UNIVERSIDADE FEDERAL DE OURO PRETO NÚCLEO DE PESQUISA EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM CIÊNCIAS BIOLÓGICAS Estudo in vivo do efeito agudo da espironolactona e eplerenona em ratos submetidos à isquemia cardíaca Gabriela de Cássia Sousa Amancio Ouro Preto 2013 GABRIELA DE CÁSSIA SOUSA AMANCIO Estudo in vivo do efeito agudo da espironolactona e eplerenona em ratos submetidos à isquemia cardíaca Dissertação apresentada ao programa de PósGraduação em Ciências Biológicas da Universidade Federal de Ouro Preto, como requisito parcial para a obtenção do título de Mestre em Ciências Biológicas. Orientador: Dr. Mauro César Isoldi Co-orientadora: Dra. Andrea Grabe Guimarães Ouro Preto 2013 Dedico este trabalho à minha mãe Cristina, meus irmãos Geisa e Guilherme e ao Igor, que sempre me ajudaram, apoiaram e incentivaram. AGRADECIMENTOS À Deus por guiar e proteger o meu caminho. À minha mãe Cristina pelo amor incondicional, pelos conselhos e por nunca medir esforços para que eu realize meus sonhos. Aos meus irmãos Guilherme e Geisa pelo carinho e companheirismo. Geisa (Faela), obrigada por tudo que você sempre fez por mim aqui em Ouro Preto! Ao Igor por ser meu amigo, pela paciência e pelo apoio, principalmente nesses últimos dias. Te amo! À toda minha grande e querida família meus avós, tios e primos pelo carinho e pelo apoio sempre. Aos meus amigos Elisa, Caio, Mari, Denise, Diguin e Betinha obrigada pela amizade e por compartilhar comigo momentos de alegria! Ao Prof. Dr. Mauro César Isoldi pela orientação desde a iniciação científica, confiança e ensinamentos. Todos esses anos de trabalho no Laboratório foram muito importantes para minha carreira científica e sempre serei grata por tudo isso. À Profª Drª Andrea Grabe Guimarães, sem o seu apoio nada disso seria possível. Obrigada pela boa vontade, pelas correções e direcionamentos, e pela oportunidade de cursar o doutorado. Aos colegas e amigos do Laboratório de Hipertensão UFOP, Maria Andrea, Thalisson, Rosana, Everton, Rodrigo, Grazi, Uberdan, Renato, Carol e Gabi Hermont pela amizade e a troca de experiências. Milla, Carol e Gabi Juninha, vivemos muitos momentos juntas e vou sentir falta da nossa convivência diária. Obrigada pela amizade, companhia e apoio sempre! Ana Cláudia e Deborah, parte deste trabalho também é de vocês. Obrigada por tudo! Pelos fins de semana de trabalho, pelas análises intermináveis do ECG... Vocês foram fundamentais para a realização deste projeto! Aos colegas e amigos do Laboratório de Farmacologia experimental do CiPharma, Dani, Carol, Kamila, Quênia, Thales, Mariana e Gisele. Obrigada por me acolherem! Quando cheguei não tinha experiência alguma com as metodologias que iria utilizar e todos direta e indiretamente me ajudaram. Ao Prof. Dr. Wanderson pela paciência e ajuda com as análises histológicas. Ao Centro de Ciência Animal da UFOP e todos os seus funcionários pelo cuidado com os animais. Aos professores do NUPEB pelos ensinamentos e a todos os funcionários pela dedicação. À Fapemig pelo financiamento do projeto e a Capes pela concessão da bolsa de estudo. Ainda que eu tivesse o dom de profetizar o conhecimento de todos os mistérios e de toda a ciência, ainda que eu tivesse toda fé a ponto de transportar montes, se não tivesse o Amor, eu nada seria.” (Apóstolo Paulo, na carta I aos Coríntios) RESUMO O aumento dos níveis plasmáticos de aldosterona após infarto do miocárdio (IM) está relacionado com a piora do prognóstico da doença e contribui para patogênese da insuficiência cardíaca. O tratamento do IM com antagonistas de receptores mineralocorticoides (MR) da aldosterona, espironolactona e eplerenona, têm reduzido a remodelação do ventrículo esquerdo e a morte súbida. Entretanto, existem evidências clínicas e experimentais de que a cardioproteção promovida por esses antagonista pode ser em parte independente do bloqueio da ação da aldosterona. O objetivo do presente estudo foi avaliar comparativamente os efeitos cardioprotetores da espironolactona e eplerenona em um modelo agudo de isquemia cardíaca em ratos. Ratos machos wistar, submetidos a adrenalectomia lateral ou não foram tratados, via oral, com Espironolactona 20mg/kg ou Eplerenona 10mg/kg, na presença e na ausência de um antagonista de receptor GR (Mifepristona 20mg/kg) e submetidos a isquemia cardíaca. O sinal de ECG em ratos anestesiados foi obtido antes e após a ligadura coronária esquerda, durante 1 hora. A área sob a curva do segmento ST do ECG, um parâmetro que indica isquemia do miocárdio, foi significativamente menor para a espironolactona (53.9.3 ± 13,07) e eplerenona (31,3 ± 10,08) de animais tratados em comparação com os animais de controle (179,4 ± 32,3). Mifepristona (76,6 ± 14,54) não foi capaz de alterar os efeitos de espironolactona. Estes resultados sugerem que doses baixas de espironolactona e eplerenona são cardioprotetoras mesmo quando os níveis de aldosterona não estão aumentados e que este efeito não é dependente da ativação dos receptores GR. Palavras-chave: Espironolactona, Eplerenona, cardioproteção, adrenalectomia. viii ABSTRACT The increasing plasma levels of aldosterona after myocardial infarction (MI) is related to its prognostic aggravation and contributes to the cardiac failure pathogenesis. The MI treatment with the mineralocorticoid receptors (MR) antagonists, spironolactone and eplerenone, can reduce the left ventricular remodeling and sudden death occurrence. However, clinical and experimental evidences demonstrated that this cardioprotection could be in part independent of the aldosterone inhibition. The mechanisms activated by these two drugs in the heart remain unknown. Spironolactone also presents glucocorticoid receptors (GR) affinity, which also shows cardioprotective properties. The objective of the present work was to evaluate the cardioprotective effects of spironolactone and eplerenone in a model of acute cardiac ischemia in rats. Male Wistar rats were first subjected to adrenalectomy and received by oral route 20mg/kg of spironolactone or 10mg/kg eplerenone in the presence and in the absence of mifepristone (20mg/kg), a GR receptor antagonist. The ECG signal was obtained in anaesthetized rats before and after the left coronary ligature, during 1 hour. The area under the curve of the ST segment of ECG, a parameter that indicates myocardial ischemia, was significantly smaller for the spironolactone (53.9.3±13.07) and eplerenone (31.3±10.08) treated animals compared to the control animals (179.4 ± 32.3). Mifepristone (76.6±14.54) was not able to alter the effects of spironolactone. These results suggest that low doses of spironolactone and eplerenone are cardioprotective even when plasma levels of aldosterone are not augmented and that this effect is not dependent of GR receptors activation. Keywords: Espironolactone, Eplerenone, cardioprotection, adrenalectomy. ix LISTA DE FIGURAS Figura 1: Elementos de um eletrocardiograma normal ..................................................22 Figura2: Sequência de alterações do ECG no IAM .......................................................23 Figura 3: Estrutura química da espironolactona ............................................................28 Figura 4: Estrutura química da eplerenona ....................................................................28 Figura 5: Fluxograma da divisão dos grupos experimentais .........................................39 Figura 6: Procedimento experimental ...........................................................................41 Figura 7: Área sob a curva ST-T ...................................................................................44 Figura 8: Taxa de mortalidade por grupo experimental .................................................48 Figura 9: Valores absolutos de PA e FC dos animais tratados com Espironolactona 20mg/kg e Eplerenona 10mg/kg submetidos à isquemia cardíaca .................................49 Figura 10: Valores absolutos de PA e FC dos animais tratados com Mifepristona 20mg/kg submetidos à isquemia cardíaca ......................................................................50 Figura 11: Exemplos de alterações eletrocardiográficas pós-ligadura. Derivação II ....51 Figura 12: Imagem representativa do registro dos ECGs após a ligadura da coronária 52 Figura 13: Variação da área sob a curva ST-T do ECG dos animais tratados com Espironolactona 20mg/kg e Eplerenona 10mg/kg submetidos à isquemia cardíaca ......53 Figura 14: Variação da área sob a curva ST-T do ECG dos animais tratados com Mifepristona 20mg/kg e Espironolactona 20mg/kg submetidos à isquemia cardíaca ....55 x Figura 15: Dosagem sérica da aldosterona .....................................................................56 Figura 16: Histologia do coração de animais tratados com Espironolactona 20mg/kg e Eplerenona 10mg/kg submetidos a ligadura da coronária esquerda................................58 Figura 17: Histologia do coração de animais tratados com Mifepristona 20mg/kg e Espironolactona 20mg/kg e submetidos à ligadura da coronária esquerda .....................60 xi LISTA DE QUADROS Quadro 1: Critérios para o diagnóstico de isquemia aguda do miocárdio. ....................25 Quadro 2: Divisão dos grupos experimentais. ..............................................................38 LISTA DE TABELAS Tabela 1: Propriedades farmacocinéticas e usos clínicos da espironolactona e eplerenona .......................................................................................................................30 Tabela 2: Mortalidade por grupo experimental ..............................................................47 Tabela 3: Percentual de animais que apresentaram necrose cardíaca ...........................57 Tabela 4: Percentual de animais que apresentaram necrose cardíaca (Grupo adrenalectomizado) .........................................................................................................59 xii LISTA DE SIGLAS 11β-HSD2 – enzima 11β-desidrogenase ACTH – hormônio adrenocorticotrófico AMPc –monofosfato cíclico de adenosina ATP – trifosfato de adenosina AV – átrio-ventricular DAG – diacilglicerol ECA – enzima conversora de angiotensina ECG – eletrocardiograma EPHESUS – Eplerenone Heart failure Survival Study EROs - espécies reativas de oxigênio FC – frequência cardíaca GMPC – monofosfato cíclico de guanosina GR – receptor glicocorticoide HE – hematoxilina e eosina IAM – infarto agudo do miocárdio IC – Insuficiência cardíaca IP3 – trifosfato de inositol KATP – canais de potássio sensíveis a ATP kg – quilograma mg – miligramas MR – receptor mineralocorticoide NaCl – cloreto de sódio NADPH – nicotinamida adenina dinucleótido fosfato hidreto xiii PA – Pressão arterial PAD – pressão arterial diastólica PAS – pressão arterial sistólica PI3-quinase – fosfatidilinositol 3-quinase PKC – proteína quinase C PTPm – poro de permeabilidade transitória mitocondrial RALES – Randomized Aldosterone Evaluation Study SA – sinoatrial SRAA – sistema- renina- angiotensina- aldosterona Supra de ST – supradesnivelamento do segmento ST xiv SUMÁRIO 1. INTRODUÇÃO .........................................................................................................19 1.1.1 Infarto agudo do miocárdio ...................................................................................19 1.1.2 Aspectos fisiopatológicos .......................................................................................20 1.2 O ELETROCARDIOGRAMA ..................................................................................21 1.2.1 Alterações do Eletrocardiograma no Infarto do miocárdio ....................................22 1.3 ALDOSTERONA E SEUS EFEITOS DELETÉRIOS SOBRE O SISTEMA CARDIOVASCULAR ....................................................................................................25 1.4 ANTAGONISTAS DE RECEPTORES MR DA ALDOSTERONA .......................27 1.4.1 Efeitos cardioprotetores dos antagonistas de MR independentes da aldosterona ..32 1.5 RECEPTORES GLICOCORTICOIDES .................................................................33 2. OBJETIVOS .............................................................................................................35 3. MATERIAIS E MÉTODOS ...................................................................................37 3.1 Animais .....................................................................................................................37 3.2 Fármacos e tratamento ..............................................................................................37 3.3 Procedimentos cirúrgicos ..........................................................................................41 3.4 Adrenalectomia bilateral............................................................................................42 3.5 Dosagem aldosterona sérica ......................................................................................42 3.6 Eletrocardiograma e Pressão arterial ........................................................................43 3.6.1 Determinação da área sob a curva ST-T ................................................................43 3.7 Análise histológica ....................................................................................................................... 45 3.8 Análise estatística .....................................................................................................45 xv 4. RESULTADOS ..........................................................................................................47 4.1 Taxa de mortalidade .................................................................................................47 4.2 Avaliação da pressão arterial e frequência cardíaca .................................................48 4.3 Avaliação do ECG .....................................................................................................53 4.3.1 Área sob a curva ST-T ............................................................................................54 4.5 Dosagem da aldosterona sérica ................................................................................59 4.6 Análise histológica ....................................................................................................60 5. DISCUSSÃO .............................................................................................................64 6. CONCLUSÃO ..........................................................................................................72 7. REFERÊNCIAS ........................................................................................................74 ANEXOS ........................................................................................................................76 xvi INTRODUÇÃO 1. INTRODUÇÃO 1.1 INFARTO AGUDO DO MIOCÁRDIO O infarto agudo do miocárdio (IAM) está entre as principais causas de morte e morbidade em todo mundo. Dados da Organização Mundial de Saúde estimam que aproximadamente 7,3 milhões de pessoas morrem todos os anos em decorrência de doenças coronarianas (WHO, 2011). No Brasil, segundo o DataSUS, no ano de 2010, ocorreram 99.955 mortes devido a doenças isquêmicas do coração (BRASIL, 2011). Os fatores de risco associados a doenças cardiovasculares são hipercolesterolemia, hipertensão, diabetes, tabagismo, sedentarismo, má alimentação, uso excessivo do álcool, predisposição genética, idade avançada, sexo e fatores sociais como pobreza e baixa escolaridade (WHO, 2011). A principal causa de doenças isquêmicas cardíacas e de infarto do miocárdio é a aterosclerose, uma doença crônica onde ácidos graxos e colesterol são depositados progressivamente no endotélio das artérias formando placas que as tornam irregulares e estreitam o lúmen, dificultando a passagem do sangue (WHO, 2011). As placas ateroscleróticas podem se romper e formar um coágulo ou trombo de sangue obstruindo o fluxo sanguíneo das artérias causando isquemia. Outras causas menos comuns de isquemia incluem espasmos coronarianos, embolia coronária e obstrução de vasos normais sem placa aterosclerótica (Burke et al, 2007). As síndromes coronarianas são classificadas em angina instável, infarto do miocárdio sem elevação do segmento ST e infarto do miocárdio com elevação do segmento ST. A isquemia causada pela oclusão total e permanente de uma artéria coronária acompanhada por uma alteração no eletrocardiograma (ECG), o supradesnivelamento do segmento ST (supra de ST), pode causar morte progressiva das células cardíacas, caracterizando o infarto do miocárdio com elevação de ST. Oclusões parciais e/ou intermitentes, geralmente, não são acompanhadas por supra de ST, no entanto podem causar necrose celular, nestes casos desenvolve-se um infarto do miocárdio sem elevação do ST. Quando a isquemia é menos acentuada e não há indícios de necrose, a síndrome clínica é denominada de angina instável (National Clinical Guideline Centre UK, 2010). 19 1.1.2 Aspectos fisiopatológicos O infarto do miocárdio pode ser definido como morte de cardiomiócitos devido ao desequilíbrio prolongado entre o suprimento de sangue e a demanda de oxigênio do miocárdio, causado pela obstrução parcial ou total de um ou mais ramos das artérias coronárias (Thygesen et al 2012). A isquemia causa uma série de alterações metabólicas e funcionais nas células cardíacas. Além da diminuição da oferta de O2, a disponibilidade de outros nutrientes bem como a eliminação de metabólitos fica prejudicada. Ocorre rápida depleção de ATP, o metabolismo aeróbio é interrompido e inicia-se a glicólise anaeróbica. Esta por sua vez, promove acúmulo de íons H+ e acidose do tecido. Na tentativa de estabilizar o pH, são ativados mecanismos intracelulares que culminam no aumento das concentrações de cálcio na matriz mitocondrial e espécies reativas de oxigênio (EROs), prejudicando a produção de energia. Consequentemente, ocorre abertura de poros de permeabilidade transitória (PTPm) na mitocôndria que levam a morte celular (Chiong et al, 2009). A morte das fibras musculares se inicia em aproximadamente 20 min após a isquemia e é categorizada patologicamente como necrose de coagulação ou em banda de contração, que evolui por oncose e em menor grau por apoptose. Necrose completa de todas as células em risco requer pelo menos 2- 4 h. Esse tempo pode variar dependendo da presença de circulação lateral a zona isquêmica, da oclusão da coronária ser permanente ou intermitente, da sensibilidade dos miócitos à isquemia e da demanda individual de oxigênio e nutrientes do miocárdio (Thygesen et al 2007). Em modelos animais de isquemia cardíaca o tempo para o desenvolvimento completo de necrose é menor, variando entre 30 e 90 minutos em ratos (Jugdutt et al, 1993). A isquemia cardíaca pode levar o indivíduo à morte logo na fase aguda do infarto, devido a incapacidade do coração em bombear sangue adequadamente e a presença de arritmias cardíacas (Jugdutt, 2012). Quando a lesão é menos acentuada, o miocárdio remanescente sofre alterações anatômicas e funcionais que prejudicam a função contrátil do coração e progressivamente levam à insuficiência cardíaca. Entre as alterações estão remodelação da matriz extracelular, hipertrofia dos miócitos, dilatação ventricular e acúmulo de colágeno na área infartada (Sutton e Sharpe, 2000), a esse conjunto de alterações dá-se o nome de remodelamento cardíaco. 20 1.2 O ELETROCARDIOGRAMA O diagnóstico do IAM é feito com base nos sintomas clínicos, alterações do ECG, na elevação de marcadores bioquímicos de necrose e exames de imagem. Tendo em vista que os sintomas clínicos são muito variados e a elevação dos biomarcadores se inicia cerca de 6 h após os primeiros sintomas de infarto, o ECG ainda é o principal instrumento utilizado no diagnóstico do IAM (Pesaro et al, 2004). O ECG além de ser um método rápido e de baixo custo, permite identificar a área relacionada ao infarto e prever o tamanho da área lesada, além de auxiliar na escolha da terapia mais adequada para cada caso (Zimetbaum et al, 2003). O ECG é composto por ondas, segmentos e intervalos, que representam as fases do ciclo cardíaco, período entre o início de um batimento cardíaco e o início do próximo. Um ciclo cardíaco se inicia quando um potencial de ação é gerado no nodo sinoatrial (SA). O potencial de ação corresponde a oscilação do potencial de membrana da célula, onde há inversão da polaridade da membrana (despolarização) e retorno à linha de base (repolarização) devido a passagem seletiva de íons Na+, K+, Ca+2 pela membrana (Farraj et al, 2011). A partir do nodo SA o impulso nervoso se propaga através dos feixes intermodais até as fibras musculares atriais, promovendo a contração dos átrios. Em seguida, o impulso atinge o nodo atrioventricular (AV), a condução nesta região é mais lenta, o que permite que o sangue chegue aos ventrículos antes que eles entrem em sístole. Do nodo AV o impulso atinge o feixe de His, desce por seus ramos até as fibras de purkinje, e se estende a todas as fibras ventriculares, ocasionando a contração ventricular (Feldman e Goldwasser, 2004). Todas essas fases do ciclo cardíaco podem ser registradas no ECG (Figura 1). A onda P corresponde a despolarização dos átrios. O complexo QRS corresponde a despolarização ventricular. A onda de repolarização atrial é encoberta pelo complexo QRS, e não pode ser visualizada no ECG. A onda T representa a repolarização ventricular. Entre o complexo QRS e a onda T observa-se o segmento isoelétrico ST. Este pode sofrer supradesnivelamento ou infradesnivelamento em casos de infarto agudo do miocárdio, característica que será abordada com mais detalhes a seguir. 21 Figura 1: Elementos do eletrocardiograma normal. Onda P, despolarização atrial; Complexo QRS, despolarização ventricular; Segmento ST, intervalo entre o final da despolarização e o início da repolarização ventricular; Onda T, repolarização ventricular. Fonte: (http://www.research.chop.edu) 1.2.1 Alterações do Eletrocardiograma no infarto do miocárdio No ECG, as alterações após a isquemia do miocárdio ocorrem principalmente no segmento ST e na onda T. Em isquemias agudas, onde há bloqueio total de um ou mais ramos das coronárias, ocorre aumento da amplitude da onda T, seguida de supradesnível de ST, e desaparecimento da onda S do complexo QRS (Figura 2) Birnbaum et al, 2003). O supradesnível de ST em duas derivações contíguas determina o diagnóstico do infarto do miocárdio (Zimetbaum et al, 2003). As alterações no ST e onda T representam a fase mais aguda do IAM e duram apenas algumas horas ou no máximo 2 a 3 dias (Mansur et al, 2005), após esse período o segmento ST volta ao ponto isoelétrico do ECG e a onda T pode ou não se tornar invertida. No final do processo isquêmico, quando ocorre necrose total das células em risco, a área afetada se torna eletricamente inativa e ondas Q patológicas (Figura 2) são observadas no ECG (Bueno et al, 2011). 22 Figura 2: Sequência de Alterações do ECG no IAM: 1. Aumento da amplitude da onda T; 2. Elevação do segmento ST; 3. Elevação do segmento ST e desaparecimento da onda S; 4. ST começa a retornar ao ponto isoelétrico e onda T invertida; 5. ST normal e onda T invertida; e 6. Onda Q patológica. Fonte: (http://www.nottingham.ac.uk) A depressão de ST também é uma característica de isquemia do miocárdio, geralmente ocorre em situações onde há bloqueio parcial do fluxo coronário. Nestes casos, além do infradesnivelamento de ST também pode ocorrer depressão da onda T, ou mesmo não haver nenhuma alteração de repolarização. Em todas essas condições, é observável aumento nos níveis séricos de marcadores de necrose (National Clinical Guideline Centre UK, 2010). O quadro 1 lista os critérios determinados pelos Comitês da Sociedade de Cardiologia Européia e do Colégio Americano de Cardiologia (The Joint European Society of Cardiology/American College of Cardiology Committee) para o diagnóstico da isquemia aguda do miocárdio que pode ou não levar ao infarto (Thygesen et al 2007). O ECG também permite determinar a topografia do infarto. Existe uma grande correlação entre a presença de alterações em determinadas derivações e o local do infarto. Por exemplo, infartos anteriores relacionam-se a alterações nas derivações precordiais (V1-V6), enquanto infartos inferiores promovem alterações nas derivações bipolares DII, DIII e aVR (Resende et al, 2011). Quando há oclusão do ramo distal da coronária esquerda também pode ocorrer elevação de ST em DII (Alzand et al, 2011). 23 Quadro 1: Critérios para o diagnóstico de isquemia aguda do miocárdio. Manifestações Características Elevação de ST ≥ 0.2 mV homem em V2-V3 ≥ 0.15 mV mulher em V2-V3 ≥0.1 mV outras derivações Depressão de ST e alterações na onda T Depressão de ST ≥ 0.05 mV Inversão de da onda T ≥ 0.1 mV e razão entre onda R e S (R/S) > 1. Fonte: Adaptado de Thygesen et al 2007 Além do diagnóstico do IAM a elevação do segmento ST também pode ser utilizada para estimar a área do infarto. Para isso foram desenvolvidos modelos matemáticos que permitem quantificar as alterações eletrocardiográficas e relacioná-las ao tamanho da área lesada. Dentre eles podemos citar o escore de Aldrich, que se trata de uma equação matemática que leva em consideração o número de derivações com supradesnivelamento de ST e a amplitude do ST de cada uma delas (Aldrich et al, 1988). O escore de Aldrich é o mais utilizado, no entanto ele possui algumas limitações e tem baixa correlação com outros marcadores de necrose. Recentemente, foi desenvolvido um escore que leva em consideração a área sob a curva do segmento STT, que inclui na análise a onda T. Este apresentou maior correlação com a troponina T (marcador bioquímico de necrose), que o escore de Aldrich (Resende et al, 2011). Em estudos pré-clínicos, a elevação do ST pode ser utilizada para validar a ligadura correta da artéria coronária e para predizer a severidade do infarto em modelos animais de infarto do miocárdio (Preda e Burlacu et al 2010). A atenuação da elevação do segmento ST é um marcador de pré-condicionamento isquêmico (Cohen et al, 1997) e portanto, um marcador de proteção cardíaca. Experimentalmente, a atenuação do ST tem sido utilizada como critério para avaliar o efeito de fármacos e do condicionamento isquêmico na isquemia cardíaca. 24 1.3 ALDOSTERONA E SEUS EFEITOS DELETÉRIOS SOBRE O SISTEMA CARDIOVASCULAR Aldosterona é um hormônio mineralocorticoide e um dos efetores finais do sistema renina-angiotensina-aldosterona (SRAA), sistema hormonal que desempenha papel fundamental no controle da pressão arterial (PA). Em resposta a diminuição do volume intravascular e/ou redução de sódio da mácula densa, o rim secreta renina que é produzida nas células justaglomerulares da arteríola aferente dos rins. A renina hidrolisa o angiotensinogênio em angiotensina I e no pulmão, esta é convertida em angiotensina II pela enzima conversora de angiotensina (ECA). A angiotensina II por sua vez, atua nas células musculares lisas causando vasoconstrição, e nas glândulas adrenais estimulando a produção de aldosterona (Connel e Davies, 2005). A aldosterona regula a homeostase de água e eletrólitos nos rins, promovendo reabsorção de sódio e excreção de potássio nas células epiteliais do néfron distal, do cólon e glândulas sudoríparas (Maron et al, 2010). A retenção de sódio causada pela ação da aldosterona promove aumento do volume sanguíneo e, consequentemente, aumento da PA. A aldosterona é sintetizada a partir do colesterol nas células glomerulosas do córtex das glândulas adrenais por uma série de reações enzimáticas, catalisadas por desidrogenases e oxidases de função mista pertencentes, em sua maioria, à superfamília do citocromo P450 (Connel e Davies, 2005). Os principais reguladores da biossíntese da aldosterona são angiotensina II, concentrações extracelulares de potássio e o hormônio adrenocorticotrófico (ACTH) (Muller, et al 1987; Quinn e Williams, 1988). A síntese de aldosterona também ocorre em tecidos como coração, cérebro, rins e vasos (Takeda et al., 1995; Silvestre et al., 1998). A adrenal, no entanto, é a maior fonte da aldosterona circulante (Connel e Davies, 2005). A ação da aldosterona sobre as células epiteliais do néfron é mediada por um receptor localizado no citoplasma (perinuclear) na sua forma inativa denominado receptor mineralocorticoide (MR). A aldosterona é lipossolúvel e, portanto atravessa facilmente as membranas celulares. No citoplasma a aldosterona se liga ao MR, e o complexo receptor-hormônio se transloca para o núcleo e ativa a transcrição de proteínas específicas envolvidas no transporte de sódio e potássio (Funder et al, 1997). 25 O MR pertence a um subgrupo de receptores esteroides do qual também fazem parte os receptores glicocorticoides, androgênicos e progestagênicos. Estes receptores fazem parte de uma superfamília de receptores nucleares ativados por ligante (Fuller et al, 1991). Receptores MR são os únicos entre os receptores nucleares que possuem dois ligantes fisiológicos, aldosterona e glicocorticoides – cortisol em humanos ou corticosterona em roedores (Funder et al 2010). Ambos se ligam com similar afinidade ao MR. Nas células epiteliais, a enzima 11β-desidrogenase tipo 2 (11β-HSD2) cliva os glicocorticoides em metabólitos inativos cortisona e 11-deoxicorticosterona, respectivamente, facilitando o acesso da aldosterona ao MR (Gualupo et al, 2012). A aldosterona também possui efeitos que são independentes dos receptores MR, são denominados, efeitos não-genômicos da aldosterona. Esses efeitos seriam mediados por um receptor de membrana, ainda não conhecido, que ativaria vias de transdução de sinais levando ao aumento de cálcio intracelular, diacilglicerol (DAG), trifosfato de inositol (IP3), AMPc e ativação da proteína cinase C (PKC) (Chun et al, 2006). Os mecanismos da ação não-genômica da aldosterona bem como o seu significado fisiológico e patofisiológico ainda não foram completamente elucidados. Além dos efeitos fisiológicos sobre as células epiteliais no néfron, a aldosterona possui um papel importante na fisiopatologia de doenças cardiovasculares. Estudos têm demonstrado a importância da ativação de receptores MR no desenvolvimento e progressão da insuficiência cardíaca (IC), principalmente sobre a remodelação ventricular e fibrose após o infarto do miocárdio. No sistema cardiovascular os receptores MR da aldosterona são expressos no endotélio, músculo liso vascular, cardiomiócitos e fibroblastos (Galuppo et al, 2012). Os níveis circulantes de aldosterona, bem como a sua biossíntese estão aumentados em situações patológicas como o IM e a IC (Francarrolo et al, 2003; Guder et al, 2007; Mizuno et al, 2001). Os níveis de expressão dos receptores MR também são elevados na IC (Messaoudi et al, 2012). Níveis elevados de aldosterona estão associados à hipertrofia cardíaca e fibrose, e esses efeitos são independentes da PA e dos níveis de potássio (Weber et al, 1991; Wilke et al, 1996). Além disso, a aldosterona estimula a agregação de plaquetas e causa disfunção endotelial (Rocha et al, 2001). A ativação inapropriada de receptores MR causa disfunção endotelial e prejudica a reatividade vascular, em parte por prejudicar a capacidade antioxidante vascular aumentando o estresse oxidativo, e também por limitar a biodisponibilidade de óxido nítrico (Leopold et al, 2007; Favre et al. De 2011). A 26 aldosterona aumenta a produção de espécies reativas de oxigênio, aumentando a atividade e a expressão da NADPH oxidase no endotélio vascular e nos miócitos cardíacos (Rude et al, 2005; Iglarz et al, 2005). Níveis elevados de aldosterona também estão associados a incidência de arritmias ventriculares e atriais (Wei et al, 2010). Pacientes com hiperaldosteronismo primário apresentam maior risco de desenvolver arritmias cardíacas graves e fibrilação atrial. (Catena et al, 2008) A superexpressão de receptores MR no coração de camundongos causou arritmias ventriculares severas (Ouvrard-Pascaud et al, 2005). Estudos recentes em camundongos com deleção genética para receptores MR demonstraram que a ausência desses receptores melhora o remodelamento cardíaco pósinfarto do miocárdio protegendo contra complicações crônicas, como remodelamento da matriz extracelular, hipertrofia dos miócitos e dilatação do ventrículo, em parte por prevenir a expressão de genes associados à hipertrofia e fibrose (Fraccarollo et al, 2011; Frantz et al, 2009). Devido aos efeitos deletérios da ativação dos receptores MR no coração o bloqueio farmacológico desses receptores é uma alternativa terapêutica importante no tratamento de pacientes pós-infarto do miocárdio e com IC crônica. Estudos clínicos vêm demonstrando que antagonistas de MR reduzem a mortalidade e a morbidade de pacientes com IC sistólica crônica e disfunção do ventrículo esquerdo (Pitt et al, 1999; Pitt et al, 2003; Zannad et al, 2010). 1.4 ANTAGONISTAS DOS RECEPTORES MR DA ALDOSTERONA Os principais antagonistas farmacológicos de MR disponíveis são a espironolactona e a eplerenona. As características farmacocinéticas destes dois fármacos estão resumidas na Tabela 1. A espironolactona (Figura 3), princípio ativo do medicamento Aldactone©, é um antagonista competitivo não seletivo do receptor MR da aldosterona. Possui estrutura química de C24H3204S e peso molecular igual a 416,57g. É praticamente insolúvel em água e solúvel em benzeno, clorofórmio, acetato de etila e etanol absoluto. Sua fórmula é muito similar a da progesterona e por isso também possui moderada atividade antiandrogênica e progestogênica (Delyane et al, 2000). No fígado, é rapidamente 27 metabolizada em metabólitos ativos. Os principais deles são canrenoato de potássio e a canrenona, (Karim et al., 1976). Figura 3: Estrutura química da espironolactona. Fonte: Kolkhof et al, 2011. A eplerenona, princípio ativo do medicamento Inspra©, é um antagonista seletivo para os receptores MR. Sua fórmula foi derivada da espironolactona, através da introdução de uma ponte 9α, 11α-epoxi e pela substituição do grupo 17α-tioacetil por um grupo carbometoxi (Delyane et al, 2000). Estas características lhe confere maior seletividade ao receptor MR. Possui fórmula química de C24H30O6 e peso molecular igual a 414,5 g. É insolúvel em água e solúvel em dimetilsulfóxido e não possui metabólitos ativos. (Figura 4). Figura 4: Estrutura química da eplerenona Fonte: Kolkhof et al, 2011. 28 Tabela 1. Propriedades farmacocinéticas e usos clínicos da espironolactona e eplerenona. Espironolactona Eplerenona 73% (aumenta com a comida) 90% ligado a proteínas 69% Propriedades farmacocinéticas Absorção Distribuição Metabolismo Meia-vida 50% ligado a proteínas Fígado e rins (metabólitos ativos) Fígado 1.3-1.4h Metabólitos: 13.8-22h 4-6h 50-100mg/dia 50mg (2vezes ao dia) 25mg-50mg/dia 25mg-50mg/dia Uso clínico Hipertensão Insuficiência cardíaca Fonte: Nappi e Sieng, 2011. A eplerenona possui baixa afinidade por receptores esteroides. In vitro sua afinidade é cerca de 20 vezes menor que a espironolactona para receptores MR (Struthers et al, 2008), no entanto, por possuir maior seletividade por receptores MR, possui bioatividade semelhante a espironolactona in vivo. A dose de eplerenona necessária para inibir a ligação da aldosterona ao receptor MR in vivo, é cerca da metade da dose necessária para a espironolactona (de Gasparo et al, 1987). Além disso, a eplerenona não apresenta efeitos colaterais tão intensos quanto a espironolactona. Devido a sua ação antiandrogênica e progestogênica, a espironolactona pode causar ginecomastia, impotência e ciclos menstruais anormais (Delyane et al, 2000). O índice de ginecomastia em pacientes tratados com espironolactona é aproximadamente 9% (Pitt et al, 1999), enquanto que para a eplerenona o índice é em torno de 0,5%. (Pitt et al, 2003). Outro efeito colateral causado por ambos os antagonistas de MR é a hipercalemia, definida como o aumento sérico de potássio acima de 6 nmoL/L (Pitt et al, 2006). A hipercalemia aumenta o risco de incidência de arritmias cardíacas graves, pois os níveis elevados de potássio alteram a função eletrofisiológica dos miócitos, por afetar a geração e a propagação do impulso nervoso ( Almukdad, 2007). Tanto a espironolactona quanto a eplerenona podem aumentar os níveis séricos de potássio, de uma forma dose-dependente (Sica et al, 2005). No entanto, quando os pacientes 29 recebem doses adequadas do medicamento e são devidamente monitorados, os efeitos colaterais são minimizados. Quanto ao bloqueio da ação do receptor MR, os dois antagonistas possuem eficiência similar (Chatterjee et al, 2012). A espironolactona e a eplerenona exercem seus efeitos benéficos sobre o coração prevenindo o remodelamento e a fibrose, melhorando os parâmetros hemodinâmicos e a resposta inflamatória. Estudos clínicos têm demonstrando que ambos os antagonistas de MR são eficazes no tratamento de pacientes com insuficiência cardíaca pós-infarto do miocárdio. Em dois grandes estudos clínicos - RALES (The Randomized Aldactone Evaluation Study) e EPHESUS (Eplerenone Post-Acute Myocardial Infarction Heart Failure Efficacy and Survival Study) a espironolactona e a eplerenona reduziram a morbidade e a mortalidade de pacientes com IC sistólica crônica e disfunção ventricular esquerda pós-infarto do miocárdio, respectivamente (Pitt et al., 1999; Pitt et al., 2003). Recentemente, foi demonstrado que a eplerenona também tem efeitos benéficos no tratamento de pacientes com IC leve (Zannad et al, 2010). Estudos pré-clínicos demonstram que o tratamento de longo prazo com eplerenona promove melhoria da função ventricular bem como melhoria da função vascular em ratos cronicamente infartados, em parte por modular efeitos antiinflamatórios. (Fraccarollo et al., 2003; Fraccarollo et al., 2008). O bloqueio de MR por eplerenona também preveniu o estresse oxidativo e melhorou a disfunção endotelial numa fase inicial pós-infarto do miocárdio em ratos que apresentavam níveis elevados de aldosterona no sangue (Sartório et al, 2007). A espironolactona também apresentou efeitos positivos no IM de ratos, prevenindo o remodelamento cardíaco e a apoptose celular e inibindo o aumento da expressão de receptores MR e da enzima 11β-HDS2 (Takeda et al, 2007). Em ratos cronicamente infartados, a espironolactona melhorou a função sistólica e diastólica do ventrículo esquerdo, reduziu a fibrose e os níveis de noradrenalina no tecido cardíaco (Cittadini et al, 2003). A espironolactona também é capaz de bloquear a síntese de colágeno ativada pela aldosterona (Brilla et al, 2000). Embora todos esses estudos tenham descrito as propriedades cardioprotetoras de antagonistas de MR sobre os danos cardíacos causados pelo IM, sobretudo limitando os efeitos deletérios da aldosterona, existem evidências de que a cardioproteção promovida por antagonistas de MR pode ser em parte, independente do bloqueio da ação da aldosterona. 30 1.4.1 Efeitos cardioprotetores dos antagonistas de MR independentes da aldosterona Nos estudos clínicos RALES e EPHESUS foi observado que uso de bloqueadores de MR em pacientes com IC teve efeitos benéficos mesmo entre aqueles que apresentavam níveis normais de aldosterona circulante, evidenciando que a ação cardioprotetora desses fármacos ocorre na ausência de níveis anormais deste hormônio mineralocorticoide (Pitt et al., 1999; Pitt et al., 2003). Mihailidou e colaboradores (2009) utilizando modelo de isquemia e reperfusão revelou que baixas doses de espironolactona reduziram a área infartada e a apoptose celular no coração de ratos perfundidos com aldosterona ou cortisol. No entanto, a espironolactona quando perfundida sozinha foi capaz de reduzir significativamente a área necrosada e este efeito protetor persistiu em ratos adrenalectomizados . Este estudo fornece evidências claras de que o mecanismo protetor da espironolactona não é dependente da presença de aldosterona endógena. Os mecanismos envolvidos nessa ação de antagonistas de MR ainda não são conhecidos. Além disso, não existem estudos que avaliem comparativamente a espironolactona e a eplerenona. Os estudos EPHESUS e RALES não podem ser comparados diretamente, pois foram realizados em populações distintas e em regimes posológicos diferentes. Nenhum estudo, até momento, avaliou se a eplerenona, assim como a espironolactona, possui ação cardioprotetora independente do bloqueio da ação da aldosterona. Seria de grande relevância avaliar tais propriedades. 31 1.5 RECEPTORES GLICOCORTICOIDES Outro ponto importante a ser investigado é interação de antagonistas de MR com receptores glicocorticóides (GR). A espironolactona possui afinidade por receptores GR, o que resulta numa atividade agonista ou antagonista sobre os glicocorticóides. (Couette et al, 1992). Glicocorticóides vêm sendo apontados como cardioprotetores em modelos de isquemia em ratos e em humanos. No sistema cardiovascular, receptores GR são expressos, na parede dos vasos sanguíneos e no miocárdio (Walker, 2007). O efeito benéfico dos glicocorticóides tem sido atribuído principalmente à sua capacidade em limitar a resposta inflamatória aguda associada ao IAM (Tokudome et al, 2009). Os receptores GR são receptores citosólicos, ativados por ligante, e pertencem a mesma família de receptores esteroides dos receptores mineralocorticoides da aldosterona. Esses dois tipos de receptores possuem alta homologia e são co-expressos de uma forma muito íntima nas células dos seus tecidos alvos, como células epiteliais, neurônios e cardiomiócitos (Farman et al, 2001). Além disso, compartilham ligantes comuns. O cortisol (ou corticosterona, em roedores) é o ligante endógeno de receptores GR, mas também pode se ligar, com afinidade similar, aos receptores MR. Na ausência da enzima 11β-HSD2, (enzima que cliva os glicocorticoides em formas inativas) e em situações onde há alteração do estado redox celular, glicocorticoides podem ativar receptores MR e mediar efeitos pró-inflamatórios em resposta ao infarto do miocárdio (Funder et al, 2005; Mihailidou et al, 2009). Nos cardiomiócitos a enzima 11β-HSD2 é expressa em baixíssimas concentrações. Independentemente da redundância funcional com receptores mineralocorticoides, estudos têm demonstrado que ativação de receptores GR no coração protege contra os danos causados pelo infarto do miocárdio. Glicocorticoides atenuam as interações celulares entre leucócitos e células endoteliais e reduzem a produção e libertação de citocinas e mediadores inflamatórios (Cronstein et al, 1992; Radomski et al, 1990). Além de seus efeitos genômicos, estudos têm demonstrado efeitos não genômicos de glicocorticoides e estes estão associados a sua ação cardioprotetora (Pitzales et al, 2002), como por exemplo, o aumento da atividade da enzima óxido nítrico sintase endotelial (Hafezi-Moghadan et al, 2002). Além disso, foi demonstrado que a dexametasona, um potente agonista de receptores GR, protegeu contra morte celular 32 causada pela isquemia e reperfusão em camundongos, por promover ativação da enzima prostaglandina D sintase tipo lipocalina (PGDS-L), responsável pela síntese da prostaglandina D2 (PGD2) (Tokudome et al, 2009). Um estudo recente demonstrou que ativação de receptores GR protege contra a isquemia cardíaca por ativar a expressão de BcL-xL (Xu et al, 2011). Clinicamente, a administração de glicocorticoides reduziu as taxas de mortalidade de pacientes, quando utilizado nos primeiros dias após o infarto do miocárdio (Guigliano et al, 2003). Apesar do papel de receptores GR na função cardíaca ser controversa, glicocorticoides são geralmente considerados hormônios cardioprotetores. Além disso, os efeitos deletérios descritos para o cortisol são mediados por receptores MR, enquanto a ativação de receptores GR parece estar relacionada a uma ação cardioprotetora. Assim, a hipótese de que os efeitos cardioprotetores da espironolactona possam ser mediados por receptores GR explicaria, pelo menos em parte, porque a espironolactona protege contra os danos da isquemia cardíaca, mesmo na ausência da aldosterona. Devido a todas essas evidências de que a ação dos antagonistas de MR no coração ocorre independentemente do bloqueio da ação da aldosterona. E devido as escassez de estudos que avaliem tais propriedades. A proposta do nosso estudo foi avaliar de uma forma comparativa o efeito da espironolactona e eplerenona numa fase aguda da isquemia cardíaca e investigar uma possível interação dos efeitos da espironolactona com a ativação de receptores GR. Para isso, avaliamos o efeito da espironolactona e eplerenona no coração de ratos adrenalectomizados e não adrenalectomizados submetidos à isquemia cardíaca. 33 OBJETIVOS 2. OBJETIVO GERAL Comparar os efeitos agudos da espironolactona e da eplerenona sobre a isquemia do miocárdio em ratos normais e adrenalectomizados. 2.1 Objetivos específicos 1. Avaliar o efeito da espironolactona e da eplerenona sobre a elevação do segmento ST do eletrocardiograma em ratos normais e adrenalectomizados, submetidos à ligadura de coronária. 2. Avaliar o efeito da espironolactona e da eplerenona sobre a necrose tecidual de ratos normais e adrenalectomizados, submetidos à ligadura de coronária. 3. Avaliar o efeito da espironolactona sobre a elevação do segmento ST do eletrocardiograma de ratos normais e adrenalectomizados, submetidos à ligadura de coronária, na presença do antagonista de receptor glicocorticoide (GR), mifepristona. 4. Avaliar a ação da espironolactona sobre a necrose tecidual em ratos normais e adrenalectomizados, submetidos à ligadura de coronária, na presença do antagonista de receptor glicocorticoide (GR), mifepristona. 35 MATERIAIS E MÉTODOS 3. MATERIAIS E MÉTODOS Este projeto foi submetido à aprovação pelo Comitê de Ética de Uso Animal da Universidade Federal de Ouro Preto (UFOP). (Protocolo nº 2011/88). Os animais foram tratados de acordo com as diretrizes do National Institute of Health, que dispõe sobre o cuidado, manipulação e utilização de animais na pesquisa. Os experimentos foram realizados no Laboratório de Farmacologia Experimental, Centro de Ciências Farmacêuticas (CiPharma) e no Laboratório de Hipertensão, Núcleo de Pesquisa em Ciências Biológicas (NUPEB) da UFOP. 3.1 Animais Foram utilizados 160 ratos Wistar machos (200 a 250 g) provenientes do Biotério Central da Universidade Federal de Ouro Preto. Os animais foram mantidos em caixas de polipropileno com livre acesso a ração e água, em ambiente com ciclos claro e escuro de 12 horas. 3.2 Fármacos e Tratamento Os fármacos Espironolactona, Eplerenona e Mifepristona foram obtidos da Sigma-Aldrich (St. Louis, MO, USA). As doses utilizadas foram definidas baseado em estudos prévios descritos na literatura, sendo para Espironolactona 20mg/kg (Silvestre et al, 1999); Eplerenona 10mg/kg (Kobayashi et al, 2006) e Mifepristona 20mg/kg (Bobryshev et al, 2009). As soluções estoques de espironolactona e mifepristona foram preparadas com etanol e eplerenona com dimetilsulfóxido. As soluções dos fármacos e soluções controle foram administradas por via oral (gavagem) em dose única 30 minutos antes da indução da anestesia e 1 hora antes da ligadura da coronária. No Quadro 1 e a Figura 5 estão listados os grupos experimentais. Os animais foram divididos em dois grandes grupos, em um deles os animais tiveram as glândulas adrenais removidas - adrenalectomia bilateral e o outro não. 37 Quadro 1: Divisão dos grupos experimentais. 1. Glândulas Adrenais intactas 2. Adrenalectomizados 1.1 Controle: cirurgia fictícia 2.1 Controle: cirurgia fictícia 1.2 Sem tratamento (IAM) 2.2 Sem tratamento (IAM) 1.3 Espironolactona 2.3 Espironolactona 1.4 Eplerenona 2.4 Eplerenona 1.5 Mifepristona 2.5 Mifepristona 1.6 Mifepristona + Espironolactona 2.6 Mifepristona + Espironolactona 38 Figura 5: Fluxograma indicando os grupos experimentais. Os animais do grupo à esquerda foram submetidos à adrenalectomia bilateral para remoção das glândulas adrenais. 39 3.3 Procedimentos cirúrgicos Os ratos foram anestesiados com uma mistura de ketamina (75 mg/kg) e xilazina (10 mg/kg) via intraperitonial (i.p), traqueostomizados, e conectados a um respirador para pequenos roedores (SAR-840, USA) para permitir ventilação artificial com ar ambiente (volume de 1,5-2,5 ml/ciclo e freqüência de 45-50 ciclos/min). A artéria e veia femoral foram cateterizadas com cânulas confeccionadas a partir da conexão de 15 cm de polietileno PE50 a 4 cm de polietileno PE10, preenchida com solução fisiológica (NaCl 0,9%) e heparina (100U.I/ 0,1mL), para obtenção do sinal da pressão arterial (PA) e administração de fármacos, respectivamente. Brometo de pancurônio (1mg/kg),via intravenosa (i.v.), foi utilizado como relaxante muscular para auxiliar na ventilação mecânica. Após esses procedimentos, agulhas hipodérmicas foram posicionadas para obtenção do eletrocardiograma (ECG) na derivação periférica DII. Durante e após o procedimento de ligadura da coronária o ECG foi continuamente registrado. O método utilizado na indução da isquemia foi a ligadura da coronária esquerda descendente, adaptado do descrito por SELYE et al, 1960 e FISHBEIN et al., 1978. Foi realizada toracotomia esquerda entre o quarto e quinto espaços intercostais, o coração foi exposto e removido da cavidade torácica para permitir o acesso à artéria coronária descendente esquerda. Um fio de sutura foi passado ao redor da artéria e amarrado, causando a oclusão do vaso. O grupo cirurgia fictícia foi submetido ao mesmo procedimento, porém sem proceder a ligadura. Foram considerados os animais que apresentaram elevação do segmento ST e aumento da amplitude da onda T do ECG. Ao final de 1 hora após a ligadura, os animais foram eutanasiados e o coração removido para posterior análise histológica. O protocolo experimental está esquematizado na figura 6. 40 A A B C Figura 6: Protocolo experimental. Os animais foram mantidos em anestesia e ventilação mecânica durante todo o procedimento experimental. A) Grupo tratado com espironolactona 20mg/kg B) Grupos tratado com eplerenona 10mg/kg, C) Grupos tratado com mifepristona 20mg/kg (um grupo foi tratado apenas com mifepristona e outro com Mifepristona e espironolactona). Os animais adrenalectomizados foram submetidos aos mesmos protocolos experimentais descritos em A, B e C. A cirurgia de adrenalectomia foi realizada 48h antes. 41 3.4 Adrenalectomia bilateral Um dos grupos experimentais foi submetido à adrenalectomia bilateral. Os animais foram anestesiados com ketamina (75 mg/kg) e xilazina (10 mg/kg) i.p. Após tricotomia na região lombar, foi realizada incisão longitudinal da pele e músculo, obtendo-se uma abertura de aproximadamente dois (2) centímetros. A glândula adrenal, que se encontra inserida na gordura perirenal próxima ao pólo cranial do rim, foi então retirada. Em seguida, os planos incisados foram suturados. Após o procedimento os animais foram colocados em caixas em decúbito ventral com acesso livre a ração e água contendo NaCl 0,9%. As caixas foram colocadas em elevação na porção cranial do corpo dos animais em relação à porção caudal. Após a cirurgia, os animais foram tratados com um anti-inflamatório e analgésico, Banamine® (princípio ativo flunixina), na dose 1mg/kg/dia (Intervet/ Matercorp, Rio de Janeiro, RJ). Após um período de recuperação de 48 horas, os animais foram submetidos ao protocolo experimental descrito na figura 6. Ao final do experimento, amostras de sangue foram coletadas para dosagem dos níveis séricos de aldosterona. 3.5 Dosagem da aldosterona sérica Amostras de sangue foram coletadas da aorta abdominal e centrifugadas em 1500g durante 15 minutos. Após a centrifugação o soro (sobrenadante) foi pipetado em alíquotas de aproximadamente 1 ml e congelado. As amostras de soro foram encaminhadas a um laboratório de análises clínicas onde foi feita a dosagem da aldosterona por um teste radioimunológico. 42 3.6 Análise do Eletrocardiograma e Pressão Arterial Para a obtenção dos sinais do ECG e PA foi utilizado um sistema de condicionadores de sinais, desenvolvido no Departamento de Engenharia Elétrica da Universidade Federal de Minas Gerais. Os sinais obtidos desse sistema foram amostrados em tempo real a uma freqüência de 1200 Hz por uma placa conversora analógico-digital de 12 bits de resolução (Daqboard 2000, USA). Foram registradas as derivações bipolares DI, DII e DIII. Para a análise da PA sistólica (PAS), diastólica (PAD) e freqüência cardíaca (FC) foram extraídos segmentos de 2 segundos nos tempos: antes da ligadura (controle), 1, 5, 10, 15, 20, 25 e 30, 35, 40, 45, 50, 55 e 60 minutos após a ligadura. 3.6.1 Determinação da área sob a curva do ST-T A partir do sinal do ECG foi obtido ainda o parâmetro da área sob a curva ST-T, como descrito por Mansur et al, 2006. No sinal da derivação II, uma linha horizontal (vermelha) foi traçada entre o início da inclinação da onda S e o final da onda T, quando esta atinge o ponto isoelétrico (Figura 7). Para essa análise foi utilizado o programa Analyzer 7.0/ Hemolab Data Acquisition software 14.2, desenvolvido pelo Prof. Harald Stauss da Universidade de Iowa (http://www.harald.nxserve.net/HemoLab/HemoLab.html). 43 Figura 7: Área sob a curva do segmento ST-T do ECG. Exemplo da seleção da área para o cálculo por planimetria. A) ECG antes da ligadura; B) ECG após a ligadura. 44 3.7 Análise histológica Ao término dos experimentos os animais foram eutanasiados e submetidos a necropsia para a coleta do coração. Os órgãos foram fixados em solução de formol 10% tamponado e acondicionados em recipiente protegido da luz. Para a preparação das lâminas, os ventrículos foram separados e seccionados em três cortes transversais e colocados em cassetes devidamente identificados. O tecido foi desidratado com álcool em concentrações crescentes, diafanizados com xilol, embebidos e emblocados em parafina. Secções parafinadas de aproximadamente quatro (4) micrômetros de espessura foram obtidas em micrótomo, fixadas em lâminas de vidro e coradas pela técnica de Hematoxilina e Eosina (HE). 3.8 Análise estatística Os dados foram submetidos a um teste de normalidade Kolmogorov Smirnov. Para as análises dos parâmetros do ECG, PA e FC a comparação entre os grupos foi feita utilizando-se Two-way ANOVA seguido do pós-teste Bonferroni. Para as análises histológicas foi utilizado One-way ANOVA seguido do pós-teste de Tukey. As análises estatísticas foram realizadas no software GraphPad Prism Project (versão 5.0). Foram consideradas diferenças significativas para p < 0.05. 45 RESULTADOS 4. RESULTADOS 4.1 Taxa de mortalidade Neste estudo foram utilizados 160 animais, sendo que 41 (25,6%) deles vieram a óbito em menos de 1 h após a oclusão da coronária esquerda. A mortalidade por grupo está apresentada na tabela 2 e na figura 8. O grupo tratado com espironolactona 20mg/kg apresentou uma taxa de mortalidade menor em relação ao grupo ligadura sem tratamento. Tabela 2: Mortalidade por grupo experimental Grupos experimentais Valor absoluto % (nº animais mortos/ total) Controle (cirurgia fictícia) 0/6 0% Ligadura sem tratamento 11/36 30,55% Espironolactona 20mg/kg 1/12 8,3% Eplerenona 10mg/kg 3/9 33,33% Mifepristona 20mg/kg 2/13 15,38% Mifepristona + Espiroronolactona 1/9 11,11% Ligadura sem tratamento 9/24 37,5% Espironolactona 20mg/kg 2/14 14,28% Eplerenona 10mg/kg 4/10 40% Mifepristona 20mg/kg 7/19 36,84% Mifepristona + Espironolactona 1/8 12,5% ADRENALECTOMIA 47 Taxa de mortalidade% 50 n=10 †=4 n=24 †=9 40 n=9 †=3 n=36 †=11 Ligadura sem tratamento Espironolactona 20mg/kg Eplerenona 10mg/kg Mifepristona 20mg/kg Mifepristona + Espironolactona n=19 †=7 30 20 10 n=13 †=2 n=9 †=1 n=12 †=1 n=14 †=2 n=8 †=1 0 Normais Adrenalectomia Figura 8: Gráfico representativo da taxa de mortalidade por grupo experimental. Percentual entre o número total de animais e o número de animais que foram a óbito antes de 1h após a isquemia. 4.2 Avaliação da pressão arterial e da frequência cardíaca Os valores absolutos de PAS, PAD e FC estão representados nas figuras 9 e10. A ligadura da coronária promoveu uma redução da PAS e da PAD, em relação ao tempo zero (antes da ligadura), de aproximadamente 30 mmHg e 23 mmHg, respectivamente. Os grupos tratados com os diferentes fármacos também apresentaram redução da PA após a ligadura. Apenas o grupo ligadura sem tratamento apresentou diferenças significativas entre os valores de PAS e PAD em relação ao grupo controle (ligadura fictícia) (Figuras 9 e 11). Nenhum dos tratamentos alterou os valores basais (antes da ligadura da coronária) de PAS e PAD. Nos animais submetidos à adrenalectomia bilateral, todos os grupos submetidos à ligadura coronária apresentaram valores menores de PAS e PAD em relação ao grupo controle (Figuras 9 e 10). A adrenalectomia não alterou os valores basais destes parâmetros. A FC também foi reduzida após a ligadura, em todos os grupos. O grupo controle (ligadura fictícia) também apresentou redução da FC. 48 B 160 160 140 140 120 120 100 80 * * 60 * * PAS (mmHg) PAS (mmHg) A * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 C 120 100 100 PAD (mmHg) 120 60 * * 40 * * * * * * * * * * * * * 50 55 60 * * * 20 60 80 * * * 40 C PAD (mmHg) * 80 60 40 80 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 * * 60 * * * * 40 * * * * * * * * * * 20 * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * 20 C 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 60 350 350 300 300 FC (bpm) FC (bpm) 100 250 200 150 C 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 60 C 1 5 10 15 20 40 45 50 55 60 250 200 150 100 100 C 1 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 Tempo (min) Controle Ligadura sem tratamento 25 30 35 Tempo (min) Espironolactona 20mg/kg Eplerenona 10mg/kg Figura 9: Valores absolutos de PA e FC dos animais tratados com Espironolactona 20mg/kg e Eplerenona 10mg/kg submetidos à ligadura de coronária. A) Animais normais (glândulas adrenais intactas; B) Animais adrenalectomizados. Valores expressos em média ± e.p.m. Twoway ANOVA seguido do pós-teste Bonferroni. *= P<0,05 em relação ao grupo controle (cirurgia fictícia). n=6 49 A B 160 160 140 140 100 * * 80 * * * * * * * * * * * * * * * * * PAS (mmHg) PAS (mmHg) 120 120 80 * * * * * * * * * * * * * * 5 10 15 * * * * * * * * * * 40 40 * * * * * * * * * * * * * ** ** * * * * * 40 45 50 * * 20 C 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 60 120 C 1 * * 20 25 30 35 Tempo (min) 55 60 * * 120 105 75 * * * 60 * * * (mmHg) 90 80 PAD 100 60 45 * * * * * * * * 40 30 * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * ** * * * * * * 20 C 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 60 350 350 300 300 250 FC (bpm) FC (bpm) * * 60 60 PAD (mmHg) 100 200 150 C 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 60 C 1 5 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 60 250 200 150 100 C 1 5 Controle 10 15 20 25 30 35 Tempo (min) 40 45 50 55 60 Ligadura sem tratamento 100 Mifepristona 20mg/kg Mifepristona 20 mg/kg + Espironolactona 20mg/kg Figura 10: Valores absolutos de PA e FC dos animais tratados com Mifepristona 20mg/kg submetidos à ligadura de coronária. A) Animais normais (glândulas adrenais intactas; B) Animais adrenalectomizados. Valores expressos em média ± e.p.m. Two-way ANOVA seguido do pós-teste Bonferroni. *= P<0,05 em relação ao grupo controle (cirurgia fictícia). N=6 50 4.3 Avaliação do eletrocardiograma 4.3.1 Alterações no ECG após a ligadura O ECG foi registrado nas derivações DI, DII e DIII. Após a ligadura da coronária uma série de alterações eletrocardiográficas foi observada. A alteração com maior predominância foi o supradesnivelamento de ST e aumento da amplitude de T nas derivações DI e DII. Foram observadas, ainda, inversão da onda T e do segmento ST, ondas P anormais, bloqueio atrioventricular, fibrilação e bradicardia. O grupo ligadura sem tratamento apresentou maior intensidade de alterações que os grupos tratados. A figura 11 apresenta exemplos dessas alterações na derivação II do ECG. Onda P anormal Figura 11: Exemplos de alterações eletrocardiográficas pós-ligadura. Derivação II. 51 4.3.2 Variação da área sob a curva ST-T Para análise quantitativa do supradesnivelamento de ST foi utilizada o sinal do ECG de DII. A figura 13 apresenta a variação percentual da área sob a curva ST-T durante 1 h após a ligadura. A ligadura da coronária promoveu supradesnivelamento de ST dos animais sem tratamento. A espironolactona 20 mg/kg, administrada via oral 1 h antes da ligadura, preveniu o supra de ST. A eplerenona 10 mg/kg também foi capaz de reduzir essa alteração eletrocardiográfica. Um resultado semelhante foi observado nos animais submetidos à adrenalectomia bilateral. (Figura 13). Figura 12: Imagem representativa do registro dos ECGs 40 min após a ligadura da coronária. A) Grupo controle (ligadura fictícia); B) Grupo ligadura sem tratamento; C) Grupo espironolactona 20mg/kg D) Grupo eplerenona 10 mg/kg. 52 A Controle Ligadura sem tratamento Espironolactona Eplerenona 300 Variação percentual % área sob a curva ST-T 200 150 250 100 50 * 0 * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * * -50 1 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 Tempo (min) B Ligadura sem tratamento Controle Espironolactona Eplerenona 300 Variação percentual área sob a curva ST-T 250 200 150 * * 100 50 * * * * * * * 0 * * * * * * * * * * -50 1 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 Tempo (min) Figura 13: Variação da área sob a curva ST-T do ECG dos animais tratados com Espironolactona e Eplerenona submetidos à ligadura de coronária. A) Animais normais (glândulas adrenais intactas; B) Animais adrenalectomizados. Valores expressos em média ± e.p.m. Two-way ANOVA seguido do pós-teste Bonferroni. *= P < 0.05, em relação ao grupo ligadura sem tratamento; λ=P < 0.05, em relação ao grupo controle. n=6 53 O grupo tratado com o bloqueador de receptor GR (mifepristona 20mg/kg) apresentarou redução da área sob a curva ST-T nos tempos 40, 45 e 50 minutos após a ligadura. Nos animais adrenalectomizados não houve diferença significativa em relação ao grupo ligadura sem tratamento. (Figura 14). No grupo tratado com mifepristona + espironolactona houve redução da área sob a curva ST-T em relação ao grupo ligadura sem tratamento. A mifepristona parece, portanto, não influenciar a ação da espironolactona. (Figura 14). 54 A Espironolactona SHAM Ligadura sem tratamento Mifepristona Mifepristona + Espironolactona 300 Variação percentual % área sob a curva ST-T 250 200 150 * 100 * * 50 * * * * * * * * * * 0 -50 1 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 Tempo (min) B SHAM Ligadura sem tratamento Espironolactona Mifepristona Mifepristona + Espironolactona 300 Variação percentual % área sob a curva ST-T 250 200 150 100 50 * 0 * * * * * * * * * * * -50 1 5 10 15 20 25 30 35 40 45 50 55 60 Tempo (min) Figura 14: Variação da área sob a curva ST-T do ECG dos animais tratados com Mifepristona e Espironolactona submetidos à isquemia cardíaca. A) Animais normais (glândulas adrenais intactas; B) Animais adrenalectomizados.Valores expressos em média ± e.p.m. Two-way ANOVA seguido do pós-teste Bonferroni. *= P < 0.05, em relação ao grupo ligadura sem tratamento; λ=P < 0.05, em relação ao grupo controle. n=6 55 4.4 Dosagem da aldosterona sérica Com o objetivo de verificar se a adrenalectomia bilateral foi realizada corretamente e se os animais apresentavam níveis insignificantes de aldosterona sérica foi realizada a dosagem desse hormônio, apresentada na figura 15. Aldosterona sérica ng/dL 125 Normal 100 Ligadura sem tratamento Espironolactona 20mg/kg Eplerenona 10mg/kg 75 50 25 * * * 0 Figura 15: Dosagem sérica da aldosterona. . Valores expressos em média ± e.p.m. OneWay ANOVA seguido do pós-teste Dunn’s *= P < 0.05, em relação ao grupo normal (adrenais intactas). n=4 56 4.5 Análise histológica Foi observado nos cortes histológicos a presença de dilatação de vasos sanguíneos, processo inflamatório intenso e necrose celular no tecido cardíaco dos animais submetidos à ligadura de coronária (Figura 16 e 17). A necrose celular foi avaliada qualitativamente de acordo com a sua intensidade em: ausente, leve, moderada ou extensa. A Tabela 3 e 4 apresenta o grau de intensidade e o percentual de animais que apresentaram necrose celular em cada grupo. No grupo ligadura sem tratamento todos os corações analisados apresentaram áreas de necrose variando entre leve e extensa. O tratamento com espironolactona e eplerenona atenuou a intensidade da necrose causada pela ligadura e em alguns animais não foi observada a presença de necrose. Um resultado semelhante foi observado nos animais submetidos à adrenalectomia bilateral. Tabela 3: Percentual de animais que apresentaram necrose cardíaca, classificados de acordo com a intensidade da necrose. Intensidade da necrose% Ausente Leve Moderada Extensa Controle (n=6) 100,00 0,0 0,0 0,0 Ligadura (n=6) 0,0 66,66 16,66 16,66 Espironolactona (n=6) 16,66 66,66 16,66 0,0 Eplerenona (n=6) 16,66 66,66 16,66 0,0 Ligadura (n=5) 0,0 40,0 20,0 40,0 Espironolactona (n=5) 40,0 60,0 0,0 0,0 Eplerenona (n=6) 33,33 66,66 0,0 0,0 Adrenalectomia 57 A B C D E F Figura 16: Histologia do coração de animais submetidos a ligadura da coronária esquerda. (A) Controle (ligadura fictícia); (B) Ligadura sem tratamento. (C) Espironolactona 20 mg/kg; (D) Eplerenona 10 mg/kg; (E) Espironolactona 20mg/kg grupo adrenalectomizado; (F) Eplerenona 10mg/kg grupo adrenalectomizado . Coloração Hematoxilina-Eosina. (aumento 40X). 58 Os grupos tratados com mifepristona também apresentaram uma intensidade menor do grau de necrose, quando esta era presente. O mesmo foi observado nos grupos tratados com mifepristona + espironolactona (Tabela 4). Tabela 4: Percentual de animais que apresentaram necrose cardíaca, classificados de acordo com a intensidade da necrose. Intensidade da necrose% Ausente Leve Moderada Extensa Mifepristona (n=6) 16,66 83,33 0,0 0,0 Mifepristona + Espironolactona (n=6) 40,0 60,0 0,0 0,0 Mifepristona (n=6) 33,33 50,0 16,66 0,0 Mifepristona + Espironolactona (n=5) 50,0 50,0 0,0 0,0 Adrenalectomia 59 A B C D E F Figura 17: Histologia do coração de animais submetidos à ligadura da coronária esquerda. (A) Controle (ligadura fictícia); (B) Ligadura sem tratamento. (C) Mifepristona 20 mg/kg; (D) Mifepristona + Espironolactona 20 mg/kg; (E) Mifepristona 20mg/kg grupo adrenalectomizado; (F) Mifepristona + Espironolactona 20mg/kg grupo adrenalectomizado. Coloração Hematoxilina-Eosina. (aumento 40X). 60 DISCUSSÃO 5. DISCUSSÃO O principal resultado deste trabalho foi a demonstração de que baixas doses de espironolactona e eplerenona promovem cardioproteção numa fase aguda da isquemia cardíaca, mesmo na ausência dos esteróides endógenos, aldosterona e corticosterona. Estudos prévios já haviam demonstrado a capacidade cardioprotetora desses dois fármacos no infarto do miocárdio tanto clinicamente quanto experimentalmente. (Pitt et al., 1999; Pitt et al., 2003; Zannad et al, 2010; Sartório et al, 2007; Fraccarollo et al, 2003; Fraccarollo et al, 2008). No entanto, nenhum estudo comparativo tinha sido realizado até então, e a maioria deles se concentraram na fase crônica do infarto, onde os níveis de aldosterona encontravam-se elevados. Foi utilizado o modelo de isquemia em ratos induzida pela ligadura da coronária esquerda. Este modelo foi descrito inicialmente por Heimburger em 1946 (Heimburger et al, 1946), e uma das suas principais vantagens é que as alterações morfológicas e funcionais decorrentes do infarto se assemelham àquelas encontradas em humanos (Klocke et al, 2007). Por outo lado, esta metodologia apresenta um alto índice de mortalidade de animais, variando entre 40 e 60% nas primeiras 24 horas (Zornoff et al, 2009). Em nosso estudo a taxa de mortalidade foi aproximadamente 31 %. O grupo tratado com espironolactona apresentou uma taxa de mortalidade menor que o grupo ligadura sem tratamento. Song e colaboradores já haviam relatado menores taxas de mortalidade entre animais submetidos à ligadura da coronária e tratados espironolactona em uma dose ainda menor que a utilizada em nosso estudo. (Song et al, 2011). O grupo tratado com eplerenona não apresentou redução na taxa de mortalidade. As principais causas de morte neste modelo relacionam-se a fatores do próprio procedimento cirúrgico como pneumotórax e depressão respiratória, edema pulmonar e principalmente a arritmias malignas como taquicardia ventricular e fibrilação ventricular (Litwin et al, 1995; Pfeffer et al, 1979; Opitz et al, 1995). Os animais utilizados neste estudo, independentemente do tratamento, apresentaram episódios de fibrilação ventricular e bloqueio AV nos primeiros minutos posteriores a ligadura. Além disso, após a isquemia foi observado redução dos valores de PAS e PAD e da FC. A bradicardia e a redução dos níveis pressóricos também são descritos como causas de mortalidade em modelos animais de isquemia (Kolettis et al, 2007). 62 O presente estudo teve como objetivo principal avaliar comparativamente o efeito de antagonistas de MR na isquemia cardíaca independentemente da ação da aldosterona. Para isso, avaliamos o efeito do pré-tratamento com espironolactona ou eplerenona em ratos normais e submetidos previamente a adrenalectomia bilateral. As doses utilizadas de ambos os fármacos foram baseadas em estudos prévios descritos na literatura. Nestes estudos, a espironolactona 20mg/kg, administrada via oral, foi capaz de prevenir a proliferação de colágeno em ratos cronicamente infartados (Silvestre et al, 1999; Mill et al, 2003). E a eplerenona 10mg/kg reduziu a fibrose e melhorou os parâmetros ecocardiográficos em ratos com IC (Kobayashi et al, 2006). As doses utilizadas são consideradas baixas para esses antagonistas. A dose de eplerenona foi menor, pois a dose necessária para bloquear o MR é cerca da metade necessária para a espironolactona (de Gasparo et al, 1987). Clinicamente, segundo recomendações do Food and Drug Administration (FDA) doses 50% menores de eplerenona em relação a espironolactona são utilizadas no tratamento de pacientes com IC (FDA, 2007; 2008). Os animais submetidos à ligadura da coronária por 1h apresentaram elevação do segmento ST no ECG, observada pelo aumento da área sob a curva ST-T, e necrose do tecido cardíaco, caracterizando o modelo agudo de isquemia cardíaca. Foi observada uma grande variação da intensidade da necrose mesmo dentro de um mesmo grupo. Essa variação deve-se em parte, ao próprio modelo de isquemia utilizado. O modelo de ligadura da coronária apresenta uma variação de 5 a 65% do tamanho da área infartada (Peffer et al, 1979), devido à dificuldade de se ocluir a artéria no mesmo ponto em todos os animais e devido a diferenças anatômicas entre eles. A necrose também é influenciada por fatores individuais como fluxo colateral, demanda individual de oxigênio e nutrientes, e sensibilidade dos miócitos à isquemia. Além disso, em roedores o tempo para o desenvolvimento completo de necrose varia ente 30 e 90 minutos após a isquemia. (Jugdutt et al, 1993). O nosso protocolo de isquemia durou1h, nesse período nem todas as células em risco podem ter desenvolvido necrose. É importante ressaltar que mesmo com todas essas variações e mesmo que a análise da necrose tenha sido apenas qualitativa, tanto a espironolactona quanto a eplerenona reduziram a intensidade da necrose em relação ao grupo sem tratamento, nos grupos normais e submetidos a adrenalectomia bilateral. 63 No início do nosso estudo foi feita dosagem sérica dos níveis de aldosterona nos animais para caracterizar o modelo experimental. Os níveis circulantes de aldosterona foram reduzidos a quase zero após a adrenalectomia. Entretanto, a aldosterona também pode ser sintetizada em tecidos extra-adrenais como o coração, endotélio e musculo liso vascular. (Takeda et al., 1995; Silvestre et al., 1998). Dessa forma, a adrenalectomia bilateral não exclui a possibilidade da síntese local de aldosterona. No entanto, essa questão é controversa. A produção local de aldosterona parece ser mínima em condições normais, mas pode aumentar em condições patológicas como na IC. (Fraccarollo et al, 2003; Guder et al, 2007; Mizuno et al, 2001). Em humanos saudáveis, os níveis plasmáticos de aldosterona não diferem dos níveis locais, mas indivíduos portadores de IC e hipertensão arterial apresentam níveis maiores de aldosterona no seio coronário (Mizuno et al, 2001). Enzimas e co-fatores envolvidos na biossíntese de aldosterona também são expressos no sistema cardiovascular (Taves et al, 2011), e além disso, a expressão de mediadores do sistema renina-angiotensina também já foi descrita (MacKenzie et al, 2002) e podem portanto atuar na regulação da produção local de aldosterona. Por outro lado, foi demonstrado que os níveis de expressão desses genes são várias ordens de grandeza menores que a observada no córtex da adrenal (GomesSanches et al, 2004). Além disso, em um estudo realizado em 2005, não foi detectado níveis de expressão da aldosterona sintase e 11β hidroxilase (enzimas envolvidas na síntese de aldosterona) em nenhuma das regiões do coração analisadas em condições normais ou patológicas (Ye et al, 2005). As questões relacionadas a síntese local de aldosterona permanecem contraditórias e os estudos recentes sugerem que a adrenal é a maior fonte da aldosterona plasmática e local. (Chai et al, 2006; Chai et al 2010). Além disso, os níveis locais de aldosterona só aumentariam em uma fase mais crônica das doenças cardíacas. O nosso estudo foi realizado numa fase aguda da isquemia cardíaca e o efeito protetor dos antagonistas de MR foi observado logo nos primeiros minutos após a ligadura da coronária. Nossos dados demonstram que ambos os antagonistas de receptores MR, espironolactona e eplerenona, protegem o coração dos danos causados pela isquemia numa fase inicial do infarto do miocárdio em ratos, prevenindo a elevação do segmento ST no ECG e atenuando a necrose tecidual. Esses efeitos persistiram nos animais adrenalectomizados sugerindo que a ação cardioprotetora desses antagonistas vai além do bloqueio dos efeitos deletérios da aldosterona sobre o coração. 64 Além da aldosterona, o receptor MR possui outro ligante endógeno, o cortisol (ou corticosterona, em roedores), ambos possuem igual afinidade ao receptor. (Galupo et al, 2012). O cortisol assim com a aldosterona é sintetizado a partir do colesterol nas No rim a presença da enzima 11βHSD2 cliva o cortisol em glândulas adrenais. metabólitos inativos e garantem a ligação preferencial da aldosterona ao MR, uma vez que as concentrações de cortisol circulantes são 10 à 100 vezes maiores do que a da aldosterona (Funder et al, 2009). Entretanto, as células do sistema cardiovascular expressam níveis muito baixos de 11βHSD2 (Yang et al, 2009), o que facilita a interação do cortisol com os receptores MR. Estudos já comprovaram que o cortisol é capaz de ativar o MR em situações onde há alteração do estado redox da célula como a que ocorre na isquemia cardíaca (Mihailidou et al, 2009). Níveis elevados de cortisol e aldosterona são preditores independentes de risco de morte em pacientes com IC e disfunção ventricular esquerda (Guder et al, 2007). Antagonistas de MR além de bloquear os efeitos da aldosterona também protegem o coração por bloquear os efeitos deletérios do cortisol (Mihailidou et al, 2009). Em nosso estudo, devido a remoção total das glândulas adrenais, consequentemente, os níveis de corticosterona provavelmente também eram insignificantes (dosagem não realizada). Portanto, pela primeira vez foi demonstrado que a eplerenona, assim como já descrito para a espirononolactona (Mihailidou et al, 2009), apresenta efeitos cardioprotetores independentes do bloqueio da ação de esteroides endógenos. Mas se o efeito cardioprotetor desses fármacos é independente de níveis elevados de aldosterona e cortisol/coricosterona, quais seriam então os mecanismos responsáveis por essa proteção? Alguns estudos demonstram que antagonistas de MR podem causar pré e pós condicionamento isquêmico (Chai et al, 2005; Schimidt et al, 2010). O pré- condicionamento isquêmico é definido como um fenômeno pelo qual um ou mais ciclos de isquemia de pequena duração (5 a 10 minutos) com pequenos ciclos de reperfusão, promovem proteção do miocárdio contra um subsequente e prolongado período de isquemia miocárdica e reperfusão (Murry et al, 1986). A aplicação de pequenos ciclos de isquemia-reperfusão no início do período de reperfusão também causa cardioproteção de modo similar ao pré-condicionamento, este fenômeno é denominado pós-condicionamento isquêmico (Zhao et al, 2003). 65 A administração de algumas substâncias antes da isquemia, como adenosina, bradicinina e opióides também ativa mecanismos celulares capazes de promoverem tal proteção (Liang et al 1999; Baxter et al, 2002; Zaugg et al, 2002). Esse tratamento foi denominado pré-condicionamento farmacológico. Chai e colaboradores apresentaram evidências de que a espironolactona causa pré-condicionamento farmacológico, pois a administração desse antagonista 15 min antes da isquemia reduziu a área infartada no coração isolado de ratos (Chai et al, 2005). A atenuação da elevação do segmento ST é um indicador de pré-condicionamento isquêmico (Cohen et al, 1997). Em nosso estudo a espironolactona e a eplerenona preveniram a elevação do ST nos animais submetidos à ligadura da coronária, quando administradas 30 min antes da isquemia. As vias intracelulares ativadas durante o pré e pós condicionamento isquêmico envolvem a participação de canais de potássio mitocondriais sensíveis a ATP (K+ATP). A abertura desses canais preserva a função mitocondrial por previnir a sobrecarga de cálcio durante a isquemia (Holmuhamedov et al, 1999). Os mecanismos envolvidos na ativação de canais K+ATP ainda não são completamente conhecidos. Sato e colaboradores demonstraram que a ativação de receptores de adenosina podem ativar K+ATP mitocondriais via PKC dependente em células ventriculares (Sato et al, 2000). Schimidt e colaboradores demonstraram que a proteção cardíaca da eplerenona após a isquemia e reperfusão no coração de ratos foi abolida por antagonistas de K +ATP mitocondrial. (Schimidt et al, 2010). Além de bloqueadores de canais de potássio, esse estudo também realizou testes com bloqueadores de outras moléculas que sabidamente estão envolvidas no condicionamento isquêmico, como PKC, receptores de adenosina e PI3-quinase. Todos os inibidores bloquearam a ação protetora dos antagonistas de MR. Além disso, um estudo recente em nosso laboratório, ainda não publicado, sugere que tanto a eplerenona quanto a espironolactona são capazes de aumentar os níveis celulares de GMPC em cardiomiócitos de rato neonatos (Hermidorff et al, 2013). O GMPC vem sendo descrito como uma molécula chave nos mecanismos de pré e pós condicionamento isquêmico. (Garcia-Dorado et al, 2009). As evidências de que antagonistas de MR promovem condicionamento isquêmico podem explicar porque o tratamento imediato de pacientes que sofreram infarto do miocárdio apresenta uma resposta mais satisfatória do que aqueles que só receberam tratamento mais tarde. O tratamento precoce ativaria vias cardioprotetoras que tornariam o miocárdio mais resistente aos danos da isquemia e reperfusão, além de 66 antagonizar os efeitos deletérios da aldosterona cujos níveis se encontram aumentados numa fase mais crônica da doença. Essas ações em conjunto melhorariam o remodelamento cardíaco e consequentemente, aumentariam a qualidade de vida dos pacientes e reduziriam a mortalidade. Alguns pesquisadores também defendem a ideia de que antagonistas de MR possam atuar como agonistas inversos (Funder et al, 2009). Certos tipos de receptores podem apresentar uma atividade intrínseca no seu estado inativo, mesmo na ausência de um ligante endógeno ou de um agonista exógeno administrado. Agonistas inversos atuam de modo a abolir essa atividade intrínseca do receptor livre (não-ocupado), resultando em uma redução espontânea da atividade do receptor (Khilnanie Khilnani, 2011). Mihailidou e colaboradores, em um estudo com coração isolado de ratos, demonstraram que a espironolactona sozinha era capaz de reduzir a área infartada e apoptose em ratos adrenalectomizados submetidos à isquemia e reperfusão (Mihailidou et al, 2009). Os autores atribuíram a resposta cardioprotetora da espironolactona a uma possível propriedade agonista inversa que pode ser apresentada por esse fármaco, uma vez que estes efeitos foram observados na ausência dos dois ligantes endógenos do receptor MR, aldosterona e cortisol. Adicionalmente, um estudo in vitro demonstrou que a espironolactona sozinha promoveu aumento da expressão da proteína β-integrina em cardiomiócitos e em células epiteliais do rim (Chun et al, 2002). Em nosso estudo, demonstramos pela primeira vez que assim como a espironolactona, a eplerenona promove cardioproteção na isquemia cardíaca de animais adrenalectomizados. Dentro dessa perspectiva ambos os antagonistas de MR atuariam não apenas excluindo ação da aldosterona ou do cortisol sobre o MR, mas também ocupando este receptor e promovendo a ativação de fatores de proteção. No entanto, não existem dados na literatura que comprovem que os efeitos diretos de antagonistas de MR sobre o coração são mediados por receptores MR ou por outro receptor desconhecido. Os efeitos protetores da espironolactona e eplerenona em nosso estudo foram observados logo nos primeiros minutos após a isquemia, sugerindo que estes efeitos não são genômicos, e não envolvem a transcrição de genes. Este dado é importante, pois a aldosterona também possui efeitos não genômicos e os estudos indicam que os mesmos podem ser mediados por um receptor distinto do MR. Dessa forma, o mesmo poderia ocorrer para a eplerenona e espironolactona. 67 Dados recentes do nosso laboratório monstram que tanto a espironolactona quanto a eplerenona mobilizam Ca+2, ativam GMPc e ERK1/2 em cardiomiócitos de ratos neonatos. E esses efeitos ocorreram apenas alguns minutos após o tratamento com os fármacos (Hermidorff, 2013). Evidenciando que há uma ação não genômica desses antagonistas nas células cardíacas. Schimidt e colaboradores em um modelo de isquemia e reperfusão em camundongos demonstrou que os efeitos cardioprotetores da eplerenona foram bloqueados na presença de um inibidor não seletivo de receptores de adenosina. Além de ser um potente vasodilatador, a adenosina possui efeitos cardioprotetores diretos sobre as células cardíacas através de seus receptores de membrana acoplados a proteína G, sobretudo limitando a área infartada. (Feldman et al, 2011). Esta mesma pesquisadora, demonstrou que o efeito cardioprotetor do canrenoato de potássio (metabólito ativo da espironolactona) foi bloqueado em camundongos com deleção genética para a enzima ecto-5’-nucleotidase, enzima envolvida na síntese de adenosina. (Schmidt et al, 2010). Portanto, existem evidências de que a ação de antagonistas de MR sobre o coração pode estar sendo mediada por uma interação com a adenosina, no entanto os estudos não são conclusivos quanto a ação ser sobre os receptores de adenosina ou sobre a síntese e degradação da mesma. Em nosso estudo também avaliamos a hipótese de que efeitos protetores da espironolactona possam ser mediados por uma interação com receptores GR. Entretanto, o antagonista de receptor GR, mifepristona, não foi capaz de bloquear os efeitos da espironolactona na prevenção da elevação de ST. Apesar de a espironolactona possuir afinidade por receptores GR e a ativação deste receptor ser descrita como cardioprotetora, não foi observada nenhuma relação da resposta protetora da espironolactona com receptores GR. Corroborando com os resultados de Mihailidou e colaboradores, onde a mifepristona não bloqueou o efeito da espironolactona sobre a redução da área infartada e apoptose celular na isquemia e reperfusão de corações isolados de rato. Entretanto, inesperadamente, quando a mifepristona foi administrada sozinha houve uma leve atenuação na área sob a curva do segmento ST. A ação antiglicocorticoide da mifepristona é dose dependente. Doses únicas iguais ou superiores a 4mg/kg inibem de uma forma competitiva os receptores GR (Cadepond et al, 1997). Foi utilizada em nosso estudo a dose 20mg/kg. A mifepristona também possui 68 ação antiprogesterogênica e leve ação antiandrogênica e nenhuma ação sobre receptores MR. Nossos dados contrastam com o estudo de Bobryshev e colaboradores (2007), onde a mifepristona na dose 20mg/kg inibiu os efeitos do pré condicionamento isquêmico em um modelo de isquemia e reperfusão em ratos. Uma possível explicação para o resultado seria devido ao fato da mifepristona poder atuar como um agonista parcial de receptores GR em determinadas circunstâncias. Em pacientes com insuficiência adrenal, a mifepristona apresentou efeitos agonistas, reduzindo os níveis plasmáticos de ACTH (Laue et al, 1988). Adicionalmente, Zang e colaboradores demonstraram que a atividade agonista da mifepristona é dependente da concentração de receptores GR na célula, esta atividade aumenta quando há superexpressão destes receptores (Zhang et al, 2007). Vazqués e colaboradores, demonstraram que a adrenalectomia promove aumento da expressão de receptores GR em áreas específicas do hipocampo (Vazqués et al, 1993), entretanto, nenhum estudo até o momento avaliou se o mesmo acontece no coração. 69 CONCLUSÃO 6. CONCLUSÃO Comparativamente, não foram observadas diferenças entre os efeitos da espironolactona e eplerenona. Ambas foram capazes de prevenir, em baixas doses, os danos causados pela ligadura da coronária em ratos anestesiados, reduzindo a elevação do segmento ST no ECG e a necrose dos miócitos cardíacos. Adicionalmente foi demonstrado que tanto a espironolactona quanto a eplerenona são capazes de promover cardioproteção numa fase aguda da isquemia cardíaca e esses efeitos são independentes do bloqueio da ação da aldosterona e da corticosterona. Com base em nossos dados e aos encontrados na literatura, podemos sugerir que esses fármacos não atuam somente como antagonistas de MR e poderiam assim, serem classificados em uma nova classe farmacológica. Existem evidências claras de que seus efeitos também ocorram por vias diretas, e estes podem estar sendo mediados por um agonismo inverso sobre o receptor MR ou por um receptor distinto, ainda não conhecido. No entanto, mais estudos precisam ser realizados com o objetivo de investigar melhor as vias ativadas por estes dois fármacos no coração. Do ponto de vista clínico, nossos resultados também são relevantes. Antagonistas de MR são utilizados na fase crônica da IC pós-infarto do miocárdio. Nossos resultados sugerem que a cardioproteção também ocorre na fase inicial após a isquemia. Assim, esses fármacos podem ser uma alternativa terapêutica no tratamento de pacientes numa fase precoce do IAM, mesmo na ausência de IC. 71 REFERÊNCIAS 7. REFERÊNCIAS ALMUKDAD, H. 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Controle Ligadura 116,8 ± 7,4 108,5 ± 9,7 106,6 ± 5,1 105 ± 6,0 104 PAD 85,07 ± 5,7 75,64 ± 7,5 76,97 ± 4,9 73,9 ± 4,8 82,32 ± 10,76 79,66 ± 4,6 258,5 ± 25,5 317,5 ± 22,5 296,9 ± 26,4 271,2 ± 21,5 302,4 ± 12,8 PAS FC Espironolactona Eplerenona Valores absolutos e erro padrão da média de PA (mmHg) e FC (bpm). Mifepristona ± 5,2 Mife + Espiro 112,9 ± 7,2 266,3 ± 25,2 TABELA 2: Pressão arterial e Frequência cardíaca dos animais adrenalectomizados antes da ligadura da coronária. Controle Ligadura Espironolactona Eplerenona Mifepristona Mife + Espiro 116,8 ± 7,4 93,96 ± 8,1 85,96 ± 7,8 83,68 ± 3,6 82,61 ± 3,2 76,77 ± 4,5 PAD 85,07 ± 5,7 69,96 ± 6,0 65,74 ± 6,6 63,48 ± 3,2 59,87 ± 3,1 3,4 258,5 ± 25,5 317,5 ± 22,5 321,1 ± 29,7 252,6 ± 16,9 298,5 ± 21,9 224,2 ± 40,4 PAS FC 55,33 ± Valores absolutos e erro padrão da média de PA (mmHg) e FC (bpm). 86