PROCESSO-CONSULTA CFM nº 15/14 – PARECER CFM nº 8/14 INTERESSADO: Cooperativa dos Médicos Retinólogos de Minas Gerais – Retcoop e Associação Zona da Mata de Oftalmologia – Azmo ASSUNTO: Imposição, por parte das cooperativas de trabalho médico e planos de saúde, do local onde o médico assistente deverá tratar seu paciente RELATOR: Cons. José Fernando Vinagre EMENTA: Os planos de saúde, cooperativas de trabalho médico e clínicas de referência não poderão impor aos usuários e aos seus médicos assistentes o local onde esses pacientes deverão ser tratados, bem como não poderão enviá-los para outros médicos. DA CONSULTA A Cooperativa dos Médicos Retinólogos do Estado de Minas Gerais – Retcoop e a Associação Zona da Mata de Oftalmologia – Azmo (reclamantes) consultam acerca da correção no comportamento ético de algumas clínicas, cooperativas de trabalho médico e planos de saúde do Estado de Minas Gerais. Referem-se a condutas antiéticas adotadas pelos planos de saúde Bradesco e Geap, bem como as cooperativas Unimed BH e a Unimed Juiz de Fora, em relação ao tratamento ocular quimioterápico com antiangiogênico para o tratamento da DMRI na forma exsudativa. Listam condutas e argumentos tais como: a) Imposição aos usuários portadores da DMRI de que sejam atendidos exclusivamente nas clínicas indicadas, que aceitaram os valores fixados para aplicação do medicamento Lucentis e remuneração de honorários sob a forma de pacote; b) Exigência de que os médicos assistentes tratem a DMRI de seus pacientes também nas clínicas que aceitaram valores por elas determinados e com remuneração de honorários sob a forma de pacote; c) Desvio de pacientes para aquelas clínicas e médicos que aceitaram os valores predeterminados para aplicação do medicamento Lucentis; d) Remuneração do médico assistente sob a forma de pacote e em valores inferiores à tabela da CBHPM; e) Argumento dos planos de saúde e das cooperativas com relação ao preço pago para tratamento da DMRI e aplicação do medicamento Lucentis está associado ao fato de que o mesmo pode ser comprado com desconto pelos médicos assistentes, diretamente do laboratório Novartis S/A. Assim, os planos de saúde e cooperativas impõem que o preço para o tratamento, incluindo a medicação, deverá ser aquele considerando o valor mínimo do medicamento e desconsiderando que alguns médicos assistentes, cujo poder econômico é inferior, não podem comprar a medicação por um preço mais em conta. Ou seja, os preços de aquisição do medicamento Lucentis têm variação dependente da quantidade de ampolas adquiridas pelo médico. A reclamação explícita de que, em Belo Horizonte, a Unimed BH e os planos de saúde Bradesco e Geap vêm desviando pacientes para a Clínica Oculare Centro de Oftalmologia e, em Juiz de Fora, a Unimed Juiz de Fora vem desviando pacientes para o Centro Médico Rio Branco, para a Clínica de Olhos A.G. e para a Clínica de Olhos R.M., que aceitaram o preço imposto para o tratamento da DMRI e aplicação do medicamento Lucentis. DO PARECER Em nota de divulgação ampla, em setembro do corrente ano, o laboratório Novartis S/A reviu sua política de preço e passou a disponibilizar o medicamento Lucentis com preço único (segundo a nota com desconto máximo), independentemente da quantidade adquirida, para os médicos ligados às cooperativas e planos de saúde, superando-se, portanto, parte desta reclamação (item "e", elencado acima). Pesquisa deste relator identificou, também, que a Unimed Juiz de Fora, após ação ajuizada pela Azmo, fez "acordo judicial" com esta reclamante e retirou a imposição de clínicas específicas para o tratamento ocular quimioterápico com 2 antiangiogênico para DMRI na forma exsudativa (aplicação do medicamento Lucentis), estendido a todos os médicos habilitados e credenciados à referida cooperativa. Esse acordo judicial atende, assim, outra parte desta reclamação referente à solicitação da Azmo. Analisando as reclamações, afirma-se que o usuário de plano de saúde tem o direito de escolha do médico assistente desde que credenciado ao plano ou cooperado. O profissional decide onde o procedimento deve ser realizado, desde que o centro médico ou hospital indicado seja um prestador devidamente credenciado. A imposição, por parte do plano de saúde e da cooperativa, do local onde o usuário deverá ser tratado fere o disposto na Resolução CFM nº 1.642/02, a qual define que as empresas que atuam sob a forma de prestação direta ou intermediação de serviços médicos devem estar registradas nos Conselhos Regionais de Medicina de sua respectiva jurisdição, bem como respeitar a autonomia profissional dos médicos efetuando os pagamentos diretamente aos mesmos e sem sujeitá-los a quaisquer restrições. O documento diz ainda que (art. 1º, “a”) as empresas de seguro-saúde, de medicina de grupo, cooperativas de trabalho médico, empresas de autogestão ou outras que atuem sob a forma de prestação direta ou intermediação dos serviços médico-hospitalares devem respeitar a autonomia do médico e do paciente em relação à escolha de métodos diagnósticos e terapêuticos, corretamente indicados. O inciso VIII do Capítulo I do Código de Ética Médica (CEM), ao tratar dos Princípios Fundamentais, diz: VIII - O médico não pode, em nenhuma circunstância ou sob nenhum pretexto, renunciar à sua liberdade profissional, nem permitir quaisquer restrições ou imposições que possam prejudicar a eficiência e a correção de seu trabalho. Exigências que contrariem tais preceitos desrespeitam a autonomia do médico assistente. Os artigos 4º e 5º da Resolução CFM nº 1.642/02 determinam que as empresas que a descumprirem poderão sofrer as sanções cabíveis pelo Conselho Regional de Medicina de sua jurisdição e ter o fato comunicado ao Serviço de Vigilância 3 Sanitária e à Agência Nacional de Saúde Suplementar, para as providências devidas, podendo implicar em procedimento ético-profissional contra o diretor técnico da empresa. É antiético o desvio de pacientes para outros médicos assistentes e centros de tratamento relacionados com os custos do procedimento, bem como é antiético que o serviço de referência aceite essa prática. É importante frisar que o diretor técnico e o diretor clínico são os responsáveis pela prestação de assistência médica nas instituições privadas e por ela respondem, na forma definida pelo artigo 15 da Lei 3.999/61 e artigo 1º da Resolução CFM nº 1.342/91. Os Princípios Fundamentais do CEM preconizam: Capítulo I I - A Medicina é uma profissão a serviço da saúde do ser humano e da coletividade e será exercida sem discriminação de nenhuma natureza. ... IX - A Medicina não pode, em nenhuma circunstância ou forma, ser exercida como comércio. ... XV - O médico será solidário com os movimentos de defesa da dignidade profissional, seja por remuneração digna e justa, seja por condições de trabalho compatíveis com o exercício éticoprofissional da Medicina e seu aprimoramento técnico-científico. ... XVII - As relações do médico com os demais profissionais devem basear-se no respeito mútuo, na liberdade e na independência de cada um, buscando sempre o interesse e o bem-estar do paciente. 4 XVIII - O médico terá, para com os colegas, respeito, consideração e solidariedade, sem se eximir de denunciar atos que contrariem os postulados éticos. Sobre a reclamação relacionada com a conduta de remunerar o médico assistente sob a forma de pacote e em valores abaixo da CBHPM, lembra-se que a Resolução CFM nº 1.673/03 estabelece que a Classificação Brasileira Hierarquizada de Procedimentos Médicos é adotada como padrão mínimo e ético de remuneração dos procedimentos médicos para o Sistema de Saúde Suplementar. Seus artigos 1º e 2º definem que os valores de referência deverão ser exarados pelas entidades médicas nacionais, por intermédio da Comissão Nacional de Honorários Médicos. O artigo 2º da Resolução CFM nº 1.642/02 define que nos contratos de credenciamento ou similares de médicos para prestação de serviço às empresas citadas no art. 1º, deverá ser expressamente estabelecida a forma de reajuste dos honorários médicos. Deduz-se que os honorários médicos deverão ser pagos sem restrição ou retenção de qualquer espécie, desvinculados de taxas, materiais, medicamentos, exames, curativos etc. CONCLUSÃO É questionável a conduta ética e procedimento do plano de saúde e da cooperativa de trabalho médico: ao impor a seus usuários o local onde deverão ser tratados, em dissonância àquele indicado por seu médico assistente; ao impor ao médico assistente o local onde deverá tratar seus pacientes, em desacordo ao local por ele escolhido; o desvio de pacientes/usuários de seus médicos assistentes para outros médicos assistentes e clínicas que aceitaram valores por elas determinados, assim como é antiético que o serviço médico de referência aceite esta prática. Sobre esta análise em relação aos procedimentos (e condutas) questionados pelas reclamantes em relação aos planos de saúde, cooperativa de trabalho médico e clínicas de referência, conclui-se que são inadequados e deverão ser revisados pelos 5 planos de saúde, cooperativa médica e clínicas que acolhem e tratam pacientes já em tratamento por outros médicos; e também deverão ser encaminhadas ao CRM-MG as denúncias específicas em relação à conduta de médicos, clínicas e planos de saúde. Este é o parecer, SMJ. Brasília-DF, 6 de junho de 2014 JOSÉ FERNANDO MAIA VINAGRE Conselheiro relator 6