A Psicologia brasileira é contra a redução da maioridade penal no

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A Psicologia brasileira é contra a redução da maioridade penal no Brasil
O Conselho Regional de Psicologia do Rio Grande do Sul, juntamente
com o Sistema Conselhos de Psicologia, está imbuído na luta contra a redução
da maioridade penal proposta pela Emenda Constitucional – PEC 171/93. Essa
emenda propõe penalizar as infrações dos adolescentes com o
encarceramento no sistema prisional brasileiro, alterando a imputabilidade
penal de 18 para 16 anos de idade, tornando-os responsáveis pela violência e
criminalidade produzida no país.
Entendemos que tratar a violência ultrapassa o âmbito da segurança
pública, e nos remete a uma problemática que primordialmente passa por
acessar direitos fundamentais tais como educação, saúde, moradia, renda e
convivência social com uma correlativa produção de sentidos para a vida.
Sabemos que ainda temos muito para avançar no que se refere a
condições mais justas e dignas para toda a população brasileira, sobretudo
para aquelas em condições de maior vulnerabilidade social. Mas, também
reconhecemos que avanços foram feitos, principalmente por meio de políticas e
programas que visam a enfrentar a precarização no acesso aos direitos por
vários grupos sociais, entre os quais a população juvenil. É lamentável,
portanto, que ainda hoje, a discussão sobre a violência no país se organize em
torno da criminalização de adolescentes que majoritariamente encontram-se
alijados de laços sociais que possa lhes proporcionar outras alternativas que
não a violência ou a morte.
A PEC 171/93 nega a produção social da violência, buscando no cárcere
a solução para problemáticas sociais que há muitos séculos apresentam-se em
nosso país, como a enorme desigualdade social mantida por grupos elitistas
que perpetuam-se em práticas de corrupção e aviltamento dos direitos sociais.
Também nos cabe ressaltar que, associado a isso, temos uma incalculável
desigualdade racial em nossa sociedade, demonstrada em vários índices
governamentais e não-governamentais, como na pesquisa promovida pela
Unesco e apresentada em 2014 no índice de vulnerabilidade juvenil à violência
e desigualdade racial. Quanto à violação de direitos nas relações raciais e a
incidência de mortes na população negra juvenil, basta olhar a série de Mapas
da Violência realizados pela FLACSO – Faculdade Latino-Americana de
Ciências Sociais.
Com esse cenário, entendemos que é papel da Psicologia ajudar a
desmistificar as ideias simplistas e reducionistas em torno da violência
brasileira e colaborar no entendimento desta questão, para não culpabilizar
adolescentes que, bem ao contrário do que se dissemina, são fortemente
penalizados e vulnerabilizados perante as injustiças sociais.
Reconhecemos que a sociedade encontra-se temerosa e amedrontada
com a possibilidade de se tornar alvo de práticas violentas e criminosas. Não
negamos a situação do Brasil e não podemos fechar os olhos para os altos
índices de homicídios, por exemplo, apontados pela ONU. No entanto,
queremos chamar atenção para a sensação de insegurança que se produz em
situações midiatizadas, vinculadas a processos sociais e econômicos sobre os
quais se forja uma explicação para a violência. O caso do médico e ciclista que
foi assassinado no calçadão do Rio de Janeiro é um exemplo claro da
associação que a grande mídia fez do ato à culpabilidade dos adolescentes e
omitiu a posição da família da vítima que se colocou contra a redução da
maioridade por entender que este não é um caminho que irá resolver o
problema da violência no país. Associa-se à matéria, uma solução que dá cabo
ao que foi veiculado, como se a própria matéria midiática não fosse ela própria
uma criação interessada. Ou seja, cria-se o problema sobre o qual a solução já
está pensada e articulada antes mesmo dele existir, porque esta é a condição
criada para se propor algo que dê à população a esperança de obter mais
segurança para viver, como promete a proposta da PEC 171/93.
Com isto, queremos assinalar que a sensação de insegurança
largamente produzida e experimentada pela população, em especial nos
grandes centros urbanos, é bem maior do que a possibilidade concreta de ser
vítima de algum ato criminoso que atente contra a vida.
A partir desta perspectiva, é possível observar uma série de mitos em
torno da Redução da Maioridade Penal e, a nós, cabe entender os motivos e os
interesses que estão em jogo neste processo. A população deve ficar atenta a
soluções mágicas para problemas complexas e, principalmente, observar quem
ganha com a cultura do medo e do ódio incitada e cultivada cotidianamente em
nossa sociedade.
Uma série de mitos são observados e alguns deles, bastante recorrentes
na defesa desta proposta, é de que os adolescentes são os responsáveis pelo
aumento da criminalidade no Brasil, e de que não sendo punidos
adequadamente, se desenvolverão cada vez mais como criminosos.
Outro discurso bastante difundido é o de que os adolescentes possuem
consciência dos seus atos e, portanto, devem ser imputados penalmente. O
aporte trazido pelas ciências psicológicas nos leva a questionar a relação
simplista de causa-efeito entre comportamento consciente – estímulo –
punição. Mesmo as abordagens teóricas que desconsideram a importância dos
processos coletivos na constituição de sujeitos, não irão afirmar um nexo
causal tão restrito e inócuo ao desconsiderar todas as variáveis presentes no
comportamento humano. Com isto, torna-se sem efeito imputar unicamente à
consciência de um indivíduo toda a responsabilização pelos seus atos.
Nossa questão se baseia em torno de estatísticas que mostram que os
adolescentes morrem mais, são mais vítimas, do que autores. E aqueles que
estiveram envolvidos com atos criminosos possuem na sua história de vida
uma série de privação de direitos que reduzem as alternativas para viver, além
de serem em sua maioria uma população caracteristicamente visada à punição,
em sua maioria pobre e negros. São fatos inegáveis que precisam ser
amplamente discutidos e compreendidos.
Quanto à acusação de impunidade destes 1%, novamente uma falácia
se aplica nesta afirmação porque o Estatuto da Criança e do Adolescente prevê
medidas socioeducativas para o adolescente infrator e que devem ser
cumpridas. Ou seja, os adolescentes são responsabilizados pelos crimes que
cometeram, mas o ECA prevê que esta responsabilização aconteça pelo viés
do desenvolvimento, podendo oferecer a este jovem condições dele buscar
alternativas para viver que sejam menos vulneráveis, que possa conhecer a
sua realidade, cuidar de si e sentir-se cuidado em redes e vínculos que lhe
apoiem nos enfrentamentos cotidianos e, principalmente, que lhe dê
oportunidade de trânsito social diante da percepção adquirida e das
potencialidades desenvolvidas. Entendemos, no entanto, que precisamos
melhorar o funcionamento destas medidas na prática, para que garantam o que
a lei prevê e recebam o investimento necessário para implementar as ações
educacionais. O que vemos em muitas casas asilares para adolescentes em
conflito com a lei é muito mais uma lógica punitiva vigente nas prisões, do que
a escolha pela via da responsabilização social prevista e amplamente discutida
nos encaminhamentos do ECA. Ou seja, uma das dificuldades de se trabalhar
conforme o ECA prevê atualmente, está justamente na transposição da lógica
punitiva aos serviços que deveriam ser pautados pela socioeducação.
Todavia, dentre aqueles que acreditam que a redução da maioridade
penal não irá solucionar os problemas de violência apresentados, temos duas
frentes. Quase todos entendem que o ECA necessita ser revisitado e que
algumas coisas sejam atualizadas. Porém, uma frente pensa que na
reformulação do ECA possa-se instituir o aumento do tempo de internação dos
adolescentes infratores. O CRP RS é terminantemente contra o aumento de
internação porque entendemos que dessa forma corre-se o risco de gerar
maiores prejuízos psicológicos e sociais aos internos entendendo estar
baseada na mesma lógica prisional de privação de liberdade, imputando
punição e sofrimento ao adolescente. O Conselho acredita e aposta numa
reforma de modos de investimento profissional, social e estrutural que estão
faltando para aperfeiçoar as ações e se se aproximar da famigerada inclusão
social dos internos.
Por fim, entendemos que punição é diferente de dar limites e
responsabilidades. Punir remete a sofrimento, à dor, como sinônimo de
aprendizado. Mas, sabemos que o aprendizado se dar por outras vias,
principalmente pelo ensinamento do cuidado de si. Quando punimos uma
criança, já falhamos na educação, quando criminalizamos adolescentes, já
falhamos enquanto sociedade e não soubemos oferecer meios e condições
para o desenvolvimento.
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