A DESMISTIFICAÇÃO DA FIGURA DO MÉDICO E A SUA RESPONSABILIZAÇÃO CRIMINAL QUANDO INCORRER EM ERRO Danielly Leal da Silva - NOVAFAPI INTRODUÇÃO De acordo com pesquisador Artur Undelsmann em seu trabalho intitulado “Responsabilidade civil, penal e ética dos médicos”, quando a medicina surgiu, era tida como uma prática divina, na qual a base era a vontade dos deuses, que falavam através de oráculos, utilizando como porta-vozes os esculápios. Alicerçando-nos agora na exposição histórica apresentada por Jerônimo Romanello Neto, em sua obra “Responsabilidade civil dos médicos”, percebe-se que a História narra que, na Grécia, em pleno século VI a.C., Esculápio, divindade greco-romana, era o conselheiro dos médicos, sendo que este deus aparecia aos doentes durante a noite e, ou os curava, ou os revelava um tratamento. Em 460 a.C., nasceu Hipócrates, que tornou a Medicina uma ciência humana e não mais uma arte divina. Formulou, no juramento que leva o seu nome, as regras da moralidade que deve pautar a conduta destes profissionais da saúde. Com o Código de Hamurábi, no século XVII, na Babilônia foram criadas regras que previam penas aos médicos, caso estes praticassem erros no exercício de sua função. Ocorre que, com o transcurso do tempo, a arte da medicina transformou-se em ciência, passando a sociedade a tratar os médicos como verdadeiros cientistas que trabalhavam com a prevenção e a cura das doenças. Nessa época, o médico passou a ser tido como um verdadeiro “amigo” da família, como bem salientou o saudoso e inesquecível Miguel Reale, em artigo publicado na Revista Jurídica FURB, no qual, ao tratar da figura do médico, aponta que: “Durante muitos séculos a sua função esteve revestida de caráter religioso e mágico, atribuindo aos desígnios de Deus a saúde e a morte. Je le soignais, Dieu le Guérit..s’il le jugeait opportun. Nesse contexto, desarrazoado seria responsabilizar o médico que apenas participava de um ritual, talvez útil, mas dependente exclusivamente da vontade divina. Mais recentemente, no final do século passado, primórdios deste, o médico era visto como um profissional cujo título lhe garantia a onisciência, médico da família, amigo e conselheiro, figura de uma relação social que não admitia dúvida sobre a qualidade de seus serviços e, menos ainda, a litigância sobre eles, o ato médico se resumia na relação entre uma confiança (a do cliente) e uma consciência (a do médico)”. (Miguel Reale, “Código de ética médica”, RT 503/47). Hodiernamente, entretanto, há uma certa contestação no que concerne ao comportamento dos médicos. Tal se deve, em grande parte, à descoberta pela maioria da população, de que esta é detentora de direitos, de que lhe é lícito questionar, buscar apurar responsabilidades e obter compensações de prejuízos sofridos. Aqui, torna-se de salutar importância frisar que Direito e Medicina desenvolveram-se juntos e, desde então, não há como separá-los. O próprio Direito Natural, que é o direito à vida, nos remete ao bem mais precioso da ciência médica. Ademais, possui também, este Direito, um conjunto de princípios morais que são comuns a todo o gênero humano, que prezam não só pela vida, assim como pela liberdade e a busca da felicidade. Percebe-se, deste modo, que as duas ciências – Direito e Medicina – evoluíram juntas a serviço da humanidade. Uma procurando organizar a convivência entre os homens; a outra, buscando manter ou restituir-lhes a saúde. Nesse diapasão, a Associação de Hospitais Americanos (AHA) divulgou um manual que recebeu o título de “A carta de direitos dos pacientes”, no qual estabelece, dentre outros direitos dos enfermos: informação detalhada sobre seu problema; direito de recusar tratamento dentro do limite da lei; detalhes completos para facilitar a tomada de decisões; discrição total do médico; informações completas à família. O documento acima mencionado só vem a corroborar com a idéia de que o paciente é, sim, um cidadão titular de deveres, mas que também quer fazer valer os seus direitos, estando dentre eles, o mais importante, que é o direito à vida, direito este assegurado na nossa Carta Magna, no caput do art. 5º, tratando-se assim, como é de fácil percepção, de um direito fundamental. A Constituição Federal, no mesmo art. 5º, inciso XXXV, assegura que “a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito”. Deste modo, em sendo o paciente violado em direito seu, incorrendo o médico em uma conduta típica descrita no Código Penal como crime, deve o lesionado levar tal fato ao conhecimento da autoridade competente para que sejam tomadas as providências cabíveis. De acordo com o grande penalista Fernando Capez, o crime, sob seu aspecto material, “pode ser definido como todo fato humano que, propositada ou descuidadamente, lesa ou expõe a perigo bens jurídicos considerados fundamentais para a existência da coletividade e da paz social”. (Fernando Capez, “Curso de Direito Penal”, p. 105). O crime, por sua vez, é revestido de um elemento subjetivo, que pode ser o dolo ou a culpa. De acordo com os incisos do art. 18 do Código Penal, há o crime doloso “quando o agente quis o resultado ou assumiu o risco de produzi-lo”, enquanto que o culposo ocorre “quando o agente deu causa ao resultado por imprudência, negligência ou imperícia”. Há certa cizânia no tocante a se afirmar se o médico pode cometer apenas crimes culposos ou se, além destes, pode também incorrer na figura dos crimes dolosos. O médico, no tocante à modalidade “erro”, só poderá responder pela modalidade culposa, já que, desejando o resultado ou, mesmo prevendo-o, aquiescendo com este, não há que se falar em erro, já que agiu conscientemente. Assim sendo, se o médico praticou conduta típica do Código Penal e o fez de forma consciente, desejando o resultado ou assumindo-o caso ocorresse, responderá por sua conduta, mas não terá agido erroneamente, mas, sim, terá cometido um crime conscientemente. No que concerne às modalidades do crime culposo, a imprudência é culpa na forma ativa, sendo que, aqui, o autor age sem a devida cautela. A negligência, por sua vez, já se configura como uma forma omissiva dessa espécie criminosa, consistente em deixar de tomar o cuidado que se deveria ter. Por último, mas não menos importante, a imperícia ocorre quando há demonstração de inaptidão técnica em profissão ou atividade. Agindo o médico de acordo com alguma das condutas acima descritas, estará cometendo crime culposo. O que valerá de prova nesses casos, é exatamente o exame de corpo de delito feito no paciente, as declarações deste e das testemunhas, as provas documentais (consistentes em prontuários, receituários, dentre outros) além, é claro, da perícia. Portanto, buscar-se-á, no curso da ação penal, verificar se estão presentes ou não as modalidades culposas acima explanadas, capazes de motivar a responsabilização criminal, já que não se admite, no direito penal, a culpa presumida. E, em caso positivo, será aplicada ao autor a pena correspondente. OBJETIVOS A medicina é, sem dúvida, uma atividade de risco. Cuida da saúde do ser humano, envolvendo não só o tratamento de moléstias, mas também as expectativas que tomam de assalto o paciente. O médico é um profissional tecnicamente preparado para se defrontar com enfermidades, desenvolvendo-se entre ele e o paciente, ao menos inicialmente, uma relação de confiança e esperança de resultado positivo, tratando-se de característica que, apesar da “desmistificação” da sua figura, continua a identificá-lo. Há certo tempo a sociedade vem despertando para o fato de que o médico pode ser responsabilizado por seus erros. Entretanto, tal conscientização se deu mais na esfera civil, nascendo com a idéia de obrigação de meio e fim, prestação de serviços e indenização. É necessário, porém, atentar-se para o fato de que aquele que é responsável por sua saúde deve, do mesmo modo, ser responsabilizado se, de sua conduta, sobrevier um mal maior. Os erros cometidos pelos médicos na atuação profissional podem acarretar uma série de responsabilidades, dentre elas a responsabilidade penal. Tema bastante instigante, mas não muito debatido doutrinariamente, é ele muito importante no sentido de que se possa despertar a sociedade para o fato de que os médicos, ao contrário do conceito que se tinha em priscas eras, são humanos, passíveis de erros, devendo ser responsabilizados por estes, quando cometidos por culpa. Objetiva-se com o presente trabalho, despertar a população para o fato de que o médico atua como qualquer outro profissional, devendo responder pelos erros decorrentes da sua conduta e, se desta sobrevir responsabilidades criminais, deve ver-se processar pelo delito cometido. É, assim, uma forma de se garantir não só o princípio do amplo acesso ao judiciário, como também um dos princípios basilares de um Estado Democrático de Direito, que é o da dignidade da pessoa humana. Desta forma, sabendo que poderá ser responsabilizado criminalmente por sua conduta, o médico agirá com mais cautela do que exige a sua conduta e a população em geral terá a certeza de um atendimento correto e ético. METODOLOGIA A presente pesquisa terá como base, principalmente, um largo embasamento teórico, sobre o qual se edificará uma sólida pesquisa a ser auferida levando-se em conta o aspecto penal no tocante ao erro médico, levando-se em conta a doutrina e a jurisprudências pátrias. Ademais, serão realizadas visitas ao CRM – PI (Conselho Regional de Medicina secção Piauí), no afã de se verificar, no caso concreto, os processos que lá tramitam tendo como objeto o erro médico e quais os procedimentos tomados para o andamento destes. Assim, após um levantamento bibliográfico e de uma pesquisa de campo, será o trabalho apresentado levando-se em conta os itens desenvolvidos no decorrer da pesquisa realizada. CONSIDERAÇÕES FINAIS É certo que os riscos são inerentes ao exercício da medicina, sendo que o insucesso também faz parte desta atividade. Entretanto, os riscos devem ser calculados e avaliados pelo profissional, que deve informá-los ao paciente. Desta forma, quando não age com a devida cautela surge a responsabilidade criminal, que deve ser apurada e, conforme o caso, punida. Apesar do grande avanço na informação, a maioria da população não tem conhecimento de que o médico pode ser responsabilizando por seus erros quando dele decorre alguma conduta típica do Código Penal Brasileiro. Isso faz com que muitos erros bárbaros sejam deixados de lado, ou, muitas vezes, punidos com meras represálias provenientes do próprio CRM (Conselho Regional de Medicina) de cada região, o que faz com que o sentimento de impunidade cresça e o dever de cuidado do profissional diminua. Deve-se, assim, atentar não só a população, mas também os próprios médicos, de que estes podem ser punidos por seus atos caracterizadamente criminosos, devendo agir com o máximo dever de cuidado e cautela, cabendo, também, aos pacientes, fiscalizar e exigir tal conduta. Palavras-chave: Médico, Crime, Responsabilidade Criminal, Culpa, Dolo. REFERÊNCIAS: CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte geral. 7. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. 563 p.; COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. Responsabilidade civil médica e hospitalar: repertório jurisprudencial por especialidade médica; teoria da eleição procedimental, iatogenia. Belo Horizonte: Del Rey, 2001. 694 p.; COUTO FILHO, Antonio Ferreira; SOUZA, Alex Pereira. A improcedência no suposto erro médico. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 1999. 214 p.; FRANÇA, Genival Veloso de. Direito médico. 7. ed. São Paulo: Fundação BYK, 2001. 744 p.; LOPEZ, Teresa Ancona. O dano estético: responsabilidade civil. 2. ed. são Paulo: Revista dos Tribunais, 1999. 254 p; PINTO, Antonio Luiz de Toledo (colaborador). Vade mecum saraiva. São Paulo: Saraiva, 2006. 1625 p.; ROMANELLO NETO, Jerônimo. Responsabilidade civil dos médicos. São Paulo: Editora Jurídica Brasileira, 1998. 711 p.; SOUZA, Néri Tadeu Camara. Responsabilidade civil e penal do médico. Campinas: LZN Editora, 2003. 426 p. Acadêmica do curso de Direito da Faculdade NOVAFAPI – [email protected]