento no que tange a campanha
educativa sobre DST e prevenção a gravidez indesejada?
___________________________________________________________________
5-Essas campanhas educativas são adaptadas em Libras para as pessoas surdas
compreenderem? ( ) sim
( ) não
Caso sua resposta seja NÂO, como o estabelecimento vê essa situação:
________________________________________________________
6-O estabelecimento fornece aparelhos auditivos gratuitamente para os surdos?
112
( ) sim
( ) não
Caso sua reposta seja SIM, como isto é feito:
__________________________________________________________
7- O estabelecimento fornece gratuitamente implantes cocleares para os surdos?
( ) sim
( ) não
Caso sua reposta seja SIM, como isto é feito:
__________________________________________________________________
Caso sua resposta seja NÃO, por quê?
___________________________________________________________________
8- O estabelecimento trabalha na reabilitação da audição e fala das pessoas
surdas?
( ) sim
( ) não
Caso sua reposta seja SIM, como isto é feito:
__________________________________________________________________
9- É feita alguma campanha preventiva em relação à surdez?
( ) sim
( ) não
Caso sua resposta seja SIM, quais os serviços específicos são ofertados em sua
empresa/órgãos aos surdos?
___________________________________________________________________
10- Quais os testes que devem ser feitos em crianças?
___________________________________________________________________
E estes testes são ofertados pelas empresas/órgãos?
( ) sim
( ) não
113
APÊNDICE D - QUESTIONÁRIO PARA GESTORES DE SAÚDE
Finalidade: A entrevista é parte integrante do projeto: “O atendimento ao surdo da
área da saúde em Governador Valadares”, tendo como finalidade obter dados para o
trabalho de conclusão de curso, a ser apresentado para a Faculdade de Ciências
Humanas e Sociais da UNIVALE, como requisito parcial para obtenção do grau de
Bacharel em Serviço Social.
Esta pesquisa tem por objetivo, compreender a forma de atendimento em relação
aos surdos nos órgãos de saúde em Governador Valadares.
Data da Entrevista: / / 2010
Nome: ...... (identificação por letra) /Sexo: .../ Idade... . . ...... anos
Nível de Escolaridade: ( ) Analfabeto ( ) Primário: ( ) incompleto ( )completo
Secundário:( ) incompleto ( ) completo
( ) Superior: ( ) Incompleto ( ) completo ( ) Profissionalizante
Profissão.........................................................................................................................
.....
Questionário para Gestores de Saúde
1A
Secretaria
Municipal
de
Saúde
funcionários?______________________________
possui
quantos
2- Quantos destes são surdos/as ?_____________________
3-A Secretaria Municipal de Saúde possui em seu quadro de funcionários,
profissionais Intérprete de Língua Brasileira de Sinais – Libras para atender pessoas
surdas, conforme determina a Lei Municipal n º 5.150, 20 de fevereiro de 2003?
( ) sim
( ) não
Caso seja NÃO sua resposta, como é feito esse atendimento e porque ainda a
Secretaria não possui esses profissionais interpretes de Libras?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
______
4 - A empresa/órgão fornece para os funcionários curso de Libras para atendimento
aos Surdos?
( ) sim
( ) não
5 - Quais os projetos desenvolvidas pela Secretaria Municipal no que tange a
campanha educativa sobre DST/HIV/AIDS, prevenção à gravidez indesejada e
prevenção à surdez?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
114
6 - Essas campanhas educativas são adaptadas em Libras para as pessoas surdas
compreenderem? ( ) sim
( ) não
Caso sua resposta seja NÂO, como o estabelecimento vê essa situação:
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
7 – Como está estabelecido o Serviço de Atendimento ao Surdo no Município?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
8 – O Município fornece aparelhos auditivos gratuitamente para os surdos?
( ) sim
( ) não
Caso sua reposta seja SIM, como isto é feito:
___________________________________________________________________
9 - O estabelecimento fornece gratuitamente implantes cocleares para os surdos?
( ) sim
( ) não
Caso sua reposta seja SIM, como isto é feito:
__________________________________________________________________
Caso sua resposta seja NÃO, por quê?
___________________________________________________________________
10 – O Município realiza testes preventivos como a Triagem Auditiva Neonatal e o
Teste da Orelhinha?
( ) sim
( ) não
E estes testes são ofertados onde e como?
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
___________________________________________________________________
115
116
APÊNDICE E- GRAFICO 1
É ou foi usúario de AASI
4%
28%
Não
Sim
Não respondeu
68%
Gráfico 1- É ou foi usuário de AASI
APÊNDICE F- GRÁFICO 2
Sexo dos surdos entrevistados
4%
40%
Feminino
Masculino
56%
Gráfico 2- Sexo dos surdos entrevistados
Não respondeu
117
APÊNDICE G - GRÁFICO 3
Os órgãos da saúde dispõem de recursos
especiais para atendê-los
40%
Não
Sim
60%
Gráfico 3- Os órgãos dispõem de recursos especiais para atende-los
APÊNDICE H – GRAFICO 4
De quais recursos esses orgãos dispõem
11%
5%
Intérprete
Os funcionarios
dominam LIBRAS
Outros
84%
Gráfico 4 – De quais recursos esses órgãos dispõem
118
APENDICE I - GRÁFICO 4
Estes órgãos estão preparados para receber os
surdos, conhecem sua língua
6%
Não
30%
Sim
64%
Não respondeu
Gráfico 4 – Estes órgãos estão preparados para receber os
surdos, conhecem sua língua
APÊNDICE J – GRAFICO 5
Qual a principal dificuldade encontrada ao
necessitarem de atendimento na saúde
Compreensão
23%
15%
Comunicação
Falta de interprete ou
profissonais qualificados
9%
53%
Não respondeu
Gráfico 5 – Qual a principal dificuldade encontrada ao
necessitarem de atendimento na saúde
119
APENDICE K – GRÁFICO 6
Quando necessita de atendimento na saúde,
como faz
2%
43%
Vai sozinho
Vai acompanhado
Não respondeu
55%
Gráfico 6 – Quando necessita de atendimento na saúde,como faz
APENDICE L – GRÁFICO 7
Os funcionários da saúde têm facilidade para
compreendê-los
7%
14%
Não tem paciência
Não, porque não sabem
Libras
Não respondeu
79%
Gráfico 7 – Os funcionários da saúde têm facilidade para compreendê-los
120
APÊNDICE M – GRAFICO 8
Nestes órgãos ao serem abordados, sofrem
algum tipo de discriminação
9%
Não
30%
Sim
61%
Não respondeu
Gráfico 8 – Nestes órgãos ao serem abordados, sofrem
algum tipo de preconceito
APENDICE N – GRÁFICO 9
Os profissionais de saúde ao atendê-lo, preferem
que estes falem em língua de sinais ou tenham
intérpretes
17%
Intérprete
Lingua de Sinais
53%
30%
Não respondeu
Gráfico 9 – Os profissionais de saúde ao atendê-lo, preferem que estes
falem em língua de sinais ou tenham interpretes
121
APÊNDICE O – GRÁFICO 10
As campanhas educativas tais como DSTs e
prevenção à gravidez indesejadas feitas sem
intérpretes são compreendidas pelo surdo
13%
Não
47%
Sim
Não respondeu
40%
Gráfico 10 – As campanhas educativas tais como DSTs e prevenção à
gravidez indesejada feitas sem interpretes são compreendidas pelo surdo
APÊNDICE P – GRAFICO 11
A secretaria de saúde está preparada para
atender os surdos
11%
13%
Sim
Não
Não respondeu
76%
Gráfico 11- A secretaria de saúde está preparada para atender os surdos
122
APÊNDICE Q – GRÁFICO 12
A forma de comunicação é adotada pelos Interprete
funcionários da saúde
Escrita
Fala
9%
2%
Mímica
19%
13%
Mímica, escrita e fala
2%
6%
Mímica, interprete e
escrita
Mímica e escrita
13%
25%
2%
Mímica e fala
Não há
9%
Não respondeu
Gráfico 12 – A forma de comunicação que é adotada pelos
funcionários da saúde
APÊNDICE R – GRÃFICO 13 – DOS PROFISSIONAIS DA SAÚDE OTOMED
Qual a forma de comunicação adotada de
atendimento ao surdo
40%
40%
Fala
Língua de sinais
Mímica e escrita
20%
Gráfico 13 – Qual a forma de comunicação adotada de atendimento ao surdo
123
APÊNDICE S – GRÁFICO 14
Em sua opinião, a empresa está preparada para
atender os surdos
40%
Não
Sim
60%
Gráfico 14 – Em sua opinião, a empresa está preparada para
atender os surdos
APÊNDICE T – GRÁFICO 15
Há propostas da direção em capacitar os
funcionários com LIBRAS
20%
Não
Não tem conhecimento
80%
Gráfico 15 – Há propostas da direção em capacitar
os funcionários com Libras
124
APÊNDICE U – GRÁFICO 16 DOS PROFISSIONAIS DE SAÚDE
HMGV
JÁ ATENDEU USÚARIO SURDO/A
Sim
46%
54%
Não
Gráfico 16 – Já atendeu usuário surdo/a
Gráfico 16 – Já atendeu usuário surdo/a
APÊNDICE V - GRÁFICO 17
Principal dificuldade encontrada ao atender o
surdo
4% 4% 4%
Falta de acompanhante
15%
Comunicação
Não dominar a Libras
Não há
Não respondeu
73%
Gráfico 17 – Principal dificuldade encontrada ao atender o surdo
125
APÊNDICE W – GRÁFICO 18
Forma de comunicação adotada de atendimento
ao surdo/a
11%
20%
Escrita
8%
Língua de sinais
Mímica
Não há
61%
Gráfico 18 – Forma de comunicação adotada de atendimento ao surdo/a
APÊNDICE X – GRÁFICO 19
A empresa fornece curso de Libras para os
funcionários
3%
4%
4%
Não
Sim
Não sabe
Não respondeu
89%
Gráfico 19 – A empresa fornece curso de Libras para os funcionários
126
APÊNDICE Y – GRÁFICO 20
Gostariam de ser capacitados para atender os
surdos
11%
1%
Sim
Não
Não respondeu
88%
Gráfico 20 – Gostariam de ser capacitados para atender os surdos
APÊNDICE Z – GRÁFICO 21
Para atender um surdo , julga necessário ele está
acompanhado
3%
15%
Sim
Não
Às vezes
82%
Gráfico 21 – Para atender um surdo, julga necessário ele
está acompanhado
127
APÊNDICE AA – GRÁFICO 22
Na sua opinião a empresa está preparada para
atender os surdos
3%
15%
Sim
Não
Não respondeu
82%
Gráfico 22 – Em sua opinião a empresa está preparada para
atender os surdos
APÊNDICE AB – GRÁFICO 23
Você se sente preparado para prestar qualquer
atendimento ao surdo
21%
Sim
Não
79%
Gráfico 23 – Gostariam de ser capacitados apara atender os surdos
128
APÊNDICE AC – GRAFICO 24
Ao serem contratados, foram questionados se sabiam Libras
1%
Sim
Não
99%
Gráfico 24 – Ao serem contratados, foram questionados se sabiam Libras
129
APENDICE AD – OFICIO
Oficio
À
Prezado (a) Senhor (a),
Solicitamos através desta, autorização, para desenvolver a pesquisa científica “O
ATENDIMENTO AO SURDO NA ÁREA DA SAÚDE EM GOVERNADOR
VALADARES,”, cujo objetivo é compreender a forma de atendimento em relação aos
surdos nos órgãos de saúde em Governador Valadares.
A pesquisa faz parte do trabalho de conclusão de curso, a ser apresentado para a
Faculdade de Ciências Humanas e Sociais da UNIVALE, como requisito parcial para
obtenção do grau de Bacharel em Serviço Social, sob a orientação da Professora
Ana Maria Eller Mariano.
Para a coleta dos dados da pesquisa, solicitamos acesso às unidades do Hospital
Municipal, e disponibilidade dos sistemas de informações e de documentos atinentes
ao objeto do estudo.
Garantimos que as informações obtidas serão analisadas em conjunto com outras
pessoas, não sendo divulgada a identificação de nenhum dos participantes.
A Sra. tem o direito de ser mantida atualizada sobre os resultados parciais das
pesquisas e, caso seja solicitado, daremos todas as informações de que necessitar.
Não existirão despesas ou compensações pessoais para o participante em qualquer
fase do estudo, incluindo exames e consultas. Também não há compensação
financeira relacionada com a participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela
será absorvida pelo orçamento da pesquisa.
Nós nos comprometemos a utilizar os dados coletados somente para pesquisa, sem
nunca tornar possível a sua identificação.
Em anexo, está o Termo de Consentimento Livre e Esclarecido, para ser assinado,
caso não tenha ficado qualquer dúvida.
Certa de contar com sua habitual colaboração para o desenvolvimento de pesquisas
científicas no âmbito da saúde e, mais especificamente, com aquelas relacionadas
ao surdo, agradecemos antecipadamente.
Ilma. Sr (a).
___________________________
130
ANEXO
131
ANEXO A – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
I – Identificação do responsável pela execução da pesquisa:
- CURSO DE SERVIÇO SOCIAL – FACULDADE DE CIÊNCIAS HUMANAS E
SOCIAL/UNIVALE
II - Identificação do Informante:
- ___________________________________________________________
III - Informações ao Participante:
3.1 Você está sendo convidado (a) a participar de um trabalho de investigação
científica que tem como objetivo geral subsidiar na construção do trabalho de
conclusão de curso do Serviço Social, que tem como tema “O atendimento ao surdo
da área da saúde em Governador Valadares”, gostaríamos de esclarecer o seguinte:
a- A sua participação é voluntária. Se concordar em participar, deixamos claro que
em nenhum momento será citado (a) nominalmente, sendo resguardado o sigilo
das informações oferecidas, de acordo com os princípios éticos que regulam
um trabalho desta natureza.
b- O acesso aos dados coletados é restrito aos alunos pesquisadores, portando
você está livre de qualquer penalização, risco ou prejuízo.
c- A sua participação não lhe confere nenhum privilégio, e você pode decidir-se
por se retirar da condição de informante em qualquer momento.
d- Depois de coletados, analisados e interpretados, os dados darão origem a um
Trabalho de Conclusão de Curso, requisito final para a formação do assistente
social, que tem caráter de documento público, guardado o sigilo da citação
individual dos informantes. Neste caso as informações produzidas são de
inteira responsabilidade dos pesquisadores.
IV- Termo de Compromisso:
Confirmo ter conhecimento do conteúdo deste termo. A assinatura abaixo indica que
concordo em participar da pesquisa, e por isso dou meu consentimento.
Governador Valadares, ______ de ___________________ de 2010.
IV- Assinaturas:
- Participante: ___________________________________________________
- Coordenador da Pesquisa: Discentes do 8º Período do Curso Serviço Social –
Dayse Cardoso.
Eunice Chaves.
Marinez Prates.
Sânzya Thelles.
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