A crise das finanças públicas gaúchas - FEE

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Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
A crise das finanças públicas gaúchas
Alfredo Meneghetti Neto*
APRESENTAÇÃO
Este texto analisa a crise das finanças públicas gaúchas durante os
últimos 25 anos, período em que a receita não conseguiu acompanhar o
crescimento das despesas, aumentando o déficit público e trazendo
problemas para a manutenção da qualidade dos serviços públicos.
O enfraquecimento das receitas pode ser explicado pelo excesso de
desonerações fiscais existente no Rio Grande do Sul, bem acima do
número das de outros estados, o que se reflete nas enormes dificuldades
que o Governo Estadual vem tendo a cada ano e dá uma idéia da
dimensão de uma crise das finanças que já dura décadas.
Com o objetivo de explicar a evolução das finanças públicas
estaduais nos últimos 25 anos, analisa-se o comportamento das contas do
Governo tanto pelo lado das receitas como pelo das despesas. No primeiro
item, realiza-se um retrospecto global da situação das contas públicas
estaduais, segundo os seus resultados orçamentários. Logo a seguir, são
analisadas as receitas, em especial o ICMS (o principal componente das
receitas públicas), e as renúncias fiscais. No terceiro item, são detalhadas
algumas rubricas das despesas gaúchas: os gastos com pessoal, os
investimentos, a dívida pública e a rigidez do orçamento estadual.
Finalmente, no quarto, é apresentada a conclusão do estudo.
________________
* Economista, Técnico da FEE. Doutor em História Econômica e Professor da PUCRS.
<http://sites.google.com/site/alfredomeneghetti/>.
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
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Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
1 AS CONTAS PÚBLICAS GAÚCHAS
Para
analisar
as
contas
públicas,
privilegiou-se
o
resultado
orçamentário, por ser o indicador mais importante das contas públicas,
pois leva em consideração todas as receitas arrecadadas e as despesas
empenhadas. Mais especificamente, esse resultado demonstra a execução
do orçamento, comparando os recursos que se originam dos tributos e dos
empréstimos com as despesas de pessoal, investimentos, encargos e
amortizações da dívida. O Gráfico 1 evidencia a evolução do resultado
orçamentário dos últimos 40 anos, quando ocorreram dois aspectos
marcantes.
O primeiro aspecto refere-se às despesas que ficaram bem acima das
receitas na maior parte do período, o que consolidou uma situação de déficit
orçamentário permanente no Rio Grande do Sul e que, certamente,
impactou as decisões do gestor público. Os maiores déficits orçamentários
ocorreram durante o Governo Jair Soares, que atingiram a R$ 5,1 bilhões
(1983) e R$ 8,6 bilhões (1985) e que tiveram que ser enfrentados com os
próprios débitos de tesouraria.
O segundo aspecto refere-se aos sete anos, do período em análise,
nos quais ocorreu equilíbrio orçamentário no RS: 1971, 1978, 1989, 1996,
1997, 2007 e 2008. Basicamente, em todos esses anos, o Executivo
conseguiu enfrentar o déficit de várias maneiras: ou o Estado pediu
emprestado (1971 e 1978); ou usou a inflação a seu favor, retardando
pagamentos (1989); ou ganhou recursos com as privatizações (1996,
1997 e 1998); ou, ainda, vendeu as ações do Banrisul (ano de 2007).
Neste último ano, o superávit fiscal foi de R$ 700 milhões, conseguido
tanto pela venda de ações como também pelo pagamento dos convênios
realizados pela União.1
Em primeiro lugar, nesse ano, o Tesouro obteve receitas vindas de alienações de ações
do Banrisul, que renderam R$ 1,287 bilhão, e, em segundo lugar, foram pagos os
convênios realizados pela União em dezembro de 2007. Caso não ocorressem esses
eventos, o déficit chegaria a R$ 874 milhões, que, de acordo com o Tribunal de Contas
do Estado (TCE) (Rel. Parec. Prév. Contas Gov. Est. 2008, 2009, p. 382), estaria próximo
aos patamares apresentados nos últimos exercícios, evidenciando-se “[...] a continuidade
do desequilíbrio orçamentário e a consequente elevação do nível de insuficiência
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1
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No ano de 2008, foi cumprida a meta do déficit zero, que significa
dizer que o Governo gaúcho conseguiu ter um superávit primário e
orçamentário sem a utilização de receitas extraordinárias. Assim,
todas as despesas do setor público estadual foram pagas com a receita
oficial daquele mesmo ano.2 Esse fato é importante, pois, pela primeira
vez, o tão almejado superávit fiscal foi alcançado, sem ter havido a
utilização de formas “paliativas” e não duradouras. Em praticamente em
todos os outros anos, o Executivo usou um artifício contábil para
conseguir equilíbrio ou superávit orçamentário. Mas o que convém
enfatizar é que deve haver continuidade do esforço para atingir o
equilíbrio orçamentário de forma mais adequada, reduzindo as despesas,
ou, ainda, aumentando a base tributária do ICMS, incorporando aquelas
empresas que têm usufruído de muitas desonerações fiscais, com pouco
retorno financeiro ao Estado.
Considerando-se também outros indicadores, como o resultado
primário, foi verificada a mesma tendência durante o período 1971-2008. 3
Observando-se
o
Gráfico
2,
percebe-se
que
as
contas
públicas,
efetivamente, tiveram uma boa recuperação nos dois últimos anos,
quando ocorreram dois superávits: R$ 637 milhões (2007) e R$ 443
milhões (2008).
Tanto o superávit de 2007, que foi conseguido com as vendas de
ações do Banrisul, como o chamado déficit zero de 2008 desencadearam,
pelo menos, cinco encaminhamentos importantes para as contas públicas
gaúchas.
financeira de recursos livres”.
2
No ano de 2008, os gastos normais foram cobertos pela arrecadação anual, sem
necessidade de fazer dívidas novas, como o financiamento para pagar o 13º salário do
funcionalismo. É importante salientar que a bancada de oposição entendeu que essa
conquista do déficit zero foi realizada com o adiamento de gastos e também através do
não cumprimento dos percentuais dos gastos com educação e saúde. Efetivamente, o
que foi observado é que, no ano de 2008, tanto nos gastos de educação como nos de
saúde, o Estado aplicou um percentual inferior ao estabelecido pelas Constituições
Federal e Estadual.
3
O resultado primário (a exemplo do orçamentário) também foi piorando desde os anos
70, tendo atingido os maiores níveis em 1990, 1993 e 1999. Esse resultado mostra o
quanto o Estado possui em caixa (sem empréstimos) para pagar as suas despesas, não
levando em consideração os juros e as amortizações da dívida.
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Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
O primeiro foi o pagamento integral do 13º salário com recursos
próprios, rompendo um ciclo de 14 anos, pois, desde 1994, o pagamento
era feito através de antecipações do ICMS, repasses extraordinários de
recursos da União, empréstimos junto ao Banrisul e até de fundos
previdenciários que foram constituídos com a venda de ações de estatais. 4
O segundo foi a possibilidade de pagar a dívida de 1,3 mil
fornecedores, que estavam sem receber a 13 meses, sendo que, a partir
daí, o Tesouro passou, então, a pagá-los à vista, conseguindo mais
credibilidade no mercado e maiores descontos.
O terceiro foi pagar os reajustes implementados pelas Leis nº
10.395/95 e nº 10.420/95 (as chamadas “Leis Britto”) a 95% dos
servidores do Executivo.
O quarto foi a retomada dos pagamentos dos precatórios, tendo sido
repassados ao Tribunal Regional do Trabalho (TRT) da 4ª Região
cerca de R$ 10 milhões do Tesouro do Estado.
E o quinto foi a aprovação do empréstimo do Banco Internacional
de Reconstrução e Desenvolvimento (BIRD) de US$ 1,1 bilhão em agosto
de 2008, que, mesmo tendo sido contratado em moeda estrangeira,
representou um bom negócio, pois o prazo para devolução dos recursos é
de 30 anos, o que dilui o possível impacto da flutuação do câmbio. 5
Mas, mesmo com essa recente melhora das contas públicas, é
importante prestar atenção na situação de recorrente déficit público no Rio
Grande do Sul, nos últimos 25 anos, tanto pelo fraco desempenho do ICMS
como também pelo ao alto índice de renúncia fiscal, como será visto no item
seguinte.
Dentre todas essas estratégias, a mais utilizada foi o empréstimo do Banrisul, ao qual
praticamente nunca o Tribunal de Contas do Estado se opôs, pois entendeu que não
houve irregularidade, uma vez que sempre foi encaminhado pedido de autorização
legislativa.
5
Na realidade, esse empréstimo faz com que o Estado possa trocar uma dívida indexada
ao Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI) mais a taxa de juros de 6%
por dólar mais variação cambial, uma vez que a taxa de juros internacional é mais
atrativa. Existem informações de que os custos previstos desse empréstimo do Banco
Mundial giravam em 5,14% ao ano, o que representa bem menos, caso fosse comparado
aos custos das antigas dívidas a serem substituídas, de 17,3% ao ano.
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4
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2 O ICMS E AS RENÚNCIAS
Sabe-se que a arrecadação do ICMS é fundamental para as finanças
públicas estaduais, já que se trata de um imposto que representou, em
média, 89,3% da receita tributária gaúcha nos últimos anos. Em função
dessa importância, a análise será centrada nesse tributo, visto que as
demais receitas (de contribuições, patrimonial, agropecuária, industrial e
de serviços) e também as transferências correntes não apresentaram, no
período, uma mudança muito significativa que tivesse influenciado
definitivamente o quadro do orçamento estadual.
Para monitorar o ICMS gaúcho, foi adotada a mesma metodologia já
desenvolvida em estudos anteriores, como, por exemplo, Meneghetti Neto
(1995). Em primeiro lugar, foi medida a arrecadação do ICMS gaúcho em
relação à arrecadação nacional e, depois, foi comparada com as taxas de
crescimento da economia gaúcha. Por último, foi calculada a elasticidaderenda do ICMS e medido o impacto dos planos econômicos. O Gráfico 3
evidencia
a
participação
dos
maiores
estados
da
Federação
na
arrecadação do ICMS, no período de 1997 a 2008. Pode-se notar que São
Paulo
se
destaca,
recentemente,
pois,
conseguiu
mesmo
que
manter-se
tenha
sempre
perdido
acima
participação
de
33%
da
arrecadação do País, com uma média, nos últimos cinco anos, de 33,6%
do ICMS nacional.
Os Estados de Minas Gerais e do Rio de Janeiro ocupam a segunda e
a terceira maior posição na arrecadação do País, com uma média, nos
últimos cinco anos, de 10,1% e 8,6% respectivamente. O Estado do Rio
Grande do Sul, depois de ter atingido a participação de 7,5% do ICMS
nacional em 2003, foi perdendo participação nos anos seguintes, caindo
para 7,4% (2005), 6,9% (2006) e 6,7% (2008). Isso, de certa forma,
mostra um enfraquecimento da arrecadação do ICMS gaúcho nestes
últimos anos, em detrimento dos demais estados da Federação. A
arrecadação do ICMS e o Produto Interno Bruto (PIB) são duas variáveis
que têm a virtude de espelhar, por um lado, o quanto a economia
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Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
conseguiu produzir em bens e serviços e, por outro, o quanto o Tesouro
arrecadou.
Apesar
de
existirem
algumas
peculiaridades
em
termos
de
composição das duas variáveis, elas tendem a variar de uma forma
semelhante, pois o ICMS incide sobre produtos (como alimentação,
vestuário, eletrodomésticos) e também sobre serviços (tais como luz e
telefone).6
Observando-se uma série maior, algumas vezes, essa semelhança
no desempenho das duas variáveis não aconteceu. Isso se deveu a vários
fatores, tais como: modificações na política macroeconômica do Governo
Federal; reestruturação da administração tributária da Secretaria da
Fazenda do Rio Grande do Sul; variações das taxas de inflação em função
dos planos econômicos, dentre outros. Essa defasagem do crescimento do
ICMS e do PIB gaúcho foi constatada em vários estudos: Relatório e
Parecer Prévio Sobre as Contas do Governo do Estado do Rio
Grande do Sul: exercício 2008 (2009), Balanço Geral do Estado do
Rio Grande do Sul (2009) e em Meneghetti Neto (1990, 1995 e 2009).
Através da Tabela 1, pode-se verificar mais detalhadamente o
comportamento do PIB gaúcho e do ICMS no período de 1986 a 2009. As
diferenças entre as duas variáveis são bem substanciais. 7 Assim, para
afirmar que as duas variáveis dispõem de uma variação percentual com o
É importante salientar que essas duas variáveis possuem uma estrutura bem
diversificada nas suas composições. O melhor seria considerar a evolução de todos os
setores do PIB que são tributados pelo ICMS, ou o PIB pelo seu componente interno,
uma vez que as exportações estão desoneradas do Imposto (B. DEE, 2009, p. 6).
Entretanto, como essa estatística é difícil de ser obtida, tem-se adotado a comparação
pura e simples do PIB e do ICMS. Esse procedimento é bastante usual tanto nos estudos
da Secretaria da Fazenda (Sefaz) como nos do Tribunal de Contas do Estado.
7
Pode-se notar que, das 24 observações realizadas, em 14 delas, as variações
percentuais foram com o mesmo sinal (positivo ou negativo). Entretanto ocorreram
diferenças bem substanciais, chegando inclusive a 30 pontos percentuais, como no ano
de 1989, quando o PIB apresentou um crescimento de 3,4%, e o ICMS gaúcho aumentou
mais de 33%. A explicação para essa diferença é simples: em março de 1989, o ICM
alargou a sua base de incidência, abrangendo também os serviços (passou a ser
chamado ICMS). Para os outros anos, a explicação é bem mais complexa e abrange
desde isenções, inadimplências, não incidência de ICMS em setores como o financeiro,
efeito Tanzi, guerra fiscal e até sonegação. De uma forma geral, as diferenças entre as
duas taxas de crescimento variaram de 30,1 pontos percentuais para mais até 13,3
pontos percentuais para menos.
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6
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
mesmo sinal, existe um erro de 42%, pois, em 10 anos da série, isso não
aconteceu e, além disso, não podem ser esquecidas as diferenças bem
significativas entre as duas variáveis.
Através do Gráfico 4, pode-se visualizar o comportamento dessas
duas variáveis, medidas pelas suas taxas de crescimento.
O crescimento do ICMS e o do PIB foram semelhantes até 1975. A
partir do ano seguinte, começou a aparecer um primeiro distanciamento:
enquanto o PIB gaúcho cresceu 74%, o ICMS alcançou somente 60%. As
maiores diferenças, entretanto, ocorreram em três episódios (1984, 1988
e 1990) e depois do Plano Real, quando a economia cresceu (em relação a
1970), e a arrecadação não conseguiu reagir. Considerando-se a série
como um todo, nota-se que, enquanto o PIB gaúcho cresceu quase 282%
em relação a 1970, o ICMS acompanhou somente com 217%. Isso
significa que o Estado vem tendo cada vez menos capacidade de se impor
para transformar
a expansão da base
econômica
em
termos
de
arrecadação. A Tabela 2 apresenta o cálculo da elasticidade-renda do
ICMS.8 Ela evidencia que, nos anos 70, a elasticidade-renda do ICMS
gaúcho ficou em 0,9, o que significa dizer que, para cada variação de 1%
do PIB, o ICMS respondeu (positivamente) com 0,9%. Nos anos 80, a
elasticidade-renda do ICMS gaúcho aumentou para 1,41, mostrando,
assim, uma capacidade maior do Estado em acompanhar a economia
gaúcha.
Nos anos 90, a relação do ICMS com o PIB foi inversa, ou seja, o
PIB variou em média 1% de crescimento, enquanto o ICMS caiu 0,48%,
refletindo o fato de que o Estado passou a ter cada vez menos recursos
em relação aos encargos que o crescimento da economia lhe impõe.
A partir de 2000, o ICMS vem mostrando sinais de melhoria (tendo
atingido 0,85%), mas ainda está abaixo de sua performance dos anos 70
(que tinha uma elasticidade–renda de 0,90%). Essa preocupação com o
Para o cálculo da elasticidade-renda dos últimos 40 anos, a série foi dividida em quatro
períodos, e, depois, o PIB foi considerado como variável independente, e o ICMS, como
variável dependente. A idéia que está por trás disso é a de que as variações da economia
gaúcha (em termos de crescimento ou queda) podem explicar as variações da
arrecadação do ICMS.
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8
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enfraquecimento do ICMS já havia sido constatada em Meneghetti Neto
(2009a).
Outro aspecto a ser verificado é medir a influência dos planos
econômicos na arrecadação do ICMS. A princípio, parece razoável supor
que cada plano econômico editado, efetivamente, impactou a inflação
brasileira.
Como, na maior parte do período observado, sempre existiram, no
RS, prazos dilatados para pagamento do ICMS sem correção do mesmo,
os planos podem ter repercutido favoravelmente na arrecadação. Isso
significa dizer que a política econômica implementada no País, ao
influenciar as taxas de inflação, acabou trazendo boas repercussões na
arrecadação do ICMS gaúcho.
Observando-se o Gráfico 5, nota-se que, de fato, ocorreu um
aumento de arrecadação no período dos Planos Cruzado (1986), Verão
(1989), Collor I (1990), Collor II (1991) e Real (1994).
Logo no início da série, o patamar chegou a quase R$ 1,3 bilhão no
Plano Cruzado, e, depois, no ano de 1988, ocorreu o nível mais baixo de
arrecadação do ICMS na gestão do Ministro Maílson da Nóbrega, pois a
inflação era de 20% ao mês, e o prazo de recolhimento do ICMS chegava
há 50 dias. Na época, ocorreram meses em que a arrecadação do ICMS
ficou abaixo de R$ 800 milhões. Já o pico de arrecadação, no Rio Grande
do Sul, ocorreu nos Planos Econômicos Verão, Collor II e Real e, mais
recentemente, no ano de 2003. Nos meses de maio de 1989, de 1990 e
de 1994 e no mês de dezembro de 2003, o total recolhido ultrapassou a
R$ 1,2 bilhão. Especificamente, esses picos de arrecadação coincidem com
três fatores: prazos reduzidos de recolhimento, quedas bruscas da
inflação e níveis máximos de produção ou comercialização da indústria
gaúcha. Apesar de, em agosto de 2009, a arrecadação do ICMS gaúcho
ter equivalido a R$ 1,1 bilhão, esse nível foi mais baixo do que aquele
obtido na época desses planos e poderia ser bem mais alto. Pelo menos,
dois motivos podem ser arrolados.
O primeiro é que, nestes últimos 25 anos, o parque industrial
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
194
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
gaúcho cresceu, e a renda per capita também, o que deveria ter ampliado
muito a base de arrecadação do ICMS, mesmo diante das renúncias fiscais
exageradas.
O segundo diz respeito ao enorme e importante esforço da Sefaz em
monitorar as receitas através do gerenciamento matricial, que é uma
iniciativa do Projeto Estruturante Receita Para Crescer.
Entretanto, mesmo que outras ações estejam sendo realizadas pela
Sefaz,9 imagina-se que existe ainda muito espaço em que a fiscalização
poderia ser mais produtiva, cruzando o potencial de cada contribuinte com
o seu respectivo setor econômico, através de simulações da matriz de
insumo e produto. Mas, de uma forma geral, pode-se argumentar que o
Estado vem tendo cada vez menos capacidade de se impor para
transformar a expansão da base econômica em termos de arrecadação,
observando-se a performance do ICMS através de várias medições.
Foi comparada a arrecadação do ICMS gaúcho com a de outros
estados, e, depois, foi medido o atual nível do ICMS e relacionado com o
de anos anteriores. Além disso, o crescimento do ICMS ficou muito aquém
do desempenho do PIB gaúcho.
Contudo
convém
salientar
que,
recentemente,
passou
a
ser
questionado se o uso do IGP-DI seria o mais adequado como deflator de
preços. Presser (2003) sustenta que a razão disso é que, desde a
desvalorização de janeiro de 1999, houve um descolamento entre o IGPDI e o Índice de Preços ao Consumidor (IPC), que se acentuou no último
trimestre de 2002.10
Essas ações são: o controle na fronteira com Santa Catarina, permitindo a cobrança de
5% do ICMS relativo ao diferencial existente entre as aquisições interestaduais; a
substituição tributária para novos produtos, com vistas a ampliar o controle da
administração tributária; a utilização da Nota Fiscal Eletrônica e a intensificação do
controle para a redução da sonegação fiscal (RS, Secretaria da Fazenda, 2009, p. 45).
10
De acordo com o autor, entre janeiro de 1998 e abril de 2003, os dois índices de
preços ao consumidor situaram-se entre 155,6% (Índice Nacional de Preços ao
Consumidor (INPC)) e 149,9% (Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA)), com
uma diferença de apenas 5,7 pontos percentuais em 64 meses. Por sua vez, nesse
período, o IGP-DI acumulou 196,4%, e o Índice de Preços no Atacado-Disponibilidade
Interna (IPA-DI), 233,8%, índices que superam o IPCA em 46,5 e 83,9 pontos
percentuais, respectivamente, uma diferença muito significativa. Dessa forma, Presser
(2003, p. 3), ao contrapor a evolução nominal do ICMS do Estado de São Paulo entre
janeiro de 1998 e abril de 2003 contra a evolução do IGP-DI, verificou que, enquanto o
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9
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Levando-se em conta os argumentos de Presser (2003), realizaramse testes com o ICMS gaúcho, mas eles não foram muito conclusivos.
Talvez a principal razão seja o fato de que os demais índices possuem
séries limitadas, que impossibilitam uma análise mais aprofundada e
comparativa através das elasticidades, tendências e impactos de planos
econômicos.
Assim sendo, preferiu-se manter o IGP-DI como deflator do ICMS
gaúcho, pois ainda permanecem muitas dúvidas na sua substituição. No
que diz respeito às renúncias fiscais, é importante saber se elas podem
ser consideradas a causa dessa má performance do ICMS no período
observado. E, se isso for verdadeiro, também é fundamental comparar o
montante de desonerações fiscais no Rio Grande do Sul com o dos demais
estados.
Um estudo que conseguiu responder essas duas questões é o de
Bordin (2003),
que
estimou as
renúncias fiscais
e potenciais
de
arrecadação do ICMS do Rio Grande do Sul, de São Paulo, de Minas Gerais
e do Rio de Janeiro. Utilizou dados relativos do Valor Adicionado Fiscal
(VAF) e, depois, calculou o “ICMS potencial” pela aplicação da “alíquota
média ponderada” sobre essa base. 11 A renúncia foi obtida pela diferença
entre o valor potencial e o efetivamente arrecadado.
O Gráfico 6 mostra que o RS está bem acima de todos os estados
em termos de renúncia fiscal — pois renunciou de 29,5% a 41,5% do
ICMS variou somente 8,5%, a variação do IGP-DI chegou a 32,4%. Assim, ele entende
que o IGP-DI deixou de ser um fidedigno deflator.
11
Para calcular a alíquota média ponderada do ICMS gaúcho, foi levada em conta a
participação relativa de cada um dos três fluxos comerciais (interno, interestadual e
exterior) no total das operações comerciais gaúchas. Depois, foi calculada a média entre
as diferentes alíquotas existentes no RS. Para isso, foi necessário ponderar a alíquota
nominal incidente em cada setor ou segmento econômico com o seu respectivo peso no
total da arrecadação. Foi evidenciado que o peso maior na participação do ICMS gaúcho
é dos setores que têm uma alíquota de 25%, representando 44% do total, seguindo-os
os setores que dispõem de uma alíquota de 17% e de 12%. Ponderando-se as três
alíquotas dos setores pela sua participação, constata-se que a alíquota média ponderada
interna do ICMS gaúcho é 20,02%. Depois de conhecida a alíquota interna, foram
levadas em consideração as alíquotas que incidem tanto nas operações interestaduais
como nas operações com o exterior, para depois ponderá-las. E, por último, a
ponderação final foi estimada em função da participação de cada fluxo comercial
(interno, interestadual e exterior) no total de operações comerciais realizadas pelo
Estado.
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ICMS potencial no período de 1996 a 2002. Os estados de Minas Gerais,
do Rio de Janeiro e de São Paulo vieram logo a seguir.
A Tabela 3 atualiza os dados sobre a renúncia fiscal do ICMS
gaúcho. É possível ver que as renúncias vêm aumentando no Rio Grande
do Sul, passando de 36,20% do ICMS potencial em 2005 para 39,48% no
ano de 2008.
Fazendo-se
um
levantamento
das
desonerações
listadas
nas
propostas orçamentárias dos últimos anos, no Rio Grande do Sul, é
possível notar que as mais implementadas dizem respeito às empresas
exportadoras, seguidas daquelas relacionadas com a compra de bens
ativos
para
empresas
industriais
e
as
destinadas
às
atividades
agropecuárias. Já os Coredes que mais receberam nesse período foram: o
Metropolitano Delta Jacuí, o Vale do Rio dos Sinos e o Serra, em função de
estarem
localizadas
nessas
regiões
as
empresas
com
maiores
contribuições em termos de receita.
Esses dados sobre a enorme renúncia fiscal do ICMS podem explicar
um paradoxo que ocorre no Rio Grande do Sul. É sabido que o ICMS
gaúcho ocupa a quarta posição no País, tanto em termos de grandeza de
arrecadação como de PIB, entretanto é surpreendente que, em termos de
carga do ICMS (ICMS dividido pelo PIB), ele cai para a 19ª posição, pois a
sua carga chega a somente 6,9% do PIB.
Além disso, de 2006 a 2007, o RS perdeu 0,6 ponto percentual,
pois, naquele ano, a carga chegava a 7,5% do PIB, como pode ser visto
no Gráfico 7.
Assim sendo, é evidente que o desempenho do ICMS, nos últimos
25 anos, ficou muito aquém do desejável, pois não conseguiu acompanhar
o crescimento da economia gaúcha, devido basicamente ao volume
excessivo de desonerações fiscais.12 Outro fato que está trazendo muito
Além do fato de o Rio Grande do Sul ter um fraco desempenho do ICMS, não se pode
esquecer que duas outras receitas importantes (as Transferências Federais e aquelas
vindas da cobrança da dívida ativa) não estão reagindo como deveriam. Especificamente
entre 1998 e 2008, a União aumentou sua arrecadação em 273% via contribuições
sociais (CPMF, CIDE, PIS/PASEP, COFINS e CSLL), que não foram repartidas com os
demais entes federativos, pois as transferências ao Estado, nesse mesmo período,
aumentaram somente 194% (RS, 2009, p. 43). Também o Estado não conseguiu cobrar
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
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12
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
prejuízo às receitas gaúchas é a falta de ressarcimento das desonerações
das exportações do Rio Grande do Sul, através da Lei Kandir, como está
mostrado no Gráfico 8.
No ano de 2000, as exportações do Rio Grande do Sul atingiram R$
10 bilhões, e o Estado foi ressarcido através da Lei Kandir em R$ 340
milhões.
O saldo credor de ICMS devido pelo Tesouro Nacional aos
contribuintes exportadores naquele ano chegou a R$ 490 milhões. Ao
longo do período, foi observado que as exportações cresceram muito no
Rio Grande do Sul, tendo atingido, em 2008, quase R$ 33,5 bilhões, o que
deveria ter sido acompanhado de um retorno maior ao Estado, caso fosse
mantida
a
mesma
relação
original.
Entretanto
isso
acabou
não
acontecendo!
Os ressarcimentos da Lei Kandir ficaram quase no mesmo patamar
do ano de 2000: R$ 350 milhões. Mas o que é paradoxal é que, no ano de
2008, o Estado passou a dever um valor cinco vezes maior às empresas
exportadoras gaúchas: R$ 2,1 bilhões.
De uma forma geral, as características das receitas gaúchas (ICMS
enfraquecido pelas enormes renúncias fiscais e falta de ressarcimento ao
Estado) podem explicar a dificuldade do Executivo em atender às
despesas públicas, que crescem sem ter condições de melhorar a
qualidade do serviço público. O próximo item procura analisar justamente
os aspectos mais importantes das despesas públicas.
3
AS
DESPESAS
PÚBLICAS:
PESSOAL,
INVESTIMENTOS,
adequadamente as receitas da dívida ativa de R$ 18 bilhões em 2008. Essas receitas,
que representam o que o Estado tem para receber de contribuintes e outros devedores
que foram autuados, vem causando muito transtorno para o RS reavê-las. Acontece que
93% das receitas da dívida ativa estão em cobrança judicial, e muitas empresas
devedoras já não existem mais, porque faliram. Em função disso, o Rio Grande do Sul
conseguiu cobrar, em 2008, somente 1,2% do total da dívida ativa, ou seja, R$ 223
milhões (Rel. Parec. Prév. Contas Gov. Est. 2008, 2009, p. 194).
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
198
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
DÍVIDA E RIGIDEZ DO ORÇAMENTO
É sabido que o Governo Estadual está atrelado às decisões de políticas
fiscal e monetária adotadas pelo Governo Federal. No entanto, o Estado do RS
possui peculiaridades que fazem com que as causas do agravamento
financeiro do Governo não ocorram somente em virtude de medidas
adotadas no âmbito federal.
Durante os anos 80 e praticamente no decorrer dos anos 90, as
finanças estaduais não apresentaram um comportamento favorável, uma vez
que a crise das finanças do Estado aconteceu não somente através do
aumento das despesas (sobretudo de custeio e de serviço da dívida), mas
principalmente pela insuficiência de receitas tributárias originada pelas
renúnciais fiscais.
A ação do Estado pode ser identificada através da análise das
despesas públicas. O exame dos gastos revela-se uma fonte importante
para a avaliação do desempenho da atividade governamental.
A rubrica pessoal, englobando os gastos da Administração Direta
(ativos, inativos, pensionistas) e as transferências para a Administração
Indireta, tem representado, nestes últimos anos, um percentual bem
significativo no total das despesas, responsáveis por quase a metade do
dispêndio total. Em estudos anteriores, foi visto que, nos últimos 40 anos, o
comportamento do gasto com pessoal apresentou uma tendência crescente,
pois, em algumas categorias, houve uma recomposição salarial de seus
níveis históricos, porque as mesmas dispunham de uma defasagem
considerável (Meneghetti Neto; Ruckert, 1994, p. 93).
Neste atual estudo, seguiram-se os mesmos critérios adotados pelo
Tribunal de Contas do Estado para fins de atendimento aos dispositivos da
Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que procura fixar um limite de 60%
da Receita Corrente Líquida (RCL) para os gastos com pessoal. 13 O
O TCE, para o cálculo de Pessoal e encargos sociais, adota a exclusão das pensões e, a
partir de 2001, a dedução do Imposto de Renda Retido na Fonte (IRRF) dos servidores
(Rel. Parec. Prév. Contas Gov. Est. 2008, 2009, p. 90).
13
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
199
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
Gráfico 9 apresenta a evolução do gasto com pessoal nos últimos anos,
segundo a LRF. Nota-se que a despesa com pessoal atingiu o nível mais
elevado de todo o período, chegando a 73,2% da RCL. A partir de 2001,
no entanto, deixou de fazer parte do cômputo dessa rubrica a despesa do
Instituto de Previdência do Estado do Rio Grande do Sul (IPERGS) com a
assistência médica dos servidores, o auxílio funeral, creche, bolsa de
estudos, transportes e refeição e, principalmente, o Imposto de Renda
Retido na Fonte dos servidores, resultando em uma queda para 58,5% da
RCL.
No último ano, essa rubrica atingiu somente 46,4% da RCL, o que
mostra uma adequação dos gastos com pessoal como está determinado
na Lei.
Procurando-se
investigar
os
gastos
com
pessoal
mais
detalhadamente, os dados foram desagregados por matrículas, tanto dos
funcionários ativos quanto dos inativos e pensionistas. Na realidade, o
pagamento com pessoal é um dos itens mais difíceis de executar, não só
pelo seu alto patamar de gasto exigido, como também pelo fato de que os
gastos com inativos e pensionistas já representam a metade do
pagamento das despesas com o pessoal total. Além disso, existe uma
tendência preocupante que se observa no número de matrículas dos
servidores inativos e pensionistas das Administrações Direta e Indireta,
que vem gradativamente aumentando nos últimos anos.
O Gráfico 10 detalha a evolução dessa estatística para o período de
1991 a 2008. Enquanto os servidores ativos diminuíram de 228 mil (1991)
para 192 mil (2008), os inativos aumentaram de 79 mil para 133 mil; e os
pensionistas, de 48 mil para 50 mil, respectivamente, no mesmo período
(B. Inf. Pessoal, 2009).
Aliás, essa situação é uma das piores do País, pois, de acordo com o
Ministério da Previdência e Assistência Social, no ano de 2008, o Rio
Grande do Sul apresentou um déficit previdenciário de R$ 3,9 bilhões, só
superados pelo do Rio de Janeiro e pelo de São Paulo, que chegaram,
respectivamente, a R$ 4,8 bilhões e R$ 7,6 bilhões. (Anu. Estat. Prev.
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
200
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
2008, 2009). Além disso, fazendo-se um levantamento de quanto cada
Tesouro Estadual gasta com aposentados e pensionistas, pode-se notar
que, dos 27 estados, a situação é bem complicada em 21 deles, pois a
despesa supera a receita previdenciária. Mas fica muito evidente que o Rio
Grande do Sul apresenta a terceira situação mais crítica do Brasil. 14 Com
isso, pode-se dizer que o Estado despenderá com pessoal praticamente o
mesmo patamar histórico, entretanto somente a metade dos funcionários
prestará serviços à sociedade, o que faz com que se torne necessário
pensar, urgentemente, em uma política de aposentadoria no Rio Grande do
Sul. Além disso, desagregando os dados dos servidores por áreas de
atuação, observa-se uma diminuição dos servidores das funções básicas.
O Gráfico 11 mostra uma tendência de queda dos servidores
ativos, que prestam os serviços essenciais à população gaúcha, com uma
pequena reversão nos Governos Olívio e Rigotto. Entretanto, de 2006
para 2008, foi observada uma retomada da queda. Analisando-se um
período maior (de 1993 a 2008), houve uma redução na Secretaria da
Saúde (SS) (25,4%), na Secretaria da Segurança Pública (SSP) (15,4%) e
na Secretaria da Educação (Seduc) (9%), enquanto a população do
Estado, nesse mesmo período, cresceu 14,9%.
Mesmo que essa redução do quadro de servidores das Secretarias
da Educação, da Saúde e da Segurança possa estar vinculada à
municipalização dos gastos estaduais da área social, pode-se argumentar
que ela tende a dificultar a prestação desses serviços essenciais, uma vez
que os mesmos são intensivos em trabalho. Isso significa dizer que é
necessário que o número de professores, médicos e policiais acompanhe o
crescimento da população. Nesse sentido, é fundamental que se dê
continuidade ao trabalho que se está fazendo no Rio Grande do Sul em
termos de medir a produtividade da gestão pública, por indicadores de
Em realidade, observando-se uma série maior, fica evidente que os três estados mais
problemáticos em termos de déficit previdenciários são: São Paulo, Rio de Janeiro e Rio
Grande do Sul, pois, desde há muito tempo, vêm apresentando os maiores déficits
previdenciários e, o que é pior, crescentes! Os únicos seis estados que apresentaram
superávit previdenciário em 2008 foram: Amapá (R$ 204 milhões), Tocantins (R$ 204
milhões), Rondônia (R$ 167 milhões), Roraima (R$ 138 milhões), Acre (R$ 63 milhões) e
Mato Grosso (R$ 51 milhões) (Anu. Estat. Prev. 2008, 2009, p. 769).
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
201
14
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
esforço e resultado.15 Além disso, cabe salientar que a pesquisa gaúcha do
setor público está bem avançada, podendo ser monitorada, mensalmente,
através de indicadores (Indicadores Fiscais..., 2010).
No que diz respeito aos gastos com investimentos, é importante
distingui-los
das
inversões
financeiras,
que
são
classificadas
separadamente. Enquanto o primeiro se refere principalmente à execução
de obras e instalações, o segundo diz respeito à aquisição de imóveis.
Todavia é comum utilizar-se, também, um conceito mais amplo dos
investimentos, englobando o grupo de inversões financeiras. Através do
Gráfico 12, observa-se que, em praticamente todos os últimos governos,
houve uma queda gradual dos investimentos, tanto os de serviços básicos
(saúde, segurança e educação) como também os de infraestrutura de
transporte e de logística.
Entende-se que as dificuldades fiscais pesaram fortemente sobre a
capacidade
de
investimento
do
Estado,
que
foram
diminuindo
gradativamente. O Governo Triches foi o que mais investiu, atingindo
29,7% da RCL, enquanto os governos posteriores apresentaram uma
tendência de queda. Os quatro últimos governos situaram-se em um
patamar abaixo de 17% da RCL: o Governo Britto alcançou 16,7%; o
Governo Olívio, 10,6%; o Governo Rigotto, 6%; e o Governo Yeda, 3,4%
da RCL. Isso indica que os recursos alocados nos últimos anos têm ficado
aquém das necessidades do Estado, fato que reflete a escassez de
recursos.
O déficit público recorrente nesses 25 anos analisados no item 1
pode explicar o endividamento crescente
do Rio Grande do Sul.
A proposta desse trabalho é desenvolver uma metodologia de análise, com ênfase no
custeio, tendo como premissas a racionalização e o aumento da eficiência alocativa do
gasto público. Ele é executado por uma equipe que, ao analisar um determinado órgão,
apura o seu valor do custeio e as suas prioridades, dando continuidade à melhoria na
prestação de serviços públicos. Também identifica as fontes de recursos alternativas que
permitam aumentar o volume aplicado, sem comprometer os escassos recursos do
Tesouro. Até o momento, o projeto já foi aplicado na Secretaria da Educação, na
Secretaria de Desenvolvimento dos Assuntos Internacionais (Sedai) e na Secretaria da
Saúde. Já, inclusive, se dispõe de um grupo de trabalho multidisciplinar com integrantes
de vários órgãos do Estado, atendendo, em princípio, ao que está determinado no artigo
67 da Lei de Responsabilidade Fiscal, de 2000 (Grupo de Trabalho..., 2009).
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
202
15
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
Considerando-se a dívida pública estadual fundada consolidada (dívidas
interna e externa com vencimento de longo prazo), pode-se observar que
ela vem, gradativamente, crescendo desde o período compreendido entre
o final do Governo Peracchi (1971) até o ano de 2008, do Governo Yeda,
como mostra o Gráfico 13.
A dívida pública gaúcha passou, respectivamente, de R$ 1,4 bilhão
para R$ 38,1 bilhões, ou seja, um crescimento de 27 vezes em valores
reais pelo IGP-DI. Pode-se notar também o extraordinário salto da dívida
que ocorreu no Governo Britto, causado pela renegociação da dívida com
a União. Existem estudos que apontam que a fórmula de cálculo utilizada
pela União para a correção da dívida gaúcha em abril de 1988 provocou
um aumento considerável no seu montante.16
Outro fato que deve ser considerado é que a dívida pública gaúcha
está distribuída em parcelas com vencimentos a serem pagos até o ano
2028, como pode ser visto no Gráfico 14. Nota-se que existe uma
tendência de aumento expressiva nas próximas duas décadas.
No que diz respeito ao serviço da dívida, que engloba os dispêndios
com a amortização da dívida e com seus encargos (juros e correção), podese ressaltar que ele iniciou sua trajetória ascendente nos anos 80, como já
foi visto em Meneghetti Neto e Ruckert (1994). Mais recentemente, houve
um aumento extraordinário do serviço da dívida de R$ 853 milhões (2000)
para R$ 2,1 bilhões (2008), também em função da renegociação com a
União.17 Somente para se ter uma idéia da anomalia desse gasto, em
2000, o Estado estava gastando um patamar muito próximo ao das
O acordo reajustou a dívida a uma taxa de 6% ao ano, com atualização dos valores
pelo IGP-DI. Além disso, foi incluída, no seu montante, a operação do Programa de
Estímulo à Redução do Setor Público na Atividade Bancária (Proes), o que, de acordo
com Santos e Calazans (2010), “[...] foge à lógica do endividamento público estadual”.
17
Através da Lei nº 9.496/97, foi definido que o pagamento do serviço da dívida seria
limitado a uma determinada porcentagem da Receita Líquida Real (RLR), que
corresponde à soma das receitas correntes e de capital, excluindo-se as transferências do
Fundef, as receitas provenientes das operações de crédito, as receitas provenientes da
venda de ativos, as transferências de capital, as transferências constitucionais para os
municípios e as receitas do SUS. De acordo com a Proposta orçamentária 2010 (RS,
2009, p. 53), no período entre 2000 e junho de 2009, despendeu-se, em média, o
equivalente a 16,2% da RLR, o que é um comprometimento bem expressivo do
Orçamento estadual, bem acima da sua capacidade.
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
203
16
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
despesas de investimentos (R$ 642 milhões), como está apresentado no
Gráfico 15.
Entretanto, com o passar dos anos, o serviço da dívida foi-se
distanciando
dos
investimentos,
tendo
ultrapassado
R$
2
bilhões,
enquanto os investimentos permaneceram no patamar de somente R$
661 milhões. Esse montante representa três vezes mais do que o Estado
gasta em investimentos, o que faz crer que existe, efetivamente, uma
menor destinação tanto para a área social (de saúde, educação e
segurança)
como
principalmente
para
infraestrutura.
Reunindo
os
principais grupos da despesa, analisados anteriormente, convém comparálos com a RCL, que é a receita que o Governo dispõe para os seus gastos.
Através da Tabela 4, é possível notar que, em praticamente todos os anos
do período de 2000 a 2008, a receita foi superada pelos gastos, o que muito
dificultou a execução do Orçamento. Consequentemente, isso resulta em
rigidez orçamentária nas contas públicas gaúchas.18
Na realidade, tanto a Constituição Federal como a Estadual e um
conjunto de leis posteriores estabeleceram vinculações e obrigações que têm
ultrapassado a Receita Corrente Líquida. Pode-se notar que, de 2000 a
2008, três rubricas diminuíram sua participação, enquanto somente os
serviços da dívida permanceram no mesmo patamar. Especificamente, os
gastos com pessoal e encargos passaram de 76,9% para 66% da RCL, os
gastos com investimentos caíram de 12,4% para 4% da RCL, e as outras
despesas correntes diminuíram de 26,5% para 20,4% da RCL. Não existem
dúvidas de que, com esse nível de rigidez orçamentária no Rio Grande do
Sul, acaba sobrando muito pouco para ajuste e gastos com investimentos, e,
além disso, um ou outro dispositivo constitucional pode não ser cumprido.
A rigidez orçamentária é uma limitação imposta a um governante pelos mecanismos
vinculatórios, que tornam o processo de destinação de recursos extremamente rígido, de
forma a restringir a liberdade de atuação e, assim, a tomada de decisões. Os
mecanismos vinculatórios (como o da Educação em 35% da RLIT e Saúde em 12% da
RLIT), ao fixarem limites de gastos em determinadas áreas, podem ocasionar um
incentivo à ineficiência desses gastos, uma vez que o foco do gestor é executar a
despesa autorizada no Orçamento e não a busca da eficiência na produção de serviços
públicos. Com esse nível de rigidez orçamentária, acaba sobrando muito pouco para
ajustes e gastos com investimentos.
18
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
204
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
CONCLUSÃO
Através do estudo das finanças públicas do Rio Grande do Sul nos
últimos 25 anos, foi constatado que o Estado sempre gastou mais do que
arrecadou, o que consolidou uma situação de déficit orçamentário
permanente e, certamente, impactou as decisões do gestor público. A
simples observação do resultado orçamentário mostra um evidente
desequilíbrio das contas públicas, sendo que os poucos anos de equilíbrio
orçamentário foram conseguidos de forma paliativa: ou através de
empréstimo, ou pela utilização da inflação para retardar pagamentos, ou
pelos recursos das privatizações, ou, ainda, através das vendas de ações
do Banrisul. A única exceção foi o ano de 2008, quando ocorreu o déficit
zero, mas, provavelmente, nos próximos anos, voltará o desequilíbrio
novamente, pelas últimas informações que se têm das contas públicas
gaúchas.
Uma
das
razões
desse
desequilíbrio
pode
ser
encontrada
na
arrecadação do ICMS, que não mostrou uma boa performance. Sempre
existiram muitos dispositivos legais e constitucionais que enfraqueceram as
receitas
públicas
gaúchas.
Houve
um
aumento
da
defasagem
do
crescimento do ICMS em relação à economia, causado pelos prazos mais
dilatados de seu recolhimento e pelos inúmeros benefícios fiscais.
Uma receita fraca e incapacitada de acompanhar o crescimento da
economia resultou na diminuição da qualidade da prestação do serviço
público, atestada pelo fato da diminuição dos investimentos públicos e da
quantidade de servidores, justamente em áreas fundamentais do Estado
(saúde, educação e segurança). Por outro lado, o quadro de pessoal está
mostrando uma tendência de aumento dos aposentados, o que permite
supor que, em um futuro próximo, o mesmo poderá apresentar dois
aposentados para cada ativo. Isso significa que o Estado irá gastar o
mesmo patamar histórico com pessoal, mas somente 1/3 dos funcionários
O movimento da produção. (Três décadas de economia gaúcha, v. 2). 2010
205
Meneghetti Neto, A. A crise das finanças públicas gaúchas.
prestarão
serviços
à
sociedade.
É
necessário,
portanto,
reformular
urgentemente a política de aposentadoria e incrementar o ritmo dos
concursos públicos no Rio Grande do Sul.
Outro fato que também agravou o quadro de crise das finanças
foram os encargos da dívida, que aumentaram muito, tornando cada vez
mais rígido o orçamento público. Isso significa um ônus insustentável para
as gerações futuras, pois o Estado, pela sua inoperância, pode trazer
dificuldades para a economia. O Governo gaúcho poderá transformar-se em
um obstáculo para os investimentos da agropecuária, da indústria e do
comércio nos próximos anos, pois não terá recursos para continuar
mantendo o pagamento do custeio da máquina.
Apesar de ter-se iniciado uma recomposição do desempenho
satisfatório das finanças públicas no ano de 2008, ela pode perder força
nos próximos anos, pois a economia gaúcha foi muito prejudicada pela
crise internacional. Assim sendo, o que deve ser enfatizado é que
persistem pelo menos três graves problemas: o enorme estoque da dívida
pública, o crescimento da quantidade de aposentados e o enfraquecimento
das receitas.
É fundamental serem encaminhadas várias ações no Rio Grande do
Sul para melhoria das finanças públicas: rever as desonerações fiscais,
melhorar a política de aposentadoria e voltar a negociar com o Governo
Federal os pagamentos da dívida pública e principalmente o ressarcimento
da Lei Kandir.
Finalmente, convém ainda lembrar que os problemas levantados por
este estudo não são somente das finanças públicas gaúchas, mas, sim, de
todo um sistema tributário nacional, que está a exigir profundas reformas
para que a sociedade possa receber o retorno justo dos impostos que está
pagando.
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