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Ciências e Cognição 2012 - Anais do II Encontro Ciências e Cognição
Organização Ciências e Cognição (Org.), Anais, Ciências e Cognição 2012 - II Encontro Ciências e Cognição. 28 a
30 de março de 2012. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2012.
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Ciências e Cognição 2012 – II Encontro Ciências e Cognição
Atividade: IV Seminário Ciências e Cognição: Neurociências Aplicadas à Educação
Seção: Neuroestética
Palestra [Trabalho Completo]
Para citação (APA):
Andrade, P.E. & Andrade, O.V.C.A. (2012). Arte e Educação: uma abordagem
neurocientífica [Trabalho Completo]. Em: Ciências e Cognição 2012, Anais do II Encontro
Ciências e Cognição (online). Rio de Janeiro: Ciências e Cognição. Disponível em:
http://www.cienciasecognicao.org/revista/index.php/ecc
Arte e Educação: uma abordagem neurocientífica
Art and Education: a neuroscientific approach
Paulo Estêvão Andradea e Olga Valéria C. A. Andradeb
a
Grupo de pesquisa “Neurociências e Comportamento: Memória, Plasticidade,
Envelhecimento e Qualidade de Vida” – UNESP, Marília-SP; bGrupo de Pesquisa
“Linguagem, Aprendizagem, Escolaridade” – UNESP, Marília-SP
Resumo
A cultura ocidental atual entende a arte como um campo eminentemente
estético e subjetivo que nos auxilia principalmente nas questões
emocionais. Na educação, a arte (incluindo música) é principalmente
vista apenas como tema transversal, um complemento para enriquecer a
educação do indivíduo. Pouca relação é feita entre o processo artístico e
capacidades de observação, planejamento e raciocínio. Arte e ciência
são aparentemente culturas diferentes e mutuamente excludentes: os
cientistas são vistos como objetivos e racionais, os artistas como
subjetivos e intuitivos. Entretanto, evidências arqueoantropológicas
sugerem que a origem do humano moderno está inextricavelmente
ligada ao surgimento da arte, da linguagem e da tecnologia complexa
(ferramentas tridimensionais de outros materiais que não pedra e
madeira), indicando uma nítida, inequívoca e íntima conexão entre arte,
inteligência e tecnologia. Diferentemente da ideia ocidental de arte
visual como objetos não-utilitários expostos em galerias para
degustação estética, a arte paleolítica constituía uma forma superior das
reflexões homem-meio, proporcionando um acervo inestimável de
conhecimentos sobre o mundo natural e social e como explorá-los, além
de ser uma ferramenta mnemônica única para armazenar e resgatar
informações.
Palavras-chave: arte; educação; inteligência; neurociência
Abstract
Current Western culture sees the art as an eminently aesthetic and
subjective activity which assists us mainly in emotional issues. In
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Ciências e Cognição 2012 - Anais do II Encontro Ciências e Cognição
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30 de março de 2012. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2012.
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education, art (including music) is mainly viewed as merely a crosscutting theme, a complement to enrich the education of the individual.
Little connection is made between the artistic process and observation,
planning, and reasoning abilities. Art and science are seemingly
different and mutually exclusive cultures: scientists are seen as
objective and rational, artists as subjective and intuitive. However,
evidence from archeoanthropology suggests that the origin of modern
human is inextricably linked to the emergence of language, art and
complex technology (three-dimensional tools of other materials than
stone and wood), indicating a clear, unambiguous and intimate
connection between art, technology and intelligence. Unlike the
Western idea of visual art as non-utilitarian objects exposed in galleries
for aesthetics tasting, the Paleolithic art constituted a higher form of
human-environment reflections, providing an invaluable collection of
knowledge about the natural world and society and how to exploit them,
in addition to being a unique mnemonic tool to store and recall
information.
Keywords: art; education; intelligence; neuroscience
1. Introdução
A cultura ocidental atual entende a arte como um campo eminentemente
estético e subjetivo que nos auxilia principalmente nas questões emocionais. De
acordo com o dicionário Aurélio a arte é uma “atividade que supõe a criação de
sensações ou de estados de espírito, de caráter estético, carregados de vivência
pessoal e profunda,...” (Ferreira, 2004). De acordo com o dicionário Caudas Aulete
(Aulete, 2008), a definição de arte, para designar especialmente as belas artes em
contraposição à arte no sentido de técnica, é “Atividade criadora do espírito humano,
sem objetivo prático, que busca representar as experiências coletivas ou individuais
através de uma impressão estética, sensorial, emocional, como tal apreendida por seu
apreciador”.
Bardi (1990) em sua obra Pequena História da arte, comenta que os tratados em
geral sustentam um conceito altamente vago e genérico de arte como a busca do belo,
e acrescenta que a substituição do termo belo por “prazer estético” ainda não nos
oferece um conceito mais claro de arte.
A excessiva subjetividade e pouca clareza que caracterizam as definições
conhecidas de arte, as quais poderiam ser aplicadas diversas atividades e estados
psicológicos, é bem representada na definição de arte compilada por Ferraz e Siqueira
(1987) a partir de vários trechos alusivos à arte escritos por Herbert Read (Read, 1986,
p. 100, 109). De acordo com a síntese de Ferraz e Siqueira (1987, p. 12) a arte “é um
processo dinâmico da vida, uma articulação do fluxo, sem forma da experiência
sensível, um desdobrar de aptidões interiores, propiciando a experiência perceptiva e,
sem dúvida, um processo dialético”.
De fato, como nota Davies (2003), o predomínio da visão de arte como um
processo eminentemente abstrato, subjetivo e emocional reflete-se na abundância de
argumentos sobre a inquestionável capacidade da arte ajudar a solucionar nossos
problemas emocionais, e, consequentemente, na escassez de argumentos sobre a
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relação entre a arte e a capacidade de observação e exercício de planejamento e
raciocínio (Davies, 2003). Nessa perspectiva, arte e a ciência são vistas como
atividades pertencentes a culturas diferentes, mutuamente excludentes e até mesmo
antagônicas (Davies, 2003).
Entretanto, uma análise histórica e científica mais cuidadosa, histórica e
científica, nos mostra um quadro muito diferente (Davies, 2003; Smith, 2000; Mithen,
2002). Há alguns séculos atrás durante a Renascença a escolarização se dava por meio
das artes e ciências e não havia uma clara linha de separação entre ambas. Por volta do
ano de 1400, os artistas do norte da Europa repentinamente começaram a representar o
mundo natural e humano de uma maneira realista ou naturalista e novas ideias
surgiram entre os cientistas sobre como descrever a natureza de forma realista, e sobre
a visão do homem com relação à natureza e o mundo material. Nesse contexto
histórico da ciência os artistas e artesãos tiveram um papel central nesta transformação
nas novas atitudes que caracterizaram a Revolução científica o qual é pouco
reconhecido pela sociedade (Smith, 2000). E, voltando ainda mais no tempo, veremos
que os registros arqueológicos e paleoantropológicos da pré-história, datados de antes
de 6 mil anos atrás, indicam que a arte, filosofia, religião e ciência se misturavam de
tal forma que seria difícil traçar linhas claras de divisão entre elas (Mithen, 2002;
Davies, 2003). E, realmente, parece que uma clara linha divisória entre artes e ciência
é apenas uma marca registrada da cultura ocidental dos últimos três séculos (Mithen,
2002; Davies, 2003).
Neste estudo, enfatizaremos o papel fundamental da arte, incluindo a música,
na educação, não sob o ponto de vista da arte como um tema transversal, um
complemento para enriquecer a educação do indivíduo, como a maioria das pessoas e
profissionais da educação entende, mas, sobretudo, como um componente biopsíquico
do repertório de capacidades humanas com raízes profundamente biológicas não
obstante sua grande e rica diversidade nas manifestações culturais. Nesta perspectiva a
arte é o reflexo e a genuína representação de um avanço sem precedentes na evolução
cognitiva do gênero humano, a capacidade de plena integração das vários domínios
cognitivos evoluídos. Nessa perspectiva a arte é o aspecto único e essencial do
comportamento humano e que possibilitou avanços tecnológicos e sociais únicos.
Nesse sentido a arte e a música devem ser consideradas como conteúdos essenciais na
formação do indivíduo (como são nas culturas tradicionais) e como disciplina escolar
fundamental.
2. Arte: conceito, subjetividade e objetividade
Se analisarmos mais cuidadosamente as várias definições de arte propostas pelo
filósofo inglês Herbert Read, um dos principais proponentes da educação através da
arte, veremos que elas são muito mais objetivas do que a compilação proposta por
Ferraz e Siqueira (1987) baseada em Read. Veremos a seguir que de modo algum as
definições de Read negligenciam a materialidade da arte e a percepção sensorial, as
quais, na arte, estão inextricavelmente ligadas ao sentimento estético e sua linguagem.
Na realidade Read reivindica que toda teoria geral de arte deve começar com a
suposição de que “o homem responde à forma, à superfície e a massa das coisas
apresentadas aos seus sentidos”, e que certas proporções nesses aspectos físicos
resultam em uma sensação agradável, o senso estético de beleza, ao passo que a falta
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de tais proporções “leva à indiferença ou até mesmo ao desconforto positivo e
repulsa”, o senso estético de “feiura” (Read, 1972, p. 18).
Assim, Read sustenta que o senso estético está inextricavelmente ligado à
percepção de certas proporções contidas na experiência sensorial em qualquer
modalidade (visual, auditiva, etc). Portanto, quando Read argumenta que a arte “é a
linguagem elementar da comunicação, articulando o fluxo sem forma da experiência
sensível” (Read, 1986, p. 100), entendemos que ele está se referindo à noção exposta
no parágrafo acima de que o senso estético é a sensibilidade inata do homem a certas
proporções existentes na experiência sensível, bem como à noção de que a arte resulta
dessa busca dos sentidos “em sua percepção intuitiva da forma, harmonia, proporção e
integridade ou totalidade de qualquer experiência.” (Read, 1986, p. 46).
Read argumenta que o senso estético e a arte são elementos permanentes da
humanidade (Read, 1972, p. 24), “parte de nossa constituição fisiológica” (Read, 1986,
46), isto é, inatos. De acordo com Read, independentemente de como definimos a arte
ela “está presente em tudo o que fazemos para satisfazer nossos sentidos”, e “não
existe obra de arte genuína que não atraia, basicamente, os nossos sentidos – nossos
órgãos físicos de percepção” (Read, 2001, p. 16).
Read propõe que a arte apresenta três estágios principais (Read, 1977, p. 23).
Inicia-se pelos sentidos os quais são prontamente submetidos ao sentimento estético, o
qual se caracteriza pela busca de integração das informações provenientes das diversas
modalidades sensoriais e pela busca da ordem e proporção nelas contidas; assim, a
presença em maior ou menor grau, ou até mesmo a ausência, dessa ordem e proporção
resultará sentimentos/emoções particulares. Numa terceira fase o senso estético pode
entrar em correspondência com um estado emocional previamente existente e
encontrar expressão, sendo esta o ato criativo básico da arte (Read, 1977).
Em suma, Read (1986, p. 106) assume a noção de que a arte representa a
“...fusão de uma realidade externa, baseada na percepção, e uma realidade interna,
experimentada como sentimento”, o sentimento estético, de modo que ele também não
nega o caráter subjetivo da arte. Aliás, Read também afirma claramente que a arte é
essencialmente abstrata uma vez que é "uma resposta do corpo e da mente do homem”
às harmonias contidas na experiência (Read, 1972, p. 42).
Conforme Herbert Read, é no processo de integração das informações
provenientes das várias modalidades perceptivas e o sentimento estético provocado e
atuando sobre estas informações é que resulta num processo de abstração e reflexão
sobre a realidade, a formação de um “um enfoque integral da realidade” (Read, 2001).
Nessa perspectiva, Read (1986, p. 106) assume a noção de que a arte atua como “uma
ponte entre a experiência vivida e pensamento lógico”. Read também argumenta que,
por causa dos atributos da arte, isto é, integração da informação sensório-perceptiva,
extração de padrões, proporções e ritmo aliados à resposta emocional-afetiva, as artes
também têm um papel fundamental como ferramenta mnemônica.
Consequentemente, todos estes atributos da arte em geral geram profundas
implicações sobre seu papel na construção dos significados e conhecimentos da
experiência humana, e, portanto, “tem amplas implicações sobre a educação.” (Read,
1986, p. 106).
Para Read, a arte na educação não seria uma “educação artística” no sentido de
treino de habilidades técnicas, mas sim uma “educação estética” na qual se estimula,
educa e desenvolve os sentidos e o senso estético, e da emoção, o que em última
instância possibilita um “enfoque integral da realidade” sobre o qual “se fundam a
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consciência e, em última instância, a inteligência e o juízo do indivíduo humano”
(Read, 1977, p. 33). Nesta perspectiva, a educação artística ou estética não deveria ser
somente uma disciplina, mas também a base de toda os conteúdos envolvidos na
educação (Read, 2001).
Na visão de Read, portanto, o homem possui um instinto e uma necessidade de
expressão estética e simbólica a qual é essencial ao processo de desenvolvimento
cognitivo e social e, por isso, a arte sempre foi, desde os tempos pré-históricos, uma
necessidade vital para o homem e as nações (Read, 2001), “tão fundamental, tão ligada
com as necessidades elementares da civilização, que um ethos nacional deve encontrar
sua expressão neste meio” (Read, 1972, p. 42).
Nas seções seguintes, veremos que esta visão encontra, hoje, eco nas mais
recentes pesquisas arqueoantropológicas e neurocientíficas.
3. As bases neurobiológicas da inteligência humana e o canivete suíço
A visão clássica e prevalente na psicologia até meados do século XX é
representada, principalmente no Brasil, pelas teorias de Piaget e Vygotsky as quais
sustentam que não há nada de inato na inteligência humana. Nessas visões clássicas do
desenvolvimento intelectual humano, os neonatos saem do útero somente com um
grupo mínimo de reflexos (choro, sucção, apreensão, movimentos básicos dos
membros, etc.) e uma motivação para aprender. O bebê não possui nem percepção e
nem memória, pois sua experiência do mundo visual consiste de uma tábua sensorial,
ou seja, uma série de imagens bidimensionais passageiras que mudam com cada
movimento do objeto ou das sacadas visuais (Andrade, 2006 a,b). De acordo com estes
autores, é somente após um longo período de quase dois anos de experiências
sensório-motoras ou linguísticas é que, aproximadamente por volta dos dezoito meses
de idade, a criança se torna capaz de representar mentalmente o mundo em termos de
“conceitos” (objetos, eventos, etc.) e de pensar sobre ele (Andrade, 2006 a, b;
Gazzaniga & Heatherton, 2005).
Nesta visão clássica, a capacidade de aprender e solucionar problemas baseiase em um ou alguns mecanismos cognitivos flexíveis e adaptáveis de natureza geral
(isto é, não-específicos de domínio), sejam de natureza lógico-matemática, como
propôs Piaget, ou linguísticos, tal como na noção de pensamento verbal ou fala interna
de Vygotsky e altamente eficientes na percepção de padrões durante as experiências
(Andrade, 2006a).
Entretanto, evidências empíricas dos últimos 40 anos, incluindo estudos
comportamentais com animais, bebês e adultos humanos, estudos neuropsicológicos de
lesão e neuroimagem em indivíduos sadios, bem como estudos interculturais
(Gazzaniga & Heatherton, 2005; Andrade 2006 a, b) e arqueoantropológicos (Mithen,
2002) sugerem fortemente que o desenvolvimento ontogenético da inteligência
humana se baseia em múltiplas capacidades inatas básicas evoluídas para solucionar
problemas específicos de sobrevivência, tais como sistemas de percepção e
representação de entes/objetos inanimados e animados, interações físicas entre estes
objetos, senso numérico, localização e navegação espacial, e relações sociais (Geary,
2002; Andrade & Prado, 2003). Estes mecanismos cognitivos primários inatos, por sua
vez, servem de substrato para o desenvolvimento, por meio da plasticidade cerebral e
dos estímulos ambientais, das habilidades culturalmente construídas (Geary, 2002;
Andrade & Prado, 2003; Andrade, 2006 a).
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A partir dessas evidências, passaram a ganhar força as abordagens
evolucionárias da mente humana, as quais, de um modo geral, sustentam que o
processo de seleção natural molda as espécies à sua ecologia, não somente nos
seus tratos físicos e fisiológicos, mas também nos seus tratos comportamentais,
o que, em outras palavras, significa evolução cognitiva e, consequentemente,
cerebral.
Nesta perspectiva, qualquer trato comportamental que tenha sido o resultado
de pressões evolucionárias (adaptativas) deve ser universalmente distribuído entre as
culturas humanas, tantos as existentes quantos as extintas; manifestar-se em membros
ainda imaturos da espécie e ser processado com algum grau de automação (Fodor,
1983; Geary, 2002; Gazzaniga & Heatherton, 2005). A relativa independência e
especificidade desses domínios no nível neurológico fica evidenciada nos estudos de
lesão em que há dupla dissociação entre um domínio e outro, isto é, déficits seletivos
são observados no domínio A preservando o domínio B e vice-versa.
Hoje a maioria dos cientistas cognitivos concorda que a mente não opera
somente programas de utilidade geral, mas apresenta um número considerável de
dispositivos de processamento da informação relativamente especializados e moldados
para solucionar problemas específicos. Uma analogia comumente utilizada para
descrever essa visão de uma mente composta ou múltipla é a da mente como um
canivete suíço, o qual tem embutido no seu corpo uma série de pequenas ferramentas
(tesouras, serrinhas, pinças, chave de fenda, etc.), cada qual projetada para solucionar
um problema bem específico (Mithen, 2002). Mais tecnicamente, essas áreas cerebrais
especializadas são denominadas por alguns como módulos (Fodor, 1983), por outros
como domínios cognitivos (Geary, 2002), ou ainda de inteligências (Gardner, 1983).
Por exemplo, o filósofo e psicolinguista Jerry Fodor (Fodor, 1983) propôs que
os sistemas específicos de processamento, as lâminas ou ferramentas de seu canivete
suíço mental, se restringiriam às áreas de entrada da informação, isto é, às áreas
unimodais sensório-perceptivas do cérebro (visão, audição, motricidade, etc.), e os
chamou de “módulos mentais”. Além de específicos de domínio, os módulos seriam
também encapsulados (não se influenciam durante o processamento) e automáticos (se
ativam rápida e inconscientemente) e, por isso, Fodor os considera “estúpidos”. Assim,
para Fodor (1983) o comportamento inteligente ou a “cognição” somente surge quando
entram em jogo os sistemas cognitivos centrais que, ao contrário dos módulos, são
lentos, não encapsulados e de domínio geral, e operam para coordenar, orquestrar e dar
sentido às informações provenientes dos módulos.
Em 1983, no mesmo ano em que Fodor publicou sua Teoria da Modularidade
da Mente, Howard Gardner publica a Teoria das Inteligências Múltiplas (Gardner,
1983), propondo um canivete suíço ligeiramente diferente, mais preocupado com
questões pedagógicas práticas do que com uma filosofia da mente. Relacionando
evidências de diversas ciências como a psicologia, neurologia, antropologia,
linguística, artes, etc., eliminou a noção de módulos confinados apenas aos sistemas de
entrada e argumentou que mesmo tarefas complexas, como a linguagem, a matemática
e a música pareciam operar de modo relativamente independente ao longo de todo o
fluxo da informação. A cada uma das lâminas de seu canivete suíço, que corresponde a
sete comportamentos (lingüístico, lógicomatemático, musical, espacial, cinestésicocorporal, intrapessoal e interpessoal) que ele identificou como universal, precoce e
independente psicológica e neurologicamente, Gardner chamou de inteligência, em vez
de módulo. Um de seus argumentos mais fortes para a sua reivindicação de que esses
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comportamentos poderiam ser considerados como inteligências independentes veio da
existência de autistas idiot savant (idiotas sábios) nos quais uma inteligência
(aritmética, música ou pintura) poderia se manifestar plenamente, enquanto outras
estariam seriamente prejudicadas.
De fato vários estudos com maior controle dos estímulos verbais demonstram
que em idades pré-operacionais as crianças já apresentam reversibilidade e
conservação (Andrtade & Prado, 2003; Andrade, 2006b). Métodos revolucionários de
observação de bebês ainda na fase pré-verbal, que comparam o tempo do olhar do bebê
para estímulos novos com o de estímulos aos quais já foram previamente habituados,
revelam habilidades básicas de discriminação de objetos, sua numerosidade e
comportamento físico em períodos muito anteriores aos previstos por Piaget (Andrade,
2006 a, b; Gazzaniga & Heatherton, 2005).
Hoje, já há evidência farta de que bebês tão jovens quanto 2,5 a 3,5 meses já
possuem permanência do objeto, discriminação numérica e expectativas sobre diversas
categorias de eventos físicos, incluindo suporte, oclusão e eventos de colisão,
revelando o princípio da solidez (segundo o qual os objetos não se movem através do
espaço ocupado por outros objetos), bem como se surpreendem quando um objeto em
movimento para no meio do ar (Andrade, 2006a,b; Gazzaniga & Heatherton, 2005). A
percepção auditiva lingüística e musical e a imitação em bebês também são achados
impressionantes (Andrade, 2006a). Estudos de lesão e neuroimagem revelam que
essas habilidades precoces persistem nos adultos humanos e dependem de substratos
neurais relativamente específicos (Andrade, 2006 a,b: Gazzaniga & Heatherton, 2005).
Atualmente, os psicólogos evolucionários enquadram as capacidades cognitivas
evoluídas em três tipos sistemas gerais (Geary, 2002; Andrade & Prado, 2003). Os
sistemas físicos caracterizam-se pela discriminação e categorização de objetos, pela
física intuitiva (já descrito na seção anterior), habilidades numéricas básicas,
localização e navegação espacial, etc. Os sistemas biológicos caracterizam-se
principalmente pela taxonomia animal e vegetal intuitiva e universal (discriminação e
categorização de objetos animados e seres vivos, seu comportamento, etc., e parecem
residir nas áreas posteriores do cérebro (occipitotemporais e occiptoparietais), bem
como no córtex temporal inferior. Finalmente, os sistemas sociais começam na escolha
dos parceiros sexuais, agregação em bandos, e se desenvolve nas relações
interindividuais, como manipular outros membros do grupo e estabelecer coligações
baseadas na família, bem como relação intergrupos, etc. (Geary, 2002; Andrade &
Prado, 2003). Uma significativa porção do cérebro humano é devotada ao
comportamento social, particularmente no córtex pré-frontal e parietal inferior, áreas
que não são de entrada sensório-perceptiva, mas sim de integração da informação de
varas modalidades sensório-perceptivas e cognitivas; são maiores e apresentam
microcircuitos mais complexos do que nos outros primatas (Geary, 2002; Andrade,
2006 a).
4. Arte e humanidade: a arte como essência da inteligência humana
É importante enfatizar que muitas dessas habilidades evoluídas, chamadas de
domínios cognitivos, ou módulos, ou ainda inteligências, não são exclusivamente
humanas. Evidências arqueoantropológicas revelam que estes domínios já se
encontravam bem desenvolvidos em muitos primatas do gênero Homo (Mithen, 2002),
e evidências neucognitivas mostram que muitas deles já estão presentes em outros
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primatas, os quais possuem ricos sistemas conceituais e habilidades sociais (Andrade,
2006 a, b).
Por exemplo, a capacidade de representar e operar mentalmente em um nível
totalmente abstrato com objetos hipotéticos, um requisito essencial a uma capacidade
sofisticada de previsão e planificação que caracteriza o pleno desenvolvimento do
programa lógico-matemático mental e reestruturável de Piaget, e que surgiria somente
por volta dos 11-12 anos no estágio operatório formal, já foi considerada como a
conquista final da evolução cognitiva do homem. O arqueólogo americano Thomas
Wynn (1985) usou a teoria de Piaget para argumentar que há trezentos mil anos atrás a
capacidade do Homo erectus e do Homo sapiens arcaico (que precederam o homem
moderno, Homo sapiens sapiens) de fabricarem machados de mão refinados e
simétricos em três dimensões evidenciava o tipo de pensamento do estágio operatório
formal de Piaget, e, consequentemente, que a mente humana moderna já estava pronta
desde àquela época (Mithen, 2002, pp. 59-60). Embora Wynn tenha acertado que
produzir um machado de mão requer a formação de uma imagem mental da ferramenta
acabada e planejar a sequência de ações adequadas antes de começar a tirar lascas da
pedra original, essa habilidade já estava presente muito antes do Homo erectus e do
Homo sapiens arcaico, e mais ainda da mente humana moderna (Mithen, 2002).
De fato, as capacidades encontradas no Homo habilis, um hominídeo que viveu
há 2,5 milhões de anos, em contraste a apenas 100 mil anos do surgimento do homem
moderno (Homo sapiens sapiens), sugerem a presença do pensamento operatório
formal. O Homo habilis representou o primeiro grande passo na evolução em direção
ao homem moderno, sendo o primeiro hominídeo a fabricar ferramentas (machados de
mão) e demonstrar grande capacidade de desenvolver hipóteses sobre a localização de
carcaças e animais (Mithen, 2002; Tattersall, 1998). Em outras palavras, não é correto
pensar que o pensamento operatório-formal representa o último estágio de evolução
cognitiva, tanto de um ponto de vista filogenético quanto ontogenético.
Achados pré-históricos de utensílios feitos de outros materiais que não madeira
e pedra (como ossos e marfins) juntamente com a evidência de um rico
comportamento simbólico e linguagem, tais como a produção de objetos simbólicos
(artefatos, gravações em pedra e ossos, contas, esculturas), pinturas, sepulturas,
associado com esqueletos humanos anatomicamente modernos, sugerem a presença de
uma nova base cognitiva que marcou o surgimento do homem moderno somente entre
30 e 70 mil anos (Mithen, 2002; Mellars, 2004). Na realidade, todos os arqueólogos
concordam que a origem do pensamento humano moderno está inextricavelmente
ligada ao surgimento da arte e da religião, formas superiores de comunicação
simbólica que sustentam o surgimento da linguagem oral e representaram uma crucial
vantagem adaptativa à espécie humana em relação a outros hominídeos (Holden, 1998;
Tattersall, 1998, 2008; Mithen, 2002; Mellars, 2004). Essa explosão cultural ou big
bang na evolução da inteligência certamente reflete mecanismos cognitivos muito
além do operatório formal (Mithen, 2002).
Embora na visão de Gardner cada inteligência teria suas próprias formas de
memória e raciocínio, ele comentou que “um dos grandes prazeres em qualquer área
intelectual se deve a uma exploração do seu relacionamento com outras esferas da
inteligência.” (p. 96), e assumiu que as inteligências normalmente são encontradas
interagindo-se, sobrepondo-se desde o início da vida nas tarefas mais complexas, e
enfatizou que esta interação é a chave das realizações culturais da humanidade.
Gardner assume que a capacidade de interação entre as inteligências representa o ápice
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30 de março de 2012. Rio de Janeiro: Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), 2012.
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da inteligência humana e se reflete na maior profusão e profundidade de metáforas e
analogias que os indivíduos mais inteligentes são capazes de fazer. Fodor, por sua vez,
expôs uma visão semelhante ao assumir que o grande mistério e essência da
inteligência humana reside na criatividade das operações holísticas dos sistemas
centrais, livres do automatismo e do encapsulamento e ricas em analogias. Nesse
sentido as operações holísticas dos sistemas centrais de Fodor correspondem às
inteligências de Gardner trabalhando interativamente e harmoniosamente.
A noção de que a essência da inteligência e da criatividade típicas da mente
humana reside na capacidade de criar conexões ou interações, ou ainda o mapeamento
entre domínios relativamente autônomos, e que esta capacidade se reflete
principalmente na criação de analogias e metáforas, é de longe a mais consensual entre
os mais importantes psicólogos e arqueoantropólogos da atualidade (Mithen, 2002). A
analogia e a metáfora, por sua vez, são capacidades simbólicas inextricavelmente
ligadas às origens da arte, música e da religião, bem como da linguagem.
Mithen argumenta que os sistemas físicos, naturais (biológicos) e sociais
continuaram se desenvolvendo ainda de forma relativamente separada, e por volta de
1,4 milhões anos aparecem os primeiros machados de mão feitos pelo Homo erectus,
com imposição da forma, simetria bilateral e considerados as primeiras ferramentas do
gênero humano, embora eficientes para carcaças e não para a caça. Isto continuou
assim até há 250 mil quando ocorreu um progresso tecnológico significativo com o
surgimento de ferramentas feitas com o Método de Levallois, que produz lascas e
pontas de pedra cuidadosamente moldadas, superando os machados de mão mais
grosseiros e permitindo a caça a grandes animais. Este tipo de ferramentas foi
característico do homem de Neandertal (Homo Neanderthalensis) o gênero escolhido
como paradigma do homem arcaico (Mithen, 2002, p. 208), em muitos aspectos
semelhantes a nós no tamanho do cérebro e habilidade técnica, e provavelmente com
um sistema social tão complexo quanto o nosso (p. 208). Entretanto, nem o Homo
erectus nem os neandertais apresentavam sinais de comportamento simbólico abstrato,
de arte e linguagem como a que temos hoje, sugerindo que os sistemas físico,
naturalista e social ainda não se interagiam satisfatoriamente (Mithen, 2002; Tattersall,
2008), muito embora possuíam as três capacidades cognitivas cruciais para a produção
da arte – a concepção mental de uma imagem (fazer uma ferramenta), a comunicação
intencional e a atribuição de significado (a pegadas ou rastros de presas) (Mithen,
2002, p. 262).
A ausência de arte nesses ancestrais pode ser explicada pela ausência de
sistemas centrais que integrassem esses três domínios (citando Fodor), ou de um
funcionamento harmonioso entre eles (lembrando Gardner). Como nota Mithen (2002)
a integração harmoniosa entre os módulos desses três grandes domínios é que
caracteriza a “fluidez cognitiva”, que dá origem ao simbolismo visual ou arte, a
essência da natureza humana.
Crucialmente relevante para nossa discussão é o fato de o aparecimento da
tecnologia complexa, com ferramentas tridimensionais de outros materiais que não
pedra e madeira (como as lâminas de osso e marfim para lanças e flechas, etc.), estar
inextricavelmente ligado ao aparecimento da arte. Isto indica uma nítida, inequívoca e
íntima conexão entre arte, inteligência e tecnologia. As esculturas e pinturas
paleolíticas representavam a paisagem de plantas e animais, rochas, colinas e cavernas
e eram repletas de significados e socialmente construídas. Os antropomorfismos na
arte paleolítica, atribuindo aos animais pensamentos semelhantes aos dos humanos,
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também representam uma forma de se pensar sobre o mundo natural em termos
sociais. O totemismo, o reverso do antropomorfismo,, envolvia a implantação de
indivíduos e grupos humanos dentro do mundo natural, pensamentos universais entre
grupos humanos de caçadores-coletores modernos (Mithen, 2002, p. 75, 266-267).
O que importa destacar aqui é que essas características da arte paleolítica
exigem uma fluidez cognitiva que representa uma harmoniosa integração entre a
inteligência social e naturalista e mudou profundamente a interação do homem com o
mundo natural, proporcionando um acervo muito maior e mais preciso de
conhecimentos sobre o mundo natural e como explorá-lo, como na previsão do
movimento das presas, estratégias de caça, etc. A produção de esculturas sofisticadas,
peças de adorno, etc., não seriam possíveis sem integração da inteligência técnica
(relacionada à Inteligência cinestésico-corporal de Gardner) à social; ao passo que a
produção de ferramentas sofisticadas e específicas para os contextos de caça exige a
integração da inteligência técnica com a natural, fechando o ciclo de integração entre
domínios.
Assim como na arte visual paleolítica, há evidências de características
universais nas culturas e estilos musicais nos princípios subjacentes a: 1)
produção das melodias (combinação sucessiva de notas através da qual
reconhecemos uma música); 2) percepção dos intervalos (diferença de altura
entre duas notas) consonantes e dissonantes que provocam uma sensação
psicoacústica agradável ou desagradável, respectivamente; e 3) organização
das notas musicais em escalas e sua organização temporal (metro e ritmo)
(Andrade, 2004).
A música, assim como a arte e a linguagem, é tão antiga quanto as artes
visuais e se mistura com as próprias origens do homem moderno. A arte musical
possui uma característica única, a manifestação da integração das inteligências
social, técnica e natural no nível sônico. Dentre os objetos de arte paleolítica
estão flautas feitas de osso, cujos furos sugerem escalas musicais semelhantes às
escalas como fazemos música hoje, mostrando que o homem de Cro-Magnon era tão
aficionado por música quanto nós.
Os sons musicais, diferentemente das palavras e do simbolismo visual
paleolítico, não se referem a nenhum outro objeto concreto ou abstrato. Por isso, a
música, com certeza, é a mais subjetiva das formas de arte e a que mais se presta à
abstração de nossos sentimentos, da relação do homem com o sobrenatural, e de nossa
religiosidade. Talvez essa seja a razão pela qual em todas as culturas pré-capitalistas a
música sempre se revestiu de um caráter sagrado, de um significado cosmogônico,
existencialista, ponto de articulação entre o físico e o metafísico. Esse papel da
música é facilmente observável nas tribos primitivas, desde os aborígenes da Austrália,
das tribos indígenas das Américas, e dos povos selvagens da África, até as mais
sofisticadas tradições culturais da Ásia e da Europa (Andrade, 2004; Andrade &
Konkiewitz, 2011).
Hoje sabemos que áreas anteriores temporofrontais do hemisfério direito
parecem ser especialmente dedicadas à musica. Entretanto, também sabemos que a
manifestação plena dessa arte sônica é a atividade humana que mais envolve recursos
neurais de diferentes domínios, como a linguagem e áreas visuo-espaciais e áreas
motoras (Andrade, 2004; Andrade & Konkiewitz, 2011). De fato, muitos trabalhos têm
mostrado que o treinamento musical parece incrementar as habilidades espaciais e
matemáticas, bem como alterações plásticas no cérebro dos músicos como o aumento
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das conexões da parte mais frontal que reflete efeitos motores e cognitivos do
treinamento musical e parecem estar relacionados a um melhor desempenho dos
músicos em relação aos não-músicos em tarefas visuo-espaciais. O treinamento
musical também tem efeitos positivos na memória de trabalho, na abstração e nas
habilidades numéricas (Andrade, 2004; Andrade & Konkiewitz, 2011).
Revisões da literatura mostram que a maioria dos autores sustenta que a música
existe e persiste na sociedade humana graças às fortes respostas emocionais que ela
evoca. Seus poderosos efeitos emocionais e psicofisiológicos e suas universalidades
sugerem também um papel de regulador emocional e no desenvolvimento afetivoemocional e sócio-cognitivo, como no desenvolvimento de relações interindividuais
(mãe-filho) e de coesão social (Andrade, 2004; Andrade & Konkiewitz, 2011).
A música é um domínio cognitivo profundamente encravado na nossa biologia,
a despeito de suas inúmeras e fascinantes variações culturais. Estudos recentes têm
proposto que pela sua pluralidade cognitiva a música tornou-se um comportamento
adaptativo por representar uma forma única de se desenvolver habilidades cognitivas,
motoras, linguísticas e sociais necessárias da espécie humana (Andrade & Konkiewitz,
2011).
5. Discussão
O termo “comportamento humano moderno” se refere aos pensamentos e ações
realizadas por mentes equivalentes à do Homo sapiens sapiens e, consequentemente,
ao pensamento holístico e simbólico.
A arte paleolítica representa uma forma eficiente e única de reflexão
intrapessoal e social, e desses níveis sócio-cognitivos com o mundo natural. A arte
paleolítica, sem dúvida, também constituiu uma ferramenta mnemônica eficiente e
única para armazenar e resgatar informações altamente relevantes para a sobrevivência
e significativas no nível individual e de grupo. Contas, pingentes e outros tipos de
adorno, refletindo a integração das inteligências social e técnica, sempre foram
altamente preenchidas de significados sociais como status social, filiação familiar e de
grupos, etc. Ferramentas de exploração do meio e de caça representam a integração das
inteligências técnica e natural (sistemas cognitivos biológicos).
Portanto, conceito de inteligência é melhor compreendido quando observamos
as habilidades envolvidas na produção e compreensão da arte e o simbolismo e a
metáfora nela contidos.
Além de constituir a base do comportamento linguístico o simbolismo contido
na arte extrapola em muito a própria linguagem como um sistema de códigos.
Como notou Davies (2003, p. 133), “a visão estereotipada do cientista objetivo
e analítico e do artista subjetivo e intuitivo é falsa, e o trabalho de ambos, artista e
cientista, requer uma mistura de objetividade e subjetividade, habilidades analíticas e
intuitivas trabalhando juntas como um todo”.
Concluímos, portanto, em favor das principais noções de arte propostas por
Herbert Read e que estimular o comportamento simbólico e artístico por meio de uma
educação estética é, ao mesmo tempo, estimular os principais mecanismos cognitivos
que caracterizam a inteligência humana.
A música, por sua vez, constitui uma forma de arte com um potencial único de
envolver e estimular mecanismos de integração entre diferentes domínios cognitivos e,
portanto, da inteligência integrada (Andrade, 2004; Andrade & Konkiewitz, 2011).
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