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EDITORIAL
Do direito à prevenção ao exercício da autonomia
“...tenho medo do morrer. Medo da morte e medo do
morrer são coisas distintas. O morrer pode ser doloroso,
longo, humilhante. Especialmente quando os médicos não
permitem que o corpo que deseja morrer, morra.”
Rubem Alves
Esta edição nos permite algumas reflexões. O artigo de
Weston et al. (1) relata a experiência de um centro de referência no Rio Grande do Sul para câncer gástrico e conclui
que a maioria dos pacientes apresentava estádios avançados
da doença com prognóstico desanimador, determinando,
portanto, um fim de vida com grande sofrimento para os
pacientes acometidos por esta doença, levando-nos a refletir sobre as políticas de saúde pública que não contemplam
programas de prevenção e rastreamento adequados. A população brasileira está envelhecendo e, consequentemente,
apresenta aumento de doenças crônicas e neoplasias. Urge
que nossos gestores da saúde se debrucem sobre este tema,
estabeleçam programas de rastreamento e agilizem o processo para que uma neoplasia seja diagnosticada precocemente
e, com o tratamento adequado, determine uma melhor qualidade de vida aos pacientes acometidos por uma doença,
que, se feito o diagnóstico precocemente, evitará grandes
sofrimentos e dispêndio de recursos em pacientes terminais.
No contraponto da prevenção, temos a formação médica direcionada para preservar a vida a qualquer preço.
Não ensinamos, ou ensinamos pouco, em nossas escolas
médicas que vida e morte consistem em um processo único. Todos sabemos que vamos morrer, a questão é como e
quando iremos morrer.
A questão de quando iremos morrer é determinada
pelo poder divino ou pelo determinismo histórico, segundo a crença de cada um. A questão de como iremos morrer
pode ter a interferência da ciência médica. O avanço tecnológico da medicina proporcionou o surgimento de muitos
dilemas e dúvidas, para médicos e para a sociedade.
Na tentativa de proporcionar um balizamento para a
conduta médica em pacientes terminais, o CFM Novembro de 2006 aprovou a Resolução 1805/06 sobre suspensão de procedimentos e tratamentos para prolongamento
da vida na fase terminal de doenças graves e incuráveis,
a qual foi incorporada ao Código de Ética Médica em
13/04/2010. Nessa resolução, ficou definido que paciente terminal é todo aquele cuja doença é irreversível, ou
seja, com ou sem tratamento, o paciente chegará ao óbito,
e que a interrupção e/ou a suspensão de tratamentos extremos fazem parte do processo da Ortotanásia.
Ainda nesta edição, na seção Bioética, Pattela et al. (2)
abordam o tema das diretivas antecipadas de vontade do
paciente, proposto na Resolução 1995/2012 pelo CFM,
Revista da AMRIGS, Porto Alegre, 58 (2): 103, abr.-jun. 2014
como uma forma de balizar os problemas morais no que
diz respeito à autonomia do paciente de manifestar antecipadamente suas decisões, permitindo-lhe registrar seu
testamento vital na ficha médica ou no prontuário. O testamento vital, ou diretiva antecipada de vontade do paciente,
é um documento, redigido por uma pessoa no pleno gozo
de suas faculdades mentais, com o objetivo de dispor acerca dos tratamentos a que deseja e que não deseja ser submetida quando estiver diante de um diagnóstico de doença
terminal e impossibilitada de manifestar sua vontade.
Embora a Resolução do CFM determine algum norte
para um assunto tão complexo e que já está acontecendo
em muitos hospitais brasileiros e, ao mesmo tempo, esteja
de acordo com o que já está na Constituição Brasileira, que
reconhece a autonomia do ser humano e o direito à vida
desde que esta seja digna, esta resolução deverá merecer
debate e ordenamento jurídico.
Para finalizar, presto minhas homenagens ao autor da
epígrafe deste editorial, falecido no dia 19 de julho. Rubem Alves foi um psicanalista, educador, teólogo e escritor brasileiro, autor de livros e artigos abordando temas
religiosos, educacionais e existenciais, além de uma série
de livros infantis. Aposentou-se como professor titular da
UNICAMP, e seu texto leve e profundo nos faz refletir que
o que ele escreve parece traduzir o que sentimos ou o que
gostaríamos de verbalizar em algum momento. Termino
citando, mais uma vez, Rubem Alves: “Nós não vemos o
que vemos, nós vemos o que somos. Só veem as belezas do
mundo aqueles que têm belezas dentro de si”.
Uma boa leitura e que todos possam ver as belezas do
mundo.
RENATO BORGES FAGUNDES, MD, PhD – Editor
REFERÊNCIAS
1. Gustavo Andreazza Laporte, Antonio Carlos Weston, Artur de Oliveira Paludo, Tiago Biachi de Castria, Antonio Nocchi Kalil. Análise
epidemiológica dos Adenocarcinomas Gástricos ressecados em um
Serviço de Cirurgia Oncológica. Revista da AMRIGS 2014, 58 (2):
121-125.
2. Lúcia Helena Dupuy Pattela, Rainer Grigolo de Oliveira Alves, Jussara de Azambuja Loch. Diretivas antecipadas de vontade do paciente: uma breve introdução ao tema. Revista da AMRIGS 2014,
58 (2): 162-165.
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