Sobre a Banalidade do Mal - Observatorio da Imprensa

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Sobre a Banalidade do Mal
Hannah Arendt (1906-1975) é uma teórica política alemã, de origem judaica, que atuou
também como jornalista e professora universitária. Escreveu livros como As Origens do
Totalitarismo (1951), A Condição Humana (1958), Homens em Tempos Sombrios (1968)
e Eichmann em Jerusalém – um relato sobre a banalidade do mal (1963) e é considerada
uma das pessoas mais influentes do século XX.
Este artigo pretende fazer uma analogia entre as ideias expressas por Hannah Arendt
em Eichmann em Jerusalém e o conceito sobre a banalidade do mal, e o comportamento
dos indivíduos nas redes sociais, que de certa forma replicam as análises desenvolvidas
pela autora.
Adolf Eichmann foi um oficial Gestapo Nazista, responsabilizado pela logística de
extermínio de milhões de pessoas, capturado na Argentina e julgado em Jerusalém no
ano de 1961. Hannah Arendt foi enviada como correspondente pela revista The New
Yorker para cobrir as sessões do julgamento tornadas públicas pelo governo israelense.
Em 1963, com base nos artigos publicados pela The New York a autora publicou um livro
sobre o julgamento e nele desenvolveu uma análise sobre Eichmann.
Um dos pontos polêmicos do livro é a maneira como a autora interpreta o
comportamento de Eichmann, pois além de cobrir todo o processo do julgamento, a ela
ainda entrevistou pessoalmente o acusado. Segundo Hannah Arendt, Adolf Eichmann
não era um monstro, alguém com um espírito demoníaco e antissemita. Ela o identificou
como um burocrata, um sujeito medíocre, que de certa forma renunciou a pensar nas
consequências que os seus atos poderiam ter. “Embora as atrocidades por ele
conduzidas tivessem sido de uma crueldade inimaginável, ‘o executante era ordinário,
comum, nem demoníaco, nem monstruoso’. Eichmann revelou-se, durante todo o
processo, até os dias que antecederam sua morte por enforcamento, como uma pessoa
incapaz de exercer a atividade de pensar e elaborar um juízo critico e reflexivo.”.
(SIQUEIRA, 2011).
Segundo Hannah Arendt, Adolf Eichmann era um indivíduo comum, pertencente ao
cidadão médio, que não possuía um histórico de violência e muito menos aparentava
características de um caráter distorcido ou doentio. O oficial da Gestapo agia segundo o
que acreditava ser o seu dever, executando suas ordens sem nenhum tipo de
questionamento (seja para o bem ou para o mal), com o intuito de desenvolver a sua
carreira profissional da melhor forma possível.
“Será que a natureza da atividade de pensar, o habito de examinar, refletir sobre
qualquer acontecimento, poderia condicionar as pessoas a não fazer o mal? Estará entre
os atributos da atividade do pensar, em sua natureza intrínseca, a possibilidade de evitar
que se faça o mal? Ou será que podemos detectar uma das expressões do mal, qual seja,
o mal banal, como fruto do não-exercício do pensar?”. (ARENDT, 2008)
Dessa forma a autora defende que a massificação da sociedade e o totalitarismo
permitiram o desenvolvimento de uma multidão que cumpria ordens sem questionar,
uma massa incapaz de fazer julgamentos morais. Sob essa perspectiva Eichmann não
era tachado como um monstro, mas um funcionário zeloso que apenas cumpria com as
ordens que recebia.
“O que tornava Eichmann uma aberração era o fato de ele nunca haver experimentado
as exigências do pensamento diante dos acontecimentos. A questão que a filósofa se
propõe a aprofundar, então, é a ausência do pensamento e sua possível relação com os
atos maus.” (Duarte, 2000, apud Andrade, 2010).
Mas qual o intuito de toda essa descrição, muito simples perante a complexidade da
obra e do tema desenvolvido pela autora, do conceito de Banalidade do Mal? Gostaria
de fazer uma analogia com o nosso cotidiano e as práticas desenvolvidas nos canais de
comunicação, principalmente nas redes sociais.
Começo com um simples exemplo: Quantas vezes, no seu cotidiano, você compartilha
uma mensagem/informação, sem saber se ela é verdadeira ou não, com os seus colegas
de trabalho ou com amigos e familiares? Pense no constrangimento que você passaria
caso alguém desacreditasse essa informação no momento em que você está falando.
Agora compare com o que você tem feito nas redes sociais virtuais.
Alguma vez você pegou uma foto íntima de um conhecido e saiu por aí mostrando essa
foto para todas as pessoas que você encontra no seu dia a dia? No ambiente de trabalho,
na fila do supermercado ou num encontro com amigos mais próximos.
Agora compare com o que você tem feito nas redes sociais virtuais
Hoje em dia, para disseminar uma informação, basta apertar o botão de enviar e/ou
compartilhar. Mas a facilidade desse ato pode ser inversamente proporcional às
repercussões e os efeitos que causamos na sociedade como um todo. A popularização
da internet permitiu que tivéssemos acesso a uma quantidade inimaginável de
informações. Da mesma forma ela possibilitou que adotássemos determinados
comportamentos sem o questionamento moral dessas ações, camuflados por nossos
avatares e/ou perfis nas redes sociais ou “escondidos” dentro de um grupo de
Whatsapp.
Repito aqui uma citação para enfatizar o meu ponto de vista:
“O que tornava Eichmann uma aberração era o fato de ele nunca haver experimentado
as exigências do pensamento diante dos acontecimentos. A questão que a filósofa se
propõe a aprofundar, então, é a ausência do pensamento e sua possível relação com os
atos maus.” (Duarte, 2000, apud Andrade, 2010).
Até que ponto nós estamos sustentando padrões estéticos e comportamentos
deploráveis simplesmente porque não analisamos as repercussões dos nossos atos?
Assim, quais são os acontecimentos, as notícias e as mensagens compartilhadas, sem
uma análise crítica da sua parte, que estão permitindo que você se torne uma pessoa
ruim?
Lembre-se que antes de pertencermos a um grupo de Whatsapp e ter um perfil numa
rede social somos seres humanos com a beleza da nossa individualidade e livre arbítrio.
Utilize essas ferramentas para engrandecimento desses dois pontos que compõem o
seu ser, fazer parte da humanidade e ser um indivíduo de características únicas.
Devemos sempre lembrar que o universo virtual não é um ambiente “separado” da
nossa realidade, muito pelo contrário. Nesse sentido, qual a fronteira que separa os seus
atos daqueles praticados por Eichmann? Quantos indivíduos tem a imagem manchada
(quando muitas vezes arruinada) por falsas informações e momentos íntimos
compartilhados por “todos” no ambiente digital. Hanna Arendt afirma que “o maior mal
perpetrado é o mal cometido por Ninguém, isto é, por um ser humano que se recusa a
ser pessoa.”.
Reflita se suas ações são fruto de suas opiniões e pensamentos ou se você anda seguindo
o fluxo de uma multidão que simplesmente replica comportamentos sem nenhum tipo
de questionamento ou de análise das consequências.
Fontes:
 André Duarte. O pensamento à sombra da ruptura: política e filosofia em
Hannah Arendt. São Paulo: Paz e Terra, 2000.
 Hannah Arendt. Compreender: formação, exílio e totalitarismo. Belo Horizonte
(BH): Companhia das Letras/Editora UFMG; 2008;
 José Eduardo de Siqueira. Irreflexão e a banalidade do mal no pensamento de
Hannah Arendt. Revista - Centro Universitário São Camilo - 2011;5(4):392-400;
 Marcelo Andrade. A banalidade do mal e as possibilidades da educação moral:
contribuições arendtianas. Revista Brasileira de Educação v. 15 n. 43 , jan./abr.
2010.
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Felipe Tessarolo é Professor Universitário
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