Edema agudo de pulmão como manifestação de embolia pulmonar

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RELATO DE CASO
Rev Bras Clin Med. São Paulo, 2011 mai-jun;9(3):239-41
Edema agudo de pulmão como manifestação de embolia
pulmonar. Relato de caso*
Pulmonary embolism and infarction presenting as acute pulmonary edema. Case
report
Bertha F Polegato1, Marcos F Minicucci2, Luiz S Matsubara2, Roberto MT Inoue1, Paula S Azevedo2, Leonardo
AM Zornoff2, Sergio M Ribeiro3, Sergio AR Paiva2, Marina P Okoshi2
*Recebido da Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP). Botucatu, SP.
RESUMO
SUMMARY
JUSTIFICATIVA E OBJETIVOS: Apresentação clínica de
embolia pulmonar como edema agudo de pulmão é incomum
em pacientes sem disfunção sistólica do ventrículo esquerdo.
A fisiopatologia do edema agudo de pulmão não cardiogênico
associado à embolia pulmonar não está claramente esclarecida.
Possíveis mecanismos como aumento da permeabilidade capilar e
hiperfluxo em áreas pulmonares com artérias não ocluídas parecem estar envolvidos. O objetivo deste estudo foi relatar um caso
de paciente admitida com edema agudo de pulmão causado por
embolia e infarto pulmonar.
RELATO DO CASO: Paciente do sexo feminino, 67 anos,
encaminhada à Sala de Emergência com dispneia súbita e
ortopneia. À investigação complementar, radiografia de tórax mostrou edema pulmonar bilateral e a angiotomografia
computadorizada revelou embolia associada a áreas de infarto
pulmonar.
CONCLUSÃO: O relato reforça a importância de incluir embolia pulmonar como um dos diagnósticos diferenciais em pacientes com edema agudo de pulmão de etiologia obscura.
Descritores: Edema agudo de pulmão, Embolia pulmonar,
Trombose.
BACKGROUND AND OBJECTIVES: Pulmonary embolism
presenting as pulmonary edema is an uncommon condition in
patients without left ventricular systolic dysfunction. Physiopathology of non cardiac pulmonary edema associated with pulmonary embolism is not entirely clear. Blood overflow in parenchymal areas with patent pulmonary arteries and increased capillary
permeability are possible mechanisms involved. We report the
case of a patient with acute pulmonary edema caused by pulmonary embolism and infarction.
CASE REPORT: Female patient, 67 year-old, referred to our
hospital with sudden onset dyspnea and orthopnea. Chest radiography revealed bilateral pulmonary edema and computed tomographic arteriography detected pulmonary embolism associated
with areas of pulmonary infarction.
CONCLUSION: This report reinforces that pulmonary embolism should be considered as a differential diagnosis in acute pulmonary edema with unknown etiology.
Keywords: Pulmonary edema, Pulmonary embolism, Thrombosis.
1. Médico do Departamento de Clínica Médica da Faculdade de Medicina de
Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP, Botucatu, SP, Brasil
2. Professor Doutor do Departamento de Clínica Médica, Faculdade de Medicina
de Botucatu, Universidade Estadual Paulista (UNESP), Botucatu, SP, Brasil
3. Professor Doutor do Departamento de Doenças Tropicais e Diagnóstico por
Imagem, Faculdade de Medicina de Botucatu, Universidade Estadual Paulista
(UNESP). Botucatu, SP, Brasil
Apresentado em 27 de julho de 2010
Aceito para publicação em 30 de novembro de 2010.
Endereço para correspondência:
Dra. Bertha Furlan Polegato
Departamento de Clinica Medica - FMB
Rubião Júnior, s/nº
18618-000 Botucatu, SP.
Fone: (14) 3882-2969. Fax: (14) 3882-2238
E-mail: [email protected]
© Sociedade Brasileira de Clínica Médica
INTRODUÇÃO
A embolia pulmonar mais comumente origina-se da liberação de
trombos localizados em veias profundas de membros inferiores.
As apresentações clínicas da embolia pulmonar aguda, com ou
sem infarto, variam de leve dispneia à hipotensão persistente e
choque1. Além de manifestar quadro clínico próprio, a embolia
pulmonar pode descompensar pacientes com disfunção ventricular esquerda prévia e levar à edema agudo de pulmão. Entretanto,
apresentação de embolia e infarto pulmonar como edema agudo
de pulmão não é comum em pacientes sem disfunção ventricular esquerda sistólica, havendo apenas poucos casos descritos na
literatura2-6.
O objetivo deste estudo foi relatar um caso de embolia e infarto
pulmonar associados à edema agudo de pulmão.
RELATO DO CASO
Paciente do sexo feminino, 67 anos, veio encaminhada ao Pronto
Socorro do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de
Botucatu com quadro súbito de dispneia e ortopneia, sem história de febre. Era portadora de diabetes mellitus e hipertensão
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Polegato BF, Minicucci MF, Matsubara LS e col.
a­ rterial sistêmica, em tratamento com glibenclamida, metformina, enalapril, hidroclorotiazida, propranolol e ácido acetilsalicílico. Não havia antecedentes de cirurgias ou neoplasias. Ao exame
físico, apresentava frequência respiratória de 40 rpm, frequência
cardíaca de 100 bpm e pressão arterial de 160 x 100 mmHg. À
ausculta pulmonar, observou-se a presença de crepitações finas
em terços médios e inferiores de ambos os campos pulmonares.
O exame cardíaco foi normal e não havia edema periférico ou
sinais de trombose venosa profunda. Imediatamente após sua
admissão, recebeu suplementação de oxigênio com máscara de
Venturi (fração inspirada de oxigênio de 50%). A pressão arterial,
inicialmente elevada, normalizou-se espontaneamente. Como
não houve melhora clínica após oxigenoterapia, e a saturação de
oxigênio estimada pelo oxímetro de pulso foi de 52%, a paciente
foi submetida à intubação orotraqueal e ventilação mecânica.
A radiografia de tórax mostrou opacidade alveolar bilateral com
componente intersticial adjacente, de limites mal definidos, estendendo-se dos hilos às bases pulmonares, obliterando o diafragma,
principalmente à esquerda (Figura 1A). O eletrocardiograma revelou taquicardia sinusal. Exames laboratoriais: CKMB 15 U/L
(Valor de referência - VR: inferior a 16 U/L), CK 107 U/L (VR:
30 a 135 U/L), troponina 0,01 µg/L na admissão e 0,83 µg/L após
24h (VR: inferior a 0,11 µg/L), glóbulos brancos 17.200/mm3 e
neutrófilos 12.728/mm3. Em ecocardiograma transtorácico, não
foi observado aumento do ventrículo direito e a pressão na artéria
pulmonar não pode ser estimada. O diâmetro do ventrículo esquerdo era 45 mm na diástole e 29 mm na sístole; a fração de ejeção do ventrículo esquerdo estimada pelo método de Teichholz foi
de 65%. Os diâmetros do átrio esquerdo e da aorta foram 38 mm e
28 mm, respectivamente (relação entre diâmetro do átrio esquerdo
e diâmetro da aorta de 1,36). As espessuras da parede posterior e do
septo interventricular na diástole eram 8,5 mm e a massa estimada
do ventrículo esquerdo 123 g. A relação E/A era 0,6.
tível com infarto pulmonar. Reforçando o diagnóstico, foram
observadas imagem em forma de calota contralateral e discretas
falhas de enchimento em ramo subsegmentar correspondente à
região infartada (Figura 2).
Figura 2 – Tomografia computadorizada de tórax.
A partir de dados clínicos e laboratoriais, foi estabelecido o diagnóstico de embolia pulmonar apresentando-se como edema agudo de pulmão. Terapia anticoagulante foi iniciada com heparina de baixo peso molecular e varfarina. A paciente apresentou
melhora clínica progressiva, tendo sido assistida por ventilação
mecânica por 48 horas e recebido alta hospitalar seis dias após
a internação, assintomática, e em uso de varfarina. Radiografia
de tórax realizada três dias após a internação mostrou desaparecimento da opacidade pulmonar, reforçando o diagnóstico de
edema pulmonar (Figura 1B).
DISCUSSÃO
Figura 1 – (A) Radiografia de tórax no momento da admissão hospitalar. (B) Radiografia realizada três dias após mostra desaparecimento da
opacidade.
Devido a escore de Wells revelar probabilidade intermediária
para embolia pulmonar, foi solicitado dímero-D, pelo método
ELISA (enzyme-linked immunoabsorbent assay, sensibilidade >
95%)7, cujo resultado foi 1,9 µg/mL (VR: inferior a 0,5 µg/mL).
A paciente foi, então, encaminhada a angiotomografia de tórax,
que foi realizada em tomógrafo com detector único, obtendo-se
cortes tomográficos de 3 x 3 mm, após injeção cronometrada de
contraste por via venosa em bomba de infusão. Foi visualizada
imagem em forma de cunha na base pulmonar direita, compa240
No presente caso, a paciente chegou ao Pronto Socorro com
quadro clínico evidente de edema agudo de pulmão. Durante
a investigação laboratorial, edema pulmonar foi confirmado por
radiografia de tórax e embolia com infarto pulmonar foi visualizado em angiotomografia computadorizada de tórax. A possibilidade de haver disfunção ventricular esquerda sistólica em repouso foi afastada por ecocardiograma transtorácico, que revelou
ventrículo e átrio esquerdo com cavidades de dimensões normais
e fração de ejeção preservada.
A ocorrência concomitante de embolia e edema pulmonar foi
bem caracterizada em pacientes com cardiopatia prévia8. Em estudo, no qual os autores avaliaram 88 autópsias com comprovação de embolia pulmonar, foi verificado que 51% dos casos
apresentavam edema pulmonar, que estava associado à presença
de doença cardiovascular8. De fato, houve estreita correlação entre o peso do coração e a frequência ou intensidade do edema e
ausência de correlação entre tamanho ou número de êmbolos e
desenvolvimento de edema pulmonar8. Por outro lado, há poucas
descrições sobre a ocorrência de edema pulmonar durante embolismo em pacientes sem insuficiência cardíaca esquerda2-5.
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Edema agudo de pulmão como manifestação de embolia pulmonar. Relato de caso
Apesar da fisiopatologia do edema pulmonar não cardiogênico
ter sido pouco estudada, alterações hemodinâmicas e inflamatórias parecem estar envolvidas. Em casos de embolismo maciço,
foi observado edema em áreas com artérias patentes, indicando
que a “hiperperfusão” destas áreas possa levar ao extravasamento
de fluidos para interstício e alvéolos4,5,9. Entretanto, como obstrução microvascular pulmonar provocou apenas mínimo edema pulmonar em cães10, alterações inflamatórias passaram a ser
investigadas como responsáveis pelo desenvolvimento do edema
pulmonar2,8,10,11. De fato, estudo experimental mostrou que embolização pulmonar com microesferas pode induzir aumento da
permeabilidade vascular12. Além disso, há evidências que o edema
pulmonar está relacionado à liberação de fatores humorais que
ocorrem após acúmulo local de fibrina12.
Infelizmente, no presente caso não foi possível a mensuração da
pressão de oclusão da artéria pulmonar. Como a paciente estava
hipertensa inicialmente, e apresentava disfunção diastólica leve,
caracterizada por redução da relação E/A, é possível que o edema
pulmonar fosse secundário à insuficiência ventricular esquerda
aguda. Entretanto, como não houve melhora na condição clínica
da paciente após normalização dos níveis pressóricos, esta possibilidade tornou-se pouco provável.
Na suspeita de embolia pulmonar aguda, o uso de escores clínicos para predizer a probabilidade de embolismo, como o escore
de Wells, em associação com a dosagem de dímero-D, deve ser
considerado antes da avaliação diagnóstica por imagem1. Neste
caso, como havia probabilidade clínica moderada de tratar-se de
embolia pulmonar, realizou-se dímero-D, cujo resultado foi positivo, indicando a necessidade de complementar a investigação
diagnóstica para confirmar ou excluir o diagnóstico, o que foi
realizado com a angiotomografia de tórax. A dosagem do dímero-D pode ser útil para avaliar pacientes com probabilidade clínica moderada de embolia pulmonar somente se for realizada por
método altamente sensível (ELISA). Nesta situação, em vigência
de resultado negativo e na dependência do julgamento clínico,
pode-se excluir a presença de embolia pulmonar7. É importante
salientar que dosagem do dímero-D por método moderadamente
sensível tem utilidade apenas em casos de baixa probabilidade
clínica, nos quais resultado negativo permite excluir o diagnóstico de embolia pulmonar. A angiotomografia de tórax é considerada, atualmente, o exame de escolha para investigação de
embolia pulmonar devida às suas características de não invasividade e facilidade de acesso ao método. Entretanto, não é um
bom exame para identificação de trombos em artérias distais. A
visualização de trombos em artérias segmentares é suficiente para
confirmar o diagnóstico de embolia pulmonar, mas a ausência
de trombos visíveis neste exame não é suficiente para exclusão
do diagnóstico7. Ainda permanece incerta a necessidade de tratamento quando há trombos apenas em artérias subsegmentares,
na ausência de trombose venosa profunda7. Apesar dos avanços
na angiotomografia, a angiografia pulmonar continua sendo o
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padrão ouro para o diagnóstico de embolia pulmonar e deve ser
considerada quando os exames de imagem apresentar resultados
não compatíveis com o quadro clínico. No presente caso, como
a paciente apresentava-se com trombos em artérias segmentares,
optou-se pela anticoagulação sem necessidade de investigação
diagnóstica adicional.
O conhecimento das causas de edema agudo de pulmão tem importantes implicações clínicas, visto que muitas delas exigem tratamentos específicos. Apesar de existirem poucos relatos de edema agudo de pulmão associado à embolia pulmonar em pacientes
sem disfunção ventricular esquerda sistólica, sua ocorrência pode
ser mais frequente, uma vez que a embolia pulmonar é comumente subdiagnosticada na prática clínica.
CONCLUSÃO
O relato reforça a importância de incluir embolia pulmonar
como um dos diagnósticos diferenciais em pacientes com edema
agudo de pulmão de etiologia obscura.
REFERÊNCIAS
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