18/5, Dia da Luta Antimanicomial – Uma breve História da Loucura e do movimento da Reforma Psiquiátrica A História da Loucura se mistura com a história da nossa sociedade. O hoje chamado louco já foi o sábio, o artista, o escolhido divino, até mesmo o bobo da corte. Mas, com o passar do tempo – a Revolução Industrial e a consolidação do capitalismo – o doente mental passou a ser visto como alguém que não produzia, que não possui ou perdeu sua capacidade laboral. Não rendia lucros e incomodava a sociedade. Os manicômios (no modelo em que a atual sociedade conheceu) também foram mudando ao longo dos anos. No Brasil, são herdeiros dos antigos leprosários, grandes casas, distantes da civilização, criadas para alojar os seus portadores e evitar a pandemia da lepra, uma das doenças que mais matou e mutilou a humanidade. Os leprosários eram verdadeiros depósitos, com pouco ou nenhum cuidado com aqueles que ali permaneceriam, quase sem exceções, até a morte. Os leprosários tiveram seu auge no final do século XI e início do XII, e decadência no final do XIII. Mesmo com o desaparecimento da Lepra, a partir do século XV, as marcas e a estrutura física dos leprosários ainda permaneciam. Aos poucos, no decorrer dos séculos, o ‘jogo de exclusão’ (como lembra-nos Foucault), será retomado. E, a partir do século seguinte, os leprosos são substituídos por pobres, presidiários, velhos, vagabundos e... os chamados ‘alienados’. Aqueles que não contribuíam e/ou ofereciam perigo à sociedade. Desumanizados, maltratados, viviam em condições muito precárias. No final do séc. XVIII surge, nesse cenário, P. Pinel (considerado o pai da Psiquiatria) com suas ideias acerca de um método terapêutico. Os agora denominados ‘Hospitais Psiquiátricos’ eram uma instituição médica. Pinel buscava métodos para a cura da doença mental, cuja causa, segundo o entendimento da época, advinha de fatores físicos, hereditários e morais. Estes últimos, intimamente associados com as condições de vida dos loucos, indicavam a necessidade de que o tratamento se desse a partir do isolamento do doente, de modo que ele não tivesse contato com as adversidades que o adoeceram. Já por causa do fator hereditário, os filhos dos internos eram enviados para também serem internados. Sem mencionar aqueles que nasceriam ali e nunca mais sairiam. As causas morais eram as que mais justificavam a alienação. A popularização e prevalência do saber médico moldaram também os rumos da história da doença mental, tornando os hospitais psiquiátricos um local de diagnóstico e classificação. Os tratamentos conhecidos nesse período eram eletrochoques, lobotomia, isolamento, imersão em água gelada. Entretanto, superlotados e contando com uma estrutura precária, bem como com poucos profissionais, esses hospitais se consolidaram como um local de exclusão social e repetição – práticas cuja terapêutica vinha se mostrando ineficaz. Após séculos de desumanização, num contexto de pós-guerra e profundas reflexões acerca da violência humana, vários atores da sociedade passam a denunciar os espaços de exclusão e refletir sobre suas condições de surgimento e existência. Entre esses espaços estavam os asilos e hospitais destinados ao tratamento e isolamento dos doentes mentais e todo um grupo de pessoas que não se ajustavam à organização social vigente. Surge assim o Movimento da Reforma Psiquiátrica, que buscava a superação do modelo asilar e da violência que lhe era inerente. No Brasil, o movimento tomou força nos anos 1970, concomitante ao Movimento Sanitário, que reivindicava melhorias no sistema de saúde publica. Integrantes do Movimento Sanitário formaram um subgrupo, denominado Movimento dos Trabalhadores em Saúde Mental (MTSM), que – aliado a associações de familiares dos doentes mentais e sindicalistas – buscava os direitos dos doentes mentais. O movimento da reforma psiquiátrica abrange todos os grupos sociais aliados à causa, ou seja, certos da necessidade de chamar a atenção para a violência nos manicômios e a hegemonia do saber psiquiátrico. No final da década de 80 ocorreu o II Congresso Nacional do MTSM, que adota o lema ‘Por uma sociedade sem manicômios’. Ainda naquela ocasião, foi realizada a I Conferência Nacional de Saúde Mental, dando inicio à luta antimanicomial brasileira. Nesse mesmo período, surge o primeiro Centro de Assistência Psicossocial (CAPS), na cidade de São Paulo, serviço que proporciona um tratamento diferente do hospital psiquiátrico, na medida em que acompanha o paciente diariamente, através de equipe interdisciplinar, buscando evitar a necessidade de que ele deixe de conviver em sociedade. Outras ações são realizadas no mesmo período como criação dos Núcleo de Atenção Psicossocial (NAPS) e o fortalecimento de associações em prol de melhoras no atendimento ao portador de transtorno mental. Também nesse período, com a constituição de 1988, é criado o Sistema Único de Saúde (SUS), legislação que permite a regulamentação de normas referentes à saúde mental. No ano seguinte, tramita no Congresso o projeto de lei do deputado Paulo Delgado (a ‘Lei da Reforma Psiquiátrica’) que propunha a regulamentação dos direitos do portador de transtorno mental e a extinção progressiva dos manicômios. Mas somente 12 anos depois, em 2001, que a lei foi sancionada no país. De todo modo, nesses 12 anos muito se conquistou em favor da luta. Em 1993, ocorre a II Conferência de Saúde Mental, com um fator importante: uma participação maior dos usuários. Em 2001, em meio à aprovação da Lei Paulo Delgado, realizou-se a III Conferência Nacional de Saúde Mental, e se iniciou um processo de intensa fiscalização e redução progressiva dos leitos psiquiátricos. O foco é na desinstitucionalização. A desinstitucionalização não somente do paciente psiquiátrico, mas também dos profissionais da saúde mental, que durante tantos anos seguiram o modelo manicomial, além da conscientização, principalmente nas universidades, dos novos profissionais. Ainda, a desumanização do sujeito portador de sofrimento psíquico. Entende-se que todos têm o direito de viver em sociedade, e esta deve aprender a respeitar, acima de tudo, o doente mental, reconhecendo a legitimidade de suas necessidades. Além disso, o doente mental deve contar com um serviço, principalmente no âmbito da saúde pública, digno e eficiente para atendê-lo de modo singularizado. Sabemos ainda que dar voz àqueles que durante séculos tentamos calar não é um processo fácil. Muito se conquistou desde o inicio do movimento da luta antimanicomial. Os leitos de grandes hospitais psiquiátricos continuam em processo de extinção ou transformação. Hoje temos uma rede de saúde mental organizada a partir de serviços territorializados, com a missão de tratar os doentes, oferecendo-lhes condições não apenas para lidar com seu sofrimento psíquico, mas também de desenvolver recursos para viver em sociedade. Muito se conseguiu até hoje, mas a luta não pode parar! A sociedade ainda não está preparada para lidar com o doente mental. Acabou-se com o modelo asilar, mas luta-se por condições dignas de sobrevivência dos pacientes psiquiátricos. Simplesmente dar-lhes liberdade não é a solução, pois a sociedade não está preparada para recebê-los. Também não é solução substituir as amarras físicas, usadas nos manicômios, por um tratamento cujo único recurso seja o uso indiscriminado de psicotrópicos. Muito foi feito, mas ainda se tem muito que fazer. Os estudantes de Psicologia entendem, portanto, a importância e necessidade de movimentos em prol dessa luta, que permanecerá enquanto houver um sujeito que sofre. Texto de Cecilia M. Rocha Ribeiro. Revisão: Profa. Lilian Miranda. Referências: Brasil. Ministério da Saúde. Coordenação Geral de Saúde Mental. Reforma psiquiátrica e política de saúde mental no Brasil. Brasília, novembro de 2005. Retirado de: http://bvsms.saude.gov.br/bvs/publicacoes/Relatorio15_anos_Caracas.pdf. Acesso em 02/05/2012. Foucault, M. História da loucura na Idade Clássica. São Paulo. Perspectiva, 1972.