® BuscaLegis.ccj.ufsc.br Manipulação genética: aspectos morais – parte II Antonio Baptista Gonçalves* Semana passada iniciamos algumas reflexões sobre o embrião ser considerado um ser humano, ou não. E, se fosse assim considerado, não haveria qualquer proteção legal presente na Lei de Biossegurança, no entanto, o raciocínio ficou, propositadamente, incompleto. E por quê? A tratativa sobre o tema da manipulação genética não pode ser feita através de um prisma simplista e sem a profundidade necessária, por isso lançamos o tema, já demonstrando que seria feita uma análise partilhada. Eis a segunda parte, e nessa seqüência começaremos a remontar os fatos, de forma pausada para construir uma conclusão e, Oxalá, seja acompanhada pelo leitor. Para analisarmos as questões inerentes sobre a continuidade ou não das pesquisas em células-tronco, inicialmente, precisamos diferenciar o estágio embrionário da fase adulta: A definição cientifica de célula-tronco embrionária: “Tipo de célula tronco pluripotente (capaz de originar todos os tecidos de um indivíduo adulto) que cresce in vitro na forma de linhagens celulares derivadas”. Já as células-tronco adultas: “Tipo de célula-tronco obtida de tecidos após a fase embrionária (feto, recém-nascido, adulto). As células-tronco adultas até agora isoladas em humanos são tecidos-específicas, ou seja, têm capacidade de diferenciação limitada a um único tipo de tecido ou a alguns poucos tecidos relacionados”. 1 Os cientistas defendem a manipulação, ou melhor, a utilização das células-tronco embrionárias por serem dotas de uma maior plasticidade, ou seja, possuem uma capacidade maior de se converterem em todos, ou na grande maioria dos tecidos humanos, com o condão de regeneração ou, até mesmo, substituindo-os nos respectivos órgãos e sistemas. Ainda no campo cientifico, a predileção pelas células embrionárias é justificada, também, por uma restrição considerável da célula-tronco adulta em ser utilizada no processo de regeneração, ou seja, a eficácia de um possível tratamento não é tão elevada se comparada à célula-tronco embrionária. Agora, ao analisar a proteção jurídica sobre o tema, nos deparamos com a seguinte situação: a proteção legal às células-tronco é restrita a existência de um único e misero artigo na Lei de Biossegurança. A norma em questão não esclarece, ou melhor, possibilita as pesquisas em células-tronco adultas, não estabelece uma série de outras questões que serão analisadas ao longo desse trabalho, o que implica dizer que, uma vez mais, o legislador nacional instituiu uma norma e rogou aos céus que a doutrina e os tribunais consigam fixar e preencher as lacunas de seu pífio trabalho. Sobre a atuação do Supremo Tribunal Federal na analise da constitucionalidade, não é função da mais alta Corte do País disciplinar matérias, no entanto, ao tratar especificamente do assunto das células-tronco, os onze Ministros se depararam com uma questão intrigante: se a decisão da maioria resulta-se na inconstitucionalidade do artigo 5º da Lei de Biossegurança o Brasil simplesmente não teria qualquer norma que versaria especificamente sobre a questão. Por outro lado, se aprovar a constitucionalidade do referido artigo, não estariam os onze Ministros legitimando as falhas do legislador pátrio? 2 A questão foi suscitada pela grande maioria dos julgadores e a saída encontrada foi a do bom senso, a maioria dos Ministros optou pela proporcionalidade, ou seja, completude do sistema constitucional. O resultado demonstrou que os membros daquela Corte perceberam que limitar os avanços da ciência possibilitaria o fim de uma esperança, ou melhor, da fé de milhares que esperam ansiosos pela “cura” que poderá resultar dessas pesquisas. Existiu uma polêmica sobre a permissão das pesquisas com células-tronco, no sentido de definir o que seriam as mesmas: seria equivocado classifica-las como ser humano? É uma substância? É material de descarte? É material excedente? E o pior: é sinônimo de aborto? Sobre o tema manifestou-se a geneticista Mayana Zatz, conforme consta no voto do Ministro Carlos Britto: “Pesquisar células embrionárias obtidas der embriões congelados não é aborto. É muito importante que isso fique bem claro. No aborto, temos uma vida no útero que só será interrompida por intervenção humana, enquanto que, no embrião congelado, não há vida se não houver intervenção humana. É preciso haver intervenção humana para a formação do embrião, porque aquele casal não conseguiu ter um embrião por fertilização natural e também para inserir no útero. E esses embriões nunca serão inseridos no útero. É muito importante que se entenda a diferença”. Toda a controvérsia que circunda a célula-tronco paira sobre o embrião, pois esse é advindo do processo de fertilização in vitro, no qual o escopo é propiciar a um casal a possibilidade, ainda que assistida pela ciência, de originar uma vida. A fertilização é um método de intervenção artificial e humana ao processo de gravidez normal no qual são inseridos elementos que propiciam à mulher engravidar. Esses “elementos” são os embriões, os mesmos dos quais se extraem as células-tronco. Então, qual o limite da vida humana? Essa discussão não pairou no Supremo Tribunal Federal, mas a Constituição Federal considera o nascimento com vida para o limite de sua 3 proteção, segundo o encadeamento lógico de uma série de dispositivos, a exceção clara e pontual é a proteção aos direitos do nascituro e não ao embrião e qualquer outra forma não especificada no texto constitucional. Segundo os cientistas o termo vida tem sentido apenas e tão somente após a fecundação. Esse é o entendimento presente no já referido voto do E. Ministro Carlos Britto da Dra. Lenise Aparecida Martins Garcia: “Nosso grupo traz o embasamento científico para afirmarmos que a vida humana começa com a fecundação, tal como está colocado na solicitação da Procuradoria. (...). Tudo já está definido se é homem ou mulher nesse primeiro momento (...). Tudo já está definido, neste primeiro momento da fecundação. Já estão definidas eventuais doenças genéticas”. A definição cientifica de embrião: “o ser humano nas primeiras fases de desenvolvimento, isto é, do fim da segunda até o final da oitava semana, quando termina a morfogênese geral”. O assunto não é tão simples quanto se poderia supor, afinal, foram transcorridos poucos dias de gestação, mas, definitivamente, o embrião poderia se tornar um feto. Tanto é assim, que o congelamento do embrião acontece entre o quinto e décimo dia da fecundação, ora, pelo entendimento citado acima da Doutora Lenise Garcia, se a vida começa justamente com a fecundação, há que se falar, sim, em ser humano, pois com um dia ou nove meses o embrião foi fecundado e, por conseguinte, possui vida. Os cientistas discordam dessa posição e defendem a idéia da inviabilidade, ou seja, o embrião seria inviável para ser utilizado na fertilização in vitro e não existe a possibilidade de resultar num potencial feto. Se o embrião ainda não é um ser humano, então, segundo a própria Lei de biossegurança deverá ser considerado como uma substância humana e, assim estar protegido de acordo com os ditames constitucionais. 4 * Mestre em Filosofia do Direito pela PUC/SP, Presidente da ONG Comunicando, Membro da Associação Brasileira dos Constitucionalistas e especialista em Direito Tributário pela Fundação Getúlio Vargas. Autor do livro Quando os avanços parecem retrocessos. Disponível em: http://www.casajuridica.com.br/?f=conteudo/ver_destaques&cod_destaque=501 Acesso em: 17 de setembro de 2008. 5