CAPÍTULO e15 Desequilíbrios entre Líquidos e Eletrólitos e Desequilíbrios entre Ácido e Base Dados laboratoriais + Na Unidades 130 meq/L + 5,0 meq/L - 96 meq/L CO2 14 meq/L Nitrogênio da ureia sanguínea (BUN) 20 mg/dL Creatinina (Creat) 1,3 mg/dL Glicose 450 mg/dL Gases no sangue arterial No ar ambiente pH 7,39 PaO2 24 mmHg PaO2 89 mmHg 14 meq/L 20 meq/L K Cl - HCO 3 Exame de urina Cetonas urinárias Positiva 4⫹ Glicose Positiva 4⫹ Cetonas séricas Fortemente positiva 1:8 Radiografia torácica Infiltrado pneumônico no lado direito Lobo inferior ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA O diagnóstico do distúrbio ácido-base deveria prosseguir por etapas: 1. O hiato aniônico (HA) normal é de 10 meq/L, embora neste caso o HA seja elevado (20 meq/L). Portanto, a alteração no HA (⌬HA) = 10 meq/L. 2. Compare o ⌬HA e o ⌬[HCO–3]. Neste caso, o valor do ⌬HA é 10, de acordo com o item acima, e o ⌬[HCO–3] (25 – 14) é 11. Portanto, o incremento no hiato aniônico é aproximadamente igual ao decréscimo no nível de bicarbonato. 3. O próximo passo é estimar a resposta respiratória compensatória. Neste caso, o PaO2 previsto para um [HCO–3] de 14 deve ser de aproximadamente 29 mmHg. Para obter esse valor basta adicionar 15 ao [HCO–3] medido (15 + 14 = 29) ou calculando o PaO2 previsto a partir da equação de Winter: 1,5 ⫻ [HCO–3] + Neste caso, as características clínicas incluem hiperglicemia, hipovolemia, cetoacidose, sinais de confusão no sistema nervoso central (SNC) e sobreposição de pneumonia. Este cenário clínico é consistente com cetoacidose diabética (CAD) que desenvolve em pacientes com diabetes melito tipo 1 conhecida. A presença de infecções em casos de CAD é comum e pode ser uma característica precipitante do desenvolvimento de cetoacidose. Usualmente, o diagnóstico de CAD não é tão desafiador, porém deve ser considerado em todos os pacientes com hiato aniônico elevado e acidose diabética. A hiperglicemia e a cetonemia (acetoacetato positivo em uma diluição de 1,8 ou mais) são critérios suficientes para dignósticos em pacientes portadores de diabetes melito tipo 1. O – ⌬[HCO 3] deve aproximar o acréscimo do hiato aniônico (⌬HA), porém a igualdade poderá ser alterada por vários fatores. Por exemplo, o ⌬HA geralmente diminui com hidratação intravenosa, levando-se em consideração que a filtração glomerular aumenta e as cetonas são expelidas através da urina. O decréscimo no nível de sódio plasmático é resultado da hiperglicemia que, por sua vez, induz a movimentação de água no compartimento intracelular das células, exigindo insulina para o transporte de glicose. Além disso, ocorre uma natriurese em resposta à diurese osmótica associada à hiperglicemia. Além disso, em pacientes com CAD a sede é muito comum e, em geral, a ingestão de água é contínua. Usualmente, as concentrações plasmáticas de potássio são ligeiramente elevadas, porém, em face da acidose e com base na diurese osmótica em curso, o déficit corporal total significativo de potássio é de importância fundamental. A inclusão da reposição de potássio no regime terapêutico no momento apropriado e com as indicações adequadas (ver abaixo) é essencial. A depleção volumétrica é uma descoberta muito comum em casos de cetoacidose diabética, além de ser um componente fundamental na patogênese do distúrbio. ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO Com frequência, os pacientes portadores de cetoacidose diabética apresentam déficit significativo e sustentado de sódio, potássio, água, bicarbonato e fostato. A abordagem geral ao tratamento exige atenção especial a todas essas anormalidades. Para que seja bem sucedido, o tratamento de CAD envolve abordagens por etapas, como segue: Desequilíbrios entre Líquidos e Eletrólitos e Desequilíbrios entre Ácido e Base CASO 1 Uma mulher de 23 anos de idade foi admitida com histórico de febre de 3 dias, tosse produzindo escarro tingido de sangue, confusão e ortostase. O histórico medico anterior incluía diabetes melito tipo 1. O exame físico realizado no departamento de emergências indicou a presença de hipotensão postural, taquicardia e respiração de Kusmaul. O hálito era “cetônico”. O exame do tórax sugeriu consolidação no lobo inferior direito. CAPÍTULO e15 David B. Mount Thomas D. DuBose, Jr. 8. Neste caso, o valor previsto para o PaO2 de 29 é significativamente mais elevado do que 24. Portanto, o PaO2 prevalente ultrapassa a faixa apenas para fins de compensação, sendo, assim, excessivamente baixa. 4. Portanto, esta paciente apresenta um misto de distúrbio ácido-base com dois componentes: (a) acidose elevada com hiato aniônico, secundária a cetoacidose; e (b) alcalose respiratória secundária a pneumonia adquirida na comunidade. A alcalose respiratória resultou em um componente adicional de hiperventilação que excedeu a resposta compensatória acionada pela alcalose metabólica, explicando o pH normal neste caso. A descoberta de alcalose respiratória no quadro de acidose com hiato aniônico sugere a presença de outra causa do componente respiratório que, neste caso, poderá ser atribuído à pneumonia adquirida na comunidade. 1. Reposição dos déficits volumétricos de fluidos extracelulares (FECs). Levando-se em consideração que a maioria dos pacientes se apresenta com hipotensão real ou relativa e, às vezes, em estado de choque iminente, a administração inicial de fluidos deve ser de infusão rápida de NaCl a 0,9%, até a pressão arterial sistólica ultrapassar 100 mmHg ou até a administração acumulada de 2 a 3 litros. Durante o período inicial de 2 a 3 horas de infusão de solução salina, o declínio do nível de glicose no sangue pode ser resultado da diluição e do aumento na excreção renal. Pode-se adicionar glicose na infusão como D5 NS ou D5 0,45 NS depois que o nível de glicose plasmática cair para 230 mg/dL ou menos. 2. Redução na produção de cetoácidos. Durante a cetoacidose diabética a administração regular de insulina é imprescindível ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 15-1 3. PARTE II 4. Principais Manifestações e Apresentações das Doenças 5. 6. 7. como um bolo intravenoso inicial de 0,1 U/kg em relação ao peso corporal (PC), seguida de uma infusão contínua imediata de 0,1 U/kg do peso corporal por hora em solução salina. A eficácia da administração intravenosa (ou subcutânea) de insulina pode ser rastreada observando-se o declínio no nível de cetonas plasmáticas. Considerando que o incremento no hiato aniônico acima do valor normal de 10 meq/L representa acúmulo de cetoacidose na CAD, o desaparecimento dos ânions cetoácidos reflete-se no estreitamento e na normalização final do hiato aniônico. Tipicamente, o hiato aniônico plasmático retorna ao nível normal dentro de 8 a 12 horas. Reposição dos déficits de potássio. Embora, de maneira geral, sejam hipercalêmicos, por causa da deficiência insulínica, usualmente os pacientes com CAD apresentam depleção grave de K+. Deve-se adicionar KCl (20 meq/L) a cada litro IV de fluidos depois do estabelecimento do débito urinário e da administração de insulina. Correção da acidose metabólica. Usualmente, a concentração plasmática do bicarbonato não aumenta durante várias horas por causa da diluição resultante da administração intravenosa de NaCl. O nível de plasma [HCO-] se aproxima de 18 meq/L logo após o desaparecimento da cetoacidose. Com frequência, a terapia com bicarbonato de sódio não é recomendada, especialmente em crianças. O bicarbonato deve ser administrado em adultos com acidemia extrema (pH < 7,1); em pacientes idosos (> 70 anos) o limite recomendado de pH é de 7,20. Caso seja necessário, o bicarbonato de sódio deve ser administrado apenas em pequenas quantidades. O bicarbonato deverá ser adicionado ao fluido extracelular tendo em vista que os cetoácidos são metabolizados depois da terapia insulínica. O excesso de alcalose pode resultar da combinação da administração exógena de bicarbonato de sódio e da produção metabólica de bicarbonato. Fosfato. Durante as primeiras 6 a 8 horas de terapia pode ser necessário fazer infusões de potássio com fosfato por causa do desmascaramento da depleção fosfática na terapia combinada de insulina e glicose. A glicose transporta o fosfato para a célula. Portanto, em pacientes com CAD, o nível de fosfato plasmático deve ser seguido de perto, porém a reposição fosfática nunca deverá ser feita de forma empírica. O fosfato deve ser administrado em pacientes com nível de fosfato plasmático em queda, levando-se em consideração que o nível de fosfato cai para o nível normal baixo. A terapia recomendável é na forma de fosfato de potássio a uma taxa de 6 mmol/hora. A busca de fatores subjacentes tais como infecção, infarto do miocárdio, pancreatite e interrupção da terapia insulínica sempre é muito importante, assim como a busca de outros eventos responsáveis pelo início da cetoacidose diabética. O caso que estamos apresentando ilustra esse ponto. Expansões volumétricas excessivas com administração intravenosa de fluidos são comuns e contribuem para o desenvolvimento de acidose hiperclorêmica durante os estágios finais do tratamento de CAD. Recomenda-se evitar expansões volumétricas excessivas. CASO 2 Um homem de 25 anos de idade com histórico de 6 anos de HIV/ Aids recentemente complicado pela pneumonia por Pneumocystis jiroveci (PPC) foi tratado com administração intravenosa de trimeroprima-sulfametoxazol (20 mg TMP/kg por dia) No quarto dia de tratamento foram obtidos os seguintes dados laboratoriais: Dados laboratoriais Unidades Plasma Urina Na+ meq/L 135 60 + meq/L 6,5 15 meq/L 110 43 meq/L 15 0 K - Cl - HCO3 15-2 Dados laboratoriais Unidades pH Plasma Urina 7,30 5,5 - BUN mg/dL 14 Creat mg/dL 0,9 - Osmolalidade mOsmoL/kg H2O 268 270 ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Qual a causa de hiperpotassemia e de acidose metabólica neste paciente? Que outras medicações poderão estar associadas a apresentações semelhantes? Como utilizar os dados eletrolíticos urinários para determinar se a origem da hiperpotassemia é renal ou se foi causada por deslocamentos celulares para o compartimento extracelular? A hiperpotassemia ocorre em 15 a 20% dos pacientes hospitalizados portadores de HIV/Aids. As causas usuais são insuficiência adrenal, síndrome do hipoaldosteronismo hiporreninêmico ou uso de vários medicamentos incluindo trimetoprima, pentramidina, medicamentos anti-inflamatórios não esteroidais, inibidores da enzima conversora da angiotensia (ACE), bloqueadores do receptor da angiotensina II, espironolactona e eplerona. Usualmente, nos tratamentos de PPC, a trimetoprima é administrada em combinação com sulfametoxazol ou com dapsona e, na média, aumenta a concentração de K+ em aproximadamente 1 meq/L. Entretanto, pode agravar a hiperpotassemia. Sob os pontos de vista estrutural e químico a trimetoprima está relacionada à amilorida e ao triantereno e, consequentemente, pode agir como diurético poupador de potássio. Esse efeito é o resultado da inibição do canal de sódio epitelial (CNaE) nas células principais do ducto coletor. O bloqueio do canal de Na+ inibe também a secreção de K+. A secreção de K+ depende da diferença potencial do lúmen negativo gerada pela entrada K+ através do CNaE (Fig. e15.1). A TMP está associada a uma acidose de hiato não aniônico que se compara ao desenvolvimento de hiperpotassemia de forma que, nesse tipo de quadro, é muito comum a ocorrência simultânea de hiperpotassemia e de acidose metabólica. A secreção de H+ através das bombas de H+-ATPase em células intercaladas adjacentes tipo A (Figura e15.1) também é eletrogênica, de forma que a redução na diferença de potencial do lúmen negativo devido à TMP inibe a secreção distal de H+. Com frequência, esse fato é conhecido como uma forma de defeito de voltagem na acidose tubular renal distal. A hiperpotassemia sistêmica pode suprimir também a amoniagênese renal, a excreção de amônia e, consequentemente, a excreção ácida, isto é, a hiperpotassemia propriamente dita exerce múltiplos efeitos sobre a acidificação urinária. O efeito inibitório da trimetoprima sobre a secreção de K+ e H+ no túbulo coletor cortical acompanha a relação entre dose e resposta. Portanto, doses maiores desse agente usadas em pacientes portadores de HIV/Aids com PPC ou em infecções teciduais profundas por Staphyloccus aureus resistente à meticilina (MRSA) resultam na prevalência mais elevada de hiperpotassemia e acidose. As doses convencionais de trimetoprima também podem induzir hiperpotassemia e/ ou acidose em pacientes predispostos, particularmente em idosos, em pacientes com insuficiência renal e/ou em pacientes com hipoaldosteronismo hiporreninêmico na linha de base. Uma das formas de avaliar o papel dos rins no desenvolvimento de hiperpotassemia é calcular, a partir de um spot urinário e de uma amostra de plasma coincidente, o gradiente transtubular de potássio (GTTP). O GTTP é calculado pela fórmula (Posmol ⫻ Upotássio)/ Ppotássio ⫻ Uosmol). Os valores esperados do GTTP são inferiores a 3 na presença de hipocalemia (ver também os casos 7 e 8) e acima de 7 a 8 na presença de hiperpotassemia. Neste caso, o valor do GTTP de aproximadamente 2 indica que a excreção renal de potássio é anormalmente baixa para a hiperpotassemia prevalente. Portanto, níveis inapropriadamente baixos de GTTP indicam que a origem da hiperpotassemia é tubular renal. ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO O conhecimento dos fatores que controlam a secreção de potássio pelas células principais do túbulo coletor cortical pode ser útil na compreensão da base para o tratamento de hiperpotassemia, em es- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Na+ (–) 3Na+ CNaE Na+ ATP 2K+ Maxi-K PEMR K+ K+ H2O AQP-2 AQP-3, 4 H2O NH3 + H NH3 ATP H+-ATPase HCO3– CI– CI– K+ NH4+ Dados laboratoriais 3Na+ Na+ 150 ATP 2K+ H+/K+-ATPase ATP K+ K+ K+ K+ 3,9 Cl– 114 Gli 95 Alb 3,1 2+ HCO3– 26 BUN 8 Creat 1,7 Ca 8,1 Fosf 2,6 Mg 2 Osm Plasm 315 Urina: + Na 34 K+ 5,2 Osm 137 CI– Lúmen A-IC Interstício Figura e15.1 Transporte de água, sódio, potássio, amônia e prótons nas células principais (CPs) e nas células intercaladas adjacentes tipo A. A água é absorvida no gradiente osmótico pelas células principais através da aquaporina-2 (AQP2) apical, assim como pelos canais basolaterais de aquaporina-3 e aquaporina-4. A absorção de sódio através do canal de sódio epitelial (CNaE) sensível à amilorida gera uma diferença potencial negativa de lúmen que aciona a excreção de K+ pelo canal secretor apical de potássio, pelo PEMR (canal renal medular externo de K+) e/ou pelo canal de maxi-K dependente do fluxo. O transporte transepitelial de amônial (NH3) e o transporte de prótons ocorrem em células intercaladas tipo A adjacentes através dos canais basolaterais de amônia e das bombas apicais de H+-ATPase, respectivamente. Finalmente, o NH4+ é expelido através da urina em defesa do pH sistêmico. A secreção eletrogênica de prótons pelas células intercaladas tipo A também é afetada pela diferença potencial negativa de lúmen gerada pelas células principais adjacentes, de maneira que as reduções nos gradientes elétricos de lúmen negativo diminuem a excreção de H+. Além disso, em estados com deficiência de potássio, as células intercaladas tipo A reabsorvem o K+ filtrado através da H+/K+ ATPase apical. pecial nos casos em que a descontinuação do agente ofensor não seja uma opção clínica razoável. A secreção de potássio é estimulada por taxas mais elevadas de fluxo urinário, pelo aumento na liberação distal de sódio, pela liberação distal de ânions mal reabsorvidos (como o bicarbonato) e/ou pela administração de diuréticos de alça. Portanto, no caso deste paciente, a abordagem de tratamento deve incluir a administração intravenosa de NaCl a 0,9% para expandir o fluido extracelular e liberar uma quantidade maior de Na+ e de Cl para o túbulo coletor cortical. Além disso, a molécula de TMP deve ser protonada para inibir o canal de sódio epitelial. A alcalinização do túbulo renal lentifica o efeito do medicamento sobre a secreção tubular distal de K+. Como alternativa para a indução de bicarbonatúria para facilitar a secreção de potássio pode-se administrar um inibidor de anidrase carbônica para induzir um nível significativo de caliurese. Entretanto, no caso que estamos apresentando, para que a acetazolamida seja eficaz seria necessário, em primeiro lugar, corrigir a acidose metabólica do hiato não aniônico do paciente. Consequentemente, a coadministração intravenosa de bicarbonato de sódio maximizaria o benefício da acetazolamida. Finalmente, a hiperpotassemia sistêmica resulta na supressão direta da amoniagênese renal, da secreção de amônia e, portanto, da excreção ácida. Às vezes, a correção da hiperpotassemia com uma resina de ligação ao potássio (Kayexalate) é apropriada nesses pacientes. O declínio subsequente na concentração plasmática de K+ também aumenta a excreção urinária de amônia, ajudando a corrigir a acidose. Depois de 3 dias de hidratação intravenosa foi feito um teste de privação de água. Foi aplicada uma dose única de 2 g IV de desmopressina (DDAVP) às 9 horas (+9): Dados laboratoriais Horário (h) 0 +6 +8 +12 +18 Na+ 145 148 150 152 149 + 5,4 5,3 3,9 3,9 3,9 - 111 110 118 120 114 HCO3 24 27 25 242 25 Creat 1,3 1,3 1,4 1,3 1,3 Sosmol 300 311 315 Uosmol 132 140 201 237 257 8,4 6,3 K Cl - AVP ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Por que o paciente desenvolveu hipernatremia, poliúria e insuficiência renal aguda? O que o teste de privação de água mostrou? Qual a fisiopatologia subjacente da síndrome hipernatrêmica deste paciente? O paciente se tornou poliúrico depois da admissão na UTI com pneumonia grave e desenvolveu hipernatremia significativa e insuficiência renal aguda. A poliúria pode ter sido causada por diurese osmótica ou por diurese hídrica. A diurese osmótica pode ser provocada por excreção excessiva de Na+-Cl-, manitol, glicose e/ou ureia, com eliminação diária de soluto variando entre > 750 a 1000 mosmol/dia (> 15 mosmol/kg de água corporal por dia). Entretanto, neste caso, o paciente estava eliminando grandes volumes de urina hipotônica, com osmolalidade urinária substancialmente inferior em comparação com a do plasma. Por definição, este fato se caracterizava como diurese hídrica, resultando na excreção inadequada de água livre e em hipernatremia. A resposta apropriada à hipernatremia e a uma osmolalidade plasmática superior a 295 mosmol/kg é a elevação no nível de vasopressina (AVP) circulante e a excreção de volumes baixos (< 500 mL/dia) de concentração urinária máxima, isto é, urina com osmolalidade acima de 800 mosmol/kg. A resposta deste paciente à hipernatremia foi claramente inadequada por causa da perda de AVP em circulação [diabetes insípido central (DIC)] ou resistência renal à AVP [diabetes insípido nefrogênico (DIN)]. A perda de água livre em curso foi tão grave que resultou em hipovolemia absoluta a ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Desequilíbrios entre Líquidos e Eletrólitos e Desequilíbrios entre Ácido e Base H+ CAPÍTULO e15 CP CASO 3 Um homem de 63 anos de idade foi admitido na unidade de tratamento intensivo (UTI) com pneumonia grave por aspiração. O histórico médico anterior incluía esquizofrenia para a qual havia solicitado cuidados institucionais. O tratamento incluía neuroepilépticos e administração intermitente de lítio, sendo que o uso de lítio havia sido reiniciado 6 meses antes da admissão. O paciente foi tratado com antibióticos e intubado por vários dias, com desenvolvimento de poliúria (3 a 5 litros/dia), hipernatremia e insuficiência renal aguda. O pico da concentração plasmática de Na+ foi de 156 meq/L e o nível máximo de creatinina foi de 2,6 mg/dL. A osmolalidade urinária foi medida uma vez e atingiu 157 mosmol/kg, com uma osmolalidade plasmática coincidente de 318 mosmol/kg. A administração de lítio foi interrompida logo após a admissão na UTI. No exame físico o paciente estava alerta, extubado e com sede. O peso era de 97,5 kg. O débito urinário nas últimas 24 horas foi de 3,4 litros, com ingestão IV de 2 litros/dia de D5W. 15-3 PARTE II Principais Manifestações e Apresentações das Doenças despeito do fato de que aproximadamente dois terços da água eliminada se originaram no compartimento do fluido intracelular (FIC) e não no compartimento do fluido extracelular (FEC). A hipovolemia provocou uma queda aguda na taxa de filtração glomerular (TFG), isto é, insuficiência renal aguda, com melhora gradual depois da hidratação (ver adiante). Depois da correção da hipernatremia e da insuficiência renal aguda com hidratação adequada (ver abaixo), o paciente foi submetido a um teste de privação de água seguido pela administração de DDAVP. Esse teste permite determinar se a causa de diurese hídrica inadequada é DIC ou DIN. O paciente restringiu o uso de água logo no início da manhã, com monitoramento cuidadoso dos sinais vitais e do débito urinário. A privação de água durante a noite em pacientes com diabetes insípido não é segura e inadequada sob o ponto de vista clínico por causa do potencial de hipernatremia grave. A concentração plasmática de Na+ – mais precisa e com disponibilização mais imediata do que a osmolalidade plasmática – foi monitorada em intervalos de uma hora durante a privação de água. Uma amostra de AVP na linha de base foi coletada no início do teste; uma segunda amostra foi coletada depois que o nível de Na+ plasmático atingiu 148 a 150 meq/L. Neste ponto, administramos uma dose única de 2 g do agonista do receptor de vasopressina V2 DDAVP. Uma abordagem alternativa seria medir a AVP e administrar o DDAVP no momento em que o paciente se tornou hipernatrêmico pela primeira vez. Entretanto, seria menos seguro administrar o DDAVP em quadros de danos renais, tendo em vista que a eliminação desse medicamento depende dos rins. O resultado do teste de privação de água do paciente foi consistente com DIN, com o nível de AVP dentro da faixa normal no quadro de hipernatremia (isto é, nenhuma evidência de DIC) e com um nível de osmolalidade urinária inadequadamente baixo que não chegou a aumentar em mais de 50%, ou mais de 150 mosmol/kg, depois da privação de água e da administração de DDAVP. Esse defeito poderia ter sido considerado compatível com DIN “completo”. Embora consigam atingir osmolalidades urinárias de 500 a 600 mosmol/ kg depois do tratamento com DDAVP, os pacientes com “DIN parcial” não conseguem atingir concentrações urinárias máximas de 800 mosmol/kg ou mais. O diabetes insípido nefrogênico possui inúmeras causas genéticas e adquiridas que compartilham a interferência com alguns aspectos do mecanismo da concentração renal. Por exemplo, a perda de mutações funcionais no receptor da V2 AVP provoca DIN ligado ao X. Este paciente era portador de DIN como resultado da terapia com lítio, talvez a causa mais comum de diabetes insípido nefrogênico em adultos. O lítio causa DIN através da inibição direta do glicogênio sintase-quinase-3 (GSK3) renal. A quinase é considerada o alvo farmacológico do lítio em doenças psiquiátricas, sendo que a GSK3 renal é imprescindível para as respostas das células principais à AVP. Além disso, o lítio induz a expressão da ciclo-oxigenase 2 (COX-2) na medula renal. A prostaglandina derivada da COX-2 inibe o transporte de sal estimulado pela AVP por meio do ramo espesso ascendente e o transporte de água estimulado pela AVP por meio do ducto coletor, exacerbando a poliúria associada ao lítio. A entrada do lítio através do canal de Na+ sensível à amilorida (ENaC) (Figura e15.1) é necessária para que o medicamento possa fazer efeito nas células principais. Portanto, a terapia combinada de lítio com amilorida pode mitigar o DIN associado ao lítio. Todavia, o lítio forma cicatrizes tubulointesticiais e doença renal crônica depois de terapias prolongadas, de maneira que os pacientes podem ter DIN muito tempo depois de interromper o uso do medicamento, com benefícios terapêuticos reduzidos com o uso de amilorida. Cabe ressaltar que este paciente havia sido tratado de forma intermitente com lítio durante vários anos, o que resultou no desenvolvimento de doença renal crônica (creatinina na linha de base: 1,3 a 1,4) e de DIN que persistiram depois da descontinuação do uso do medicamento. ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO Como este paciente deveria ter sido tratado? Quais são os perigos latentes principais da terapia? Este paciente desenvolveu hipernatremia grave devido à diurese hídrica causada pelo uso de lítio associado ao diabetes insípido na- 15-4 trogênico. O tratamento de hipernatremia deve incluir reposição do déficit existente de água livre e reposição diária da perda de água livre em curso. O primeiro passo é calcular o volume de água total do corpo (ATC), tipicamente estimado em 50% do peso corporal para mulheres e em 60% para homens. Consequentemente, o déficit de água livre poderá ser calculado de acordo com fórmula [(Na+ – 140)/140] x ATC. Neste paciente o déficit de água livre era de 4,2 litros para o peso de 97,5 kg e uma concentração plasmática de Na+ de 150 meq/L. A reposição desse déficit de água livre deveria ser lento no período de 48 a 72 horas para evitar elevações na concentração plasmática de Na+ em mais de 10 meq/L durante 24 horas. Um erro comum é repor esse déficit e não fazer a reposição das perdas de água livre em curso, de forma que não é possível corrigir a concentração plasmática de Na+ que, na realidade, aumenta. As perdas de água livre em curso podem ser estimadas por meio da equação de eliminação de eletrólitos e água livre: + + onde V é o volume urinário; UNa é o [Na ] urinário; UK é o [K ] urinário; e PNa é o [Na+] plasmático. Para este paciente em particular o CeH2O era de 2,5 litros por dia na avaliação inicial, isto é, com concentrações urinárias de Na+ e K+ de 34 e 5,2 meq/L, e um volume urinário de 3,4 litros. Portanto, o paciente recebeu 2,5 litros de D5W durante as primeiras 24 horas para repor as perdas de água livre em curso, juntamente com 2,1 litros de D5W para repor a metade do déficit de água livre. Medições aleatórias dos eletrólitos urinários e do volume urinário podem ser utilizadas para monitorar o CeH2O e para fazer ajustes diários na administração de fluidos, durante o acompanhamento da concentração plasmática do Na+. De maneira geral, os médicos calculam o déficit de água livre para orientar a terapia de hipernatremia, repondo metade do déficit nas primeiras 24 horas. Essa abordagem pode ser adequada em pacientes que não tenham perdas correntes significativas de água livre, como, por exemplo, em casos de hipernatremia causada pela ingestão deficiente de água livre. Este caso ilustra como as demandas de água livre podem ser grosseiramente subestimadas em pacientes hipernatrêmicos se as perdas diárias de água livre não forem levadas em consideração. CASO 4 Um homem de 78 anos de idade foi admitido com pneumonia e hiponatremia. A concentração plasmática inicial de Na+ era de 129 meq/L, diminuindo depois de 3 dias para 118 a 120 meq/L, a despeito da restrição de fluidos para 1 L/dia. Uma TC torácica revelou a presença de uma massa infrahilar direita de 2,8 x 1,6 cm e pneumonia pós-obstrutiva. O paciente era um fumante inveterado. O histórico médico anterior indicava um carcinoma laríngeo que havia sido tratado 15 anos antes com radioterapia, um carcinoma de células renais, doença vascular periférica e hipotireoidismo. Na revisão de sistemas, o paciente negou a presença de cefaleia, náusea e vômito. Ele sentia dor crônica no quadril que fora tratada com acetaminofeno e codeína. Outras medicações incluíam cilostazol, amoxilina/clavulanato, digoxina, diltiazem e tiroxina. O exame revelou que o paciente era euvolêmico, sem linfadenopatia e o exame do tórax foi normal. Dados laboratoriais Na+ 120 K+ 4,3 2+ Cl– 89 HCO3– BUN 8 Fos 2,8 23 Mg2 Plasma osm 248 mosmol/ kg Creat 1 Alb 3,1 Ca 8,9 Cortisol 25 g/dL TSH 2,6 Ácido úrico 2,7 mg/dL Urina Na+ 97 K+ 22 Cl– 86 Gli 93 Osm 597 O paciente foi tratado com administração oral de 20 mg de furosemida duas vezes ao dia e com comprimidos de sal. Com essa terapia, a concentração plasmática de Na+ aumentou para 129 meq/L. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Entretanto, o paciente desenvolveu hipotensão ortostática e tontura. Ele iniciou o tratamento com demeclociclina, 600 mg por via oral na parte da manhã e 300 mg à tarde, antes de receber alta hospitalar. A + concentração plasmática de Na aumentou para 140 meq/L com um BUN de 23 e creatinina de 1,4. Nesse ponto, a dose de demeclociclina foi reduzida para 300 mg por via oral, duas vezes ao dia. Finalmente, a biópsia broncoscópica confirmou a presença de carcinoma pulmonar de pequenas células. O paciente se recusou a fazer quimioterapia e foi internado em um hospício. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Desequilíbrios entre Líquidos e Eletrólitos e Desequilíbrios entre Ácido e Base CASO 5 Uma mulher com 76 anos de idade apresentou-se com um histórico de vários meses de diarreia, com agravamento acentuado durante 2 a 3 semanas antes da admissão (até 12 evacuações por dia). A revisão dos sistemas foi negativa para febre, tontura ortostática, náusea e vômito, e cefaleia. O histórico médico anterior incluía hipertensão, cálculos renais e hipercolesterolemia. As medicações incluíam atenolol, espironolactona e levastatina. A paciente consumia também mais de 2 litros de líquidos por dia para tratamento de nefrolitíase. A paciente recebeu 1 litro de solução salina durante as primeiras 5 horas após sua admissão no hospital. O exame realizado depois de 6 horas apresentou os seguintes resultados: frequência cardíaca de 72 na posição sentada e 90 na posição de pé; pressão arterial de 105/90 com a paciente deitada ou de pé. A pressão venosa jugular (PVJ) era indistinta e não apresentava edemas periféricos. O exame abdominal revelou que a paciente teve um ligeiro aumento nos sons intestinais, porém nenhuma sensibilidade no abdome e sem organomegalia. A concentração plasmática de Na+ na admissão era de 113 meq/L, com creatinina de 2,35 (Quadro e15.1). Depois de 7 horas de hospitalização a paciente apresentava as seguintes condições: concentração plasmática de Na+ de 120 meq/L, potássio de 5,4 meq/L, cloreto de 90 meq/L, bicarbonato de 22 meq/L, BUN de 32 mg/dL, CAPÍTULO e15 ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA E DE GERENCIAMENTO Quais fatores contribuíram para a hiponatremia deste paciente? Quais são as opções terapêuticas? Este paciente desenvolveu hiponatremia no contexto de uma massa pulmonar central e de pneumonia pós-obstrutiva. Sob o ponto de vista clínico o paciente era euvolêmico com concentração genero+ sa de Na urinário e baixa concentração plasmática de ácido úrico. Ele era eutiroideo sem evidências de disfunção hipofisária ou de insuficiência adrenal secundária. A apresentação clínica é consistente com a síndrome da antidiurese inapropriada (SADI). Embora a pneumonia tenha sido um fator potencial para a SADI, percebemos + que houve uma queda na concentração plasmática de Na a despeito da resposta clínica aos antibióticos. Havia uma suspeita de que este paciente tinha SADI causada por um carcinoma pulmonar de pequenas células, com uma massa pulmonar central na TC do tórax e um histórico significativo de tabagismo. Apesar do histórico de câncer laríngeo e de câncer renal, não havia evidências de recorrência dessas doenças. Essas malignidades não contribuíram para a SADI. Em última análise, a biópsia da massa pulmonar confirmou o diagnóstico de carcinoma pulmonar de pequenas células, que é responsável por aproximadamente 75% das malignidades associadas à síndrome da antidiurese inapropriada. Cerca de 10% de pacientes portadores + desse tumor neuroendócrino têm concentração plasmática de Na inferior a 130 meq/L na apresentação. O paciente não tinha nenhum outro estímulo “não osmótico” para aumento na AVP, sem medicações associadas à SADI e nível mínimo de dor ou de náusea. Embora não apresentasse sintomas atribuíveis à hiponatremia, o paciente foi considerado com risco de agravamento da hiponatremia causada por SADI grave. A hiponatremia crônica persistente (mais de 48 horas de duração) resulta em efluxos de osmólitos orgânicos (creatina, betaína, glutamato, mio-inositol e taurina) provenientes das células do cérebro. Essa resposta diminui a osmolalidade intracelular e o gradiente osmótico, facilitando a penetração de água. Essa resposta celular não protege totalmente os pacientes contra os sintomas, que podem incluir vômito, náusea, confusão e convulsões, usu+ almente em concentrações plasmáticas de Na acima de 125 meq/L. Mesmo pacientes que sejam considerados “assintomáticos” podem apresentar defeitos sutis na marcha e na cognição que poderão ser revertidos com correção da hiponatremia. A hiponatremia crônica aumenta também o perigo de fraturas ósseas por causa do aumento no risco de quedas e devido à redução na densidade óssea associada. Portanto, o objetivo de cada tentativa deve ser corrigir com segu+ rança a concentração plasmática de Na em pacientes portadores de hiponatremia crônica. Isso é particularmente válido em casos SADI associada a malignidades, nos quais a obtenção de um diagnóstico tecidual poderá ocorrer em semanas ou meses, assim como a redução subsequente na AVP depois do início de quimioterapia, radioterapia e/ou cirurgia. Quais são as opções terapêuticas para a SADI? Neste paciente, a privação de água, um dos pilares da terapia para SADI, teve pouco + efeito sobre a concentração plasmática de Na . A razão entre urina + + + e eletrólitos plasmáticos ([Na ] urinário + [K ] / [Na ] plasmático) pode ser utilizada para estimar a excreção de eletrólitos-água livre e o grau necessário de restrição de água. A restrição em pacientes com razão acima de 1 deve ser mais agressiva (< 5 mL/dia); a restrição em pacientes com razão próxima de 1 deve ficar entre 500 e 700 mL/dia; e a restrição em pacientes com razão abaixo de 1 deve ser inferior a 1 L/dia. A razão entre urina e eletrólitos plasmáticos deste paciente era 1 e, como havíamos previsto, não respondia a uma restrição moderada de aproximadamente 1 litro por dia. Teoricamente, uma res- trição de água mais agressiva teria sido bem sucedida, embora, talvez, dificilmente os pacientes com SADI tolerem esse nível restritivo por causa do estímulo inapropriado da sede. De maneira geral, em casos de SADI, a terapia combinada com furosemida e comprimidos de sal aumentam a concentração plasmática de Na+. A furosemida diminui a capacidade de concentração urinária máxima através da inibição do mecanismo contracorrente e os comprimidos de sal neutralizam a perda de NaCl associada ao uso de diuréticos. Nem sempre esse regime é bem sucedido e exige titulações cuidadosas dos comprimidos de sal para evitar a ocorrência de depleções volumétricas. Na realidade, no caso deste paciente, a concentração plasmática de Na+ permaneceu abaixo de 130 meq/L. O paciente se tornou ortostático. A demeclocidina, toxina das células principais, é um agente oral alternativo para SADI. Neste paciente, o tratamento com demeclocidina foi bem sucedido, aumentando a concentração plasmática de Na+ para 140 meq/L. Entretanto, a demeclocidina pode ser natriurética, levando a uma redução pré-renal na taxa de filtração glomerular (TFG). Além disso, a demeclocidina foi implicada em lesões nefrotóxicas, principalmente em pacientes com cirrose e doença hepática crônica, nos quais ocorre acúmulo do medicamento. Este paciente em particular desenvolveu uma redução significativa, porém estável, na TFG durante a terapia com demeclocidina, sendo que a dose administrada teve de ser reduzida. Um grande avanço no gerenciamento da hiponatremia foi o desenvolvimento clínico dos antagonistas da vasopressina (vaptans). Esses agentes inibem o efeito da AVP nos receptores renais V2, resultando na excreção de eletrólitos-água livre e na correção da hiponatremia. Embora tenham sido aprovados pela U.S. Food and Drug Administration (FDA) para o gerenciamento de hiponatremia euvolêmica e hipervolêmica, as indicações específicas para uso desses agentes ainda não estão suficientemente claras. Entretanto, é possível prever que o vaptans irá desempenhar um papel cada vez mais importante no tratamento da SADI e de outras causas de hiponatremia. Na realidade, se este paciente em particular tivesse continuado com a terapia ativa para esse câncer, a substituição de demeclocidina por tolvaptan oral (um vaptan oral específico para V2) teria sido o passo seguinte mais correto, tendo em vista o desenvolvimento de insuficiência renal com uso daquele medicamento. Assim como ocorre com outras medidas para corrigir a hiponatremia (solução salina hipertônica, demeclocidina, etc.) os vaptans têm o potencial para fazer “supercorreções” na concentração plasmática do Na+ (elevações > 8 a 10 meq/L por 24 horas ou 18 meq/L por 18 horas), aumentando, consequentemente, o risco de desmielinização osmótica (ver o Caso 5). Portanto, não é necessário fazer monitoramento rigoroso da concentração plasmática do Na+ durante a fase inicial das terapias com esses agentes. 15-5 + QUADRO e15.1 Dados laboratoriais seriais relativos ao caso 5 Hora hospitalar Linha de base 0 3 7 11 Na plasmático (meq/L) 123 113 115 120 117 Creat (mg/dL) 1,2 2,35 2,10 2,02 1,97 + PARTE II Principais Manifestações e Apresentações das Doenças 15-6 Osmolalidade urinária (mosmol/kg) 319 + Na urinário 17 creatinina de 2,02 mg/dL, glicose de 89 mg/dL e albumina de 1,9. O hematócrito era de 33,9, a contagem de leucócitos era de 7,6 e a contagem de plaquetas era de 405. Pela manhã o cortisol era de 19,5 e o hormônio estimulante da tireoide (TSH) era de 1,7. O tratamento da paciente consistia da administração intravenosa de 1 g de DDAVP juntamente com 75 mL/hora IV de solução salina meio normal. Após a queda da concentração plasmática de Na+ para 116 meq/L, o fluido intravenoso foi substituído por solução salina normal, com a mesma taxa de infusão. A Tabela e15.1 apresenta os resultados subsequentes. ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA A paciente se apresentou com hiponatremia hipovolêmica e uma redução “pré-renal” na TFG, com elevação no nível de creatinina sérica. Ela havia tido diarreia por algum tempo e manifestou taquicardia ortostática depois da administração de 1 litro de solução salina normal. Como era de se esperar em casos de hiponatremia hipovolêmica, a concentração do Na+ urinário era inferior a 20 meq/L na ausência de insuficiência cardíaca congestiva ou de outras causas de hiponatremia “hipervolêmica”. A paciente respondeu à hidratação salina com elevação na concentração plasmática de Na+ e uma redução no nível de creatinina. A hipovolemia inicial aumentou a sensibilidade da resposta da AVP desta paciente à osmolalidade, diminuindo o limite osmótico para liberação de AVP e aumentando a curva de resposta à osmolalidade. Como a meia-vida da arginina vasopressina é de apenas 10 a 20 minutos, o aumento agudo no volume intravascular depois da administração intravenosa de 1 litro de solução salina provocou uma rápida redução na AVP em circulação. A diurese hídrica subsequente é a explicação primária para a rápida elevação na concentração plasmática de Na+ nas primeiras 7 horas de hospitalização. ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO Neste caso, a preocupação principal era a cronicidade evidente da hiponatremia da paciente, com várias semanas de diarreia seguidas de 2 a 3 dias de exacerbação aguda. Acreditava-se que a paciente tivesse hiponatremia “crônica”, isto é, com suspeita de duração de mais de 48 horas. Dessa forma, a a paciente estaria predisposta a desmielinização osmótica no caso de se submeter a uma correção muito rápida na concentração plasmática de Na+, ou seja, mais de 8 a 10 meq/L em 24 horas ou 18 meq/L em 48 horas. Na apresentação, a paciente não tinha sintomas que, tipicamente, seriam atribuídos a hiponatremia aguda, e a concentração plasmática de Na+ já havia aumentado em um nível suficiente para protegê-la contra a ocorrência de edema cerebral. Entretanto, ela havia corrigido 1 meq/L por hora nas primeiras 7 horas pós-admissão, o que era consistente com correção excessiva iminente. Para reduzir ou interromper a elevação na concentração plasmática de Na+, a paciente recebeu 1 g IV de DDAVP juntamente com a administração intravenosa de água livre. À vista da hipovolemia e da insuficiência renal aguda em fase de resolução, foi tomada a decisão de administrar solução salina meio normal como fonte de água livre em vez de D5W. Isso foi substituído por solução salina normal no momento em que a concentração plasmática de Na+ caiu drasticamente para 117 meq/L (Quadro e15.1). A correção excessiva de hiponatremia crônica é um fator de risco importante para o desenvolvimento da síndrome da desmielinização osmótica (SDO). Estudos realizados em animais mostram benefícios neurológicos e de sobrevida na SDO “abaixando novamente” a concentração de Na plasmático com DDAVP e administração de água livre. É possível demonstrar a segurança 14 24 48 72 dessa abordagem em pacientes hipo116 117 124 130 natrêmicos, sem nenhum risco eviden1,79 1,53 1,20 1,13 te de convulsões ou de outras sequelas. 415 397 O uso dessa combinação evita correções excessivas ou novas reduções na + concentração plasmática de Na em 23 47 pacientes que já tiveram correção excessiva. A administração de DDAVP é imprescindível tendo em vista que a maioria dos níveis de AVP endógena desses pacientes caiu drasticamente, resultando em diurese hídrica livre. Somente a administração de água livre exerce efeito mínimo nesse tipo de quadro por causa da ausência relativa de AVP em circulação. + A concentração plasmática de Na da paciente permaneceu baixa por vários dias depois da administração de DDAVP. Possivelmente, a hiponatremia hipovolêmica atenuou a recuperação da concentração + plasmática de Na . Como alternativa, a recuperação atenuada talvez tenha sido resultado dos efeitos permanentes da dose única de DDAVP. Cabe observar que, embora a meia-vida plasmática do DDAVP seja de apenas 1 a 2 horas, os estudos farmacodinâmicos indicam efeitos muito mais prolongados no débito urinário e/ou na osmolalidade urinária. Uma consideração final é o efeito da disfunção renal inicial da paciente sobre a farmacocinética e a farmacodinâmica do DDAVP administrado, que é eliminado pelas vias renais. O DDAVP deve ser administrado com muita cautela para reindução de hiponatremia em pacientes portadores de doença renal crônica ou de disfunção renal aguda. CASO 6 Uma mulher de 44 anos de idade havia sido encaminhada por um hospital local depois de apresentar-se com paralisia flácida. Hipocalemia grave (2,0 meq/L) fez parte da documentação, ensejando o início de uma infusão contendo KCl. Dados laboratoriais Valor Unidades Na 140 meq/L + 2,6 meq/L Cl 115 meq/L Bicarbonato 15 meq/L Hiato aniônico 10 meq/L BUN 22 mg/dL Creat 1,4 mg/dL pH 7,32 U PaCO2 30 mmHg 15 meq/L + K Gases no sangue arterial ⫺ HCO3 Os dados laboratoriais complementares foram os seguintes: fator reumatoide positivo, anti-Ro/SS-A e anti-La/SS positivo. O exame de urina revelou um pH de 6,0, sedimento normal sem cilindros leucocitários ou eritrocitários e sem bactérias. A razão entre proteína urinária e creatinina era de 0,150 g/g. Os valores dos eletrólitos uri+ + – nários eram Na = 35, K = 40 e Cl = 18 meq/L. Portanto, o hiato aniônico urinário era positivo, indicando baixo nível de excreção de + NH4 através da urina. ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Neste caso, o diagnóstico mais preciso é de acidose tubular renal distal hipocalêmica clássica causada pela síndrome de Sjögren. Este paciente apresentou-se com acidose metabólica sem hiato aniônico. O hiato aniônico da urina era positivo, indicando excreção anormal- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. CASO 7 Um homem de 32 anos de idade foi admitido no hospital com fraqueza e hipocalemia. O paciente era uma pessoa saudável até 2 meses antes, quando começou a desenvolver fraqueza intermitente nas pernas. A revisão de sistemas foi negativa. Ele negava abuso de drogas e de laxantes e não estava tomando nenhuma medicação. Nada constava no histórico médico anterior e não havia histórico de doença neuromuscular. Na história familiar constava uma irmã portadora de doença tireoidea. O exame físico revelou apenas redução dos reflexos tendinosos profundos. Dados laboratoriais Admissão Linha de base Na 139 143 meq/L + 2,0 3,8 meq/L - 105 107 meq/L + K Cl Unidades Admissão Linha de base Unidades Bicarbonato 26 29 meq/L BUN 11 16 mg/dL Creat 0,6 1,0 mg/dL Ca 2+ 8,8 8,8 mg/dL Fosfato 1,2 mg/dL Albumina 3,8 mg/dL Osmolalidade plasmática 290 mosmol/kg Osmolalidade urinária 590 mosmol/kg + K urinário 10 meq/L TSH UI/L (normal: 0,2 a 5,39) T4 livre 41 pmol/L (normal: 10 a 27) ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA O paciente desenvolveu hipocalemia devido à redistribuição de potássio entre os compartimentos intracelular e extracelular. Essa fisiopatologia se tornou imediatamente aparente depois do cálculo do gradiente transtubular de potássio (GTTP). O GTTP é calculado com base na seguinte fórmula: (Posmol x Upotássio) / Ppotássio x Uosmol). Os valores esperados para o GTTP são inferiores a 3 na presença de hipocalemia e maiores do que 7 e 8 na presença de hiperpotassemia (ver os casos 2 e 8). Neste caso, o GTTP calculado de 2,5 era consistente com a conservação renal adequada de K+ e com uma causa não renal para hipocalemia. Na ausência de perdas gastrointestinais significativas de K+, o diagnóstico do paciente foi de um tipo “redistributivo” de hipocalemia. Mais de 98% do potássio total do corpo é intracelular. O tamponamento regulado do K+ extracelular por este grande acúmulo intracelular desempenha um papel importante na manutenção de concentrações plasmáticas estáveis de K+. Sob o ponto de vista clínico, alterações na troca e na distribuição de K+ intra e extracelular podem provocar hipo ou hiperpotassemia significativas. Insulina, atividade adrenérgica 2, hormônio da tireoide e alcalose promovem a reabsorção celular de K+ por meio de vários mecanismos interrelacionados, levando à hipocalemia. Em particular, alterações na atividade do sistema nervoso simpático endógeno podem causar hipocalemia em vários quadros, incluindo abstinência de álcool, hipertireoidismo, infarto agudo do miocárdio e lesão cerebral grave. A fraqueza é comum em casos de hipocalemia grave. A hipocalemia provoca hiperpolarização muscular, alterando a capacidade de despolarização e de contração. Neste paciente, a doença de Graves resultou em hipertireoidismo e paralisia hipocalêmica (paralisia tirotóxica periódica [PTP]). Esse tipo de paralisia desenvolve com mais frequência em pacientes de origem asiática ou hispânica. Essa predisposição foi relacionada a variações genéticas no gene Kir2.6, um canal de K+ induzido pelo hormônio da tireoide específico para os músculos. Entretanto, os mecanismos patofisiológicos que ligam a disfunção desse canal iônico à PTP ainda não foram esclarecidos. A PTP nos casos de hipocalemia é atribuída à ativação direta e indireta de Na+, K+-ATPase pelo hormônio da tireoide, resultando no aumento da reabsorção de K+ pelos músculos e por outros tecidos. O hormônio da tireoide induz a expressão de várias subunidades de Na+, K+-ATPase nos músculos esqueléticos, aumentando a capacidade de reabsorção de K+. Acredita-se também que aumentos hipertireoideos na atividade beta-adrenérgica desempenha papel importante na PTP. Sob o ponto de vista clínico, os pacientes com PTP se apresentam com fraqueza nas extremidades e cíngulo nos membros, com episódios paralíticos que ocorrem com mais frequência entre 1 da madrugada e 6 horas da manhã. Os agentes que precipitam a fraqueza incluem cargas elevadas de carboidratos e exercícios estrênuos. Os sinais e sintomas de hipertireoidismo nem sempre estão presentes e com frequência atrasam o diagnóstico. De maneira geral, a hipocalemia é profunda e, com frequência, é acompanhada de hipofosfate- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Desequilíbrios entre Líquidos e Eletrólitos e Desequilíbrios entre Ácido e Base ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO Ainda não existe prognóstico renal de longo prazo para pacientes com ATRd clássica causada pela síndrome de Sjögren. Não obstante, a acidose metabólica e a hipocalemia respondem à reposição alcalina com solução de citrato de sódio (solução de Shohl) ou com comprimidos de bicarbonato de sódio. Obviamente, no início, é necessário repor o déficit de potássio, embora, usualmente, a reposição potássica não seja mandatória no longo prazo em pacientes com ATRd levando-se em consideração que a terapia com bicarbonato de sódio (ou citrato) expande o volume e corrige o hiperaldosteronismo secundário. Uma das consequências do infiltrado intersticial observada em pacientes portadores da síndrome de Sjögren e da ATRd clássica é a progressão de doenças renais crônicas. A terapia citotóxica + glicocorticoides tem sido a base terapêutica para a síndrome de Sjögren por muitos anos, embora as infiltrações de linfócitos B nos tecidos das glândulas salivares sejam atenuantes e a acidificação urinária melhore depois do tratamento com rituximab. Dados laboratoriais CAPÍTULO e15 mente baixa de amônia em face de acidose sistêmica. O pH da urina era inapropriadamente alcalino, embora não houvesse nenhuma evidência de hipercalciúria, nefrocalcinose ou doença óssea. Subsequentemente o paciente apresentou hiperglobulinemia. Essas descobertas, consideradas em conjunto, indicam que a causa da hipocalemia e da acidose metabólica sem hiato aniônico era uma anormalidade tubular renal. A hipocalemia e a excreção anormalmente baixa de amônia, de acordo com estimativa feita com base no hiato aniônico da urina, na ausência de glicosúria, fosfatúria ou aminoacidúria (síndrome de Fanconi), define a entidade clássica acidose tubular renal distal (ATRd), também conhecida como ATR tipo 1. Por causa da hiperglobulinemia foi necessário obter serologia adicional para produzir evidências para o diagnóstico de síndrome primária de Sjögren. Além disso, o histórico complementar indicou um histórico de 5 anos de xerostomia e de ceratoconjuntivite seca, porém sem sinovite, artrite ou erupções cutâneas. Com frequência, a ATRd clássica ocorre em pacientes com síndrome de Sjögren, como resultado de ataques imunológicos no túbulo coletor, provocando insuficiência de H+-ATPase nas células intercaladas tipo A. A síndrome de Sjögren é uma das causas adquiridas mais bem documentadas da ATRd clássica. A perda da função da H+-ATPase ocorre também com determinadas formas herdadas de ATRd clássica. Neste caso, não havia história familiar, sendo que outros membros da família não chegaram a ser afetados. Uma determinada quantidade de autoanticorpos foi associada à síndrome de Sjögren, sendo provável que esses autoanticorpos impeçam o trânsito ou a função da H+-ATPase nas células intercaladas tipo A do túbulo coletor. Embora muito menos comuns, há também relatos de ATR proximal em pacientes portadores da síndrome de Sjögren, não tendo sido encontrada no caso deste paciente nenhuma característica de disfunção no túbulo proximal (síndrome de Fanconi). A hipocalemia é o resultado de hiperaldosteronismo secundário causado por depleção de volume. 15-7 mia redistributiva, a exemplo do que ocorre neste caso. Gradientes transtubulares de potássio inferiores a 2-3 separam os pacientes com PTP de pacientes com hipocalemia devido à perda renal de potássio, que têm valores de GTTP acima de 4. Essa distinção é extremamente importante para a terapia. Pacientes com grandes déficits de potássio exigem reposição agressiva com K+-Cl-, que aumenta o risco de hiperpotassemia de rebote em casos de paralisia tirotóxica periódica e de distúrbios relacionados. PARTE II Principais Manifestações e Apresentações das Doenças ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO Em última análise, a terapia definitiva para PTP exige tratamento do hipertireoidismo associado. Entretanto, no curto prazo, a reposição de potássio é necessária para agilizar a recuperação muscular e evitar arritmias cardíacas. O tempo médio de recuperação de ataques agudos é reduzido pela metade em pacientes tratados com administração intravenosa de K+-Cl– a uma taxa de 10 meq por hora. Entretanto, isso incorre em um risco significativo de hiperpotassemia de rebote, sendo que até 70% dos pacientes desenvolvem concentrações plasmáticas de K+ acima de 5,0 meq/L. Esse potencial para hiperpotassemia de rebote é um problema geral no gerenciamento de todas as causas de hipocalemia “redistributiva”, resultando na necessidade de fazer uma distinção precisa e rápida entre esses pacientes e aqueles com grandes déficits de K+ devido às perdas renais ou extrarrenais de potássio. Uma das alternativas atraentes para reposição de K+-Cl– é o tratamento com doses elevadas de propranolol (3 mg/kg), que reverte rapidamente a hipocalemia associada e a paralisia. Cabe ressaltar que a hiperpotassemia de rebote não está associada a esse tipo de tratamento. CASO 8 Um homem de 66 anos de idade foi admitido no hospital com concentração plasmática de K+ de 1,7 meq/L e em estado profundo de fraqueza. Este paciente havia percebido a presença de fraqueza progressiva durante vários dias, até o ponto em que não conseguia levantar-se da cama. O histórico médico anterior indicava carcinoma pulmonar de pequenas células com metástases para o cérebro, fígado e adrenais. O paciente havia sido tratado com um ciclo de cisplatina/ etoposida 1 ano antes da admissão, cujo estado fora complicado por uma lesão renal aguda (pico de creatinina de 5 mg/dL, com doença renal crônica residual), e com três ciclos subsequentes de ciclofosfamida/doxorubicina/vincristina, além de 15 tratamentos com radiação em todo o cérebro. Depois de 2 meses Dados laboratoriais PTA Admissão HD2 Unidades Na+ 143 149 144 meq/L + 3,7 1,7 3,5 meq/L Cl - 103 84 96 meq/L Bicarbonato 26 44 34 K pH venoso 7,47 PCO2 venoso 62 mmHg BUN 21 412 40 mg/dL Creat 2,8 2,9 2,3 mg/dL 2+ 1,3 1,6 2,4 mg/dL Mg CPK 15-8 meq/L pH 183 UI/L ALT 8 75 Albumina 3,4 2,8 2,3 18 Hiato aniônico ajustado 15 24 Bilirrubina total 0,65 5,19 Fosfatase alcalina 93 217 UI/L mg/dL UI/L + Na urinário 35 28 meq/L + Ka urinário 25 49 meq/L Cloreto urinário 48 51 meq/L Osmolalidade urinária 391 mosmol/kg Dados laboratoriais PTA Admissão Osmolalidade plasmática 312 pH da urina 5,5 HD2 Unidades mosmol/kg ACTH plasmático 185 pg/mL (7 a 50 pg/mL) Cortisol plasmático 94 pg/mL (3 a 16 pg/mL) Cortisol urinário de 24 horas 1044 g/mL (4 a 50 g/24 h) No exame físico o paciente apresentou icterícia. A pressão arterial (PA) era de 130/70, aumentando para 160/98 depois da administração de 1 litro de solução salina, com pressão venosa jugular (PVJ) de 8 cm. A fraqueza muscular era generalizada. O curso hospitalar do paciente foi complicado por insuficiência respiratória aguda que foi atribuída a embolia pulmonar. O paciente faleceu 2 semanas depois da admissão. ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Por que este paciente era hipocalêmico? Por que estava tão fraco? Por que teve alcalose? Este paciente era portador de um carcinoma pulmonar metastático de pequenas células que permanecia persistente depois de várias aplicações de quimioterapia e de radioterapia. O paciente se apresentou com hipocalemia profunda, alcalose, hipertensão, fraqueza grave, icterícia e testes da função hepática piores. No que diz respeito à hipocalemia, não havia causas evidentes de perda não renal de potássio, isto é, de diarreia. O gradiente transtubular de potássio (GTTP) urinário era de 11,7 com concentração plasmática de sódio de 1,7 meq/L. Este valor do GTTP é consistente com secreção inadequada de K+ renal, a despeito do estado grave de hipocalemia. O GTTP é calculado com base na seguinte fórmula: (Posmol x Upotássio) / Ppotássio x Uosmol). Os valores esperados para o GTTP são menores que 3 na presença de hipocalemia e acima 7 a 8 na presença de hiperpotassemia (ver os Casos 2 e 6). Havia várias explicações para a perda renal excessiva de potássio. Em primeiro lugar, o paciente havia tido um histórico de lesão renal aguda associada à cisplatina e de doença hepática crônica residual. A cisplatina pode causar defeitos tubulares renais persistentes, com hipocalemia proeminente e hipomagnesemia. Entretanto, este paciente não havia necessitado previamente de reposição de potássio ou de magnésio, indicando que os defeitos tubulares renais associados à cisplatina não desempenhavam papel importante na apresentação com hipocalemia grave. Em segundo lugar, o paciente era hipomagnesêmico na apresentação, sugerindo depleção total de magnésio no corpo. A depleção de magnésio tem efeitos inibidores sobre a atividade muscular N+,K+-ATPase, reduzindo o influxo para as células musculares, provocando um aumento secundário na excreção de K+. A depleção de magnésio aumenta também a secreção de K+ pelo néfron distal. Esse fato é atribuído a uma redução no bloqueio intracelular do efluxo de K+ dependente de magnésio através do canal secretor de potássio das células principais [canal de potássio medular externo renal (PMER)] (Figura e15.1). Sob o ponto de vista clínico, os pacientes hipomagnesêmicos são refratários à reposição de K+, na ausência de hipervolemia por magnésio. Entretanto, novamente, este paciente não havia desenvolvido previamente hipocalemia significativa, a despeito da hipomagnesemia periódica e, consequentemente, outros fatores devem ter causado a hipocalemia grave. Neste caso, a hipertensão associada sugeria aumento na atividade mineralocorticoide provocando intensificação na atividade dos canais de CNaE nas células principais, retenção de NaCl, hipertensão e hipocalemia. O aumento no transporte de Na+ mediado pelo CNaE nas células principais teria resultado em um aumento na diferença de potencial do lúmen negativo no túbulo conector e no ducto coletor cortical, estimulando um acréscimo na secreção de K+ através dos canais potássicos apicais (Figura e15.1). Essa explicação é compatível com gradientes transtubulares de potássio (GTTP) extremamente elevados, isto é, aumentos na excreção de K+ incompatíveis com as concentrações plasmáticas de potássio. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. Na K NCC ENaC PMER + Aldo + Cortisol + + + Receptor ML + 11HSD2 Cortisona K CI CI K K Na Figura e15.2 11-hidroxiesteroide desidrogenase-2 e síndromes de excesso aparente de mineralocorticoides. A enzima 11-hidroxiesteroide desidrogenase-2 (11HSD-2) protege as células no néfron distal sensível à aldosterona [túbulo convoluto distal (TCD) e túbulo conector (TCN) e o ducto coletor] contra ativações ilícitas dos receptores de mineralocorticoides (RML) pelo cortisol. A ligação da aldosterona ao RML provoca a ativação do cotransportador de Na+-Cl– sensível às tiazidas nas células do TCD e do canal de sódio epitelial (ENaC) sensíveis às amiloridas nas células principais (TCN e ducto coletor). A aldosterona ativa também a Na+,K+-ATPase basolateral e, em menor extensão, o canal secretor apical de K+ (canal de potássio medular externo renal [PMER]). No que diz respeito aos RMLs, o cortisol possui afinidade equivalente à da aldosterona. O metabolismo do cortisol em comparação com o metabolismo da cortisona, que não tem nenhuma afinidade com o RML, impede a ativação dessas células pelo cortisol em circulação. A deficiência genética da 11HSD-2, ou a inibição de sua atividade, provoca a síndrome do excesso aparente de mineralocorticoides (ver o Caso 8). Desequilíbrios entre Líquidos e Eletrólitos e Desequilíbrios entre Ácido e Base CI Na tensão. A atividade da enzima 11-hidroxiesteroide desidrogenase-2 (11HSD-2) renal é reduzida em pacientes com ACTH ectópico, em comparação com a síndrome de Cushing, resultando em uma síndrome do excesso aparente de mineralocorticoides. A teoria predominante é que a produção muito maior de cortisol nas síndromes de ACTH ectópico supera a enzima 11HSD-2 renal, resultando na ativação de RMLs renais por cortisol não metabolizado (Figura e15.2). Por que o paciente estava tão enfraquecido? O paciente sentia uma fraqueza profunda devido ao efeito combinado de hipocalemia e da elevação no nível de cortisol. A hipocalemia provoca hiperpolarização muscular, alterando a capacidade de despolarização e de contração. Com frequência, o estado de fraqueza, e mesmo a paralisia ascendente, pode complicar estados graves de hipocalemia. Além disso, a hipocalemia provoca miopatia e predispõe para rabdomiólise. Entretanto, o nível de creatina fosfoquinase (CPK) do paciente era normal. De maneira geral, a síndrome de Cushing é acompanhada de miopatia proximal devido aos efeitos das perdas proteicas do excesso de cortisol. O paciente se apresentou com um distúrbio misto de ácido-base, com alcalose metabólica significativa e uma concentração de bicarbonato de 44 meq/L. Logo após a apresentação, foi retirada uma amostra de gás sanguíneo venoso. Os gases sanguíneos venosos e arteriais apresentam um nível elevado de conformidade em pacientes com estabilidade hemodinâmica. Isso permite interpretar os distúrbios entre ácido e base de acordo com o resultado do teste de avaliação dos gases no sangue. Em resposta a essa alcalose metabólica, o PCO2 deveria ter aumentado em 0,75 mmHg para cada 1 meq/L de aumento no nível de bicarbonato; o nível aproximado esperado do PCO2 deveria ter sido de 55 mmHg. Em face de um PCO2 de 62 mmHg, o paciente teve uma acidose respiratória adicional, provavelmente causada pela fraqueza dos músculos respiratórios decorrente de hipocalemia aguda e de hipercortisolismo subagudo. O hiato aniônico do paciente, ajustado pela albumina, era 21 + [(4 – 2,8) ⫻ 2,5] = 24. Esse valor sugere a presença de um terceiro distúrbio entre ácido e base: a acidose causada pelo hiato aniônico. Cabe ressaltar que o hiato aniônico medido poderá aumentar em casos de alcalose como resultado do aumento nas concentrações plasmáticas de proteínas (em alcalose hipovolêmica) e do aumento associado à alcalemia na carga negativa líquida de proteínas plasmáticas, com ambos aumentando os “ânions não medidos”. Entretanto, este paciente não apresentava depleção volumétrica nem era particularmente alcalêmico, sugerindo que a importância desses defeitos era mínima no hiato aniônico aumentado. A alcalose estimulava também o aumento na produção de ácido láctico devido à ativação da fosfofructoquinase e da glicólise acelerada. Entretanto, infelizmente, neste paciente, o nível de ácido láctico no chegou a ser medido. Nesse aspecto, é importante observar que, tipicamente, a alcalose eleva os níveis de ácido láctico em 1,5 a 3 meq/L e que o paciente não era significativamente alcalêmico. Seja qual for a patologia subjacente, provavelmente o aumento no hiato aniônico estava relacionado à alcalose metabólica tendo em vista o fato de que o hiato aniônico diminuiu para 18 no segundo dia de hospitalização.coincidindo com a redução no nível de bicarbonato plasmático. Por que o paciente teve alcalose metabólica? A ativação dos receptores de mineralocorticoides no néfron distal aumenta a acidez nefrônica distal e a secreção ácida líquida. Como consequência, o excesso de mineralocorticoides provoca alcalose metabólica resistente a soluções salinas, que é exacerbada significativamente pelo desenvolvimento da hipocalemia. A hipocalemia desempenha papel importante na geração da maioria das formas de alcalose metabólica, estimulando a produção tubular proximal de amônia, a reabsorção tubular proximal de bicarbonato e a atividade tubular distal de H+,K+-ATPase. CAPÍTULO e15 O que provocou o aumento na atividade mineralocorticoide deste paciente? O paciente possuía metástases adrenais bilaterais, indicando a presença improvável de hiperaldosteronismo primário. A apresentação clínica (hipocalemia, hipertensão e alcalose) e o histórico de carcinoma pulmonar de pequenas células (CPPC) sugeriam síndrome de Cushing, com aumento massivo na circulação de glicocorticoides, em resposta à secreção do hormônio adrenocorticotrópico (ACTH) pelo tumor do CPCP. A confirmação desse diagnóstico foi feita pelo nível muito elevado de cortisol plasmático, pelo nível elevado de ACTH e pelo aumento no nível de cortisol urinário (ver os dados laboratoriais anteriormente). Por que um aumento no cortisol em circulação provocaria uma elevação aparente no nível da atividade mineralocorticoide? O cortisol e a aldosterona possuem a mesma afinidade em relação ao receptor de mineralocorticoides (RML), de forma que o cortisol possui atividade “semelhante à dos mineralocorticoides”. Entretanto, as células do néfron distal sensível à aldosterona [túbulo convoluto distal (TCD) e ducto coletor] são protegidas contra o cortisol em circulação pela enzima 11-hidroxiesteroide desidrogenase-2 (11HSD-2) que converte o cortisol em cortisona (Fig. e15.2). A afinidade da cortisona com o receptor de mineralocorticoides (RML) é mínima. A ativação do RML ativa a Na+,K+-ATPase basolateral, o cotransportador de Na+-Cl– sensível às tiazidas no TCD e os canais apicais de ENaC nas células principais, e o ducto coletor (Figura e15.2). As mutações recessivas de perda de função no gene da enzima 11HSD-2 levam à ativação dependente de cortisol do RML e à síndrome do excesso aparente de mineralocorticoides (SEAM), que consiste de hipertensão, hipocalemia e alcalose metabólica, supressão da atividade da renina plasmática (ARP) e supressão da aldosterona. Uma síndrome semelhante é causada pela inibição bioquímica da enzima 11HSD-2 (pelo ácido glicirretínico/glicirrizínico encontrado no alcaçuz, por exemplo) e/ou pela carbenoxolona. Na síndrome de Cushing causada por elevações no nível do ACTH hipofisário, a incidência de hipocalemia é apenas de 10%, ao passo que é de aproximadamente 70% em pacientes com secreção ectópica de ACTH, a despeito de uma incidência semelhante de hiper- ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO A primeira prioridade no gerenciamento deste paciente foi aumentar rapidamente as concentrações plasmáticas de K+ e de magnésio. Os pacientes hipomagnesêmicos são refratários às reposições de K+ isoladamente, sendo que é necessário fazer a correção imediata da hipomagnesemia. Isso foi feito com administração oral e intravenosa de K+-Cl-, com um total de 240 meq nas primeiras 18 horas e admi- ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. 15-9 PARTE II Principais Manifestações e Apresentações das Doenças nistração intravenosa de 5 gramas de sulfato de magnésio. A infusão de várias “minibolsas” de 100 mL contendo 20 meq cada uma permitiu fazer o monitoramento cardíaco e medições frequentes dos eletrólitos plasmáticos. Cabe ressaltar que o K+-Cl– intravenoso deveria sempre ser administrado em soluções salinas, tendo em vista que as soluções contendo dextrose podem elevar os níveis insulínicos e exacerbar a hipocalemia. Este caso ilustra a dificuldade para prever déficits corporais totais de K+ em pacientes hipocalêmicos. Na ausência de redistribuição anormal de K+ o déficit total se correlaciona com a concentração plasmática de potássio, que cai em aproximadamente 0,27 mM para cada redução de 100 mmol nos estoques totais do corpo. No caso deste paciente, esse fato poderia sugerir um déficit de –650 meq de K+ na concentração plasmática de potássio de 1,7 meq/L por ocasião da admissão. Entretanto, é importante observar que a alcalemia induz um modesto deslocamento intracelular do K+ em circulação, de maneira que a concentração plasmática de potássio inicial deste paciente não era um indicador ideal do déficit total de potássio. Neste caso, seja qual for a fisiopatologia subjacente, o monitoramento rigoroso da concentração plasmática de potássio é sempre essencial durante a correção de hipocalemia grave para medir a adequação da hipervolemia e evitar correções excessivas. O gerenciamento subsequente da síndrome de Cushing e da secreção ectópica de ACTH deste paciente foi complicado por problemas respiratórios. Esse tipo de prognóstico em pacientes com secreção ectópica de ACTH depende da histologia tumoral e da presença ou da ausência de metástases distantes. Excepcionalmente, este paciente apresentou um mau prognóstico com carcinoma pulmonar de pequenas células amplamente metastático cujo tratamento não foi bem sucedido. Outros pacientes com secreção ectópica de ACTH causada por tumores isolados mais benignos, em geral tumores carcinoides brônquicos, apresentam melhores prognósticos. Na ausência de ressecções cirúrgicas bem sucedidas do tumor causativo, o gerenciamento dessa síndrome inclui adrenalectomia cirúrgica ou terapia médica para bloquear a produção de esteroides adrenais. CASO 9 Um homem de 22 anos de idade com estupor foi admitido com histórico de comportamento estranho. Seus amigos informaram que ele havia passado por problemas emocionais recentes decorrentes de um relacionamento mal sucedido e que havia ameaçado cometer suicídio. Embora houvesse um histórico de abuso de bebidas alcoólicas, seus amigos desconheciam o consumo recente de álcool. A obnubilação do paciente na admissão não revelou a presença de déficits neurológicos focais evidentes. O restante do exame físico não mostrou nada excepcional. Dados laboratoriais Na+ 140 meq/L 5 meq/L 95 meq/L HCO3 10 meq/L Glicose 125 mg/dL BUN 15 mg/dL Creat 0,9 mg/dL 2+ Ca ionizado 4,0 mg/dL Osmolalidade plasmática 325 mosmol kg/H2O + K - Cl - O exame de urina revelou a presença de cristalúria, com uma mistura de cristais com forma de envelopes e de agulhas. ■ ABORDAGEM DIAGNÓSTICA Este paciente apresentou-se com manifestações no SNC e com histórico de comportamento suspeito, sugerindo ingestão de alguma toxina. O nível elevado do hiato aniônico de 35 meq/L era assustador. 15-10 O ⌬HA de 25 excedia de forma significativa o ⌬HCO3– de 15. O fato de que os valores de delta sejam significativamente distintos indica que o diagnóstico ácido-base mais provável neste paciente seja um misto de acidose metabólica com hiato aniônico elevado e alcalose metabólica. Neste caso, a alcalose metabólica pode ter sido resultado de vômitos. Não obstante, a descoberta mais útil é que o hiato osmolar era elevado. O hiato osmolar de 33 (diferença entre a osmolalidade medida e a osmolidade calculada ou 325 – 292) em face de uma acidose metabólica com hiato elevado é diagnóstico de metabólitos osmoticamente ativos no plasma. Diferenças acima de 10 mosmol/kg indicam concentrações significativas de osmólitos não medidos. Os exemplos de osmólitos tóxicos incluem etileno glicol, dietileno glicol, metanol e propileno glicol. Vários avisos de alerta se aplicam na interpretação dos hiatos aniônicos e osmolares no diagnóstico diferencial de ingestões tóxicas de álcool. Em primeiro lugar, os osmólitos neutros não medidos também podem se acumular na acidose láctica e na cetoacidose alcoólica, isto é, hiatos osmolares elevados não são específicos de acidoses com hiato aniônico associadas a ingestões tóxicas de álcool. Em segundo lugar, os pacientes podem se apresentar com metabolização extensiva das toxinas ingeridas, com hiato osmolar inexpressivo, porém com um grande hiato aniônico, ou seja, a ausência de um hiato osmolar elevado não exclui a ingestão tóxica de álcool. Em terceiro lugar, o inverso pode ser observado em pacientes que se apresentam logo após a ingestão da toxina, isto é, um grande hiato osmolar com elevação mínima do hiato aniônico. Finalmente, os médicos deveriam ter consciência do efeito da coingestão de etanol, que por si mesma poderá elevar o hiato osmolar e reduzir o metabolismo dos álcoois tóxicos por meio da inibição competitiva através da álcool desidrogenase (ver abaixo), atenuando, consequentemente, a elevação esperada no hiato aniônico. Usualmente, o etileno glicol é comercializado como anticongelante ou solvente e pode ser ingerido por acidente ou em tentativas de suicídio. O metabolismo do etileno glicol através da álcool desidrogenase gera ácidos como o glicoaldeído, o ácido glicólico e o ácido oxálico. Os efeitos iniciais da intoxicação no SNC, nos estágios mais precoces, imitam inebriação, embora possam progredir rapidamente para coma totalmente desenvolvido. Atrasos no tratamento são as causas mais comuns de mortalidade com envenenamento tóxico por álcool. Os rins mostram evidências de lesão tubular aguda com deposição generalizada de cristais de oxalato de cálcio dentro das células epiteliais tubulares. A presença de edemas cerebrais é comum, assim como a deposição de cristais no cérebro. A deposição de cristais é irreversível. A ocorrência simultânea de cristalúria é típica em casos de intoxicação por etileno glicol. Tanto os cristais de oxalato de cálcio de monohidrato em forma de agulha como de monohidrato em forma de envelope são observados na urina durante a evolução do processo. O oxalato em circulação também pode criar situações complexas com o cálcio plasmático, reduzindo o nível de cálcio ionizado, a exemplo do que ocorre neste caso. A intoxicação por etileno glicol deve ser verificada pela medição de seus níveis. Entretanto, é importante iniciar a terapia imediatamente nesse quadro com risco de vida. Embora a terapia possa ser iniciada com um determinado grau de confiança no caso de ingestões conhecidas ou observadas, raramente esse tipo de histórico está à disposição do médico. Consequentemente, a terapia deverá se iniciada em pacientes com acidose metabólica grave e hiatos aniônicos e osmolares elevados. Outras características diagnósticas, como hipocalcemia e insuficiência renal aguda com cristalúria, podem produzir confirmações importantes para as terapias empíricas de urgência. ■ ABORDAGEM DE GERENCIAMENTO Levando-se em consideração que todos os quatro álcoois tóxicos osmoticamente ativos – etileno glicol, dietileno glicol, metanol e propileno glicol – são metabolizados através da álcool desidrogenase gerando produtos tóxicos, a inibição competitiva dessa importante enzima é comum no tratamento de todas os quatro tipos de intoxicação. Nessas circunstâncias, o fomepizol (4-metil-pirazol) é o inibidor mais potente da álcool desidrogenase e o medicamento de escolha. ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. BIBLIOGRAFIA DuBose TD Jr: Acid-base disorders, in Brenner and Rector’s The Kidney, 8th ed, B Brenner (ed), Philadelphia, W.B. Saunders, 2008 ———: A 42-year-old woman with flaccid paralysis. 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Clin J Am Soc Nephrol 3:331, 2008 Schrier RW et al: Tolvaptan, a selective oral vasopressin V2-receptor antagonist, for hyponatremia. N Engl J Med 355:2099, 2006 Desequilíbrios entre Líquidos e Eletrólitos e Desequilíbrios entre Ácido e Base ©2013, AMGH Editora Ltda. Todos os direitos reservados. CAPÍTULO e15 O fomepizol deve ser administrado por via intravenosa, sendo que dose de carga (15 mg/kg) deve ser seguida por doses de 10 mg/kg, a cada 12 horas para quatro doses e, partir de então, 15 mg/kg a cada 12 horas, até que os níveis de etileno glicol sejam reduzidos para menos de 20 mg/dL e o paciente se torne assintomático e com pH normal. Componentes adicionais muito importantes no tratamento de intoxicação por ingestão alcoólica incluem ressuscitação com líquidos, tiamina, piridoxina, folato, bicarbonato de sódio e hemodiálise. A função da hemodiálise é remover os compostos básicos e os metabólitos tóxicos, além da remoção do fomepiazol administrado, sendo necessário ajustar a dose com frequência. A aspiração gástrica, a êmese induzida ou o uso de carvão ativado somente são eficazes se o início ocorrer entre 30 a 60 minutos após a ingestão da toxina. Nos casos em que o fomepiazol não estiver disponível, o etanol, que tem afinidade dez vezes maior para a álcool desidrogenase em comparação com outros álcoois, pode ser uma opção bastante eficaz. A administração intravenosa de etanol permite atingir um nível sanguíneo de 22 meq/L (100 mg/dL). Uma das desvantagens do etanol é a obnubilação que ocorre depois da administração, que é um efeito adicional aos efeitos do etileno glicol no sistema nervoso central. Além disso, nos casos em que a hemodiálise for utilizada, é necessário incrementar a taxa de infusão de etanol, considerando que é dialisado muito rapidamente. De maneira geral, a hemodiálise é recomendada para uso em todos os pacientes com intoxicação por etileno glicol quando o pH arterial for inferior a 7,3 ou o hiato osmolar exceder 20 mosmol/kg H2O. 15-11