1 JENECI VIANA PARAYBA SALING A INIMPUTABILIDADE PENAL E A INSANIDADE MENTAL DO ACUSADO Monografia final do Curso de Graduação em Direito da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul – UNIJUI, apresentado como requisito parcial para a aprovação no componente curricular Metodologia da Pesquisa Jurídica. DEJ Departamento de Estudos Jurídicos. Orientador: MSc. Fernando Antônio Sodré de Oliveira Santa Rosa (RS) 2011 2 3 DEDICATÓRIA A ti mãe querida, ANGELINA VIANA PARAYBA. 4 AGRADECIMENTOS A Deus, princípio e fim de todas as coisas. Pela força que não me faltou, pela sabedoria para resolver os problemas. Pela coragem para superar os medos e os perigos. Pelo amor desmedido das pessoas que Tu meu Deus colocou com sabedoria no meu caminho de aprendiz do viver. Pelas oportunidades de contar com saúde, atenção e proteção nessa jornada. Recebi de Ti meu Deus, muito mais do que pedi. Tenho plena consciência de que tenho muito mais a agradecer do que tenho agradecido. Obrigada por ter me dado tantas graças. Aos professores que com carinho, amizade e compaixão, despertaram nossos talentos e por terem sido os guias iluminados na escuridão da ignorância. Principalmente, aos professores Orientadores MSc. Fernando Antônio Sodré de Oliveira e MSc. Luiz Paulo Zeifert pelas orientações e pela paciência em me mostrar o caminho a seguir para que pudesse realizar esse estudo. A família, meus filhos, minha mãe (em memória), meu pai e meus irmãos, pelo especial carinho e preocupação. Por terem respeitado meus sentimentos e terem acreditado no meu potencial como profissional. Vocês são o que há de melhor em mim. Aos meus queridos amigos e amigas, colegas de trabalho, pelo diálogo e amizade. Por terem compreendido a necessidade de que temos que repartir angústias, por terem muitas vezes parado para escutar o que eu possa ter considerado como um breve sofrimento. 5 Nossa vida é a soma dos resultados das escolhas que fazemos, consciente ou inconscientemente. Se somos capazes de controlar nosso processo de escolher, podemos controlar todos os aspectos de nossas vidas. Desfrutamos, então, da liberdade que vem do fato de estarmos em controle de nós mesmos. (ROBERT F. BENNETT). 6 RESUMO Esse trabalho que traz como título “A inimputabilidade penal: a incidência de insanidade mental do acusado” tem o objetivo de verificar quais as leis no direito brasileiro que trazem o entendimento da inimputabilidade ao acusado com insanidade mental. Em relação aos objetivos específicos, o trabalho conceitua crime, doença/insanidade mental, imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade penal no Direito brasileiro, identifica as leis no direito brasileiro que são aplicadas ao acusado doente mental no que se refere à imputação de pena e verifica a partir da jurisprudência, decisões relativas a penalidades e/ou tratamentos a acusados doentes mentais. Constata-se que ao acusado de crime que apresenta insanidade mental, aplica-se a semi-imputabilidade, a partir do art. 26 parágrafo único do Código Penal. Assim, ao acusado considerado doente mental não é aplicada a mesma pena que ao acusado considerado normal psiquicamente. O acusado doente mental é levado pelo poder judiciário, a tratamento psiquiátrico em estabelecimentos com características hospitalares. Ano a ano esse acusado em tratamento psiquiátrico é avaliado por psiquiatras, podendo nessa avaliação ser determinada a sua alta ou a continuação da reclusão em sistema de semi-imputabilidade com fins terapêuticos. Palavras-Chave: Conceito de crime. Acusado Doente Mental. Semi-Imputabilidade. 7 ABSTRACT This work has as title "The criminal incapacity: the incidence of insanity of the accused" is intended to check what the laws in Brazilian law that bring understanding to the incapacity of the accused with mental illness. In relation to specific goals, work conceptualizes crime, disease / mental illness, liability, incapacity and semi-criminal responsibility in Brazilian law, identifies laws in Brazilian law that are applied to the mentally ill accused in relation to the imposition of penalty and checks from the case law, decisions relating to penalties and / or treatment to mentally ill defendants. It appears that the crime he has accused of insanity, applies to semi-accountability, from the art. Sole Paragraph 26 of the Penal Code. Thus, the accused considered mentally ill is not applied the same penalty that the accused considered psychologically normal. The accused is mentally ill taken by the judiciary, in psychiatric treatment facilities with hospital characteristics. Year after year the accused in psychiatric treatment is evaluated by psychiatrists, this evaluation can be given its high or continued confinement in semi-liability system for therapeutic purposes. Keywords: Concept of crime. Mental Patient Accused. Semi-Liability. 8 SUMÁRIO INTRODUÇÃO.................................................................................................................. 09 1 CRIME E DOENÇA MENTAL.................................................................................... 1.1 Crime: definição.......................................................................................................... 1.2 Conceito moderno de crime........................................................................................ 1.3 As sanções penais no direito brasileiro: o conceito de inimputabilidade, semiimputabilidade e imputabilidade...................................................................................... 1.3.1 A Inimputabilidade...................................................................................................... 1.3.2 A Semi-imputabilidade................................................................................................ 1.3.3 A imputabilidade......................................................................................................... 1.4 As formas de reconhecer a presença da doença/insanidade mental........................ 12 12 14 2 AS LEIS NO DIREITO BRASILEIRO E O ACUSADO DOENTE MENTAL....... 2.1 A declaração dos direitos humanos ......................................................................... 2.2 A Constituição Federal e a defesa dos direitos dos doentes mentais.................... 2.3 O Código Penal ............................................................................................................ 2.4 A medida de segurança como proteção a vida do semi-inimputável e inimputável......................................................................................................................... 22 22 26 28 15 15 16 17 18 31 3 AS DECISÕES DA JURISPRUDÊNCIA EM RELAÇÃO À PENALIDADE E TRATAMENTO DO ACUSADO DOENTE MENTAL................................................ 35 CONSIDERAÇÕES FINAIS............................................................................................ 44 REFERÊNCIAS................................................................................................................. 47 9 INTRODUÇÃO Essa monografia tem como tema a Inimputabilidade penal, focalizando os aspectos legais e os procedimentos do judiciário relativos ao acusado que apresenta insanidade mental. Nesse aspecto, traz como problema do estudo as questões: Quais as leis no sistema jurídico brasileiro que trazem o entendimento da Inimputabilidade ao acusado por insanidade mental? Ao acusado considerado doente mental é aplicada a mesma pena que ao acusado considerado normal psiquicamente? Hipoteticamente, considerando a aplicabilidade legal ao acusado com insanidade mental aplica-se a semi-imputabilidade, a partir do art. 26 parágrafo único do Código Penal. Ou seja, a semi-imputabilidade é a imputabilidade aplicada em parte (art. 45 da Lei 11.343/2006). Ainda, os acusados de crimes e que são doentes mentais são levados a tratamento psiquiátrico pelo poder judiciário. O art. 98 do Código Penal destaca que a internação ambulatorial do acusado doente mental tem caráter curativo e quando o acusado que apresenta insanidade mental é internado, de acordo com o art. 99 do Código Penal, o acusado é levado para “estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”. A pena do doente mental em caso de morbidez pode ser reduzida. O objetivo geral do estudo é verificar quais as leis no direito brasileiro que trazem o entendimento da inimputabilidade ao acusado com insanidade mental. E, especificamente, buscam-se como objetivos: conceituar crime, doença/insanidade mental, imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade penal no Direito brasileiro, identificar as leis no direito brasileiro que são aplicadas ao acusado doente mental no que se refere à imputação de pena e verificar a partir da jurisprudência, decisões relativas a penalidades e/ou tratamentos a acusados doentes mentais. 10 Justifica-se o estudo pela relevância do tema, quando a justiça requer exista na teoria e seja feita na prática, verificando a aplicabilidade da pena a um acusado que é considerado doente mental. Assim, se faz necessário saber quais as leis no sistema jurídico brasileiro que são aplicadas ao indivíduo com insanidade mental. Também, justifica-se o estudo do tema pela necessidade de se compreender se o criminoso é responsável por seus atos ou é uma vítima de seu estado mental doente (BALLONE, 2005). Nessa questão Ballone (2005) esclarece que a justiça penal é carente de conceitos mais precisos e claros no que se refere à identificação de traços de personalidade e da personalidade criminosa que determina comportamentos delinquentes. Não parece justo que um doente mental que não tem sequer noção de que o ato que pratica é criminoso, seja submetido às mesmas leis que os acusados considerados psiquicamente normais. Os testes para se verificar essa normalidade são feitos por psicólogos e psiquiatras, tendo esses o conhecimento de que um criminoso observe seus próprios atos criminosos como normais. Para Ballone (2005) esse é o caso dos assassinos em série e estupradores costumazes, por exemplo. Parece que esses sujeitos acusados de crimes, se não receberem o devido tratamento, depois de terem cumprido pena e ao retornarem para o convívio social vão cometer os mesmos crimes. De acordo com o Código Penal Brasileiro, art. 26, são isentos de pena, então, são inimputáveis, “o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento.” Redução de pena Parágrafo único - A pena pode ser reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Também determina o Código Penal, art. 41, que “o condenado a quem sobrevém doença mental deve ser recolhido a hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, a outro estabelecimento adequado.” 11 Para ser imputável de pena, o agente do delito tem que ser capaz de compreender que o ato que cometeu é ou não é ilícito. Comprovada a doença/insanidade mental, o acusado é encaminhado para tratamento em hospital de custódia. Nessa perspectiva o estudo se encontra dividido em três partes. A primeira trata de alguns importantes conceitos que vem ao encontro da compreensão de elementos importantes que vão determinar a ação jurídica em relação ao doente mental. A segunda parte traz as leis no direito brasileiro em relação ao acusado doente mental, focalizando a Declaração dos Direitos Humanos, a Constituição Federal e o Código Penal. A terceira parte destaca as decisões da jurisprudência em relação à penalidade e tratamento do acusado doente mental. 12 1 CRIME E DOENÇA MENTAL Esse primeiro capítulo traz alguns importantes conceitos que vem ao encontro da compreensão de elementos importantes que vão determinar a ação jurídica em relação ao doente mental. Nesse sentido, trata-se do conceito de crime, das formas de reconhecer a presença da doença e/ou insanidade mental do acusado e em seguida traz a interpretação jurídica para as sanções penais: imputabilidade, semi-imputabilidade e inimputabilidade no Direito brasileiro. 1.1 Crime: definição Para tratar da inimputabilidade do acusado com insanidade mental, inicialmente, é necessário que se tenha definido o que é crime que faz com que exista um acusado ou agente praticante de um delito no Direito brasileiro. Mas, é importante perceber que a definição de crime nem sempre foi à mesma no decorrer da história. Isso é, o conceito inicialmente está ligada a classe social. No decorrer do tempo, como se confere no tópico segundo desse primeiro capítulo, está ligada ao entendimento do que é ou não justo. O Código de Hamurábi elaborado e colocado em evidência pelo rei Khammu-rabi, da Babilônia, no 18º século A.C. tinha 21 colunas com 282 artigos. Esse Código referia-se às classes sociais: a classe mais alta (dos homens livres que recebiam as maiores compensações por injúrias, mas era a classe que pagava as multas mais pesadas por ofensas); a classe do cidadão livre de menor status e obrigações mais leves; a classe do escravo marcado e que podia ter propriedade. O código referia-se, além disso, ao comércio, à família, ao trabalho (precursor do salário mínimo, das categorias profissionais, das leis trabalhistas), à propriedade. Esse Código tratava das leis criminais, sendo que a pena de morte institucionalizada era aplicada de diferentes meios, ou pela fogueira, forca, afogamento e até mutilação. Essa se aplicava conforme a natureza da ofensa. (CÓDIGO DE HAMURÁBI, p. 1). Nessa lei (p.3-5) foram inicialmente considerados crimes, o furto ou a receptação de coisas roubadas e a pena era a morte. Uma negociação tinha que ter testemunha ou contrato, do contrário, a morte era a pena. Se o roubo praticado fosse de boi, asno, ovelha, porco, barco e essas coisas pertencessem a alguém da corte deveria ser pago 30 vezes o valor do bem. Mas se o ladrão 13 fosse pobre, não tendo como pagar pelo roubo, seria morto. Tudo era resolvido com testemunhas. E era o juiz que determinava quem seria ou não seria penalizado. As leis inscritas no Código de Hamurábi parecem ser as primeiras que tratam de crime, identificando o agente como ladrão. Porém, não é observada se o agente tinha ou não capacidade de compreender seu ato como criminoso. Assim, eram mortos todos os que roubavam. A lei não fazia nenhuma distinção entre mentalmente capacitados de entendimento e os portadores de alguma necessidade especial /ou portadores de alguma doença mental que lhes afetasse o entendimento. A Bíblia Sagrada vem mostrar que os crimes seriam punidos com a morte: [...] 9 Quem amaldiçoar o pai ou a mãe será punido de morte. Amaldiçoou o seu pai ou a sua mãe: levará a sua culpa. 10 Se um homem cometer adultério com uma mulher casada, com a mulher de seu próximo, o homem e a mulher adúltera serão punidos de morte. 11 Se um homem dormir com a mulher de seu pai, descobrindo assim a nudez de seu pai, serão ambos punidos de morte; levarão a sua culpa. 12 Se um homem dormir com a sua nora, serão ambos punidos de morte; isso é uma ignomínia, e eles levarão a sua culpa. [...] 15 Serão queimados no fogo, ele e elas, para que não haja tal crime no meio de vós (BÍBLIA SAGRADA, Velho Testamento. Levítico 20: 9-15). Noronha (1987, p. 20) explica que a pena surgiu da vingança a “agressão sofrida”. A agressão devia ser punida com a morte. A Lei de Talião durou até 1495 com a existência dos princípios no Direito Germânico. Mas, a pena de morte que tinha “desaparecido” até a era de Adriano (117-133 d. C.), vem ser aplicada novamente “no século II d. C”. (BITENCOURT, 2002, p. 24). 1.2 Conceito moderno de crime Observa-se no tópico anterior que o crime teve definições que se enlaçaram primeiramente a vingança. Porém, nesse tópico expõe-se um novo conceito de crime, que está fundado não na vingança, mas no que é instituído legalmente como injusto, sujeito a imputação de pena. Na obra de Franz Von Liszt (1899, p. 183), verifica-se o seguinte conceito de crime: “Crime é o injusto contra o qual o Estado comina pena e o injusto, quer se trata de delicto do 14 direito civil, quer se trate do injusto criminal, isto é, do crime, é a ação culposa e contraria ao direito.” Esse conceito mostra que o crime é fato jurídico, realizado por alguém, sendo que o Estado deve promover a pena ao delito, o que foi contra a lei. Para Nucci (2009) crime é a conduta ilícita que tem que ter punição. O conceito de crime pode ser material, formal ou analítico. Material é o que deve ser proibido mediante aplicação de sanção penal. Formal, constitui-se da “conduta proibida por lei, sob ameaça de aplicação de pena, numa visão legislativa do fenômeno”. No que se refere à formalidade, o princípio que fundamental o ilícito é a legalidade, para “o qual não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem lei anterior que a comine” (NUCCI, 2009, p. 161). Na concepção analítica Nucci (2009, p. 161) explica que o crime no sentido formal é “fragmentado em elementos que propiciam o melhor entendimento da sua abrangência.” No entanto, para o autor, analiticamente, o crime é: a) um fato típico e antijurídico, sendo a culpabilidade apenas um pressuposto de aplicação da pena [...]; b) um fato típico, antijurídico, culpável e punível [...]; c) um fato típico e culpável, estando a antijuridicidade ínsita ao próprio tipo [...]. d) fato típico, antijurídico e punível, constituindo a culpabilidade a ponte que liga o crime à pena [...]. e) um fato típico, antijurídico e culpável [corrente majoritária no Brasil e no exterior]; Corrente finalista. (NUCCI, 2009, p. 161-162) Segundo Fragoso (1995, p. 144) crime é “fato jurídico. Fato jurídico é designação genérica de todo acontecimento relevante para o direito, provocando o nascimento, a modificação ou extinção de uma relação jurídica.” Crime é tudo o que é ilícito, o que transgride a lei. Para que o fato seja ilícito é necessário que tenha um local, uma lei e uma pessoa que transgrediu a lei. Ainda, o crime pode ser classificado em bipartida e tripartida (essa é a corrente dominante). (FRAGOSO, 1995). Na concepção tripartida o crime é visto como ação, omissão antijurídica e culpável. Para Fragoso (1995, p. 143): “o crime é [...] fato jurídico.” Isso é, provoca o nascer, a modificação ou extinção de uma relação jurídica. Dessa forma, pode-se afirmar que atos lícitos são aqueles que têm respaldo na lei, tem amparo legal e os ilícitos são atos praticados a revelia da lei e/ou contra uma norma estabelecida. No Brasil o sistema penal brasileiro prevê que o crime por ter sido realizado por 15 uma pessoa com suas plenas capacidades mentais ou por uma pessoa que não tenha capacidade de reconhecer que seu ato é considerado um crime. Assim, para cada tipo de sujeito há um tipo de penalização, sendo que no caso do indivíduo não reconhecer seu ato como crime, não haverá penalização pelo seu ato, mas tratamento psiquiátrico determinado pelo Estado. 1.3 As sanções penais no Direito Brasileiro: O conceito de inimputabilidade, semiimputabilidade e imputabilidade Aqui se traz a diferença existente entre a inimputabilidade, semi-imputabilidade e a imputabilidade. 1.3.1 A Inimputabilidade O Código Penal traz a inimputabilidade em seu art. 26 da seguinte forma: Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. Redução de pena Parágrafo único - A pena [é] reduzida de um a dois terços, se o agente, em virtude de perturbação de saúde mental ou por desenvolvimento mental incompleto ou retardado não era inteiramente capaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. O art. 26 isenta de pena o agente doente psíquico, aquele que tem o desenvolvimento psíquico incompleto e também o desenvolvimento psíquico atrasado. Essas situações bastam para que o agente acusado seja isento de pena. E, como não tem pena, essa não pode ser reduzida e nem modificada, mas sim, o que acontece em casos de crimes praticados por doentes psíquicos é a verificação de sua insanidade diretamente junto ao acusado, realizada através de perícia por psiquiatra especializado, levando o agente a partir de laudo psiquiátrico, realizar tratamento em local adequado. Na doutrina, a inimputabilidade é a falta da capacidade de um indivíduo para entender a ilicitude de um fato, não sendo entendido e/ou percebido pelo agente que praticou um crime de se arrepender por ter feito o mal para si e para outras pessoas. 16 Todas as pessoas adultas com o psiquismo normal têm a capacidade de entender. Se essa capacidade de entendimento não for demonstrada pela pessoa é porque ela não existe, e isso quer dizer que a constituição psíquica da pessoa é incompleta; existe então a “falta de capacidade de discernir, de avaliar os próprios atos, de compará-los com a ordem normativa” (BITENCOURT, 2002, p. 305). Mirabete (2008, p. 210-211) esclarece que Excluída a imputabilidade por incapacidade total de entendimento da ilicitude do fato ou de autodeterminação, o autor do fato é absolvido e aplicar-se-á obrigatoriamente a medida de segurança de internação em hospital de custódia e tratamento psiquiátrico ou, à falta, em outro estabelecimento adequado. Tratando-se, porém, da prática de crime apenado com detenção, o juiz poderá submeter o agente a tratamento ambulatorial (art. 97, CP). A comprovada inimputabilidade do agente não dispensa o juiz de analisar na sentença a existência ou não do delito apontado na denuncia e os argumentos do acusado quanto à inexistência de tipicidade ou de antijuridicidade. O juiz em relação aos casos de imputabilidade, inimputabilidade e semi-imputabilidade pauta as suas decisões nos laudos periciais. 1.3.2 A Semi-imputabilidade A semi-imputabilidade é a sanção que determina que a responsabilidade de um fato seja diminuída por causa da baixa capacidade intelectual do agente. Isso quer dizer que a responsabilidade é determinada em parte ao agente porque não quis dizer que o agente de um crime não saiba que tenha cometido o crime, mas sim, esse saber é comprometido devido à incapacidade intelectual e de compreensão de que sua ação acarretou em um crime. Além disso, tem a ver com a baixa estruturação da pessoa enquanto preservadora de valores: a pessoa não tem vontade própria na totalidade, é volitiva e/ou extremamente vulnerável e influenciável por não ter capacidade de gerir suas ações sozinha. Segundo Maurach (apud MIRABETE; FABBRINI, 2008, p. 211): Embora se fale, no caso, de semi-imputabilidade, semi-responsabilidade ou responsabilidade diminuída, as expressões são passíveis de críticas. Na verdade, o agente é imputável e responsável por ter alguma consciência da ilicitude da conduta, mas é reduzida a sanção por ter agido com culpabilidade diminuída em conseqüência de suas condições pessoais. O agente é imputável, mas para alcançar o grau de conhecimento e de autodeterminação é-lhe necessário maior esforço. Se sucumbe ao estímulo criminal, deve ter-se em conta que sua capacidade de 17 resistência diante dos impulsos passionais é, nele, menor que em um sujeito normal, e esse defeito origina uma diminuição da reprovabilidade e, portanto, do grau de culpabilidade. Observa-se que o semi-imputável tem algum grau de conhecimento sobre o que praticou e por isso, é-lhe imputada algum tipo de pena. 1.3.3 A imputabilidade No momento em que se tem o conceito de inimputabilidade é possível conceituar imputabilidade. Imputabilidade é a responsabilização a alguém de ter cometido um crime. Porém, isso somente acontece às pessoas que tem o entendimento da ilicitude das ações e também, tem as reais medidas de entendimento diante da determinação de sua vontade. Isso quer dizer que imputável é o indivíduo que apresenta sanidade mental em relação aos atos que pratica e a vontade. O imputável tem a devida compreensão da dimensão da ilicitude e licitude de seus atos, dentro de uma norma social vigente a qual todos estão sujeitos. O indivíduo imputável tem a exata noção da sua culpa em relação a sua conduta. Porém, como faz o sistema penal brasileiro para reconhecer a presença da doença/insanidade mental de um indivíduo? Essa questão recebe tratamento no tópico que segue. 1.4 As formas de reconhecer a presença da doença/insanidade mental Observa-se que para haver um crime é necessário que haja um agente que o cometa. Porém, esse agente pode ser uma pessoa que tenha plena consciência da ação do ilícito ou pode ser uma pessoa que não entenda que o ato ilícito que praticou, assim é entendido. Conforme destaca Aranha (1994, p. 150-151) nenhum sujeito é considerado acusado sem que haja uma perícia oficial. Essa perícia é realizada por um perito contratado pelo Estado. “Ao Estado incumbe organizar um corpo de técnicos especializados para a realização as perícias (médicas, investigações biológicas, análises químicas, exames toxicológicos, balísticas, etc.) comumente encontradas nos ilícitos penais.” (p. 151). O juiz nomeia os peritos oficiais, porém, recai a nomeação aos peritos do Estado. 18 Aranha (1994, p. 157) esclarece que dentre as perícias existe a psiquiátrica. Essa é altamente especializada e é aplicada em dois casos: no caso de exame de imputabilidade e no caso de periculosidade. Penalmente responsáveis só os mentalmente perfeitos. A enfermidade mental pode levar à inimputabilidade ou então a uma semi-imputabilidade ou imputabilidade restrita. O laudo a ser feito, alem dos elementos comuns a tal peça, deve obrigatoriamente conter a anamnese do acusado, Istoé, todos os elementos objetivos ou subjetivos sobre seus antecedentes, como ambiente social, meios educacionais, familiar, profissional, criminológico e penal. Para obtê-los o perito deve valer-se somente da palavra do examinado, porém a prudência recomenda que recorra às fontes por ele indicadas pra uma conclusão perfeita. Ou seja, somente se admite o exame direto à pessoa do acusado. A esse é aplicado testes que investigam sua capacidade psíquica, dentre outros. As informações, quaisquer que sejam elas, adquirida sobre o acusado, e que venham de outras pessoas que podem ser parentes, amigos, instituições particulares ou públicas, ou de outras fontes, não são válidas ou consideradas. Conforme Hungria (apud ARANHA, 1994, p. 158), no exame pericial é cabível dois quesitos: 1 – O acusado no tempo da ação não tinha nenhuma capacidade mental, por motivo de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se a partir desse entendimento. 2 – O acusado quando cometeu o crime não possuía a plena capacidade de entender o caráter criminoso do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento, por motivo de doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado. São esses elementos essenciais que resolvem toda a questão. No entanto, também os exames psiquiátricos no sistema penal brasileiro são usados para que haja a verificação quanto à periculosidade do agente. (ARANHA, 1994). Isso é, há de se considerar de que um acusado, doente mental, com desenvolvimento mental incompleto ou retardado, sem a plena capacidade mental de compreender seu ato como criminoso, pode representar perigo à sociedade. Dessa forma, o exame psiquiátrico vai determinar se esse acusado é perigoso, sendo necessário que a esse seja aplicada medida de segurança. Garcia (apud ARANHA, 1994, p. 158-159) destaca que existem elementos obrigatórios que devem ser considerados no exame de perícia, são eles: 19 a) Levantamento de fatores constitucionais e característicos que definem a personalidade delinqüente; b) Levantamento de fatores hereditários e a predisposição ao delito devido às ocorrências ambientais que o favoreçam; c) Investigação de sua conduta delinqüente pela psicologia instituída; d) A adaptabilidade social; e) Sinais positivos e negativos de ordem criminal ou social, que não mais se faz sentir pelo sentenciado e/ou acusado. Segundo Aranha (1994, p. 159) “tais elementos devem ser analisados no exame verificador da cessação ou não da periculosidade do acusado.” De acordo com Ballone (2008), baseado na Organização Mundial de Saúde – OMS ONU, os transtornos mentais e/ou comportamentais são reconhecidos como “alterações mórbidas do modo de pensar e/ou do humor (emoções), e/ou por alterações mórbidas do comportamento associadas à angústia expressiva e/ou deterioração do funcionamento psíquico global”. Esses comportamentos considerados anormais e/ou patológicos são característicos de quem tem transtornos mentais. Ainda, quem sofre de transtornos mentais pode apresentar angústia e depressão. De acordo com Ballone (2008, p. 1), Os Transtornos Mentais e de Comportamento considerados pela Classificação Internacional das Doenças da OMS da ONU (CID.10) obedecem a descrições clínicas e normas de diagnóstico e compõem uma lista bastante completa. Há também outros critérios de diagnóstico disponíveis para a pesquisa, para uma definição mais precisa desses transtornos, como é o caso do DSM. IV, da Associação Norte-americana de Psiquiatria. Todas essas classificações de Transtornos Mentais classificam síndromes, doenças e condições, mas não classificam pessoas, as quais podem sofrer um ou mais desarranjos emocionais durante um ou mais períodos da vida, independentemente das etiquetas diagnósticas estabelecidas pelo sistema. 20 O DSM – IV é o Manual de Diagnóstico e Estatística das Perturbações Mentais, publicado pela American Psychiatric Association, Washington D.C., sendo a 4ª edição conhecida como DSM-IV. Esse manual apresenta os critérios de diagnóstico para a generalidade das perturbações mentais, incluindo componentes descritivas, de diagnóstico e de tratamento, constituindo um instrumento de trabalho de referência para os profissionais da saúde mental. Esse manual é utilizado pelos Psicólogos e Psiquiatras juntamente com outros instrumentos, para fazer a avaliação das condutas comportamentais. Os transtornos mentais para Ballone (2008, p. 9) são sinônimos de comportamentos anti-sociais. Ou seja, “os comportamentos anti-sociais variam de atos relativamente pouco importantes, como mentir ou trair, a atos hediondos, inclusive tortura, estupro ou homicídio.” Ao responder as leis a que todos estão sujeitos a obedecer, a resposta do indivíduo com transtorno mental reflete de modo diverso dos demais sujeitos normais perante a sociedade, apresentando comportamento anti-social e também criminoso. Assim, o indivíduo que sofre de transtornos mentais não responde às leis e não as entende, da mesma maneira que as pessoas consideradas normais. O desrespeito de uma lei pode não ser entendido dessa maneira por isso a necessária ação da família e do poder público no quesito saúde pública, no sentido de oferecer tratamento a esses sujeitos. O DSM. IV conceitua o transtorno da seguinte maneira: Um padrão persistente de vivência íntima ou comportamento que se desvia acentuadamente das expectativas da cultura do indivíduo, é invasivo e inflexível, tem seu início na adolescência ou começo da idade adulta, é estável ao longo do tempo e provoca sofrimento ou prejuízo. (DSM. IV, 2010) O DSM-IV descreve os “critérios diagnósticos” dos vários distúrbios de personalidade existentes, sendo que um transtorno é classificado quanto à personalidade do indivíduo apresenta três das características da lista que segue. Os traços que aparecem no transtorno de personalidade anti-social destacados no DSM-IV são: Um padrão invasivo de desrespeito e violação dos direitos dos outros, que ocorre desde os 15 anos, como indicado por pelo menos três dos seguintes critérios: (1) fracasso em conformar-se às normas sociais com relação a comportamentos legais, indicado pela execução repetida de atos que constituem motivo de detenção (2) propensão para enganar, indicada por mentir repetidamente, usar nomes falsos ou ludibriar os outros para obter vantagens pessoais ou prazer (3) impulsividade ou fracasso em fazer planos para o futuro 21 (4) irritabilidade e agressividade, indicadas por repetidas lutas corporais ou agressões físicas (5) desrespeito irresponsável pela segurança própria ou alheia (6) irresponsabilidade consistente, indicada por um repetido fracasso em manter um comportamento laboral consistente ou honrar obrigações financeiras (7) ausência de remorso, indicada por indiferença ou racionalização por ter ferido, maltratado ou roubado outra pessoa B. O indivíduo tem no mínimo 18 anos de idade. C. Existem evidências de Transtorno da Conduta com início antes dos 15 anos de idade. D. A ocorrência do comportamento anti-social não se dá exclusivamente durante o curso de Esquizofrenia ou Episódio Maníaco. (DSM. IV, 2010) Esse transtorno de personalidade anti-social, e/ou transtorno mental, só pode ser avaliado criteriosamente em pessoas maiores de dezoito anos, assim, segundo o DSM-IV, pessoas adultas. Assim, o exame pericial é feito por um perito especializado, um Psiquiatra do Estado, que gerará um laudo a ser apresentado ao juiz. Porém, o juiz pode aceitar ou rejeitar o laudo, no todo ou em parte, solicitando então novo laudo. A eventual nulidade do laudo deve ser expressa no momento processual e não em sede de apelação. Nessa perspectiva cabe destacar no Trabalho de Conclusão de Curso quais as leis no direito brasileiro que trazem o entendimento da inimputabilidade ao acusado com insanidade mental. 22 2 AS LEIS NO DIREITO BRASILEIRO E O ACUSADO DOENTE MENTAL O capítulo, em seqüência, aborda aspectos legais da insanidade mental. 2.1 A Declaração Universal dos Direitos Humanos A Declaração dos Direitos Humanos é reconhecida como a mais importante codificação dos direitos naturais válido em todo o território mundial, transformados em direitos positivos registrados a partir de dispositivos jurídicos e que vem acarretar na determinação de titularidade de direitos aos indivíduos. Essa Declaração contém os fundamentos basilares de proteção a vida e a dignidade humana. É, além disso, é nessa declaração que se encontram os fundamentos que norteiam as normativas expostas em todas as demais constituições, leis, decretos, normas e sistemas jurídicos em relação às diferenças entre homens e mulheres, os direitos da infância, do adulto e adolescente, os direitos especiais dos doentes, deficientes físicos e mentais, dentre outros. (BOBBIO, 1992, p. 31-33). Sistematicamente, a declaração dos direitos humanos é fundamento internacional de proteção aos direitos ditos humanos, sendo a primeira norma legal que permite denunciar e apelar aos foros internacionais diante de toda a ação que se julgar inadmissível a proteção dos seres humanos, em proteção a vida e em proteção aos direitos humanos. (PIOVESAN, 1998). Essa declaração universal foi proclamada pela Resolução 217 da Assembléia Geral das Nações Unidas, em 10 de dezembro de 1948, trazendo a modificação da interpretação dos direitos humanos devido às atrocidades acontecidas na Guerra Mundial de 1945. (TRINDADE, 2002). Essa é a justificativa do por que ela foi criada, já que pareceria natural que em qualquer tempo houvesse a proteção dos seres humanos devido à preservação da espécie humana no planeta. Essa declaração foi então uma necessidade num momento em que se fez necessário garantir que essa preservação acontecesse em todos os países do mundo. Sobre a universidade dos direitos humanos, Piovesan (2005, p. 44-5), destaca que o “ser humano [...] moral, dotado de unicidade existencial e dignidade”. 23 Trindade (2002) explica que a Declaração de 1948 inaugurou a concepção contemporânea de Direitos Humanos, integrando direitos: civis, políticos, econômicos, sociais e culturais, desejados pelos operários em seu movimento nos séculos XIX e XX. No âmbito de Brasil, com base nessa Declaração é lançado em 1996, o Programa Nacional de Direitos Humanos com propostas da criação de políticas públicas para promover esses direitos. A partir desse programa passou-se a focar nos direitos de grupos considerados vulneráveis e/ou desprotegidos como: refugiados, prisioneiros de guerra, trabalhadores migrantes, mulheres; crianças e adolescentes; minorias étnicas, populações indígenas, idosos, pessoas com deficiência, dentre outros. Em 2001 o relatório da Organização Pan-Americana da Saúde e pela Organização Mundial da Saúde (OMS) se refere especialmente a política aos sujeitos com "necessidades especiais de saúde mental." (ORGANIZAÇÃO MUNDIAL DA SAÚDE, 2001, p. 117). Diante da política de proteção e promoção das pessoas vulneráveis, é que o Estado passou a dispor de hospitais psiquiátricos e Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico (HCTP). Os HCTP estão a serviço das pessoas com menor poder aquisitivo e com menor acesso aos sistemas de tratamento que existem. Atualmente, tendo como pano de fundo a Declaração dos Direitos Humanos, tem-se a adoção de políticas específicas, dando “visibilidade a sujeitos de direito com maior grau de vulnerabilidade, visando o pleno exercício do direito à inclusão social" (PIOVESAN, 2004b, p. 31). Assim, dá-se ao acusado que tem transtorno mental, a visibilidade social. Porém, o acusado ao ser internado em hospital psiquiátrico é um “homem sem direitos, submetido ao poder da instituição”, à mercê da análise e decisões dos médicos que através de laudos que determinam a capacidade ou incapacidade mental do acusado, passam a ser responsáveis pela segurança da pessoa e da sociedade como um todo. (BASAGLIA, 1985, p. 107). Ao ser excluído do meio social, devido estar o acusado dentro de instituição para tratamento psiquiátrico, o acusado com transtorno mental vai obter proteção a sua saúde e a saúde das pessoas que fazem parte da sociedade. Assim, compreende-se que o cuidado humano aos acusados mentalmente transtornados, deve estar voltado a defesa da vida individual e coletiva. 24 Nesse norte, cabe destacar que a Lei nº 10.216/2001 fez com que o ordenamento jurídico brasileiro avançasse no sentido de garantir os direitos das pessoas com transtornos mentais, já que o Código Civil, o Código Penal e a legislação sobre assistência psiquiátrica, tinham dispositivos inadequados à integração das pessoas com necessidades especiais à comunidade. Da mesma forma, na atualidade é inadequada em relação à incapacidade, o que prevê o Código Civil de 2002 que vem a ser à medida de segurança, estabelecida no Código Penal de 1940. Com base na Declaração dos Direitos Humanos fica claro que a socialização dos seres humanos é um direito. O indivíduo que não tem condições mentais de socializar-se, de integrar-se socialmente deve receber a atenção adequada para que tenha garantida a sua segurança pessoal e se tenha assegura a proteção da sociedade. Assim, é importante destacar, também, que a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948 apresenta os princípios para a defesa e a proteção dos direitos das pessoas com transtornos “ninguém pode ser submetido à tortura, nem a tratamento ou castigo cruel, desumano ou degradante”. A partir desse princípio, a Convenção da Organização das Nações Unidas (ONU) determina princípios contra a Tortura e outros Tratamentos ou Penas Cruéis, Desumanos ou Degradantes, ratificada pelo Brasil em 28 de setembro de 1989. De acordo com Lima Jr, (2001), também outros documentos no âmbito da ONU e que tem relação direta com a Declaração Universal, ratificados pelo Brasil em 24 de janeiro de 1992, são: o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos (PIDCP); o Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais (PIDESC), ambos de 1966. Para Medeiros (2004, p. 103), a Declaração dos Direitos dos Deficientes Mentais, aprovada pela ONU em 1971 é instrumento internacional de proteção aos deficientes mentais que também está lincado a Declaração Universal dos Direitos Humanos, não se limitando a atuação médica e a tratamento específico a esses doentes, mas também, asseguram direitos como: educação, reabilitação, orientação, segurança econômica, direito à proteção contra a exploração, abuso e tratamento degradante. Conforme Delgado (1992) a Declaração de Caracas, aprovada em 14 de novembro de 1990 é também um instrumento internacional de proteção aos doentes mentais e traz a reforma psiquiátrica na América Latina. O Brasil é signatário dessa lei e tem o objetivo de 25 promover serviços de saúde mental de base comunitária sugerindo a reestruturação da assistência psiquiátrica. Verifica-se que tendo como base a Declaração Universal dos Direitos Humanos, muitas leis, resoluções, declarações surgiram a nível mundial, regional e em nível de Brasil, tendo como principal motivação a humanização dos sistemas de saúde mental e do sistema psiquiátrico. Em relação ao preso, cabe destacar que o princípio 20 da Organização Mundial de Saúde (OMS, 2005, p. 206) determina que a humanização esteja diretamente relacionada aos direitos das pessoas presas e das pessoas internas em HCTP, além de assegurar outros direitos como: 1 – O princípio se aplica a acusados que cumprem sentenças de prisão por infrações criminosas, ou que sejam de outro modo detidos no curso de procedimentos ou investigações criminais contra eles e sobre os quais se determinou possuírem uma doença mental ou se suponha terem uma doença mental ou se acredite que possam ter tal doença. Essas pessoas devem receber atenção à saúde mental, sendo aplicados a elas na maior extensão possível, apenas com as limitadas modificações e exceções que se fizerem necessárias nas circunstâncias. Nenhuma de tais modificações e exceções pode prejudicar os direitos das pessoas. Ainda, segundo o princípio 20 da OMS (2005), a lei nacional pode autorizar um tribunal ou outra autoridade competente, atuando na base de parecer médico competente e independente, a ordenar que tais pessoas sejam admitidas a um estabelecimento de saúde mental. Ainda, a OMS no ano de 1996, tratou da Legislação de Atenção à Saúde Mental, adotando “Dez Princípios Básicos" adicionais aos da Resolução nº 46/119 da ONU. Esses princípios formam o guia de todos os países para o desenvolvimento de leis em relação à saúde mental. Junto a isso, a OMS desenvolveu as Diretrizes para a Promoção dos Direitos Humanos de Pessoas com Transtornos Mentais, que veio auxiliar na interpretação dos Princípios e avaliação do acesso aos direitos humanos nas instituições (OMS, 2005, p. 20). 26 Pessoas infratoras doentes mentais têm direitos garantidos a partir do que prevalece na Declaração dos Direitos Humanos. Ainda, esses direitos estão expressos na Constituição Federal brasileira, como mostra o tópico 2.2 desse estudo. 2.2 A Constituição Federal e a defesa dos Direitos dos Doentes Mentais A Constituição Federal brasileira de 1988 declara que o Brasil é Estado democrático de direito e tem como um dos seus fundamentos a dignidade. O art. 5º elenca direitos em relação a esse quesito e veio garantir também nos arts. 6º e 7º direitos humanos civis, políticos, sociais, econômicos e culturais. Assim, o Brasil passou a ter o dever de promover ações que passam a garantir a inclusão das pessoas, no que se refere, também, a saúde das pessoas. Está previsto na Constituição no art. 6º que a saúde é direito social e no art. 196 que a saúde é “direito de todos e dever do Estado”. A Constituição Federal de 1988, no art. 4º, inciso II, destaca como princípio a prevalência dos direitos humanos. No ano de 1998, O Brasil reconheceu a competência jurisdicional da Corte Interamericana de Direitos Humanos, por meio do Decreto Legislativo nº 89/98 (PIOVESAN, 2006). Esse reconhecimento fortaleceu a já proteção dos direitos humanos, que já se encontravam assegurados nacionalmente e internacionalmente. A proteção a vida do acusado doente mental, passa a encontrar fundamento na dignidade humana destacado na Constituição Federal. O princípio da dignidade é o fundamento principal do direito à saúde e o acesso à justiça, sendo esses destacados ao se tratar de doentes mentais e que são acusados de cometimento de algum crime. Esse princípio faz com que o Estado tenha que estar atento para dar atenção à saúde e assistência jurídica e psicossocial aos doentes mentais. Dessa forma, o Estado, não ferindo os princípios e garantias fundamentais, passa a atuar responsavelmente em função da promoção da saúde. A Constituição Federal brasileira ao se referir ao estado de defesa, no art. 136, parágrafo 3º, inciso II determina que enquanto durar o estado de defesa que não é superior a trinta dias segundo o parágrafo 2º, podendo ser prorrogado por igual período, “a comunicação será acompanhada de declaração, pela autoridade, do estado físico e mental do detido no momento de sua autuação”. 27 Pode-se entender que segundo a Constituição Federal brasileira todo o sujeito infrator doente mental tem o direito de receber tratamento em instituição do tipo hospitalar. O art. 227 destaca que é assegurado à criança, ao adolescente, ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, educação, lazer, profissionalização, cultura, dignidade, respeito, liberdade, convivência familiar e comunitária, sendo que os mesmos devem estar a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão. O inciso II do art. 227 traz diretamente a função do Estado que deve criar programas de prevenção e atendimento especializado para as pessoas portadoras de deficiência física, sensorial ou mental, bem como de integração social do adolescente e do jovem portador de deficiência, mediante o treinamento para o trabalho e a convivência, e a facilitação do acesso aos bens e serviços. Além disso, os adolescentes abaixo de 18 anos têm a defesa técnica que deve ser feita por profissional habilitado, segundo dispuser a legislação tutelar específica. Também, aos adolescentes, o princípio a ser observado é o de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento, quando da aplicação de qualquer medida privativa da liberdade. Quanto ato penal, a Constituição Federal (CF) art. 228, e CP, art. 27 destacam que tanto a capacidade para ser-lhe imputado uma pena, e para responder por um processo penal são adquiridos aos 18 anos. De acordo com o art. 228 da Constituição Federal são penalmente inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às normas da legislação especial. A lei que regula as decisões em relação ao infrator doente mental menor de 18 anos é o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA). 2.3 O Código Penal O primeiro Código Penal no Brasil sancionado em 1830, por D. Pedro I, determinava que um ato delituoso fosse independente dos atributos pessoais do praticante desse ato. (CHALAUB, 1981). 28 Os loucos só eram punidos se haviam cometido o crime em momentos considerados de lucidez. A loucura era considerada desrazão, ou então, falha do uso da racionalidade. No Código Penal de 1830, no art. 12, os loucos que tivessem cometido crimes seriam recolhidos às casas para eles destinados, ou entregues às suas famílias, como ao juiz pareceria mais conveniente. Nessa época os hospitais da Santa Casa e as prisões eram os lugares dos doentes mentais que perambulavam pelas ruas. Porém, os infratores doentes mentais ricos eram entregues aos cuidados de suas respectivas famílias. No ano de 1852, portanto, 22 anos depois da existência do Código Imperial de 1830, inaugurava-se no Brasil o Hospício D. Pedro II, que seria o primeiro asilo para doentes mentais. A partir daí os juízes passaram a enviar os “infratores loucos” para esse asilo, sob a argumentação de que criminosos comprometeriam o tratamento psiquiátrico. Foi o Código Criminal do Império de 1830 que fez com que o criminoso doente mental fosse inimputável e isento de sanções penais, sendo encaminhados para o hospício. Nessa época as perícias médicas passaram a ser provas legítimas da condição mental do preso. A partir do Código Penal de 1940, o doente mental não deixa de ser criminoso em conseqüência da sua condição. Nesse aspecto o Código determina: Art. 1º - Não há crime sem lei anterior que o defina. Não há pena sem prévia cominação legal. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Inimputáveis Art. 26 - É isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984). [...] Menores de dezoito anos Art. 27 - Os menores de 18 (dezoito) anos são penalmente inimputáveis, ficando sujeitos às normas estabelecidas na legislação especial. (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984) Considerando o art. 26, caput, do Código Penal, a isenção de pena ao doente mental ou ao agente que tem desenvolvimento mental incompleto, incapaz de entender o caráter ilícito de sua ação é concedida a inimputabilidade penal e aplicada a medida de segurança, que tem como objetivo prevenir e curar o criminoso que cometeu infração penal sendo que lhe seja evidenciada a sua “periculosidade, para que receba tratamento adequado”. (NUCCI, 2007, p. 338). 29 No que se refere à legislação específica voltado aos doentes mentais, independente de onde estejam sendo tratados, se em hospitais particulares, públicos ou se tratados em Hospital de Custódia, vale ressaltar que o Conselho Federal de Medicina (CFM) adota princípios condizentes a Resolução nº 46/119 da ONU, de 17 de dezembro de 1991 que é “guia a ser seguido pelos médicos” brasileiros. (MEDEIROS, 2004, p. 109). Segundo a Resolução CFM nº 1.598/2000, o atendimento médico aos pacientes portadores de transtorno mental é padrão seguindo a necessidade de saúde dos pacientes, independente se em tratamento psiquiátrico devido à semi-imputabilidade ou não. A Lei de Execução Penal (LEP) (1984), ao tratar do hospital de custódia e tratamento psiquiátrico, destaca no art. 99 que “o Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico destinase aos inimputáveis e semi-imputáveis referidos no art. 26 e seu parágrafo único do Código Penal”. Conforme o art. 26 do Código Penal, “é isento de pena o agente que, por doença mental ou desenvolvimento mental incompleto ou retardado, era, ao tempo da ação ou da omissão, inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato ou de determinar-se de acordo com esse entendimento”. Também reza o art. 100 da Lei de Execução Penal (LEP) (1984) que “o exame psiquiátrico e os demais exames necessários ao tratamento são obrigatórios para todos os internados.” E, o art. 101 determina que o tratamento ambulatorial, previsto no art. 97, segunda parte, do Código Penal, será realizado no Hospital de Custódia e Tratamento Psiquiátrico ou em outro local com dependência médica adequada. Foi no ano de 2003 que os Ministérios da Saúde e da Justiça, publicaram a Portaria Interministerial nº 1777, de 09 de setembro de 2003, aprovando o Plano Nacional de Saúde no Sistema Penitenciário. Esse plano foi aprovado com o objetivo de promover a integral atenção à saúde de pessoas aprisionadas tanto em prisões masculinas, quanto femininas e em psiquiátricas. Nesse documento o art. 8º, § 3° destaca que "os Hospitais de Custódia e Tratamento Psiquiátrico” devem ter normas próprias e seguem as normativas da Política de Saúde Mental do Ministério da Saúde. As orientações dispostas no texto da Lei nº 10.216/2001 determina que o tratamento do sistema de saúde, em qualquer tempo, deve ser humanizado e respeitoso aos doentes mentais. 30 Mirabete e Fabbrini (2008, p. 213) destacam que: Determina [...] o art. 98: Na hipótese do parágrafo único do art. 26 deste Código e necessitando o condenado de especial tratamento curativo, a pena privativa de liberdade pode ser substituída pela internação, ou tratamento ambulatorial, pelo prazo mínimo de um a três anos, nos termos do artigo anterior e respectivos §§ 1º ao 4º. Quando o acusado que apresenta insanidade mental é internado, de acordo com o art. 99 do Código Penal, o acusado é levado para “estabelecimento dotado de características hospitalares e será submetido a tratamento”. Mirabete e Fabbrini (2008) explicam que a medida de segurança é substituída pelo sistema de troca, ou seja, uma pena pode ser substituída por outra, como o tratamento ambulatorial, a internação, e a forma como expõe os motivos da Lei nº 7.209: “Nos casos fronteiriços em que predominar o quadro mórbido, optará o juiz pela medida de segurança. Na hipótese oposta, pela pena reduzida.” (MIRABETE; FABBRINI, 2008, p. 213). A medida de segurança foi formulada em uma concepção moderna no iluminismo, aparecendo em diferentes códigos por várias nações ao longo dos séculos, “a princípio aplicada como meio preventivo as ações dos menores infratores, ébrios habituais ou vagabundos, a medida de segurança constituía meio de defesa social contra atos anti-sociais. Com uma visão de segurança social”. (FERRARI, 2001, p. 16). A intenção da manutenção da segurança social ainda existe, porém, com nova visão: a segurança do acusado doente mental, seu tratamento e recuperação. Hoje, a doença mental não é determinante absoluta da inimputabilidade. Para ser considerado inimputável o indivíduo deve ter ausência do elemento da vontade ou do entendimento. Ou seja, a ausência do entendimento já é suficientemente prova de que o sujeito é doente mental requerendo tratamento com psiquiatra. Ao psiquiatra cabe analisar caso a caso, auxiliando o juiz na averiguação da insanidade ou não insanidade de um determinado réu. E de acordo com o art. 22, a doença mental motiva a ausência da culpa do réu. Assim, há o crime, mas ao réu não é possível seja imputável a 31 responsabilidade pelo ato do crime. Dessa forma, a modalidade aplicada como sanção penal ao doente mental no Brasil é a medida de segurança. 2.4 A medida de segurança como proteção a vida do semi-inimputável e inimputável De acordo com o art. 76 do Código Penal, a aplicação da medida de segurança pressupõe: a prática do fato previsto como crime e a periculosidade do agente. O art. 77 do Código Penal esclarece que quando a periculosidade não é presumida por lei, deve ser reconhecido perigoso o indivíduo, se a sua personalidade e antecedentes, bem como os motivos e circunstâncias do crime autorizam a suposição que venha ou torne a delinqüir. Em relação ao acusado doente mental, as medidas de segurança são de caráter preventivo a preservação da própria saúde do paciente. Essas medidas se diferenciam da pena porque não tem tempo para terminar, nem mínimo nem máximo e perdura até terminar o “estado perigoso” do criminoso. O tempo da aplicação da medida de segurança como sanção penal, existe enquanto houver laudo pericial de psiquiatra, anualmente elaborado em avaliação das capacidades e incapacidades do acusado doente mental. De acordo com Hungria e Fragoso (1978, p. 11, 13): A medida de segurança, por sua vez, aplica-se aos semi-responsáveis e irresponsáveis, tomando como fundamento não mais a culpabilidade, mas a periculosidade, ‘o provável retorno à prática de fato previsto como crime’. [...] a medida de segurança serve ao fim de ‘segregação tutelar’ ou de readaptação individual, sendo desprovida do caráter aflitivo da pena, pois ‘é assistência, é tratamento, é medicina, é pedagogia. Se acarreta [...] restrição à liberdade individual, [...] é [...] um meio indispensável à sua execução’. Conforme Oliveira e Silva (1942), na medida de segurança acontece a internação do doente mental. Mas, essa internação tem a finalidade de tratar o indivíduo no sentido de reintegrá-lo a sociedade. A medida de segurança como forma de tratamento do cidadão não tem tempo para terminar e pode acontecer que o mesmo aconteça de forma permanente. A internação para tratamento psiquiátrico do acusado doente mental deixa de existir por despacho do juiz, após perícia médica, ouvidos o Ministério Público e o diretor do estabelecimento. Não há um tempo mínimo de detenção para os doentes mentais já que essa detenção é de caráter protetivo para o doente mental e para a sociedade. O tratamento que é aplicado ao acusado doente mental tem o objetivo de levá-lo a normalidade psíquica ou 32 próximo a essa normalidade para que não cometa novos crimes e possa conviver com equilíbrio na sociedade, não cometendo novos crimes. Pode-se entender que em âmbito geral, nenhum ser humano é perigoso se a sua constituição psíquica aconteceu dentro de condições consideradas de normalidade. O que existe são falhas na constituição psíquica em sujeitos que vão apresentar grau elevado de periculosidade. Quando se fala em doentes mentais, se está tratando de sujeitos com constituição psíquica comprometida devido à constituição falha, o que vai acarretar no entendimento errôneo dos acontecimentos, situações e valores. O que é errado poderá parecer certo e o que é certo e socialmente aceito poderá parecer errado. (PERES; TOURINHO FILHO, 2002). Marcio Sotelo Felippe (2011), procurador geral do Estado de São Paulo, explica em detalhes sobre a medida de segurança, que é aplicada aos praticantes de crimes e que, por serem portadores de doenças mentais, não podem ser considerados responsáveis pelos seus atos. Assim, parece que esses doentes devem ser tratados e não punidos, já que a punição de nada adiantaria para a melhoria de sua condição como preservador da própria vida e da vida das outras pessoas. Ainda conforme Felippe (2011), a medida de segurança não é pena, mas sim, tratamento a que deve ser submetido o autor de crime com o fim de curá-lo ou, no caso de tratar-se de portador de doença mental sem cura, de torná-lo apto a conviver em sociedade sem voltar a cometer crimes. De acordo com o art. 96 do Código Penal não é possível que o doente mental seja tratado no presídio. Assim, o tratamento é realizado nos hospitais de custódia e tratamento, nos casos em que é necessária internação do paciente ou, quando não houver necessidade de internação, o tratamento será ambulatorial (a pessoa se apresenta durante o dia em local próprio para o atendimento), dando-se assistência médica ao paciente. Quando não existem hospitais para tratamento na localidade próximo, o Código Penal destaca que esse deve ser feito em estabelecimento adequado como outro tipo de hospital. O presídio não é lugar adequado para tratamento de doente mental. 33 Em relação ao prazo mínimo da medida de segurança, esse deve ser estabelecido pelo Juiz. Porém, de acordo com o art. 97, § 1º, do Código Penal, o prazo mínimo é de um a três anos. No entanto, não existe um prazo máximo que deve durar a medida de segurança. A Constituição Federal brasileira determina que não deva haver pena perpétua e o tempo de prisão máxima em qualquer caso, conforme o art. 75 do Código Penal, não pode ser maior do que 30 anos. Assim, parece coerente constatar que a medida de segurança não pode ultrapassar 30 anos de duração. Segundo Felippe (2011) o tempo de tratamento não vigora para todo o sempre, porque assim que a pena terminar mesmo sem que o tratamento tenha surtido efeitos, o sentenciado terá que ser posto em liberdade, porque estará extinta sua punibilidade e o Estado não tem mais poderes para mantê-lo sob sua custódia. No Código Penal brasileiro, ou se aplica a pena ou se aplica a medida de segurança, nunca as duas juntas. De acordo com o art. 10 da LEP, o Estado deve fornecer tratamento adequado à cura ou recuperação do detento, mas não pode garantir a cura de doenças mentais, porém, a internação não pode passar do limite imposto inicialmente. A determinação da desinternação no caso de medida de segurança se dá através de perícia médica. A perícia médica é realizada por perito. Segundo Aranha (1994, p. 146): O perito é auxiliar da justiça, devidamente compromissado, estranho às partes, portador de um conhecimento técnico altamente especializado e sem impedimentos ou incompatibilidades para atuar no processo. É pessoa legitimamente compromissada para comparecer em juízo em razão de seus conhecimentos particulares de caráter científico ou técnico, a fim de feito o exame em pessoas ou coisas, emitir um parecer que auxilie o juiz a comprovar a veracidade de um fato alegado ou a natureza de alguma coisa. O perito [...] é um auxiliar da justiça [...] não sendo magistrado nem exercendo funções judicantes, presta serviços à justiça, permanentemente, como no sistema das perícias oficiais, ou eventualmente, como quando da livre indicação. [...] Exige-se do perito o compromisso, em decorrência do que passará a responder pela correção do laudo apresentado. Ainda, conforme Aranha (1994, p. 151) “ao Estado incumbe organizar um corpo de técnicos especializados para a realização das perícias (médicas, investigações biológicas, análises químicas [...]) comumente encontradas nos ilícitos penais.” A perícia psiquiátrica é normalmente utilizada nos casos de medida de segurança. De 34 acordo com Aranha (1994, p. 157-158), a perícia psiquiátrica é altamente especializada e aplicada nos casos de exame da imputabilidade e o da periculosidade. O laudo a ser feito, além dos elementos comuns a tal peça, deve [...] conter a anamnese do acusado, isto é, todos os elementos objetivos ou subjetivos sobre seus antecedentes, como ambiente social, meios educacionais, familiar, profissional, criminológico e penal. Para obtê-los o perito deve valer-se somente da palavra do examinado [...] somente admissível o exame direto, [...] mediante os testes conhecidos e de investigação somáticas, funcionais e psíquicas. Embora exame direto o perito pode valer-se de informações prestadas por pessoas que vigiam o examinado, se na prisão ou no manicômio. [...] Os exames psiquiátricos [...] são necessários para a verificação da periculosidade do agente a quem se aplicou medida de segurança. Como medida facultativa são aplicados aos candidatos à liberdade vigiada. O laudo pericial é enviado para o juiz da execução penal e deve determinar a desinternação condicional do acusado doente mental que estava em tratamento e que supostamente terminou de ser tratado. A desinternação, explica Felippe (2011) é condicional por um ano, sendo que nesse período, se o acusado não praticar nenhum ato que seja indicativo de sua periculosidade, encerra-se a medida de segurança, voltando o acusado doente mental a ser livre de qualquer acusação e ao convívio social. É necessário também que o acusado doente mental seja avaliado por perito para que a periculosidade ou não se ateste, ou então, para que se encerre ou haja continuidade da medida de segurança. 35 3 AS DECISÕES DA JURISPRUDÊNCIA EM RELAÇÃO A PENALIDADE E TRATAMENTO DO ACUSADO DOENTE MENTAL No que se refere o crime e a doença mental, em consulta ao site do Superior Tribunal de Justiça, mais especificamente a jurisprudência brasileira, para a realização desse estudo, constatou-se que essa no dia 25 de maio de 2011 apresentou 24 documentos do tipo acórdão, 180 documentos do tipo decisão monocrática e 1 documento de caráter informativo. Porém, nem todos os documentos relativos exclusivamente ao crime e sua relação à doença mental, mas, se junta a esses as decisões relativas ao trabalho e a doença mental dos indivíduos. Dessa forma, nesse capítulo do estudo apresentam-se algumas decisões e acórdãos que se encontram expostas na jurisprudência em relação à penalidade e tratamento do acusado doente mental. EMENTA: HABEAS CORPUS - HOMICÍDIO TENTADO - PRISÃO EM FLAGRANTE - AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE DA PRISÃO - PACIENTE PORTADOR DE ESQUISOFRENIA - SEGREGAÇÃO ANTECIPADA POSSIBILIDADE - HIPÓTESES AUTORIZADORAS DO ART. 312 DO CPP NECESSIDADE DA CUSTÓDIA EM COMPLEXO MÉDICO PENAL APROPRIADO - ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA. [...] Tratando-se de paciente portador de esquizofrenia e em tratamento médico, não sendo recomendada sua manutenção em ambiente carcerário comum, ainda que cautelarmente, deve o mesmo ser removido para Hospital Psiquiátrico ou estabelecimento equivalente, dando continuidade ao tratamento indicado, até que se realize o respectivo exame de sanidade. [...] O paciente é portador de esquizofrenia, necessitando, portanto, de cuidados médicos constantes, o que é incompatível com o sistema carcerário. (MINAS GERAIS, 2009). A alegação na proposição do Habeas Corpus na Ementa acima exposta se fundamenta em Nucci (2008) ao defender que a medida para assegurar que o acusado doente mental fique segregado é a decretação da prisão preventiva, quando os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal estiverem presentes. Ou seja, o art. 312 do Código de Processo Penal aponta os requisitos que fundamentam a prisão preventiva: a) garantia da ordem pública e da ordem econômica (impedir que o réu continue praticando crimes); b) conveniência da instrução criminal (evitar que o réu atrapalhe o andamento do processo, ameaçando testemunhas ou destruindo provas); 36 c) assegurar a aplicação da lei penal (impossibilitar a fuga do réu, garantindo que a pena imposta pela sentença seja cumprida). Como a medida de segurança de caráter preventivo acontece mais tarde, se por ventura o laudo psiquiátrico que analisado pelo juiz, apresentar razão suficientemente comprobatória da insanidade mental do acusado, parece oportuno assegurar a garantia da ordem pública até mesmo para que a saúde do acusado, doente mental, seja preservada. Assim, a prisão inicial do acusado que se supõe doente mental tem como objetivo garantir a ordem pública, assegurando a instrução criminal independente da gravidade da ação do criminoso. De acordo com o Habeas Corpus N° 1.0000.09.503266-0/000, do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais de 2009, “ainda que a prisão cautelar seja considerada medida de exceção, deve ser admitida quando satisfeitos os requisitos do art. 312, do CPP”. É importante destacar que o Habeas Corpus é a partir do art. V, LXVIII, da Constituição Federal do Brasil, um mecanismo de proteção do acusado que se encontrar com a liberdade ameaçada ou devido ao equívoco da aplicabilidade da lei ou para se dar freio ao que se pode avaliar como abuso de poder. Dessa forma, a saúde dos indivíduos é uma das preocupações preliminares nas decisões tomadas pelo poder judiciário. Outra ementa mostra que a medida de segurança depende da análise pericial. EMENTA: AGRAVO EM EXECUÇÃO. MEDIDA DE SEGURANÇA EM CUMPRIMENTO. LESÃO CORPORAL E DANO QUALIFICADO. JUÍZO DA EXECUÇÃO QUE DECRETA PRESCRIÇÃO DA MEDIDA QUE ESTÁ SENDO CUMPRIDA. INVIABILIDADE. O douto magistrado [...] decretou a prescrição da medida de segurança, sob o fundamento de que os fatos imputados são insignificantes diante do prazo que perdura a internação em hospital psiquiátrico com filosofia prisional. [...] como se pode observar do laudo psiquiátrico, o agravado apresenta melhoras progressivas devidas justamente ao tratamento correspondente à medida de segurança. Assim, é mais benéfico para a continuidade do tratamento e aproximação de uma futura reinserção, manter o processo de alta progressiva. (RIO GRANDE DO SUL, 2008). A decisão na Ementa acima mostra que o objetivo da internação do acusado doente mental em hospital psiquiátrico tem caráter curativo, sendo a medida de segurança a possibilidade não só de fazer com que o acusado entre em tratamento, mas para que possa continuar a fazê-lo em benefício da saúde do acusado. 37 A decisão apresentada na Ementa abaixo mostra que a internação é decidida quando o acusado pode atentar a vida das pessoas. A internação tem o objetivo de assegurar a integridade física e psíquica do acusado e dos demais indivíduos. Cabe destacar que a doença mental foi demonstrada através de análise pericial, e isso é suficiente para deferir a internação do acusado. EMENTA: CAUTELAR. ALCOOLISTA. INTERNAÇÃO. LEGITIMIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO. NECESSIDADE DA MEDIDA. 1. Tem o órgão do Ministério Público legitimidade para reclamar medida cautelar de proteção à pessoa de incapaz, [...] pedir a internação [...] em situação de atentar contra a sua integridade física e a de outrem. 2. Estando a doença mental [...] satisfatoriamente demonstrados, cabível o deferimento da internação liminar. (RIO GRANDE DO SUL, 2001). A partir da ementa destacada acima, pode-se compreender de que a ação de um indivíduo alcoolista (dependente do álcool) acarreta em internação do acusado de crime para tratamento. Ou seja, o alcoolista é um doente mental, que está sujeito a atentar contra a vida das pessoas assim como contra a sua própria vida. Dessa forma, a decisão cabível é a internação. Constata-se que a dependência do álcool é considerada juridicamente um transtorno mental como mostra a Revisão Criminal nº 512.123-9 PR abaixo: EMENTA: REVISÃO CRIMINAL. [...] INSANIDADE MENTAL. ACOLHIMENTO. LAUDO PERICIAL ATESTA INIMPUTABILIDADE DO RÉU NA ÉPOCA DOS FATOS. ABSOLVIÇÃO DECRETADA. APLICAÇÃO DA MEDIDA DE SEGURANÇA. [...] Trata-se de revisão criminal [...] com fundamento no art. 621 inc. III do Código de Processo Penal. A presente peça revisional tem por objetivo revisar a ação penal nº 2007.21-9 que tramitou perante o Juízo da Vara Única de Piraí do Sul, onde o réu foi condenado à pena de 5 (cinco) anos e 4 (quatro) meses de reclusão pelo crime capitulado no art. 157 §2º, inciso II, do Código Penal, a cumprir em regime inicialmente semi-aberto. O representante ministerial impetrou a presente Revisão Criminal com intuito de absolver o réu das imputações que lhe forem impostas, devido ao Laudo Médico comprovando a doença mental do acusado na época do crime, demonstrando sua inimputabilidade. [...] Por intermédio do Exame de Insanidade Mental [...], os senhores peritos constataram que o réu no ‘tempo da ação era inteiramente incapaz de entender o caráter ilícito do fato e de determinarse de acordo com este entendimento.’ (Laudo fl. 149). Dessa forma, impõe-se a absolvição. Nesse teor, a jurisprudência do e. Tribunal de Justiça: RECURSO EX OFFICIO. - ARTIGO 306 DO CÓDIGO DE TRÂNSITO BRASILEIRO. - CONDUZIR VEÍCULO AUTOMOTOR, NA VIA PÚBLICA, SOB A INFLUÊNCIA DE ÁLCOOL ABSOLVIÇÃO COM APLICAÇÃO DE MEDIDA DE SEGURANÇA (ARTIGO 411 DO CPP). - DECISÃO FUNDAMENTADA EM LAUDO PSIQUIÁTRICO QUE ATESTA A INSANIDADE MENTAL DO RÉU. - INIMPUTABILIDADE RECONHECIDA (ARTIGO 26 DO CP). - MEDIDA DE SEGURANÇA CONSISTENTE EM TRATAMENTO AMBULATORIAL, NOS TERMOS DO ARTIGO 97 DO 38 CÓDIGO PENAL. - DECISÃO CORRETA - REMESSA OFICIAL NÃO PROVIDA. I. ‘Se a insanidade mental do acusado - capaz de torná-lo, ao tempo da ocorrência, inteiramente incapaz de entender seu caráter criminoso e de determinarse de acordo com esse entendimento - foi constatada através de exame especializado, feito por psiquiatras do Estado, é de se manter a decisão que o absolveu sumariamente e lhe aplicar medida de segurança consistente em internação em manicômio judiciário pelo período de dois anos.’ (TJBA. RT 589/374) II. O laudo pericial anexado aos autos principais (fls. 50/55 e 75/77), conclui pela incapacidade mental plena do acusado à época do delito, porquanto, seu quadro se trata de síndrome de dependência ao álcool, de característica evolutiva e crônica. (Recurso Crime ex officio nº 441.229-9, rel. des. Lídio Macedo j. 23.10.2008). [...] Diante do quadro de insanidade mental do réu, a absolvição com a posterior aplicação de medida de segurança é a medida mais acertada a se tomar, à luz do art. 26 do Código Penal e da jurisprudência do e. Tribunal de Justiça. Ante o exposto voto pelo provimento da Revisão Criminal, absolvendo o réu das práticas que lhe são impostas e determinando a aplicação da Medida de Segurança de internação pelo prazo mínimo de 1 (um) ano. [...] (3ª CÂMARA CRIMINAL DO TRIBUNAL DE JUSTIÇA DO ESTADO DO PARANÁ, 2008). O acusado quando na condição de alcoolista e o alcoolismo é uma doença mental (NUCCI, 2009), é invocado a exclusão de culpabilidade do acusado, em consonância com o artigo 28 § 1º do Código Penal, não ficando o acusado sujeito à imposição de nenhuma sanção penal, “sendo que ao tempo da ação, em virtude deste estado, não era o agente capaz de entender o caráter criminoso do ato ou de se determinar de acordo com esse entendimento, [...] há a isenção de pena.” (REALE JUNIOR, Miguel, 2004, p. 215). Nesse caso a inimputabilidade é geradora de medida de segurança e por isso, internação por um ano, já que essa não é considerada pena, mas tem o objetivo de proporcionar ao acusado a proteção necessária a sua saúde através de medidas terapêuticas específicas direcionadas ao afastamento da doença alcoolismo. Assim, o alcoolista é considerado doente mental que requer tratamento psiquiátrico. Nucci (2009, p. 291-292) destaca que podem ser consideradas doenças mentais que gerem inimputabilidade penal: epilepsia (acessos convulsivos, diminuição da consciência, quando o enfermo realiza ações criminosas automáticas; a diminuição da consciência chamase ‘estado crepuscular’); histeria (desagregação da consciência, falseamento da verdade, mente, calunia e age por impulso); neurastenia (fadiga de caráter psíquico, manifesta irritabilidade e alteração de humor); psicose maníaco-depressiva (vida desregrada, mudando humor e caráter alternativamente, tornando-se capaz de ações cruéis, com detrimento das emoções); melancolia (doença dos sentimentos, que faz o enfermo olvidar a própria personalidade, os negócios, a família e as amizades); paranóia (doença de manifestações multiformes, normalmente composta por um delírio de perseguição, sendo primordialmente 39 intelectual; pode matar acreditando estar em legítima defesa); alcoolismo (doença que termina por rebaixar a personalidade, com freqüentes ilusões e delírios de perseguição); esquizofrenia (perda do senso de realidade, apatia, isolamento; perde-se o elemento afetivo, introspecção; não diferencia realidade e fantasia); demência (estado de enfraquecimento mental, desagregação da personalidade); psicose carcerária (a mudança de ambiente faz surgir uma espécie de psicose); senilidade (modalidade de psicose, surgida na velhice, idéias delirantes). A decisão impetrada no Habeas Corpus abaixo mostra que a medida de segurança é necessária quando é comprovada a doença mental do acusado em qualquer tempo em que estiver cumprindo pena. Como a medida de segurança não é considerada pena, mas sim, um mecanismo de assegurar o tratamento do doente mental acusado, é viável a decisão da aplicação do habeas corpus. No caso abaixo, o Habeas Corpus foi concedido em razão da doença mental limitando-se o tratamento ao tempo faltante de pena que o acusado deveria cumprir. Por isso a medida de segurança foi substitutiva. EMENTA: Acórdão. Habeas Corpus. EXECUÇÃO PENAL. DOENÇA MENTAL SUPERVENIENTE. MEDIDA DE SEGURANÇA. PRAZO. 1. A medida de segurança substitutiva, imposta em razão de doença mental superveniente, tem como limite máximo o tempo faltante de pena a cumprir. 2. Ordem concedida. ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos os autos em que são partes as acima indicadas, acordam os Ministros da SEXTA TURMA do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conceder a ordem de habeas corpus [...]. (SÃO PAULO, 2005). Outra decisão que é da 5ª Turma do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro demonstra que o laudo pericial é o instrumento de comprovação da insanidade mental do acusado e por conta disso, há a aplicabilidade da medida de segurança. EMENTA: CRIMINAL. HC. HOMICÍDIO QUALIFICADO. RÉU INIMPUTÁVEL. [...] DÚVIDA ACERCA DA PROVA DA INIMPUTABILIDADE. NOVO EXAME DE SANIDADE MENTAL. [...] INIMPUTABILIDADE ATESTADA POR DOIS LAUDOS PERICIAIS. ORDEM CONCEDIDA. Hipótese em que o paciente foi pronunciado, tendo sido mantida a pronúncia em sede de recurso em sentido estrito, mesmo após ser declarado inimputável por dois laudos periciais. Em observância ao art. 411 da Lei Processual Adjetiva e ao art. 26 do Estatuto Repressor, caberia ao Juízo Singular, na fase da pronúncia, a apreciação de causa que exclua o crime ou isente de pena o réu para o fim de absolvê-lo sumariamente, aplicando medida de segurança. Precedente. [...] Restando constatada a doença mental ou a insanidade do acusado, impõe-se a absolvição sumária do agente e a aplicação da medida de segurança cabível, ex vi do art. 97 do Código Penal e art. 386, parágrafo único, do Código de Processo Penal – sendo certo que a prova da inimputabilidade, na presente hipótese, mostrase incontroversa, pois embasada em dois laudos, que não se mostram precários, nem incertos. (RIO DE JANEIRO, 2004). 40 O laudo pericial, fundamento principal para a decisão da aplicação do instrumento medida de segurança, é que permite o tratamento do inimputável devido à doença mental. Essa decisão, por sua vez, tem base no diagnóstico pericial realizado pelo perito, que vai determinar se o acusado é ou não doente mental. Essa avaliação é repetida pelo perito ano a ano até que o juiz possa concluir de que esse tratamento não é mais necessário. Se o acusado estiver cumprindo algum tipo de pena, essa pena é convertida em medida de segurança para tratamento psiquiátrico. Quem decide sobre essa questão é o juiz da execução. A esse compete decidir sobre a progressão, regressão, extinção de pena, incidentes da execução, conversão de pena em medida de segurança, dentre outras medidas que venham assegurar a saúde do acusado e a saúde da sociedade. Cabe destacar que a medida de segurança detentiva, seja ela imposta no processo de conhecimento, seja substitutiva da pena em fase de execução tem duas finalidades: permitir o tratamento do inimputável em razão da doença mental e proteger o acusado e a sociedade. Pode-se constatar que a medida de segurança tanto no processo de conhecimento quanto no de execução, tem a mesma natureza. Assim, a medida de segurança normativamente é aplicada em qualquer tempo, sendo que o sentenciado é colocado em liberdade quando o laudo pericial aponta para a cessação da periculosidade do acusado. (BRITTO, 2011). A averiguação sistemática é realizada no período máximo de ano a ano ou a partir de decisão judicial. O estado de periculosidade do acusado pode cessar. Porém, enquanto existir a demonstração de que o acusado doente mental é perigoso, representando perigo à convivência em sociedade, não termina a medida de segurança. O exame pericial que vai atestar se há o fim da periculosidade do doente mental é realizado no final do prazo mínimo de duração da medida de segurança, ou a requerimento do interessado. Os arts. 175 e 176 da Lei de Execuções Penais definem os seguinte: Art. 175. A cessação da periculosidade será averiguada no fim do prazo mínimo de duração da medida de segurança, pelo exame das condições pessoais do agente, observando-se o seguinte: 41 I – a autoridade administrativa, até um mês antes de expirar o prazo de duração mínima da medida, remeterá ao juiz minucioso relatório que o habilite a resolver sobre a revogação ou permanência da medida; II – o relatório será instruído com o laudo psiquiátrico; III – juntado aos autos o relatório ou realizadas as diligências, serão ouvidos, sucessivamente, o Ministério Público e o curador ou defensor, no prazo de três dias para cada um; IV – o juiz nomeará curador ou defensor para o agente que não o tiver; V – o juiz, de ofício ou a requerimento de qualquer das partes, poderá determinar novas diligências, ainda que expirado o prazo de duração mínima da medida de segurança; VI – ouvidas as partes ou realizadas as diligências a que se refere o inciso anterior, o juiz proferirá a sua decisão, no prazo de cinco dias. Art. 176. Em qualquer tempo, ainda no decorrer do prazo mínimo de duração da medida de segurança, poderá o juiz da execução, diante de requerimento fundamentado do Ministério Público ou do interessado, seu procurador ou defensor, ordenar o exame para que se verifique a cessação da periculosidade, procedendo-se nos termos do artigo anterior. É interessante observar que o juiz pode solicitar que os exames sejam realizados, sem que ninguém tenha requerido. Se o exame pericial demonstrar que a periculosidade do acusado doente mental terminou, o juiz decreta extinta a medida de segurança, liberando o agente do tratamento. Mas, se o exame demonstrar que ainda existe periculosidade, o juiz determina a data na qual haverá a realização do próximo exame. Esse exame é realizado em 12 meses. De acordo com Vieira (2011): PRECEDENTES DO STJ. 1. Se no curso da execução da pena privativa de liberdade sobrevier doença mental ou perturbação da saúde mental do condenado, o juiz poderá determinar a substituição da pena por medida de segurança, a teor do disposto no art. 183, da Lei de Execuções Penais. A duração dessa medida substitutiva não pode ser superior ao tempo restante para cumprimento da reprimenda [...]. 2. Assim, ao término do referido prazo, se o sentenciado, por suas condições mentais, não puder ser restituído ao convívio social, o juiz da execução o colocará à disposição do juízo cível competente para serem determinadas as medidas de proteção adequado à sua enfermidade (art. 682. § 2.º, do Código de Processo Penal). [...] (HC 31.702/SP, Relatora Ministra Laurita Vaz, in DJ 5/4/2004 [...]). PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. EXECUÇÃO DA PENA. DOENÇA MENTAL SUPERVENIENTE. MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA. DURAÇÃO. Havendo medida de segurança substitutiva da pena privativa de liberdade, a sua duração não pode ultrapassar ao tempo determinado para cumprimento da pena. [...] (HC 12.957/SP, Relator Ministro Felix Fischer, in DJ 4/9/2000). HABEAS CORPUS - EXECUÇÃO PENAL – HOMICÍDIO QUALIFICADO E AMEAÇA - DOENÇA MENTAL SUPERVENIENTE - MEDIDA DE SEGURANÇA SUBSTITUTIVA LIMITADA À CESSAÇÃO DA PERICULOSIDADE DO PACIENTE - OFENSA À COISA JULGADA. [...] - A medida de segurança substitutiva, nos termos do art. 183 da LEP, diversamente daquela prevista no Código Penal, deve estar sujeita ao restante do tempo de 42 cumprimento da pena privativa de liberdade substituída [...]. (HABEAS CORPUS, 2004). A medida de segurança referendada no Código Penal se aplica ao inimputável, no processo de conhecimento e tem prazo indeterminado, sendo vigente até que não for constatada e/ou analisada se cessa ou não a periculosidade do agente. A medida de segurança referendada pela Lei de Execuções Penais (LEP) se aplica quando no decorrer da execução da pena privativa de liberdade, for constatado via laudo pericial, a doença mental do acusado. Sendo constatada a doença mental ou perturbação mental, aplica-se a medida de segurança. A medida de segurança denominada substitutiva está condicionada ao tempo de cumprimento da pena privativa de liberdade fixada na sentença condenatória. Porém, quem vai determinar se o acusado vai ou não sair do tratamento é o perito que analisa ano a ano da possibilidade desse acusado estar pronto para assumir seu papel de cidadão na sociedade e participar de um convívio saudável com as demais pessoas de uma comunidade. Em se referindo ao encaminhamento à instituição médica penal, a ementa abaixo mostra que esse pode acontecer a partir da medida de segurança já provisoriamente, na prisão reconhecidamente como preventiva, se originalmente houve essa decisão do Tribunal ou se houver o pedido do juiz para se averiguar a sanidade mental do acusado. EMENTA: RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTADO. PRISÃO PREVENTIVA. ORDEM PÚBLICA. PERICULOSIDADE. INSANIDADE MENTAL. LAUDO OFICIAL. INEXISTÊNCIA DE MEDIDA DE SEGURANÇA PROVISÓRIA. SEGREGAÇÃO ANTECIPADA POSSÍVEL. HIPÓTESES AUTORIZADORAS DO ART. 312 DO CPP. PRESENÇA. CUSTÓDIA EM COMPLEXO MÉDICO PENAL APROPRIADO. [...] 1. A prisão preventiva é a medida adequada para assegurar que o acusado, doente mental, fique segregado, quando presentes os requisitos do art. 312 do Código de Processo Penal, como na hipótese, uma vez que não existe em nosso ordenamento jurídico, desde a reforma penal de 1984, a medida de segurança provisória. 2. Não há falar em constrangimento ilegal quando o decreto de custódia preventiva foi bem fundamentado, sobretudo na garantia da ordem pública, para evitar a reiteração criminosa e acautelar o meio social, dada a periculosidade do agente. 3. Recurso ordinário improvido, determinando-se, entretanto, o imediato cumprimento da decisão do Tribunal de origem, com a remoção do recorrente para complexo médico-penal apropriado. (BRASÍLIA, 2008). No hospital psiquiátrico, o ambiente e as regras da casa recordam ao paciente que é, afinal de contas, um caso de doença mental que sofreu algum tipo de colapso social no mundo externo. (GOFFMAN, 1974, p. 125). O hospital psiquiátrico com suas regras específicas aos doentes mentais é o local indicado para que os profissionais da área da saúde possam dar a 43 atenção devida aos pacientes para que esses possam se recuperar e, possivelmente, voltar com segurança ao convívio social. A partir dos dados levantados constata-se que não é somente o art. 26, caput, do Código Penal, que trata de isentar de pena o doente mental ou ao agente que tem desenvolvimento mental incompleto, devido à incapacidade de compreender o caráter ilícito de sua ação. Juridicamente, a esse doente é aplicada a medida de segurança, que objetiva tratar o doente para que ele não se torne perigoso para si mesmo e para os membros da sociedade. De acordo com Reale Junior (2004, p. 212), a previsão de que há exclusão de culpabilidade devido à inimputabilidade é decorrente do art. 26 do CP, no qual também se deve averiguar se a doença mental é total e completa ou se a insanidade mental é incompleta (se existe perturbação de saúde mental), se esse desenvolvimento é incompleto. Nesse caso o réu não é inimputável, mas semi-imputável, no qual a “Reforma da Parte Geral estabeleceu o sistema vicariante, pelo qual ao semi-imputável aplica-se pena ou medida de segurança, cabendo ao juiz escolher a sanção mais condizente com o réu”. Ou seja, mesmo que o acusado doente mental seja enquadrado inimputável ou semi-imputável, será o juiz que vai definir a necessidade ou não da aplicação da medida de segurança. Além do art. 26, caput, do Código Penal, outros fundamentos legais são utilizados como argumentos que vem trazer, no Brasil, direcionamento jurídico aos casos de acusados doentes mentais. Dentre outros instrumentos, tem-se o art. 97, parágrafo 1º do CP, que vai determinar a medida de segurança no prazo mínimo de 3 anos, não existindo um prazo máximo. O art. 312 do CPP traz os requisitos que vão garantir a ordem pública impedindo que o acusado doente mental continue praticando crimes. 44 CONCLUSÃO A partir desse estudo o que se evidencia é que no Brasil existe uma preocupação, no que se refere às decisões jurídicas, de levar ao tratamento e a recuperação de acusados doentes mentais. Isso quer dizer que acusados penais se tornam pacientes psiquiátricos, amparados pelos direitos humanos, contando com especialistas que vão dar atenção à saúde dos acusados doentes mentais além de prestar assistência integral e contínua aos pacientes em ambiente diferenciado e destinado ao tratamento. A política judiciária brasileira é a de promoção à saúde mental, à convivência familiar, à dignidade humana, sendo esse um dos princípios basilares da Constituição Federal e a proteção do doente mental e da sociedade, através de tratamento em ambiente condizente com a necessidade de recuperação desse paciente. Observa-se que o tempo de duração dos processos que envolvem o tratamento de acusados doentes mentais é determinado pelo juiz com base em laudo psiquiátrico realizado ano a ano, em acusado submetido à medida de segurança. No decorrer de todas as fases da investigação, sendo ela preliminar, da ação penal e da execução da pena ou da medida de segurança, o tratamento dispensado ao acusado, tem como princípio fundamental a dignidade humana. A medida de segurança tem o propósito de levar o acusado doente mental ao alívio daquilo que lhe atormenta, não adiantando nada destruir o suposto delinqüente com o castigo de tirar-lhe a liberdade. Nem mesmo adiantaria deixá-lo a mercê da própria sorte, pois sem condições os psíquicas de avaliar seus atos, poderia cometer atrocidades sem que tivesse noção disso e nem de suas conseqüências. 45 As decisões dos juristas brasileiros tem sido a de encaminhar os acusados doentes mentais para tratamento psiquiátrico em hospitais de custódia, a partir da aplicação da medida de segurança. Essa ação tem sido praticada com êxito porque a medida de segurança não tem sido vista como tipo penal de caráter punitivo, mas sim, como uma forma de manter a integridade física do acusado e integridade física e mental dos outros membros da sociedade. A busca da integridade das faculdades mentais acontece a partir do tratamento específico em relação aquela doença apresentada pelo acusado doente mental. Assim, se a doença for esquizofrenia, o tratamento será para esquizofrenia; se a doença for alcoolismo, o tratamento, da mesma forma, será para alcoolismo. Cabe destacar que não é viável que aconteça tratamento aos inimputáveis ou semiimputáveis em prisões normais. Assim, é a medida de segurança que vai proteger o acusado doente mental e oportunizar um tratamento condizente com sua doença. Ainda, destaca-se que a medida de segurança pode ser decorrente de sentença absolutória imprópria, sentença condenatória ou de aparecimento de insanidade mental durante o cumprimento da pena. Se no caso houver dúvida quanto à sanidade mental do acusado no decorrer do Inquérito Policial, é instaurado um Incidente de Insanidade Mental. Assim, o acusado é submetido à perícia técnica, ficando em observação por 45 dias. Se o exame detectar de que o acusado era incapaz de reconhecer sua prática de conduta como criminosa no momento da ocorrência do fato, o juiz profere a sentença absolutória imprópria (privação ou restrição da liberdade do acusado) e ordena a medida de segurança. Se for semiimputável, o juiz profere a sentença condenatória, que pode ser reduzida a pena ou essa ser substituída por medida de segurança. Ainda, se no decorrer do cumprimento da pena o acusado de cometer um crime demonstrar alguma doença mental, o acusado é transferido para hospital de custódia ou outro ambiente que condiz com suas necessidades de tratamento, jamais ficando esse doente junto a outros condenados, em penitenciária destinada a detentos de todos os tipos. Os doentes mentais no Brasil, sejam eles acusados de algum crime ou não, deveria tratamento humanizado e é isso que leva ao acusado doente mental, mesmo sendo absolvido em conseqüência de sua doença mental, recebendo a inimputabilidade, é-lhe aplicada à 46 medida de segurança e se o acusado é semi-inimputável, aplica-se também a medida de segurança, com base nos arts. 97 e 98 do Código Penal. A medida de segurança cessa quando o acusado doente mental, ao realizar o exame pericial no final do prazo mínimo de duração da medida de segurança, ou pelo exame das condições pessoais do agente, segundo os critérios estabelecidos no art. 175 da Lei de Execuções Penais (LEP). Porém, o juiz pode determinar o exame pericial em qualquer tempo, que não seja excedido de um ano. 47 REFERÊNCIAS ARANHA, Adalberto José Q.T. de Camargo. Da prova no processo penal. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1994. BALLONE, J. Personalidade criminosa. 19.01.2005. Disponível em: <http://virtualpsy.locaweb.com.br/index.php?art=151&sec=91>. Acesso em: 27 de Out. 2010. ______. O que são transtornos mentais - in. <www.psiqweb.med.br, 2008>. Acesso em: 27 de Out. 2010. PsiqWeb. Disponível em: BASTOS, Cláudio Lyra. Manual do exame psíquico: uma introdução prática a psicopatologia. São Paulo: Revinter, 2000. BITENCOURT, Cézar Roberto. Manual de direito penal. São Paulo: Saraiva, 2002, v. 1. 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