o imposto de renda como instrumento de justiça social

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UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS
CAMPUS ITAJAÍ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – NPJ
SETOR DE MONOGRAFIAS
O IMPOSTO DE RENDA COMO INSTRUMENTO DE
JUSTIÇA SOCIAL
PAULO HENRIQUE SETTI
DECLARAÇÃO
DECLARO QUE A MONOGRAFIA ESTÁ APTA PARA DEFESA
EM BANCA PÚBLICA EXAMINADORA
ITAJAÍ, ____ DE ____________ DE 2010.
________________________________
Professor Doutor Zenildo Bodnar
Itajaí (SC), novembro de 2010.
UNIVERSIDADE DO VALE DO ITAJAÍ – UNIVALI
CENTRO DE CIÊNCIAS SOCIAIS E JURÍDICAS – CEJURPS
CAMPUS ITAJAÍ
CURSO DE DIREITO
NÚCLEO DE PRÁTICA JURÍDICA – NPJ
SETOR DE MONOGRAFIAS
O IMPOSTO DE RENDA COMO INSTRUMENTO DE
JUSTIÇA SOCIAL
PAULO HENRIQUE SETTI
Monografia submetida à Universidade do
Vale do Itajaí – UNIVALI, como requisito
parcial à obtenção do grau de Bacharel
em Direito.
Orientador: Professor Dr. Zenildo Bodnar
Itajaí (SC), novembro de 2010.
AGRADECIMENTO
Agradeço a meus pais por todo carinho, dedicação e
apoio que me deram ao longo desse caminho, por
acreditarem em mim e me darem força pra continuar
estudando.
Igualmente agradeço à minha madrinha Inês por me
apoiar ao longo desses cinco anos.
À minha namorada, Carina, pelo incentivo e ajuda
incomparáveis, que me deram forças pra seguir no
caminho.
Aos amigos e companheiros que foram presentes
nessa jornada e aos que continuarão presentes
após.
DEDICATÓRIA
À quem tornou esse objetivo possível, sempre
acreditou em mim e me apoiou em todos os
momentos, meu pai, Ademar Setti.
TERMO DE ISENÇÃO DE RESPONSABILIDADE
Declaro, para todos os fins de direito, que assumo total responsabilidade pelo aporte
ideológico conferido ao presente trabalho, isentando a Universidade do Vale do
Itajaí, a coordenação do Curso de Direito, a Banca Examinadora e o Orientador de
toda e qualquer responsabilidade acerca do mesmo.
Itajaí (SC), novembro de 2010.
Paulo Henrique Setti
Graduando
PÁGINA DE APROVAÇÃO
A presente monografia de conclusão do Curso de Direito da Universidade do Vale do
Itajaí – UNIVALI, elaborada pelo graduando Paulo Henrique Setti, sob o título O
Imposto de Renda como Instrumento de Justiça Social, foi submetida em [Data] à
banca examinadora composta pelos seguintes professores: Professor Doutor
Zenildo Bodnar (orientador e presidente da banca) e Professor Renato Rodrigues da
Silva (examinador), e aprovada com a nota 10,0 (dez).
Itajaí (SC), novembro de 2010
Professor Dr. Zenildo Bodnar
Orientador e Presidente da Banca
Professor MSc. Antônio Augusto Lapa
Coordenação da Monografia
ROL DE ABREVIATURAS E SIGLAS
CRFB
Constituição Federal
CRFB/1988
Constituição Federal
CTN
Código Tributário Nacional
IRPF
Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas
RIR
Regulamento do Imposto de Renda
STJ
Superior Tribunal de Justiça
ROL DE CATEGORIAS
Imposto
Imposto é o tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente
de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte1.
Imposto de renda
Imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza
tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica2
Justiça Social
Divisão equitativa do bem comum, em que todos cooperam para o bem de todos3
Renda
Produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos, bem como de
quaisquer acréscimos patrimoniais4.
Tributo
Tributo é toda prestação pecuniária compulsória, em moeda ou cujo valor nela se
possa exprimir, que não constitua sanção de ato ilícito, instituída em lei e cobrada
mediante atividade administrativa plenamente vinculada5.
1
Lei 5.172, artigo 16.
2
Lei 5.172, artigo 43.
3
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. Barueri: Manole: 2003 p. 159.
4
Lei 5.172, artigo 43, incisos I e II.
5
Lei 5.172, artigo 3º.
SUMÁRIO
RESUMO................................................................................................................ X
INTRODUÇÃO ..................................................................................................... 11
CAPÍTULO 1 .................................................................................................... 12
A TRIBUTAÇÃO DA RENDA ...................................................................... 13
1.1 ORIGENS ....................................................................................................... 13
1.2 O IMPOSTO SOBRE A RENDA NO BRASIL ............................................... 15
1.3 O CONCEITO DE RENDA ............................................................................. 18
1.4 O CONCEITO DE JUSTIÇA .......................................................................... 24
1.4.1 O conceito de justiça social ..................................................................... 31
CAPÍTULO 2 .................................................................................................... 35
PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS
FÍSICAS NO BRASIL ..................................................................................... 35
2.1 O IRPF E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ...................................................... 35
2.1.1 Uma visão geral ......................................................................................... 35
2.1.2 Princípio da legalidade ou da reserva legal ............................................ 36
2.1.3 Princípio da anterioridade tributária ........................................................ 38
2.1.4 Princípio da irretroatividade tributária..................................................... 39
2.1.5 Princípio da vedação de tributo confiscatório ........................................ 41
2.1.6 Princípio da igualdade ou isonomia tributária ........................................ 42
2.1.7 Princípio da capacidade contributiva ...................................................... 44
2.1.8 Princípio da pessoalidade ou personalização ........................................ 46
2.1.9 Princípios (ou critérios) da generalidade e da universalidade .............. 46
2.1.10 Princípio (ou critério) da progressividade............................................. 47
2.2 O IRPF E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL .......................................... 48
2.2.1 Uma visão geral ......................................................................................... 48
2.2.2 Fato gerador............................................................................................... 52
2.2.3 Bases de cálculo e alíquotas .................................................................... 55
2.2.3.1 Generalidades ......................................................................................... 55
2.2.3.2 Incidência mensal................................................................................... 55
2.2.3.3 Apuração na declaração anual .............................................................. 56
2.2.3.4 Tributação na fonte ................................................................................ 57
ix
2.2.3.5 Tributação definitiva .............................................................................. 58
2.2.4 Lançamento e recolhimento ..................................................................... 59
CAPÍTULO 3 .................................................................................................... 60
A UTILIZAÇÃO CONCRETA DO IRPF COMO INSTRUMENTO DE
JUSTIÇA SOCIAL NO BRASIL ATUAL ................................................... 60
3.1 UMA VISÃO GERAL: O IRPF E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
TRIBUTÁRIOS ..................................................................................................... 60
3.2 O RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ANTERIORIDADE E
IRRETROATIVIDADE .......................................................................................... 60
3.3 O RESPEITO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AOS QUE LHE SÃO
CORRELATOS .................................................................................................... 67
3.3.1 Algumas observações preliminares ........................................................ 67
3.3.2 Tratamento discriminatório a contribuintes em situação equivalente . 68
3.3.3 Despesas dedutíveis dos rendimentos brutos ....................................... 73
3.3.3.1 Despesas necessárias à produção dos rendimentos tributáveis ...... 73
3.3.3.2 Contribuições à previdência, oficial ou privada .................................. 73
3.3.3.3 Despesas com a saúde do contribuinte e de seus dependentes ....... 73
3.3.3.4 Despesas com a instrução do contribuinte e de seus dependentes . 74
3.3.3.5 Valor fixo por dependente ..................................................................... 74
3.3.3.6 Pensão alimentícia judicial .................................................................... 75
3.3.3.7 Parcela isenta para contribuintes aposentados ou pensionistas maiores
de 65 anos ........................................................................................................... 75
3.3.3.8 Deduções do imposto devido ............................................................... 76
3.3.4 A progressividade do imposto ................................................................. 77
CONSIDERAÇÕES FINAIS ................................................................................. 79
REFERÊNCIA DAS FONTES CITADAS ............................................................. 81
RESUMO
Para melhor implementação de um Estado Democrático de direito o sistema
tributário deve discutir o imposto sobre a renda das pessoas físicas, a capacidade
econômica e a justiça social, o que infelizmente está cada vez mais afastado da
realidade. A CRFB/1988 norteou as limitações legislativas do Imposto de Renda
Sobre Pessoas Físicas. Assim a presente monografia de conclusão de curso tem
como principal objeto a identificação dos princípios que norteiam e tornam possível a
aplicação do Imposto de Renda como instrumento de justiça social. São abordados
no presente trabalho um breve histórico do Imposto, bem como conceituação de
renda, justiça e justiça social, após os princípios constitucionais do imposto bem
como a legislação específica, e no último capítulo a aplicação dos princípios e
conceitos estudados para a finalidade da justiça social. O resultado da pesquisa
demonstrou-se eficaz ao prever as situações em que a legislação trata contribuintes
de forma discriminatória. O método utilizado na pesquisa é o indutivo. Palavraschave: Constituição Federal. Imposto de renda. Justiça Social. Tributação.
INTRODUÇÃO
A presente Monografia tem como objeto o estudo do Imposto
de Renda Sobre Pessoas Físicas como Instrumento de Justiça Social.
O seu objetivo geral é analisar o Imposto de Renda Sobre
Pessoas Físicas, desde seu breve histórico, passando pelos seus princípios
constitucionais e pelo Código Tributário Nacional e analisar sua aplicação conforme
a legislação e jurisprudência vigentes.
O objetivo específico é demonstrar a forma discriminatória de
tratamento dado aos contribuintes que se encontram na mesma situação e de que
forma isso contribui para uma injustiça social.
A pesquisa é de suma importância visto que o Imposto de
Renda é um dos impostos que mais arrecadam no país, com os princípios da
universalidade e generalidade e que muitas vezes, ou quase sempre, não se sabe a
aplicação desse montante.
Para tanto, principia–se, no Capítulo 1, tratando do histórico do
Imposto de Renda, destacando sua evolução e após uma breve conceituação do
que é renda e justiça, na sequência uma breve tentativa de formar um conceito de
justiça social para trabalhar na presente monografia.
No Capítulo 2, a preocupação foi tratar dos princípios que
norteiam os impostos, especialmente o Imposto de Renda, e ainda, de tratar como o
Código Tributário Nacional legisla sobre o Imposto referido.
No Capítulo 3, tratando especificamente do Imposto de Renda
como instrumento de Justiça Social, partindo de uma visão geral, aplicação e
respeito dos princípios para atingir tal objetivo
Para a presente monografia foram levantadas as seguintes
hipóteses:
12
A legislação atual faz com que o Imposto de Renda sobre
Pessoas Físicas trate contribuintes em situação de
equivalência de forma discriminatória, prejudicando sua
atuação como um instrumento de Justiça Social.
A progressividade das alíquotas do Imposto ajuda a
melhorar a distribuição de renda, afetando diretamente na
capacidade contributiva do contribuinte.
O presente Relatório de Pesquisa se encerra com as
Considerações Finais, nas quais são apresentados pontos conclusivos destacados,
seguidos da estimulação à continuidade dos estudos e das reflexões sobre a
utilização concreta do Imposto de Renda como instrumento de Justiça Social.
Quanto à Metodologia empregada, registra-se que, na Fase de
Investigação6 foi utilizado o Método Indutivo7, na Fase de Tratamento de Dados o
Método Cartesiano8, e, o Relatório dos Resultados expresso na presente Monografia
é composto na base lógica Indutiva.
Nas diversas fases da Pesquisa, foram acionadas as Técnicas
do Referente9, da Categoria10, do Conceito Operacional11 e da Pesquisa
Bibliográfica12.
6
“[...] momento no qual o Pesquisador busca e recolhe os dados, sob a moldura do Referente
estabelecido [...]. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. 11 ed.
Florianópolis: Conceito Editorial; Millennium Editora, 2008. p. 83.
7
“[...] pesquisar e identificar as partes de um fenômeno e colecioná-las de modo a ter uma percepção
ou conclusão geral [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática.
p. 86.
8
Sobre as quatro regras do Método Cartesiano (evidência, dividir, ordenar e avaliar) veja LEITE,
Eduardo de oliveira. A monografia jurídica. 5 ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001. p. 2226.
9
“[...] explicitação prévia do(s) motivo(s), do(s) objetivo(s) e do produto desejado, delimitando o
alcance temático e de abordagem para a atividade intelectual, especialmente para uma pesquisa.”
PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 54.
10
“[...] palavra ou expressão estratégica à elaboração e/ou à expressão de uma idéia.” PASOLD,
Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 25.
11
“[...] uma definição para uma palavra ou expressão, com o desejo de que tal definição seja aceita
para os efeitos das idéias que expomos [...]”. PASOLD, Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa
jurídica: teoria e prática. p. 37.
12
“Técnica de investigação em livros, repertórios jurisprudenciais e coletâneas legais. PASOLD,
13
A TRIBUTAÇÃO DA RENDA
1.1 ORIGENS
A primeira notícia que se tem de tentativa de se tributar a
renda, parte da Inglaterra, por volta dos séculos XIV e XV, o rei Eduardo IV instituiu
um imposto sobre a renda (com aprovação do parlamento), calculando à alíquota de
10%, com o objetivo de financiar uma das guerras contra a França, após a revolta
dos contribuintes, a Coroa recuou13.
Após, no final do século XVIII, coube novamente à GrãBretanha criar um imposto sobre a renda, mais uma vez para custear as despesas
decorrentes de uma guerra contra a França, que desta vez estava sob o comando
de Napoleão14.
Foi então que o primeiro ministro William Pitt, conhecido como
“o jovem” a fim de distingui-lo de seu pai, homônimo, e que também fora primeiroministro, conseguiu o feito de convencer o parlamento inglês a aprovar, em 1799, a
criação do primeiro imposto sobre a renda progressivo na história15.
A instituição desse imposto sobre a renda foi precedido de um
esquema de tributação tripla (triple assessment), dessa forma os tributos incidentes
sobre a propriedade foram agrupados em um só. Os contribuintes foram divididos
em três classes.16
Cesar Luiz. Metodologia da pesquisa jurídica: teoria e prática. p. 209.
13
ADAMS apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça
social no Brasil. p. 2.
14
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 4.
15
Receita Federal. Primórdios do imposto de renda no mundo. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/histPriomordiosMundo.asp> acesso em: 07
setembro de 2010.
16
ADAMS, apud. LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de
justiça social no Brasil. p. 4.
14
Carlos Araújo Leonetti17 descreve bem as três classes:
A primeira abrigava as pessoas presumivelmente ricas, e que
consumiam, nas palavras de Pitt, “produtos e serviços nãoessenciais e luxuriosos”. Estes contribuintes tinham o valor do
imposto devido no ano anterior multiplicado por um fator que variava
de 3,0 (o que deu origem ao nome do sistema) a 5,0, conforme o
montante do tributo.
Na segunda classe estavam os contribuintes com patrimônio (e
renda) razoável, cuja carga tributária relativa ao ano anterior era
atualizada com o uso de fator entre 1,35 e 5,0.
Finalmente,
a
terceira
classe
reunia
os
contribuintes
presumivelmente pobres, cuja carga tributária era aumentada entre
10% (fator 1,1) e 100% (fator 2,0).
Pitt, ao perceber que o novo sistema não obteve os efeitos
esperados, em termos de aumento de renda, não viu outro recurso senão em propor
ao Parlamento a instituição de um verdadeiro imposto sobre a renda, que foi previsto
inicialmente para ser extinto dentro do prazo de seis meses após o fim da guerra,
mas continuou a ser cobrado até 1816, tendo apenas uma interrupção em 180218.
Em 1802, logo após o término das hostilidades contra os
franceses, Pitt foi substituído por Lord Sidmouth, o imposto foi extinto, sendo
destruídos todos os registros a ele atinentes19. Todavia, a paz durou pouco, logo no
ano seguinte, Inglaterra e França estavam novamente em eminente guerra, o que
obrigou a criação de um novo imposto de renda, praticamente ressuscitaram o
anterior sob a alcunha de “contribuição sobre os ganhos decorrentes da
propriedade, profissões, comércio e cargos públicos”. Essa lei introduziu em 1803,
duas importantes inovações que são adotadas até hoje, em maior ou menor grau: o
sistema de cédulas e a tributação na fonte20.
17
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 5.
18
Receita Federal. Primórdios do imposto de renda no mundo. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/histPriomordiosMundo.asp> acesso em: 07
setembro de 2010.
19
ADAMS, apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça
social no Brasil. p. 6.
20
ADAMS, apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça
social no Brasil. p. 6.
15
Leonetti21 afirma que em 1806 uma nova lei alterou a tributação
da renda, porém a estrutura básica manteve-se imutável. Em 1816, com a derrota
definitiva de Napoleão em Waterloo na Bélgica, a cobrança do imposto foi extinta
definitivamente pelo Parlamento, conforme o previsto antes de sua instituição, que
também ordenou a queima de todos os documentos relativos ao tributo, em praça
pública.
Após a Inglaterra passou por um período de crise de déficits
orçamentários. Em 1842, Robert Peel era o chefe de governo da era Vitoriana,
restabeleceu o imposto sobre a renda. Aumentou-se a o limite de isenção e a
tributação recaiu para valores de renda anual superior à 150 libras esterlinas.
Acreditando que após a crise o imposto seria novamente suprimido, o Parlamento
inglês concordou com a volta do tributo, desde então o imposto é cobrado de forma
definitiva22
Instituído como um simples imposto de guerra e para cobrir
dificuldades financeiras, o imposto de renda passou a ser permanente e se
transformou na principal fonte de recursos de muitos países, chegando ao Brasil.
1.2 O IMPOSTO SOBRE A RENDA NO BRASIL
Os primeiros estudos e projetos visando à criação de um
imposto sobre a renda, no Brasil, datam do século XIX. Ruy Barbosa, conselheiro
Lafayette, o barão de Rosário e os viscondes de Ouro Preto e de Jequitinhonha
foram alguns dos diversos homens públicos que defenderam veementemente a
introdução da tributação da renda em terras brasileiras23.
Por se concentrar na pessoa do Imperador, a primeira
Constituição brasileira, a de 1824, nada dispôs a respeito da distribuição das
competências tributárias entre os governos central, das províncias, dos municípios e
21
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 6-7.
22
Receita Federal. Primórdios do imposto de renda no mundo. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/Memoria/irpf/historia/histPriomordiosMundo.asp> acesso em: 07
setembro de 2010.
23
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. 11. ed., 9. tir., revista, atualizada e
complementada por Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p. 282.
16
das vilas24. Afirma Rubens Gomes de Sousa25: “a Constituição imperial de 1824
mantinha muito pouco sobre tributação e absolutamente nada sobre tributos
provinciais e locais. As províncias figuravam no orçamento imperial simplesmente
como dotações de despesas”.
A primeira Constituição republicana, de 1891, instituiu o modelo
de Estado federal no país e cuidou de discriminar as competências tributárias da
União e dos Estados-membros, porém foi absolutamente omissa em relação aos
tributos municipais, ficando os Estados-membros encarregados de regular a
matéria26.
A Constituição de 1934 cuidou de tratar dos tributos da União,
estados-membros e Municípios, além de prever a criação de impostos residuais e a
cobrança de contribuição de melhoria pelos mesmos entes. A constituição de 1946
continuou adotando essa mesma linha, e ainda discriminou as competências
tributárias com mais rigidez27.
Nos dizeres de Bernardo Ribeiro de Moraes28 a Emenda
Constitucional 18 de 1965 “trouxe ao país uma autêntica reforma tributária, fazendo
revisão e mudança completas no antigo sistema tributário”.
A reforma a qual Bernardo Ribeiro de Moraes se refere adotou
um critério econômico para classificação dos impostos, ou seja, fez uma
discriminação com referência às suas bases econômicas, com o objetivo de facilitar
a operacionalização.
Entretanto, a maior virtude da reforma tributária feita pela
Emenda nº 18/65 talvez tenha sido a de permitir que o princípio federativo pudesse
ser efetivamente implementado na medida em que as competências tributárias dos
24
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense,
1994, v.1., p. 119.
25
SOUSA. Rubens Gomes de. O sistema tributário federal. In: O sistema fazendário. Brasília:
Ministério da Fazenda, 1963, p. 10.
26
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário p. 130.
27
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário p. 142.
28
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário p. 153.
17
entes federativos foram explicitadas29. A Constituição de 1967 não alterou o sistema
tributário preconizado pela Emenda 18/65.
O primeiro Regulamento do imposto de renda só foi aprovado
pelo Decreto 16.581 de 4 de setembro de 192430. Antes disso, no que tange à
tributação
da
renda,
nenhuma
Constituição
tinha
previsto
sua
instituição
expressamente, porém fora permitida pela União e pelos Estados-membros sua
instituição, pela via da competência concorrente e cumulativa31.
Por muitos anos, o imposto sobre a renda brasileiro adotou o
modelo cedular tradicional, os rendimentos tributáveis eram classificados em quatro
categorias ou cédulas, às quais a Lei orçamentária de 31 de dezembro de 1924
acresceu mais uma. Segundo Baleeiro32 os rendimentos eram “classificados em
categorias e tributados proporcionalmente. A soma dos rendimentos constituía a
renda bruta, que, depois de certas deduções, sofria o imposto complementar
progressivo”.
A sistemática da apuração mensal do imposto devido pelas
pessoas físicas e a supressão da classificação em cédulas só foi abandonada em
1988 pela Lei 7.713 de 22 de dezembro, foi adotado então o sistema global de
apuração, ainda que não em sua forma pura.
As alíquotas aplicáveis ao imposto de renda sobre pessoas
físicas passaram a ser apenas duas, 10% e 25%, em substituição às diversas que
eram vigentes até então, que variavam de 3% a 55%. A Lei 9.250, de 26 de
dezembro de 1995, alterou as alíquotas para 15% e 25%, as quais vigoraram
durante os anos-calendários de 1996 e 1997. A partir de 1998, as alíquotas
aplicáveis passaram a ser de 15% e 27,5%, em decorrência do disposto na Lei
9.532/97, alterada pela Lei 9.887/99 que vigoraram até a Lei 11.945 de 4 de junho
de 2009 que introduziu mais duas alíquotas, sendo: 7,5%, 15%, 22,5% e 27,5%.
29
MARTINS, Ives Gandra. Sistema tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989,
p. 21.
30
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 16-17.
31
CARVALHO, A. A. Contreiras de apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como
instrumento de justiça social no Brasil. p.16.
32
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro. p. 282.
18
As modificações introduzidas pela Lei 7.713/88 conferiram
maior simplicidade à sistemática de apuração e declaração do imposto, mas
comprometeram seriamente o caráter pessoal e, por conseguinte, o respeito ao
princípio da capacidade contributiva33, matéria a ser estudada no item 2.1.7.
1.3 O CONCEITO DE RENDA
O primeiro passo para saber o que tributar como imposto de
renda é saber o que é a renda. Muitos estudiosos dentre as mais diversas áreas
(juristas, economistas etc.) tem se dedicado a tentar definir com clareza que é renda.
Rubens Gomes de Sousa34 costumava citar a definição de imposto sobre a renda
atribuída a um juiz inglês, que seria “o imposto que incide sobre a renda”. De tal
definição tiramos que em matéria de tributação, renda é aquilo que a lei define como
renda.
Há entendimentos de que o legislador infraconstitucional não
pode se apoiar senão nas ciências econômicas para definir renda ou proventos de
qualquer natureza, visto que é um fenômeno precipuamente econômico35.
É certo que há diversas definições e o legislador pode
escolher, ao seu critério, qualquer uma delas36, porém não pode tributar o que não é
definido como sendo renda ou provento de qualquer natureza, sem sombras de
dúvidas, sob pena de desrespeitar a Constituição. Roberto Quiroga Mosquera37
preleciona que os conceitos devem ater-se ao conceito Constitucional de renda e
proventos de qualquer natureza, para tal transcreve as lições de Celso Antônio
Bandeira de Mello:
Bandeira de Mello aponta que as normas infraconstitucionais não
podem conferir aos termos ‘renda’ e ‘proventos’ uma conotação ou
33
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 54.
34
SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. Revista de
direito público, v. 14, out./dez. 1970, p. 339-346.
35
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: Revista dos
Tribunais, 1977, p. 26.
36
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário.. p. 250.
37
MOSQUERA, Roberto Quiroga, Renda e Proventos de Qualquer Natureza – O imposto e o
conceito constitucional. São Paulo: Dialética, 1996, p. 40.
19
denotação transbordantes do sentido admissível na intelecção
normal e daqueles demarcados constitucionalmente. Ressalta ainda
o ilustre jurista que, caso fosse negada essa assertiva, de que as
significações das normas jurídicas de hierarquia inferior devem
adequar-se às significações de ‘renda’ e ‘proventos’ presentes no
Texto Supremo, os preceptivos constitucionais teriam valência nula,
isto é: não se prestam a cumprir sua única e específica função:
demarcar, na qualidade de regras superiores, o campo de liberdade
do legislador, assim como de todos os regramentos, atos e
intelecções sucessivos. Deveras, se o legislador ou o aplicador da
regra pudessem delinear, a seu talante, o campo de restrições a que
estão submetidos, através da redefinição das palavras
constitucionais, assumiriam, destarte, a função de constituinte.
Entre as dificuldades da tributação da renda está a distinção
entre renda e capital. Na história Hermann e Schmoller, na segunda metade do
século XIX, foram um dos pioneiros no assunto, ao travar acirrada discussão acerca
no tema na Alemanha. Para eles renda é a parcela da riqueza de que seu titular
pode dispor, sem prejudicar o capital38.
Assim surge a idéia da disponibilidade, que seria de que a
renda é algo novo que é somado ao capital ou ainda produzido a partir do capital,
nesse rumo Rubens Gomes de Sousa afirma que para se sujeitar a tributação, a
renda deveria obedecer também à periodicidade, ou seja, deveria ser capaz de,
potencialmente, de tempos em tempos, se reproduzir em intervalos que pudessem
ser predeterminados39.
No fim do século XIX, surge a teoria de Georg Schanz, a qual
renda era todo aumento do potencial econômico do titular, entre dois momentos
quaisquer, independentemente da sua origem40. Vê-se que Schanz exclui a
periodicidade na sua teoria e em contraposição à ela Cohn e Neumann conceberam
a teoria da fonte, que define renda em razão de sua origem, segundo a qual, nem
todo acréscimo de patrimônio de alguém seria renda, mas apenas se fosse, ao
menos em tese, renovável periodicamente41.
38
SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340.
39
SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340.
40
SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340.
41
SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 340.
20
Logo, algumas características marcantes identificáveis até o
início do século XX sobre a concepção clássica de renda seriam, para Allix e
Lecerclé, por exemplo, eram três: a periodicidade, a existência de uma fonte
duradoura e a exploração organizada desta fonte pelo titular da renda42. Com o
tempo esses atributos da renda foram revelados como inadequados à realidade
socioeconômica43.
A periodicidade e a exigência de uma fonte permanente se
revelaram requisitos muito frágeis, boa parte dos rendimentos são capazes de se
renovar de tempos em tempos e provém de uma fonte duradoura, porém, não há
dúvidas de que existem muitos outros que não obedecem essas peculiaridades, por
exemplo: as indenizações por infrações contratuais, resgate de ações, a liquidação
de apólices de seguro de vida, prêmios em sorteios etc.
Tais ingressos no patrimônio do indivíduo, certamente não
periódicos, nem por isso deixam de configurar renda pelos critérios econômicos
usualmente aceitos hoje em dia44. Quanto a exploração organizada da fonte pelo
titular dos rendimentos, não se pode, lhe atribuir m papel fundamental, uma vez que
a natureza da fonte não é relevante para definir a receita dela decorrente como
renda ou capital45.
Após algum tempo surgem novos conceitos desenvolvidos
pelos economistas Robert M. Haig e Henry C. Simons, o qual Carlos Araújo
Leonetti46 define com propriedade:
Os conceitos de Haig e de Simons, embora apresentados de forma
distinta, não revelam incompatibilidade entre si e na verdade se
completam, tendo, por isso mesmo, gerado o assim chamado
conceito ou critério de Haig-Simons, usualmente formulado com o
seguinte teor: “renda é o valor monetário do aumento líquido do
poder de consumo de um indivíduo durante o período somado aos
acréscimos patrimoniais líquidos” (grifos apostos). De acordo com
42
BALEEIRO, Aliomar. Direito tributário brasileiro.p. 182.
43
SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 341.
44
PEDREIRA, José Luiz Bulhões. Imposto de renda. Rio de Janeiro: Justec, 1971, p. 2-3.
45
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 21.
46
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 22.
21
esse critério, todas as fontes de aumento potencial do consumo
devem ser incluídas no conceito de renda, independentemente da
forma como o consumo ocorreu e também do fato de este ter
efetivamente ocorrido ou não. Por outro lado, todas as eventuais
diminuições do potencial de consumo do indivíduo devem ser
excluídas de sua renda, como, por exemplo, as despesas que este
teve para auferi-la. Para Haig-Simons, a origem da renda é
irrelevante, isto é, todos os rendimentos do contribuinte devem ser
tratados da mesma forma, sem atentar para sua fonte. Em razão de
o conceito de renda de Haig-Simons haver alargado sobremaneira o
campo de incidência tradicional dos impostos sobre a renda,
costuma-se dizer, na doutrina, que aquele critério gerou uma base
tributária compreensiva.
Essa distinção entre renda e capital, embora criticada,
conforme observa Rubens Gomes de Sousa47, representou um grande avanço na
evolução do conceito de renda, em suas palavras:
Já não se trata de opor uma ao outro, mas de associá-los numa
concepção cíclica em que são ao mesmo tempo causa e efeito, o
que se pode exprimir dizendo que a renda é um estágio formativo do
capital e reciprocamente.
Assim, o que é gastado com o propósito de se obter uma nova
renda, no conceito de Haig-Simons, consiste num aumento líquido de poder de
consumo, o que justificaria algumas deduções, conforme leciona Carlos Araújo
Leonetti48:
A dedutibilidade de alguns gastos realizados pelo contribuinte está
intimamente relacionada com o que, na doutrina, especialmente
americana, se convencionou denominar de consumo tributável
(taxable consumption). A idéia geral é a de que, em princípio, todo o
consumo do contribuinte durante o período considerado deve ser
taxado. Os itens de despesas dedutíveis se apresentariam então
como exceções a essa regra, cujas justificativas, na doutrina, variam
de autor para autor e também conforme a natureza do gasto.
Assim é que o professor de Harvard William D. Andrews, por
exemplo, admite que tanto as despesas com saúde quanto as
doações para fins caritativos sejam deduzidas da renda bruta, para
fins de tributação, embora por razões bem distintas.
Para Andrews, a dedutibilidade das assim chamadas despesas
médicas (em sentido lato) se justificaria pelo fato de que um sistema
47
SOUSA, Rubens Gomes de. A evolução do conceito de rendimento tributável. p. 341.
48
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 24-25.
22
ideal de tributação da renda deveria levar em conta as diferenças
quanto ao bem-estar dos contribuintes, e não apenas quanto à sua
capacidade contributiva. As despesas médicas revelariam com
grande fidelidade tais diferenças, uma vez que o bem-estar do
indivíduo está intimamente ligado ao seu estado de saúde. Assim, se
dois contribuintes têm a mesma renda mas um deles não goza de
boa saúde, este último não estaria no mesmo estágio de bem-estar
material em que se encontra o contribuinte saudável, Para Tim
Edgar, o fundamento nuclear da dedutibilidade das despesas
médicas, na ótica de Andrews, residiria em seu caráter involuntário.
Ou seja, gastos médicos devem ser dedutíveis porque ninguém
os realiza tais gastos senão por necessidade. Carlos Araújo Leonetti49 continua:
O argumento não nos parece convincente. As despesas com
moradia, alimentação, higiene e transporte, por exemplo, também
são igualmente necessárias e nem por isso são dedutíveis, ao menos
sob a legislação da maioria dos países. A nós parece que a
justificativa invocada por Andrews, qual seja, a da diferenciação do
bem-estar material, é mais aceitável. A igualdade tributária poderia
ser aqui invocada porque o fato de um contribuinte necessitar de
mais cuidados médicos do que outro implica que ambos não se
encontram em situação equivalente, o que exige tratamento
diferenciado. Já a capacidade contributiva também merece ser
citada, uma vez que, a nosso ver, esta não pode ser medida apenas
pela renda (bruta) do indivíduo, mas deve levar em conta gastos
extraordinários em que este é obrigado a incorrer, como é o caso das
despesas médicas.
No século XX surgiu outro conceito de renda que também
obteve bastante prestígio entre os juristas da época e que foi adotado na Suprema
Corte norte-americana, segundo o qual renda é “o ganho derivado do capital, do
trabalho ou da combinação de ambos, estando aí incluídos os lucros decorrentes de
vendas ou da conversão de bens de capital”50.
No Brasil foi adotado esse conceito, porém o legislador foi feliz
em também incluir os proventos de qualquer natureza, assim entendidos todos os
demais acréscimos patrimoniais não decorrentes de capital, do trabalho ou da
combinação de ambos51. Dessa forma o legislador brasileiro tratou da matéria
incluindo tudo aquilo que já era pacífico de ser tributável mais tudo aquilo ganho de
49
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 24.
50
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 28.
51
Lei 5.172, artigo 43.
23
forma inesperada como o cancelamento de débitos ou o recebimento de prêmios de
loterias.
Outro ponto crucial para a definição de renda estaria na
necessidade, ou não, de a renda ter sido realizada, questiona-se se é preciso que o
titular efetivamente possa dispor do acréscimo patrimonial ou basta que o acréscimo
ocorra. No caso de acionista que recebe distribuição gratuita de ações de sua
sociedade em decorrência de ganho de capital, fica a questão: durante o tempo que
esse acionista não converter esse acréscimo de ações em pecúnia, teria ele auferido
renda?
Rubens Gomes de Sousa52 discorda desse entendimento
fundamentando-se na doutrina do italiano Quarta: “[...] a verificação efetiva ou
potencial, de um acréscimo patrimonial, não se confunde com sua separação, ou
seja, a possibilidade de se dispor desse acréscimo independentemente e
separadamente do capital que o gerou”.
Para Sousa o fato gerador está na disponibilidade econômica,
que é feita com o acréscimo de capital e não na disponibilidade jurídica, que se
operaria com a separação deste.
Hugo de Brito Machado53 pensa diferente:
A disponibilidade econômica decorreria do recebimento do valor que
vem a se acrescentar ao patrimônio do contribuinte, enquanto a
disponibilidade jurídica consistiria no simples crédito desse valor, do
qual o contribuinte passaria a dispor juridicamente, embora ainda não
lhe estivesse em mãos.
Há, inegavelmente, entre várias legislações de vários países
grande aceitação do conceito de renda adotado por Haig-Simons, embora, como foi
visto, inexista um único conceito para fins de tributação da renda, conforme as
diversas peculiaridades que este pode apresentar.
52
SOUSA apud LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça
social no Brasil. p. 29.
53
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 251.
24
1.4 O CONCEITO DE JUSTIÇA
Justiça é a categoria de maior dificuldade a se conceituar pelos
operadores de direito, para tentar defini-la usar-se-á as idéias de Aristóteles, com
grande ênfase nos seus clássicos Ética a Nicômaco, no Livro 5 da obra, também em
A Política e em A arte da retórica, com o propósito de tentar estabelecer uma singela
reflexão desse conceito para posterior relação com o Imposto de Renda.
Aristóteles54 começa seu raciocínio dizendo: “a Justiça é a
disposição da alma graças à qual elas (as pessoas) se dispõem a fazer o que é
justo, a agir justamente e a desejar o que é justo”. Assim “obviamente as pessoas
cumpridoras da lei e as corretas serão justas”, chega-se a sua conclusão “justo é
aquilo que é conforme à lei e correto, e o injusto é o ilegal ou iníquo”.
Iníquo para Aristóteles trata-se daquelas pessoas que desejam
para si “a maior parte das coisas boas e a menor parte das coisas ruins”. Completa
que todos os atos praticados com a lei são justos (uma vez que quem pratica atos e
se comporta perante à lei são os justos), conclui que “ a justiça é a excelência moral
perfeita” ou “na justiça se resume toda a excelência”.
Aristóteles55 também afirma em A política:
Em todas as ciências e em todas as artes o alvo é um bem; e o maior
dos bens acha-se principalmente naquela dentre todas as ciências
que é a mais elevada; ora, essa ciência é a Política, e o bem em
Política é a Justiça, isto é, a utilidade geral.
Em a arte da retórica Aristóteles56 assevera que a Justiça é ao
lado da coragem, a virtude mais respeitada e sua essência está em “ dar a cada um
o que lhe é devido, de acordo com o direito”, desta forma seu oposto, a injustiça
estaria em “querer para si o que, segundo o direito, pertence a outrem”.
Aristóteles distingue a Justiça como sendo um gênero de duas
espécies, sendo a primeira a Justiça geral, que englobaria todos os atos humanos,
54
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. Tradução, introdução e notas: Mário da Gama Kury. 3.ed.
Brasília: Ed. da UnB, 1999. p. 91.
55
ARISTÓTELES, A política. Trad. Nestor Silveira Chaves. São Paulo: Edipro, 1995. p. 108.
56
ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. Trad. Antonio Pinto de Carvalho. Rio de Janeiro:
Tecnoprint, 1985. p. 91-92.
25
para si e outrem enquanto o segundo seria apenas os atos altruístas. Ubiratan
Borges Macedo57 da uma noção aristotélica de Justiça geral como sendo a que
“exprime o caráter total da pólis grega, onde a lei abrangia todas as ações humanas,
incluindo regras hoje do domínio da religião, outras da moral e mesmo algumas de
pura polidez, ao lado do direito atual”.
A seguir Aristóteles continua desenvolvendo seu raciocínio com
auxílio das ciências matemáticas. Utiliza como partida a afirmação de que para cada
caso iníquo há na verdade ao menos duas iniqüidades, uma sendo a pessoa e outra
o ato. Assim identificado duas iniqüidades é possível identificar um meio-termo58,
dessa forma justo é aquela pessoa que se comporta equilibradamente, respeitando
os limites que lhe foram impostos, é a que se comporta segundo a reta razão.
Aristóteles conclui que “o justo é uma das espécies do gênero
proporcional”59, uma vez que a proporção é uma igualdade de razões, envolvendo,
no mínimo, quatro elementos, “o justo também tem quatro elementos, no mínimo, e
a razão entre um par de elementos é igual à razão existente entre um e outro par,
pois há uma distinção equivalente entre as pessoas e as coisas”60.
Trata-se do princípio da justiça distributiva61, o qual afirma que
o justo é proporcional, e o injusto é o que viola esta proporcionalidade. Assim, quem
age injustamente fica com um quinhão maior do que merece, enquanto quem é
tratado de forma injusta recebe um quinhão menor do que o devido.
Ainda para Aristóteles há outra espécie de Justiça, que na sua
concepção trata-se da justiça corretiva, aplicável às relações privadas, voluntárias
ou não. Sua grande diferença da justiça distributiva está que enquanto o núcleo
desta é a proporcionalidade, o núcleo da justiça corretiva está na igualdade, logo,
Justiça nas relações interpessoais é uma espécie de igualdade, na contramão, a
injustiça é uma forma de desigualdade, entende-se que deva haver uma
57
MACEDO, Ubiratan Borges de. Liberalismo e justiça social. São Paulo: Ibrasa, 1995. p. 79.
58
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 50.
59
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 96.
60
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 96.
61
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 96.
26
equivalência entra as ações dos envolvidos, assim, se essa equivalência for
quebrada, estar-se-á diante de uma forma de injustiça, a qual se levada ao exame
de um juiz, este tentará restabelecer a igualdade. Está forma de justiça via a
reparação de uma ofensa praticada por alguém, conforme o exposto em A arte da
retórica, onde Aristóteles62 deixa explícito que Justiça e punição são espécies de
remédio para os atos iníquos.
Em outra obra, Aristóteles63 confessa que a idéia de justiça
como igualdade está envolta em profunda obscuridade:
Pensam os homens que a Justiça é uma espécie de igualdade e
concorda, até um certo ponto, com os princípios filosóficos que
expusemos em nosso tratado de Moral. Nele explicamos o que é a
Justiça, e a que ela se aplica; e dissemos que a igualdade não
admite diferença alguma entre aqueles que são iguais. mas, não se
deve continuar na ignorância do que sejam igualdade e a
desigualdade. É, com efeito, um assunto um tanto obscuro, que
interessa à filosofia política.
Ambas Justiças, distributiva e corretiva, aplicam-se às pessoas
que se encontram em situação de equivalência, em termos de direito, pois são
espécies do gênero Justiça política64. Aristóteles ainda divide a justiça política em
natural ou lega, a natural considera “coisas que em todos os lugares têm a mesma
força e não dependem de as aceitarmos ou não”65, enquanto a legal considera
“aquilo que a princípio pode ser determinado indiferentemente de uma maneira ou
de outra, mas depois de determinado já não é indiferente”66.
Aristóteles ainda distingue Justiça de equidade, afirma que “a
Justiça e equidade são portanto a mesma coisa, embora a equidade seja melhor”67,
a intenção de ambas é manter a proporcionalidade ou igualdade nas relações,
conforme cada caso, a diferença estaria de que enquanto o parâmetro da Justiça é a
lei, a equidade não o é, em sua essência. A equidade é, portanto, o remédio da
62
ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. p. 149.
63
ARISTÓTELES, A política. p. 108.
64
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 102-3.
65
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 103.
66
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 103.
67
ARISTÓTELES, Ética a nicômaco. p. 109.
27
Justiça legal nos casos em que a Lei não preleciona a solução mais adequada. Nas
palavras de Aristóteles68:
Nós temos dito que há duas espécies de atos justos e de injustos
(para alguns, há leis especiais escritas, para outros, não) e temos
falado sobre aqueles para os quais as leis são explícitas. Para
aqueles atos para os quais não há lei especial escrita, há duas
espécies: uma delas surge do excesso de virtude, ou de vício, o que
é seguido por glória ou culpa, honra e desonra e suas
conseqüências, por exemplo, ser grato a um benfeitor, pagar um bem
com outro bem, ajudar os amigos etc. A outra espécie contempla os
atos não previstos expressamente na lei especial escrita. Para estes,
a aplicação da equidade parece ser justa, e equidade é Justiça que
extrapola os limites da lei escrita. Estas omissões [na lei] às vezes
são involuntárias, por parte dos legisladores, e outras vezes, não.
Elas são involuntárias quando os legisladores não as percebem; são
voluntárias quando eles se acham inaptos para definir todos os casos
e se vêem obrigados a formular uma regra geral que não é aplicável
a todas as situações, mas apenas à maioria delas.
Séculos mais tarde, mais precisamente no século XX, Hans
Kelsen definiu que Justiça é um atributo das pessoas, mas que também pode ser
aplicável aos seus atos perante as demais pessoas, em suma, a Sociedade em
geral, ou seja, à sua conduta social69.
Nesse sentido continua afirmando que a conduta social de uma
pessoa será tida como justa quando for conforme a norma que prescreve tal conduta
e será injusta quando contrariar esta mesma norma, logo, o justo é o legal e o
injusto, o ilegal70.
Quanto à possibilidade de uma norma de direito positivo ser
considerada justa ou injusta, Kelsen71 afirma:
Portanto, do ponto de vista de uma norma de Justiça considerada
como válida, não pode ser considerada válida uma norma do direito
positivo que a contradiga, assim como, do ponto de vista de uma
norma do direito positivo tida como válida, não pode ser considerada
válida uma norma de Justiça que a contrarie. Quando está em
questão a validade de uma norma do direito positivo, temos de
68
ARISTÓTELES, Arte retórica e arte poética. p. 145.
69
LOSANO, Mario G. Introdução. Trad. Ivone Castilho Benedetti. In: KELSEN, Hans. O problema da
justiça. 3. ed. Trad. João Baptista Machado. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 3.
70
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 3.
71
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 9-10.
28
abstrair da validade de uma norma de Justiça que a contradiga;
quando está em questão a validade de uma norma de Justiça, temos
de abstrair da validade de uma norma do direito positivo que se
oponha a ela. Não podemos considerá-las simultaneamente válidas.
Portanto, não pode existir nenhuma norma do direito positivo
considerada como válida que possa ser julgada como injusta do
ponto de vista de uma norma de Justiça tida simultaneamente como
válida. Uma norma jurídica positiva não pode, por conseguinte, ser
injusta, nem a partir de um dos pontos de vista nem a partir do outro.
Para Kelsen há duas espécies de normas de Justiça, em
primeiro lugar há as normas metafísicas que se caracterizam por se apresentarem
como provenientes de uma instância situada além do conhecimento humano
baseado na experiência72 e as segundas, normas racionais, que são aquelas
possíveis de serem entendidas pela razão humana e que são tidas como estatuídas
pelo homem73.
Kelsen reconhece que há inúmeros ideais de Justiça, todos
válidos, mas apenas relativamente, em sua sobra ele se presta a analisar algumas
das normas de Justiça, do tipo racional, pretendendo confirmar que nenhuma delas
consegue definir Justiça.
A primeira norma de Justiça analisada é a conhecida por suum
cuique, de origem romana, a qual dispõe que cada um se deve dar o que é seu.
Para Kelsen, tal norma é incompleta porque sua aplicação exige que exista outra
norma determinando o que de direito pertence a cada pessoa74.
Afirma Kelsen que a máxima que impede que “façamos aos
outros o que não queremos que os outros nos façam”75, que seria o princípio de
Justiça o qual devemos tratar todos da maneira como gostaríamos de ser tratados,
também não é muito sólida76. Para Kelsen o tratamento justo o qual gostaríamos que
fôssemos tratados pode não ser o tratamento justo que o outro gostaria, portanto
revela-se uma norma que nem sempre será aplicável.
72
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 16.
73
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 17.
74
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 18.
75
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 19.
76
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 19.
29
Kelsen passa a analisar a concepção de justiça de Aristóteles,
onde tenta demonstrar que o meio-termo não fornece todas as respostas. Para
Kelsen seria impossível definir o meio-termo, uma vez que o fundamento deste, que
poderia ser encontrado com ajuda de um método matemático-geométrico, é o de
conhecer os pontos extremos da linha com exatidão antes de determinar o meiotermo, portanto, o ponto de meio-termo de uma pessoa pode não ser o de outra,
uma vez que nos casos de virtudes ou Justiça, não existem parâmetros
estabelecidos para uma situação idêntica77. Em suas palavras, Kelsen78 afirma:
A questão decisiva: ‘o que é a injustiça’ não obtém resposta da
fórmula do mesotes. A resposta é pressuposta; e Aristóteles
pressupõe evidentemente como injusto aquilo que é injusto segundo
a moral e o direito positivos. A autêntica função da teoria do mesotes
não é determinar a essência da Justiça, mas reforçar a vigência do
ordenamento social existente, estabelecido pela moral e pelo direito
positivos. Aqui, nesta função conservadora, reside sua função
política.
Na sequência, Kelsen chega no princípio retributivo como
princípio de Justiça que se caracteriza por atribuir uma pena a quem praticar um
ilícito e um prêmio a quem fizer o bem79. Novamente há uma crítica que por esse
princípio tem que se saber com exatidão o que é um bem e o que é um mal,
portanto, tão inócua quanto as outras.
Ainda tal princípio significaria completamente o oposto da
igualdade já que em essência trata as pessoas diferentemente, ou seja, para
aqueles que praticam o mal há um castigo e para o que praticam o bem há um
prêmio, no entanto há igualdade no castigo para quem comete ilícitos iguais e
prêmios iguais para as praticas iguais80.
Quanto ao princípio da igualdade, Kelsen critica a fórmula de
que “todos os homens devem ser tratados por igual”81, já que os homens são
77
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 29-31.
78
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 31.
79
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 31.
80
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 31-37.
81
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 51.
30
diferentes, desta forma estaria se tratando de forma igual os desiguais. Para
Kelsen82:
Quando os indivíduos são iguais – mais rigorosamente: quando os
indivíduos e as circunstâncias externas são iguais – devem ser
tratados igualmente, quando os indivíduos e as circunstâncias
externas são desiguais, devem ser tratados desigualmente.
Conclui Kelsen83 que a igualdade não é elemento comum a
todas as normas de Justiça:
Se uma norma de Justiça não determina que todos os homens
devem ser tratados de maneira igual – e, de acordo com todas as
normas de Justiça, com exceção de uma só, não devem todos os
homens ser tratados igualmente -, a Justiça não é igualdade.
Kelsen84 finaliza sua abordagem da seguinte forma:
Abri este ensaio com a pergunta ‘o que é Justiça’. Agora, chegando
ao fim, percebo nitidamente que não respondi. Minha única desculpa
é que, nesse aspecto, estou em ótima companhia: teria sido muita
pretensão levar o leitor a crer que eu poderia ter êxito onde falharam
os pensadores mais ilustres. por conseguinte, não sei, nem posso
dizer, o que é a Justiça, a Justiça absoluta que a humanidade está
buscando. Devo contentar-me com uma Justiça relativa e só posso
dizer o que é a Justiça para mim. Uma vez que a ciência é minha
profissão e, portanto, a coisa mais importante da minha vida, a
Justiça, para mim, é a ordenação social sob cuja proteção pode
prosperar a busca da verdade. A ‘minha’ Justiça portanto é a Justiça
da liberdade, a Justiça da democracia: em suma, a Justiça da
tolerância.
Portanto não há uma resposta concreta e incisiva para o que é
Justiça, dentre todas as várias formas de concepção apresentadas por uma dos
maiores pensadores do mundo, Aristóteles, Kelsen mostra que até essas possuem
falhas em sua concepção prática, porém Kelsen, humildemente, deixa a resposta de
que cada um, individualmente, tem para si, a sua concepção Justiça.
82
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 54.
83
KELSEN, Hans. O problema da justiça. p. 61.
84
KELSEN, Hans, apud LOSANO, Mario G. Introdução. Trad. Ivone Castilho Benedetti. In: KELSEN,
Hans. O problema da justiça. p. 31.
31
1.4.1 O conceito de justiça social
John Rawls, filósofo americano, possui uma obra publicada em
1971 intitulada ‘Uma teoria da justiça85’, traduzida para o vernáculo por Almiro
Pisetta e Lenita M. R. Esteves, nela o autor deixa explícito que a justiça a qual lhe
interessa é a Justiça Social, cujo objeto é a estrutura básica da sociedade, ou ainda,
a maneira como a Constituição de uma nação e seus principais acordos econômicos
e sociais, distribuem direitos e deveres fundamentais e determinam a divisão de
vantagens provenientes da cooperação86.
Para Rawls, os princípios da Justiça devem ser escolhidos de
forma que não haja favorecidos ou desfavorecidos, e ainda devem ser escolhidos
através de um acordo equitativo ou imparcial87, ou seja, os princípios não devem ser
escolhidos de forma racional quando fatos incertos e irrelevantes para a Justiça
fossem conhecidos.
Rawls cita como exemplo o de um homem que, se soubesse
que seria rico, acharia correto sustentar o princípio o qual a cobrança de impostos
em favor do bem-estar social seria injusta, porém se esse mesmo homem soubesse
que viria a ser pobre, provavelmente proporia o princípio de forma contrária88.
As pessoas deveriam propor os princípios na posição original,
momento em que adotariam apenas dois princípios, os quais ele enuncia da
seguinte maneira:
Primeiro: cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente
sistema de liberdades básicas iguais que seja compatível com um
sistema semelhante de liberdades para as outras.
Segundo: as desigualdades sociais e econômicas devem ser
ordenadas de tal modo que sejam ao mesmo tempo: a) consideradas
85
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. Tradução de Almiro Pisetta e Lenita M. R. Esteves. São
Paulo: Martins Fontes, 1997.
86
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 7-8.
87
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 11.
88
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 21.
32
como vantajosas para todos dentro dos limites do razoável, e b)
89
vinculadas a posições e cargos acessíveis a todos.
Dessa forma estariam contempladas de forma seqüencial, no
primeiro instante o princípio que asseguraria as liberdades básicas e em segundo as
que tratam das desigualdades econômicas e sociais, para Rawls90 a união desses
dois princípios corresponderiam a uma idéia geral de Justiça, nos seguintes termos:
Todos os valores sociais – liberdade e oportunidade, renda e riqueza,
e as bases sociais da auto-estima – devem ser distribuídos
igualitariamente a não ser que uma distribuição desigual de um ou de
todos esses valores traga vantagens para todos.
Em sua teoria, Rawls91, de forma incompleta, chega nos
seguintes termos:
Primeiro Princípio
Cada pessoa deve ter um direito igual ao mais abrangente sistema
total de liberdades básicas iguais que seja compatível com um
sistema semelhante de liberdades para todos.
Segundo Princípio
As desigualdades econômicas e sociais devem ser ordenadas de tal
modo que, ao mesmo tempo:
A) tragam o maior benefício possível para os menos favorecidos,
obedecendo às restrições do princípio da poupança justa, e
B) sejam vinculadas a cargos e posições abertos a todos em
condições de igualdade equitativa de oportunidades.
Primeira Regra de Prioridade (A Prioridade da Liberdade)
Os princípios da Justiça devem ser classificados em ordem lexical e
portanto as liberdades básicas só podem ser restringidos em nome
da liberdade. Existem dois casos:
A) uma redução da liberdade deve fortalecer o sistema total das
liberdades partilhadas por todos;
B) uma liberdade desigual deve ser aceitável para aqueles que têm
liberdade menor.
89
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 64.
90
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 66.
91
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 333-334.
33
Segunda Regra de Prioridade (A Prioridade da Justiça sobre a
Eficiência e sobre o Bem-Estar)
O segundo princípio da Justiça é lexicalmente anterior ao princípio da
maximização da soma de vantagens; e a igualdade equitativa de
oportunidades é anterior ao princípio da diferença. Existem dois
casos:
A) uma desigualdade de oportunidades deve aumentar
oportunidades daqueles que têm uma oportunidade menor;
as
B) uma taxa excessiva de poupança deve, avaliados todos os
fatores, tudo é somado, mitigar as dificuldades dos que carregam
esse fardo.
Rawls da grande ênfase à tributação, o qual julga ser
encarregado de preservar a Justiça entre as partes, destaca dois aspectos distintos:
Tributação extrafiscal: que ficaria a cargo dos impostos
progressivos sobre heranças e doações, bem como alguns impedimentos ao direito
de legar, com o intuito de corrigir a distribuição da riqueza e restringir a
concentração de poder que possa prejudicar o valor equitativo da liberdade política e
da igualdade equitativa de oportunidades; tributação tipicamente fiscal: responsável
pela arrecadação dos recursos necessários à consecução da Justiça92.
Rawls ainda defende que recursos sociais, das pessoas que
possuem dotes naturais, devem ser partilhados entre todos os demais, em duas
palavras:
Dessa forma, não é correto que indivíduos com maiores dotes
naturais, e com o caráter superior que tornou possível o seu
desenvolvimento, tenham direito a um esquema cooperativo que lhes
possibilite obter ainda mais benefícios de maneiras que não
contribuem para as vantagens dos outros. Não merecemos nosso
lugar na distribuição de dotes inatos, assim como não merecemos
nosso lugar de partida na Sociedade.93
Dessa forma, Rawls pressupõe que a Justiça Social implica um
regime constitucional democrático em que as liberdades individuais, a livre iniciativa,
a propriedade privada e a igualdade de oportunidades são algumas características
mais acentuadas. Implica ainda em uma divisão equitativa do bem comum, em que
92
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 306-308.
93
RAWLS, John. Uma teoria da justiça. p. 111.
34
todos cooperam para o bem de todos. A tributação de forma progressiva é destaque
em sua consecução de Justiça.
Após essa breve análise do conceito de Justiça Social, passarse-á a analisar o Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas de forma sistemática,
analisando primordialmente sua estrutura na Constituição Federal e após no Código
Tributário Nacional.
Capítulo 2
PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS
FÍSICAS NO BRASIL
2.1 O IRPF E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL
2.1.1 Uma visão geral
Desde 1891 as Constituições Brasileiras sempre trataram de
discriminar a competência tributária, ou seja, distribuíram as competências para criar
tributos, para cada ente político brasileiro94, tal discriminação é feita mediante a
delimitação do campo de incidência dos tributos cuja instituição compete a cada
entidade, Hugo de Brito Machado95 prefere denominar de âmbito constitucional de
cada imposto, que consistiria no “fato ou conjunto de fatos, ou a situação de fato,
que a Constituição descreve na norma em que atribui a cada uma das pessoas
jurídicas competência para a respectiva instituição”.
Esta preocupação do constituinte visa à segurança do
contribuinte, ou seja, objetiva que se conheça a priori, quais tributos podem lhe ser
exigidos e por quem de direito. Para tanto, o constituinte arrola as situações
materiais que servirão de suporte para a incidência tributária96.
A Carta de 1988 manteve-se fiel à tradição republicana de
repartição e explicitação das competências tributárias, colaborando destarte para
tornar o sistema tributário brasileiro um dos mais rígidos de que se tem notícia97
94
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p.33.
95
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. 18. ed. São Paulo: Malheiros, 2000, p.
230.
96
AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. São Paulo: Saraiva, 1997. p. 95.
97
ATALIBA, Geraldo. Sistema Tributário na Constituição de 1988. Revista de Direito Tributário, nº
51, jan./mar. 1990, p. 58.
36
A Constituição cuida da competência para a instituição de
imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza em seu artigo 153, inciso III
e parágrafo 2º, do seguinte teor:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
III - renda e proventos de qualquer natureza;
§ 2º - O imposto previsto no inciso III:
I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade
e da progressividade, na forma da lei;
Vê-se que a Constituição não explicita o fato gerador do
imposto de renda, que não é sua função e sim de lei complementar, apenas traçou o
campo de incidência do imposto, bem como fez com todos os demais tributos nela
discriminados.
Nesse sentido é o entendimento de Zuudi Sakakihara98:
O que a Constituição faz, na verdade, é um amplo balizamento
conceitual, submetendo a renda e os proventos ao princípio geral da
capacidade contributiva, e aos princípios específicos da
generalidade, universalidade e progressividade, além de excluir de
qualquer conceito que venha a ser adotado, certas situações que
privilegiou com imunidades.
É necessário o exame dos mais importantes princípios
constitucionais tributários da Constituição Federal de 1988 para compreensão do
perfil atual do imposto de renda no Brasil. Feitas essas ressalvas, a seguir serão
abordados alguns dos princípios constitucionais que mais se aperfeiçoam99 ao
imposto sobre a renda.
2.1.2 Princípio da legalidade ou da reserva legal
Após a distribuição de competências aos entes políticos, esses
as exercerão dentro dos ditames do princípio da legalidade, ou seja, em qualquer
98
SAKAKIHARA, Zuudi, In: FREITAS, Vladimir Passos de. Código tributário nacional comentado.
São Paulo: Revista dos tribunais, 1999, p. 43.
99
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 35.
37
ato legislativo acerca de tributos, esses atos deverão estar resguardados por lei,
assim o é para instituição e extinção de tributos, majoração e redução de tributos,
com ressalvas reguladas na Constituição, definição do fato gerador da obrigação
tributária principal e seu sujeito passivo, fixação da alíquota do tributo e sua base de
cálculo100.
A respeito da legalidade os ensinamentos de Geraldo Ataliba101
são bens esclarecedores:
Tributo só pode ser criado por lei, tributo só pode ser aumentado por
lei, por ato legislativo. Mas, um ato do Poder Legislativo esgotante,
exaustivo, que diga tudo que é necessário para que se repute criado
um tributo.
À Administração, ao Poder Executivo, só deixa a atividade de
‘cobrar’, que é uma atividade administrativa que, qualquer um, até
nós, particulares, podemos exercer. Criar tributo – ou seja, designar
legislativamente as hipóteses de incidência tributária e todos os
demais ingredientes necessários à quantificação do tributo – só o
legislador pode fazer.
Esse é o conteúdo do princípio da legalidade. E se, por acaso, o
legislador desenhar um tributo e deixar de mencionar explicitamente
qualquer de seus dados essenciais, não criou um tributo; só mostrou
vontade de criar um tributo, mas não criou tributo: aquela norma não
tem eficácia e não pode ser posta em aplicação.
Aos ensinamentos de Geraldo Ataliba, soma-se os de
Alexandre Macedo Tavares102:
Em síntese, por força dos proclamas do princípio da estrita
legalidade tributária (CRFB/88, art. 150, I), o processo de criação ou
majoração de tributos exterioriza-se, instrumentalmente, em leis de
caráter meramente ordinário. É a lei ordinária, por excelência, o
veículo natural da imposição tributária, diferentemente da lei
complementar que configura fonte excepcional não presumível, isto
é, na hipótese do silêncio da Constituição, a presunção é de que
basta simples lei ordinária para que se tenha por respeitada a
garantia do auto-consentimento da tributação, marca finalística do
postulado da legalidade.
100
Lei 5.172, art. 97.
101
ATALIBA, Geraldo. Sistema Tributário na Constituição de 1988. p. 151.
102
TAVARES, Alexandra Macedo. Fundamentos de direito tributário. 2.ed. Florianópolis: Momento
Atual, 2005. p. 15.
38
Assim os limites do poder de tributar dos entes políticos ficam
atrelados às leis, de forma usual às leis ordinárias e nos casos expressamente
previstos na Constituição por lei complementar, não importando qual o tipo de lei,
esta deverá ser observada sob pena de se ter infringido até a garantia constitucional
do artigo 5º, inciso II que dispõe “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer
alguma coisa senão em virtude de lei”103 ou seja, nesse caso, o de pagar tributos.
2.1.3 Princípio da anterioridade tributária
Especificamente tributário104. Encontra-se expresso nos artigos
150, III, “b” e “c”, 150, §1º e 195, §6º do Título IV “Da Tributação e do Orçamento”,
Capítulo I “Do Sistema Tributário Nacional“, Seção I “Do Poder de Tributar”, da
CRFB/1988, in verbis:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
[...]
b) no mesmo exercício financeiro em que haja sido publicada a lei
que os instituiu ou aumentou;
c) antes de decorridos noventa dias da data em que haja sido
publicada a lei que os instituiu ou aumentou, observado o disposto na
alínea b;
Art. 195. A seguridade social será financiada por toda a sociedade,
de forma direta e indireta, nos termos da lei, mediante recursos
provenientes dos orçamentos da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos Municípios, e das seguintes contribuições sociais:
§ 6º - As contribuições sociais de que trata este artigo só poderão ser
exigidas após decorridos noventa dias da data da publicação da lei
103
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p 35.
104
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 6.ed. São Paulo:
Malheiros. p 183.
39
que as houver instituído ou modificado, não se lhes aplicando o
disposto no art. 150, III, "b".
§ 1º A vedação do inciso III, b, não se aplica aos tributos previstos
nos arts. 148, I, 153, I, II, IV e V; e 154, II; e a vedação do inciso III, c, não se aplica aos
tributos previstos nos arts. 148, I, 153, I, II, III e V; e 154, II, nem à fixação da base de
cálculo dos impostos previstos nos arts. 155, III, e 156, I.
Cabe esclarecer, que o exercício financeiro no Brasil começa
no dia 1º de janeiro e se prolonga até o dia 31 de dezembro de cada ano105.
O princípio da anterioridade, também chamado de princípio da
não surpresa, é a garantia constitucional que o contribuinte tem de que não será
pego desprevinido com a instituição, majoração de novo tributo, é a forma de
proteger e programar suas atividades econômicas durante o exercício financeiro106
Sacha Calmon Navarro Coêlho107 preleciona bem os motivos
de existir esse princípio:
O princípio da não surpresa do contribuinte é de fundo axiológico. É
valor nascido da aspiração dos povos de conheceram, com razoável
antecedência, o teor e o quantum dos tributos a que estariam sujeitos
no futuro imediato, de modo a poderem planejar as duas atividades,
levando em conta os referenciais da lei.
Realizando uma análise sistemática e gramatical dos artigos da
Constituição e doutrina supracitados, conclui-se que o princípio da anterioridade
dispõe que a legislação vigente antes do início do ano-calendário o qual os
rendimentos foram percebidos é a aplicável à apuração do imposto de renda.
2.1.4 Princípio da irretroatividade tributária
Está disposto no mesmo capítulo, título e seção do princípio
anterior, no artigo 150, III, “a” da CRFB/1988, in verbis:
105
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p.184.
106
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 185.
107
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário.
Rio de Janeiro: forense, 1990. p. 317.
40
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
[...]
III - cobrar tributos:
a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência
da lei que os houver instituído ou aumentado;
É complemento tanto do princípio da anterioridade, bem como
do próprio princípio da legalidade108. Decorre, outrossim, do princípio geral da
irretroatividade relativa das leis, previsto no artigo 5º XXXVI da CRFB/1988 que
dispõe ‘a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa
julgada’.109
Roque Antonio Carraza110 explicita bem a aplicação da
segurança jurídica na irretroatividade tributária:
A segurança jurídica, um dos pilares de nosso Direito, exige, pois,
que as leis tributárias tenham o timbre da irretroatividade. Afinal, a
necessidade de assegurar-se às pessoas a intangibilidade dos atos e
fatos lícitos já praticados impõe sejam as leis tributárias irretroativas.
Assim, do exame da doutrina transcrita colhe-se que a
legislação aplicável no ano de declaração do imposto de renda é a do ano anterior
ao do ano em que os rendimentos foram percebidos111.
Especificamente ao imposto de renda era muito controvertido
determinar o momento da ocorrência do fato gerador do tributo, este é do tipo
periódico112, e por se tratar de imposto periódico, não pode restar qualquer dúvida
108
MARTINS. Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. 8. ed. São Paulo: Saraiva,
2001. p. 138.
109
TAVARES, Alexandra Macedo. Fundamentos de direito tributário. p. 22.
110
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 341.
111
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 48.
112
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 47.
41
de que a lei aplicável ao cálculo do imposto devido será o que estiver vigente antes
do início do ano-calendário do ano em que os rendimentos forem percebidos.
2.1.5 Princípio da vedação de tributo confiscatório
A Constituição Federal expressa em seu artigo 150, IV, ser
vedado à União, Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios, “utilizar tributo com
efeito de confisco”. A regra constitucional deu ao poder judiciário mais um
instrumento de controle frente a voracidade fiscal do Governo113, porém sua utilidade
depende de provocação dos interessados e acima de tudo, coragem e
independência dos magistrados.
Tal princípio nasce da garantia constitucional da propriedade
privada
114
, evita que o Estado, use de suas prerrogativas para se apropriar do
patrimônio do contribuinte, assim entendido em sentido amplo, abrangendo todos
suscetíveis de valoração econômica115.
Via de regra tem-se observado esse princípio em face de
tributo isolado dentre tantos os quais o contribuinte está sujeito, no entanto, há quem
defenda que deve ser aplicada na carga tributária total suportada por determinado
contribuinte, assim afirma Ives Gandra Martins116:
Se a soma de diversos tributos incidentes representa carga que
impeça o pagador de tributos de viver e desenvolver, estar-se-á
perante carga geral confiscatória, razão pela qual todo o sistema terá
que ser revisto mas, principalmente, aquele tributo que, quando
criado, ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão.
Se o princípio tem por objetivo proibir o estado de confiscar os
bens do particular por meio de tributação, tanto faz se o fará instantaneamente por
meio de uma única tributação que extrapole a capacidade contributiva do indivíduo
ou se será por um conjunto de imposições tributárias cobradas, pela mesma ou
várias entidades, num mesmo período.
113
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 47.
114
CRFB/1988, Artigo 5º, caput e incisos XXII e XXIII.
115
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 48.
116
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. p. 141.
42
No passado houve grande repercussão se a incidência do
IRPF sobre a indenização recebida pelo particular, na desapropriação, violaria tal
princípio. A doutrina, jurisprudência e inclusive o Supremo Tribunal Federal117,
entenderam que sim, apresentaram dois argumentos para o problema: a)
Desfalcaria a indenização tornando-a injusta, e; b) Implicaria a criação de fato
gerador do imposto por vontade do fisco (desapropriar o bem).118
Para Carlos Araújo Leonetti119:
Na verdade, parece-nos que a maior inconstitucionalidade aqui
residiria na absoluta incompetência da União de exigir imposto sobre
a renda nesse caso, simplesmente por ao existir auferição de renda
alguma, uma vez que a indenização visa apenas repor a situação
patrimonial do expropriado no seu status quo ante.
Em síntese, não se pode decretar a perda da propriedade,
sentido amplo, em caráter impessoal pela via do tributo, por ser vedação
constitucional a cobrança de tributo com efeito confiscatório. A forma tributada no
Brasil, a princípio não implica violação a este princípio, o tributo seria confiscatório
quando aniquilasse por completo, ou consideravelmente, o patrimônio do
contribuinte, ignorando sua capacidade contributiva.
2.1.6 Princípio da igualdade ou isonomia tributária
Com fundo histórico na Europa do século XVIII, local onde
ainda existiam privilégios de nascimento120. A igualdade era um dos lemas dos
revolucionários franceses que tomaram o poder na França em 1789 e foi
contemplada no primeiro artigo da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão
117
LEONETTI, Carlos Araújo, O IPTU e a função social da propriedade. Revista Dialética de Direito
Tributário, v. 37, p. 17-25.
118
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. V. III:
imunidades e isonomia. Rio de Janeiro: Renovar, 1999, p. 137.
119
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 51.
120
MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário. 2.ed. Rio de Janeiro: Forense,
1994, p.113.
43
em 26 de agosto daquele ano, assim como nas Constituições francesas que se
seguiram121.
O princípio da igualdade tributária exige que a lei respeite o
princípio constitucional geral de que ‘todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza’122, soma-se ainda ao texto constitucional mais específico sobre
tributos:
Art. 150. Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao
contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e
aos Municípios:
[...]
II - instituir tratamento desigual entre contribuintes que se encontrem
em situação equivalente, proibida qualquer distinção em razão de
ocupação
profissional
ou
função
por
eles
exercida,
independentemente da denominação jurídica dos rendimentos, títulos
ou direitos;
Assim, ao elaborar o texto legal tributário, deve-se observar
duas exigências básicas:
Não discriminação dos contribuintes que se encontrem em situação
equivalente; e
Discriminação, na medida de suas desigualdades, isto é, segundo a
capacidade contributiva de cada um, os contribuintes que não se
encontrem em situação equivalente123.
No imposto de renda, o princípio da igualdade é concretizado
mediante o emprego dos critérios da generalidade, universalidade e da
progressividade124, que serão examinados posteriormente.
Se tal discriminação não for feita aos contribuintes, será ferido
o princípio da igualdade, uma vez que se tratará igualmente os desiguais. Tal
121
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. 7.ed. atualizada por
Misabel Abreu Machado Derzi. Rio de Janeiro: Forense, 2001, p.
122
CRFB/1988, artigo 5º caput 1ª parte.
123
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 61.
124
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 53.
44
discriminação deve ser feita de modo criterioso, balizado na capacidade contributiva,
sob pena de não se atingir o objetivo de tratar desigualmente os desiguais.
2.1.7 Princípio da capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva completa o princípio da
isonomia tributária. Alfredo Augusto Becker afirma que tal princípio é antigo, com
origens no ideal de justiça distributiva preconizado pelos filósofos gregos e muito
mais tarde adotado pela filosofia escolástica125. Alberto Nogueira lembra que (Santo)
Tomás de Aquino defendeu a adoção do princípio126.
Os revolucionários franceses de 1789 abraçaram tal princípio,
fazendo constar expressamente no artigo 13 da Declaração Universal dos direitos do
Homem e do Cidadão127.
No ordenamento jurídico pátrio, encontra-se insculpido no
artigo 145, §1º da Constituição Federal nos seguintes termos:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios
poderão instituir os seguintes tributos:
[...]
§ 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e
serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte,
facultado à administração tributária, especialmente para conferir
efetividade a esses objetivos, identificar, respeitados os direitos
individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as
atividades econômicas do contribuinte.
Obedecendo a CRFB/1988, os impostos terão caráter pessoal
e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte. Alguns
considerações acerca do disposto são necessárias, o texto constitucional usa a
expressão ‘capacidade econômica’, Ives Gandra Martins critica severamente o uso
dessa expressão pelo constituinte de 1988, considera que o correto seria ter usado a
125
BECKER. Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p.
437.
126
NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. Rio de Janeiro:
Renovar, 1997, p. 101.
127
NOGUEIRA, Alberto. A reconstrução dos direitos humanos da tributação. p. 100.
45
expressão ‘capacidade contributiva’128. Assim o texto refletiria a capacidade do
contribuinte de pagar os tributos, e não refletiria a sua capacidade patrimonial.
Carlos Araújo Leonetti129 esclarece bem tal razão de ser com
um exemplo:
Uma senhora viúva que (sobre)viva da minguada pensão deixada
pelo finado marido e seja proprietária de um único imóvel de valor de
mercado elevado – o qual, entretanto, não gera receita – disporia de
capacidade econômica mas não de capacidade contributiva.
O princípio da capacidade contributiva exige que o contribuinte
suporte a carga tributária de forma compatível com sua situação pessoal, é o caso
do imposto incidente sobre a renda, cumpre assim dúplice função130:
1ª) distribuir a carga tributária global entre os contribuintes de acordo
com a aptidão de cada um de pagar tributos;
2ª) impedir que a carga tributária individual se torne insuportável, de
modo a comprometer a subsistência do contribuinte e de sua família.
Nesse sentido, o princípio está ligado à idéia de garantia do mínimo
social ou mínimo existencial. Isto é, o postulado impediria que
alguém fosse submetido a uma carga tributária tal que o proibisse, e
à sua família, de desfrutar condições mínimas de vida digna,
relacionando-se, destarte, com o princípio da vedação de tributo
confiscatório. Assim, o princípio pode, em alguns casos, fundamentar
a isenção tributária, como ocorre no IRPF, por exemplo,
relativamente aos contribuintes com renda tributável abaixo de
determinado limite.
Ricardo Lobo Torres observa que o princípio da capacidade
contributiva consiste na verdade em legitimar a tributação, na medida em que
gradua a carga tributária individual, de modo que os ricos paguem mais e o pobres,
menos131.
Face o sentido, equivale dizer que o legislador tem o dever,
enquanto cria a norma instituidora de tributos, de perceber e escolher os fatos que
128
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. p. 76-77.
129
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 53.
130
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 54.
131
TORRES, Ricardo Lobo. Tratado de direito constitucional financeiro e tributário. p. 334.
46
exibam para o conteúdo contributivo, bem como atentar-se para as desigualdades
próprias das diferentes classes e categorias de contribuintes. A capacidade
contributiva é que irá nortear a aplicabilidade da justiça social através da
progressividade.
2.1.8 Princípio da pessoalidade ou personalização
Guarda relação com o princípio da capacidade contributiva.
Nas palavras de Carlos Araújo Leonetti132:
A personalização, que deve, tal como a capacidade contributiva, ser
aplicada aos impostos sempre que possível, dirige-se ao legislador e
implica a estruturação do tributo de modo que determinadas
características do contribuinte, tais como renda, patrimônio, número
de dependentes, despesas médicas e com instrução, estado de
saúde etc., sejam tomadas em consideração. Assim, a
personalização permite que a capacidade contributiva seja
eficazmente respeitada, conferindo concretitude ao princípio da
igualdade.
Pode-se dizer assim, que a capacidade contributiva que o
Estado confere ao indivíduo, por isso os dois princípios são previstos no mesmo
artigo da Carta Magna, leva em conta a pessoa a ser tributada.
2.1.9 Princípios (ou critérios) da generalidade e da universalidade
O princípio da generalidade, para Luciano Amaro, exige que
todas as pessoas se sujeitem ao imposto sobre a renda, ao passo que a
universalidade importa em submeter todas as manifestações de renda do
contribuinte à imposição tributária133. Vale ressaltar que tais significados não são
unânimes na doutrina, para Sacha Calmon Navarro Coêlho, a generalidade
implicaria a incidência do tributo ‘sobre todos’ ao passo que a universalidade exigiria
o seu pagamento ‘por todos’134.
132
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 56.
133
134
AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 143.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. p.
206.
47
Será usado o conceito de Luciano Amaro, que em outras
palavras, deve incidir sobre todas as rendas, de todas as pessoas, ressalvadas as
hipóteses em que o interesse público ou outro princípio constitucional, como o já
visto da capacidade contributiva, justificar um tratamento diferenciado.
Assim está expresso na Constituição Federal:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
[...]
III - renda e proventos de qualquer natureza;
[...]
§ 2º - O imposto previsto no inciso III:
I - será informado pelos critérios da generalidade, da universalidade
e da progressividade, na forma da lei;
Segundo o princípio da universalidade, a lei que instituir o
imposto de renda deve abarcar todos os rendimentos provenientes de atividades
lucrativas para fins de cálculo do mesmo, enquanto para o princípio da generalidade,
devem ser tributadas todas as pessoas que auferirem renda, excetuando-se,
logicamente, às imunidades e isenções concedidas legalmente.
2.1.10 Princípio (ou critério) da progressividade
Na mesma disposição da Constituição Federal que trata da
generalidade e da universalidade, há a previsão da progressividade, esse princípio
permite que as alíquotas sejam variáveis, aumentando conforme a renda tributável
do contribuinte.
Nas palavras de Carlos Araújo Leonetti135:
Desse modo, o contribuinte com renda mais elevada deve arcar com
uma carga tributária superior à dos demais, não apenas em termos
absolutos mas também em termos relativos, ou seja, deve
comprometer um percentual maior de sua renda. Assim ocorrendo,
135
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 59.
48
os contribuintes com maior capacidade contributiva acabam
suportando uma parte do ônus que caberia àqueles com menor
poder econômico-financeiro. Por tal razão, costuma-se dizer que o
imposto sobre a renda auxilia a melhoria da distribuição da renda, na
medida em que o valor poupado pelos contribuintes menos
afortunados pode ser considerado um acréscimo às suas rendas, ao
passo que a importância paga a mais pelos hipersuficientes
equivaleria a uma redução das rendas destes. A progressividade
produziria, destarte, transferência de renda dos contribuintes mais
aquinhoados para os menos afortunados.
No Brasil, atualmente havia apenas duas alíquotas o que
comprometia seriamente a determinação constitucional de que o imposto sobre a
renda seja progressivo136. Há partir de 2009 são quatro alíquotas137, o que faz que
cada vez mais atue como um instrumento de Justiça Social, matéria que será tratada
no Capítulo 3.
2.2 O IRPF E O CÓDIGO TRIBUTÁRIO NACIONAL
2.2.1 Uma visão geral
Ficou reservado, pela Constituição Federal, à lei complementar
federal dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, inclusive
quanto a fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos nela
discriminados:
Art. 146. Cabe à lei complementar:
[...]
III - estabelecer normas gerais em matéria de legislação tributária,
especialmente sobre:
a) definição de tributos e de suas espécies, bem como, em relação
aos impostos discriminados nesta Constituição, a dos respectivos
fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes;
136
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário. p.
207.
137
Receita Federal, Alíquotas do imposto de renda retido na fonte. Disponível em:
<http://www.receita.fazenda.gov.br/aliquotas/ContribFont.htm> Acesso em: 03 de outubro de 2010.
49
A principal lei reguladora de tributos no Brasil é a Lei 5.172, de
25 de outubro de 1966, conhecida por “Código Tributário Nacional”. Apesar de o
CTN ter sido editado como lei ordinária, tem-se entendido que a Constituição
Federal de 1967, assim como a de 1988, o recepcionou enquanto lei
complementar138.
O CTN cuida do imposto sobre a renda nos artigos 43 a 45. No
43 o legislador cuidou de tratar do fato gerador ou hipótese de incidência:
Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e
proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição
da disponibilidade econômica ou jurídica:
I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da
combinação de ambos;
II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os
acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.
§ 1o A incidência do imposto independe da denominação da receita
ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade
da fonte, da origem e da forma de percepção.
§ 2o Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a
lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua
disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste
artigo.
A primeira análise que se faz do artigo mencionado é que o
fato gerador do imposto de renda ou proventos de qualquer natureza não é a renda
ou proventos em si, nem sua geração, mas sim a aquisição de sua disponibilidade
econômica ou jurídica. Rubens Gomes de Sousa139, importante tributarista que
redigiu o anteprojeto do CTN, faz a seguinte distinção:
Do ponto-de-vista estritamente fiscal, cabe, com efeito, distinguir
entre a realização, traduzida pela disponibilidade econômica de uma
riqueza, e a separação, traduzida pela disponibilidade jurídica. Pela
constatação de que o imposto visa o resultado de atos ou fatos
jurídicos independentemente de sua natureza formal, conclui-se,
necessariamente, que o fato gerador do imposto de renda é a
138
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988: sistema tributário.
p.129.
139
SOUSA, Rubens Gomes de. O Imposto de renda e os créditos bancários vinculados. Revista
de direito público, nº 18, out/dez. 1971, p. 344.
50
aquisição da disponibilidade econômica de uma riqueza, já o tíulo de
que decorre a sua disponibilidade jurídica apenas desempenha, na
definição da incidência, um papel ulterior e complementar, o de
permitir a discriminação dos rendimentos para sua classificação nas
cédulas.
Assim, da lição de Sousa, entende-se que apesar de constar
do texto legal a expressão “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica”, na
verdade o que importa, para a caracterização do fato gerador do imposto, é a
disponibilidade econômica, ficando a disponibilidade jurídica em segundo plano.
Neste passo, a mera geração de um acréscimo patrimonial, ainda que este não
possa ser usufruído pelo seu titular, configuraria fato gerador do imposto sobre a
renda. Esse posicionamento abrangente e “pro-fisco” não é o adotado pela doutrina
e jurisprudência brasileira, conforme ver-se-á a seguir.
É o caso de José Eduardo Soares de Melo140, que vê distinção
bem diversa entre disponibilidade econômica e jurídica:
A disponibilidade jurídica consiste no direito de usa a renda ou os
proventos, definitivamente constituídos na forma da lei, alcançando
os atos e operações colhidos pelo direito; como é o caso de salários,
honorários, vencimentos, etc. (resultantes do trabalho), e dos juros,
aluguéis e lucro nas operações imobiliárias etc. (decorrentes de
aplicação do capital). A disponibilidade econômica prende-se a uma
situação de fato irrelevante ao direito (ganho de jogos), ou até
mesmo de situação ilícita (contrabando, juros usuários).
Para Melo, embora a disponibilidade jurídica seja sempre
econômica, a recíproca não é verdadeira. Essa opinião também é corroborada por
Ricardo Mariz de Oliveira que afirma que “toda aquisição de disponibilidade jurídica
é concomitantemente de disponibilidade econômica, mas a aquisição de
disponibilidade econômica não é necessariamente jurídica”141.
O artigo 44 do CTN, por seu turno, dispõe sobre a base de
cálculo do imposto nos seguintes termos: “a base de cálculo do imposto é o
montante real, arbitrado ou presumido, da renda ou dos proventos tributáveis”.
140
141
MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário. São Paulo: Dialética, 1997, p. 266.
OLIVEIRA, Ricardo Mariz de. Fundamentos do imposto de renda. São Paulo: revista dos
Tribunais, 1977, p. 41.
51
Observa-se que o legislador escolheu como base de cálculo
um montante relacionado com o respectivo fato gerador. Assim, como o fato gerador
do imposto em comento é a aquisição da disponibilidade (econômica ou jurídica) de
renda ou proventos de qualquer natureza, por óbvio a sua base de cálculo deve ser
uma grandeza, uma dimensão, intimamente ligada à renda ou ao provento. A
grandeza eleita pelo legislados, ao elaborar o CTN, foi o próprio valor da renda ou
dos proventos142.
Sobre o contribuinte do imposto, o artigo 45 do Código dispõe
nos seguintes termos:
Art. 45. Contribuinte do imposto é o titular da disponibilidade a que
se refere o artigo 43, sem prejuízo de atribuir a lei essa condição ao
possuidor, a qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos
proventos tributáveis.
Parágrafo único. A lei pode atribuir à fonte pagadora da renda ou dos
proventos tributáveis a condição de responsável pelo imposto cuja
retenção e recolhimento lhe caibam.
Nos termos do Código, contribuinte é todo aquele possuidor, a
qualquer título, dos bens produtores de renda ou dos proventos tributáveis. Ao que
parece a intenção do legislador foi o de considerar contribuinte a fonte pagadora
situada no Brasil, quando o beneficiário da renda ou proventos se localizar no
exterior143. Para Carlos Araújo Leonetti144, tal hipótese contraria totalmente o
ordenamento jurídico.
Nessa hipótese, o fato gerador da obrigação tributária não seria
a aquisição da disponibilidade da renda ou proventos mas, antes, a entrega destes,
contrariando-se assim o disposto no caput do art. 43 do CTN e, o que é mais grave,
a própria CRFB/1988 (art. 153, III).
142
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 72.
143
144
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 284.
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 74.
52
Ou seja, contribuinte do imposto de renda, para fins de
contribuição, será todo aquele titular da disponibilidade que tenha relação pessoal e
direta com a situação que constitua o respectivo fato gerador.
2.2.2 Fato gerador
Conforme já visto, o fato gerador do imposto está expresso no
artigo 43 do Código Tributário Nacional. O Regulamento do Imposto de Renda,
RIR/99, traz rol exemplificativo, a partir do artigo 43, dos rendimentos sujeitos ao
imposto de renda:
Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho
assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de
empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens
percebidos, tais como:
I - salários, ordenados, vencimentos, soldos, soldadas, vantagens,
subsídios, honorários, diárias de comparecimento, bolsas de estudo
e de pesquisa, remuneração de estagiários;
II - férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou
indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos;
III - licença especial ou licença-prêmio, inclusive quando convertida
em pecúnia;
IV - gratificações, participações, interesses, percentagens, prêmios e
quotas-partes de multas ou receitas;
V - comissões e corretagens;
VI - aluguel do imóvel ocupado pelo empregado e pago pelo
empregador a terceiros, ou a diferença entre o aluguel que o
empregador paga pela locação do imóvel e o que cobra a menos do
empregado pela respectiva sublocação;
VII - valor locativo de cessão do uso de bens de propriedade do
empregador;
VIII - pagamento ou reembolso do imposto ou contribuições que a lei
prevê como encargo do assalariado;
IX - prêmio de seguro individual de vida do empregado pago pelo
empregador, quando o empregado é o beneficiário do seguro, ou
indica o beneficiário deste;
53
X - verbas, dotações ou auxílios, para representações ou custeio de
despesas necessárias para o exercício de cargo, função ou emprego;
XI - pensões, civis ou militares, de qualquer natureza, meios-soldos e
quaisquer outros proventos recebidos de antigo empregador, de
institutos, caixas de aposentadoria ou de entidades governamentais,
em virtude de empregos, cargos ou funções exercidos no passado;
XII - a parcela que exceder ao valor previsto no art. 39, XXXIV;
XIII - as remunerações relativas à prestação de serviço por:
a) representantes comerciais autônomos (Lei nº 9.250, de 1995, art.
34, § 1º, alínea ¨b¨);
b) conselheiros fiscais e de administração, quando decorrentes de
obrigação contratual ou estatutária;
c) diretores ou administradores de sociedades anônimas, civis ou de
qualquer espécie, quando decorrentes de obrigação contratual ou
estatutária;
d) titular de empresa individual ou sócios de qualquer espécie de
sociedade, inclusive as optantes pelo SIMPLES de que trata a Lei
nº 9.317, de 1996;
e) trabalhadores que prestem serviços a diversas empresas,
agrupados ou não em sindicato, inclusive estivadores, conferentes e
assemelhados;
XIV - os benefícios recebidos de entidades de previdência privada,
bem como as importâncias correspondentes ao resgate de
contribuições, observado o disposto no art. 39, XXXVIII (Lei nº 9.250,
de 1995, art. 33);
XV - os resgates efetuados pelo quotista de Fundos de
Aposentadoria Programada Individual - FAPI (Lei nº 9.477, de 1997,
art. 10, § 2º);
XVI - outras despesas ou encargos pagos pelos empregadores em
favor do empregado;
XVII - benefícios e vantagens concedidos a administradores,
diretores, gerentes e seus assessores, ou a terceiros em relação à
pessoa jurídica, tais como:
a) a contraprestação de arrendamento mercantil ou o aluguel ou,
quando for o caso, os respectivos encargos de depreciação, relativos
54
a veículos utilizados no transporte dessas pessoas e imóveis cedidos
para seu uso;
b) as despesas pagas diretamente ou mediante a contratação de
terceiros, tais como a aquisição de alimentos ou quaisquer outros
bens para utilização pelo beneficiário fora do estabelecimento da
empresa, os pagamentos relativos a clubes e assemelhados, os
salários e respectivos encargos sociais de empregados postos à
disposição ou cedidos pela empresa, a conservação, o custeio e a
manutenção dos bens referidos na alínea "a".
§ 1º Para os efeitos de tributação, equipara-se a diretor de
sociedade anônima o representante, no Brasil, de firmas ou
sociedades estrangeiras autorizadas a funcionar no território nacional
(Lei nº 3.470, de 1958, art. 45).
§ 2º Os rendimentos de que trata o inciso XVII, quando tributados na
forma do § 1º do art. 675, não serão adicionados à remuneração (Lei
nº 8.383, de 1991, art. 74, § 2º).
§ 3º Serão também considerados rendimentos tributáveis a
atualização monetária, os juros de mora e quaisquer outras
indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas
neste artigo (Lei nº 4.506, de 1964, art. 16, parágrafo único).
O regulamento também lista no artigo 39, neste caso
taxativamente, os rendimentos considerados isentos ou não tributáveis, sem, no
entanto, distinguir uns dos outros, por exemplo: bolsas de estudo e pesquisa
caracterizadas como doação; os rendimentos auferidos em contas de depósitos de
poupança; o valor locativo de imóvel edificado ocupado pelo proprietário ou cedido
gratuitamente a cônjuge ou parentes do 1º grau; contribuições para o programa de
previdência privada, pagas pelo empregador em benefício do empregado ou
dirigente; diárias destinadas a cobrir gastos com alimentação e estadia decorrentes
de serviços realizados em outro Município; etc.
A relação inclui algumas situações típicas de não incidência,
isto é, que se encontram fora do campo de incidência constitucional do tributo, mas
que foram formalmente contempladas, por lei, com isenção145.
145
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 78.
55
2.2.3 Bases de cálculo e alíquotas
2.2.3.1 Generalidades
Para a determinação da base de cálculo efetiva do imposto, a
legislação prevê a dedução, do rendimento bruto do contribuinte, de outras
despesas além daquelas necessárias à produção da renda ou proventos. A definição
de rendimento bruto encontra-se no RIR/99:
Art. 37. Constituem rendimento bruto todo o produto do capital, do
trabalho ou da combinação de ambos, os alimentos e pensões
percebidos em dinheiro, os proventos de qualquer natureza, assim
também entendidos os acréscimos patrimoniais não correspondentes
aos rendimentos declarados.146
A base de cálculo efetiva do imposto depende da modalidade
de tributação, que pode ser mensal, anual (na declaração de ajuste), na fonte ou
definitiva147. Qualquer que seja a modalidade de tributação adotada, o imposto
incide na data do pagamento ou creditamento dos rendimentos, ainda que esses se
refiram a outro período (mês ou ano)148
2.2.3.2 Incidência mensal
Atualmente o Brasil adota o sistema de tributação chamado de
sistema de bases correntes149. Hugo de Brito Machado150 explica bem a forma de
incidência mensal:
Para tanto, adotou-se a apuração e recolhimento mensal obrigatório
do imposto, por meio da sistemática denominada oficialmente de
“carne-leão”, que veio unir-se à já adotada retenção do imposto na
fonte. Assim, ao final do ano-calendário o contribuinte terá pagado
virtualmente todo montante devido relativamente àquele ano,
havendo eventualmente apenas um pequeno saldo a pagar ou a ser
restituído.
146
Lei nº 5.172, de 1966, art. 43, incisos I e II, e Lei nº 7.713, de 1988, art. 3º, § 1º.
147
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 79.
148
Decreto 3000/99, artigo 38, parágrafo único.
149
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 261.
150
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 261.
56
A tabela progressiva151 para o cálculo mensal do imposto de
renda de pessoa física a partir do exercício de 2011, ano-calendário de 2010, será:
Base de cálculo mensal em R$
Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 1.499,15
-
-
De 1.499,16 até 2.246,75
7,5
112,43
De 2.246,76 até 2.995,70
15,0
280,94
De 2.995,71 até 3.743,19
22,5
505,62
Acima de 3.743,19
27,5
692,78
O montante total de imposto devido será o resultado da soma
dos valores de tributo correspondentes a cada uma das faixas de base de cálculo152
(ou sua íntegra, se for o caso) que não ultrapassar o limite de R$ 1.449,15 não sofre
incidência do imposto. Cabe ressaltar que o reajuste dos valores exige lei de
iniciativa privativa do presidente da República153.
2.2.3.3 Apuração na declaração anual
Como o imposto de renda é apurado e recolhido, de modo
geral, mensalmente, conforme já visto, na declaração anual faz-se apenas um ajuste
do tributo devido, para mais ou para mesmos, conforme necessário. Anualmente, o
contribuinte deve prestar ao fisco informações relativas à renda e proventos
auferidos no ano-calendário imediatamente anterior, assim como a sua evolução
patrimonial no mesmo período154.
A base de cálculo do imposto apurado na declaração é a
diferença entre a soma de todos os rendimentos recebidos durante o ano-calendário,
exceto os isentos, os não tributáveis, os tributáveis exclusivamente na fonte e os
151
Lei 11.945/2009, art. 23.
152
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 81.
153
154
Constituição Federal, art. 61, §1º, II, b.
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 82.
57
sujeitos à tributação definitiva, e a soma das deduções permitidas ou o desconto
simplificado155.
A tabela progressiva156 para o cálculo anual do imposto de
renda de pessoa física a partir do exercício de 2011, ano-calendário de 2010.
Base de cálculo anual em R$
Alíquota %
Parcela a deduzir do imposto em R$
Até 17.989,80
-
De 17.989,81 até 26.961,00
7,5
1.349,24
De 26.961,01 até 35.948,40
15,0
3.371,31
De 35.948,41 até 44.918,28
22,5
6.067,44
Acima de 44.918,28
27,5
8.313,35
As alíquotas aplicáveis são as mesmas adotadas na incidência
mensal do imposto, correspondendo às faixas de rendimentos tributáveis anuais. O
montante de imposto apurado resulta da soma dos valores determinados em cada
uma das quatro faixas de renda tributável. Desse montante serão abatidos todos os
valores referentes a imposto pago ou retido durante o ano-calendário, assim como
as deduções permitidas, a fim de se determinar o saldo a pagar ou a receber.
2.2.3.4 Tributação na fonte
Há ainda, acompanhando a tendência mundial157, hipóteses de
rendimentos sujeitos à incidência na fonte158, isto é, transfere a responsabilidade de
apurar, reter e posterior recolhimento do tributo para fonte pagadora. Segundo o
Regulamento do Imposto de Renda159:
Art. 646. A base de cálculo do imposto na fonte, para aplicação da
tabela progressiva, será a diferença entre:
155
Decreto 3000/99, arts. 83 e 84.
156
Tabela aprovada pela Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, alterada pelo art. 15 da Medida
Provisória nº 451, de 15 de dezembro de 2008.
157
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 85.
158
Decreto 3000/99, artigo 620.
159
Decreto 3000/99.
58
I - o somatório de todos os rendimentos pagos, no mês, pela mesma
fonte pagadora, exceto os tributados exclusivamente na fonte e os
isentos; e
II - as deduções permitidas na Seção VI.
As
deduções
que
o
regulamento
faz
referência
são:
dependentes, pensões alimentícias, contribuições previdenciárias, proventos de
aposentadoria e pensões de maiores de 65 anos.
A legislação também prevê casos em que os rendimentos
estão sujeitos a tributação exclusiva na fonte160. Nesses casos a retenção é
definitiva e não haverá compensação na declaração anual de ajuste.
2.2.3.5 Tributação definitiva
Outra forma de recolhimento, além das já citadas, é a
tributação definitiva, nesses casos o imposto apurado e recolhido não pode ser
compensado na declaração anual de ajuste161. A legislação os denomina de ganhos
de capital, decorrentes da alienação de bens e/ou direitos.
Carlos Araújo Leonetti162 define bem o que são ganhos de
capital:
Em princípio, considera-se ganho de capital aquele decorrente de
quaisquer operações que importem a alienação, a qualquer título, de
bens ou direitos, ou a cessão de direitos à sua aquisição, tais como:
compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em
pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de
compra e venda, cessão de direitos ou promessa de cessão de
direitos e contratos afins.
A base de cálculo sobre os ganhos de capital é incidente sobre
a diferença positiva entre os valores da alienação e da aquisição.
160
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p.86.
161
162
Decreto 3000/99, arts. 117 a 145.
LEONETTI, Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 87.
59
2.2.4 Lançamento e recolhimento
Atualmente, a declaração de rendimentos é entregue e o
contribuinte recebe, desde logo, a intimação para o pagamento do tributo nos termos
de sua declaração, de sorte que o lançamento, já não se faz mais por declaração, e
sim por homologação163.
Em se tratando de imposto descontado na fonte, conforme já
estudado, o lançamento é feito por homologação nos termos do artigo 150 do CTN:
Art. 150. O lançamento por homologação, que ocorre quanto aos
tributos cuja legislação atribua ao sujeito passivo o dever de
antecipar o pagamento sem prévio exame da autoridade
administrativa, opera-se pelo ato em que a referida autoridade,
tomando conhecimento da atividade assim exercida pelo obrigado,
expressamente a homologa.
Por óbvio que pode haver, como em qualquer tributo, o
lançamento de ofício, quando, no entender do fisco, o contribuinte ou responsável
houver pagado menos impostos do que o devido, ou tiver praticado alguma infração
à legislação à qual a lei comine penalidade164
Embora ainda persista a obrigação de o contribuinte apresentar
anualmente sua declaração de rendimentos, esse deve pagar o tributo antes de
qualquer manifestação do fisco corroborando, ou não, os dados e os cálculos nela
constantes.
Após breve análise do IRPF na Constituição Federal e no CTN,
no próximo capítulo analisar-se-á a utilização do Imposto de Renda sobre Pessoas
Físicas como instrumento de justiça social, ligando os preceitos estudados nos
primeiro e segundo capítulos.
163
164
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 285.
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 88.
Capítulo 3
A UTILIZAÇÃO CONCRETA DO IRPF COMO INSTRUMENTO DE
JUSTIÇA SOCIAL NO BRASIL ATUAL
3.1 UMA VISÃO GERAL: O IRPF E OS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
TRIBUTÁRIOS
De acordo com Carlos Araújo Leonetti165, os princípios
constitucionais tributários de maior relevância, que são aplicáveis ao Imposto de
renda de pessoas físicas, podem ser agrupados em duas categorias, em suas
palavras:
Na primeira, aqueles postulados mais intimamente ligados à
concepção de legalidade e, na segunda, os que revelam maior
afeição à idéia de igualdade. Neste giro, o princípio da legalidade,
complementado pelos da anterioridade e da irretroatividade, garante
que as normas relativas à tributação sejam democraticamente
construídas, segundo o processo legislativo previsto na Constituição.
Por seu turno, o princípio da igualdade assegura que não haja
tratamento discriminatório entre contribuintes em situação
equivalente e que a carga tributária individual seja determinada
segundo a capacidade contributiva de cada um.
Portanto não há como o imposto sobre a renda das pessoas
físicas atuar como um instrumento de justiça social sem que atenda aos princípios
constitucionais mencionados pelo doutrinador.
3.2 O RESPEITO AOS PRINCÍPIOS DA LEGALIDADE, ANTERIORIDADE E
IRRETROATIVIDADE
Conforme já exposto, a lei instituidora ou majoradora de tributo
precisa ser constitucional, ou seja, deve estar de acordo com o que dispõe a
CRFB/1988, porém, a legislação brasileira inclui, entre renda e proventos tributáveis,
algumas fontes de receitas em desacordo com tal princípio, comprometendo assim a
165
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 178.
61
atuação do referido imposto como instrumento de justiça social166. Assim dispõe o
artigo 43 do Decreto 3000/99167.
Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho
assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de
empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens
percebidos, tais como:
[...]
II - férias, inclusive as pagas em dobro, transformadas em pecúnia ou
indenizadas, acrescidas dos respectivos abonos;
III - licença especial ou licença-prêmio, inclusive quando convertida
em pecúnia;
Dessa forma, a percepção de férias e licenças-prêmio não
usufruídas pelo empregado e que foram convertidas em pecúnia por sua vontade
tem caráter remuneratório, mas, quando a conversão em pecúnia independe da
vontade do trabalhador, por necessidade de serviço, reveste então de caráter
indenizatório, o intuito é indenizar o trabalhador por não ter tido a oportunidade de
gozar de suas férias. A jurisprudência do STJ tem confirmado tal entendimento há
alguns anos:
Tributário. Funcionário público. Férias não gozadas. Indenização.
Incidência do imposto de renda. Impossibilidade. Consoante
entendimento que se cristalizou, na jurisprudência, o pagamento (in
pecunia) de férias não gozadas - por necessidade do serviço - ao
servidor público, tem a natureza jurídica de indenização, não
constituindo espécie de remuneração, mas, mera reparação do dano
econômico sofrido pelo funcionário. Erigindo-se em reparação, a
conversão, em pecúnia, das férias a que a conveniência da
Administração impediu o auferimento, visa, apenas, a restabelecer a
integridade patrimonial desfalcada pelo dano. A percepção dessa
quantia indenizatória não induz em acréscimo patrimonial e nem em
renda tributável, na definição da legislação pertinente. O tributo, na
disciplina da lei, só deve incidir sobre ganhos que causem aumento
de patrimônio, ou, em outras palavras: sobre numerário que se venha
a somar àquele que já seja propriedade do contribuinte. Recurso a
que se nega provimento, por maioria. REsp52208 / SP RECURSO
ESPECIAL 1994/0023969-6. Data da Publicação/Fonte DJ
10/10/1994. Relator(a) Ministro DEMÓCRITO REINALDO.
166
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 179.
167
Decreto nº 3.000/99.
62
TRIBUTARIO. IMPOSTO DE RENDA. FERIAS INDENIZADAS. NÃO
INCIDENCIA. I - O IMPOSTO DE RENDA NÃO INCIDE SOBRE O
PAGAMENTO DE FERIAS NÃO GOZADAS, EM RAZÃO DO SEU
CARATER INDENIZATORIO. PRECEDENTES. II - RECURSO
ESPECIAL NÃO CONHECIDO. AgRg no Ag 46146 / SP AGRAVO
REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO 1993/0033207-4.
Ministro ANTÔNIO DE PÁDUA RIBEIRO. Data da Publicação/Fonte
DJ 22/08/1994.
IMPOSTO DE RENDA - FERIAS NÃO GOZADAS INDENIZADAS NÃO INCIDENCIA. O PAGAMENTO EM DINHEIRO DAS FERIAS
NÃO GOZADAS, PORQUE INDEFERIDAS POR NECESSIDADE DO
SERVIÇO, NÃO E PRODUTO DO CAPITAL, DO TRABALHO OU DA
COMBINAÇÃO DE AMBOS E TAMBEM NÃO REPRESENTA
ACRESCIMO PATRIMONIAL, NÃO ESTANDO, PORTANTO,
SUJEITAS A INCIDENCIA DO IMPOSTO DE RENDA. RECURSO
IMPROVIDO. REsp 34988 / SP RECURSO ESPECIAL
1993/0013182-6. Relator(a) Ministro GARCIA VIEIRA. Data da
Publicação/Fonte DJ 08/11/1993.
Há ainda a edição de súmulas do STJ a respeito da matéria,
mas a legislação em vigência não menciona essa ressalva:
Súmula 125: O pagamento de ferias não gozadas por necessidade
do serviço não esta sujeito a incidência do imposto de renda.168
Súmula 136: O pagamento de licença-prêmio não gozada por
necessidade do serviço não esta sujeito ao imposto de renda.169
Continuando no artigo 43 ainda temos:
X - verbas, dotações ou auxílios, para representações ou custeio de
despesas necessárias para o exercício de cargo, função ou
emprego;
Nesse sentido, Carlos Araújo Leonetti170 deixa claro que:
O caráter indenizatório dessas verbas é revelado pela sua finalidade
explícita de custear despesas em que o contribuinte incorreu em
razão do exercício de trabalho assalariado (“cargo, função ou
emprego”) e cujo ônus caberia, assim, ao seu empregador.
168
Superior Tribunal de Justiça. Disponível a partir de <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29 de
outubro 2010.
169
Superior Tribunal de Justiça. Disponível a partir de <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29 de
outubro 2010.
170
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 180.
63
Há ainda o § 3º e o artigo 72 do referido Decreto, que dispõem:
§ 3º Serão também considerados rendimentos tributáveis a
atualização monetária, os juros de mora e quaisquer outras
indenizações pelo atraso no pagamento das remunerações previstas
neste artigo.
[...]
Art. 72. Para fins de incidência do imposto, o valor da atualização
monetária dos rendimentos acompanha a natureza do principal,
ressalvadas as situações específicas previstas neste Decreto.
Seguindo o mesmo raciocínio anteriormente elaborado, se a
verba tem caráter indenizatório, não há acréscimo de patrimônio, pois a verba
acrescida tem o objetivo de ressarcir os prejuízos que o indivíduo teve com sua
demora em receber.
Art. 49. São tributáveis os rendimentos decorrentes da ocupação,
uso ou exploração de bens corpóreos, tais como (Decreto-Lei nº
5.844, de 1943, art. 3º, Lei nº 4.506, de 1964, art. 21, e Lei nº 7.713,
de 1988, art. 3º, § 4º):
[...]
§ 1º Constitui rendimento tributável, na declaração de rendimentos, o
equivalente a dez por cento do valor venal de imóvel cedido
gratuitamente, ou do valor constante da guia do Imposto Predial e
Territorial Urbano - IPTU correspondente ao ano-calendário da
declaração, ressalvado o disposto no inciso IX do art. 39.
Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:
[...]
IX - o valor locativo do prédio construído, quando ocupado por seu
proprietário ou cedido gratuitamente para uso do cônjuge ou de
parentes de primeiro grau.
Nesse sentido da a entender que tal disposição do legislador
se deu em uma tentativa frustrada de desestimular a locação disfarçada de cessão
gratuita171. Quanto a esta previsão da legislação se pode dizer que:
171
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 250.
64
1) Parte da (falsa) premissa de que todas as situações de cessão
gratuita de imóvel acobertam uma locação;
2) Desestimula as pessoas a praticar a caridade, pois se o fizerem
serão duplamente penalizadas, uma vez que poderão ser
consideradas criminosas (por exemplo, falsidade ideológica e
crime contra a ordem tributária) e se sujeitarão a pagar tributo
cujo fato gerador incorreu; e
3) Ainda que houvesse uma locação travestida de cessão gratuita, a
base de cálculo prevista (10% do valor venal do imóvel ou do que
consta na guia do IPTU relativa ao ano-calendário
correspondente) se revela completamente em desacordo com o
que dispõe o art. 44 do CTN.172
Ainda no artigo 49 do Decreto 3000/99:
§ 2º Serão incluídos no valor recebido a título de aluguel os juros de
mora, multas por rescisão de contrato de locação, e quaisquer outras
compensações pelo atraso no pagamento, inclusive atualização
monetária.
Os valores referidos no §2º do artigo 49 têm natureza
predominantemente ressarcitória, praticamente nos mesmos moldes e fundamentos
já elaborados, visam a restabelecer a perda sofrida pelo locador/contribuinte em
virtude do atraso no recebimento do aluguel.
Mais adiante no mesmo Decreto há:
Art. 55. São também tributáveis:
[...]
XIV - os juros compensatórios ou moratórios de qualquer natureza,
inclusive os que resultarem de sentença, e quaisquer outras
indenizações por atraso de pagamento, exceto aqueles
correspondentes a rendimentos isentos ou não tributáveis;
Bem
como
as
demais,
essas
verbas
tem
caráter
eminentemente indenizatório, portanto não há acréscimo patrimonial que justifique a
incidência do imposto. Adiante há uma disposição no que diz respeito a sucessão:
172
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 181.
65
Art. 119. Na transferência de direito de propriedade por sucessão,
nos casos de herança, legado ou por doação em adiantamento da
legítima, os bens e direitos poderão ser avaliados a valor de mercado
ou pelo valor constante da declaração de bens do de cujus ou do
doador.
A legislação aplicável nas transmissões causa mortis e das
doações de quaisquer bens ou direitos é de competência privativa173 dos Estados e
do Distrito Federal174, portanto não há como incidir imposto sobre a renda sobre o
ITCMD175.
Acerca deste tema, ainda há no Decreto 3000/99 os artigos
120 e 123 que dispõem:
Art. 120. Não se considera ganho de capital o valor decorrente de
indenização:
I - por desapropriação para fins de reforma agrária conforme o
disposto no art. 184, § 5º, da Constituição;
Art. 123. Considera-se valor de alienação:
[...]
§ 4º No caso de desapropriação, o valor da atualização monetária
integra o valor do ganho de capital realizado.
A
jurisprudência
reconhece
a
inconstitucionalidade
da
tributação do imposto sobre a renda na percepção destas indenizações, bem como
dos juros moratórios e compensatórios, conforme a transcrição abaixo:
TRIBUTARIO - DESAPROPRIAÇÃO - JUROS COMPENSATORIOS
– NÃO INCIDENCIA DO IMPOSTO DE RENDA - CONSTITUIÇÃO
FEDERAL, ARTIGOS 153, III, 5., XXIV, E 182, PARAGRAFO 3. LEIS NRS. 7.713/88 E 8.218/91 - SUMULAS 12 E 102/STJ. 1. Os
juros compensatórios não configuram, como os moratórios, a objetiva
a remuneração do capital, mas o valor indenizatório pecuniário,
devido pela antecipada perda do uso e gozo decorrente do
apossamento de bem expropriado pela administração publica.
integram, pois, a indenização pela perda da propriedade do bem
173
AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 93.
174
Constituição Federal, art. 155, I.
175
DERZI, Misabel Abreu Machado. Os conceitos de renda e de patrimônio: efeitos da correção
monetária insuficiente no imposto de renda. Belo Horizonte: Del Rey, 1992, p 19.
66
expropriado. 2. O imposto incidente sobre "renda e os proventos de
qualquer natureza", alcança a "disponibilidade nova", inexistente na
desapropriação causadora da obrigação de indenizar pela perda de
direitos
(da
propriedade),
reparando
ou
compensando
pecuniariamente os danos sofridos, sem aumentar o patrimônio
anterior ao gravame expropriatório. não ocorre a alteração da
capacidade contributiva. 3. A titulo de incidência do imposto de renda
e ilegal a retenção na fonte de parcelas correspondentes aos juros
compensatórios integrativos do "justo preço" do bem expropriado. 4.
Recurso improvido por unanimidade (STJ, 1ª Turma, Relator:
Ministro Milton Luiz Pereira. REsp. 55996-94/SP, j. 4.9.95, DJU
2.10.95, p. 32.331).
Quanto aos princípios da anterioridade e da irretroatividade, há
o entendimento doutrinário176 e jurisprudencial177 de que tais princípios exigem que
se aplique à apuração do imposto a legislação vigente antes do início do anocalendário durante o qual os rendimentos foram percebidos, portanto não se aplica
mais a súmula 584 do STF que dispunha:
Súmula 584: Ao Imposto de Renda calculado sobre os rendimentos
do ano-base, aplica-se a lei vigente no exercício financeiro em que
deve ser apresentada a declaração.178
Dessa forma o fisco tem evitado alterar o regime do tributo
após o início do ano-calendário, nos últimos anos.
176
AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 93.
177
Tributário. Imposto de Renda. Ciclo de Formação do Fato Gerador. Momento da Disponibilidade
Econômica ou Jurídica do Rendimento. CTN, arts. 104, 106, 116 - Decreto-lei 1.967/82. Súmula
584/STF. 1. O fato gerador do Imposto de Renda identifica-se com a disponibilidade econômica ou
jurídica do rendimento (CTN, art. 116). Inaplicabilidade da Súmula 584/STF, construída à luz de
legislação anterior ao CTN. 2. A tributação do Imposto de Renda decorre de concreta
disponibilidade ou da aquisição de renda. 3. A lei vigente após o fato gerador, para a imposição do
tributo, não pode incidir sobre o mesmo, sob pena de malferir os princípios da anterioridade e
irretroatividade. 4. Precedentes jurisprudenciais. 5. Recurso não provido. (STJ, 1ª Turma, Relator:
Ministro Milton Luiz Pereira. REsp. 179.966/RS, j. 21.6.01, DJU 25.2.02, p. 208).
178
Superior Tribunal de Justiça. Disponível a partir de <http://www.stj.jus.br> Acesso em 29 de
outubro 2010.
67
3.3 O RESPEITO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE E AOS QUE LHE SÃO
CORRELATOS
3.3.1 Algumas observações preliminares
Para melhor aplicar-se o princípio da igualdade, deve-se
observar sua relação com outros princípios, tais como o da capacidade contributiva,
pessoalidade, e mais especificamente no imposto de renda, generalidade,
universalidade e progressividade179.
A capacidade contributiva, conforme já analisado no Capítulo 2,
é a capacidade do contribuinte relacionada com a imposição do ônus tributário. É a
dimensão econômica particular da vinculação do contribuinte ao poder tributante, ao
Estado, de forma geral180.
O caráter pessoal que deve ser revestido o imposto refere-se à
aptidão de poder relacionar-se à pessoa do sujeito passivo da obrigação tributária,
considerando a sua condição econômica levando em conta indícios que possam
sugerir a existência de riqueza tributável. É uma técnica adotada para aferir a
capacidade econômica181.
O princípio da generalidade exige que a obrigatoriedade do
imposto de renda abranja todas as pessoas, enquanto que a universalidade importa
que toda e qualquer manifestação de renda do contribuinte estará sujeito ao
imposto182.
179
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 185.
180
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord.). Curso de direito tributário. p. 35.
181
PAOLIELLO, Patrícia Brandão. O princípio da capacidade contributiva. Jus Navigandi,
Teresina, ano 8, n. 66, 1 jun. 2003. Disponível em: <http://jus.uol.com.br/revista/texto/4138>.
Acesso em: 1 de novembro de 2010.
182
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 185.
68
A progressividade é tratada como um aprimoramento do
princípio da capacidade contributiva, e logo, da igualdade tributária183. Na sequência
cada um desses temas será tratado individualmente.
3.3.2 Tratamento discriminatório a contribuintes em situação equivalente
A seguir, será apresentado como o Decreto 3000/99 que
regulamenta a tributação, fiscalização, arrecadação e administração do Imposto
sobre a Renda e Proventos de Qualquer Natureza discrimina contribuintes em
situação equivalente, principalmente no que diz respeito às receitas não tributáveis
apenas para determinadas categorias, a princípio pode-se dar de exemplo:
Art. 39. Não entrarão no cômputo do rendimento bruto:
[...]
V - o auxílio-alimentação e o auxílio transporte pago em pecúnia aos
servidores públicos federais ativos da Administração Pública Federal
direta, autárquica e fundacional.
Segundo Carlos Araújo Leonetti:
A não sujeição destas verbas ao IRPF configura flagrante
discriminação relativamente aos demais servidores públicos e aos
empregados em geral que recebem verbas de natureza análoga
(ainda que com denominação diferente).
A seguir outro inciso dispõe:
XIX - o pagamento efetuado por pessoas jurídicas de direito público a
servidores públicos civis, a título de incentivo à adesão a programas
de desligamento voluntário.
O decreto explicita que somente servidores públicos que
aderirem ao programa de desligamento voluntário é que estarão isentos do imposto,
uma situação flagrantemente discriminatória com os trabalhadores da iniciativa
privada, felizmente acerca desse tema a jurisprudência184 já tem entendimento que
183
184
AMARO, Luciano. Direto tributário brasileiro. p. 136.
Tributário. Imposto de renda. Adesão de empregado (iniciativa privada) à programa de demissão
voluntária - PDV. Não incidência. Liberalidade do empregador. Inocorrência. Montante pago para
garantir o mínimo existencial do aderente. A verba indenizatória decorrente do PDV não tem
natureza jurídica de renda. Inteligência dos artigos 153, III, § 2º, I, e 145, § 1º, da CF/88, c/c artigo
69
tal pagamento tem título de indenização, portanto não está sujeito à incidência do
IRPF por não representar renda. A seguir o inciso XXI do mesmo artigo dispõe:
XXI - a indenização em virtude de desapropriação para fins de
reforma agrária, quando auferida pelo desapropriado.
A própria legislação185 em tela prevê a incidência do IRPF em
desapropriações para fins diversos da reforma agrária, assim o tratamento
discriminatório fica flagrantemente caracterizado, a jurisprudência186 tem se firmado
no sentido de isentar da incidência do IRPF qualquer desapropriação. Seguindo no
mesmo artigo:
XXIV - a indenização de transporte a servidor público da União que
realizar despesas com a utilização de meio próprio de locomoção
para a execução de serviços externos por força das atribuições
próprias do cargo.
43, do CTN. Princípio da capacidade contributiva. Acórdão regional que pugna pela inexistência de
adesão a PDV. Súmula 7/STJ. Aplicação. Matéria decidida pela 1ª seção, no REsp 1112745/SP, DJ
DE 01/10/2009. Julgado sob o regime do art. 543-C do CPC. (STJ, 1ª Seção, Relator: Ministro Luiz
Fux, AgRg nos EREsp 881879/SP, j. 25.11.2009, DJU 18.12.2009).
185
Art. 117. Está sujeita ao pagamento do imposto de que trata este Título a pessoa física que auferir
ganhos de capital na alienação de bens ou direitos de qualquer natureza.
[...]
§ 4º Na apuração do ganho de capital serão consideradas as operações que importem alienação, a
qualquer título, de bens ou direitos ou cessão ou promessa de cessão de direitos à sua aquisição,
tais como as realizadas por compra e venda, permuta, adjudicação, desapropriação, dação em
pagamento, doação, procuração em causa própria, promessa de compra e venda, cessão de
direitos ou promessa de cessão de direitos e contratos afins.
186
TRIBUTÁRIO. AGRAVO REGIMENTAL NO AGRAVO DE INSTRUMENTO. INCIDÊNCIA DO
IMPOSTO DE RENDA SOBRE AS VERBAS INDENIZATÓRIAS DECORRENTES DE
DESAPROPRIAÇÃO. 1. Nos termos do art. 153, III, da Constituição Federal, compete à União
instituir imposto sobre a renda e proventos de qualquer natureza. Em face do que dispõe o art. 146,
III, a, da Constituição Federal, a Lei 5.172, de 25 de outubro de 1966 – denominada Código
Tributário Nacional –, foi recepcionada com status de lei complementar, assim definindo o fato
gerador do Imposto de Renda: "Art. 43. O imposto, de competência da União, sobre a renda e
proventos de qualquer natureza tem como fato gerador a aquisição da disponibilidade econômica
ou jurídica: I - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de
ambos; II – de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não
compreendidos no inciso anterior." 2. Quanto às desapropriações, seja por necessidade ou utilidade
pública, seja por interesse social, serão feitas mediante justa indenização, nos termos dos arts. 5º,
XXIV, 182, § 3º, e 184, caput, da Constituição Federal. 3. Em conformidade com as normas
jurídicas acima, a Primeira Seção desta Corte, ao julgar o REsp 1.116.460/SP (Rel. Min. Luiz Fux,
DJe de 1º.2.2010), de acordo com a sistemática de recursos repetitivos de que trata o art. 543-C do
CPC, reafirmou sua jurisprudência no sentido da não-incidência do Imposto de Renda sobre as
verbas indenizatórias decorrentes de desapropriação. 4. Agravo regimental não provido.(STJ, 2ª
Turma, Relator: Ministro Mauro Campbell Marques, AgRg no Ag 1233636/PE, agravo regimental no
agravo de instrumento 2009/0178955-0, j. 19.8.2010 DJe 28.9.2010).
70
A jurisprudência187 trata dessa verba como indenizatória,
portanto não revestem o caráter de remuneratório, cabe frisar também que há
evidente discriminação por tratar somente de servidores públicos da União, deixando
de lado os servidores públicos dos Estados, Municípios e Distrito Federal. A seguir
os incisos XXXI e XXXIII do artigo 39 devem ser analisados de forma sistemática:
XXXIII - os proventos de aposentadoria ou reforma, desde que
motivadas por acidente em serviço e os percebidos pelos portadores
de moléstia profissional, tuberculose ativa, alienação mental,
esclerose múltipla, neoplasia maligna, cegueira, hanseníase,
paralisia irreversível e incapacitante, cardiopatia grave, doença de
Parkinson, espondiloartrose anquilosante, nefropatia grave, estados
avançados de doença de Paget (osteíte deformante), contaminação
por radiação, síndrome de imunodeficiência adquirida, e fibrose
cística (mucoviscidose), com base em conclusão da medicina
especializada, mesmo que a doença tenha sido contraída depois da
aposentadoria ou reforma.
XXXI - os valores recebidos a título de pensão, quando o beneficiário
desse rendimento for portador de doença relacionada no inciso
XXXIII deste artigo, exceto a decorrente de moléstia profissional, com
base em conclusão da medicina especializada, mesmo que a doença
tenha sido contraída após a concessão da pensão.
Carlos Araújo Leonetti188 afirma que entre outras razões há
duas pelas quais se evidencia a discriminação:
187
TRIBUTÁRIO. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. IMPOSTO DE RENDA. VALORES
RECEBIDOS A TÍTULO DE AJUDA DE CUSTO. DECRETO MUNICIPAL N. 541/93.
CUSTEAMENTO DAS DESPESAS COM A UTILIZAÇÃO DE VEÍCULO PRÓPRIO. NATUREZA
INDENIZATÓRIA. 1. Hipótese em que o acórdão recorrido se utilizou de legislação local específica
para decidir a respeito da natureza indenizatória de valores recebidos a título de ajuda de custo por
funcionário da Secretaria de Urbanismo da Prefeitura Municipal de Florianópolis/SC, qual seja o
Decreto Municipal n. 541/93, onde se verifica que a ajuda de custo em questão "obriga os
servidores por ela beneficiados ao emprego de veículo próprio no exercício de suas atribuições
externas de fiscalização". 2. O Superior Tribunal de Justiça tem entendido que a incidência do
imposto de renda sobre valores recebidos a título de "ajuda de custo" depende da real natureza
jurídica da parcela, de tal sorte que, se indenizatória, não haverá a incidência do imposto de renda,
uma vez que não caracterizado o acréscimo patrimonial. 3. Ausência de violação aos artigos 43, I e
II, 97, VI, 111, II, do CTN, aos artigos 3º, § 4º, e 6º, XX, da Lei n. 7.713/88, bem como o art. 43, I e
X, do Decreto n. 3.000/99. 4. O julgador, desde que fundamente suficientemente sua decisão, não
está obrigado a responder todas as alegações das partes, a ater-se aos fundamentos por elas
apresentados nem a rebater um a um todos os argumentos levantados, de tal sorte que a
insatisfação quanto ao deslinde da causa não oportuniza a oposição de embargos de declaração,
sem que presente alguma das hipóteses do art. 535 do CPC. Ausência, portanto, de violação ao art.
535 do CPC. 5. Recurso especial não provido. (REsp 1059703/SC, Rel. Ministro BENEDITO
GONÇALVES, PRIMEIRA TURMA, j. 20.8.2009, DJe 31.8.2009).
188
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 188.
71
1ª) Não são tomados em consideração, para fruição da isenção, o
valor da aposentadoria ou pensão e tampouco o percentual que tais
verbas representam relativamente aos rendimentos globais do
contribuinte. De outra parte, tanto faz, à luz da legislação, que a
única fonte de rendimentos do contribuinte seja a aposentadoria ou
pensão, ou não. Ou seja: não importa, para a fruição do benefício, se
o advento da doença comprometeu a capacidade contributiva da
pessoa, ou não. Assim, parece que este princípio foi olimpicamente
ignorado pelo legislados.
2ª) As enfermidades cujo acometimento, pelo contribuinte, autorizam
o gozo do benefício são apenas aquelas taxativamente relacionadas
em lei. Dessarte, aposentados e pensionistas portadores de outras
moléstias graves têm seus rendimentos integralmente submetidos à
tributação, ainda que as conseqüências da doença sejam tão ou
mais nefastas que as decorrentes daquelas listadas na lei. Neste
giro, está-se dispensando tratamento tributário distinto a contribuintes
que se encontram em situação equivalente, numa flagrante
transgressão ao princípio da igualdade.
Mais adiante, outra situação flagrantemente discriminatória, é o
tratamento desigual entre trabalhadores assalariados e não-assalariados, conforme
os artigos 43, X e 75, III do Decreto 3000/99:
Art. 43. São tributáveis os rendimentos provenientes do trabalho
assalariado, as remunerações por trabalho prestado no exercício de
empregos, cargos e funções, e quaisquer proventos ou vantagens
percebidos, tais como:
[...]
X - verbas, dotações ou auxílios, para representações ou custeio de
despesas necessárias para o exercício de cargo, função ou emprego;
Art. 75. O contribuinte que perceber rendimentos do trabalho nãoassalariado, inclusive os titulares dos serviços notariais e de registro,
a que se refere o art. 236 da Constituição, e os leiloeiros, poderão
deduzir, da receita decorrente do exercício da respectiva atividade:
III - as despesas de custeio pagas, necessárias à percepção da
receita e à manutenção da fonte produtora.
Dessa forma que a legislação concede tratamento antagônico a
esses trabalhadores, enquanto empregados, públicos ou privados, devem submeter
integralmente ao IRPF os gastos inerentes ao exercício profissional, os contribuintes
não-assalariados tem a chance de abater integralmente as mesmas despesas, ou
72
seja, as inerentes à sua profissão189, com a única ressalva de que mantenha registro
em livro-caixa190.
Por último há a discriminação entre quem usufrui do auxíliocreche gratuitamente e quem recebe auxílio-creche em pecúnia:
Art. 55. São também tributáveis:
[...]
XV - o salário-educação e auxílio-creche recebidos em dinheiro;
A jurisprudência191 já pacificou o assunto entendendo que a
verba reveste a mesma natureza do direito, portanto se a usufruição do auxíliocreche não importa em incidência do IRPF, o recebimento da verba como forma de
indenização também não deve gerar incidência do imposto. Nas palavras do Ministro
do STJ, Luiz Fux192:
O Regulamento do Imposto de Renda (Decreto 3.000/99), por sua
vez, indica no inciso XV do art. 55 que são tributáveis o salário
educação e o auxílio-creche recebidos em dinheiro. Já no âmbito
deste Conselho, o assunto é regulamentado pela Instrução
Normativa nº 08-01/2005 que, no módulo 06, item 04, estabelece que
o benefício de auxílio pré-escolar não está sujeito à incidência de
contribuição para o Plano de Seguridade Social - PSS, não ficando
sujeito a descontos de qualquer espécie. Considerando que se trata
de verba alcançada ao servidor em substituição à disponibilização de
creche própria pelo órgão público, entendo que o benefício em tela
possui natureza eminentemente indenizatória. Ressalto que
entendimento diverso resultaria em situação na qual seriam
189
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 188-189.
190
§ 2º O contribuinte deverá comprovar a veracidade das receitas e das despesas, mediante
documentação idônea, escrituradas em Livro Caixa, que serão mantidos em seu poder, à
disposição da fiscalização, enquanto não ocorrer a prescrição ou decadência (art. 75, Decreto
3000/99).
191
PROCESSO CIVIL. RECLAMAÇÃO. DECISÃO DE JUIZ FEDERAL QUE DECLAROU A
INEXIGIBILIDADE DO IMPOSTO DE RENDA SOBRE O AUXÍLIO-CRECHE PAGO A SERVIDOR
PÚBLICO DA JUSTIÇA FEDERAL. ANTERIOR DECISÃO ADMINISTRATIVA DO CONSELHO DA
JUSTIÇA FEDERAL QUE NÃO DEFERIU PEDIDO DE SUSPENSÃO DA INCIDÊNCIA DO
TRIBUTO, POR FORÇA DO PRINCÍPIO DA LEGALIDADE. ALEGADA USURPAÇÃO DA
COMPETÊNCIA DO STJ PARA JULGAR MANDADO DE SEGURANÇA CONTRA ATO DO
PRÓPRIO TRIBUNAL. INOCORRÊNCIA. RECLAMAÇÃO INCABÍVEL. (STJ. Decisão Monocrática
Rcl. 004189 (2010/0081049-3). Relator: Ministro Luiz Fux. Data da Publicação 9.9.2010).
192
STJ. Decisão Monocrática Rcl. 004189 (2010/0081049-3). Relator: Ministro Luiz Fux. Data da
Publicação 9.9.2010.
73
prejudicados pela incidência do tributo aqueles servidores que
exercem suas atividades em locais onde não há creche própria, em
relação àqueles que trabalham onde existem creches.
A concessão desta isenção, bem como de qualquer forma de
benefício fiscal, deveria sempre respeitar o princípio da isonomia tributária, de modo
que não discrimine os contribuintes que se encontrem em situação equivalente.
3.3.3 Despesas dedutíveis dos rendimentos brutos
3.3.3.1 Despesas necessárias à produção dos rendimentos tributáveis
O assalariado está impedido de abater despesas necessárias
ao exercício de sua função, logo sua não dedutibilidade fere a Constituição, na
medida em que se tributa o que não é renda, além de ferir o princípio da isonomia
tributária, uma vez que os não-assalariados podem abater tais gastos193.
3.3.3.2 Contribuições à previdência, oficial ou privada
A parcela de dedução do contribuinte para as entidades de
previdência privada, somada às para o Fundo de Aposentadoria Programada
Individual, está limitada a 12% do total dos rendimentos da declaração anual de
ajuste194.
3.3.3.3 Despesas com a saúde do contribuinte e de seus dependentes
As deduções de despesas realizadas com a saúde, assim
compreendidas as feitas com médicos, dentistas, psicólogos, fisioterapeutas,
fonoaudiólogos, terapeutas ocupacionais, hospitais, exames clínicos, serviços
radiológicos, ortopedia e próteses dentárias ou ortopédicas, inclusive no exterior,
atuam efetivamente como instrumento de justiça social, o legislador foi sábio ao
dispor sobre o abatimento integral dos gastos realizados dos rendimentos brutos do
contribuinte195.
193
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 192.
194
195
Decreto 3000/99, artigo 74, §2º.
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 194.
74
3.3.3.4 Despesas com a instrução do contribuinte e de seus dependentes
É permitido o abatimento, na declaração de ajuste, dos gastos
com educação pré-escolar, ensino fundamental, médio e superior, bem como
aqueles feitos para especialização profissional até o limite anual individual de R$
2.708,94196.
Não se aceitam gastos com entidades que educam menores
abandonados nem com a educação de menor pobre que o contribuinte apenas
eduque197, o que desestimula esse tipo de atitude de interesse social.
O maior erro do legislador foi fixar valores tão baixos para o
abatimento incompatíveis com a realidade, o que faz com que influencie diretamente
no sua atuação como instrumento de justiça social descumprindo o princípio da
capacidade contributiva198.
3.3.3.5 Valor fixo por dependente
A legislação permite que se abata até a importância de
R$1.730,40 por dependente, assim entendidos: companheiro(a) com quem o
contribuinte tenha filho ou viva há mais de 5 anos, ou cônjuge; filho(a) ou
enteado(a), até 21 anos de idade, ou, em qualquer idade, quando incapacitado física
ou mentalmente para o trabalho; filho(a) ou enteado(a), se ainda estiverem cursando
estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau, até 24 anos
de idade; irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a), sem arrimo dos pais, de quem o
contribuinte detenha a guarda judicial, até 21 anos, ou em qualquer idade, quando
incapacitado física ou mentalmente para o trabalho; irmão(ã), neto(a) ou bisneto(a),
sem arrimo dos pais, com idade de 21 anos até 24 anos, se ainda estiver cursando
estabelecimento de ensino superior ou escola técnica de segundo grau, desde que o
contribuinte tenha detido sua guarda judicial até os 21 anos; pais, avós e bisavós
que, em 2009, tenham recebido rendimentos, tributáveis ou não, até R$ 17.215,08;
menor pobre até 21 anos que o contribuinte crie e eduque e de quem detenha a
196
Lei nº 9.250, de 1995, art. 8º, II, "b"; Lei nº 11.119, de 2005, art. 3º; RIR/1999, art. 81; IN SRF nº
15, de 2001, art. 39.
197
198
Lei nº 9.250, de 1995, art. 35, inciso IV
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 195-196.
75
guarda judicial; pessoa absolutamente incapaz, da qual o contribuinte seja tutor ou
curador, dispensada a comprovação de despesas199.
O valor extremamente baixo é antagônico à realidade vivida
pelos contribuintes o que faz com que seja difícil sua atuação como instrumento de
justiça social200
3.3.3.6 Pensão alimentícia judicial
A dedutibilidade dos valores pagos pelo contribuinte como
forma de pensão alimentícia por decisão judicial ou acordo homologado pelo juiz,
são integrais dos rendimentos brutos do contribuinte.
O contribuinte que pague pensão voluntariamente, sem
decisão judicial ou homologação de acordo pelo juiz, apenas por sentir-se
moralmente obrigado, como no caso de recém-separados, não gozam de tal
benefício. Portanto há a necessidade de flexibilização da legislação para que acolha
as várias modalidades de pensões alimentícias201.
3.3.3.7 Parcela isenta para contribuintes aposentados ou pensionistas
maiores de 65 anos
Estão isentos a pensão e os proventos da inatividade pagos
pela Previdência Social da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios,
por pessoa jurídica de direito público interno ou por entidade de previdência privada,
a partir do mês em que o pensionista ou inativo completar 65 anos de idade, até o
valor de R$ 1.434,59, por mês, sem prejuízo da parcela isenta prevista na tabela de
incidência mensal do imposto. O valor excedente a esse limite está sujeito à
incidência do imposto sobre a renda na fonte e na declaração202.
199
Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, art. 35; Lei nº 11.482, de 31 de maio de 2007, art. 2º e
3º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda
(RIR/1999), art. 77, § 1º; Instrução Normativa SRF nº 15, de 6 de fevereiro de 2001, art. 38
200
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 197.
201
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 198.
202
Lei nº 9.250, de 26 de dezembro de 1995, arts. 4º, inciso VI, e 8º, § 1º, com redação dada pela Lei
nº 11.482, de 31 de maio de 2007, art. 3º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de 1999 – Regulamento
76
Nas palavras de Carlos Araújo Leonetti:
Esta previsão legal contribui para que o imposto atue como
instrumento de Justiça Social, na medida em que ajuda a assegurar
um mínimo de dignidade àqueles que dedicaram toda uma vida ao
trabalho ou à família.
3.3.3.8 Deduções do imposto devido
Podem
ser
deduzidas
as
doações
feitas
aos
fundos
controlados pelos Conselhos Municipais, Estaduais e Nacional dos Direitos da
Criança e do Adolescente, contribuições ao Fundo Nacional de Cultura (FNC), esses
na forma de doações ou mediante contribuições diretas em favor de projetos
culturais disciplinados pelo Programa Nacional de Apoio à Cultura (Pronac),
produção de obras cinematográficas e incentivo ao desporto203, as somas dessas
deduções não pode ultrapassar 6% do valor do imposto devido, porém não ficam
vinculadas a nenhum valor específico204.
Há ainda a contribuição patronal paga à Previdência Social
pelo empregador doméstico incidente sobre o valor da remuneração do empregado,
o valor da dedução pago a título de contribuição patronal não poderá exceder ao
valor do imposto apurado, diminuído das deduções relativas as outras modalidades
de doações.
Nesse contexto, embora a previsão legal de possível
abatimento no valor do imposto devido, quase nenhum contribuinte faz uso dessa
prerrogativa legal e social, seja por desconhecê-la ou pelas próprias exigências da
lei205. Esses valores poderiam ser usados em favor de vários serviços e obras
sociais para melhor atender à finalidade da justiça social.
do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 39, inciso XXXIV; Instrução Normativa SRF nº 15, de 6 de
fevereiro de 2001, art. 5º, inciso XIII
203
Lei nº 8.313, de 23 de dezembro de 1991, arts. 18 e 26, Lei nº 9.250, de 1995, art. 12, inciso II, e
Medida Provisória nº 1.739-19, de 11 de março de 1999, art. 1º; Decreto nº 3.000, de 26 de março de
1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 90.
204
Lei nº 9.250, de 1995, art. 12, § 1º, e Lei nº 9.532, de 1997, art. 22; Decreto nº 3.000, de 26 de
março de 1999 – Regulamento do Imposto sobre a Renda (RIR/1999), art. 87, §1º.
205
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 200.
77
3.3.4 A progressividade do imposto
Podia-se afirmar que até antes de 1988 o IRPF era
efetivamente informado pela progressividade, as alíquotas variavam de 3% até 55%,
haviam 12 faixas aplicadas progressivamente de acordo com o montante dos
rendimentos tributáveis do contribuinte206.
Com a edição da Lei 7.713/88, que alterou consideravelmente
a tributação da renda, as alíquotas foram reduzidas à apenas duas, e ainda o
percentual da alíquota máxima também fora reduzido, fatos que comprometeram
seriamente a progressividade que é uma de suas características universais, tais
mudanças ocorreram justamente no ano de promulgação da nova Constituição
Federal que obriga o IRPF a ser informado pelo critério da progressividade207. Nas
palavras de Hugo de Brito Machado208:
Na verdade, tais alterações [as perpetradas pela Lei 7.713/88
retiraram do imposto o seu caráter pessoal, contrariando o disposto
no art. 145, par. 1º, da Constituição Federal, além de sua
progressividade, contrariando também o art. 153, par. 2º, inciso I, da
carta de 1988. O legislador ordinário demonstrou, com a referida lei,
desconhecimento ou pouco apreço pela obra Constituinte de 1988,
valendo notar que o Congresso Nacional de então e a Assembléia
Nacional Constituinte eram formados pelos mesmos deputados e
senadores.
A progressividade guarda íntima relação com a capacidade
contributiva, além de cumprir com a melhor distribuição da renda, a progressividade
faz com que a carga tributária seja mais pesada àquele que pode suportar tal carga
tributária, bem como o contribuinte que tem pouca capacidade contributiva é
tributado sob uma alíquota efetiva inferior, dando-lhe um acréscimo nos seus
rendimentos. Desse modo pode-se concluir que o uso da progressividade ajuda a
melhorar a distribuição da renda, e por conseqüência a garantir condições mínimas
de vida aos contribuintes de baixo poder aquisitivo209.
206
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 254.
207
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 202.
208
209
MACHADO, Hugo de Brito. Curso de direito tributário. p. 254.
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 204.
78
Até 2009 as duas alíquotas mantiveram-se as mesmas,
portanto, por um longo período de tempo, mesmo com a inflação, foi quando o
governo reajustou os rendimentos com vistas à recuperação do poder aquisitivo,
porém, como a tabela de alíquotas manteve-se a mesmo, o que ocorreu foi que
muitos contribuintes foram da alíquota de 15% para a alíquota de 27,5%, ou seja,
após o reajuste, pagaram mais IRPF do que pagavam antes, embora seu poder
aquisitivo tenha se mantido o mesmo210.
Hoje há quatro alíquotas, o que faz com que a progressividade
comece a voltar a ser como nos moldes anteriores à Constituição Federal, para
Carraza211 é necessário aumentar as faixas de isenções e o número de alíquotas
para que o imposto deixe de ser parcialmente progressivo para ser realmente
progressivo.
Dessa forma a justiça social só pode ser atingida se houver a
progressividade do imposto, cada vez maior, quanto mais alíquotas progressivas e
faixas de incidência, maior será o número de contribuintes pagando o imposto de
forma proporcional aos seus rendimentos, de forma equitativa para todos. Assim os
menos favorecidos serão os que terão o maior benefício possível.
210
LEONETTI Carlos Araújo. O imposto sobre a renda como instrumento de justiça social no
Brasil. p. 205.
211
CARRAZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. p. 117.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
O presente trabalho teve como objetivo estudar a aplicação do
Imposto de Renda Sobre Pessoas Físicas como instrumento de Justiça Social.
O interesse pelo tema deu-se pelo fato de ser um imposto que
atinge a todos, de forma direta ou indireta, os que não pagam efetivamente, são os
mais interessados em ter a contraprestação pelo Estado da aplicação desse dinheiro
em obras sociais para melhorar sua qualidade de vida.
Em que pese, sabe-se da importância do Imposto de renda no
orçamento do Estado, sem vinculação esta é a maior fonte de arrecadação, e
portanto, destina-se ao custeio de inúmeras situações, porém vê-se que não é
empregado corretamente ou como deveria ser para contribuir com a qualidade de
vida dos contribuintes.
Para seu desenvolvimento lógico o trabalho foi dividido em três
capítulos. No primeiro viu-se como surgiu o Imposto de Renda lá na Inglaterra, bem
como sua vinda e instituição no Brasil, após um breve conceito de renda e de como
é aplicado o imposto, ainda um estudo conciso e muito simplório, apenas para
ilustrar o presente trabalho, de uma das maiores dúvidas dos juristas, o que é justiça
e o que é justiça social.
No
segundo
capítulo
pesquisaram-se
os
fundamentos
constitucionais do Imposto de Renda, seus princípios e aplicação conforme tais
princípios, e após, a definição do Imposto de Renda na legislação específica, o
Código Tributário Nacional e suas generalidades.
No terceiro e último, a pesquisa intensificou-se em tentar
demonstrar a aplicação dos princípios de forma a proporcionar a justiça social, bem
como demonstrar a discriminação de contribuintes em situação de equivalência e
despesas dedutíveis dos rendimentos brutos.
Viu-se que para uma efetiva atuação do Imposto de renda
como instrumento de justiça social, este precisa de uma série de revisões legais,
80
estas abrangendo as formas de deduções bem como quem pode realizar as
deduções, além da necessidade de novas alíquotas muito mais abrangentes. Para
tanto o legislador deve começar partindo dos princípios constitucionais alencados,
principalmente respeitando a isonomia e capacidade tributária e observando estes
fazer consideráveis mudanças nas legislações específicas sobre a matéria,
especialmente no Decreto 3000/99 que regula o imposto de renda.
A jurisprudência já vem adotando critérios a fim de amenizar as
desigualdades encontradas na legislação, porém não é seu trabalho legislar sobre o
assunto, além de que julgar apenas os que buscam tutela judicial está muito aquém
de se efetivar uma justiça social.
Assim, ao considerar as hipóteses apresentadas finalizamos:
A primeira hipótese de que a legislação atual faz com que o
Imposto de Renda sobre Pessoas Físicas trate contribuintes em situação de
equivalência de forma discriminatória, prejudicando sua atuação como um
instrumento de Justiça Social restou confirmada, apesar de possuir inúmeros
princípios que ajudem em tal finalidade, provou-se que a legislação atual trata
contribuintes em situação de equivalência de forma muito discriminatória.
De igual forma, quanto à segunda hipótese, restou comprovada
que a progressividade das alíquotas do Imposto ajuda a melhorar a distribuição de
renda, contribuindo diretamente na capacidade contributiva do contribuinte, uma vez
que o contribuinte com pouca capacidade contributiva tem alíquotas menores, ou até
mesmo torna-se isento do pagamento do imposto, o que lhe gera rendimentos
maiores em proporção se comparados com contribuintes incidentes nas alíquotas
maiores.
Por fim fica o registro de que o presente trabalho não teve
caráter exaustivo, ou seja, com o mesmo não se teve a pretensão de tratar de todos
os temas que norteiam a aplicação do Imposto de Renda como Instrumento de
Justiça Social, o que seria quase impossível, razão pela qual deve servir apenas de
ponto de partida para o necessário e contínuo acompanhamento da evolução do
entendimento doutrinário e jurisprudencial acerca desta matéria do Direito Tributário.
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