CAPA PLANOS DE SAÚDE M ILUSTRAÇÕES ADRIANA KOMURA O número de sessões de nutrição, fonoaudiologia, psicoterapia e terapia ocupacional disponibilizado pelos planos de saúde, a partir da nova determinação da ANS, de abril, é insuficiente para grande parte dos tratamentos; pesquisa do Idec revela, além disso, que várias operadoras não estão cumprindo as regras TRATAMENTO fatiado 16 Revista do Idec | Setembro 2008 aria Ferreira é aposentada e anda com dificuldade. Em menos de dois anos, passou por três cirurgias para corrigir um problema em sua perna direita que a fazia mancar e hoje, também com osteoporose, sente dores constantes nas duas pernas. Para ela, que tem 76 anos, é estranho que alguém a ensine a se movimentar dentro de sua própria casa, mas aceitou o desafio para tentar aliviar as dores. Fará sessões semanais de tratamento com uma terapeuta ocupacional e aprenderá a adequar suas tarefas diárias à dificuldade de locomoção. Mesmo tendo um plano de saúde “novo” – isto é, contratado depois de 1999 –, Maria está pagando pelo tratamento. Isso porque seu convênio desrespeita a Resolução 167/2008 da Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) – que atualiza o rol de procedimentos de cobertura obrigatória pelos planos de saúde – e ainda não disponibiliza tratamentos desse tipo a seus usuários. Desde 2 de abril os planos novos, que são aqueles regidos pela Lei de Planos de Saúde (9.656/98), são obrigados a cobrir uma série maior de tratamentos, o que inclui consultas com nutricionistas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais e psicólogos. Embora questione a limitação que foi imposta a esses tratamentos – são apenas seis sessões anuais para as especialidades, com exceção da psicologia, que dispõe de doze –, o Idec quis saber se as novas determinações estavam sendo cumpridas. Assim, pesquisou nove dos maiores planos de saúde brasileiros (Amil, Bradesco Saúde, Dix Saúde, Golden Cross, Intermédica, Medial, Samcil, Sul América e Unimed) entre os dias 11 e 21 de julho e, claro, testemunhou diversos desrespeitos ao consumidor. Golden Cross e Samcil encabeçam a lista de problemas. As operadoras não oferecem tratamentos de terapia ocupacional e, no caso da Samcil, também não há disponibilidade de atendimento psicológico. A Dix Saúde também deixa a desejar, pois oferece consultas com fonoaudiólogos e psicólogos apenas em grupo – o que pode não ser indicado para muitos pacientes e, portanto, caberia apenas ao profissional da área decidir. Com relação à limitação do número de sessões – apesar de todas as operadoras que disponibilizam as especialidades estarem de acordo com a regulamentação –, ela é ilegal. Fere o Código de Defesa do Consumidor (CDC), em seu artigo 39, que proíbe o fornecedor de serviços de “exigir do consumidor vantagem manifestamente excessiva”. Afinal, as pessoas marcam consultas com determinados profissionais de saúde quando têm necessidade. Por isso, a limitação é considerada uma prática abusiva. E não é difícil imaginar por quê. Considere fazer uma sessão de psicoterapia por semana. Depois de duas ou três consultas você deve passar a se sentir mais confortável com o psicólogo e começar a discutir sua vida. Depois de três meses, quando começar a chegar a alguma conclusão – ou talvez ainda esteja bem longe disso –, o profissional precisará lhe dizer que não pode mais atendê-lo, já que o plano de saúde não cobre o restante do tratamento. Além de ser uma situação eticamente complicada para o profissional, é muito delicada para a saúde do paciente. A limitação de consultas com esses profissionais também é um contra-senso para os próprios planos de saúde. “Se não atuarmos na Revista do Idec | Setembro 2008 17 PLANOS DE SAÚDE saúde preventiva – a educação alimentar pode evitar doenças degenerativas e mesmo vários tipos de câncer, por exemplo –, em alguns anos o volume de pessoas que precisarão usar os planos de saúde para internação em hospitais será enorme, e muitos planos vão quebrar”, alerta Antônio Augusto, coordenador da unidade técnica do Conselho Federal de Nutricionistas. De acordo com o especialista, a maior parte das pessoas que têm planos de saúde só paga a mensalidade pensando que no dia em que ficar doente terá atendimento. É aí que os planos de saúde deveriam investir, e até vêm investindo de alguma maneira: se eles ajudam a conscientizar a população a fazer consultas de controle e de prevenção de doenças, lucrarão ainda mais no futuro – e não só eles, mas toda a população. “Por enquanto, o consumidor fica na ilusão de que o tratamento está realmente disponível”, afirma Sandra Vieira, presidente do Conselho Federal de Fonoaudiologia, “mas este é apenas um começo, o primeiro passo”. “A assistência tem que estar centrada na necessidade do usuário [e não na limitação do plano].” As operadoras estão oferecendo o devido acesso aos novos procedimentos? O procedimento é disponibilizado? Atende o mínimo de sessões da Resolução 167/08? Qualquer médico pode encaminhar (ou seja, o profissional não precisa ser da rede credenciada)? Médicos de qualquer especialidade podem encaminhar o paciente para esses profissionais? AVALIAÇÃO Samcil Intermédica Dix Saúde Unimed Golden Cross Medial Amil Sul América Bradesco Nutrição & & & & & & & & & Fonoaudiologia & & ' & & & & & & Terapia ocupacional ' (1) & & & ' & & & & Psicoterapia '(1) & '(2) & & & & & & Nutrição & & & & & & & & & Fonoaudiologia & & '(2) & & & & & & Terapia ocupacional ' & & & ' & & & & Psicoterapia ' & '(2) & & & & & & Nutrição & (5) ' ' (4) ' & & & & &(5) Fonoaudiologia '(3) ' '(4) ' & & & & &(5) Terapia ocupacional ' ' '(4) ' ' & & & & Psicoterapia ' ' '(4) ' & & & & & &(5) ' & & & &(5) & & &(5) Fonoaudiologia ' ' & & & & & & &(5) Terapia ocupacional ' ' & & ' ' & & & Psicoterapia ' ' & & & ' & & & Número de não-conformidades 10 8 8 4 4 2 0 0 0 Percentual de não-conformidades 50% 40% 40% 20% 20% 10% 0% 0% 0% Nutrição (2) (1) & = Conforme ' = Não conforme (1) Não havendo disponibilidade, considerou-se haver desconformidade também nos demais itens (2) Oferece apenas sessões em grupo, consideradas inadequadas (3) Não aceita prescrição de médico da rede pública (4) Não aceita prescrição de médico de pronto-socorro ou de outra assistência médica (5) Não exige solicitação médica. Nesses casos, considerou-se que havia conformidade nos dois últimos itens 18 Revista do Idec | Setembro 2008 (5) SÓ COM ORDEM MÉDICA Outra dificuldade para quem precisa do acompanhamento desses profissionais é a necessidade de ter a autorização de um médico, como estipulado pela Lei de Planos de Saúde. “Se o médico diagnostica um paciente como diabético e o encaminha para acompanhamento com um nutricionista, essa interação é perfeita”, afirma Antônio Augusto. “Mas se o consumidor tem sobrepeso e percebe isso, por que ele precisaria passar por um médico que lhe indicasse o acompanhamento nutricional? Ele deveria poder procurar diretamente um nutricionista.” “Dessa forma, o consumidor apenas desperdiça uma consulta com o médico”, afirma Sandra Vieira. “A saúde é atribuição de muitos profissionais, e uma especialidade não pode estar submetida a outra.” Entretanto, por ser parte da Lei de Planos de Saúde, essa exigência pode ser feita pelos convênios. Qualquer outra que extrapole a indicação do médico, no entanto – como a obrigatoriedade de pedir uma nova guia médica depois de determinado número de sessões –, não tem respaldo legal e é considerada prática abusiva. A Unimed Paulistana e a Intermédica, segun- Como foi a pesquisa Técnicos do Idec ligaram para o serviço de atendimento ao consumidor (SAC) de cada uma das empresas e gravaram as ligações. No contato, o técnico se passou por consumidor interessado em saber mais sobre as novas especialidades. Os titulares reais dos planos de saúde cederam suas informações pessoais para a realização do teste. As exceções são a Golden Cross e a Samcil, das quais não tivemos voluntários. Nesses casos, o pesquisador se identificou como consumidor interessado em contratar o plano de saúde da empresa. Mesmo nessas situações as informações foram solicitadas via SAC. do a pesquisa, descumpriram totalmente a regulamentação, pois exigiram que o médico fosse integrante da rede credenciada para fazer encaminhamento a esses profissionais. Já a Dix Saúde aceita a solicitação somente de médicos de sua rede credenciada ou de médico particular, e a Samcil não aceita prescrições de médicos da rede pública. Um verdadeiro abuso. A Intermédica, a Medial e a Samcil ainda por cima restringem a solicitação a algumas especialidades. É importante deixar claro que qualquer médico deve poder encaminhar o paciente. DEZ LIGAÇÕES DEPOIS... Durante a pesquisa também questionamos os planos de saúde sobre os procedimentos que o consumidor deve adotar para conseguir uma consulta. Apenas Medial, Dix Saúde e Sul América liberam o consumidor da burocracia, mas somente quando o objetivo é uma consulta com nutricionista. A Intermédica é a única que não exige autorização para nenhuma das especialidades. Todo o restante exige tempo e paciência do consumidor. Na Unimed, por exemplo, depois de obter a guia de encaminhamento com o médico, o usuário deve ligar para a central de atendimento e solicitar senha de autorização, que pode demorar até 48 horas para ser liberada. Na Medial, para consultas com terapeuta ocupacional ou psicólogo é necessário fazer o Revista do Idec | Setembro 2008 19 PLANOS DE SAÚDE Fonoaudiologia A área estuda e trata os distúrbios da fala, da voz, da audição e da linguagem. Alguns problemas de saúde mais conhecidos que precisam do acompanhamento de um fonoaudiólogo são: gagueira, dislexia (dificuldades de leitura), afasia (dificuldades de compreensão), rouquidão, dificuldade de pronunciar letras ou sons etc. Além disso, esses profissionais trabalham com distúrbios na alimentação, como disfagia (dificuldade de deglutição) e reabilitam pacientes com deficiência auditiva. Nutrição Uma consulta com um nutricionista pode ser de prevenção ou para tratar doenças. O nutricionista pode ajudar a compor a dieta de pessoas com necessidades especiais, como os celíacos (que não podem comer alimentos com glúten); as pessoas que têm intolerância à lactose, que é o açúcar do leite; ou os fenilcetonúricos (que não digerem algumas proteínas corretamente). Pode, ainda, acompanhar pessoas portadoras de diabetes e ajudar na manutenção da dieta ou acompanhar pessoas que passam por hemodiálise – nesse caso, a cada sessão o paciente deve consultar o nutricionista, para ter certeza dos nutrientes que precisa repor. Como prevenção, o papel do nutricionista também é importante. Ele ajuda no desenvolvimento de hábitos saudáveis de alimentação, o que pode evitar problemas de saúde futuros, como obesidade, hipertensão, doenças cardiovasculares etc. pedido por fax e aguardar 48 horas pela liberação. Para o Idec essa é mais uma prática abusiva, já que nem todos os consumidores têm acesso ao aparelho de fax. Além de, é claro, 48 horas ser muito tempo para a autorização de procedimentos tão simples. Mas o caso mais alarmante é o do consumidor que tem o plano da Samcil e necessita passar por um fonoaudiólogo. Nesse caso, depois de estar com a guia de encaminhamento do médico em mãos, ele ainda precisa ir até o balcão de emissão de guias, nos centros médicos do convênio. Após três dias, o consumidor deve ligar para a central de atendimento para saber se o pedido foi aprovado. Sem contar que, a cada cinco sessões, todo esse processo de autorização deve ser refeito – lembrando que, nessa especialidade, a operadora não limita o número de consultas a que o paciente pode ir por ano. Ainda por cima – pelo menos por enquanto –, nenhum consumidor tem em mãos as listas atualizadas dos novos profissionais credenciados aos planos. Com as mudanças, é obrigação das operadoras enviar um novo guia com essa relação. O problema é que as empresas estão longe de se preocupar com isso. Amil, Unimed, Bradesco e Samcil informaram que não disponibilizam o guia impresso e orientam que o consumidor consiga a informação desejada em seus sites ou nas centrais telefônicas. Dix Saúde e Intermédica disponibilizam o guia apenas para os titulares de planos empresariais. Sul América e Golden Cross informaram que o consumidor deve procurar um corretor de vendas dos planos de saúde para ter acesso ao guia. Neste quesito, o caso mais absurdo é o da Medial, que cobra R$ 7 pelo guia impresso. O Idec comunicou os resultados da pesquisa a todas as operadoras, porém, até o fechamento desta edição da revista, somente a Sul América havia se manifestado. Em relação ao guia impresso, afirmou que ocorrem, mensalmente, “cerca de 1.500 alterações nas informações dos profissionais cadastrados”, o que “impossibilita a atualização periódica do material”. Para se informar sobre os profissionais, o consumidor, segundo a empresa, deve buscar outros canais, como sua central de atendimento pelo telefone ou pela internet. O QUE DÁ PARA FAZER? “Cabe ao consumidor conhecer e lutar por seus direitos. Anos atrás, o tempo de internação em 20 Revista do Idec | Setembro 2008 unidades de terapia intensiva (UTI) era limitado pelos planos de saúde, mas depois de muita luta todos venceram. Hoje o paciente só sai da UTI quando está bem para isso. Será a mesma coisa com as novas especialidades”, orienta Antônio Augusto. O papel dos fonoaudiólogos, nutricionistas, terapeutas ocupacionais e psicólogos nesse processo também tem importância fundamental. Além de continuarem pleiteando a ampliação do número de consultas – luta que os conselhos profissionais têm encabeçado –, também podem contribuir para a devida orientação de seus pacientes sobre seus direitos e de como podem exercê-los. Quem tem planos de saúde antigos – feitos antes de 1999 – também tem direitos assegurados, mesmo que para isso seja preciso brigar na Justiça. Claro que o consumidor pode tentar um acordo com a operadora, mas em geral é difícil consegui-lo. Na Justiça, suas chances de ganhar são grandes, mas vale dizer que os processos individuais costumam ter mais êxito. Isso porque o Judiciário brasileiro ainda está gradualmente incorporando as ações coletivas. É forte a resistência a esse tipo de processo, inclusive por conta de seu grande impacto econômico. Sempre que o consumidor tiver problemas, independentemente de seu contrato ser novo ou antigo, deve entrar em contato com a operadora para explicar a situação e exigir soluções. O Idec, inclusive, disponibiliza um modelo de carta em (www.idec.org.br/arquivos/dez_anos_ planos_saude/2.doc), que deve sempre ser enviada com aviso de recebimento – com ele, o consumidor poderá guardar uma prova de que a carta foi de fato enviada (e recebida). Se nada for resolvido, pode procurar o Procon e os órgãos de defesa do consumidor locais. Em último caso, deve optar pelo Juizado Especial Cível, que atua em causas com valores de até quarenta salários mínimos (se a causa for de até vinte salários mínimos não é necessário advogado), ou mesmo a Justiça comum. Com relação às irregularidades constatadas pela pesquisa, o Idec encaminhou uma denúncia à ANS, para que a agência tome as medidas necessárias a fim de que os problemas cessem e que as operadoras sejam punidas. Além disso, claro, questionará a limitação ao número de consultas com esses profissionais. Psicologia A psicologia serve para ajudar as pessoas a se autoconhecerem. O profissional tem como objetivo pensar junto com o paciente e ajudá-lo a chegar aos pontos escondidos que podem explicar quem ele é, e aos problemas que algumas de suas características pessoais podem estar representando. Cabe a esse profissional estudar e tratar as questões ligadas à personalidade, à aprendizagem, à motivação, à memória, ao funcionamento do sistema nervoso, à comunicação com os outros, ao desenvolvimento do indivíduo, ao comportamento sexual e em grupo, à agressividade, ao sono, ao prazer, à dor, além de diversos outros processos psíquicos e comportamentais. A ajuda de um psicólogo também pode ser fundamental durante a recuperação de doenças e em tratamentos de saúde complexos. Terapia ocupacional O terapeuta ocupacional usa atividades do dia-a-dia para tratar disfunções de origem física, mental, social e de desenvolvimento nas diferentes faixas etárias. Com a readequação da pessoa em suas tarefas diárias e em seu papel social, a terapia ocupacional é fundamental no cuidado de portadores de diversas deficiências. Um exemplo são as pessoas com paralisia cerebral, que necessitam de acompanhamento por um longo período da vida. Em cada período, as ações terapêuticas vão ao encontro das necessidades que a fase do desenvolvimento exige, e para que haja efeito terapêutico, o acompanhamento deve ser feito com regularidade. Os distúrbios de aprendizagem das crianças e as fobias de determinadas situações são outros casos que podem ser tratados com a ajuda da terapia ocupacional. Revista do Idec | Setembro 2008 21