Hiperaldosteronismo Primário. Eduardo Pimenta

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Hiperaldosteronismo
primário
Introdução
Hiperaldosteronismo primário (HP) é um estado
caracterizado por secreção inapropriada de aldosterona
e consequente supressão da renina plasmática. O HP foi
inicialmente descrito pelo Dr. Jerome Conn, em 1955.
A paciente descrita naquela ocasião, de 34 anos de
idade, apresentava hipertensão arterial sistêmica (HAS),
hipopotassemia e alcalose metabólica com elevados níveis
de aldosterona. Posteriormente, foi submetida à retirada
da glândula adrenal direita que evidenciou um adenoma
produtor de aldosterona (APA) com consequente melhora
clínica e laboratorial. Desde então, as características clínicas
e a prevalência do HP têm mudado ao longo dos anos.
Prevalência
Eduardo Pimenta
Médico assistente, Seção de Hipertensão Arterial e
Nefrologia, Instituto Dante Pazzanese de Cardiologia,
São Paulo, SP, Brazil
Inicialmente acreditava-se que o HP era uma doença
de ocorrência rara, entre 1-2%, porém publicações mais
recentes têm demonstrado ser mais frequente. A maior
disponibilidade de exames para avaliar a concentração
plasmática da aldosterona (CAP) e atividade da renina
plasmática (ARP) na prática clínica e uma maior utilização
da relação CAP/ARP (RAR) para rastreamento são res
responsáveis, em parte, pela constatação do aumento da
prevalênciade HP.
A prevalência de HP apresenta correlação direta com
a severidade da HAS, ou seja, quanto mais elevada for a
PA, maior é a prevalência de HP. Mosso e cols. avaliaram
a prevalência de HP em 609 pacientes hipertensos
classificando-os de acordo com o VI Joint (estágio 1: PA
140-159/90-99 mmHg; estágio 2: PA 160-179/100-109
mmHg; estágio 3: PA ≥180/110 mmHg). A prevalência de
HP foi 6,1% na população geral e 1,99, 8,02 e 13,2%, entre
os pacientes com HAS estágio 1, 2 e 3, respectivamente.
Este estudo comprovou a relação direta entre o excesso
de aldosterona e a severidade da HAS, demonstrando que
pacientes com HAS leve apresentam baixa probabilidade
e pacientes com HAS moderada e grave apresentam alta
probabilidade de apresentar HP.
Especial atenção deve ser dispensada aos pacientes
com hipertensão arterial refratária (HAR). Estudo realizado
na Universidade do Alabama em Birmingham demonstrou
que numa população de 88 pacientes portadores de HAR,
18 (20%) indivíduos apresentavam HP baseando-se em
ARP suprimida (<1,0 ng/ml/h) e aldosterona urinária em
24h elevada (>12 g/24h) na presença de dieta rica em
sal (>200 mEq/24h). Não houve diferença na prevalência
Resumo do artigo
Define-se o hiperaldosteronismo primário e discute-se a sua prevalência e causas mais comuns. Apresentam-se as suas bases diagnósticas, assentes na
relação aldosterona/renina, nos testes de supressão,
na tomografia computadorizada e na coleta selectiva
de veias adrenais. Discutem-se as possibilidades do
tratamento médico e cirúrgico e chama-se a atenção
para a elevada frequência do hiperaldosteronismo
primário em pacientes com hipertensão arterial
refractária.
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isoladamente. Os valores ideais de RAR para rastreamento
de HP descritos na literatura variam entre 7,2-100 devido à
falta de padronização metodológica, mas parece que RAR
<20 (CAP em ng/dl e ARP em ng/ml/h) possui bom valor
preditivo negativo para excluir HP. Quanto maior o valor
de RAR, maior a probabilidade do paciente apresentar
HP. Contudo, a RAR é muito dependente dos valores
de ARP, de tal forma que valores muito baixos de ARP
resultarão em valores de RAR falsamente elevados. Este
risco pode ser reduzido ao se utilizar 0,5 ng/ml/h como
valor mínimo de ARP para cálculo da RAR. Sendo assim,
uma CAP mínima de 10ng/dl seria necessária para atingir
uma RAR maior do que 20. O risco de falso positivo pode
ser reduzido utilizando-se valores mínimos de CAP em
associação à RAR, 15 ng/dl por exemplo, porém reduz-se a
sensibilidade, causando maior número de falso negativos.
Resumidamente, altos valores de RAR são indicativos de
HP, mas o diagnóstico deve ser confirmado com testes de
supressão.
de HP entre brancos e negros. A prevalência de HP entre
os pacientes com HAR é constante em diversos estudos
(Figura 1).
Figura 1
Prevalência de hiperaldosteronismo primário (HP) em
pacientes com hipertensão arterial refratária.
“...pacientes com Hipertensão
Arterial Sistémica leve
apresentam baixa probabilidade
e pacientes com Hipertensão
Arterial Sistémica moderada
e grave apresentam alta
probabilidade de apresentar
Hiperaldosteronismo Primário.“
As causas mais comuns de HP são APA e hiperplasia
bilateral idiopática. HP causado por APA, também
conhecido como a verdadeira Síndrome de Conn, era
descrito anteriormente como a causa mais comum de
HP. Estudos mais recentes demonstram que a causa mais
comum é a hiperplasia bilateral, sendo o APA responsável
por 30-50% dos casos de HP. As demais causas são raras.
Diagnóstico
Hipopotassemia ou a presença de APA, achados
esses que foram descritos como essenciais para o
estabelecimento da síndrome de hiperaldosteronismo,
não são mais necessários para o diagnóstico de HP. A
presença de hipopotassemia, espontânea ou induzida
por diuréticos, pode sugerir a presença de HP, mas a sua
ausência não deve excluir essa possibilidade. Todos os
pacientes portadores de HAR, mesmo os com potássio
plasmático normal, devem ser avaliados para a presença
de HP.
A avaliação da RAR deve ser realizada preferencialmente
após a retirada das medicações anti-hipertensivas e
correção do potássio plasmático, porém a relação risco/
benefício de interromper os medicamentos em pacientes
com HAR deve ser avaliada. Os efeitos dos medicamentos
anti-hipertensivos sobre RAR também são pequenos
e podem ser balanceados. Os inibidores da enzima
conversora da angiotensina (iECA), bloqueadores dos
receptores da angiotensina II (BRA) e diuréticos tendem
a aumentar a ARP, enquanto que os beta-bloqueadores e
os inibidores da renina tendem a suprimí-la. Os iECA e os
Relação aldosterona/renina
O rastreamento de HP deve ser feito com RAR após
a correção do potásio plasmático com reposição por via
oral. A avaliação da RAR apresenta maior sensibilidade
e especificidade do que a dosagem de CAP ou ARP
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Hiperaldosteronismo primário
“A presença de hipopotassemia, espontânea ou induzida por
diuréticos, pode sugerir a presença de HP, mas a sua ausência não
deve excluir essa possibilidade.”
BRA podem suprimir os níveis de CAP, principalmente no
início do uso dessas medicações. Portanto, esses fármacos
podem induzir RAR falsamente diminuídas fazendo com
que a presença de valores elevados de RAR na presença
dessas medicações sejam ainda mais sensíveis para
o diagnóstico de HP. A única exceção se faz em relação
aos diuréticos poupadores de potássio, principalmente
a espironolactona, que deve ser suspensa 4-6 semanas
antes da avaliação da RAR.
Testes de supressão
A confirmação de HP deve ser realizada com a ausência
de supressão da aldosterona com expansão do volume
plasmático (infusão salina ou excesso de sal na dieta) ou
bloqueio do sistema renina-angiotensina-aldosterona com
iECA. Tradicionalmente considera-se como padrão-ouro
a não supressão da aldosterona para valores inferiores a
5-6 ng/dl quando as amostras são colhidas em posição
ereta após 4 dias de dieta rica em sal e administração de
fludrocortisona (0,1mg via oral de 6 em 6 horas). Contudo,
este teste provoca intensa retenção hídrica e perda de
potássio, e a hospitalização se torna necessária em alguns
casos para monitorização do potássio plasmático e da
sobrecarga hídrica. Outra alternativa é a não supressão da
aldosterona abaixo de 5-6ng/dl após a infusão de dois
litros de solução salina em quatro horas para confirmação
de HP. Valores de CAP acima de 12nd/dl duas horas após
a ingestão de 25mg de captopril também podem ser
utilizados para confirmação de HP, porém poucos relatos
existem com esse método diagnóstico.
Aldosterona urinária elevada em 24h durante dieta
rica em sal também pode ser utilizada para confirmação
de HP. Este teste é geralmente seguro e pode ser realizado
ambulatorialmente. A dosagem de ARP, aldosterona e sódio
urinários (requer o uso de ácido acético para dosagem
na mesma coleta) em 24h durante dieta normal é uma
estratégia simples e adequada (Figura 2). Aldosterona
urinária ≥12 ÒJKHPSDFLHQWHVFRPGLHWDULFDHPVDO
(sódio urinário ≥200 mEq/24h) é considerada positiva para
HP. Se o sódio urinário for <200 mEq/24h, as dosagens
podem ser repetidas após 3 dias com suplementação
de sódio suficiente para atingir sódio urinário ≥Ò
mEq/24h.
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ARP pela manhã e urina de 24 horas para dosagens de
aldosterona e sódio com alimentação e medicações antihipertensivas rotineiras (exceto espironolactona)
ARP < 1,0 ng/ml/h
e
ARP >1,0 ng/ml/h
com Na urinário <200 mEq/24h
e/ou
aldosterona urinária <12 µg/24h
nova coleta de urina após 3 dias de
suplementação oral de sal
ARP <1,0 ng/ml/h
e
com Na urinário 200 mEq/24h
>
Negativo para HP
PA
Positivo para HP
Figura 2
Fluxograma para detecção laboratorial do hiperaldosteronismo
primário (HP). ARP, atividade da renina plasmática; Na,
sódio. Adaptado de Nishizaka et al. Am J Hypertens
2005;18:805-812.
Tomografia computadorizada e coleta seletiva de
veias adrenais
Tomografia computadorizada (TC) com cortes finos
(<3mm) deve ser utilizada após a confirmação bioquímica
de HP na tentativa de identificar tumores potencialmente
produtores de aldosterona. A especificidade da TC para
identificar APA é baixa e por isso a sua realização sem a
confirmação bioquímica não é recomendada. A ausência de
tumores à TC não exclui a possibilidade de microadenomas
como causa do HP.
A coleta seletiva de veias adrenais (CSVA) é
fundamental para a diferenciação entre causa unilateral
ou bilateral de HP. A confirmação de lateralização da
secreção de aldosterona é essencial para indicação de
adrenalectomia.
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ser frequente. Suplementação de potássio por via oral ou o
uso de “substitutos de sal” que contenham potássio devem
ser interrompidos ao se iniciar antagonistas dos receptores
mineralocorticóides.
Considerando-se que a ocorrência de hiperplasia
bilateral é maior e que estes pacientes se beneficiarão
do tratamento medicamentoso, a opção de prescrever
espironolactona após a realização da RAR pode ser feita
antes mesmo de confirmar bioquimicamente a presença
de HP. Esta decisão deve ser avaliada individualmente para
cada paciente considerando-se o tempo de hipertensão,
o nível do potássio plasmático, a idade do paciente e,
a opinião e as condições do paciente que poderá ser
submetido, eventualmente, à adrenalectomia. Deve-se
lembrar sempre que a cirurgia pode oferecer a cura em
alguns casos.
Apesar de segura, a CSVA é tecnicamente difícil,
particularmente na cateterização da veia adrenal direita.
A taxa de sucesso no procedimento varia de 63 a 98%
dependendo da experiência do centro. Alguns autores
sugerem que a adrenalectomia pode ser indicada sem a
realização de CSVA apenas sob condições especiais como
pacientes com idade inferior a 40 anos, com HP confirmado
laboratorialmente e que apresentam imagem sugestiva de
adenoma unilateral da glândula adrenal pela TC. Pacientes
com tumores grandes, >3-4cm, com atenuação alta (>10
unidades Hounsfield) também podem ter a cirurgia
indicada sem a confirmação de lateralização pela CSVA
devido ao maior risco de malignidade.
Tratamento
A adrenalectomia unilateral de APA geralmente corrige
o HP, principalmente a perda de potássio. A resposta
pressórica à remoção do tumor é variável. Pacientes
jovens podem apresentar cura total da HAS, mas aqueles
com idades mais avançadas podem apresentar mínima
ou nenhuma melhora da PA, principalmente com longa
história de hipertensão e/ou PA muita elevada. Na
ausência de contra-indicações, a adrenalectomia deve ser
feita preferencialmente por via laparoscópica, pois permite
menor tempo de recuperação.
O tratamento com antagonistas dos receptores mine­
ralocorticóides melhoram a hipopotassemia e promovem
redução da PA independentemente dos níveis de
aldosterona e renina. O uso de doses pequenas (2550mg) de espironolactona em adição ao tratamento antihipertensivo prévio em pacientes com HAR reduz, em
média, a PA sistólica em 24,1 mmHg e a diastólica em
10,6mmHg.
A redução pressórica da espironolactona é poten­
cializada e o risco de hiperpotassemia é reduzido quando
utilizada em combinação com diuréticos tiazídicos, como
a clortalidona. A espironolactona costuma ser bem
tolerada. Aproximadamente 10% dos homens apresentam
ginecomastia com a dosagem de 25mg e a ocorrência
de ginecomastia, disfunção erétil e irregularidade
menstrual é dose dependente. Hiperpotassemia por uso
de espironolactona é rara em pacientes com função renal
normal mesmo quando associado a iECA ou BRA. O risco de
hiperpotassemia é maior em idosos, portadores de doença
renal crônica ou diabete melito, que estejam recebendo
iECA, BRA ou anti-inflamatórios não-hormonais. Nestes
indivíduos, recomenda-se iniciar a espironolactona na dose
de 12,5mg e aumentá-la gradualmente dependendo do
controlo do potássio e da creatinina plasmáticas que deve
“A redução pressórica
da espironolactona é
potencializada e o risco
de hiperpotassemia é
reduzido quando utilizada
em combinação com
diuréticos tiazídicos, como a
clortalidona.”
Considerações finais
HP é uma condição clínica frequente, principalmente
entre os pacientes com hipertensão arterial refratária.
Hipopotassemia e adenoma produtor de aldosterona não
são mais necessários para sugerir o diagnóstico de HP.
O diagnóstico precoce e o tratamento adequado podem
diminuir as lesões em órgãos-alvo, diminuir o risco
cardiovascular, controlar a hipopotassemia e, em alguns
casos, curar a hipertensão arterial.
Eduardo Pimenta
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Hiperaldosteronismo primário
Referências sugeridas
1. Pimenta E, Calhoun DA. Primary aldosteronism: diagnosis and
treatment. J Clin Hypertens 2006;8:887-893.
2. Mulatero P, Rabbia F, Milan A, et al. Drug effects on aldosterone/plasma renin activity ratio in primary aldosteronism. Hypertension 2002;40;897-902.
3. Mattsson C, Young Jr WF. Primary aldosteronism: diagnostic and
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J Med 2007:356:601-610.
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6. Catena C, Colussi G, Nadalini E, et al. Cardiovascular outcomes
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Intern Med 2008;168:80-85.
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