ISSN: 1981-8963 DOI: 10.5205/reuol.4656-38001-2-SM.0707201321 Donoso MTV, Rosa EG, Borges EL. Perfil dos pacientes com pé diabético de um… ARTIGO ORIGINAL PERFIL DOS PACIENTES COM PÉ DIABÉTICO DE UM SERVIÇO PÚBLICO DE SAÚDE PROFILE OF PATIENTS WITH DIABETIC FOOT AT A PUBLIC HEALTH CENTER PERFIL DE PACIENTES CON PIE DIABÉTICO DE UN CENTRO DE SALUD PÚBLICA Miguir Terezinha Vieccelli Donoso1, Elizabeth Geralda Rosa2, Eline Lima Borges3 RESUMO Objetivo: caracterizar o perfil dos pacientes diabéticos atendidos em um ambulatório de referência para pessoas diabéticas, com lesões em membros inferiores. Método: estudo transversal descritivo, com 331 pacientes diabéticos com lesões nos membros inferiores, que foram submetidos à avaliação do profissional enfermeiro. Para coleta de dados utilizaram-se formulário e o prontuário do paciente, submetidos à dupla digitação por pessoas independentes. Foi empregado o Programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) para gerar análises de frequências de variáveis categóricas e médias de outros tipos de variáveis. Este estudo teve o projeto de pesquisa aprovado pelo Comitê de Ética, sob o protocolo nº 68/08. Resultados: entre os pacientes, 51,0% eram mulheres, a maioria idosa, casadas ou em união estável e com baixa escolaridade. A maioria deambulava e apresentava história de úlcera prévia, 17,5% claudicavam, 4,8% referiam dor em repouso e 26,9% haviam amputado parte de um membro inferior. Conclusão: o exame físico do paciente diabético deve incluir avaliação minuciosa dos pés e o enfermeiro desempenha papel fundamental nesse processo. Descritores: Pé Diabético; Enfermagem; Complicações do Diabetes. ABSTRACT Objective: to characterize the profile of diabetic patients cared for at an outpatient clinic for diabetic people with injuries in the lower limbs. Method: descriptive, cross-sectional study with 331 diabetic patients with injuries in the lower limbs, who were referred to the evaluation of professional nurses. For data collection, we used a form and the patients' records, submitted to double typing by independent people. We applied the software Statistical Package for the Social Science (SPSS) to analyze the frequency of categorical variables and averages of other types of variables. The research project was approved by the Ethics Committee, under Protocol No. 68/08. Results: Among the patients, 51.0% were women, most of them older adults, married or living with a partner in a stable relationship, and with low level of education. Most of them walked and had history of previous ulcer, 17.5% claudicated, 4.8% reported pain at rest, and 26.9% had amputated part of a lower limb. Conclusion: the physical examination of diabetic patients should include thorough evaluation of the feet and nurses play key a role in this process. Descriptors: Diabetic Foot; Nursing; Complications of Diabetes. RESUMEN Objetivo: caracterizar el perfil de los pacientes diabéticos atendidos en un centro ambulatorio para personas diabéticas, con lesiones en las extremidades inferiores. Método: estudio descriptivo, transversal con 331 pacientes diabéticos con lesiones en las extremidades inferiores, sometidos a la evaluación del enfermero profesional. Para la recopilación de datos se utilizaron un formulario y los registros de los pacientes, sometidos a doble digitación por personas independientes. Se empleó el programa Statistical Package for the Social Science (SPSS) para analizar la frecuencia de variables categóricas y promedios de otros tipos de variables. Este proyecto de investigación fue aprobado por el Comité de Ética, bajo el Protocolo N° 68/08. Resultados: entre los pacientes, 51.0% eran mujeres y la mayoría tenía edad avanzada, casadas o en unión estable y con baja escolaridad. La mayoría caminaba y poseía antecedentes de úlcera anterior, 17,5% claudicaban, 4,8% afirmaba tener dolor en reposo y 26,9% había amputado parte de un miembro inferior. Conclusión: el examen físico del paciente diabético debe incluir una evaluación cuidadosa de los pies y los enfermeros juegan un papel clave en este proceso. Descriptores: Pie Diabético; Enfermería; Complicaciones de la Diabetes. 1 Enfermeira, Estomaterapeuta, Fundação Hospitalar de Minas Gerais/FHEMIG, Belo Horizonte (MG), Brasil. Email: [email protected]; 2Enfermeira, Porfessora Doutora em Enfermagem Fundamental, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, Belo Horizonte (MG), Brasil. [email protected]; 3Enfermeira, Professora Doutora em Ciências da Saúde, Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, Belo Horizonte (MG). Brasil. [email protected] Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(7):4740-6, jul., 2013 4740 ISSN: 1981-8963 Donoso MTV, Rosa EG, Borges EL. INTRODUÇÃO Os problemas nos pés de pacientes diabéticos advêm da aterosclerose e da neuropatia periférica. A aterosclerose geralmente leva à isquemia e a neuropatia causa alterações motoras, sensitivas e autonômicas. As alterações motoras se caracterizam pela atrofia secundária dos músculos esqueléticos nas pernas e pés. As alterações sensitivas ocasionam a diminuição da sensibilidade dolorosa e proprioceptiva. Nas alterações autonômicas são percebidas a diminuição da sudorese, que leva ao ressecamento e surgimento de fissuras na pele e alteração do fluxo sanguíneo.1 O desenvolvimento das úlceras nos pés está relacionado a fatores que formam uma tríade crítica composta pela neuropatia, deformidade e traumatismos leves.2 Em Belo Horizonte–MG não há estudos sobre prevalência de diabetes melitus e suas complicações na população. Entretanto, existe um dado fornecido pela Gerência de Atenção ao Adulto da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte (SMSAPBH), que revela que em 2004, no grupo de pacientes diabéticos, houve uma porcentagem quase equivalente de amputações no nível da coxa em comparação às amputações de dedos dos pés, que foram de 31% e 33%, respectivamente. Segundo classificação do Ministério da Saúde, o grau para desenvolvimento de úlceras dos pés caracteriza-se como Risco zero para neuropatia ausente, Risco I para neuropatia presente sem deformidades, Risco II para neuropatia presente, deformidades e/ou doença vascular periférica ou Risco III caracterizado por presença de 3 úlcera/amputação prévia. Apesar da existência de um fluxo determinando que apenas os pacientes diabéticos que apresentem grau de Risco II ou III devam ser encaminhados para o centro de referência para tratamento de pés diabéticos, cenário desse estudo, tem-se observado na consulta de enfermagem que uma parte dos pacientes encaminhados pelas Unidades Básicas de Saúde (UBS) ou pelos hospitais não se enquadra naqueles critérios de risco. Muitos pacientes encaminhados apresentam calos, micose de pele e unhas e Risco zero (neuropatia ausente) ou Risco I (neuropatia presente sem deformidades), o que caracteriza ausência de risco ou baixo risco. DOI: 10.5205/reuol.4656-38001-2-SM.0707201321 Perfil dos pacientes com pé diabético de um… infecções profundas e extensas com repercussão hemodinâmica, inclusive pacientes em pós-operatório de amputações, revascularização ou desbridamento com sinais de complicações na lesão operatória, infecção, necrose ou exposição óssea. A situação descrita suscita dúvidas sobre o real perfil dos pacientes diabéticos atendidos no centro de referência, cujo serviço foi reestruturado há vários anos. Dessa forma, esse estudo objetiva caracterizar o perfil dos pacientes diabéticos atendidos no ambulatório de referência para pessoas diabéticas com lesões em membros inferiores. Os resultados poderão subsidiar discussões junto a Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte para avaliação da linha de cuidados em cirurgia vascular, com ênfase na atenção ao paciente diabético com lesões em membros inferiores. MÉTODO Trata-se de um estudo transversal descritivo, realizado em ambulatório de atendimento a pessoas diabéticas com lesões em membros inferiores. A população foi composta pelos pacientes diabéticos cadastrados e atendidos por enfermeiros em um período de 12 meses e a amostra foi constituída pelos prontuários desses pacientes, totalizando 331 prontuários. Nesse estudo, a amostra correspondeu à população. Para a caracterização dos pacientes, utilizaram-se as seguintes variáveis: sexo; idade; raça/cor; estado civil; situação familiar; escolaridade; ocupação; e procedência. Para avaliação dos membros inferiores dos pacientes, analisaram-se as variáveis: mobilidade; claudicação intermitente; dor em repouso; úlcera prévia; amputação prévia e seu nível; presença de calos, fissuras, deformidades e seus tipos; sensibilidade protetora plantar; micose plantar, interdigital ou onicomicose; e sinais de insuficiência venosa e arterial. Para caracterizar a lesão ativa, avaliaram-se as variáveis: número de lesões; tempo de existência; área lesada; fator desencadeante; localização; etiologia; perda tecidual; e presença de sinais clínicos de infecção. Observa-se, paralelamente, o encaminhamento de pessoas com lesões muito graves associadas à isquemia crítica ou a Para coleta de dados, utilizaram-se formulários contendo itens sobre o perfil sócio-demográfico do paciente, suas condições de saúde e características dos membros inferiores e da lesão. Os dados foram extraídos do prontuário do paciente e submetidos à dupla digitação por pessoas independentes, checando-se possíveis erros nesse processo. Foi empregado o Programa Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(7):4740-6, jul., 2013 4741 ISSN: 1981-8963 Donoso MTV, Rosa EG, Borges EL. Statistical Package for the Social Science (SPSS) para gerar análises de frequências de variáveis categóricas e médias de outros tipos de variáveis. O projeto de pesquisa foi aprovado pelos Comitês de Ética e Pesquisa da Universidade Federal de Minas Gerais/UFMG, Parecer nº 68/08 e da Secretaria Municipal de Saúde da Prefeitura de Belo Horizonte, Parecer no 023/2008, respeitando-se os princípios que orientam a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, conforme resolução do Conselho Nacional de Saúde 196/96. RESULTADOS Dos 331 pacientes, 162(48,9%) pertenciam ao sexo masculino e 168(50,8%) ao feminino. Quanto à faixa etária, 217(65,6%) pacientes tinham mais de 60 anos, sendo que a maior concentração estava na faixa de 60 a 69 anos (30,8%). A idade variou entre 27 e 94 anos, com média de 64 anos (± 11,8%). Grande parte dos pacientes tinha pele de cor branca (42%), seguida da parda (35,3%) e negra (20%). Constatou-se que 131 (39,6%) eram casados ou mantinham união estável. Esse dado não estava registrado no prontuário de 120 (36,3%) pessoas. A maioria (87,6%) convivia com familiares, mas 35 pacientes (10,6%) viviam sós. Apenas três (0,9%) pacientes possuíam ensino superior completo, 132 (39,9%) tinham ensino fundamental incompleto e 126(38,1%) eram analfabetos, caracterizando uma população de baixa escolaridade. Grande parte da amostra era composta por aposentados ou pensionistas (48,6%), seguidos de pacientes formalmente ativos (29,3%). Quatro pacientes (1,2%) encontravam-se em licença médica e 56 estavam desempregados (16,9%). A grande maioria (86,1%) era proveniente do município de Belo Horizonte, 38 (11,5%) tinham sido encaminhados pelos municípios da região metropolitana de Belo Horizonte e sete (2,1%) do interior de Minas Gerais. A maioria dos pacientes (94,0%) deambulava, apesar de que 23,9% necessitavam de algum tipo de apoio para fazê-lo e 18 pacientes (5,4%) não deambulavam. Contudo, as queixas relativas à claudicação intermitente foram relatadas por 58 pacientes (17,5%), enquanto 16(4,8%) apresentavam dor em repouso. Histórias de úlcera prévia e de amputação de parte de membro inferior foram positivas para 206 (62,2%) e 89 (26,9%) pacientes, respectivamente. Lembra-se que quando há amputação prévia, o nível dessa intervenção é classificado em maior quando ocorreu na Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(7):4740-6, jul., 2013 DOI: 10.5205/reuol.4656-38001-2-SM.0707201321 Perfil dos pacientes com pé diabético de um… região transmetatarsiana ou acima e menor, quando foi abaixo da articulação metatarsiana. As amputações foram em nível menor em 59 pacientes (65,6%) e em nível maior em 25 (27,8%). Quanto às condições dos pés, 157 pacientes (47,4%) apresentavam calos ou fissuras e 117 (35,4%) deformidades, sendo as mais frequentes dedos em garra (56,4%), valgismo de hálux (14,5%) e dedos em martelo (10,3%). A sensibilidade protetora dos pés estava ausente em 104 pacientes (31,4%) e a maioria (74,9%) apresentava micose nos pés. Sinais de insuficiência arterial e venosa estavam presentes em 143 (43,2%) e 172 (52,0%) pacientes, respectivamente. No momento da primeira avaliação, 280 pacientes (84,6%) apresentavam ferida ativa, variando de uma a seis lesões. Dos pacientes com lesão, 230(72,5%) apresentavam uma lesão e 62 (22,1%) duas lesões. Os demais apresentavam três (2,9%), quatro (2,1%) ou seis (4,0%) lesões. Considerando-se o tempo de existência das lesões, essas apresentavam menos de um mês de existência (35,0%) e de um a quatro meses (38,9%), incluindo até três pacientes (1,1%) que apresentavam lesão havia mais de 120 meses. A área das lesões variou de menos de 50 cm2 a mais de 250 cm2, sendo que 244 pacientes (87,1%) apresentavam área inferior a 50 cm² e 25(8,9%) com lesões de área de 50 a 150 cm². Poucos apresentavam grandes lesões com área entre 15 e 250 cm² (1,4%). Esse dado encontrava-se ausente em um prontuário. A localização das lesões era diversa, sendo essas encontradas na região da perna (28,2%), artelhos (25,4%), região plantar (15,7%), laterais (14,3%) ou dorso do pé (13,6%). A maioria desses pacientes (61,8%) apresentava lesões classificadas em profunda parcial (61,8%), profunda total (15,3%) ou superficial (22,1%). Esse dado não estava registrado em dois prontuários. Os sinais clínicos locais de infecção foram apresentados por 71 pacientes (25,4%). Quanto à etiologia das lesões, a maioria dos pacientes (71,8%) não apresentava este registro no prontuário. Dos que apresentavam etiologia da lesão definida (24,3%), 20,0% eram cirúrgicas, 2,1%, neuropáticas, 0,4% microangiopáticas e 1,4% correspondia a lesões venosas. Em relação ao risco do pé para apresentar lesão, este dado não foi registrado no prontuário de 322 pacientes (97,3%). Nos prontuários com registro, constatou-se risco zero, I e III, respectivamente em cinco pacientes (1,5%), em três (0,9%) e em um paciente (0,3%). 4742 ISSN: 1981-8963 Donoso MTV, Rosa EG, Borges EL. DISCUSSÃO As variáveis sociodemográficas, juntamente com a história clínica e a avaliação de risco para complicações nos pés, são elementos que contribuem para se identificar fatores desencadeantes para formação do pé diabético.4 Nesse estudo não foi observado variação significante entre os sexos. No entanto, outros estudos apontam para o predomínio desse agravo no sexo masculino.5,6 A idade média dos pacientes desse estudo foi de 64 anos. A idade próxima de 60 anos reitera a evolução insidiosa do diabetes melitus e suas complicações. Considerando-se que a maioria dos pacientes encontrava-se na faixa etária acima de 60 anos, muitos já estavam aposentados, condição já identificada na literatura.7 No que se refere à cor dos pacientes, 42% eram brancos, resultado muito inferior aos 88% dos pacientes avaliados em pesquisa sobre pessoas com pé diabético.8 A maioria dos pacientes (84,6%) apresentava lesão ativa nos membros inferiores e provavelmente necessitaria de repouso para recuperação. No entanto, 29,3% estavam empregados e apenas 1,2% encontravam-se em licença médica. Tais dados levam a supor que a baixa porcentagem de pacientes trabalhadores em licença médica deve-se à falta de seguridade social e/ou possível redução salarial decorrente da licença médica. O suporte familiar é fundamental no cuidado ao paciente diabético, pois ele é um aliado para aquisição de orientações de saúde adequadas e no processo de enfrentamento da doença.9 No entanto, o fato do paciente viver em companhia de familiares (88,8%), fossem companheiros, filhos ou outros, não diminuiu a ocorrência de complicações, uma vez que 87,6% dos pacientes desenvolveram complicações variadas. Neste estudo foi constatado um percentual em torno de 47% de analfabetismo ou baixa escolaridade, constituindo-se um fator agravante para o desenvolvimento de complicações crônicas do diabetes, pela limitação do acesso a informações. Contudo, estes resultados não correspondem à situação da região sudeste quando comparados aos dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), nos quais se identificou que em 2008, 15,8% da população eram analfabetos.10 DOI: 10.5205/reuol.4656-38001-2-SM.0707201321 Perfil dos pacientes com pé diabético de um… encaminhamento de 13,6% dos pacientes para Belo Horizonte, onde se dispõe de serviços especializados no atendimento de pacientes com esse agravo. A capacidade para deambular, observada em 70% dos pacientes constitui um aspecto importante para a autosuficiência. A mobilidade inadequada da pessoa com diabetes pode desencadear ou agravar lesões no pé.11 A claudicação intermitente é uma das manifestações clínicas de insuficiência arterial periférica que, na grande maioria dos casos, tende a se localizar na panturrilha, quando há estenose ou obstrução arterial.12 Essa manifestação foi relatada por 17,5% dos pacientes desse estudo. A dor em repouso traduz um estado crítico circulatório em termos arteriais e corresponde ao estágio 3 na escala de Fontaine. Esse estágio precede a ulceração ou gangrena ou corresponde ao índice de pressão tornozelo-braço (ITB) de 0,13 a 0,39.13 Dentre os pacientes estudados, 44,8% apresentaram dor em repouso. A alta porcentagem de pacientes com úlcera prévia (62,2%) obtida pode ser atribuída à falta de especificidade do dado na consulta de enfermagem, que possivelmente inclui toda e qualquer úlcera, independentemente de sua etiologia e localização. Nesse estudo, amputações de membros inferiores ocorreram em quase 27% dos pacientes. A amputação de membro constitui a mais temida e dispendiosa complicação de uma lesão de pé.14 A perda de sensibilidade, as deformidades nos pés e a mobilidade articular limitada podem resultar em carga biomecânica anormal do pé. Como resposta normal, um calo é formado devido ao excessivo estresse mecânico. Já o comprometimento autonômico interfere na sudorese dos pés, ressecando-os e, dessa forma, predispondo-os a fissuras.11 A ocorrência de calos e fissuras foi significativa neste estudo (47,4%). A provável inexistência de serviços secundários de atenção a pacientes com pé diabético em diversos municípios ou nas cidades-pólo de Minas Gerais pode justificar o Dentre as deformidades encontradas nos pacientes estudados destacaram-se os dedos em garra, com 56,4% dos pacientes. A neuropatia leva a insensibilidade, e, subsequentemente, à deformidade do pé, com a possibilidade de desenvolver uma marcha anormal.15 A perda de sensibilidade é importante fator preditivo de 16 desenvolvimento de úlceras nos pés, uma vez que, devido à falta de resposta dolorosa, a neuropatia periférica favorece a repetição de traumas no tecido, contribuindo para o desenvolvimento de lesões. Constatou-se essa alteração em quase 65% da amostra. Já a Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(7):4740-6, jul., 2013 4743 ISSN: 1981-8963 Donoso MTV, Rosa EG, Borges EL. micose esteve em quase 75% dos pacientes desse estudo. Infecções fúngicas em pacientes diabéticos frequentemente evoluem para complicações, sendo seu tratamento 17 imprescindível. Neste estudo, mais de 43% dos pacientes apresentavam sinais de insuficiência arterial. Quando detectada a doença arterial obstrutiva periférica no paciente diabético, dois pontos devem ser cuidadosamente observados: se o paciente tem um quadro estável de claudicação intermitente e se há presença de isquemia grave com associação de lesão trófica e infecção.18 A avaliação dos membros inferiores também envolveu a identificação dos sinais de insuficiência venosa, uma vez que alguns pacientes atendidos pela equipe do centro de referência apresentavam sinais clínicos desse agravo. O encaminhamento para o centro de referência daqueles pacientes com sinais de insuficiência venosa se deve, provavelmente, ao fato de que a classificação de risco de úlcera utilizada pelo serviço define como risco II os pacientes com sinais de doença vascular periférica, o que pode incluir insuficiência venosa. Essa classificação foi revisada em 2006 pelo Ministério da Saúde, que estabeleceu que, para o risco II, os sinais devem referir-se à doença arterial periférica. Entretanto, esta mudança ainda não havia sido adotada pelo serviço em questão. Quanto à área das úlceras, a maioria apresentava área inferior 50 cm2, sendo essa área pequena compatível com úlceras de origem neurotrófica, dado confirmado em pesquisa semelhante.19 O trauma foi a principal causa do desencadeamento de lesão nesse estudo. Outro dado relevante refere-se ao fato de que quase 16% dos pacientes foram admitidos no serviço após alta hospitalar, com lesões cirúrgicas abertas devido à amputação, ao desbridamento, ou ambos. O pé insensível por neuropatia não ulcera espontaneamente, ou seja, causas traumáticas encontram-se associadas, como por exemplo, uso de calçados inadequados e agressões térmicas ou mecânicas.20 Nesse estudo, a região do pé mais acometida foi a dos artelhos (25,4%). Deformidades ósseas nas cabeças metatarsianas do antepé representam áreas de excessiva pressão na superfície plantar na fase da marcha.4 A presença de lesão nas pernas foi identificada em 28,2% dos pacientes. A porcentagem obtida foi decorrente da presença de úlceras de etiologia venosa e lesões provenientes de Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(7):4740-6, jul., 2013 DOI: 10.5205/reuol.4656-38001-2-SM.0707201321 Perfil dos pacientes com pé diabético de um… amputações e/ou desbridamentos, presentes nas diversas regiões da perna. Aproximadamente 25% dos pacientes apresentavam lesões com sinais de infecção. Alterações na circulação e neuropatia periférica fazem com que a ocorrência de infecção seja mais frequente no paciente diabético, sendo seu controle mais difícil.21 Quanto à profundidade, predominaram as lesões classificadas como lesões com perda parcial (61,8%). Pela história socioeconômica e clínica dos pacientes associada aos exames gerais, neurológicos e vasculares específicos dos pés são detectados fatores de risco que os pacientes apresentam para desenvolvimento de úlceras. Podem-se utilizar graus de risco para classificar pacientes diabéticos, sendo que esse grau está associado ao risco de ulceração, necessidade de hospitalização e de amputação.22 Apesar da importância de se classificar o risco de instalação de úlcera, apenas 2,7% dos pacientes tinham classificação de risco registrada no prontuário. A classificação permite identificar quais e quantos pacientes apresentam desde ausência de risco adicional até alto risco de úlcera. A partir destes dados, é possível estruturar um sistema gradual de assistência que possa atendê-los e acompanhá-los de forma contínua e preventiva, em detrimento de um atendimento puramente emergencial, priorizando aqueles que apresentam alto risco. Lembra-se que no cuidar em enfermagem configura-se a essência do agir nessa profissão.23 CONSIDERAÇÕES FINAIS A ocorrência do que se nomeia como pé diabético encontra-se interligada a situações socioeconômicas, além dos fatores predisponentes e associados à doença de base. A provável inexistência de serviços secundários de atenção a pacientes com pé diabético em diversos municípios favorece complicações e intervenções mais invasivas, como a amputação. Sinais e sintomas do paciente com pé diabético, como dor em repouso, claudicação e presença de úlcera, devem ser valorizados e investigados para possível intervenção. A neuropatia diabética leva a insensibilidade do membro, e, subsequentemente a várias intercorrências que muitas vezes culminam com a amputação do pé. O exame físico do paciente diabético deve incluir avaliação minuciosa dos pés, o que nem sempre acontece, sendo que o enfermeiro, como 4744 ISSN: 1981-8963 Donoso MTV, Rosa EG, Borges EL. cuidador desempenha papel fundamental nesse processo. A equipe interdisciplinar deve trabalhar em sintonia, atendendo a pessoa com pé diabético criteriosamente e intervindo na prevenção desse agravo. REFERÊNCIAS 1. Cosson ICO, Ney-Oliveira F, Adan LF. Avaliação do conhecimento de medidas preventivas do pé diabético em pacientes de Rio Branco, Acre. Arq bras endocrinol metab [Internet]. 2005 [cited 2013 Mar 12];49(4):548-56. Available from: http://www.scielo.br/pdf/abem/v49n4/a13v 49n4.pdf 2. Carvalho CBM, Mota Neto R, Aragão LP, Oliveira MM, Nogueira MB, Forti AC. Pé diabético: análise bacteriológica de 141 casos. Arq bras endocrinol metab [Internet]. [cited 2013 Mar 12];2004;48(3):398-405. Available from: http://www.scielo.br/pdf/abem/v48n3/a12v 48n3.pdf 3. Brasil. Ministério da Saúde. Caderno de Atenção Básica. Departamento de Atenção Básica. Área Técnica de Diabetes e Hipertensão Arterial. Hipertensão arterial sistêmica e diabetes mellitus: protocolo. Brasília: Ministério da Saúde, 2001. 4. Ochoa-Vigo K, Torquato MTCG, Silvério IAS, Queiroz FA, Guanilo MCDLTU, Pace AE. Caracterização de pessoas com diabetes em unidades de atenção primária e secundária em relação a fatores desencadeantes do pé diabético. Acta paul enferm [Internet]. 2006 [cited 2013 Mar 12];19(2):296-03. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v19n3/a07v19 n3.pdf 5. Tavares DMS, Dias FA, Araújo LR, Pereira GA. Perfil de clientes submetidos a amputações relacionadas ao diabetes mellitus. Rev bras enferm [Internet]. 2009 [cited 2013 Mar 12];62(6):825-30. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v62n6/a04v 62n6.pdf 6. Melo EM, Teles MaS, Teles RS, Barbosa IV, Studart RMB, Oliveira MM.Avaliação dos fatores interferentes na adesão ao tratamento do cliente portador de pé diabético. Rev Enf Ref [Internet]. 2011 [cited 2013 Fev 22];3(5):37-44. Available from: http://www.scielo.gpeari.mctes.pt/pdf/ref/v serIIIn5/serIIIn5a04.pdf DOI: 10.5205/reuol.4656-38001-2-SM.0707201321 Perfil dos pacientes com pé diabético de um… estomaterapia. Rev Estima [Internet]. 2006 [cited 2013 Mar 12];4(3):19-2. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v22n4/a10v22 n4.pdf 8. Brito TB, Coneglian AV, Olbricht SRLR, Nitshe MJT, Pimenta WP. Atendimento de enfermagem ao paciente diabético ambulatorial: aspectos epidemiológicos. Nursing. 2008; 11(121):268-73. 9. Zanetti ML, Biagg MV, Santos MA, Peres DS, Teixeira CRS. O cuidado à pessoa diabética e as repercussões na família. Rev Bras Enferm [Internet]. 2008 [cited 2013 Mar 12];61(2):186-92. Available from: http://www.scielo.br/pdf/reben/v61n2/a07v 61n2.pdf 10. Brasil. IBGE. Séries Estatísticas e Séries Históricas [cited 2012 Aug 1]. Available from: http://seriesestatisticas.Ibge.gov.br. 11. Ochoa-Vigo K, Pace AE. Pé diabético: estratégias para prevenção. Acta paul enferm [Internet]. 2005 [cited 2013 Mar 12];18(1):100-9. Available from: http://www.scielo.br/pdf/ape/v18n1/a14v18 n1.pdf 12. Makdisse M, Nascimento Neto R, Chagas ACP, Brasil D, Borges JL, Oliveira A et al. Adaptação transcultural e validação do questionário de claudicação de Edimburgo. Arq Bras Cardiol [Internet]. 2007 [cited 2013 Mar 12];88(5):501-6. Available from: http://www.scielo.br/pdf/abc/v88n5/a01v88 n5.pdf 13. Thomaz JB. Exame clínico vascular nos portadores de úlcera dérmica nos membros inferiores. In: Thomaz JB. Úlcera dos membros inferiores. São Paulo: Byk; 2002. p.69-91. 14. Singh N, Armstrong DG, Lipsky BA. Preventing foot ulcers in patients with diabetes. JAMA [Internet]. 2005 [cited 2013 Mar 12];293(2):217-28. Available from: http://jama.jamanetwork.com/data.journals /JAMA/4959/JCR40054.pdf 15. Hirota CM, Haddad MCL, Guariente MHDM. Pé diabético: o papel do enfermeiro no contexto das inovações terapêuticas. Cienc Cuid Saúde [Internet]. 2008 [cited 2013 Mar 12];7(1):114-20. Available from: http://www.hiperbaricasantarosa.com.br/arq uivos/PE_DIABETICO_O_CONTEXTO_DOS_ENFE RMEIROS_NAS_INOVACOES_TERAPEUTICAS.pdf 7. Fiusa SM, Menezes ALF, Prado SLP, Ataíde MBC. Caracterização dos pacientes diabéticos atendidos em um ambulatório de 16. Boyko EJ, Ahroni JH, Nelson KM, Heagerty PJ. Prediction of diabetic foot ulcer occurrence using commonly available clinical information: the Seattle Diabetic Foot Study. Diabetes care [Internet]. 2006 [cited 2013 Mar 12];29(6):1202-7. Available from: Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(7):4740-6, jul., 2013 4745 ISSN: 1981-8963 Donoso MTV, Rosa EG, Borges EL. DOI: 10.5205/reuol.4656-38001-2-SM.0707201321 Perfil dos pacientes com pé diabético de um… http://care.diabetesjournals.org/content/29/ 6/1202.full.pdf+html 17. Gomes e Silva CM, Vidal ECF. Idosos com diabetes mellitus: práticas de autocuidado. Cad Cult Ciênc [Internet]. 2011 [cited 2013 Mar 12];10(2):24-31. Available from: http://periodicos.urca.br/ojs/index.php/cad ernos/article/view/408/pdf 18. Caiafa JS, Castro AA, Fidelis C, Santos VP, Silva ES, Sitrângulo Jr CJ. Atenção integral ao portador de pé diabético. J vasc bras [Internet]. 2011 [cited 2013 Mar 12];10(4):1-32. Available from: http://www.scielo.br/pdf/jvb/v10n4s2/a01v1 0n4s2.pdf 19. Sheehan P, Jones P, Caselli A. Giurini Jm, Veves A. Percent Change in Wound Area of Diabetic Foot Ulcers Over a 4-Week Period Is a Robust Predictor of Complete Healing in a 12-Week Prospective Trial. Diabetes care. [Internet]. 2003 [cited 2013 Mar 12];26(6):1879-1882. Available from: http://care.diabetesjournals.org/content/26/ 6/1879.full.pdf+html 20. Duarte N, Gonçalves A. Pé diabético. Angiol cir vasc [Internet]. 2011 [cited 2013 Mar 12];7(2):65-9. Available from: http://www.scielo.oces.mctes.pt/pdf/ang/v7 n2/v7n2a02.pdf 21. Sader HS, Durazzo A. Terapia antimicrobiana nas infecções do pé diabético. J vasc bras [Internet]. 2003 [cited 2013 Mar 12];2(1):61-6. Available from: http://www.jvascbr.com.br/03-02-01/03-0201-61/03-02-01-61.pdf 22. Boulton AJ, Armstrong DG, Albert SF, Frykberg RG, Hellman R, Kirkman S et al. Comprehensive foot examination and risk assessment: a report of the task force of the foot care interest group of the American Diabetes Association, with endorsement by the American Association of Clinical Endocrinologists. Diabetes care [Internet]. 2008 [cited 2013 Mar 12];31(8):1679-85. Available from: http://care.diabetesjournals.org/content/31/ 8/1679.full.pdf+html 23. Fabri ACOC, Alves MS, Faquim LJ, Oliveira MLL, Freire PV, Lopes FN. Cuidar em enfermagem: saberes de enfermeiros da atenção primária à saúde. J Nurs UFPE on line [Internet]. 2013 Feb [cited 2013 Mar 12];7(2):474-80. Available from: http://www.revista.ufpe.br/revistaenfermag em/index.php/revista/article/view/2911/pdf _2030 Português/Inglês Rev enferm UFPE on line., Recife, 7(7):4740-6, jul., 2013 Submissão: 05/03/2012 Aceito: 08/05/2013 Publicado: 01/07/2013 Correspondência Miguir Terezinha Vieccelli Donoso Escola de Enfermagem Universidade Federal de Minas Gerais / Campus Saúde Av. Prof. Alfredo Balena, 190 / Sala 216 Bairro Santa Efigênia CEP: 30130-100 Belo Horizonte, (MG), Brasil 4746