Fabio Camargos de Farias

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Pró-Reitoria de Graduação
Curso de Serviço Social
Trabalho de Conclusão de Curso
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE PESSOAS COM TRANSTORNO
MENTAL, DE FORMA ASILAR NO ISM: A SITUAÇÃO DOS
EGRESSOS DA DESATIVADA CLINICA PLANALTO.
Autor: Fabio Camargos de Farias
Orientadora: MSc. Profª. Maria Valéria Duarte de Souza
Brasília - DF
2013
FABIO CAMARGOS DE FARIAS
A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL, DE
FORMA ASILARNO ISM: A SITUAÇÃO DOS EGRESSOS DA DESATIVADA
CLINICA PLANALTO
Artigo apresentado ao curso de Graduação
em Serviço Social da Universidade Católica
de Brasília, como requisito parcial para a
obtenção do Título de Bacharel em Serviço
Social.
Orientadora: Profa. MSc. Maria Valéria
Duarte de Souza.
Brasília
2013
Artigo de autoria de Fabio Camargos de Farias: “A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE
PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL, DE FORMA ASILAR NO ISM: A
SITUAÇÃO DOS EGRESSOS DA DESATIVADA CLINICA PLANALTO”, apresentado
como requisito parcial para obtenção do grau de Bacharel, em Serviço Social, da
Universidade Católica de Brasília - UCB, em 19 de novembro de 2013, defendido e aprovado
pela banca examinadora abaixo assinada:
_____________________________________________
Profa. MSc. Maria Valéria Duarte de Souza
Orientadora
Curso de Serviço Social – UCB
____________________________________________
Prof. MSc. Erci Ribeiro
Curso de Serviço Social - UCB
____________________________________________
Prof. MSc. Luiz Alberto Delgado
Curso de Serviço Social - UCB
Brasília
2013
Dedico este ao professor e aliado, Carlos
Alberto,
que
acreditou
em
minhas
possibilidades e plantou a “formiguinha”
crítica que apenas começa a crescer na
caminhada de enfrentamento das mazelas
criadas pelo capitalismo.
AGRADECIMENTO
Primeiramente, à minha esposa a quem me incentivou e possibilitou o acesso a
Universidade. É com humildade que reconheço que sem ela não poderia ser possível esta
conquista.
À minha orientadora, Maria Valéria, por todo apoio e paciência.
À minha companheira de estágio, Lucivania, que em especial esteve ao meu lado
durante o estágio no ISM.
Às minhas amigas do curso de Serviço Social que caminharam junto nessa jornada.
A todos àqueles que direta ou indiretamente me apoiaram.
A todos, muito obrigado!
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A INSTITUCIONALIZAÇÃO DE PESSOAS COM TRANSTORNO MENTAL, DE
FORMA ASILARNO ISM: A SITUAÇÃO DOS EGRESSOS DA DESATIVADA
CLINICA PLANALTO
FABIO CAMARGOS DE FARIAS
Resumo:
Este artigo apresenta uma abordagem reflexiva sobre a situação de pessoas
institucionalizadas, vivendo de forma asilar no Instituto de Saúde Mental (ISM), que vieram
da antiga Clínica Planalto após sua desativação. A necessidade de abordar tal tema surgiu
durante o estágio supervisionado, desenvolvido no ISM, este momento subsidiou os dados da
pesquisa. O trabalho inicia-se em uma abordagem histórica sobre as diversas facetas da
loucura, a luz de Foucault, e os avanços na concepção de isolamento e tratamento das pessoas
com transtorno mental. Trata se de um estudo do desenvolvimento da luta antimanicomial no
DF, e a construção dos serviços substitutivos. O principal objetivo é mostrar que, apesar de
uma considerável evolução dos serviços substitutivos ao modelo manicomial, ainda se pode
ver pessoas institucionalizadas no DF, sobretudo no ISM. Este se trata de uma abordagem
qualitativa, de natureza exploratória e preliminar, tendo como referências teóricas os trabalhos
de Foucault (1972), Pessotti (1996), Amarante (1998) e Bravo (2007). Como base para
análise, além do levantamento bibliográfico, foram utilizados os dados e informações obtidos
durante a experiência de estágio curricular no curso de Serviço Social da Universidade
Católica de Brasília. O estudo revelou que a permanência de pacientes em situação asilar,
mesmo levando-se em consideração a situação dos pacientes egressos da extinta Clínica
Planalto, representa um entrave para a plena efetivação dos Princípios da Reforma
Psiquiátrica.
Palavras-chave: Saúde Mental. Reforma Psiquiátrica. Luta-Antimanicomial. Política de Saúde
Mental. Clínica Planalto. Instituto de Saúde Mental.
1 INTRODUÇÃO
Este estudo tem por objetivo analisar as causas e as condições de permanência de
pessoas com transtornos mentais em uma das mais importantes instituições de saúde mental
do Distrito Federal. Trata-se do Instituto de Saúde Mental – ISM, que, embora seja conhecido
e reconhecido como uma das instituições que historicamente mais contribuíram para a
superação do antigo modelo manicomial, ainda possui no seu quadro de pacientes, pessoas em
situação de internação. Esta contradição foi objeto de interesse a partir da experiência de
estágio durante o curso de graduação em Serviço Social, realizado no ISM entre o segundo
semestre de 2012 e o primeiro semestre de 2013, quando foi constatado que pacientes que lá
permanecem são oriundos da extinta “Clínica Planalto”, instituição privada que foi extinta no
ano de 2003, devido às péssimas condições de funcionamento e às formas desumanas de
tratamento das pessoas atendidas. Sem ter para onde ir, com vínculos familiares rompidos,
essas pessoas foram transferidas para o ISM e permanecem até a presente data.
Assim, esta análise pretende, ainda que de forma preliminar, resgatar um pouco da
trajetória que levou ao atual quadro que representa um desafio para os profissionais que atuam
no ISM frente aos seus compromissos com a plena implementação da Reforma Psiquiátrica.
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Trata-se de uma pesquisa exploratória que diante da temática acima apresentada, procura
analisar o processo de desinstitucionalização da pessoa com transtorno mental, tendo como
referência inicial a luta-antimanicomiale a Reforma Psiquiátrica.
Dois autores e suas obras foram utilizados como referências teóricas prioritárias: em
primeiro lugar Foucault (1972) com sua obra emblemática denominada “A história da
loucura”, que possibilitou a compreensão de como nasce o fenômeno do isolamento da
loucura, facilitando o comparativo com as formas atuais desse fenômeno. Também Pessotti
(1996) com sua obra “O século dos Manicômios”, foi de fundamental importância, uma vez
que, esclarece com preciosos detalhes, a realidade dos considerados “loucos” no interior dos
manicômios. Os trabalhos de Amarante (1998) e Bravo (2007) foram imprescindíveis para
compreender o contexto social e político, no qual se deu o surgimento da Luta antimanicomial
e do Movimento pela Reforma Psiquiátrica.
Em termos metodológicos, o estudo foi desenvolvido por meio da realização de
pesquisa bibliográfica, seguida de uma observação documental, a partir dos relatórios de
atendimento do Serviço Social do ISM e dos registros do estágio, que constam no diário de
campo e nos relatórios de Estágio Supervisionado I e II.
Para essa abordagem foi realizada uma análise da evolução dos serviços substitutivos
ao antigo modelo manicomial, pautado pela institucionalização da pessoa com transtorno
mental, e, principalmente se esses serviços conseguiram acompanhar o processo de
desistitucionalização, considerando que, até a presente data, no âmbito do Distrito Federal,
um dos principais equipamentos previstos pela Reforma Psiquiátrica, as Residências
Terapêuticas, não foram implantadas.
O artigo realiza um resgate da trajetória histórica das duas instituições; o ISM, cujo
espaço físico abrigou uma das residências oficiais durante os governos militares e que, após o
regime ditatorial foi transformado em um espaço, onde profissionais e usuários da Política de
Saúde Mental jogaram importante protagonismo na democratização das concepções e das
práticas voltadas para a pessoa com transtorno mental; e a Clínica Planalto, que passou para a
história como um verdadeiro campo de horrores, tendo sido o último manicômio a ser
desativado no Distrito Federal.
Espera-se, com este estudo, contribuir para uma reflexão sobre as dificuldades e
contradições que fazem com que, não obstante a todos os avanços obtidos com a Reforma
Psiquiátrica, ainda persistam casos de institucionalização de pessoas com transtorno mental, e
sem dúvida, representa um grande desafio para todos os que defendem a efetivação de
relações democráticas no campo da Saúde Mental.
2 METODOLOGIA
Dessa forma, foi realizada a pesquisa bibliográfica acerca do tema, tendo como os
principais autores de referência Foucault (1997) e Pessotti (1996) além dos trabalhos de
Amarante (1998) e Bravo (2007). E na sequência, também, uma pesquisa documental a partir
dos relatórios do Serviço Social do ISM, dos registros do estágio, que constam no diário de
campo e nos relatórios de Estágio Supervisionado I e II.
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3 AS DIVERSAS ABORDAGENS SOBRE A “LOUCURA”
Contrapondo-se à pretensa racionalidade constituída do ser humano, a “loucura”
desponta como ameaça, e, por resistir às normas e padrões em vigor é vinculada à
delinquência e à marginalidade, atrelando o “doente mental” a agressividade, o que fortaleceu,
desde o fim do século XVII, as ações de isolamento da pessoa com transtorno mental em
instituições manicomiais, onde eram submetidas a tratamentos agressivos e, por vezes
desumanos. Além de medicamentos, eram utilizados outros instrumentos tais como camisa de
força e eletro choques. Mas, nada poderia ser tão agressivo quanto o isolamento do “louco” da
sociedade e vice-versa, pois a sociedade e familiares também eram privados do convívio com
seus “doentes”.
Foucault em sua obra “A História da Loucura” analisa historicamente o surgimento da
exclusão vinculada à loucura, no contexto do mesmo processo em que a razão é exaltada
como novo ideal e o louco como uma ameaça à razão.
Situa-se no advento da Idade Moderna (final do século XV), o momento em que se
supera a penitência dos leprosos e o seu isolamento que se revelou a maior faceta da exclusão
até o fim da Idade Média. A exaltação da racionalidade e o conceito da loucura que passaria a
ser criminosa, perigosa e talvez “contagiosa”, legitima o isolamento do louco que se torna
uma forma de resolver a ameaça que apresentava a loucura ao “endeusamento” da razão.
Assim se encontra uma finalidade aos leprosários, até então sem utilidades. Nesses espaços,
os leprosos serão substituídos pelos “loucos”.
Foucault (1997) traz na afirmação de que o superado isolamento dos leprosos, em
instituições de isolamento de caráter punitivo, deixa uma herança no modo de resolver os
problemas que se opunham às normas da sociedade, no caso, a “loucura”.
A loucura tratada como ameaça à sociedade estimula alguns métodos de punição e o
uso de medidas pouco científicas, fato relatado por Foucault (1997, p. 27):
Num primeiro momento, a loucura seria tratada, sobretudo na Idade Moderna, com
exclusão: os loucos seriam colocados em navios, Stultifera Navis (A nau dos
loucos), e lançados ao mar. Porém, após o século XVIII, quando a loucura deixa de
ser apenas um erro ou ilusão para tornar-se uma ameaça, surge o internamento, uma
ilha dentro da própria civilização cuja maior preocupação não seria talvez com a
perturbação da mente do louco, mas sim, com a perturbação que este poderia causar
com o seu modo de agir.
No século XIX a Psiquiatria toma as rédeas da loucura e, com as promessas de cura,
justificaria as formas de asilamento, com os objetivos, entre outros, de “assegurar sua
segurança pessoal e de sua família; libertá-los das influências pessoais; submetê-los à força a
um regime médico; impor-lhes novos hábitos intelectuais e morais”. Ações desenvolvidas,
sobretudo quando se decreta a “incapacidade” do louco para trabalho e, claro, direcionado aos
mais pobres, como pondera Foucault (1972, p. 78).
A internação é uma criação institucional própria ao século XVII. Ela assumiu, desde
o início, uma amplitude que não lhe permite uma comparação com a prisão tal como
esta era praticada na Idade Média. Como medida econômica e precaução social, ela
tem valor de invenção. Mas na história do desatino, ela designa um evento decisivo:
o momento em que a loucura é percebida no horizonte social da pobreza, da
incapacidade para o trabalho, da impossibilidade de integrar-se no grupo; o
momento em que começa a inserir-se no texto dos problemas da cidade. As novas
significações atribuídas à pobreza, a importância dada à obrigação do trabalho e
todos os valores éticos a ele ligados determinam a experiência que se faz da loucura
e modificam-lhe o sentido.
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Torna-se, desta maneira, o louco como uma ferida, um mal-estar profundo perante a
sociedade moderna, racionalista e, sobretudo, burguesa. Eliminar estes elementos não
sociáveis era a constituição do sonho burguês “O internamento seria assim a eliminação
espontânea dos ‘a-sociais’” (FOUCAULT, 1972, p. 79).
As internações eram defendidas por correntes de pensamentos, que mesmo que
divergissem em algumas particularidades, ambos defendiam a internação em instituições
manicomiais.
Segundo Pessotti (1996) em sua obra “O Século dos Manicômios”, essas formas,
violentas de “tratamentos” e pensamentos, seja etiológica (visando à busca das causas que
deram origem ao transtorno) ou semiológica (buscando os sinais e sintomas dos transtornos
mentais), se dividem em duas correntes: “moralistas” x “organicistas” que será apresentada,
em um mergulho raso, sem abster do foco que são as bases dos movimentos que trouxe a
Reforma Psiquiátrica (Bandeira da Luta Antimanicomial), também, respeitando a
complexidade do estudo de Pessotti, já citado, sobre os conflitos da medicina no fim do
século XVII, e do conceito e das formas de tratamento da loucura. O objetivo é compreender
como se dava as formas de tratamentos e isolamentos dos “loucos”, e perceber os movimentos
e pensamentos que se opuseram as formas desumanas de tratamentos manicomiais.
Primeiro os organicistas. Estes aplicavam tratamentos físicos violentos, além de
numerosos psicofármacos ou psicotrópicos com os quais buscavam atingir o sistema nervoso.
Esperavam alterar o estado do cérebro, atuando diretamente sobre ele, para modificar as ideias
delirantes e o comportamento desviante (PESSOTI, 1996, p. 293). As emoções e percepções
do paciente, para os organicistas, eram consideradas apenas “lesão no cérebro”.
A corrente “moralista” etiológica passional, defendia o tratamento moral, e teve
grande contribuição de Pinel1 e seus seguidores. Tinha uma visão revolucionária para o
pensamento de seu tempo, pois defendia a origem passional ou moral da “alienação”, e que a
essência dela estava nos desarranjos das funções mentais, conceito que iam contra qualquer
ideia vigente no século XVIII (PESSOTTI, 1996).
Pinel se atribui a autonomia da medicina do espírito, técnicas revolucionárias e a
retirada dos grilhões e amarras dos loucos, mas apesar disso, essa liberdade se daria dentro
dos muros dos hospícios. Ele acreditava ser possível à cura do louco através da educação, pois
em sua ótica, a loucura era vista como “produto da imoralidade ou dos hábitos inadequados,
sobretudo, das classes desfavorecidas” (PESSOTTI, 1996, p. 106).
Diante dessas causas "morais" da loucura, Pinel acredita ser possível revertê-la
através da educação. Por isto, emprega processos disciplinares em seus pacientes. O
tratamento, enquanto reeducativo, operando ao nível de convencimento do paciente,
é dotado de conteúdo moralizante, pois busca a modificação de comportamentos,
tidos como inadequados. Outro toque de moralidade dá-se pela reprovação a certos
comportamentos sexuais, denominados vícios. "É assim que o médico se torna
ordenador não só da vida (psíquica) do paciente, mas também o agente da ordem
social, da moral dominante". (PESSOTI, 1996, p. 128).
Os métodos de Pinel, ao fim do século XVIII, estariam deteriorados e suas
revolucionárias técnicas, novamente, darão lugar às tendências organicistas de tratamentos
violentos, com uso excessivo de psicotrópicos. Não se tem mais a ambição da cura dos
loucos. Os hospícios agora têm a sua função inicial de segregação, de servir para
1
Philipe Pinel, médico francês (1745-1826), em 1801 publicou o "tratado médico-filosófico sobre a alienação
ou a mania", no qual descreveu uma nova especialidade médica que viria a se chamar Psiquiatria (1847).
PINEL, Philippe. Tratado médico-filosófico sobre a alienação mental ou a mania (1800). Tradução de Joice
Armani Galli. Revisão técnica de Margareth Christoff e Ana Maria G. R. Oda. Porto Alegre (PESSOTTI, 1996).
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aprisionamento do louco a dar tranquilidade para sua família e sociedade. Uma proteção ao
paciente das agressões do meio social e a proteção à sociedade contra a conduta desviante do
louco (PESSOTTI, 1996).
4 A PERSPECTIVA ANTIMANICOMIAL
Os custos para manutenção e a superpopulação dos manicômios, a partir do século
XIX, se tornam um problema que se complica em toda Europa. Esse momento estimula um
primeiro movimento antimanicomial, na França, não por criticar a legitimidade ou utilidade
dos manicômios, mas sim, reduzir os custos das assistências públicas manicomiais, em um
momento de grande expansão econômica, onde o importante para a industrialização que
naquele momento se ampliava era a disponibilidade de mão-de-obra, e não a preocupação
com “indivíduos ociosos”. Outra questão que surgiria e que se torna considerável para o
reflexo da luta antimanicomial é o fato dos “alienados”, naquela ocasião, passarem a ser
problema não mais do poder jurídico, mas encargo da medicina. Essa mudança traz
consequências sociais, pelo despreparo de uma disciplina nova (Psiquiatria), efeitos que se
manifestarão ainda após o fim da Segunda Guerra Mundial (1945), nos países mais atingidos
pelo conflito. Manicômios superlotados, pacientes vivendo de forma desumana em
instituições comparadas aos campos de concentração nazista. Essa situação exige um
movimento que traz um novo olhar à psiquiatria. O olhar focalizado no tratamento da doença
mental é superado. Uma reforma “humanizadora” começa a ser buscada, com foco na
promoção da saúde mental.
A Luta-antimanicomial toma força com o foco na promoção da saúde mental e os
modelos de instituições manicomiais tendem a serem superados. Dois momentos marcam esse
período que pode ser considerado o início do movimento da Reforma Psiquiátrica. O primeiro
na Inglaterra e no EUA com as comunidades terapêuticas e na França com a Psicoterapia
Institucional, que tinham um olhar crítico à estrutura asilar e promoviam o resgate da
capacidade terapêutica das instituições.
O segundo período traz à Psiquiatria de setor na França, com proposta de
reorganização funcional do espaço asilar, e a Psiquiatria Preventiva ou Comunitária nos EUA
com foco na prevenção e na promoção da saúde mental. Essas duas propostas tomaram o
público infanto-juvenil como principal foco.
Em outros países, ações como: a Antipsiquiatria na Inglaterra e a Psiquiatria
Democrática Italiana, que negavam radicalmente o modelo manicomial sem admitir qualquer
reforma desse modelo, mostra o novo momento da psiquiatria, momento que traria valiosas
mudanças, mas também traria certa crise na disciplina, até a não legitimação da psiquiatria
como saber.
A trajetória italiana propiciou a instauração de uma ruptura radical com o
saber e a prática psiquiátrica, na medida em que atingiu seus paradigmas [...]
tal ruptura teria sido operada tanto em relação à psiquiatria tradicional (o
dispositivo de alienação), quanto em relação à nova psiquiatria (o dispositivo
da saúde mental) (OLIVEIRA et al., 2009 apud AMARANTE, 1998, p. 49).
11
5 REFORMA PSIQUIÁTRICA E DEMOCRACIA: CONTEXTO SOCIOPOLÍTICO
DA REFORMA PSIQUIÁTRICA NO BRASIL
O Golpe de Estado perpetrado no Brasil em 1964 representou uma estratégia para
garantir o poder hegemônico, estabilidade social e política, através da força, da
antidemocracia e da dependência. O processo de banimento da democracia, instaurado pelo
Regime Militar, restringiu o exercício da cidadania e da participação na vida política,
predominando o entendimento de que a sociedade civil era incompetente administrativamente
e perigosa politicamente. Exigindo a desarticulação dos partidos políticos, o esvaziamento dos
sindicatos, a eliminação dos direitos trabalhistas, achatamento salarial, o Estado autoritário
nesse período, de 1964 a 1974, utilizou o binômio repressão-assistência, para sua intervenção,
ampliando, burocratizando e modernizando práticas assistenciais, além de aumentar o poder
de regulação sobre a sociedade, objetivando mascarar as tensões sociais e conseguir
legitimidade para o regime (BRAVO, 2007).
Em 1973 instaura-se uma crise interna no governo militar, blocos da base do governo
divergem sobre as estratégias de sobrevivência, do autoritarismo burocrático e a tentativa de
tornar constitucional o aparelho montado durante os primeiros anos da Ditadura Militar. Essas
divergências permitiram o reaparecimento, no cenário político, de forças sociais que lutavam
para recuperar espaço democrático.
É na segunda metade da década de 1970, quando a ditadura militar instaurada em
1964, começa a dar sinais de enfraquecimento que a sociedade brasileira, saindo dos
“subterrâneos” nos quais se encontrava devido à dura repressão a que fora submetida nos
primeiros anos do Regime, começa a protagonizar vários movimentos que, mesmo com suas
bandeiras específicas tinham como ponto comum a democratização do País. Momento em que
ainda vigorava, mesmo que com menor intensidade, o aparato repressivo do Regime Militar
vigente, mas foi também, a década que acendeu batalhas que trariam conquistas da sociedade
civil e dos movimentos populares, na década seguinte. Foi nesse contexto de intensa
rearticulação política dos setores mais progressistas da sociedade que surge a LutaAntimanicomial.
A LUTA ANTIMANICOMIAL NO BRASIL
É na década de 60 que a “indústria da loucura” se consolida no Brasil, ou seja, quando
hospitais particulares passam a receber dinheiro do Governo para tratar pacientes, com
transtorno mental e sem condições de pagar pelo tratamento particular. Essa transferência da
responsabilidade assistencial ao setor privado incentivou o crescimento acelerado e
descontrolado dos manicômios privados no Brasil. Já na década de 70, as primeiras denúncias
surgem e aparecem algumas ideias de reforma do modelo de isolamento. Tais ideias não
avançam, tendo em vista o contexto social e político marcado pelo autoritarismo instaurado
pelo golpe de Estado perpetrado em 1964. No final da mesma década, já no contexto da
redemocratização, o Movimento de Reforma Psiquiátrica Brasileira começou a se
desenvolver, fortalecido por revelações de profissionais e estagiários, da situação dos internos
dentro dos hospitais. Porém, nesse momento inicial ainda não se criticavam os asilamentos e
sim os “excessos” ou “desvios” cometidos no interior dos manicômios; o modelo ainda não
estava sendo colocado em xeque.
Porém, quando as reivindicações e as denúncias realizadas pelo Movimento se
intensificaram, revelaram a desassistência e violência das instituições, em sua maioria no
setor privado, financiadas pelo então Ministério da Previdência e Assistência Social. Assim,
12
as péssimas condições de trabalho, e as condições desumanas de atendimento nas instituições,
incentivaram os profissionais a se organizarem, em um Movimento dos Trabalhadores em
Saúde Mental (AMARANTE, 1998).
Em 1982, ações efetivas, em âmbito nacional, contra as condições precárias na
assistência à saúde mental, começam a ser adotadas a partir de um plano de ação, o Plano de
Reorientação da Assistência Psiquiátrica, elaborado pelo Conselho Consultivo da
Administração de Saúde Previdenciária (CONASP). Este plano trazia a necessidade de reinterpretação do fenômeno do adoecimento mental, revelando suas dimensões sócio-culturais
que se expressavam particularmente no fenômeno da segregação. Também, apontava para a
necessidade de uma reforma institucional que preconizasse integração de ações nos diversos
níveis administrativos (Federal, Estadual e Municipal).
É importante ressaltar que o Plano de Reorientação da Assistência Psiquiátrica é
reflexo de forte pressão social, por parte dos movimentos que exigiam reforma no âmbito da
saúde mental, encabeçado pelo Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental e pelo
Movimento Sanitário, movimentos estes compostos por médicos, psiquiatras, psicólogos e
assistentes sociais que trabalhavam nas estruturas assistenciais públicas. Havia também leigos
e interessados como o Movimento Popular em Saúde, os militantes de Partidos de esquerda,
lideranças ligadas à Igreja Católica, o Movimento Estudantil que de igual modo pressionavam
por reformas, inclusive a reforma dos currículos universitários na área de saúde.
O regime ditatorial é encerrado no Brasil em 1985. No contexto de intensa
mobilização social e política que avança pelos anos seguintes ao fim do autoritarismo, um
acontecimento marca a virada de concepção e ação do Movimento de Reforma Psiquiátrica
Brasileira: a realização da I Conferência Nacional de Saúde Mental, realizada no Rio de
Janeiro em 1987.
[...] em 1987, no Rio de Janeiro, foi realizada a I Conferência Nacional de Saúde
Mental e durante esta Conferência os participantes decidiram realizar o II Congresso
Nacional de Trabalhadores de Saúde Mental. Foi durante a I Conferência que se
discutiu o processo de desistitucionalização a partir da idéia de que para haver
reforma era necessário “desconstruir no cotidiano das instituições e da sociedade as
formas arraigadas de lidar com a loucura” Posteriormente é criado o lema “Por uma
Sociedade sem Manicômios”. (OLIVEIRA, 2005).
Entre os Princípios Básicos, referendados na 1ª CNSM, destaca-se o de número 2:
O poder público poderá intervir, desapropriar ou expropriar os serviços de natureza
privada, necessários ao alcance dos objetivos do Sistema Único de Saúde. Enquanto
não se atingir a meta de estatização, os prestadores e produtores de bens e serviços
passarão a ter controlados seus procedimentos operacionais e direcionadas suas
ações no campo da saúde, seguindo a política estabelecida pelo Sistema de Saúde e
regidos por contrato de direito público, garantindo-se o controle dos usuários neste
setor através de seus segmentos organizados. (OLIVEIRA, 2005).
A partir desse momento, a desistitucionalização passa a ser a divisa de pensamento
sobre a necessidade de extinção dos manicômios, e a escolha do termo “manicômio” que faz
alusão aos manicômios judiciários, é escolhido por não fazer diferença, para os funcionários
dos hospitais psiquiátricos, entre as duas instituições.
Assim, a Luta Antimanicomial ganha corpo e, em 1989, é apresentado o projeto de Lei
3.657/89 que ficou conhecido como Lei da Reforma Psiquiátrica, um primeiro avanço no
campo da legislação. Essa lei, entre outros avanços, proíbe a construção e contratação de
leitos psiquiátricos pelo Estado e prevê a criação de serviços não-manicomiais de atendimento
o que feria diretamente os interesses privados, o que explica os 10 anos de tramitação.
Somente em 6 de abril de 2001 a Lei 10.216 foi aprovada.
13
A Lei 10.216/2001 é pioneira em sua matéria, e, entre outros importantes aspectos
relativos à efetivação da Reforma Psiquiátrica no Brasil, trata da extinção progressiva dos
manicômios e a substituição por outros recursos assistenciais, regulamentando a internação
compulsória e dando outras providências na área dos recursos públicos, ou seja,
desospitalização e desmanicomialização (DELGADO, 2002).
Destacam-se os artigos, 4º e 5º da Lei Paulo Delgado, que nortearam as ações do
Estado na interdição da Clínica Planalto, o Art. 4º, inciso III fala sobre a internação:
É vedada a internação de pacientes portadores de transtornos mentais em instituições
com características asilares, ou seja, aquelas desprovidas dos recursos mencionados
no § 2º e que não assegurem aos pacientes os direitos enumerados no parágrafo
único do art. 2º.
O Art. 5º, que traz como dever das autoridades sanitárias e do Poder Executivo, a
fiscalização as instituições manicomiais:
O paciente há longo tempo hospitalizado ou para o qual se caracterize situação de
grave dependência institucional, decorrente de seu quadro clínico ou de ausência de
suporte social, será objeto de política específica de alta planejada e reabilitação
psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade sanitária competente e
supervisão de instância a ser definida pelo Poder Executivo, assegurada a
continuidade do tratamento, quando necessário.
5.2 A ATUAL POLÍTICA DE SAÚDE MENTAL NO BRASIL
A atual Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde prevê a extinção progressiva
de leitos psiquiátricos e ao mesmo tempo a criação de serviços substitutivos, tais como
Centros de Atenção Psicossociais (CAPS), Residências Terapêuticas e Unidades Psiquiátricas
em Hospitais Gerais, que estejam de acordo com o modelo extra-hospitalar. Apesar da
redução de leitos dos Hospitais Psiquiátricos, os pacientes não ficarão desassistidos, pois as
internações, quando necessárias, deverão ser feitas nos CAPS ou nos leitos dos hospitais
gerais. Além disso, visa à implementação do “Programa de Volta para Casa - PVC”, que tem
como objetivo reintegrar socialmente pacientes egressos de longa internação psiquiátrica e o
pagamento de um auxílio-reabilitação social, previsto na Lei 10.708 de 31 de julho de 2003,
que institui o pagamento deste tipo de auxílio para usuários de saúde mental egressos de
internações (BRASIL, 2003).
A evolução do PVC, em quantidade de beneficiário, de 2003 a 2011 teve uma
considerável evolução como mostra o gráfico abaixo.
14
Gráfico 1 - Beneficiários do Programa De Volta para Casa
Fonte: Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS/Datasus (2011, 2013)
Em fevereiro de 2012 o PVC atingiu mais de 4 mil beneficiários em folha de
pagamento. Quanto aos CAPS constituem um dos principais serviços substitutivos propostos
pelo Ministério da Saúde. Foram criados, inicialmente, com a denominação de Núcleos de
Atenção Psicossocial e regularizados pela Portaria GM/MS-Nº 224/92. Este serviço serve
como local de referência e tratamento no momento da crise ou em outras situações que
envolvam questões de saúde mental, tanto para usuários como para seus familiares. Seu
objetivo é:
[...] oferecer atendimento à população de sua área de abrangência, realizando o
acompanhamento clínico e a reinserção social dos usuários pelo acesso ao trabalho,
lazer, exercício dos diretos civis e fortalecimento dos laços familiares e
comunitários. É um serviço de saúde mental criado para ser substitutivo à
internações em hospitais psiquiátricos (BRASIL, 2004a, p. 13).
Os CAPS possuem três modalidades: CAPS I, CAPS II e CAPS III, além dos CAPSi
(Centros de Atenção Psicossociais Infantil) e CAPSad (Centros de Atenção Psicossociais
Álcool e drogas), que são modalidades específicas, divididos de acordo com a população e
pelo grau de complexidade e diversidade das atividades terapêuticas de cada um. Assim,
conforme ilustra o quadro abaixo:
Quadro 1 - Modalidade de CAPS definida para cada população
População
CAPS I
CAPS II
CAPS III
CAPSad
CAPSi
20.000
70.000
Acima de
Acima de
Acima de
200.000
100.000
200.000
habitantes
habitantes
habitantes
a
70.000
habitantes
Fonte: Brasil (2004)
a
200.000
habitantes
15
Os CAPS I e II oferecem atendimento diurno para adultos e já o CAPS III, também
para adultos, funcionam 24 horas, ou seja, oferecem tratamento diurno e noturno. Os CAPSi
são responsáveis pelo tratamento diário de crianças e adolescentes com transtornos mentais e,
por fim, o CAPSad, que realizam atendimentos diários à população que possui algum tipo de
transtorno decorrente do uso ou dependência de álcool e/ou drogas. Os CAPSad possuem
como característica específica, a disponibilização de leitos para tratamento de desintoxicação
(BRASIL, 2004a).
Cada um desses CAPS possuem uma equipe específica como demonstra o quadro
abaixo:
Quadro 2 - Equipe mínima necessária em cada tipo de CAPS
Equipe mínima para cada tipo de CAPS
CAPS
Equipe mínima
CAPS I
1 médico psiquiátrica; 1 enfermeiro; 3 profissionais de nível superior: psicólogos, assistente
social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário para o projeto
terapêutico; 4 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
administrativo, técnico educacional e artesão.
CAPS II
1 médico psiquiátrica; 1 enfermeiro com formação em saúde mental; 4 profissionais de nível
superior: psicólogos, assistente social, terapeuta ocupacional, pedagogo, profissional necessário
para o projeto terapêutico; 6 profissionais de professor de educação física ou outro nível médio:
técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e artesão.
CAPS III
2 médicos psiquiátricas; 1 enfermeiro; 5 profissionais de nível superior: psicólogos, assistente
social, terapeuta ocupacional, pedagogo ou outro profissional necessário para o projeto
terapêutico; 8 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
administrativo, técnico educacional e artesão.
CAPSi
1 médico psiquiátrica, ou neurologista ou pediatra com formação em saúde mental; 1
enfermeiro; 4 profissionais de nível superior: psicólogos, assistente social, terapeuta
ocupacional, fonoaudiólogo, pedagogo ou outro profissional necessário para o projeto
terapêutico; 5 profissionais de nível médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico
administrativo, técnico educacional e artesão.
CAPSad
1 médico psiquiátrica; 1 enfermeiro com formação em saúde mental; 1 médico clínico,
responsável pela triagem, avaliação e acompanhamento das intercorrências clínicas; 4
profissionais de nível superior: psicólogos, assistente social, enfermeiro, terapeuta ocupacional,
pedagogo ou outro profissional necessário para o projeto terapêutico; 6 profissionais de nível
médio: técnico e/ou auxiliar de enfermagem, técnico administrativo, técnico educacional e
artesão.
Fonte: Brasil (2004a, p. 26)
Houve um aumento de unidades de CAPS, de 2003 a 2011, em todo Brasil. Ao final
do ano de 2011 o país chegou a uma cobertura de 0,72 CAPS/100.000 habitantes. Atualmente
11 Estados apresentam uma cobertura acima da média nacional, como assinala a tabela
abaixo:
16
Tabela 1 - Centros de Atenção Psicossocial por tipo e UF e Indicador CAPS/100.000 habitantes por UF
(Brasil, 2011)
Já os Serviços de Residências Terapêuticas – SRTs, são moradias localizadas na
própria comunidade “constituídas para responder às necessidades de moradia de pessoas
portadoras de transtornos mentais graves, institucionalizadas ou não” (BRASIL, 2012). Este
serviço surgiu para atender uma grande demanda de pacientes egressos de longa internação,
que ao receberem alta após o fechamento de hospitais psiquiátricos, não contavam com o
apoio familiar ou suporte de qualquer outra natureza. Para que a residência funcione
efetivamente é necessário ter um suporte, que pode ser um CAPS ou outro serviço de atenção
básica e que este suporte seja mantido, mesmo que ele mude de endereço. Além disso, a
equipe deve voltar sua ação para a singularidade de cada indivíduo e não apenas para o
coletivo. Esta equipe por sua vez deve ser especializada para lidar com as demandas de cada
morador, por isso, o cuidador tem um papel fundamental no acompanhamento do usuário.
É importante ressaltar que diferentemente dos CAPS, os SRTs não guardam proporção
em relação ao número de habitantes, porém possuem 2 modalidades gerais de SRTs: SRT I e
SRT II. A primeira, que é o tipo mais comum, tem como objetivo inserir os moradores na
comunidade e deve analisar junto com eles a possibilidade de obter moradias definitivas na
comunidade; já a segunda tem como público-alvo os idosos e/ou dependentes físicos e seu
suporte se baseia na readaptação dos moradores ao espaço residencial, uma vez que ficaram
institucionalizados por longos anos e sua reinserção na comunidade (BRASIL, 2012). Apesar
das SRTs do tipo II serem regulamentadas em Portaria e constarem no caderno de SRTs no
Ministério da Saúde, ainda não existe nenhuma residência deste tipo em funcionamento.
17
Atualmente existem 625 SRTs funcionando em todo Brasil com 3.470 usuários
morando, de acordo com último levantamento do Ministério da Saúde (2012). Além disso, ao
final do ano de 2011, havia 154 SRTs em fase de implantação. Como revela o a tabela a
seguir.
Tabela 2 - Residências Terapêuticas por UF
No Distrito Federal nenhuma SRTs foi implantada, mesmo sabendo que existe
demandas de pacientes potenciais aos moradores das SRTs.
Como dito anteriormente, as políticas públicas para a Saúde Mental estão
referenciadas na redução de leitos psiquiátricos. O Ministério da Saúde estabeleceu como
padrão 0,45 leitos psiquiátricos por 1.000 habitantes. Atualmente, a distribuição de leitos
psiquiátricos no Brasil (0,37 por mil habitantes) pode ser comparada a de países onde a
reforma se encontra bem avançada. Desde 1996 houve grande redução dos leitos psiquiátricos
no Brasil, mas, muitos pacientes que não tem vínculo ou uma rede familiar que lhe de suporte,
encontram-se internados.
Em 1996 havia no Brasil 75.517 leitos psiquiátricos, hoje, segundo Ministério da
Saúde (2012), são 32.284 leitos psiquiátricos em todo Brasil, conforme gráfico abaixo:
18
Gráfico 2 - Leitos psiquiátricos por ano (Brasil, 2002 – 2011)
Fonte: Em 2002-2003, SIH/SUS, Coordenação de Saúde Mental, Álcool e Outras Drogas/DAPES/SAS/MS e
Coordenações Estaduais. A partir de 2004, PRH/CNES e Coordenações Estaduais.
Pode-se verificar, assim, uma considerável queda dos números de leitos, o que exige,
por outro lado, o aumento proporcional dos serviços substitutivos. De fato, houve um
aumento gradual dos serviços substitutivos no Brasil, como o número de CAPS. Em 1996
haviam 154, hoje (2013) 546 CAPS em todo Brasil. Porém no Distrito Federal, atualmente, há
apenas 7 CAPS, que somam 0,25 CAPS por 100.000 habitantes (BRASIL, 2012). Esses dados
permitem concluir que, embora existam avanços, a Reforma Psiquiátrica no Brasil não está
consolidada, com a existência de instituições que adotam ainda o modelo hospital ocêntrico.
O Distrito Federal é um exemplo desta situação. No Distrito Federal percebe-se
também um avanço nas ações de desospitalização, mas o aumento de números de unidades de
CAPS se revela não ser suficiente, considerando que ainda existem pacientes vivendo em
instituições de forma asilar. Ou seja, os serviços substitutivos não acompanharam o
desenvolvimento das exigências para a plena implementação da Reforma Psiquiátrica no DF,
deixando pacientes internados em instituições que diante da inexistência de alternativas de
encaminhamento para os pacientes que ali permanecem por longos períodos, andam por
caminhos diferentes dos que se propuseram ao aderir ao projeto antimanicomial.
Essas situações representam um retrocesso no que tange à plena implementação da
Reforma Psiquiátrica, pois reafirmam o caráter asilar, manicomial e hospitalocêntrico; abrem
brechas para que este modelo permaneça, mesmo que reconheçamos o empenho dos
profissionais das instituições em que o asilamento, devido à falta de alternativas não asilares
no DF, conforme já mencionado, ainda insiste em permanecer. É o caso o ISM que abriga
pacientes oriundos da extinta Clínica Planalto que, sem terem para onde ir e sem condições de
receberem tratamento adequado em outros espaços, ali permanecem.
19
6 AVANÇOS E RETROCESSOS NA ASSISTÊNCIA À SAÚDE MENTAL NO
DISTRITO FEDERAL: O CASO DA CLÍNICA PLANALTO.
São várias as dificuldades nos percursos a serem seguidos para a substituição
progressiva da psiquiatria hospitalocêntrica e a direção ética da autonomia possível dos
pacientes e familiares das instituições psiquiátricas, mas ações visíveis já podem ser notadas.
A desativação da Clínica Planalto caracteriza um importante sinal das ações da Luta
Antimanicomial no Distrito Federal, pelo menos no que diz respeito à desospitalização.
A Clínica de Repouso Planalto - CRP conhecida como Clínica Planalto, tinha o
objetivo de prestar serviços médicos especializados em Psiquiatria à pacientes com transtorno
mental, advindos do Sistema Único de Saúde (SUS), mas não só, pois a Clínica Planalto tinha
caráter privado (OLIVEIRA, 2005).
A CRP localizava-se em uma área rural, na cidade de Planaltina, cidade que fica
próximo a Brasília no Distrito Federal, contava com três alas (A, B e C) para atender aos
pacientes vinculados, primeiramente ao INPS e já nos anos 90 ao SUS. O espaço era dividido
em 70 leitos para os homens e 42 leitos para as mulheres. A Clínica Planalto contava ainda
com uma quarta ala (ala D), com qualidade de acomodação superior as demais, destinados a
pacientes não vinculados ao sistema público, esta ala D possuía 40 leitos e quartos para, no
máximo, duas pessoas com banheiro privativo, contando também, com ampla área de lazer e
refeitório separado (OLIVEIRA, 2005).
Fundada 1970 para ser referência de serviço em hospital psiquiátrico, que não existia
até então no DF (somente leitos em hospital geral), revelou-se em sua trajetória a essência de
um manicômio clássico, para onde pacientes crônicos eram mandados e esquecidos. A Clínica
Planalto representava uma “válvula de escape” do Hospital São Vicente de Paula (HSVP),
que enviava para lá todos os pacientes cronificados, os que não tinham vínculos familiares,
entre outros. As condições da clínica eram péssimas, o tratamento precário e a violência
contra os pacientes eram constantes, conforme foi constatado quando de seu fechamento.
Desde a década de 1990, a CRP estava sendo denunciada ao Ministério Público do
Distrito Federal e Territórios (MPDFT), sobre sua precariedade na assistência dada aos
pacientes, que refletia bem o modelo manicomial humilhante e desumano que era ali
empreitado. Denúncias de desaparecimentos de pacientes, que nunca foram encontrados,
pacientes que foram encontrados mortos, outros sepultados na condição de indigentes,
dezenas de mortes e desaparecimentos nunca foram esclarecidos.
No dia 18 de setembro de 1998, após uma visita do MPDFT, que acompanhou a
internação de um paciente, através da Promotoria de Defesa da Saúde (PROSUS), as
denúncias começariam a ter uma maior visibilidade, pois agora era constatado pelos
promotores, se iniciou um processo de fiscalização rigoroso que resultou na interdição da
Clínica Planalto (OLIVEIRA, 2005).
Nos anos seguintes (1999-2002) várias denúncias chegaram ao MPDFT, o que gerou
uma cadeia de investigações, por diferentes segmentos. Uma Representação/Reclamação, em
2002, pedia providências para o que havia sido constatado na visita realizada junto com
representantes de várias entidades: Tribunal de Contas do Distrito Federal, o Conselho
Regional de Enfermagem do DF, o Corpo de Bombeiro Militar do DF, Conselho Regional de
Psicologia do DF e Gerência de Fiscalização da Diretoria de Vigilância Sanitária do DF.
O Problema persistia, e o incansável Movimento gerou um grupo para investigar todas
as denúncias. Este grupo deveria localizar os documentos referentes à Clínica Planalto nas 6
20
Promotorias tai como: Promotoria de Justiça de Defesa da Saúde – PROSUS; Promotoria de
Justiça de Defesa do Idoso e do Portador de deficiência – PRODIDE; Promotoria de Justiça
de Defesa do Cidadão – PROCIDADÃ; Promotoria de Justiça de Defesa dos Usuários do
Serviço de Saúde – PRÓ-VIDA; Promotoria de Justiça de Fundações e Entidades de Interesse
Social do DF – PJFEIS; Promotoria de Justiça de Planaltina – PJP (OLIVEIRA, 2005).
O grupo criado para investigar a Clínica Planalto, marcou uma visita/investigação na
mesma, para o dia 20 de março de 2003. Mais de 40 pessoas participaram dessa visita, dentre
eles cinco promotores, cinco médicos, quatro psicólogos, uma assistente social e cinco
estagiárias de serviço social, uma nutricionista, um cirurgião-dentista e vários representantes
de instituições de saúde, como o diretor do Hospital São Vicente de Paulo, diretor do Instituto
de Saúde Mental e diretor do Hospital de Planaltina. A finalidade era constatar as diversas
irregularidades da instituição. O depoimento de um dos Promotores de Justiça que participou
da visita relata detalhadamente as condições caóticas da CRP, em entrevista concedida a
pesquisadora, da UNB, Marcela Corrêa Martins Amaral:
[...] havia compartilhamento de escovas de dente e nós constatamos em vários
pacientes sífilis, doenças próprias de pacientes com AIDS [...]. [...] as calorias
diárias eram por volta de 700. Num processo infernal que foi montado pelos donos,
para que os pacientes não tivessem gastos, e, portanto, eles conseguiram um pão de
30g ao invés de um pão de 50g. E a comida era uma água rala, com vegetais cozidos
dos mais baratos possíveis e quando tinha carne era salsicha [...]. Então era cozido
de salsicha com pepino, salsicha com abóboras e um caldo. Quando um paciente
daqueles que toma remédios muito fortes, Aldol e outros mais, precisa de uma
dosagem de no mínimo 2.500 calorias por dias para que a medicação possa ter um
efeito positivo se não ele não consegue ter efeitos positivos e tal. Então os caras
conseguiram reduzir a comida dos pacientes. Os pacientes não tinham comida pela
noite, eles faziam o café da manhã ralo, que era um pão seco, sem manteiga e não
podiam repetir. [...] E o jantar... ah o jantar não tinha comida à noite, tinha um jantar
às quatro...tinha uma comida servida por volta das cinco horas da tarde e não tinha
alimentação à noite. Os pacientes chegavam a comer o próprio corpo, tinha cara que
comia pele, roía dedo, que roía pele. Tinha gente que roía portal de porta, de fome e
desespero, porque a medicação era muito forte. [...] os pacientes não dormiam de
fome, passavam a noite inteira andando pela clínica, perambulando lá por dentro e
não dormiam e não davam sossego pra ninguém, aí vem a solução mágica, remédio
pra poder dopar. [...] As mulheres não tinham absorventes femininos, nós
encontramos mulheres menstruando escorrendo sangue pelas pernas. Escabiose, eles
não tinham um ambulatório para o tratamento de parasitose em geral, de escabiose,
sarnas e piolhos em geral que passavam de um pro outro. (AMARAL, 2006).
Por serem evidentes as condições desumanas acima relatadas, com agravante de estar
funcionado há três anos sem alvará de funcionamento, não restaram dúvidas quanto a
interdição da Clínica de Repouso Planalto.
Com a Clínica fechada surge o problema: o que fazer com os 127 pacientes que ali
estavam?
O caso da CRP e sua interdição gerou grade rumor na mídia local e nacional, o que
exigiu uma tomada imediata sobre o que fazer com os pacientes, sendo iniciada uma grande
mobilização. A primeira providência tomada foi coletar a impressão digital dos 127 pacientes
internados, já que não tinham documentos e os funcionários não sabiam identificá-los, muitas
vezes eram conhecidos por nomes/apelidos dados pela própria instituição. Todos os pacientes
foram examinados e, dentro do possível, foi feito um levantamento das origens de alguns
pacientes.
Foi realizada também uma triagem com os pacientes para avaliar suas condições gerais
de saúde e, principalmente de saúde mental. Como resultado dessa triagem foi decidido que
21
68 pacientes receberiam alta e retornariam para suas famílias, já em processo de localização.
Os demais pacientes foram redistribuídos na rede pública. Desses, 25 foram para o Hospital
São Vicente de Paulo, 10 para o Hospital de Base e 25 para o Instituto de Saúde Mental.
Não se criou nenhum serviço substitutivo, as instituições que receberam os pacientes
tinham estrutura adequada para receber esses pacientes não tiveram tempo de se adaptar. No
HSVP foi criada uma nova ala de internação para os pacientes da Clínica Planalto que
permaneceram institucionalizados. No ISM a situação era diferente, pois ainda que eles
continuassem morando nas dependências de uma instituição psiquiátrica e serem muito
institucionalizados, foi providenciado um bloco exclusivo para eles, onde há um refeitório
com nutricionistas que preparam as refeições de acordo com as necessidades do grupo, além
de dispor de atendimento constante e de poderem circular livremente pela área do ISM.
7 A PERMANÊNCIA DE USUÁRIOS ORIUNDOS DA CLÍNICA PLANALTO NO
INSTITUTO DE SAÚDE MENTAL- ISM
O Instituto de Saúde Mental - ISM/DF foi criado no ano de 1987. A destinação inicial
da estrutura de onde é o ISM, não seria para uma instituição psiquiátrica como é hoje. Sua
primeira destinação foi a de uma granja (sítio, chácara) com objetivo de produzir e abastecer
Brasília com criação suína (Granja Riacho Fundo). Com o regime militar a Granja Riacho
Fundo tomou outra direção, transformando-se em residência e sede de decisões do Regime
Militar. O ISM nasce no mesmo momento em que o regime democrático é reconquistado,
após mais de 21 anos de ditadura militar. O país passava por grandes incertezas quanto à
consolidação de sua democracia, porém a esperança e a força dos que lutaram, em vários
espaços, pela redemocratização tinham projetos e possibilidades de renovação em todas as
áreas, permeados pela urgência de liberdade de reparação das injustiças. Nesse contexto,
nasceu o ISM, instituição de atendimento psicossocial aos moradores, principalmente da
região de abrangência, quais sejam: Riacho Fundo I e II, Núcleo Bandeirante, Recanto das
Emas, Candangolândia e Setor Park Way.
Ninguém sabia exatamente o que e como fazer, mas todos estavam dispostos a
descobrir e tentar. A primeira ação foi a retomada da Granja Riacho Fundo, que era
propriedade do Governo do Distrito Federal - GDF, mas estava emprestada para a Presidência
da República. O próximo passo seria procurar uma destinação para a estrutura deste espaço.
Após uma visita de representante do GDF ao local, foram verificadas condições
adequadas, em sua estrutura, para um hospital psiquiátrico:
[...] uma casa grande com várias suítes poderiam ser consultórios ou salas de grupos
terapêuticos, cinema com projetor que se transformaria em sala de reuniões, o local
era todo cercado com cerca de 3 metros de altura que dava segurança aos pacientes,
as cercas ficam escondidas entre as árvores que dá a sensação de liberdade.
(REVISTA DE SAUDE DO DISTRITO FEDERAL, 1997).
Transformar a granja em um hospital psiquiátrico exigiu um projeto que fizesse algo
realmente inovador na área psiquiátrica. Pessoas com experiência na área da psiquiatria foram
convidadas a compor a equipe de elaboração do projeto. O ISM, devido às condições
históricas de seu surgimento, já nascia voltado para um modelo de assistência em saúde
mental que correspondia aos pressupostos da Reforma Psiquiátrica, inclusive incorporando a
22
ideia de criar um hospital dia, que é aceita, dando início ao funcionamento do Instituto
(REVISTA DE SAUDE DO DISTRITO FEDERAL, 1997).
O ISM nasceu, portanto, pautado pelos ideais da Reforma Psiquiátrica, sendo uma das
iniciativas pioneiras no processo de implementação da mesma no DF, e tendo como objetivo
principal ser modelo nas práticas voltadas na reinserção do usuário na sociedade e na família.
Os serviços oferecidos pelo ISM são: hospital-dia, dividido em cinco grupos, cada um
com uma equipe multidisciplinar responsável por uma média de 15 pacientes: um grupo que
atende apenas os pacientes crônicos; um ambulatório, que realiza atendimentos periódicos aos
pacientes e uma enfermaria, onde estão morando os pacientes egressos da extinta Clínica
Planalto, fechada no ano de 2003 (OLIVEIRA, 2005).
Todos os serviços são relativamente independentes. A distância de um prédio para o
outro, onde funciona cada serviço, influencia essa independência.
O ISM, por ter apenas atendimento ambulatorial e hospital-dia, e o fato de não haver
leitos de internação, está bem aproximado do que se espera das instituições psiquiátricas na
atualidade, tendo como referência as recomendações das Políticas de Saúde Mental brasileira.
Mas, apesar de não haver internação propriamente dita, há pacientes morando dentro da
instituição, o que está em oposição direta à Reforma Psiquiátrica. Trata-se, porém de uma
situação diferenciada, pois os pacientes que vieram da CRP foram agregados ao ISM pela
falta de serviço substitutivo que pudesse atendê-los.
Dos 25 pacientes que chegaram ao ISM, 11 ainda permanecem de forma asilar na
instituição, uma mulher apenas, e 10 homens. Os demais retornaram para a casa de familiares,
após uma exaustiva investigação dos Assistentes Sociais, em cartórios do DF e de outros
Estados conforme a origem de cada paciente. O cotidiano dos usuários que vivem na
enfermaria do ISM, não sofreram grandes mudanças na rotina diária. A enfermaria é dividida
em duas casas; em uma delas ficam as mulheres e na outra, os homens. Não há divisão entre
as camas, não há paredes e todos podem ser vistos. Não há divisórias para separar um
dormitório do outro, o que tira qualquer privacidade. Os pacientes são acompanhados por
enfermeiros apenas nas principais refeições, café da manhã, almoço e jantar, no restante do
dia esses transitam livremente pelos ambientes do ISM, geralmente na tentativa de satisfazer a
dependência de café ou cigarros.
A longa permanecia em instituições manicomiais pela qual passaram os pacientes da
enfermaria do ISM, deixaram características e comprometimentos, comuns entre eles. Nem
um dos 11 pacientes consegue sequer saber seu próprio nome, todos utilizam nome/apelidos
dados pelos profissionais da instituição. As cicatrizes além de físicas são presentes também no
comprometimento mental, e na dependência institucional, mas além, pois só o fato de ter
pessoas vivendo de forma asilar, o ISM está, no âmbito da legislação, ferindo o já citado Art.
4º da Lei Paulo Delgado, que “veda a internação de pacientes portadores de transtornos
mentais em instituições com características asilares”.
É perceptível, além do desacordo do ISM com a Reforma Psiquiátrica, a dissonância
do Estado no processo de Reforma, considerando que de acordo com o Art. 5º, também da Lei
Paulo Delgado, o paciente com “ausência de suporte social, será objeto de política específica,
de alta planejada e reabilitação psicossocial assistida, sob responsabilidade da autoridade
sanitária”. Não é o que se vê no ISM, mas sim uma espécie atual da “A nau dos loucos”, não
em seu formato inicial, onde se lançavam os “loucos” em um navio ao mar, mas com
objetivos em comuns, agora de uma forma velada, pois o que se percebe é a tentativa de isolar
a pessoa com transtorno mental em uma instituição, que para os pacientes dependentes, até
em tarefas consideradas simples como se vestir, comer, tomar banho, só realizam com a ajuda
dos profissionais da Instituição, estão limitados as cercas do ISM, por que além das cercas
existe um “mar” (as cidades) que se não pior, tão perverso, para estes pacientes, quanto os
oceanos da original StultiferaNavis.
23
Não se pode deixar de registrar o quanto resta por fazer até chegar a um tratamento
baseado no respeito, dignidade e, sobretudo na condição de sujeito de direitos, que é o doente
mental, muitas conquistas ainda se fazem necessárias para que se garantam os legítimos
direitos civis e humanos das pessoas com transtorno mental. A efetivação da Reforma
Psiquiátrica no DF, se pauta pela ausência do Estado em ações e serviços substitutivo e de
investimento nas políticas sociais em geral, o que reflete uma característica do Estado
neoliberal. O Movimento de Reforma Psiquiátrica tem se encontrado preso pela armadilha do
neoliberalismo, em que a diminuição de serviços hospitalares acabou por diminuir a oferta de
atenção, visando diminuir custos, restringindo e sucateando das políticas sociais de saúde,
previdência pública e de assistência social, no ISM é possível perceber essa armadilha, sem
escolha os profissionais tem que manter doentes mentais institucionalizados, isolados, mesmo
não sendo essa a atuação que eles desejem, o que poderia atenuar com a criação de
Residências Terapêuticas.
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Existe, atualmente, uma discussão entre os profissionais da instituição (ISM),
Ministério Público e movimento social no sentido de criar alternativas de residências para
estes pacientes dentro da própria instituição (ISM). Tal iniciativa continua em desacordo com
a atual Política de Saúde Mental, mas parece viável uma vez que não há residências
terapêuticas no DF e a enfermaria onde os pacientes “residem” não se aproxima em nada de
uma residência real. Assim, a residência no ISM pode ser um importante fator na reconstrução
da sociabilidade destes pacientes.
O papel do Ministério Público é importante, pois é um dos principais agentes atuantes
na defesa dos direitos e da cidadania das pessoas com transtorno mental, no sentido de
fiscalizar as instituições psiquiátricas para que ofereçam um serviço de acordo com a reforma
Psiquiátrica.
Por outro lado, o que se vê é que a atuação do Ministério Público é pouco preventiva,
só aparecendo em momentos de emergenciais, quando provocado, o que pode levar como já
ocorre em outras áreas da Política de Saúde, em uma “judicialização” dos direitos de
cidadania. Ou seja, não se pode delegar a este órgão o papel de garantidor de direitos,
eximindo a sociedade de engajar-se na luta política para que sejam efetivados.
Assim pode se afirmar que a Reforma Psiquiátrica no DF só se deu por meio da
desospitalização de caráter emergencial, sem qualquer planejamento, não se tomando o
cuidado de criar, concomitantemente, uma rede assistencial com vários serviços substitutivos
que garantam a continuidade do tratamento e sirvam como uma alternativa à internação, o que
gerou questões sociais como: asilamento, contrariando os ideais de instituições e que
permanecem até os dias atuais.
THE INSTITUTIONALIZATION OF PERSONS WITH MENTAL DISORDER, SO
ISM ASILARNO: THE SITUATION OF GRADUATES OF THE DISABLED CLINIC
PLATEAU
Abstract:
This paper presents a reflective approach to the situation of institutionalized people, living in
a shelter at the Institute of Mental Health (ISM), which came from the former Clinica Plateau
after its deactivation . The need to address this issue arose during estagio supervised,
24
developed in the ISM, this moment that supported the research data. The work begins in a
historical approach on various facets of madness, the light of Foucault, and advances in the
design of isolation and treatment of people with mental disorder. This is a study of the
development of anti asylum in the DF, and the construction of substitute services. The main
goal is to show that, despite a considerable evolution of alternative services to asylum model,
you can still see people institutionalized in DF, especially in the ISM. This is a qualitative
exploratory and preliminary, having as theoretical references the work of Foucault (1972),
Pessotti (1996), Amarante (1998 ) and Bravo (2007). As a basis for analysis, in addition to
literature, we used the data and information obtained during the internship experience in the
course curriculum of Social Service of the Catholic University of Brasília. The work revealed
that the stay of patients at the asylum, even taking into account the situation of patients
discharged from the clinic defunct Plateau, represents an obstacle to the full realization of the
Principles of the Psychiatric Reform.
Keywords: Mental Health. Psychiatric Reform. Fight - Asylum. Mental Health Policy. Clinica
Plateau. Institute of Mental Health .
25
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