SINAIS E SINTOMAS NAS CARDIOPATIAS Liane Hülle Catani Introdução A presença de sopros cardíacos, arritmias, cianose, crises hipoxêmicas, síncope, dor torácica, sudorese às mamadas, cansaço aos esforços, taquidispneia, edemas, hepatomegalia, deformidades torácicas, alterações no padrão de crescimento e desenvolvimento e pneumonias de repetição são achados que podem se correlacionar à presença de doenças cardiovasculares e merecem especial atenção em todas as idades. A avaliação clínica deve ser a mais completa possível, incluindo a palpação do íctus, pulsos nos quatro membros, verificação da pressão arterial com manguito adequado e, assim que possível, obter avaliação de especialista. Embora, na atualidade, modernas tecnologias tragam para o exame do aparelho circulatório informações importantes sobre anatomia e função, a semiologia detalhada permanece como peça fundamental no diagnóstico de anomalias do sistema cardiovascular. São dados importantes e que orientam maior atenção a possíveis sinais e sintomas de cardiopatias: Antecedentes gestacionais e condições de nascimento: a presença de infecções gestacionais, como a rubéola, mães diabéticas, lúpicas, utilização de certos tipos de drogas (fenitoína, anfetaminas, saias de lítio, álcool e outras) e prematuridade estão associados a uma maior incidência de cardiopatias congênitas. Idade do paciente: sopros ou outros sinais e sintomas relacionados ao sistema cardiovascular encontrados em recém-nascidos ou no primeiro ano de vida devem ser investigados detalhadamente por um especialista, pela maior possibilidade da presença de alterações estruturais. Síndromes genéticas e malformações congênitas: algumas cromossomopatias estão associadas a uma maior frequência de cardiopatias congênitas. Nas síndromes de Patau e Edwards, a frequência de malformações cardíacas ultrapassa 90% dos casos. Pacientes com síndrome de Down, mesmo com ausculta cardíaca normal ao nascimento, merecem uma avaliação criteriosa, já que 50% deles apresentam cardiopatias, especialmente comunicação interventricular e defeito do septo atrioventricular. Em aproximadamente 25% das crianças com malformações de outros sistemas, existe a associação com defeitos cardíacos e, portanto, devem ser investigados. Antecedentes familiares de cardiopatias congênitas: a presença de cardiopatias congênitas nos pais, irmãos ou primos de primeiro grau eleva o risco de ocorrência de lesões semelhantes em até dez vezes. Outros dados importantes na anamnese são: História recente de infecções de vias aéreas ou quadros diarreicos, se a suspeita for miocardite ou pericardite. Amigdalites de repetição, dores articulares ou dificuldade na deambulação na suspeita de doença cardíaca reumática. Principais sinais e sintomas de cardiopatia Arritmias Na criança o ritmo irregular pode estar relacionado à presença de extrassístoles, bradi ou taquiarritmias, mas também pode representar arritmia sinusal ou respiratória normal em crianças, onde a frequência cardíaca aumenta na inspiração e diminui à expiração. Quanto à frequência cardíaca, existem limites de variação relacionados à idade, lembrando que esses limites não podem ser considerados caso o paciente apresente-se com hipertermia ( eleva a FC) ou hipotermia. Freqüência Cardíaca Médias e Limites RN 6 meses 1 ano 2 anos 4 anos 6 anos 10 anos 14 anos 145 145 132 120 108 100 90 85 (90-180) (105-185) (105-170) (90-150) (72-135) (65-135) (65-130) (60-120) Davignon et al.Pediatric Cardiology 1979/80 1:33-152 Os sinais e sintomas decorrentes dos distúrbios do ritmo são muito variáveis, dependendo do tipo de arritmia, da causa de base e da faixa etária. Do ponto de vista prático, o médico deve avaliar: Queixa de palpitação ou coração acelerado? História anterior de cardiopatia congênita operada ou não? Existem sinais de repercussão hemodinâmica como palidez, sudorese, pulsos finos, alteração na pressão arterial ou sintomas como síncope, tonturas? Na criança menor, irritabilidade, diminuição da aceitação alimentar associada ao achado de arritmia? A resposta positiva a uma ou mais dessas questões, obriga o médico a encaminhar o paciente ao serviço de emergência para pronta investigação e terapêutica. A criança, por apresentar imaturidade do sistema cardiovascular, depende muito da variação de sua frequência cardíaca como mecanismo compensatório frente a qualquer estresse metabólico para manter o adequado débito cardíaco. Desta forma, o reconhecimento precoce de arritmias e pronta intervenção pode modificar de forma importante o prognóstico final. Lembrar que pelas próprias variações na frequência cardíaca por faixa etária (maiores frequências quanto menor a criança), as crianças menores toleram menos frequências menores, enquanto podem suportar por mais tempo taquiarritmias, antes de apresentarem sinais ou sintomas de baixo débito. Dessa forma, diante da suspeita de arritmia, o exame físico deve ser minucioso, a anamnese detalhada e o ideal é encaminhá-la para investigação. Em crianças maiores, a frequência, duração, fatores desencadeantes e de melhora podem ser obtidos. Fundamental para o diagnóstico da arritmia é a realização do eletrocardiograma (ECG) no momento do achado ou da crise. Entretanto, mesmo fora do episódio de arritmia, diante de dados de anamnese que levem a suspeita (períodos de irritabilidade, sudorese ou palidez, síncope, sensação de batimentos lentos, rápidos ou irregulares) o ECG deve ser realizado em busca de alterações que esclareçam a etiologia como miocardiopatias, síndromes de pré-excitação (Wolf-Parkinson-White, que apresenta onda delta e ou PR curto), presença de bloqueios átrio-ventriculares ou outras. Cianose A cianose nas cardiopatias congênitas, ocorre pela mistura de sangue venoso e arterial e, portanto, trata-se de cianose central. A cianose central pode somente ser reconhecida clinicamente se a porcentagem de hemoglobina reduzida for maior que 5g/dl, o que dificulta a sua percepção se o paciente apresentar anemia. O melhor local para observar a presença de cianose é a língua, uma vez que não é afetada por mudanças de temperatura, como ocorre nas extremidades. Na criança parda ou negra, a pigmentação da pele também pode provocar dúvidas quanto ao achado ou não de cianose, assim como de anemia. Assim, em caso de dúvida, a verificação da saturação de oxigênio pela oximetria de pulso pode ser útil, sendo normal se ≥95% em ar ambiente, verificada preferencialmente em membro superior direito. Baqueteamento digital e unhas em vidro de relógio são encontrados em crianças com cardiopatias congênitas cianóticas, mas em geral se tornam evidentes após os seis meses de idade. Crises de hipoxemia: condição clínica na qual ocorre piora súbita da cianose. A hipóxia reduz o transporte e oferta de oxigênio aos tecidos, impossibilitando o suprimento adequado das necessidades metabólicas do organismo, com consequente acidose metabólica grave e morte se a crise não for interrompida. As crises de hipoxemia estão geralmente relacionadas a cardiopatias cianóticas com obstrução na via de saída do ventrículo direito (hipofluxo pulmonar) sendo a tetralogia de Fallot a cardiopatia que pode exemplificar esta situação. Todas as situações que promovem estado hiperdinâmico como febre, anemia, infecção, estresse, dor, desidratação facilitam a ocorrência do espasmo infundibular e crise. Trata-se de uma emergência médica e a simples suspeita obriga encaminhamento e investigação imediata. As crises de hipoxemia apresentam como clínica: início de quadro de taquipneia ou taquidispneia, seguido de aumento progressivo da cianose, agitação e, se a crise não for interrompida, convulsões, coma e morte. Sinais e sintomas de Insuficiência Cardíaca (ICC) A ICC na infância constitui uma emergência pediátrica e, quando suspeitada, demanda imediato encaminhamento para tratamento e investigação. O diagnóstico dessa síndrome clínica é tão mais difícil quanto menor for a criança, a ponto de no neonato confundir-se com outras patologias e poder rapidamente evoluir para o colapso periférico. Quanto à etiologia em menores de um ano, as cardiopatias congênitas respondem pela maioria das causas de ICC. Após esta idade, cardiopatias congênitas corrigidas, mas com defeitos residuais ou deficiência de função, ou as cardiopatias adquiridas como miocardites, pericardites e comprometimento cardíaco em doenças sistêmicas passam a predominar. Na ICC, os sinais e sintomas decorrem da alteração da função miocárdica com débito cardíaco diminuído, da congestão venocapilar pulmonar e da congestão sistêmica. São os seguintes: Débito cardíaco baixo: cardiomegalia, taquicardia e também sudorese aos esforços (às mamadas em lactentes), irritabilidade, palidez, cianose, oligúria, extremidades frias, dificuldade em ganhar peso, pulsos diminuídos. Congestão venocapilar pulmonar: taquipneia como principal manifestação, mas também tosse, infecções pulmonares, estertores nas bases pulmonares. Congestão venosa sistêmica: hepatomegalia e, mais raramente, edema, derrames, perda do apetite e vômitos. Sinais cardinais da ICC: taquicardia, taquipneia, cardiomegalia e hepatomegalia. A presença de taquidispneia juntamente com a taquicardia, são os principais sinais de insuficiência cardíaca na faixa etária pediátrica. Os valores normais de frequência respiratória na faixa etária pediátrica estão apresentados abaixo. Frequência Respiratória* RN a 6ª semana 6ª semana a 2 anos 2a6 anos 6 a 10 anos >10 anos Valores 45-60 40 30 25 20 *inc/min: incursões por minuto. Fonte Pelech NA, 1999(11) É importante lembrar que a palpação sistemática dos pulsos arteriais em quatro membros é fundamental, pois a diminuição da amplitude ou ausência dos mesmos em membros inferiores deve levantar a possibilidade de coarctação de aorta. Pulsos amplos em membros superiores são achados comuns na persistência do canal arterial, fistulas arteriovenosas e insuficiência aórtica, todas cardiopatias que podem levar à ICC. Sopros cardíacos O paciente deve ser auscultado em diferentes decúbitos, já que a alteração das características do sopro ou mesmo o seu desaparecimento sinalizam para possível presença de um sopro cardíaco inocente. Atenção especial deve ser dada à ausculta do dorso da criança, onde a presença de sopro é sempre patológica. Outros aspectos que merecem destaque são a idade da criança (sopros em menores de um ano devem ser sempre investigados) e a fase do ciclo cardíaco em que são auscultados. A grande maioria dos sopros encontrados na criança são sistólicos e estes podem ser inocentes ou patológicos. O sopro diastólico isolado é bastante raro e sempre patológico. Outro tipo de sopro possível é o contínuo, geralmente patológico, exceto o zumbido venoso audível na face anterior do pescoço, sendo um sopro inocente que desaparece à compressão de vasculatura local ou lateralização do pescoço. Os sopros cardíacos inocentes são de baixa intensidade (até 3+/6+) e sem a presença do frêmito à palpação. Habitualmente, os sopros inocentes são sopros suaves, musicais, que se modificam ou desaparecem com a mudança de decúbito. Assim, sopros de maior intensidade com ou sem a presença de frêmito, com timbre mais rude, irradiação para outras áreas e associação com sons cardíacos anormais (cliques e estalidos), devem ser avaliados como patológicos. Fatores de alerta para sopros patológicos: Sopro cardíaco em RN ou lactente até 12 meses de idade; Presença de síndromes ou malformações; Histórico familiar positivo para cardiopatias congênitas; Ausculta de sopro diastólico; Ausculta de sopro em dorso; Associação com frêmitos ou ruídos acessórios como estalidos. Aspectos a favor da presença da presença de sopro inocente: Criança assintomática, com mais de dois anos de idade; Ausência de antecedentes mórbidos e desenvolvimento normal; Ausculta anterior normal; Sem processos infecciosos recentes precedendo a ausculta de sopro; Sopro não-audível em dorso, sistólico curto, musical e que desaparece ou modifica-se com a mudança de decúbito. Síncopes Síncope é a perda transitória da consciência consequente à queda na perfusão cerebral. Habitualmente o início é súbito, de curta duração e seguida de recuperação completa. É um evento comum na infância ou adolescência mas, embora na maioria das vezes seja benigna, merece especial cuidado e investigação. As síncopes podem, embora raramente, estar relacionadas a arritmias, doenças cardíacas estruturais ou de outros sistemas. Anamnese e exame físico detalhados são fundamentais para elucidar as condições do episódio. A história familiar deve ser cuidadosamente colhida à procura de casos semelhantes, morte súbita, acidentes mal explicados e cardiopatias em menores de 50 anos. Os sinais de alerta e que obrigam investigação detalhada e avaliação do especialista incluem: síncopes recorrentes, relacionadas aos exercícios, desencadeadas por estresse ou emoção, as que resultam de trauma e as que ocorrem em pacientes já cardiopatas. Bibliografia 1. CATANI LH, DI GRASSI SLC. Avaliação da criança com sopro cardíaco. In: Recomendações: Atualização de condutas em Pediatria. SPSP n 31, 2006. P. 1-4. 2. LISSAUER T, CLAYDEN G. Anamnese e exame físico. In: Lissauer T, Clayden G. Manual Ilustrado de Pediatria. Rio de Janeiro: Elsevier, 2009. P.9-22. 3. VEASY LG. History and Physical Examination. In: Heart Disease in Infants, Children and Adolescents. Baltimore, Williams &Williams. 1999; p.131-46. 4. PARK MK. Physical Examination. In: The Pediatric Cardiology Handbook, 4 ed. Philadelphia, Mosby Elsevier. 2010. 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