UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CAMPUS ITAJAÍ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – NPJ SETOR DE MONOGRAFIAS O IMPOSTO DE RENDA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL PAULO HENRIQUE SETTI DECLARAÇÃO DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA EM BANCA PÚBLICA EXAMINADORA ITAJAÍ, ____ DE ____________ DE 2010. ________________________________ Professor Doutor Zenildo Bodnar Itajaí (SC), novembro de 2010. UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS CAMPUS ITAJAÍ CURSO DE DIREITO NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – NPJ SETOR DE MONOGRAFIAS O IMPOSTO DE RENDA COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL PAULO HENRIQUE SETTI Monografia submetida à Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito parcial à obtenção do grau de Bacharel em Direito. Orientador: Professor Dr. Zenildo Bodnar Itajaí (SC), novembro de 2010. AGRADECIMENTO Agradeço a meus pais por todo carinho, dedicação e apoio que me deram ao longo desse caminho, por acreditarem em mim e me darem força pra continuar estudando. Igualmente agradeço à minha madrinha Inês por me apoiar ao longo desses cinco anos. À minha namorada, Carina, pelo incentivo e ajuda incomparáveis, que me deram forças pra seguir no caminho. Aos amigos e companheiros que foram presentes nessa jornada e aos que continuarão presentes após. DEDICATÓRIA À quem tornou esse objetivo possível, sempre acreditou em mim e me apoiou em todos os momentos, meu pai, Ademar Setti. TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo. Itajaí (SC), novembro de 2010. Paulo Henrique Setti Graduando PÁGINA DE APROVAÇÃO A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Paulo Henrique Setti, sob o título O Imposto de Renda como Instrumento de Justiça Social, foi submetida em [Data] à banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Doutor Zenildo Bodnar (orientador e presidente da banca) e Professor Renato Rodrigues da Silva (examinador), e aprovada com a nota 10,0 (dez). Itajaí (SC), novembro de 2010 Professor Dr. Zenildo Bodnar Orientador e Presidente da Banca Professor MSc. Antônio Augusto Lapa Coordenação da Monografia ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS CRFB Constituição Federal CRFB/1988 Constituição Federal CTN Código Tributário Nacional IRPF Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas RIR Regulamento do Imposto de Renda STJ Superior Tribunal de Justiça ROL DE CATEGORIAS Imposto Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte1. Imposto de renda Imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica2 Justiça Social Divisão equitativa do bem comum, em que todos cooperam para o bem de todos3 Renda Produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, bem como de quaisquer acréscimos patrimoniais4. Tributo Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada mediante atividade administrativa plenamente vinculada5. 1 Lei 5.172, artigo 16. 2 Lei 5.172, artigo 43. 3 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. Barueri: Manole: 2003 p. 159. 4 Lei 5.172, artigo 43, incisos I e II. 5 Lei 5.172, artigo 3º. SUMÁRIO RESUMO................................................................................................................ X INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11 CAPÍTULO 1 .................................................................................................... 12 A TRIBUTAÇÃO DA RENDA ...................................................................... 13 1.1 ORIGENS ....................................................................................................... 13 1.2 O IMPOSTO SOBRE A RENDA NO BRASIL ............................................... 15 1.3 O CONCEITO DE RENDA ............................................................................. 18 1.4 O CONCEITO DE JUSTIÇA .......................................................................... 24 1.4.1 O conceito de justiça social ..................................................................... 31 CAPÍTULO 2 .................................................................................................... 35 PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS NO BRASIL ..................................................................................... 35 2.1 O IRPF E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ...................................................... 35 2.1.1 Uma visão geral ......................................................................................... 35 2.1.2 Princípio da legalidade ou da reserva legal ............................................ 36 2.1.3 Princípio da anterioridade tributária ........................................................ 38 2.1.4 Princípio da irretroatividade tributária..................................................... 39 2.1.5 Princípio da vedação de tributo confiscatório ........................................ 41 2.1.6 Princípio da igualdade ou isonomia tributária ........................................ 42 2.1.7 Princípio da capacidade contributiva ...................................................... 44 2.1.8 Princípio da pessoalidade ou personalização ........................................ 46 2.1.9 Princípios (ou critérios) da generalidade e da universalidade .............. 46 2.1.10 Princípio (ou critério) da progressividade............................................. 47 2.2 O IRPF E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL .......................................... 48 2.2.1 Uma visão geral ......................................................................................... 48 2.2.2 Fato gerador............................................................................................... 52 2.2.3 Bases de cálculo e alíquotas .................................................................... 55 2.2.3.1 Generalidades ......................................................................................... 55 2.2.3.2 Incidência mensal................................................................................... 55 2.2.3.3 Apuração na declaração anual .............................................................. 56 2.2.3.4 Tributação na fonte ................................................................................ 57 ix 2.2.3.5 Tributação definitiva .............................................................................. 58 2.2.4 Lançamento e recolhimento ..................................................................... 59 CAPÍTULO 3 .................................................................................................... 60 A UTILIZAÇÃO CONCRETA DO IRPF COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL NO BRASIL ATUAL ................................................... 60 3.1 UMA VISÃO GERAL: O IRPF E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS ..................................................................................................... 60 3.2 O RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE .......................................................................................... 60 3.3 O RESPEITO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AOS QUE LHE SÃO CORRELATOS .................................................................................................... 67 3.3.1 Algumas observações preliminares ........................................................ 67 3.3.2 Tratamento discriminatório a contribuintes em situação equivalente . 68 3.3.3 Despesas dedutíveis dos rendimentos brutos ....................................... 73 3.3.3.1 Despesas necessárias à produção dos rendimentos tributáveis ...... 73 3.3.3.2 Contribuições à previdência, oficial ou privada .................................. 73 3.3.3.3 Despesas com a saúde do contribuinte e de seus dependentes ....... 73 3.3.3.4 Despesas com a instrução do contribuinte e de seus dependentes . 74 3.3.3.5 Valor fixo por dependente ..................................................................... 74 3.3.3.6 Pensão alimentícia judicial .................................................................... 75 3.3.3.7 Parcela isenta para contribuintes aposentados ou pensionistas maiores de 65 anos ........................................................................................................... 75 3.3.3.8 Deduções do imposto devido ............................................................... 76 3.3.4 A progressividade do imposto ................................................................. 77 CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 79 REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................................. 81 RESUMO Para melhor implementação de um Estado Democrático de direito o sistema tributário deve discutir o imposto sobre a renda das pessoas físicas, a capacidade econômica e a justiça social, o que infelizmente está cada vez mais afastado da realidade. A CRFB/1988 norteou as limitações legislativas do Imposto de Renda Sobre Pessoas Físicas. Assim a presente monografia de conclusão de curso tem como principal objeto a identificação dos princípios que norteiam e tornam possível a aplicação do Imposto de Renda como instrumento de justiça social. São abordados no presente trabalho um breve histórico do Imposto, bem como conceituação de renda, justiça e justiça social, após os princípios constitucionais do imposto bem como a legislação específica, e no último capítulo a aplicação dos princípios e conceitos estudados para a finalidade da justiça social. O resultado da pesquisa demonstrou-se eficaz ao prever as situações em que a legislação trata contribuintes de forma discriminatória. O método utilizado na pesquisa é o indutivo. Palavraschave: Constituição Federal. Imposto de renda. Justiça Social. Tributação. INTRODUÇÃO A presente Monografia tem como objeto o estudo do Imposto de Renda Sobre Pessoas Físicas como Instrumento de Justiça Social. O seu objetivo geral é analisar o Imposto de Renda Sobre Pessoas Físicas, desde seu breve histórico, passando pelos seus princípios constitucionais e pelo Código Tributário Nacional e analisar sua aplicação conforme a legislação e jurisprudência vigentes. O objetivo específico é demonstrar a forma discriminatória de tratamento dado aos contribuintes que se encontram na mesma situação e de que forma isso contribui para uma injustiça social. A pesquisa é de suma importância visto que o Imposto de Renda é um dos impostos que mais arrecadam no país, com os princípios da universalidade e generalidade e que muitas vezes, ou quase sempre, não se sabe a aplicação desse montante. Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do histórico do Imposto de Renda, destacando sua evolução e após uma breve conceituação do que é renda e justiça, na sequência uma breve tentativa de formar um conceito de justiça social para trabalhar na presente monografia. No Capítulo 2, a preocupação foi tratar dos princípios que norteiam os impostos, especialmente o Imposto de Renda, e ainda, de tratar como o Código Tributário Nacional legisla sobre o Imposto referido. No Capítulo 3, tratando especificamente do Imposto de Renda como instrumento de Justiça Social, partindo de uma visão geral, aplicação e respeito dos princípios para atingir tal objetivo Para a presente monografia foram levantadas as seguintes hipóteses: 12 A legislação atual faz com que o Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas trate contribuintes em situação de equivalência de forma discriminatória, prejudicando sua atuação como um instrumento de Justiça Social. A progressividade das alíquotas do Imposto ajuda a melhorar a distribuição de renda, afetando diretamente na capacidade contributiva do contribuinte. O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados, seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a utilização concreta do Imposto de Renda como instrumento de Justiça Social. Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de Investigação6 foi utilizado o Método Indutivo7, na Fase de Tratamento de Dados o Método Cartesiano8, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia é composto na base lógica Indutiva. Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas do Referente9, da Categoria10, do Conceito Operacional11 e da Pesquisa Bibliográfica12. 6 “[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed. Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83. 7 “[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 86. 8 Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE, Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2226. 9 “[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54. 10 “[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25. 11 “[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 37. 12 “Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD, 13 A TRIBUTAÇÃO DA RENDA 1.1 ORIGENS A primeira notícia que se tem de tentativa de se tributar a renda, parte da Inglaterra, por volta dos séculos XIV e XV, o rei Eduardo IV instituiu um imposto sobre a renda (com aprovação do parlamento), calculando à alíquota de 10%, com o objetivo de financiar uma das guerras contra a França, após a revolta dos contribuintes, a Coroa recuou13. Após, no final do século XVIII, coube novamente à GrãBretanha criar um imposto sobre a renda, mais uma vez para custear as despesas decorrentes de uma guerra contra a França, que desta vez estava sob o comando de Napoleão14. Foi então que o primeiro ministro William Pitt, conhecido como “o jovem” a fim de distingui-lo de seu pai, homônimo, e que também fora primeiroministro, conseguiu o feito de convencer o parlamento inglês a aprovar, em 1799, a criação do primeiro imposto sobre a renda progressivo na história15. A instituição desse imposto sobre a renda foi precedido de um esquema de tributação tripla (triple assessment), dessa forma os tributos incidentes sobre a propriedade foram agrupados em um só. Os contribuintes foram divididos em três classes.16 Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209. 13 ADAMS apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 2. 14 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 4. 15 Receita Federal. Primórdios do imposto de renda no mundo. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/histPriomordiosMundo.asp> acesso em: 07 setembro de 2010. 16 ADAMS, apud. LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 4. 14 Carlos Araújo Leonetti17 descreve bem as três classes: A primeira abrigava as pessoas presumivelmente ricas, e que consumiam, nas palavras de Pitt, “produtos e serviços nãoessenciais e luxuriosos”. Estes contribuintes tinham o valor do imposto devido no ano anterior multiplicado por um fator que variava de 3,0 (o que deu origem ao nome do sistema) a 5,0, conforme o montante do tributo. Na segunda classe estavam os contribuintes com patrimônio (e renda) razoável, cuja carga tributária relativa ao ano anterior era atualizada com o uso de fator entre 1,35 e 5,0. Finalmente, a terceira classe reunia os contribuintes presumivelmente pobres, cuja carga tributária era aumentada entre 10% (fator 1,1) e 100% (fator 2,0). Pitt, ao perceber que o novo sistema não obteve os efeitos esperados, em termos de aumento de renda, não viu outro recurso senão em propor ao Parlamento a instituição de um verdadeiro imposto sobre a renda, que foi previsto inicialmente para ser extinto dentro do prazo de seis meses após o fim da guerra, mas continuou a ser cobrado até 1816, tendo apenas uma interrupção em 180218. Em 1802, logo após o término das hostilidades contra os franceses, Pitt foi substituído por Lord Sidmouth, o imposto foi extinto, sendo destruídos todos os registros a ele atinentes19. Todavia, a paz durou pouco, logo no ano seguinte, Inglaterra e França estavam novamente em eminente guerra, o que obrigou a criação de um novo imposto de renda, praticamente ressuscitaram o anterior sob a alcunha de “contribuição sobre os ganhos decorrentes da propriedade, profissões, comércio e cargos públicos”. Essa lei introduziu em 1803, duas importantes inovações que são adotadas até hoje, em maior ou menor grau: o sistema de cédulas e a tributação na fonte20. 17 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 5. 18 Receita Federal. Primórdios do imposto de renda no mundo. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/histPriomordiosMundo.asp> acesso em: 07 setembro de 2010. 19 ADAMS, apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 6. 20 ADAMS, apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 6. 15 Leonetti21 afirma que em 1806 uma nova lei alterou a tributação da renda, porém a estrutura básica manteve-se imutável. Em 1816, com a derrota definitiva de Napoleão em Waterloo na Bélgica, a cobrança do imposto foi extinta definitivamente pelo Parlamento, conforme o previsto antes de sua instituição, que também ordenou a queima de todos os documentos relativos ao tributo, em praça pública. Após a Inglaterra passou por um período de crise de déficits orçamentários. Em 1842, Robert Peel era o chefe de governo da era Vitoriana, restabeleceu o imposto sobre a renda. Aumentou-se a o limite de isenção e a tributação recaiu para valores de renda anual superior à 150 libras esterlinas. Acreditando que após a crise o imposto seria novamente suprimido, o Parlamento inglês concordou com a volta do tributo, desde então o imposto é cobrado de forma definitiva22 Instituído como um simples imposto de guerra e para cobrir dificuldades financeiras, o imposto de renda passou a ser permanente e se transformou na principal fonte de recursos de muitos países, chegando ao Brasil. 1.2 O IMPOSTO SOBRE A RENDA NO BRASIL Os primeiros estudos e projetos visando à criação de um imposto sobre a renda, no Brasil, datam do século XIX. Ruy Barbosa, conselheiro Lafayette, o barão de Rosário e os viscondes de Ouro Preto e de Jequitinhonha foram alguns dos diversos homens públicos que defenderam veementemente a introdução da tributação da renda em terras brasileiras23. Por se concentrar na pessoa do Imperador, a primeira Constituição brasileira, a de 1824, nada dispôs a respeito da distribuição das competências tributárias entre os governos central, das províncias, dos municípios e 21 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 6-7. 22 Receita Federal. Primórdios do imposto de renda no mundo. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/histPriomordiosMundo.asp> acesso em: 07 setembro de 2010. 23 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed., 9. tir., revista, atualizada e complementada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 282. 16 das vilas24. Afirma Rubens Gomes de Sousa25: “a Constituição imperial de 1824 mantinha muito pouco sobre tributação e absolutamente nada sobre tributos provinciais e locais. As províncias figuravam no orçamento imperial simplesmente como dotações de despesas”. A primeira Constituição republicana, de 1891, instituiu o modelo de Estado federal no país e cuidou de discriminar as competências tributárias da União e dos Estados-membros, porém foi absolutamente omissa em relação aos tributos municipais, ficando os Estados-membros encarregados de regular a matéria26. A Constituição de 1934 cuidou de tratar dos tributos da União, estados-membros e Municípios, além de prever a criação de impostos residuais e a cobrança de contribuição de melhoria pelos mesmos entes. A constituição de 1946 continuou adotando essa mesma linha, e ainda discriminou as competências tributárias com mais rigidez27. Nos dizeres de Bernardo Ribeiro de Moraes28 a Emenda Constitucional 18 de 1965 “trouxe ao país uma autêntica reforma tributária, fazendo revisão e mudança completas no antigo sistema tributário”. A reforma a qual Bernardo Ribeiro de Moraes se refere adotou um critério econômico para classificação dos impostos, ou seja, fez uma discriminação com referência às suas bases econômicas, com o objetivo de facilitar a operacionalização. Entretanto, a maior virtude da reforma tributária feita pela Emenda nº 18/65 talvez tenha sido a de permitir que o princípio federativo pudesse ser efetivamente implementado na medida em que as competências tributárias dos 24 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, v.1., p. 119. 25 SOUSA. Rubens Gomes de. O sistema tributário federal. In: O sistema fazendário. Brasília: Ministério da Fazenda, 1963, p. 10. 26 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário p. 130. 27 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário p. 142. 28 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário p. 153. 17 entes federativos foram explicitadas29. A Constituição de 1967 não alterou o sistema tributário preconizado pela Emenda 18/65. O primeiro Regulamento do imposto de renda só foi aprovado pelo Decreto 16.581 de 4 de setembro de 192430. Antes disso, no que tange à tributação da renda, nenhuma Constituição tinha previsto sua instituição expressamente, porém fora permitida pela União e pelos Estados-membros sua instituição, pela via da competência concorrente e cumulativa31. Por muitos anos, o imposto sobre a renda brasileiro adotou o modelo cedular tradicional, os rendimentos tributáveis eram classificados em quatro categorias ou cédulas, às quais a Lei orçamentária de 31 de dezembro de 1924 acresceu mais uma. Segundo Baleeiro32 os rendimentos eram “classificados em categorias e tributados proporcionalmente. A soma dos rendimentos constituía a renda bruta, que, depois de certas deduções, sofria o imposto complementar progressivo”. A sistemática da apuração mensal do imposto devido pelas pessoas físicas e a supressão da classificação em cédulas só foi abandonada em 1988 pela Lei 7.713 de 22 de dezembro, foi adotado então o sistema global de apuração, ainda que não em sua forma pura. As alíquotas aplicáveis ao imposto de renda sobre pessoas físicas passaram a ser apenas duas, 10% e 25%, em substituição às diversas que eram vigentes até então, que variavam de 3% a 55%. A Lei 9.250, de 26 de dezembro de 1995, alterou as alíquotas para 15% e 25%, as quais vigoraram durante os anos-calendários de 1996 e 1997. A partir de 1998, as alíquotas aplicáveis passaram a ser de 15% e 27,5%, em decorrência do disposto na Lei 9.532/97, alterada pela Lei 9.887/99 que vigoraram até a Lei 11.945 de 4 de junho de 2009 que introduziu mais duas alíquotas, sendo: 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%. 29 MARTINS, Ives Gandra. Sistema tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 21. 30 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 16-17. 31 CARVALHO, A. A. Contreiras de apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p.16. 32 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. p. 282. 18 As modificações introduzidas pela Lei 7.713/88 conferiram maior simplicidade à sistemática de apuração e declaração do imposto, mas comprometeram seriamente o caráter pessoal e, por conseguinte, o respeito ao princípio da capacidade contributiva33, matéria a ser estudada no item 2.1.7. 1.3 O CONCEITO DE RENDA O primeiro passo para saber o que tributar como imposto de renda é saber o que é a renda. Muitos estudiosos dentre as mais diversas áreas (juristas, economistas etc.) tem se dedicado a tentar definir com clareza que é renda. Rubens Gomes de Sousa34 costumava citar a definição de imposto sobre a renda atribuída a um juiz inglês, que seria “o imposto que incide sobre a renda”. De tal definição tiramos que em matéria de tributação, renda é aquilo que a lei define como renda. Há entendimentos de que o legislador infraconstitucional não pode se apoiar senão nas ciências econômicas para definir renda ou proventos de qualquer natureza, visto que é um fenômeno precipuamente econômico35. É certo que há diversas definições e o legislador pode escolher, ao seu critério, qualquer uma delas36, porém não pode tributar o que não é definido como sendo renda ou provento de qualquer natureza, sem sombras de dúvidas, sob pena de desrespeitar a Constituição. Roberto Quiroga Mosquera37 preleciona que os conceitos devem ater-se ao conceito Constitucional de renda e proventos de qualquer natureza, para tal transcreve as lições de Celso Antônio Bandeira de Mello: Bandeira de Mello aponta que as normas infraconstitucionais não podem conferir aos termos ‘renda’ e ‘proventos’ uma conotação ou 33 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 54. 34 SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. Revista de direito público, v. 14, out./dez. 1970, p. 339-346. 35 OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1977, p. 26. 36 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário.. p. 250. 37 MOSQUERA, Roberto Quiroga, Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O imposto e o conceito constitucional. São Paulo: Dialética, 1996, p. 40. 19 denotação transbordantes do sentido admissível na intelecção normal e daqueles demarcados constitucionalmente. Ressalta ainda o ilustre jurista que, caso fosse negada essa assertiva, de que as significações das normas jurídicas de hierarquia inferior devem adequar-se às significações de ‘renda’ e ‘proventos’ presentes no Texto Supremo, os preceptivos constitucionais teriam valência nula, isto é: não se prestam a cumprir sua única e específica função: demarcar, na qualidade de regras superiores, o campo de liberdade do legislador, assim como de todos os regramentos, atos e intelecções sucessivos. Deveras, se o legislador ou o aplicador da regra pudessem delinear, a seu talante, o campo de restrições a que estão submetidos, através da redefinição das palavras constitucionais, assumiriam, destarte, a função de constituinte. Entre as dificuldades da tributação da renda está a distinção entre renda e capital. Na história Hermann e Schmoller, na segunda metade do século XIX, foram um dos pioneiros no assunto, ao travar acirrada discussão acerca no tema na Alemanha. Para eles renda é a parcela da riqueza de que seu titular pode dispor, sem prejudicar o capital38. Assim surge a idéia da disponibilidade, que seria de que a renda é algo novo que é somado ao capital ou ainda produzido a partir do capital, nesse rumo Rubens Gomes de Sousa afirma que para se sujeitar a tributação, a renda deveria obedecer também à periodicidade, ou seja, deveria ser capaz de, potencialmente, de tempos em tempos, se reproduzir em intervalos que pudessem ser predeterminados39. No fim do século XIX, surge a teoria de Georg Schanz, a qual renda era todo aumento do potencial econômico do titular, entre dois momentos quaisquer, independentemente da sua origem40. Vê-se que Schanz exclui a periodicidade na sua teoria e em contraposição à ela Cohn e Neumann conceberam a teoria da fonte, que define renda em razão de sua origem, segundo a qual, nem todo acréscimo de patrimônio de alguém seria renda, mas apenas se fosse, ao menos em tese, renovável periodicamente41. 38 SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340. 39 SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340. 40 SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340. 41 SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340. 20 Logo, algumas características marcantes identificáveis até o início do século XX sobre a concepção clássica de renda seriam, para Allix e Lecerclé, por exemplo, eram três: a periodicidade, a existência de uma fonte duradoura e a exploração organizada desta fonte pelo titular da renda42. Com o tempo esses atributos da renda foram revelados como inadequados à realidade socioeconômica43. A periodicidade e a exigência de uma fonte permanente se revelaram requisitos muito frágeis, boa parte dos rendimentos são capazes de se renovar de tempos em tempos e provém de uma fonte duradoura, porém, não há dúvidas de que existem muitos outros que não obedecem essas peculiaridades, por exemplo: as indenizações por infrações contratuais, resgate de ações, a liquidação de apólices de seguro de vida, prêmios em sorteios etc. Tais ingressos no patrimônio do indivíduo, certamente não periódicos, nem por isso deixam de configurar renda pelos critérios econômicos usualmente aceitos hoje em dia44. Quanto a exploração organizada da fonte pelo titular dos rendimentos, não se pode, lhe atribuir m papel fundamental, uma vez que a natureza da fonte não é relevante para definir a receita dela decorrente como renda ou capital45. Após algum tempo surgem novos conceitos desenvolvidos pelos economistas Robert M. Haig e Henry C. Simons, o qual Carlos Araújo Leonetti46 define com propriedade: Os conceitos de Haig e de Simons, embora apresentados de forma distinta, não revelam incompatibilidade entre si e na verdade se completam, tendo, por isso mesmo, gerado o assim chamado conceito ou critério de Haig-Simons, usualmente formulado com o seguinte teor: “renda é o valor monetário do aumento líquido do poder de consumo de um indivíduo durante o período somado aos acréscimos patrimoniais líquidos” (grifos apostos). De acordo com 42 BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro.p. 182. 43 SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 341. 44 PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de renda. Rio de Janeiro: Justec, 1971, p. 2-3. 45 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 21. 46 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 22. 21 esse critério, todas as fontes de aumento potencial do consumo devem ser incluídas no conceito de renda, independentemente da forma como o consumo ocorreu e também do fato de este ter efetivamente ocorrido ou não. Por outro lado, todas as eventuais diminuições do potencial de consumo do indivíduo devem ser excluídas de sua renda, como, por exemplo, as despesas que este teve para auferi-la. Para Haig-Simons, a origem da renda é irrelevante, isto é, todos os rendimentos do contribuinte devem ser tratados da mesma forma, sem atentar para sua fonte. Em razão de o conceito de renda de Haig-Simons haver alargado sobremaneira o campo de incidência tradicional dos impostos sobre a renda, costuma-se dizer, na doutrina, que aquele critério gerou uma base tributária compreensiva. Essa distinção entre renda e capital, embora criticada, conforme observa Rubens Gomes de Sousa47, representou um grande avanço na evolução do conceito de renda, em suas palavras: Já não se trata de opor uma ao outro, mas de associá-los numa concepção cíclica em que são ao mesmo tempo causa e efeito, o que se pode exprimir dizendo que a renda é um estágio formativo do capital e reciprocamente. Assim, o que é gastado com o propósito de se obter uma nova renda, no conceito de Haig-Simons, consiste num aumento líquido de poder de consumo, o que justificaria algumas deduções, conforme leciona Carlos Araújo Leonetti48: A dedutibilidade de alguns gastos realizados pelo contribuinte está intimamente relacionada com o que, na doutrina, especialmente americana, se convencionou denominar de consumo tributável (taxable consumption). A idéia geral é a de que, em princípio, todo o consumo do contribuinte durante o período considerado deve ser taxado. Os itens de despesas dedutíveis se apresentariam então como exceções a essa regra, cujas justificativas, na doutrina, variam de autor para autor e também conforme a natureza do gasto. Assim é que o professor de Harvard William D. Andrews, por exemplo, admite que tanto as despesas com saúde quanto as doações para fins caritativos sejam deduzidas da renda bruta, para fins de tributação, embora por razões bem distintas. Para Andrews, a dedutibilidade das assim chamadas despesas médicas (em sentido lato) se justificaria pelo fato de que um sistema 47 SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 341. 48 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 24-25. 22 ideal de tributação da renda deveria levar em conta as diferenças quanto ao bem-estar dos contribuintes, e não apenas quanto à sua capacidade contributiva. As despesas médicas revelariam com grande fidelidade tais diferenças, uma vez que o bem-estar do indivíduo está intimamente ligado ao seu estado de saúde. Assim, se dois contribuintes têm a mesma renda mas um deles não goza de boa saúde, este último não estaria no mesmo estágio de bem-estar material em que se encontra o contribuinte saudável, Para Tim Edgar, o fundamento nuclear da dedutibilidade das despesas médicas, na ótica de Andrews, residiria em seu caráter involuntário. Ou seja, gastos médicos devem ser dedutíveis porque ninguém os realiza tais gastos senão por necessidade. Carlos Araújo Leonetti49 continua: O argumento não nos parece convincente. As despesas com moradia, alimentação, higiene e transporte, por exemplo, também são igualmente necessárias e nem por isso são dedutíveis, ao menos sob a legislação da maioria dos países. A nós parece que a justificativa invocada por Andrews, qual seja, a da diferenciação do bem-estar material, é mais aceitável. A igualdade tributária poderia ser aqui invocada porque o fato de um contribuinte necessitar de mais cuidados médicos do que outro implica que ambos não se encontram em situação equivalente, o que exige tratamento diferenciado. Já a capacidade contributiva também merece ser citada, uma vez que, a nosso ver, esta não pode ser medida apenas pela renda (bruta) do indivíduo, mas deve levar em conta gastos extraordinários em que este é obrigado a incorrer, como é o caso das despesas médicas. No século XX surgiu outro conceito de renda que também obteve bastante prestígio entre os juristas da época e que foi adotado na Suprema Corte norte-americana, segundo o qual renda é “o ganho derivado do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, estando aí incluídos os lucros decorrentes de vendas ou da conversão de bens de capital”50. No Brasil foi adotado esse conceito, porém o legislador foi feliz em também incluir os proventos de qualquer natureza, assim entendidos todos os demais acréscimos patrimoniais não decorrentes de capital, do trabalho ou da combinação de ambos51. Dessa forma o legislador brasileiro tratou da matéria incluindo tudo aquilo que já era pacífico de ser tributável mais tudo aquilo ganho de 49 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 24. 50 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 28. 51 Lei 5.172, artigo 43. 23 forma inesperada como o cancelamento de débitos ou o recebimento de prêmios de loterias. Outro ponto crucial para a definição de renda estaria na necessidade, ou não, de a renda ter sido realizada, questiona-se se é preciso que o titular efetivamente possa dispor do acréscimo patrimonial ou basta que o acréscimo ocorra. No caso de acionista que recebe distribuição gratuita de ações de sua sociedade em decorrência de ganho de capital, fica a questão: durante o tempo que esse acionista não converter esse acréscimo de ações em pecúnia, teria ele auferido renda? Rubens Gomes de Sousa52 discorda desse entendimento fundamentando-se na doutrina do italiano Quarta: “[...] a verificação efetiva ou potencial, de um acréscimo patrimonial, não se confunde com sua separação, ou seja, a possibilidade de se dispor desse acréscimo independentemente e separadamente do capital que o gerou”. Para Sousa o fato gerador está na disponibilidade econômica, que é feita com o acréscimo de capital e não na disponibilidade jurídica, que se operaria com a separação deste. Hugo de Brito Machado53 pensa diferente: A disponibilidade econômica decorreria do recebimento do valor que vem a se acrescentar ao patrimônio do contribuinte, enquanto a disponibilidade jurídica consistiria no simples crédito desse valor, do qual o contribuinte passaria a dispor juridicamente, embora ainda não lhe estivesse em mãos. Há, inegavelmente, entre várias legislações de vários países grande aceitação do conceito de renda adotado por Haig-Simons, embora, como foi visto, inexista um único conceito para fins de tributação da renda, conforme as diversas peculiaridades que este pode apresentar. 52 SOUSA apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 29. 53 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 251. 24 1.4 O CONCEITO DE JUSTIÇA Justiça é a categoria de maior dificuldade a se conceituar pelos operadores de direito, para tentar defini-la usar-se-á as idéias de Aristóteles, com grande ênfase nos seus clássicos Ética a Nicômaco, no Livro 5 da obra, também em A Política e em A arte da retórica, com o propósito de tentar estabelecer uma singela reflexão desse conceito para posterior relação com o Imposto de Renda. Aristóteles54 começa seu raciocínio dizendo: “a Justiça é a disposição da alma graças à qual elas (as pessoas) se dispõem a fazer o que é justo, a agir justamente e a desejar o que é justo”. Assim “obviamente as pessoas cumpridoras da lei e as corretas serão justas”, chega-se a sua conclusão “justo é aquilo que é conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal ou iníquo”. Iníquo para Aristóteles trata-se daquelas pessoas que desejam para si “a maior parte das coisas boas e a menor parte das coisas ruins”. Completa que todos os atos praticados com a lei são justos (uma vez que quem pratica atos e se comporta perante à lei são os justos), conclui que “ a justiça é a excelência moral perfeita” ou “na justiça se resume toda a excelência”. Aristóteles55 também afirma em A política: Em todas as ciências e em todas as artes o alvo é um bem; e o maior dos bens acha-se principalmente naquela dentre todas as ciências que é a mais elevada; ora, essa ciência é a Política, e o bem em Política é a Justiça, isto é, a utilidade geral. Em a arte da retórica Aristóteles56 assevera que a Justiça é ao lado da coragem, a virtude mais respeitada e sua essência está em “ dar a cada um o que lhe é devido, de acordo com o direito”, desta forma seu oposto, a injustiça estaria em “querer para si o que, segundo o direito, pertence a outrem”. Aristóteles distingue a Justiça como sendo um gênero de duas espécies, sendo a primeira a Justiça geral, que englobaria todos os atos humanos, 54 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. Tradução, introdução e notas: Mário da Gama Kury. 3.ed. Brasília: Ed. da UnB, 1999. p. 91. 55 ARISTÓTELES, A política. Trad. Nestor Silveira Chaves. São Paulo: Edipro, 1995. p. 108. 56 ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro: Tecnoprint, 1985. p. 91-92. 25 para si e outrem enquanto o segundo seria apenas os atos altruístas. Ubiratan Borges Macedo57 da uma noção aristotélica de Justiça geral como sendo a que “exprime o caráter total da pólis grega, onde a lei abrangia todas as ações humanas, incluindo regras hoje do domínio da religião, outras da moral e mesmo algumas de pura polidez, ao lado do direito atual”. A seguir Aristóteles continua desenvolvendo seu raciocínio com auxílio das ciências matemáticas. Utiliza como partida a afirmação de que para cada caso iníquo há na verdade ao menos duas iniqüidades, uma sendo a pessoa e outra o ato. Assim identificado duas iniqüidades é possível identificar um meio-termo58, dessa forma justo é aquela pessoa que se comporta equilibradamente, respeitando os limites que lhe foram impostos, é a que se comporta segundo a reta razão. Aristóteles conclui que “o justo é uma das espécies do gênero proporcional”59, uma vez que a proporção é uma igualdade de razões, envolvendo, no mínimo, quatro elementos, “o justo também tem quatro elementos, no mínimo, e a razão entre um par de elementos é igual à razão existente entre um e outro par, pois há uma distinção equivalente entre as pessoas e as coisas”60. Trata-se do princípio da justiça distributiva61, o qual afirma que o justo é proporcional, e o injusto é o que viola esta proporcionalidade. Assim, quem age injustamente fica com um quinhão maior do que merece, enquanto quem é tratado de forma injusta recebe um quinhão menor do que o devido. Ainda para Aristóteles há outra espécie de Justiça, que na sua concepção trata-se da justiça corretiva, aplicável às relações privadas, voluntárias ou não. Sua grande diferença da justiça distributiva está que enquanto o núcleo desta é a proporcionalidade, o núcleo da justiça corretiva está na igualdade, logo, Justiça nas relações interpessoais é uma espécie de igualdade, na contramão, a injustiça é uma forma de desigualdade, entende-se que deva haver uma 57 MACEDO, Ubiratan Borges de. Liberalismo e justiça social. São Paulo: Ibrasa, 1995. p. 79. 58 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 50. 59 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 96. 60 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 96. 61 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 96. 26 equivalência entra as ações dos envolvidos, assim, se essa equivalência for quebrada, estar-se-á diante de uma forma de injustiça, a qual se levada ao exame de um juiz, este tentará restabelecer a igualdade. Está forma de justiça via a reparação de uma ofensa praticada por alguém, conforme o exposto em A arte da retórica, onde Aristóteles62 deixa explícito que Justiça e punição são espécies de remédio para os atos iníquos. Em outra obra, Aristóteles63 confessa que a idéia de justiça como igualdade está envolta em profunda obscuridade: Pensam os homens que a Justiça é uma espécie de igualdade e concorda, até um certo ponto, com os princípios filosóficos que expusemos em nosso tratado de Moral. Nele explicamos o que é a Justiça, e a que ela se aplica; e dissemos que a igualdade não admite diferença alguma entre aqueles que são iguais. mas, não se deve continuar na ignorância do que sejam igualdade e a desigualdade. É, com efeito, um assunto um tanto obscuro, que interessa à filosofia política. Ambas Justiças, distributiva e corretiva, aplicam-se às pessoas que se encontram em situação de equivalência, em termos de direito, pois são espécies do gênero Justiça política64. Aristóteles ainda divide a justiça política em natural ou lega, a natural considera “coisas que em todos os lugares têm a mesma força e não dependem de as aceitarmos ou não”65, enquanto a legal considera “aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou de outra, mas depois de determinado já não é indiferente”66. Aristóteles ainda distingue Justiça de equidade, afirma que “a Justiça e equidade são portanto a mesma coisa, embora a equidade seja melhor”67, a intenção de ambas é manter a proporcionalidade ou igualdade nas relações, conforme cada caso, a diferença estaria de que enquanto o parâmetro da Justiça é a lei, a equidade não o é, em sua essência. A equidade é, portanto, o remédio da 62 ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. p. 149. 63 ARISTÓTELES, A política. p. 108. 64 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 102-3. 65 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 103. 66 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 103. 67 ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 109. 27 Justiça legal nos casos em que a Lei não preleciona a solução mais adequada. Nas palavras de Aristóteles68: Nós temos dito que há duas espécies de atos justos e de injustos (para alguns, há leis especiais escritas, para outros, não) e temos falado sobre aqueles para os quais as leis são explícitas. Para aqueles atos para os quais não há lei especial escrita, há duas espécies: uma delas surge do excesso de virtude, ou de vício, o que é seguido por glória ou culpa, honra e desonra e suas conseqüências, por exemplo, ser grato a um benfeitor, pagar um bem com outro bem, ajudar os amigos etc. A outra espécie contempla os atos não previstos expressamente na lei especial escrita. Para estes, a aplicação da equidade parece ser justa, e equidade é Justiça que extrapola os limites da lei escrita. Estas omissões [na lei] às vezes são involuntárias, por parte dos legisladores, e outras vezes, não. Elas são involuntárias quando os legisladores não as percebem; são voluntárias quando eles se acham inaptos para definir todos os casos e se vêem obrigados a formular uma regra geral que não é aplicável a todas as situações, mas apenas à maioria delas. Séculos mais tarde, mais precisamente no século XX, Hans Kelsen definiu que Justiça é um atributo das pessoas, mas que também pode ser aplicável aos seus atos perante as demais pessoas, em suma, a Sociedade em geral, ou seja, à sua conduta social69. Nesse sentido continua afirmando que a conduta social de uma pessoa será tida como justa quando for conforme a norma que prescreve tal conduta e será injusta quando contrariar esta mesma norma, logo, o justo é o legal e o injusto, o ilegal70. Quanto à possibilidade de uma norma de direito positivo ser considerada justa ou injusta, Kelsen71 afirma: Portanto, do ponto de vista de uma norma de Justiça considerada como válida, não pode ser considerada válida uma norma do direito positivo que a contradiga, assim como, do ponto de vista de uma norma do direito positivo tida como válida, não pode ser considerada válida uma norma de Justiça que a contrarie. Quando está em questão a validade de uma norma do direito positivo, temos de 68 ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. p. 145. 69 LOSANO, Mario G. Introdução. Trad. Ivone Castilho Benedetti. In: KELSEN, Hans. O problema da justiça. 3. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 3. 70 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 3. 71 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 9-10. 28 abstrair da validade de uma norma de Justiça que a contradiga; quando está em questão a validade de uma norma de Justiça, temos de abstrair da validade de uma norma do direito positivo que se oponha a ela. Não podemos considerá-las simultaneamente válidas. Portanto, não pode existir nenhuma norma do direito positivo considerada como válida que possa ser julgada como injusta do ponto de vista de uma norma de Justiça tida simultaneamente como válida. Uma norma jurídica positiva não pode, por conseguinte, ser injusta, nem a partir de um dos pontos de vista nem a partir do outro. Para Kelsen há duas espécies de normas de Justiça, em primeiro lugar há as normas metafísicas que se caracterizam por se apresentarem como provenientes de uma instância situada além do conhecimento humano baseado na experiência72 e as segundas, normas racionais, que são aquelas possíveis de serem entendidas pela razão humana e que são tidas como estatuídas pelo homem73. Kelsen reconhece que há inúmeros ideais de Justiça, todos válidos, mas apenas relativamente, em sua sobra ele se presta a analisar algumas das normas de Justiça, do tipo racional, pretendendo confirmar que nenhuma delas consegue definir Justiça. A primeira norma de Justiça analisada é a conhecida por suum cuique, de origem romana, a qual dispõe que cada um se deve dar o que é seu. Para Kelsen, tal norma é incompleta porque sua aplicação exige que exista outra norma determinando o que de direito pertence a cada pessoa74. Afirma Kelsen que a máxima que impede que “façamos aos outros o que não queremos que os outros nos façam”75, que seria o princípio de Justiça o qual devemos tratar todos da maneira como gostaríamos de ser tratados, também não é muito sólida76. Para Kelsen o tratamento justo o qual gostaríamos que fôssemos tratados pode não ser o tratamento justo que o outro gostaria, portanto revela-se uma norma que nem sempre será aplicável. 72 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 16. 73 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 17. 74 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 18. 75 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 19. 76 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 19. 29 Kelsen passa a analisar a concepção de justiça de Aristóteles, onde tenta demonstrar que o meio-termo não fornece todas as respostas. Para Kelsen seria impossível definir o meio-termo, uma vez que o fundamento deste, que poderia ser encontrado com ajuda de um método matemático-geométrico, é o de conhecer os pontos extremos da linha com exatidão antes de determinar o meiotermo, portanto, o ponto de meio-termo de uma pessoa pode não ser o de outra, uma vez que nos casos de virtudes ou Justiça, não existem parâmetros estabelecidos para uma situação idêntica77. Em suas palavras, Kelsen78 afirma: A questão decisiva: ‘o que é a injustiça’ não obtém resposta da fórmula do mesotes. A resposta é pressuposta; e Aristóteles pressupõe evidentemente como injusto aquilo que é injusto segundo a moral e o direito positivos. A autêntica função da teoria do mesotes não é determinar a essência da Justiça, mas reforçar a vigência do ordenamento social existente, estabelecido pela moral e pelo direito positivos. Aqui, nesta função conservadora, reside sua função política. Na sequência, Kelsen chega no princípio retributivo como princípio de Justiça que se caracteriza por atribuir uma pena a quem praticar um ilícito e um prêmio a quem fizer o bem79. Novamente há uma crítica que por esse princípio tem que se saber com exatidão o que é um bem e o que é um mal, portanto, tão inócua quanto as outras. Ainda tal princípio significaria completamente o oposto da igualdade já que em essência trata as pessoas diferentemente, ou seja, para aqueles que praticam o mal há um castigo e para o que praticam o bem há um prêmio, no entanto há igualdade no castigo para quem comete ilícitos iguais e prêmios iguais para as praticas iguais80. Quanto ao princípio da igualdade, Kelsen critica a fórmula de que “todos os homens devem ser tratados por igual”81, já que os homens são 77 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 29-31. 78 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 31. 79 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 31. 80 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 31-37. 81 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 51. 30 diferentes, desta forma estaria se tratando de forma igual os desiguais. Para Kelsen82: Quando os indivíduos são iguais – mais rigorosamente: quando os indivíduos e as circunstâncias externas são iguais – devem ser tratados igualmente, quando os indivíduos e as circunstâncias externas são desiguais, devem ser tratados desigualmente. Conclui Kelsen83 que a igualdade não é elemento comum a todas as normas de Justiça: Se uma norma de Justiça não determina que todos os homens devem ser tratados de maneira igual – e, de acordo com todas as normas de Justiça, com exceção de uma só, não devem todos os homens ser tratados igualmente -, a Justiça não é igualdade. Kelsen84 finaliza sua abordagem da seguinte forma: Abri este ensaio com a pergunta ‘o que é Justiça’. Agora, chegando ao fim, percebo nitidamente que não respondi. Minha única desculpa é que, nesse aspecto, estou em ótima companhia: teria sido muita pretensão levar o leitor a crer que eu poderia ter êxito onde falharam os pensadores mais ilustres. por conseguinte, não sei, nem posso dizer, o que é a Justiça, a Justiça absoluta que a humanidade está buscando. Devo contentar-me com uma Justiça relativa e só posso dizer o que é a Justiça para mim. Uma vez que a ciência é minha profissão e, portanto, a coisa mais importante da minha vida, a Justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja proteção pode prosperar a busca da verdade. A ‘minha’ Justiça portanto é a Justiça da liberdade, a Justiça da democracia: em suma, a Justiça da tolerância. Portanto não há uma resposta concreta e incisiva para o que é Justiça, dentre todas as várias formas de concepção apresentadas por uma dos maiores pensadores do mundo, Aristóteles, Kelsen mostra que até essas possuem falhas em sua concepção prática, porém Kelsen, humildemente, deixa a resposta de que cada um, individualmente, tem para si, a sua concepção Justiça. 82 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 54. 83 KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 61. 84 KELSEN, Hans, apud LOSANO, Mario G. Introdução. Trad. Ivone Castilho Benedetti. In: KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 31. 31 1.4.1 O conceito de justiça social John Rawls, filósofo americano, possui uma obra publicada em 1971 intitulada ‘Uma teoria da justiça85’, traduzida para o vernáculo por Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves, nela o autor deixa explícito que a justiça a qual lhe interessa é a Justiça Social, cujo objeto é a estrutura básica da sociedade, ou ainda, a maneira como a Constituição de uma nação e seus principais acordos econômicos e sociais, distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de vantagens provenientes da cooperação86. Para Rawls, os princípios da Justiça devem ser escolhidos de forma que não haja favorecidos ou desfavorecidos, e ainda devem ser escolhidos através de um acordo equitativo ou imparcial87, ou seja, os princípios não devem ser escolhidos de forma racional quando fatos incertos e irrelevantes para a Justiça fossem conhecidos. Rawls cita como exemplo o de um homem que, se soubesse que seria rico, acharia correto sustentar o princípio o qual a cobrança de impostos em favor do bem-estar social seria injusta, porém se esse mesmo homem soubesse que viria a ser pobre, provavelmente proporia o princípio de forma contrária88. As pessoas deveriam propor os princípios na posição original, momento em que adotariam apenas dois princípios, os quais ele enuncia da seguinte maneira: Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para as outras. Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas 85 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São Paulo: Martins Fontes, 1997. 86 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 7-8. 87 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 11. 88 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 21. 32 como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e b) 89 vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos. Dessa forma estariam contempladas de forma seqüencial, no primeiro instante o princípio que asseguraria as liberdades básicas e em segundo as que tratam das desigualdades econômicas e sociais, para Rawls90 a união desses dois princípios corresponderiam a uma idéia geral de Justiça, nos seguintes termos: Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza, e as bases sociais da auto-estima – devem ser distribuídos igualitariamente a não ser que uma distribuição desigual de um ou de todos esses valores traga vantagens para todos. Em sua teoria, Rawls91, de forma incompleta, chega nos seguintes termos: Primeiro Princípio Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um sistema semelhante de liberdades para todos. Segundo Princípio As desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de tal modo que, ao mesmo tempo: A) tragam o maior benefício possível para os menos favorecidos, obedecendo às restrições do princípio da poupança justa, e B) sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades. Primeira Regra de Prioridade (A Prioridade da Liberdade) Os princípios da Justiça devem ser classificados em ordem lexical e portanto as liberdades básicas só podem ser restringidos em nome da liberdade. Existem dois casos: A) uma redução da liberdade deve fortalecer o sistema total das liberdades partilhadas por todos; B) uma liberdade desigual deve ser aceitável para aqueles que têm liberdade menor. 89 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 64. 90 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 66. 91 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 333-334. 33 Segunda Regra de Prioridade (A Prioridade da Justiça sobre a Eficiência e sobre o Bem-Estar) O segundo princípio da Justiça é lexicalmente anterior ao princípio da maximização da soma de vantagens; e a igualdade equitativa de oportunidades é anterior ao princípio da diferença. Existem dois casos: A) uma desigualdade de oportunidades deve aumentar oportunidades daqueles que têm uma oportunidade menor; as B) uma taxa excessiva de poupança deve, avaliados todos os fatores, tudo é somado, mitigar as dificuldades dos que carregam esse fardo. Rawls da grande ênfase à tributação, o qual julga ser encarregado de preservar a Justiça entre as partes, destaca dois aspectos distintos: Tributação extrafiscal: que ficaria a cargo dos impostos progressivos sobre heranças e doações, bem como alguns impedimentos ao direito de legar, com o intuito de corrigir a distribuição da riqueza e restringir a concentração de poder que possa prejudicar o valor equitativo da liberdade política e da igualdade equitativa de oportunidades; tributação tipicamente fiscal: responsável pela arrecadação dos recursos necessários à consecução da Justiça92. Rawls ainda defende que recursos sociais, das pessoas que possuem dotes naturais, devem ser partilhados entre todos os demais, em duas palavras: Dessa forma, não é correto que indivíduos com maiores dotes naturais, e com o caráter superior que tornou possível o seu desenvolvimento, tenham direito a um esquema cooperativo que lhes possibilite obter ainda mais benefícios de maneiras que não contribuem para as vantagens dos outros. Não merecemos nosso lugar na distribuição de dotes inatos, assim como não merecemos nosso lugar de partida na Sociedade.93 Dessa forma, Rawls pressupõe que a Justiça Social implica um regime constitucional democrático em que as liberdades individuais, a livre iniciativa, a propriedade privada e a igualdade de oportunidades são algumas características mais acentuadas. Implica ainda em uma divisão equitativa do bem comum, em que 92 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 306-308. 93 RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 111. 34 todos cooperam para o bem de todos. A tributação de forma progressiva é destaque em sua consecução de Justiça. Após essa breve análise do conceito de Justiça Social, passarse-á a analisar o Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas de forma sistemática, analisando primordialmente sua estrutura na Constituição Federal e após no Código Tributário Nacional. Capítulo 2 PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS NO BRASIL 2.1 O IRPF E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL 2.1.1 Uma visão geral Desde 1891 as Constituições Brasileiras sempre trataram de discriminar a competência tributária, ou seja, distribuíram as competências para criar tributos, para cada ente político brasileiro94, tal discriminação é feita mediante a delimitação do campo de incidência dos tributos cuja instituição compete a cada entidade, Hugo de Brito Machado95 prefere denominar de âmbito constitucional de cada imposto, que consistiria no “fato ou conjunto de fatos, ou a situação de fato, que a Constituição descreve na norma em que atribui a cada uma das pessoas jurídicas competência para a respectiva instituição”. Esta preocupação do constituinte visa à segurança do contribuinte, ou seja, objetiva que se conheça a priori, quais tributos podem lhe ser exigidos e por quem de direito. Para tanto, o constituinte arrola as situações materiais que servirão de suporte para a incidência tributária96. A Carta de 1988 manteve-se fiel à tradição republicana de repartição e explicitação das competências tributárias, colaborando destarte para tornar o sistema tributário brasileiro um dos mais rígidos de que se tem notícia97 94 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p.33. 95 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p. 230. 96 AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 95. 97 ATALIBA, Geraldo. Sistema Tributário na Constituição de 1988. Revista de Direito Tributário, nº 51, jan./mar. 1990, p. 58. 36 A Constituição cuida da competência para a instituição de imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza em seu artigo 153, inciso III e parágrafo 2º, do seguinte teor: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: III - renda e proventos de qualquer natureza; § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; Vê-se que a Constituição não explicita o fato gerador do imposto de renda, que não é sua função e sim de lei complementar, apenas traçou o campo de incidência do imposto, bem como fez com todos os demais tributos nela discriminados. Nesse sentido é o entendimento de Zuudi Sakakihara98: O que a Constituição faz, na verdade, é um amplo balizamento conceitual, submetendo a renda e os proventos ao princípio geral da capacidade contributiva, e aos princípios específicos da generalidade, universalidade e progressividade, além de excluir de qualquer conceito que venha a ser adotado, certas situações que privilegiou com imunidades. É necessário o exame dos mais importantes princípios constitucionais tributários da Constituição Federal de 1988 para compreensão do perfil atual do imposto de renda no Brasil. Feitas essas ressalvas, a seguir serão abordados alguns dos princípios constitucionais que mais se aperfeiçoam99 ao imposto sobre a renda. 2.1.2 Princípio da legalidade ou da reserva legal Após a distribuição de competências aos entes políticos, esses as exercerão dentro dos ditames do princípio da legalidade, ou seja, em qualquer 98 SAKAKIHARA, Zuudi, In: FREITAS, Vladimir Passos de. Código tributário nacional comentado. São Paulo: Revista dos tribunais, 1999, p. 43. 99 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 35. 37 ato legislativo acerca de tributos, esses atos deverão estar resguardados por lei, assim o é para instituição e extinção de tributos, majoração e redução de tributos, com ressalvas reguladas na Constituição, definição do fato gerador da obrigação tributária principal e seu sujeito passivo, fixação da alíquota do tributo e sua base de cálculo100. A respeito da legalidade os ensinamentos de Geraldo Ataliba101 são bens esclarecedores: Tributo só pode ser criado por lei, tributo só pode ser aumentado por lei, por ato legislativo. Mas, um ato do Poder Legislativo esgotante, exaustivo, que diga tudo que é necessário para que se repute criado um tributo. À Administração, ao Poder Executivo, só deixa a atividade de ‘cobrar’, que é uma atividade administrativa que, qualquer um, até nós, particulares, podemos exercer. Criar tributo – ou seja, designar legislativamente as hipóteses de incidência tributária e todos os demais ingredientes necessários à quantificação do tributo – só o legislador pode fazer. Esse é o conteúdo do princípio da legalidade. E se, por acaso, o legislador desenhar um tributo e deixar de mencionar explicitamente qualquer de seus dados essenciais, não criou um tributo; só mostrou vontade de criar um tributo, mas não criou tributo: aquela norma não tem eficácia e não pode ser posta em aplicação. Aos ensinamentos de Geraldo Ataliba, soma-se os de Alexandre Macedo Tavares102: Em síntese, por força dos proclamas do princípio da estrita legalidade tributária (CRFB/88, art. 150, I), o processo de criação ou majoração de tributos exterioriza-se, instrumentalmente, em leis de caráter meramente ordinário. É a lei ordinária, por excelência, o veículo natural da imposição tributária, diferentemente da lei complementar que configura fonte excepcional não presumível, isto é, na hipótese do silêncio da Constituição, a presunção é de que basta simples lei ordinária para que se tenha por respeitada a garantia do auto-consentimento da tributação, marca finalística do postulado da legalidade. 100 Lei 5.172, art. 97. 101 ATALIBA, Geraldo. Sistema Tributário na Constituição de 1988. p. 151. 102 TAVARES, Alexandra Macedo. Fundamentos de direito tributário. 2.ed. Florianópolis: Momento Atual, 2005. p. 15. 38 Assim os limites do poder de tributar dos entes políticos ficam atrelados às leis, de forma usual às leis ordinárias e nos casos expressamente previstos na Constituição por lei complementar, não importando qual o tipo de lei, esta deverá ser observada sob pena de se ter infringido até a garantia constitucional do artigo 5º, inciso II que dispõe “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”103 ou seja, nesse caso, o de pagar tributos. 2.1.3 Princípio da anterioridade tributária Especificamente tributário104. Encontra-se expresso nos artigos 150, III, “b” e “c”, 150, §1º e 195, §6º do Título IV “Da Tributação e do Orçamento”, Capítulo I “Do Sistema Tributário Nacional“, Seção I “Do Poder de Tributar”, da CRFB/1988, in verbis: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: [...] b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou; c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na alínea b; Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade, de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais: § 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei 103 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p 35. 104 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 6.ed. São Paulo: Malheiros. p 183. 39 que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o disposto no art. 150, III, "b". § 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I. Cabe esclarecer, que o exercício financeiro no Brasil começa no dia 1º de janeiro e se prolonga até o dia 31 de dezembro de cada ano105. O princípio da anterioridade, também chamado de princípio da não surpresa, é a garantia constitucional que o contribuinte tem de que não será pego desprevinido com a instituição, majoração de novo tributo, é a forma de proteger e programar suas atividades econômicas durante o exercício financeiro106 Sacha Calmon Navarro Coêlho107 preleciona bem os motivos de existir esse princípio: O princípio da não surpresa do contribuinte é de fundo axiológico. É valor nascido da aspiração dos povos de conheceram, com razoável antecedência, o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos no futuro imediato, de modo a poderem planejar as duas atividades, levando em conta os referenciais da lei. Realizando uma análise sistemática e gramatical dos artigos da Constituição e doutrina supracitados, conclui-se que o princípio da anterioridade dispõe que a legislação vigente antes do início do ano-calendário o qual os rendimentos foram percebidos é a aplicável à apuração do imposto de renda. 2.1.4 Princípio da irretroatividade tributária Está disposto no mesmo capítulo, título e seção do princípio anterior, no artigo 150, III, “a” da CRFB/1988, in verbis: 105 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p.184. 106 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 185. 107 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. Rio de Janeiro: forense, 1990. p. 317. 40 Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] III - cobrar tributos: a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado; É complemento tanto do princípio da anterioridade, bem como do próprio princípio da legalidade108. Decorre, outrossim, do princípio geral da irretroatividade relativa das leis, previsto no artigo 5º XXXVI da CRFB/1988 que dispõe ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada’.109 Roque Antonio Carraza110 explicita bem a aplicação da segurança jurídica na irretroatividade tributária: A segurança jurídica, um dos pilares de nosso Direito, exige, pois, que as leis tributárias tenham o timbre da irretroatividade. Afinal, a necessidade de assegurar-se às pessoas a intangibilidade dos atos e fatos lícitos já praticados impõe sejam as leis tributárias irretroativas. Assim, do exame da doutrina transcrita colhe-se que a legislação aplicável no ano de declaração do imposto de renda é a do ano anterior ao do ano em que os rendimentos foram percebidos111. Especificamente ao imposto de renda era muito controvertido determinar o momento da ocorrência do fato gerador do tributo, este é do tipo periódico112, e por se tratar de imposto periódico, não pode restar qualquer dúvida 108 MARTINS. Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva, 2001. p. 138. 109 TAVARES, Alexandra Macedo. Fundamentos de direito tributário. p. 22. 110 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 341. 111 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 48. 112 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 47. 41 de que a lei aplicável ao cálculo do imposto devido será o que estiver vigente antes do início do ano-calendário do ano em que os rendimentos forem percebidos. 2.1.5 Princípio da vedação de tributo confiscatório A Constituição Federal expressa em seu artigo 150, IV, ser vedado à União, Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “utilizar tributo com efeito de confisco”. A regra constitucional deu ao poder judiciário mais um instrumento de controle frente a voracidade fiscal do Governo113, porém sua utilidade depende de provocação dos interessados e acima de tudo, coragem e independência dos magistrados. Tal princípio nasce da garantia constitucional da propriedade privada 114 , evita que o Estado, use de suas prerrogativas para se apropriar do patrimônio do contribuinte, assim entendido em sentido amplo, abrangendo todos suscetíveis de valoração econômica115. Via de regra tem-se observado esse princípio em face de tributo isolado dentre tantos os quais o contribuinte está sujeito, no entanto, há quem defenda que deve ser aplicada na carga tributária total suportada por determinado contribuinte, assim afirma Ives Gandra Martins116: Se a soma de diversos tributos incidentes representa carga que impeça o pagador de tributos de viver e desenvolver, estar-se-á perante carga geral confiscatória, razão pela qual todo o sistema terá que ser revisto mas, principalmente, aquele tributo que, quando criado, ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão. Se o princípio tem por objetivo proibir o estado de confiscar os bens do particular por meio de tributação, tanto faz se o fará instantaneamente por meio de uma única tributação que extrapole a capacidade contributiva do indivíduo ou se será por um conjunto de imposições tributárias cobradas, pela mesma ou várias entidades, num mesmo período. 113 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 47. 114 CRFB/1988, Artigo 5º, caput e incisos XXII e XXIII. 115 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 48. 116 MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. p. 141. 42 No passado houve grande repercussão se a incidência do IRPF sobre a indenização recebida pelo particular, na desapropriação, violaria tal princípio. A doutrina, jurisprudência e inclusive o Supremo Tribunal Federal117, entenderam que sim, apresentaram dois argumentos para o problema: a) Desfalcaria a indenização tornando-a injusta, e; b) Implicaria a criação de fato gerador do imposto por vontade do fisco (desapropriar o bem).118 Para Carlos Araújo Leonetti119: Na verdade, parece-nos que a maior inconstitucionalidade aqui residiria na absoluta incompetência da União de exigir imposto sobre a renda nesse caso, simplesmente por ao existir auferição de renda alguma, uma vez que a indenização visa apenas repor a situação patrimonial do expropriado no seu status quo ante. Em síntese, não se pode decretar a perda da propriedade, sentido amplo, em caráter impessoal pela via do tributo, por ser vedação constitucional a cobrança de tributo com efeito confiscatório. A forma tributada no Brasil, a princípio não implica violação a este princípio, o tributo seria confiscatório quando aniquilasse por completo, ou consideravelmente, o patrimônio do contribuinte, ignorando sua capacidade contributiva. 2.1.6 Princípio da igualdade ou isonomia tributária Com fundo histórico na Europa do século XVIII, local onde ainda existiam privilégios de nascimento120. A igualdade era um dos lemas dos revolucionários franceses que tomaram o poder na França em 1789 e foi contemplada no primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão 117 LEONETTI, Carlos Araújo, O IPTU e a função social da propriedade. Revista Dialética de Direito Tributário, v. 37, p. 17-25. 118 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. V. III: imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 137. 119 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 51. 120 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p.113. 43 em 26 de agosto daquele ano, assim como nas Constituições francesas que se seguiram121. O princípio da igualdade tributária exige que a lei respeite o princípio constitucional geral de que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza’122, soma-se ainda ao texto constitucional mais específico sobre tributos: Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: [...] II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de ocupação profissional ou função por eles exercida, independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos ou direitos; Assim, ao elaborar o texto legal tributário, deve-se observar duas exigências básicas: Não discriminação dos contribuintes que se encontrem em situação equivalente; e Discriminação, na medida de suas desigualdades, isto é, segundo a capacidade contributiva de cada um, os contribuintes que não se encontrem em situação equivalente123. No imposto de renda, o princípio da igualdade é concretizado mediante o emprego dos critérios da generalidade, universalidade e da progressividade124, que serão examinados posteriormente. Se tal discriminação não for feita aos contribuintes, será ferido o princípio da igualdade, uma vez que se tratará igualmente os desiguais. Tal 121 BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7.ed. atualizada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 122 CRFB/1988, artigo 5º caput 1ª parte. 123 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 61. 124 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 53. 44 discriminação deve ser feita de modo criterioso, balizado na capacidade contributiva, sob pena de não se atingir o objetivo de tratar desigualmente os desiguais. 2.1.7 Princípio da capacidade contributiva O princípio da capacidade contributiva completa o princípio da isonomia tributária. Alfredo Augusto Becker afirma que tal princípio é antigo, com origens no ideal de justiça distributiva preconizado pelos filósofos gregos e muito mais tarde adotado pela filosofia escolástica125. Alberto Nogueira lembra que (Santo) Tomás de Aquino defendeu a adoção do princípio126. Os revolucionários franceses de 1789 abraçaram tal princípio, fazendo constar expressamente no artigo 13 da Declaração Universal dos direitos do Homem e do Cidadão127. No ordenamento jurídico pátrio, encontra-se insculpido no artigo 145, §1º da Constituição Federal nos seguintes termos: Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultado à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte. Obedecendo a CRFB/1988, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Alguns considerações acerca do disposto são necessárias, o texto constitucional usa a expressão ‘capacidade econômica’, Ives Gandra Martins critica severamente o uso dessa expressão pelo constituinte de 1988, considera que o correto seria ter usado a 125 BECKER. Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 437. 126 NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro: Renovar, 1997, p. 101. 127 NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. p. 100. 45 expressão ‘capacidade contributiva’128. Assim o texto refletiria a capacidade do contribuinte de pagar os tributos, e não refletiria a sua capacidade patrimonial. Carlos Araújo Leonetti129 esclarece bem tal razão de ser com um exemplo: Uma senhora viúva que (sobre)viva da minguada pensão deixada pelo finado marido e seja proprietária de um único imóvel de valor de mercado elevado – o qual, entretanto, não gera receita – disporia de capacidade econômica mas não de capacidade contributiva. O princípio da capacidade contributiva exige que o contribuinte suporte a carga tributária de forma compatível com sua situação pessoal, é o caso do imposto incidente sobre a renda, cumpre assim dúplice função130: 1ª) distribuir a carga tributária global entre os contribuintes de acordo com a aptidão de cada um de pagar tributos; 2ª) impedir que a carga tributária individual se torne insuportável, de modo a comprometer a subsistência do contribuinte e de sua família. Nesse sentido, o princípio está ligado à idéia de garantia do mínimo social ou mínimo existencial. Isto é, o postulado impediria que alguém fosse submetido a uma carga tributária tal que o proibisse, e à sua família, de desfrutar condições mínimas de vida digna, relacionando-se, destarte, com o princípio da vedação de tributo confiscatório. Assim, o princípio pode, em alguns casos, fundamentar a isenção tributária, como ocorre no IRPF, por exemplo, relativamente aos contribuintes com renda tributável abaixo de determinado limite. Ricardo Lobo Torres observa que o princípio da capacidade contributiva consiste na verdade em legitimar a tributação, na medida em que gradua a carga tributária individual, de modo que os ricos paguem mais e o pobres, menos131. Face o sentido, equivale dizer que o legislador tem o dever, enquanto cria a norma instituidora de tributos, de perceber e escolher os fatos que 128 MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. p. 76-77. 129 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 53. 130 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 54. 131 TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. p. 334. 46 exibam para o conteúdo contributivo, bem como atentar-se para as desigualdades próprias das diferentes classes e categorias de contribuintes. A capacidade contributiva é que irá nortear a aplicabilidade da justiça social através da progressividade. 2.1.8 Princípio da pessoalidade ou personalização Guarda relação com o princípio da capacidade contributiva. Nas palavras de Carlos Araújo Leonetti132: A personalização, que deve, tal como a capacidade contributiva, ser aplicada aos impostos sempre que possível, dirige-se ao legislador e implica a estruturação do tributo de modo que determinadas características do contribuinte, tais como renda, patrimônio, número de dependentes, despesas médicas e com instrução, estado de saúde etc., sejam tomadas em consideração. Assim, a personalização permite que a capacidade contributiva seja eficazmente respeitada, conferindo concretitude ao princípio da igualdade. Pode-se dizer assim, que a capacidade contributiva que o Estado confere ao indivíduo, por isso os dois princípios são previstos no mesmo artigo da Carta Magna, leva em conta a pessoa a ser tributada. 2.1.9 Princípios (ou critérios) da generalidade e da universalidade O princípio da generalidade, para Luciano Amaro, exige que todas as pessoas se sujeitem ao imposto sobre a renda, ao passo que a universalidade importa em submeter todas as manifestações de renda do contribuinte à imposição tributária133. Vale ressaltar que tais significados não são unânimes na doutrina, para Sacha Calmon Navarro Coêlho, a generalidade implicaria a incidência do tributo ‘sobre todos’ ao passo que a universalidade exigiria o seu pagamento ‘por todos’134. 132 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 56. 133 134 AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 143. COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. p. 206. 47 Será usado o conceito de Luciano Amaro, que em outras palavras, deve incidir sobre todas as rendas, de todas as pessoas, ressalvadas as hipóteses em que o interesse público ou outro princípio constitucional, como o já visto da capacidade contributiva, justificar um tratamento diferenciado. Assim está expresso na Constituição Federal: Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre: [...] III - renda e proventos de qualquer natureza; [...] § 2º - O imposto previsto no inciso III: I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade e da progressividade, na forma da lei; Segundo o princípio da universalidade, a lei que instituir o imposto de renda deve abarcar todos os rendimentos provenientes de atividades lucrativas para fins de cálculo do mesmo, enquanto para o princípio da generalidade, devem ser tributadas todas as pessoas que auferirem renda, excetuando-se, logicamente, às imunidades e isenções concedidas legalmente. 2.1.10 Princípio (ou critério) da progressividade Na mesma disposição da Constituição Federal que trata da generalidade e da universalidade, há a previsão da progressividade, esse princípio permite que as alíquotas sejam variáveis, aumentando conforme a renda tributável do contribuinte. Nas palavras de Carlos Araújo Leonetti135: Desse modo, o contribuinte com renda mais elevada deve arcar com uma carga tributária superior à dos demais, não apenas em termos absolutos mas também em termos relativos, ou seja, deve comprometer um percentual maior de sua renda. Assim ocorrendo, 135 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 59. 48 os contribuintes com maior capacidade contributiva acabam suportando uma parte do ônus que caberia àqueles com menor poder econômico-financeiro. Por tal razão, costuma-se dizer que o imposto sobre a renda auxilia a melhoria da distribuição da renda, na medida em que o valor poupado pelos contribuintes menos afortunados pode ser considerado um acréscimo às suas rendas, ao passo que a importância paga a mais pelos hipersuficientes equivaleria a uma redução das rendas destes. A progressividade produziria, destarte, transferência de renda dos contribuintes mais aquinhoados para os menos afortunados. No Brasil, atualmente havia apenas duas alíquotas o que comprometia seriamente a determinação constitucional de que o imposto sobre a renda seja progressivo136. Há partir de 2009 são quatro alíquotas137, o que faz que cada vez mais atue como um instrumento de Justiça Social, matéria que será tratada no Capítulo 3. 2.2 O IRPF E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL 2.2.1 Uma visão geral Ficou reservado, pela Constituição Federal, à lei complementar federal dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, inclusive quanto a fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos nela discriminados: Art. 146. Cabe à lei complementar: [...] III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária, especialmente sobre: a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes; 136 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. p. 207. 137 Receita Federal, Alíquotas do imposto de renda retido na fonte. Disponível em: <http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/ContribFont.htm> Acesso em: 03 de outubro de 2010. 49 A principal lei reguladora de tributos no Brasil é a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, conhecida por “Código Tributário Nacional”. Apesar de o CTN ter sido editado como lei ordinária, tem-se entendido que a Constituição Federal de 1967, assim como a de 1988, o recepcionou enquanto lei complementar138. O CTN cuida do imposto sobre a renda nos artigos 43 a 45. No 43 o legislador cuidou de tratar do fato gerador ou hipótese de incidência: Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior. § 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção. § 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo. A primeira análise que se faz do artigo mencionado é que o fato gerador do imposto de renda ou proventos de qualquer natureza não é a renda ou proventos em si, nem sua geração, mas sim a aquisição de sua disponibilidade econômica ou jurídica. Rubens Gomes de Sousa139, importante tributarista que redigiu o anteprojeto do CTN, faz a seguinte distinção: Do ponto-de-vista estritamente fiscal, cabe, com efeito, distinguir entre a realização, traduzida pela disponibilidade econômica de uma riqueza, e a separação, traduzida pela disponibilidade jurídica. Pela constatação de que o imposto visa o resultado de atos ou fatos jurídicos independentemente de sua natureza formal, conclui-se, necessariamente, que o fato gerador do imposto de renda é a 138 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. p.129. 139 SOUSA, Rubens Gomes de. O Imposto de renda e os créditos bancários vinculados. Revista de direito público, nº 18, out/dez. 1971, p. 344. 50 aquisição da disponibilidade econômica de uma riqueza, já o tíulo de que decorre a sua disponibilidade jurídica apenas desempenha, na definição da incidência, um papel ulterior e complementar, o de permitir a discriminação dos rendimentos para sua classificação nas cédulas. Assim, da lição de Sousa, entende-se que apesar de constar do texto legal a expressão “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”, na verdade o que importa, para a caracterização do fato gerador do imposto, é a disponibilidade econômica, ficando a disponibilidade jurídica em segundo plano. Neste passo, a mera geração de um acréscimo patrimonial, ainda que este não possa ser usufruído pelo seu titular, configuraria fato gerador do imposto sobre a renda. Esse posicionamento abrangente e “pro-fisco” não é o adotado pela doutrina e jurisprudência brasileira, conforme ver-se-á a seguir. É o caso de José Eduardo Soares de Melo140, que vê distinção bem diversa entre disponibilidade econômica e jurídica: A disponibilidade jurídica consiste no direito de usa a renda ou os proventos, definitivamente constituídos na forma da lei, alcançando os atos e operações colhidos pelo direito; como é o caso de salários, honorários, vencimentos, etc. (resultantes do trabalho), e dos juros, aluguéis e lucro nas operações imobiliárias etc. (decorrentes de aplicação do capital). A disponibilidade econômica prende-se a uma situação de fato irrelevante ao direito (ganho de jogos), ou até mesmo de situação ilícita (contrabando, juros usuários). Para Melo, embora a disponibilidade jurídica seja sempre econômica, a recíproca não é verdadeira. Essa opinião também é corroborada por Ricardo Mariz de Oliveira que afirma que “toda aquisição de disponibilidade jurídica é concomitantemente de disponibilidade econômica, mas a aquisição de disponibilidade econômica não é necessariamente jurídica”141. O artigo 44 do CTN, por seu turno, dispõe sobre a base de cálculo do imposto nos seguintes termos: “a base de cálculo do imposto é o montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”. 140 141 MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p. 266. OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: revista dos Tribunais, 1977, p. 41. 51 Observa-se que o legislador escolheu como base de cálculo um montante relacionado com o respectivo fato gerador. Assim, como o fato gerador do imposto em comento é a aquisição da disponibilidade (econômica ou jurídica) de renda ou proventos de qualquer natureza, por óbvio a sua base de cálculo deve ser uma grandeza, uma dimensão, intimamente ligada à renda ou ao provento. A grandeza eleita pelo legislados, ao elaborar o CTN, foi o próprio valor da renda ou dos proventos142. Sobre o contribuinte do imposto, o artigo 45 do Código dispõe nos seguintes termos: Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja retenção e recolhimento lhe caibam. Nos termos do Código, contribuinte é todo aquele possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Ao que parece a intenção do legislador foi o de considerar contribuinte a fonte pagadora situada no Brasil, quando o beneficiário da renda ou proventos se localizar no exterior143. Para Carlos Araújo Leonetti144, tal hipótese contraria totalmente o ordenamento jurídico. Nessa hipótese, o fato gerador da obrigação tributária não seria a aquisição da disponibilidade da renda ou proventos mas, antes, a entrega destes, contrariando-se assim o disposto no caput do art. 43 do CTN e, o que é mais grave, a própria CRFB/1988 (art. 153, III). 142 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 72. 143 144 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 284. LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 74. 52 Ou seja, contribuinte do imposto de renda, para fins de contribuição, será todo aquele titular da disponibilidade que tenha relação pessoal e direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador. 2.2.2 Fato gerador Conforme já visto, o fato gerador do imposto está expresso no artigo 43 do Código Tributário Nacional. O Regulamento do Imposto de Renda, RIR/99, traz rol exemplificativo, a partir do artigo 43, dos rendimentos sujeitos ao imposto de renda: Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidos, tais como: I - salários, ordenados, vencimentos, soldos, soldadas, vantagens, subsídios, honorários, diárias de comparecimento, bolsas de estudo e de pesquisa, remuneração de estagiários; II - férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos; III - licença especial ou licença-prêmio, inclusive quando convertida em pecúnia; IV - gratificações, participações, interesses, percentagens, prêmios e quotas-partes de multas ou receitas; V - comissões e corretagens; VI - aluguel do imóvel ocupado pelo empregado e pago pelo empregador a terceiros, ou a diferença entre o aluguel que o empregador paga pela locação do imóvel e o que cobra a menos do empregado pela respectiva sublocação; VII - valor locativo de cessão do uso de bens de propriedade do empregador; VIII - pagamento ou reembolso do imposto ou contribuições que a lei prevê como encargo do assalariado; IX - prêmio de seguro individual de vida do empregado pago pelo empregador, quando o empregado é o beneficiário do seguro, ou indica o beneficiário deste; 53 X - verbas, dotações ou auxílios, para representações ou custeio de despesas necessárias para o exercício de cargo, função ou emprego; XI - pensões, civis ou militares, de qualquer natureza, meios-soldos e quaisquer outros proventos recebidos de antigo empregador, de institutos, caixas de aposentadoria ou de entidades governamentais, em virtude de empregos, cargos ou funções exercidos no passado; XII - a parcela que exceder ao valor previsto no art. 39, XXXIV; XIII - as remunerações relativas à prestação de serviço por: a) representantes comerciais autônomos (Lei nº 9.250, de 1995, art. 34, § 1º, alínea ¨b¨); b) conselheiros fiscais e de administração, quando decorrentes de obrigação contratual ou estatutária; c) diretores ou administradores de sociedades anônimas, civis ou de qualquer espécie, quando decorrentes de obrigação contratual ou estatutária; d) titular de empresa individual ou sócios de qualquer espécie de sociedade, inclusive as optantes pelo SIMPLES de que trata a Lei nº 9.317, de 1996; e) trabalhadores que prestem serviços a diversas empresas, agrupados ou não em sindicato, inclusive estivadores, conferentes e assemelhados; XIV - os benefícios recebidos de entidades de previdência privada, bem como as importâncias correspondentes ao resgate de contribuições, observado o disposto no art. 39, XXXVIII (Lei nº 9.250, de 1995, art. 33); XV - os resgates efetuados pelo quotista de Fundos de Aposentadoria Programada Individual - FAPI (Lei nº 9.477, de 1997, art. 10, § 2º); XVI - outras despesas ou encargos pagos pelos empregadores em favor do empregado; XVII - benefícios e vantagens concedidos a administradores, diretores, gerentes e seus assessores, ou a terceiros em relação à pessoa jurídica, tais como: a) a contraprestação de arrendamento mercantil ou o aluguel ou, quando for o caso, os respectivos encargos de depreciação, relativos 54 a veículos utilizados no transporte dessas pessoas e imóveis cedidos para seu uso; b) as despesas pagas diretamente ou mediante a contratação de terceiros, tais como a aquisição de alimentos ou quaisquer outros bens para utilização pelo beneficiário fora do estabelecimento da empresa, os pagamentos relativos a clubes e assemelhados, os salários e respectivos encargos sociais de empregados postos à disposição ou cedidos pela empresa, a conservação, o custeio e a manutenção dos bens referidos na alínea "a". § 1º Para os efeitos de tributação, equipara-se a diretor de sociedade anônima o representante, no Brasil, de firmas ou sociedades estrangeiras autorizadas a funcionar no território nacional (Lei nº 3.470, de 1958, art. 45). § 2º Os rendimentos de que trata o inciso XVII, quando tributados na forma do § 1º do art. 675, não serão adicionados à remuneração (Lei nº 8.383, de 1991, art. 74, § 2º). § 3º Serão também considerados rendimentos tributáveis a atualização monetária, os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 16, parágrafo único). O regulamento também lista no artigo 39, neste caso taxativamente, os rendimentos considerados isentos ou não tributáveis, sem, no entanto, distinguir uns dos outros, por exemplo: bolsas de estudo e pesquisa caracterizadas como doação; os rendimentos auferidos em contas de depósitos de poupança; o valor locativo de imóvel edificado ocupado pelo proprietário ou cedido gratuitamente a cônjuge ou parentes do 1º grau; contribuições para o programa de previdência privada, pagas pelo empregador em benefício do empregado ou dirigente; diárias destinadas a cobrir gastos com alimentação e estadia decorrentes de serviços realizados em outro Município; etc. A relação inclui algumas situações típicas de não incidência, isto é, que se encontram fora do campo de incidência constitucional do tributo, mas que foram formalmente contempladas, por lei, com isenção145. 145 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 78. 55 2.2.3 Bases de cálculo e alíquotas 2.2.3.1 Generalidades Para a determinação da base de cálculo efetiva do imposto, a legislação prevê a dedução, do rendimento bruto do contribuinte, de outras despesas além daquelas necessárias à produção da renda ou proventos. A definição de rendimento bruto encontra-se no RIR/99: Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes aos rendimentos declarados.146 A base de cálculo efetiva do imposto depende da modalidade de tributação, que pode ser mensal, anual (na declaração de ajuste), na fonte ou definitiva147. Qualquer que seja a modalidade de tributação adotada, o imposto incide na data do pagamento ou creditamento dos rendimentos, ainda que esses se refiram a outro período (mês ou ano)148 2.2.3.2 Incidência mensal Atualmente o Brasil adota o sistema de tributação chamado de sistema de bases correntes149. Hugo de Brito Machado150 explica bem a forma de incidência mensal: Para tanto, adotou-se a apuração e recolhimento mensal obrigatório do imposto, por meio da sistemática denominada oficialmente de “carne-leão”, que veio unir-se à já adotada retenção do imposto na fonte. Assim, ao final do ano-calendário o contribuinte terá pagado virtualmente todo montante devido relativamente àquele ano, havendo eventualmente apenas um pequeno saldo a pagar ou a ser restituído. 146 Lei nº 5.172, de 1966, art. 43, incisos I e II, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 1º. 147 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 79. 148 Decreto 3000/99, artigo 38, parágrafo único. 149 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 261. 150 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 261. 56 A tabela progressiva151 para o cálculo mensal do imposto de renda de pessoa física a partir do exercício de 2011, ano-calendário de 2010, será: Base de cálculo mensal em R$ Alíquota % Parcela a deduzir do imposto em R$ Até 1.499,15 - - De 1.499,16 até 2.246,75 7,5 112,43 De 2.246,76 até 2.995,70 15,0 280,94 De 2.995,71 até 3.743,19 22,5 505,62 Acima de 3.743,19 27,5 692,78 O montante total de imposto devido será o resultado da soma dos valores de tributo correspondentes a cada uma das faixas de base de cálculo152 (ou sua íntegra, se for o caso) que não ultrapassar o limite de R$ 1.449,15 não sofre incidência do imposto. Cabe ressaltar que o reajuste dos valores exige lei de iniciativa privativa do presidente da República153. 2.2.3.3 Apuração na declaração anual Como o imposto de renda é apurado e recolhido, de modo geral, mensalmente, conforme já visto, na declaração anual faz-se apenas um ajuste do tributo devido, para mais ou para mesmos, conforme necessário. Anualmente, o contribuinte deve prestar ao fisco informações relativas à renda e proventos auferidos no ano-calendário imediatamente anterior, assim como a sua evolução patrimonial no mesmo período154. A base de cálculo do imposto apurado na declaração é a diferença entre a soma de todos os rendimentos recebidos durante o ano-calendário, exceto os isentos, os não tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os 151 Lei 11.945/2009, art. 23. 152 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 81. 153 154 Constituição Federal, art. 61, §1º, II, b. LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 82. 57 sujeitos à tributação definitiva, e a soma das deduções permitidas ou o desconto simplificado155. A tabela progressiva156 para o cálculo anual do imposto de renda de pessoa física a partir do exercício de 2011, ano-calendário de 2010. Base de cálculo anual em R$ Alíquota % Parcela a deduzir do imposto em R$ Até 17.989,80 - De 17.989,81 até 26.961,00 7,5 1.349,24 De 26.961,01 até 35.948,40 15,0 3.371,31 De 35.948,41 até 44.918,28 22,5 6.067,44 Acima de 44.918,28 27,5 8.313,35 As alíquotas aplicáveis são as mesmas adotadas na incidência mensal do imposto, correspondendo às faixas de rendimentos tributáveis anuais. O montante de imposto apurado resulta da soma dos valores determinados em cada uma das quatro faixas de renda tributável. Desse montante serão abatidos todos os valores referentes a imposto pago ou retido durante o ano-calendário, assim como as deduções permitidas, a fim de se determinar o saldo a pagar ou a receber. 2.2.3.4 Tributação na fonte Há ainda, acompanhando a tendência mundial157, hipóteses de rendimentos sujeitos à incidência na fonte158, isto é, transfere a responsabilidade de apurar, reter e posterior recolhimento do tributo para fonte pagadora. Segundo o Regulamento do Imposto de Renda159: Art. 646. A base de cálculo do imposto na fonte, para aplicação da tabela progressiva, será a diferença entre: 155 Decreto 3000/99, arts. 83 e 84. 156 Tabela aprovada pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, alterada pelo art. 15 da Medida Provisória nº 451, de 15 de dezembro de 2008. 157 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 85. 158 Decreto 3000/99, artigo 620. 159 Decreto 3000/99. 58 I - o somatório de todos os rendimentos pagos, no mês, pela mesma fonte pagadora, exceto os tributados exclusivamente na fonte e os isentos; e II - as deduções permitidas na Seção VI. As deduções que o regulamento faz referência são: dependentes, pensões alimentícias, contribuições previdenciárias, proventos de aposentadoria e pensões de maiores de 65 anos. A legislação também prevê casos em que os rendimentos estão sujeitos a tributação exclusiva na fonte160. Nesses casos a retenção é definitiva e não haverá compensação na declaração anual de ajuste. 2.2.3.5 Tributação definitiva Outra forma de recolhimento, além das já citadas, é a tributação definitiva, nesses casos o imposto apurado e recolhido não pode ser compensado na declaração anual de ajuste161. A legislação os denomina de ganhos de capital, decorrentes da alienação de bens e/ou direitos. Carlos Araújo Leonetti162 define bem o que são ganhos de capital: Em princípio, considera-se ganho de capital aquele decorrente de quaisquer operações que importem a alienação, a qualquer título, de bens ou direitos, ou a cessão de direitos à sua aquisição, tais como: compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins. A base de cálculo sobre os ganhos de capital é incidente sobre a diferença positiva entre os valores da alienação e da aquisição. 160 LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p.86. 161 162 Decreto 3000/99, arts. 117 a 145. LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 87. 59 2.2.4 Lançamento e recolhimento Atualmente, a declaração de rendimentos é entregue e o contribuinte recebe, desde logo, a intimação para o pagamento do tributo nos termos de sua declaração, de sorte que o lançamento, já não se faz mais por declaração, e sim por homologação163. Em se tratando de imposto descontado na fonte, conforme já estudado, o lançamento é feito por homologação nos termos do artigo 150 do CTN: Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade, tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado, expressamente a homologa. Por óbvio que pode haver, como em qualquer tributo, o lançamento de ofício, quando, no entender do fisco, o contribuinte ou responsável houver pagado menos impostos do que o devido, ou tiver praticado alguma infração à legislação à qual a lei comine penalidade164 Embora ainda persista a obrigação de o contribuinte apresentar anualmente sua declaração de rendimentos, esse deve pagar o tributo antes de qualquer manifestação do fisco corroborando, ou não, os dados e os cálculos nela constantes. Após breve análise do IRPF na Constituição Federal e no CTN, no próximo capítulo analisar-se-á a utilização do Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas como instrumento de justiça social, ligando os preceitos estudados nos primeiro e segundo capítulos. 163 164 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 285. LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 88. Capítulo 3 A UTILIZAÇÃO CONCRETA DO IRPF COMO INSTRUMENTO DE JUSTIÇA SOCIAL NO BRASIL ATUAL 3.1 UMA VISÃO GERAL: O IRPF E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS TRIBUTÁRIOS De acordo com Carlos Araújo Leonetti165, os princípios constitucionais tributários de maior relevância, que são aplicáveis ao Imposto de renda de pessoas físicas, podem ser agrupados em duas categorias, em suas palavras: Na primeira, aqueles postulados mais intimamente ligados à concepção de legalidade e, na segunda, os que revelam maior afeição à idéia de igualdade. Neste giro, o princípio da legalidade, complementado pelos da anterioridade e da irretroatividade, garante que as normas relativas à tributação sejam democraticamente construídas, segundo o processo legislativo previsto na Constituição. Por seu turno, o princípio da igualdade assegura que não haja tratamento discriminatório entre contribuintes em situação equivalente e que a carga tributária individual seja determinada segundo a capacidade contributiva de cada um. Portanto não há como o imposto sobre a renda das pessoas físicas atuar como um instrumento de justiça social sem que atenda aos princípios constitucionais mencionados pelo doutrinador. 3.2 O RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ANTERIORIDADE E IRRETROATIVIDADE Conforme já exposto, a lei instituidora ou majoradora de tributo precisa ser constitucional, ou seja, deve estar de acordo com o que dispõe a CRFB/1988, porém, a legislação brasileira inclui, entre renda e proventos tributáveis, algumas fontes de receitas em desacordo com tal princípio, comprometendo assim a 165 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 178. 61 atuação do referido imposto como instrumento de justiça social166. Assim dispõe o artigo 43 do Decreto 3000/99167. Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidos, tais como: [...] II - férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos; III - licença especial ou licença-prêmio, inclusive quando convertida em pecúnia; Dessa forma, a percepção de férias e licenças-prêmio não usufruídas pelo empregado e que foram convertidas em pecúnia por sua vontade tem caráter remuneratório, mas, quando a conversão em pecúnia independe da vontade do trabalhador, por necessidade de serviço, reveste então de caráter indenizatório, o intuito é indenizar o trabalhador por não ter tido a oportunidade de gozar de suas férias. A jurisprudência do STJ tem confirmado tal entendimento há alguns anos: Tributário. Funcionário público. Férias não gozadas. Indenização. Incidência do imposto de renda. Impossibilidade. Consoante entendimento que se cristalizou, na jurisprudência, o pagamento (in pecunia) de férias não gozadas - por necessidade do serviço - ao servidor público, tem a natureza jurídica de indenização, não constituindo espécie de remuneração, mas, mera reparação do dano econômico sofrido pelo funcionário. Erigindo-se em reparação, a conversão, em pecúnia, das férias a que a conveniência da Administração impediu o auferimento, visa, apenas, a restabelecer a integridade patrimonial desfalcada pelo dano. A percepção dessa quantia indenizatória não induz em acréscimo patrimonial e nem em renda tributável, na definição da legislação pertinente. O tributo, na disciplina da lei, só deve incidir sobre ganhos que causem aumento de patrimônio, ou, em outras palavras: sobre numerário que se venha a somar àquele que já seja propriedade do contribuinte. Recurso a que se nega provimento, por maioria. REsp52208 / SP RECURSO ESPECIAL 1994/0023969-6. Data da Publicação/Fonte DJ 10/10/1994. Relator(a) Ministro DEMÓCRITO REINALDO. 166 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 179. 167 Decreto nº 3.000/99. 62 TRIBUTARIO. IMPOSTO DE RENDA. FERIAS INDENIZADAS. NÃO INCIDENCIA. I - O IMPOSTO DE RENDA NÃO INCIDE SOBRE O PAGAMENTO DE FERIAS NÃO GOZADAS, EM RAZÃO DO SEU CARATER INDENIZATORIO. PRECEDENTES. II - RECURSO ESPECIAL NÃO CONHECIDO. AgRg no Ag 46146 / SP AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 1993/0033207-4. Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. Data da Publicação/Fonte DJ 22/08/1994. IMPOSTO DE RENDA - FERIAS NÃO GOZADAS INDENIZADAS NÃO INCIDENCIA. O PAGAMENTO EM DINHEIRO DAS FERIAS NÃO GOZADAS, PORQUE INDEFERIDAS POR NECESSIDADE DO SERVIÇO, NÃO E PRODUTO DO CAPITAL, DO TRABALHO OU DA COMBINAÇÃO DE AMBOS E TAMBEM NÃO REPRESENTA ACRESCIMO PATRIMONIAL, NÃO ESTANDO, PORTANTO, SUJEITAS A INCIDENCIA DO IMPOSTO DE RENDA. RECURSO IMPROVIDO. REsp 34988 / SP RECURSO ESPECIAL 1993/0013182-6. Relator(a) Ministro GARCIA VIEIRA. Data da Publicação/Fonte DJ 08/11/1993. Há ainda a edição de súmulas do STJ a respeito da matéria, mas a legislação em vigência não menciona essa ressalva: Súmula 125: O pagamento de ferias não gozadas por necessidade do serviço não esta sujeito a incidência do imposto de renda.168 Súmula 136: O pagamento de licença-prêmio não gozada por necessidade do serviço não esta sujeito ao imposto de renda.169 Continuando no artigo 43 ainda temos: X - verbas, dotações ou auxílios, para representações ou custeio de despesas necessárias para o exercício de cargo, função ou emprego; Nesse sentido, Carlos Araújo Leonetti170 deixa claro que: O caráter indenizatório dessas verbas é revelado pela sua finalidade explícita de custear despesas em que o contribuinte incorreu em razão do exercício de trabalho assalariado (“cargo, função ou emprego”) e cujo ônus caberia, assim, ao seu empregador. 168 Superior Tribunal de Justiça. Disponível a partir de <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29 de outubro 2010. 169 Superior Tribunal de Justiça. Disponível a partir de <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29 de outubro 2010. 170 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 180. 63 Há ainda o § 3º e o artigo 72 do referido Decreto, que dispõem: § 3º Serão também considerados rendimentos tributáveis a atualização monetária, os juros de mora e quaisquer outras indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas neste artigo. [...] Art. 72. Para fins de incidência do imposto, o valor da atualização monetária dos rendimentos acompanha a natureza do principal, ressalvadas as situações específicas previstas neste Decreto. Seguindo o mesmo raciocínio anteriormente elaborado, se a verba tem caráter indenizatório, não há acréscimo de patrimônio, pois a verba acrescida tem o objetivo de ressarcir os prejuízos que o indivíduo teve com sua demora em receber. Art. 49. São tributáveis os rendimentos decorrentes da ocupação, uso ou exploração de bens corpóreos, tais como (Decreto-Lei nº 5.844, de 1943, art. 3º, Lei nº 4.506, de 1964, art. 21, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 4º): [...] § 1º Constitui rendimento tributável, na declaração de rendimentos, o equivalente a dez por cento do valor venal de imóvel cedido gratuitamente, ou do valor constante da guia do Imposto Predial e Territorial Urbano - IPTU correspondente ao ano-calendário da declaração, ressalvado o disposto no inciso IX do art. 39. Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto: [...] IX - o valor locativo do prédio construído, quando ocupado por seu proprietário ou cedido gratuitamente para uso do cônjuge ou de parentes de primeiro grau. Nesse sentido da a entender que tal disposição do legislador se deu em uma tentativa frustrada de desestimular a locação disfarçada de cessão gratuita171. Quanto a esta previsão da legislação se pode dizer que: 171 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 250. 64 1) Parte da (falsa) premissa de que todas as situações de cessão gratuita de imóvel acobertam uma locação; 2) Desestimula as pessoas a praticar a caridade, pois se o fizerem serão duplamente penalizadas, uma vez que poderão ser consideradas criminosas (por exemplo, falsidade ideológica e crime contra a ordem tributária) e se sujeitarão a pagar tributo cujo fato gerador incorreu; e 3) Ainda que houvesse uma locação travestida de cessão gratuita, a base de cálculo prevista (10% do valor venal do imóvel ou do que consta na guia do IPTU relativa ao ano-calendário correspondente) se revela completamente em desacordo com o que dispõe o art. 44 do CTN.172 Ainda no artigo 49 do Decreto 3000/99: § 2º Serão incluídos no valor recebido a título de aluguel os juros de mora, multas por rescisão de contrato de locação, e quaisquer outras compensações pelo atraso no pagamento, inclusive atualização monetária. Os valores referidos no §2º do artigo 49 têm natureza predominantemente ressarcitória, praticamente nos mesmos moldes e fundamentos já elaborados, visam a restabelecer a perda sofrida pelo locador/contribuinte em virtude do atraso no recebimento do aluguel. Mais adiante no mesmo Decreto há: Art. 55. São também tributáveis: [...] XIV - os juros compensatórios ou moratórios de qualquer natureza, inclusive os que resultarem de sentença, e quaisquer outras indenizações por atraso de pagamento, exceto aqueles correspondentes a rendimentos isentos ou não tributáveis; Bem como as demais, essas verbas tem caráter eminentemente indenizatório, portanto não há acréscimo patrimonial que justifique a incidência do imposto. Adiante há uma disposição no que diz respeito a sucessão: 172 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 181. 65 Art. 119. Na transferência de direito de propriedade por sucessão, nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do doador. A legislação aplicável nas transmissões causa mortis e das doações de quaisquer bens ou direitos é de competência privativa173 dos Estados e do Distrito Federal174, portanto não há como incidir imposto sobre a renda sobre o ITCMD175. Acerca deste tema, ainda há no Decreto 3000/99 os artigos 120 e 123 que dispõem: Art. 120. Não se considera ganho de capital o valor decorrente de indenização: I - por desapropriação para fins de reforma agrária conforme o disposto no art. 184, § 5º, da Constituição; Art. 123. Considera-se valor de alienação: [...] § 4º No caso de desapropriação, o valor da atualização monetária integra o valor do ganho de capital realizado. A jurisprudência reconhece a inconstitucionalidade da tributação do imposto sobre a renda na percepção destas indenizações, bem como dos juros moratórios e compensatórios, conforme a transcrição abaixo: TRIBUTARIO - DESAPROPRIAÇÃO - JUROS COMPENSATORIOS – NÃO INCIDENCIA DO IMPOSTO DE RENDA - CONSTITUIÇÃO FEDERAL, ARTIGOS 153, III, 5., XXIV, E 182, PARAGRAFO 3. LEIS NRS. 7.713/88 E 8.218/91 - SUMULAS 12 E 102/STJ. 1. Os juros compensatórios não configuram, como os moratórios, a objetiva a remuneração do capital, mas o valor indenizatório pecuniário, devido pela antecipada perda do uso e gozo decorrente do apossamento de bem expropriado pela administração publica. integram, pois, a indenização pela perda da propriedade do bem 173 AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 93. 174 Constituição Federal, art. 155, I. 175 DERZI, Misabel Abreu Machado. Os conceitos de renda e de patrimônio: efeitos da correção monetária insuficiente no imposto de renda. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p 19. 66 expropriado. 2. O imposto incidente sobre "renda e os proventos de qualquer natureza", alcança a "disponibilidade nova", inexistente na desapropriação causadora da obrigação de indenizar pela perda de direitos (da propriedade), reparando ou compensando pecuniariamente os danos sofridos, sem aumentar o patrimônio anterior ao gravame expropriatório. não ocorre a alteração da capacidade contributiva. 3. A titulo de incidência do imposto de renda e ilegal a retenção na fonte de parcelas correspondentes aos juros compensatórios integrativos do "justo preço" do bem expropriado. 4. Recurso improvido por unanimidade (STJ, 1ª Turma, Relator: Ministro Milton Luiz Pereira. REsp. 55996-94/SP, j. 4.9.95, DJU 2.10.95, p. 32.331). Quanto aos princípios da anterioridade e da irretroatividade, há o entendimento doutrinário176 e jurisprudencial177 de que tais princípios exigem que se aplique à apuração do imposto a legislação vigente antes do início do anocalendário durante o qual os rendimentos foram percebidos, portanto não se aplica mais a súmula 584 do STF que dispunha: Súmula 584: Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que deve ser apresentada a declaração.178 Dessa forma o fisco tem evitado alterar o regime do tributo após o início do ano-calendário, nos últimos anos. 176 AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 93. 177 Tributário. Imposto de Renda. Ciclo de Formação do Fato Gerador. Momento da Disponibilidade Econômica ou Jurídica do Rendimento. CTN, arts. 104, 106, 116 - Decreto-lei 1.967/82. Súmula 584/STF. 1. O fato gerador do Imposto de Renda identifica-se com a disponibilidade econômica ou jurídica do rendimento (CTN, art. 116). Inaplicabilidade da Súmula 584/STF, construída à luz de legislação anterior ao CTN. 2. A tributação do Imposto de Renda decorre de concreta disponibilidade ou da aquisição de renda. 3. A lei vigente após o fato gerador, para a imposição do tributo, não pode incidir sobre o mesmo, sob pena de malferir os princípios da anterioridade e irretroatividade. 4. Precedentes jurisprudenciais. 5. Recurso não provido. (STJ, 1ª Turma, Relator: Ministro Milton Luiz Pereira. REsp. 179.966/RS, j. 21.6.01, DJU 25.2.02, p. 208). 178 Superior Tribunal de Justiça. Disponível a partir de <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29 de outubro 2010. 67 3.3 O RESPEITO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AOS QUE LHE SÃO CORRELATOS 3.3.1 Algumas observações preliminares Para melhor aplicar-se o princípio da igualdade, deve-se observar sua relação com outros princípios, tais como o da capacidade contributiva, pessoalidade, e mais especificamente no imposto de renda, generalidade, universalidade e progressividade179. A capacidade contributiva, conforme já analisado no Capítulo 2, é a capacidade do contribuinte relacionada com a imposição do ônus tributário. É a dimensão econômica particular da vinculação do contribuinte ao poder tributante, ao Estado, de forma geral180. O caráter pessoal que deve ser revestido o imposto refere-se à aptidão de poder relacionar-se à pessoa do sujeito passivo da obrigação tributária, considerando a sua condição econômica levando em conta indícios que possam sugerir a existência de riqueza tributável. É uma técnica adotada para aferir a capacidade econômica181. O princípio da generalidade exige que a obrigatoriedade do imposto de renda abranja todas as pessoas, enquanto que a universalidade importa que toda e qualquer manifestação de renda do contribuinte estará sujeito ao imposto182. 179 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 185. 180 MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. p. 35. 181 PAOLIELLO, Patrícia Brandão. O princípio da capacidade contributiva. Jus Navigandi, Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4138>. Acesso em: 1 de novembro de 2010. 182 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 185. 68 A progressividade é tratada como um aprimoramento do princípio da capacidade contributiva, e logo, da igualdade tributária183. Na sequência cada um desses temas será tratado individualmente. 3.3.2 Tratamento discriminatório a contribuintes em situação equivalente A seguir, será apresentado como o Decreto 3000/99 que regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza discrimina contribuintes em situação equivalente, principalmente no que diz respeito às receitas não tributáveis apenas para determinadas categorias, a princípio pode-se dar de exemplo: Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto: [...] V - o auxílio-alimentação e o auxílio transporte pago em pecúnia aos servidores públicos federais ativos da Administração Pública Federal direta, autárquica e fundacional. Segundo Carlos Araújo Leonetti: A não sujeição destas verbas ao IRPF configura flagrante discriminação relativamente aos demais servidores públicos e aos empregados em geral que recebem verbas de natureza análoga (ainda que com denominação diferente). A seguir outro inciso dispõe: XIX - o pagamento efetuado por pessoas jurídicas de direito público a servidores públicos civis, a título de incentivo à adesão a programas de desligamento voluntário. O decreto explicita que somente servidores públicos que aderirem ao programa de desligamento voluntário é que estarão isentos do imposto, uma situação flagrantemente discriminatória com os trabalhadores da iniciativa privada, felizmente acerca desse tema a jurisprudência184 já tem entendimento que 183 184 AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 136. Tributário. Imposto de renda. Adesão de empregado (iniciativa privada) à programa de demissão voluntária - PDV. Não incidência. Liberalidade do empregador. Inocorrência. Montante pago para garantir o mínimo existencial do aderente. A verba indenizatória decorrente do PDV não tem natureza jurídica de renda. Inteligência dos artigos 153, III, § 2º, I, e 145, § 1º, da CF/88, c/c artigo 69 tal pagamento tem título de indenização, portanto não está sujeito à incidência do IRPF por não representar renda. A seguir o inciso XXI do mesmo artigo dispõe: XXI - a indenização em virtude de desapropriação para fins de reforma agrária, quando auferida pelo desapropriado. A própria legislação185 em tela prevê a incidência do IRPF em desapropriações para fins diversos da reforma agrária, assim o tratamento discriminatório fica flagrantemente caracterizado, a jurisprudência186 tem se firmado no sentido de isentar da incidência do IRPF qualquer desapropriação. Seguindo no mesmo artigo: XXIV - a indenização de transporte a servidor público da União que realizar despesas com a utilização de meio próprio de locomoção para a execução de serviços externos por força das atribuições próprias do cargo. 43, do CTN. Princípio da capacidade contributiva. Acórdão regional que pugna pela inexistência de adesão a PDV. Súmula 7/STJ. Aplicação. Matéria decidida pela 1ª seção, no REsp 1112745/SP, DJ DE 01/10/2009. Julgado sob o regime do art. 543-C do CPC. (STJ, 1ª Seção, Relator: Ministro Luiz Fux, AgRg nos EREsp 881879/SP, j. 25.11.2009, DJU 18.12.2009). 185 Art. 117. Está sujeita ao pagamento do imposto de que trata este Título a pessoa física que auferir ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza. [...] § 4º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição, tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins. 186 TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDÊNCIA DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE AS VERBAS INDENIZATÓRIAS DECORRENTES DE DESAPROPRIAÇÃO. 1. Nos termos do art. 153, III, da Constituição Federal, compete à União instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Em face do que dispõe o art. 146, III, a, da Constituição Federal, a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – denominada Código Tributário Nacional –, foi recepcionada com status de lei complementar, assim definindo o fato gerador do Imposto de Renda: "Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior." 2. Quanto às desapropriações, seja por necessidade ou utilidade pública, seja por interesse social, serão feitas mediante justa indenização, nos termos dos arts. 5º, XXIV, 182, § 3º, e 184, caput, da Constituição Federal. 3. Em conformidade com as normas jurídicas acima, a Primeira Seção desta Corte, ao julgar o REsp 1.116.460/SP (Rel. Min. Luiz Fux, DJe de 1º.2.2010), de acordo com a sistemática de recursos repetitivos de que trata o art. 543-C do CPC, reafirmou sua jurisprudência no sentido da não-incidência do Imposto de Renda sobre as verbas indenizatórias decorrentes de desapropriação. 4. Agravo regimental não provido.(STJ, 2ª Turma, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, AgRg no Ag 1233636/PE, agravo regimental no agravo de instrumento 2009/0178955-0, j. 19.8.2010 DJe 28.9.2010). 70 A jurisprudência187 trata dessa verba como indenizatória, portanto não revestem o caráter de remuneratório, cabe frisar também que há evidente discriminação por tratar somente de servidores públicos da União, deixando de lado os servidores públicos dos Estados, Municípios e Distrito Federal. A seguir os incisos XXXI e XXXIII do artigo 39 devem ser analisados de forma sistemática: XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental, esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase, paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da aposentadoria ou reforma. XXXI - os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso XXXIII deste artigo, exceto a decorrente de moléstia profissional, com base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída após a concessão da pensão. Carlos Araújo Leonetti188 afirma que entre outras razões há duas pelas quais se evidencia a discriminação: 187 TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. VALORES RECEBIDOS A TÍTULO DE AJUDA DE CUSTO. DECRETO MUNICIPAL N. 541/93. CUSTEAMENTO DAS DESPESAS COM A UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO. NATUREZA INDENIZATÓRIA. 1. Hipótese em que o acórdão recorrido se utilizou de legislação local específica para decidir a respeito da natureza indenizatória de valores recebidos a título de ajuda de custo por funcionário da Secretaria de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Florianópolis/SC, qual seja o Decreto Municipal n. 541/93, onde se verifica que a ajuda de custo em questão "obriga os servidores por ela beneficiados ao emprego de veículo próprio no exercício de suas atribuições externas de fiscalização". 2. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a incidência do imposto de renda sobre valores recebidos a título de "ajuda de custo" depende da real natureza jurídica da parcela, de tal sorte que, se indenizatória, não haverá a incidência do imposto de renda, uma vez que não caracterizado o acréscimo patrimonial. 3. Ausência de violação aos artigos 43, I e II, 97, VI, 111, II, do CTN, aos artigos 3º, § 4º, e 6º, XX, da Lei n. 7.713/88, bem como o art. 43, I e X, do Decreto n. 3.000/99. 4. O julgador, desde que fundamente suficientemente sua decisão, não está obrigado a responder todas as alegações das partes, a ater-se aos fundamentos por elas apresentados nem a rebater um a um todos os argumentos levantados, de tal sorte que a insatisfação quanto ao deslinde da causa não oportuniza a oposição de embargos de declaração, sem que presente alguma das hipóteses do art. 535 do CPC. Ausência, portanto, de violação ao art. 535 do CPC. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1059703/SC, Rel. Ministro BENEDITO GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, j. 20.8.2009, DJe 31.8.2009). 188 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 188. 71 1ª) Não são tomados em consideração, para fruição da isenção, o valor da aposentadoria ou pensão e tampouco o percentual que tais verbas representam relativamente aos rendimentos globais do contribuinte. De outra parte, tanto faz, à luz da legislação, que a única fonte de rendimentos do contribuinte seja a aposentadoria ou pensão, ou não. Ou seja: não importa, para a fruição do benefício, se o advento da doença comprometeu a capacidade contributiva da pessoa, ou não. Assim, parece que este princípio foi olimpicamente ignorado pelo legislados. 2ª) As enfermidades cujo acometimento, pelo contribuinte, autorizam o gozo do benefício são apenas aquelas taxativamente relacionadas em lei. Dessarte, aposentados e pensionistas portadores de outras moléstias graves têm seus rendimentos integralmente submetidos à tributação, ainda que as conseqüências da doença sejam tão ou mais nefastas que as decorrentes daquelas listadas na lei. Neste giro, está-se dispensando tratamento tributário distinto a contribuintes que se encontram em situação equivalente, numa flagrante transgressão ao princípio da igualdade. Mais adiante, outra situação flagrantemente discriminatória, é o tratamento desigual entre trabalhadores assalariados e não-assalariados, conforme os artigos 43, X e 75, III do Decreto 3000/99: Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens percebidos, tais como: [...] X - verbas, dotações ou auxílios, para representações ou custeio de despesas necessárias para o exercício de cargo, função ou emprego; Art. 75. O contribuinte que perceber rendimentos do trabalho nãoassalariado, inclusive os titulares dos serviços notariais e de registro, a que se refere o art. 236 da Constituição, e os leiloeiros, poderão deduzir, da receita decorrente do exercício da respectiva atividade: III - as despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da receita e à manutenção da fonte produtora. Dessa forma que a legislação concede tratamento antagônico a esses trabalhadores, enquanto empregados, públicos ou privados, devem submeter integralmente ao IRPF os gastos inerentes ao exercício profissional, os contribuintes não-assalariados tem a chance de abater integralmente as mesmas despesas, ou 72 seja, as inerentes à sua profissão189, com a única ressalva de que mantenha registro em livro-caixa190. Por último há a discriminação entre quem usufrui do auxíliocreche gratuitamente e quem recebe auxílio-creche em pecúnia: Art. 55. São também tributáveis: [...] XV - o salário-educação e auxílio-creche recebidos em dinheiro; A jurisprudência191 já pacificou o assunto entendendo que a verba reveste a mesma natureza do direito, portanto se a usufruição do auxíliocreche não importa em incidência do IRPF, o recebimento da verba como forma de indenização também não deve gerar incidência do imposto. Nas palavras do Ministro do STJ, Luiz Fux192: O Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/99), por sua vez, indica no inciso XV do art. 55 que são tributáveis o salário educação e o auxílio-creche recebidos em dinheiro. Já no âmbito deste Conselho, o assunto é regulamentado pela Instrução Normativa nº 08-01/2005 que, no módulo 06, item 04, estabelece que o benefício de auxílio pré-escolar não está sujeito à incidência de contribuição para o Plano de Seguridade Social - PSS, não ficando sujeito a descontos de qualquer espécie. Considerando que se trata de verba alcançada ao servidor em substituição à disponibilização de creche própria pelo órgão público, entendo que o benefício em tela possui natureza eminentemente indenizatória. Ressalto que entendimento diverso resultaria em situação na qual seriam 189 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 188-189. 190 § 2º O contribuinte deverá comprovar a veracidade das receitas e das despesas, mediante documentação idônea, escrituradas em Livro Caixa, que serão mantidos em seu poder, à disposição da fiscalização, enquanto não ocorrer a prescrição ou decadência (art. 75, Decreto 3000/99). 191 PROCESSO CIVIL. RECLAMAÇÃO. DECISÃO DE JUIZ FEDERAL QUE DECLAROU A INEXIGIBILIDADE DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE O AUXÍLIO-CRECHE PAGO A SERVIDOR PÚBLICO DA JUSTIÇA FEDERAL. ANTERIOR DECISÃO ADMINISTRATIVA DO CONSELHO DA JUSTIÇA FEDERAL QUE NÃO DEFERIU PEDIDO DE SUSPENSÃO DA INCIDÊNCIA DO TRIBUTO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ALEGADA USURPAÇÃO DA COMPETÊNCIA DO STJ PARA JULGAR MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO PRÓPRIO TRIBUNAL. INOCORRÊNCIA. RECLAMAÇÃO INCABÍVEL. (STJ. Decisão Monocrática Rcl. 004189 (2010/0081049-3). Relator: Ministro Luiz Fux. Data da Publicação 9.9.2010). 192 STJ. Decisão Monocrática Rcl. 004189 (2010/0081049-3). Relator: Ministro Luiz Fux. Data da Publicação 9.9.2010. 73 prejudicados pela incidência do tributo aqueles servidores que exercem suas atividades em locais onde não há creche própria, em relação àqueles que trabalham onde existem creches. A concessão desta isenção, bem como de qualquer forma de benefício fiscal, deveria sempre respeitar o princípio da isonomia tributária, de modo que não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação equivalente. 3.3.3 Despesas dedutíveis dos rendimentos brutos 3.3.3.1 Despesas necessárias à produção dos rendimentos tributáveis O assalariado está impedido de abater despesas necessárias ao exercício de sua função, logo sua não dedutibilidade fere a Constituição, na medida em que se tributa o que não é renda, além de ferir o princípio da isonomia tributária, uma vez que os não-assalariados podem abater tais gastos193. 3.3.3.2 Contribuições à previdência, oficial ou privada A parcela de dedução do contribuinte para as entidades de previdência privada, somada às para o Fundo de Aposentadoria Programada Individual, está limitada a 12% do total dos rendimentos da declaração anual de ajuste194. 3.3.3.3 Despesas com a saúde do contribuinte e de seus dependentes As deduções de despesas realizadas com a saúde, assim compreendidas as feitas com médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas, fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, hospitais, exames clínicos, serviços radiológicos, ortopedia e próteses dentárias ou ortopédicas, inclusive no exterior, atuam efetivamente como instrumento de justiça social, o legislador foi sábio ao dispor sobre o abatimento integral dos gastos realizados dos rendimentos brutos do contribuinte195. 193 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 192. 194 195 Decreto 3000/99, artigo 74, §2º. LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 194. 74 3.3.3.4 Despesas com a instrução do contribuinte e de seus dependentes É permitido o abatimento, na declaração de ajuste, dos gastos com educação pré-escolar, ensino fundamental, médio e superior, bem como aqueles feitos para especialização profissional até o limite anual individual de R$ 2.708,94196. Não se aceitam gastos com entidades que educam menores abandonados nem com a educação de menor pobre que o contribuinte apenas eduque197, o que desestimula esse tipo de atitude de interesse social. O maior erro do legislador foi fixar valores tão baixos para o abatimento incompatíveis com a realidade, o que faz com que influencie diretamente no sua atuação como instrumento de justiça social descumprindo o princípio da capacidade contributiva198. 3.3.3.5 Valor fixo por dependente A legislação permite que se abata até a importância de R$1.730,40 por dependente, assim entendidos: companheiro(a) com quem o contribuinte tenha filho ou viva há mais de 5 anos, ou cônjuge; filho(a) ou enteado(a), até 21 anos de idade, ou, em qualquer idade, quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; filho(a) ou enteado(a), se ainda estiverem cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau, até 24 anos de idade; irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a), sem arrimo dos pais, de quem o contribuinte detenha a guarda judicial, até 21 anos, ou em qualquer idade, quando incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a), sem arrimo dos pais, com idade de 21 anos até 24 anos, se ainda estiver cursando estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau, desde que o contribuinte tenha detido sua guarda judicial até os 21 anos; pais, avós e bisavós que, em 2009, tenham recebido rendimentos, tributáveis ou não, até R$ 17.215,08; menor pobre até 21 anos que o contribuinte crie e eduque e de quem detenha a 196 Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, II, "b"; Lei nº 11.119, de 2005, art. 3º; RIR/1999, art. 81; IN SRF nº 15, de 2001, art. 39. 197 198 Lei nº 9.250, de 1995, art. 35, inciso IV LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 195-196. 75 guarda judicial; pessoa absolutamente incapaz, da qual o contribuinte seja tutor ou curador, dispensada a comprovação de despesas199. O valor extremamente baixo é antagônico à realidade vivida pelos contribuintes o que faz com que seja difícil sua atuação como instrumento de justiça social200 3.3.3.6 Pensão alimentícia judicial A dedutibilidade dos valores pagos pelo contribuinte como forma de pensão alimentícia por decisão judicial ou acordo homologado pelo juiz, são integrais dos rendimentos brutos do contribuinte. O contribuinte que pague pensão voluntariamente, sem decisão judicial ou homologação de acordo pelo juiz, apenas por sentir-se moralmente obrigado, como no caso de recém-separados, não gozam de tal benefício. Portanto há a necessidade de flexibilização da legislação para que acolha as várias modalidades de pensões alimentícias201. 3.3.3.7 Parcela isenta para contribuintes aposentados ou pensionistas maiores de 65 anos Estão isentos a pensão e os proventos da inatividade pagos pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por pessoa jurídica de direito público interno ou por entidade de previdência privada, a partir do mês em que o pensionista ou inativo completar 65 anos de idade, até o valor de R$ 1.434,59, por mês, sem prejuízo da parcela isenta prevista na tabela de incidência mensal do imposto. O valor excedente a esse limite está sujeito à incidência do imposto sobre a renda na fonte e na declaração202. 199 Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, art. 35; Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, art. 2º e 3º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 77, § 1º; Instrução Normativa SRF nº 15, de 6 de fevereiro de 2001, art. 38 200 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 197. 201 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 198. 202 Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 4º, inciso VI, e 8º, § 1º, com redação dada pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, art. 3º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento 76 Nas palavras de Carlos Araújo Leonetti: Esta previsão legal contribui para que o imposto atue como instrumento de Justiça Social, na medida em que ajuda a assegurar um mínimo de dignidade àqueles que dedicaram toda uma vida ao trabalho ou à família. 3.3.3.8 Deduções do imposto devido Podem ser deduzidas as doações feitas aos fundos controlados pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente, contribuições ao Fundo Nacional de Cultura (FNC), esses na forma de doações ou mediante contribuições diretas em favor de projetos culturais disciplinados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac), produção de obras cinematográficas e incentivo ao desporto203, as somas dessas deduções não pode ultrapassar 6% do valor do imposto devido, porém não ficam vinculadas a nenhum valor específico204. Há ainda a contribuição patronal paga à Previdência Social pelo empregador doméstico incidente sobre o valor da remuneração do empregado, o valor da dedução pago a título de contribuição patronal não poderá exceder ao valor do imposto apurado, diminuído das deduções relativas as outras modalidades de doações. Nesse contexto, embora a previsão legal de possível abatimento no valor do imposto devido, quase nenhum contribuinte faz uso dessa prerrogativa legal e social, seja por desconhecê-la ou pelas próprias exigências da lei205. Esses valores poderiam ser usados em favor de vários serviços e obras sociais para melhor atender à finalidade da justiça social. do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 39, inciso XXXIV; Instrução Normativa SRF nº 15, de 6 de fevereiro de 2001, art. 5º, inciso XIII 203 Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, arts. 18 e 26, Lei nº 9.250, de 1995, art. 12, inciso II, e Medida Provisória nº 1.739-19, de 11 de março de 1999, art. 1º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 90. 204 Lei nº 9.250, de 1995, art. 12, § 1º, e Lei nº 9.532, de 1997, art. 22; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 87, §1º. 205 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 200. 77 3.3.4 A progressividade do imposto Podia-se afirmar que até antes de 1988 o IRPF era efetivamente informado pela progressividade, as alíquotas variavam de 3% até 55%, haviam 12 faixas aplicadas progressivamente de acordo com o montante dos rendimentos tributáveis do contribuinte206. Com a edição da Lei 7.713/88, que alterou consideravelmente a tributação da renda, as alíquotas foram reduzidas à apenas duas, e ainda o percentual da alíquota máxima também fora reduzido, fatos que comprometeram seriamente a progressividade que é uma de suas características universais, tais mudanças ocorreram justamente no ano de promulgação da nova Constituição Federal que obriga o IRPF a ser informado pelo critério da progressividade207. Nas palavras de Hugo de Brito Machado208: Na verdade, tais alterações [as perpetradas pela Lei 7.713/88 retiraram do imposto o seu caráter pessoal, contrariando o disposto no art. 145, par. 1º, da Constituição Federal, além de sua progressividade, contrariando também o art. 153, par. 2º, inciso I, da carta de 1988. O legislador ordinário demonstrou, com a referida lei, desconhecimento ou pouco apreço pela obra Constituinte de 1988, valendo notar que o Congresso Nacional de então e a Assembléia Nacional Constituinte eram formados pelos mesmos deputados e senadores. A progressividade guarda íntima relação com a capacidade contributiva, além de cumprir com a melhor distribuição da renda, a progressividade faz com que a carga tributária seja mais pesada àquele que pode suportar tal carga tributária, bem como o contribuinte que tem pouca capacidade contributiva é tributado sob uma alíquota efetiva inferior, dando-lhe um acréscimo nos seus rendimentos. Desse modo pode-se concluir que o uso da progressividade ajuda a melhorar a distribuição da renda, e por conseqüência a garantir condições mínimas de vida aos contribuintes de baixo poder aquisitivo209. 206 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 254. 207 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 202. 208 209 MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 254. LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 204. 78 Até 2009 as duas alíquotas mantiveram-se as mesmas, portanto, por um longo período de tempo, mesmo com a inflação, foi quando o governo reajustou os rendimentos com vistas à recuperação do poder aquisitivo, porém, como a tabela de alíquotas manteve-se a mesmo, o que ocorreu foi que muitos contribuintes foram da alíquota de 15% para a alíquota de 27,5%, ou seja, após o reajuste, pagaram mais IRPF do que pagavam antes, embora seu poder aquisitivo tenha se mantido o mesmo210. Hoje há quatro alíquotas, o que faz com que a progressividade comece a voltar a ser como nos moldes anteriores à Constituição Federal, para Carraza211 é necessário aumentar as faixas de isenções e o número de alíquotas para que o imposto deixe de ser parcialmente progressivo para ser realmente progressivo. Dessa forma a justiça social só pode ser atingida se houver a progressividade do imposto, cada vez maior, quanto mais alíquotas progressivas e faixas de incidência, maior será o número de contribuintes pagando o imposto de forma proporcional aos seus rendimentos, de forma equitativa para todos. Assim os menos favorecidos serão os que terão o maior benefício possível. 210 LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no Brasil. p. 205. 211 CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 117. CONSIDERAÇÕES FINAIS O presente trabalho teve como objetivo estudar a aplicação do Imposto de Renda Sobre Pessoas Físicas como instrumento de Justiça Social. O interesse pelo tema deu-se pelo fato de ser um imposto que atinge a todos, de forma direta ou indireta, os que não pagam efetivamente, são os mais interessados em ter a contraprestação pelo Estado da aplicação desse dinheiro em obras sociais para melhorar sua qualidade de vida. Em que pese, sabe-se da importância do Imposto de renda no orçamento do Estado, sem vinculação esta é a maior fonte de arrecadação, e portanto, destina-se ao custeio de inúmeras situações, porém vê-se que não é empregado corretamente ou como deveria ser para contribuir com a qualidade de vida dos contribuintes. Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em três capítulos. No primeiro viu-se como surgiu o Imposto de Renda lá na Inglaterra, bem como sua vinda e instituição no Brasil, após um breve conceito de renda e de como é aplicado o imposto, ainda um estudo conciso e muito simplório, apenas para ilustrar o presente trabalho, de uma das maiores dúvidas dos juristas, o que é justiça e o que é justiça social. No segundo capítulo pesquisaram-se os fundamentos constitucionais do Imposto de Renda, seus princípios e aplicação conforme tais princípios, e após, a definição do Imposto de Renda na legislação específica, o Código Tributário Nacional e suas generalidades. No terceiro e último, a pesquisa intensificou-se em tentar demonstrar a aplicação dos princípios de forma a proporcionar a justiça social, bem como demonstrar a discriminação de contribuintes em situação de equivalência e despesas dedutíveis dos rendimentos brutos. Viu-se que para uma efetiva atuação do Imposto de renda como instrumento de justiça social, este precisa de uma série de revisões legais, 80 estas abrangendo as formas de deduções bem como quem pode realizar as deduções, além da necessidade de novas alíquotas muito mais abrangentes. Para tanto o legislador deve começar partindo dos princípios constitucionais alencados, principalmente respeitando a isonomia e capacidade tributária e observando estes fazer consideráveis mudanças nas legislações específicas sobre a matéria, especialmente no Decreto 3000/99 que regula o imposto de renda. A jurisprudência já vem adotando critérios a fim de amenizar as desigualdades encontradas na legislação, porém não é seu trabalho legislar sobre o assunto, além de que julgar apenas os que buscam tutela judicial está muito aquém de se efetivar uma justiça social. Assim, ao considerar as hipóteses apresentadas finalizamos: A primeira hipótese de que a legislação atual faz com que o Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas trate contribuintes em situação de equivalência de forma discriminatória, prejudicando sua atuação como um instrumento de Justiça Social restou confirmada, apesar de possuir inúmeros princípios que ajudem em tal finalidade, provou-se que a legislação atual trata contribuintes em situação de equivalência de forma muito discriminatória. De igual forma, quanto à segunda hipótese, restou comprovada que a progressividade das alíquotas do Imposto ajuda a melhorar a distribuição de renda, contribuindo diretamente na capacidade contributiva do contribuinte, uma vez que o contribuinte com pouca capacidade contributiva tem alíquotas menores, ou até mesmo torna-se isento do pagamento do imposto, o que lhe gera rendimentos maiores em proporção se comparados com contribuintes incidentes nas alíquotas maiores. Por fim fica o registro de que o presente trabalho não teve caráter exaustivo, ou seja, com o mesmo não se teve a pretensão de tratar de todos os temas que norteiam a aplicação do Imposto de Renda como Instrumento de Justiça Social, o que seria quase impossível, razão pela qual deve servir apenas de ponto de partida para o necessário e contínuo acompanhamento da evolução do entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca desta matéria do Direito Tributário. REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS AMARO, Luciano. 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