Abortos, Células-Tronco Embrionárias e a Defesa da Vida Senhor presidente, caros colegas parlamentares: Estamos diante de mais um período legislativo em que o embrião humano é o centro dos debates, ou seja, se devemos ou não utilizar as células-tronco embrionárias em pesquisas científicas. Creio que antes de qualquer posição, a favor ou contra, sobre esta ou aquela lei, é preciso a clara compreensão do significado da palavra "VIDA", por alguns seguimentos da sociedade como: o científico, o dos legisladores e o religioso. Existem divergências, extremamente ressaltadas pela mídia em geral, mas há convergências que de maneira harmoniosa podem reforçar uma postura mais consistente e aceitável. Dentro deste delicado e diverso universo de pensamentos e teses, farei algumas reflexões. Do ponto de vista religioso, os cristãos podem e devem cobrar coerência dos fiéis que professam Jesus Cristo como Senhor de toda a vida. Para um cristão maduro em sua fé é inadmissível a interrupção da vida, sejam quais forem as circunstâncias em que ela foi iniciada, pois o poder sobre a vida e a morte pertence a Deus. A vida é um dom divino, portanto está além das possibilidades de decisão humana. Mesmo que esta vida seja iniciada em circunstâncias adversas, não cabe ao homem decidir e tentar "corrigir" o que não foi planejado, como no caso de uma gravidez decorrente de estupro, ou eliminar fetos excedentes oriundos de práticas científicas questionáveis. Deus não quer o pior para a humanidade; se a violência, a indiferença, a exclusão social e as guerras ocorrem é por ação errônea do próprio homem - possuidor do livre arbítrio conforme ensina Santo Agostinho - e não por vontade divina. Portanto, o incoerente seria ver cristãos defendendo o aborto ou o uso de células-tronco embrionárias1 No meio científico o tema "Quando a vida começa" possui divergências e discussões infindáveis. Num recente debate realizado em Audiência Pública na Câmara dos Deputados, fiz o seguinte questionamento a duas cientistas participantes e com opiniões divergentes sobre o uso das células tronco embrionárias: se o tal do "blastocisto" (nome que dão ao embrião após alguns dias de fecundação) era uma vida ou não. Foram respostas, à luz apenas da razão humana, bastante curiosas. Vou resumir o que entendi das expositoras: uma afirmou que o fato do espermatozóide não fazer o encontro com o óvulo no útero e sim no laboratório, significava que não houve intenção de constituir uma nova vida. Numa boa retórica, continuava ela afirmando que se partirmos de um único ponto de vista, toda célula é viva, portanto nada poderia ser utilizado pela ciência. Concluiu dizendo que o que nós chamamos de embrião para ela era ainda uma composição de células se multiplicando, sem definição de forma (por isso chamadas de células multipotentes, ou seja, se estimuladas em laboratório nesta fase, poderiam se transformar em qualquer composto do corpo humano e utilizados na suposta recuperação das deficiências físicas de pessoas adultas), portanto, por não possuir forma distinta não poderia ser considerado um "novo ser humano". A outra cientista, por sua vez, discordou dizendo: nós é que tiramos o espermatozóide e o óvulo do seu ambiente natural (o corpo do homem e da mulher respectivamente) e promovemos o encontro em laboratório, portanto não é uma ação humana que muda a natureza do momento em que se inicia uma vida. Disse que os estudos mostram que tanto as pesquisas com células-tronco adultas como as embrionárias, ainda estão em fase inicial e não se pode garantir a eficaz regeneração quando utilizadas em seres humanos e, por este motivo, deveríamos explorar e nos concentrar mais nas células-tronco adultas. Concluiu afirmando que os últimos estudos demonstram que outros fatores de desenvolvimento em células idênticas, quando separadas, sofrem ações diferentes (das proteínas) e dão resultados distintos dos conhecidos pela ciência moderna. E deu o nome a este novo imbróglio (para leigos como eu) de epigenética, justificando que as células tronco adultas podem conter farto material para ajudar na recuperação das deficiências humanas se observados sob esta nova perspectiva. Quais conclusões tirei deste edificante debate? Que as pesquisas ainda estão muito "embrionárias", ninguém garante eficácia em tratamentos futuros2, vai demorar alguns anos para que quaisquer destas novas técnicas estejam a disposição da população e até mesmo as cientistas estão divididas sobre quando é o começo da VIDA, em alguns casos confundindo "estar vivo" com "ter vida". Sobre a ótica legislativa, devemos ter como base alguns preceitos do direito positivo, que se fundamenta a partir do direito natural e deve configurar além de regras edificantes e ordeiras, também valores éticos (salvo melhor entendimento). Os valores éticos por sua vez, são influenciados pela cultura, tradição e história de um povo. Assim sendo, os legisladores devem observar para elaboração de uma nova lei, sempre que puderem, não apenas a vontade da maioria ou às circunstâncias trágicas e momentâneas de algum acontecimento social e sim os valores éticos, religiosos e científicos que constituem a marca de um povo. Pesquisas de opinião mostram fartamente que, de um ano para outro, os cidadãos mudam de opinião a respeito de temas polêmicos, como o aborto, a pena de morte, a redução da maioridade penal, a união civil de pessoas do mesmo sexo, a privatização ou não da exploração do solo nacional, se o país deve ou não apoiar alguma guerra, sobre racismo, entre outros temas. Se o legislador for apenas emotivo, impulsivo, populista ou apenas quiser "mostrar serviço" pelo número de projetos de lei ou emendas que apresenta, pode criar absurdos que na maioria dos casos não serão úteis à nação. Não discordo dos que afirmam que, muitas de nossas leis, são ultrapassadas ou confusas, merecendo aprimoramentos mas, quando se trata de uma proposta nova, ainda sem precedentes e pouco discutida com a sociedade, toda cautela e prudência devem ser utilizadas. Afinal, nosso país atravessa por dificuldades sociais e econômicas há algumas décadas e não é na base do supetão e atitudes mágicas que iremos resolver tudo. Assim sendo, nossa legislação hoje dá garantias ao embrião a partir do momento de sua concepção e penaliza o aborto, tanto para quem consente em fazê-lo como para quem o faz. A questão do uso do embrião para aquisição de células tronco e pesquisa genética, é um caso omisso nas normas brasileiras que sem dúvida precisa de regulamentação. O objetivo de todas estas considerações que fiz, é mostrar que existem argumentos fartos, e até com certa consistência, de quem defende o aborto livre ou o uso de embriões em pesquisas científicas. Sob o ponto de vista de cada um, todos estão cheios de razão, por este motivo é que a definição principal e anterior a outras discussões, é sobre o significado da "VIDA". Os mais radicais, de ambos os lados, tendem a rotular e discriminar os motivos que cada um tem para ser contra ou a favor do aborto ou do uso dos embriões. Ora, se o cidadão é ateu, como ele pode acreditar que a vida é um dom de Deus? Será que ser radical e apenas racional nos nossos argumentos o fará mudar de idéia? Muitos ficam sensibilizados com o movimento dos deficientes físicos que querem uma nova oportunidade de cura. Será que quem se diz cristão e tem sua fé fraca e consciência ignorante, vai conseguir olhar para um embrião de cinco dias, com alguns centésimos de milímetro, e dizer que é uma vida? Um deficiente físico afirmou em um programa de TV, que ele também quer ter direito a vida, só que no caso dele ele já é um ser humano enquanto o embrião é apenas um "potencial de vida" que ainda não se realizou. Quem fará este cidadão deficiente, de nascença ou por acidente, entender que ele está vivo e que apenas parte do seu corpo não está mais em atividade plena? É neste panorama que votaremos o projeto de biosegurança (e ainda não comentei do polêmico capítulo sobre os transgênicos) nestes dias. Sou contra o aborto e o uso de embriões em pesquisas científicas, não só por motivos religiosos, mas também por questões éticas e legislativas. Tenho para mim, pelos argumentos expostos, que a vida começa no momento da união entre espermatozóide e óvulo, sejam quais forem os fatores externos. Mesmo a comunidade científica se divide nesta questão, então por que não avançar mais nas pesquisas só das célulastronco adultas por enquanto? Temos que promover leis cada vez mais justas e que defendam a vida, desde os "menos nove meses" até os 199 anos, sem estereótipos e hostilização mútua, que nada constróem. Nós, parlamentares cristãos, não devemos atirar a primeira pedra em todos os que pensam de maneira diferente e sim mostrar a firmeza das nossas convicções e a unidade em nossas ações. São atitudes de generosidade e compreensão que mais ajudarão na construção de uma consciência mais reta e majoritária na sociedade sobre assuntos tão polêmicos. DURVAL ORLATO Deputado Federal PT-SP