TCC Cristiane Closs p dia 04

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UNIJUÍ - UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE
DO SUL
DHE – Departamento de Humanidades e Educação
Curso de Psicologia
CRISTIANE CLEDIR WEIZENMANN CLOSS
SUICÍDIO COMO SINTOMA SOCIAL: QUESTÕES SÓCIO-CULTURAIS E
PSICOLÓGICAS ENVOLVIDAS E A INTERVENÇÃO DA PSICOLOGIA
SANTA ROSA – RS
2015
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CRISTIANE CLEDIR WEIZENMANN CLOSS
SUICÍDIO COMO SINTOMA SOCIAL: QUESTÕES SÓCIO-CULTURAIS E
PSICOLÓGICAS ENVOLVIDAS E A INTERVENÇÃO DA PSICOLOGIA
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado ao
curso de Psicologia da Universidade Regional do
Noroeste do Estado do Rio Grande do SulUNIJUÍ, como requisito parcial para conclusão do
curso de Bacharel em Psicologia.
ORIENTADORA: SILVIA CRISTINA SEGATTI COLOMBO
SANTA ROSA - RS
2015
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AGRADECIMENTOS
Agradeço primeiramente e em especial ao meu esposo, companheiro de
todas e muitas horas, que dividiu comigo todo o meu percurso de formação, ora
como espectador, ora como ouvinte, ora como inspiração, ora como suporte...
As minhas colegas de trabalho que tantas vezes sacrificaram sua rotina de
trabalho para que eu pudesse organizar meus estudos adequadamente.
As todas as colegas de curso, companheiras de formação tanto acadêmica
quanto para vida... Não poderia deixar de agradecer em especial a Cristiane Theisen
e Fernanda Kunkel.
Aos professores que compartilharam seus conhecimentos comigo e também
sua atenção e carinho. Servirão sempre de exemplo e inspiração para o exercício da
profissão.
A psicóloga Rose Maili Weiler Johann pelo exemplo profissional que
representa para mim e por todo o conhecimento, auxílio e carinho para comigo
enquanto fui sua estagiária.
A família e amigos, que de uma ou outra forma participaram auxiliando e
apoiando a minha formação.
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―Há uma morte que vem de fora e uma morte que cresce por dentro.
Cada uma delas produz uma dor diferente.”
Rubem A. Alves
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RESUMO
Este trabalho busca investigar o suicídio e sua dinâmica, devido ao significativo
aumento mundial das taxas de suicídio na atualidade, revelando-se assim um
sintoma social. Inicialmente, serão realizados estudos com o intuito de conhecer a
problemática investigada e todo o seu contexto, especialmente quanto às
contribuições/conhecimentos que a psicologia e a sociologia têm construído ao
longo do tempo que possam nos auxiliar em sua compreensão e posterior criação de
estratégias de controle e prevenção. Em um segundo momento, será tema de
investigação a atuação dos profissionais da área da saúde que estão
constantemente confrontados com esta problemática, especialmente o profissional
psicólogo que faz parte desta equipe. Quanto à intervenção do psicólogo, esta
receberá atenção especial bem como o impacto pessoal e profissional que incide
sobre ele em caso de suicídio de um paciente.
PALAVRAS-CHAVES: sofrimento psíquico; morte; psicologia; sociedade.
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SUMÁRIO
INTRODUÇÃO............................................................................................................06
1. COMPREENDENDO O SUICÍDIO..........................................................................09
1.1 A DINÂMICA DO SUICÍDIO..................................................................................09
1.2 O SUICÍDIO SOB O OLHAR DA PSICOLOGIA E DA SOCIOLOGIA...................11
2. INTERVENÇÃO PROFISSIONAL.......................................................................25
2.1 O TRABALHO DA EQUIPE DE SAÚDE FRENTE AO SUICÍDIO........................27
2.2 IMPACTO PROFISSIONAL DO SUICÍDIO PARA O PSICÓLOGO.....................34
CONSIDERAÇÕES FINAIS.......................................................................................40
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS..........................................................................43
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INTRODUÇÃO
Um problema surge em determinado momento histórico, cada tempo possui
suas próprias problemáticas. No instante que um problema se apresenta para nós,
se torna pertinente estudá-lo, pois na tentativa de resolvê-lo é necessário,
primeiramente, ter conhecimento sobre ele. Para isto, recorremos ao conhecimento
sobre o assunto e sobre temáticas relacionadas que já foram produzidos para que
sirvam como orientação aos nossos estudos e como suporte para adquirirmos e
produzirmos novos conhecimentos.
Os crescentes índices de suicídio no mundo são um problema. Um
problema, que se não tem uma solução definitiva, precisa ser estudado de modo que
possa nortear práticas e estratégias que corroborem para sua prevenção e
diminuição de ocorrência.
Diante da morte consumada não há mais o que se possa fazer, ela é
irreversível. Não há uma teoria que consiga captar a essência humana em todas as
suas faces e manifestações de modo a compreender todas as experiências
humanas. Portanto, não é possível compreender a totalidade da dinâmica do
suicídio, mesmo porque não há uma teoria universal que se aplique a todos os
casos de suicídio, pois quem poderia falar de forma sucinta a respeito do assunto
(seus reais motivos) seria o próprio sujeito que cometeu o ato.
Os motivos e a intensidade dos sentimentos envolvidos muitas vezes não
são compreendidos pelo outro pela falta de palavras que demonstrem sua
magnitude ou, quando são expressos, não recebem a devida atenção e importância
devido à insensibilidade do receptor. Pode haver também uma falta de
―sensibilidade, de capacidade‖ do suicida para falar sobre o assunto por estar
inserido em um ―momento confusional‖ de sua vida, no qual várias questões
problemáticas dificultam suas reações e tentativas de pedir auxílio, por vezes
inibidas pela culpa e vergonha que sente diante das ideações suicidas que
passaram a povoar seus pensamentos.
O fato de não haver um conhecimento integral e universal sobre o assunto
não impede que sejam feitas pesquisas e descobertas aplicáveis à problemática e
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que possam auxiliar,satisfatoriamente, na tentativa de sua compreensão. Para saber
mais sobre o assunto, a leitura de autores que dedicaram atenção especial a esta
problemática é fundamental. Neste sentido, as obras literárias do professor livredocente do Departamento de Psicologia Médica e Psiquiatra da Faculdade de
Ciências Médicas da Unicamp, médico e psicanalista, membro da Sociedade
Brasileira de Psicanálise de São Paulo,Roosvelt M. S. Cassorla (ou por ele
organizadas) receberão dedicação especial bem como algumas importantes obras
da Coleção Standart das Obras Completas de Sigmund Freud, médico- psicanalista
pai da psicanálise e, portanto, nome de referência quanto ao estudo e compreensão
dos fenômenos psíquicos.Autores que se basearam nas importantes obras
freudianas também terão suas contribuições valorizadas, como Jacques Lacan,
entre outros.
A abordagem sociológica do fenômeno do suicídio também é relevante, pois
traz contribuições importantes acerca da influência dos fatores sociais sobre a
problemática do suicídio. Emile Durkheim é considerado fundador da sociologia por
suas vastas contribuições a esta ciência. Ao abordar questões sobre a natureza do
fato social e sobre as leis da evolução da sociedade, ele se torna um autor de
referência para a presente pesquisa bem como os demais autores que o sucederam
e que se utilizam dos conhecimentos de suas obras e teorias como fonte de
conhecimento e suporte na construção de novos saberes.
Outros autores também colaborarão, ao longo do desenvolvimento deste
trabalho, com os conhecimentos que produziram; seus nomes serão citados quando
for pertinente.
Abordar a temática do suicídio não é tarefa fácil. O tema nos remete a nossa
finitude e, além disso, denuncia a presença de um mal-estar em nossa sociedade.
Tabu e preconceito são comuns contra aquele que ―é fraco, que não consegue
reagir, que não enfrenta os problemas, que não consegue se manter vivo/suportar‖...
Há algo errado e ninguém faz nada, ninguém intercede... Vivemos em um mundo
globalizado e interconectado, no qual cada indivíduo participa em maior ou menor
grau da sociedade e, portanto, do ato suicida cometido, já que fatores externos
sociais participam efetivamente no desamparo do sujeito: seja não reconhecendo o
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mal- estar da nossa civilização agindo sobre o sujeito ou não podendo evitar seu ato
final.
Portanto, vamos falar de suicídio?
É pertinente, devido ao aumento dos casos de suicídio no mundo, investigar
a dinâmica do suicídio, especialmente os fatores associados à sua ocorrência no
sentido de explicar como os sujeitos reagem ao sofrimento de maneiras distintas.
Porque um sujeito em sofrimento comete suicídio e outro em situação similar, não?
Outra questão relevante diz respeito ao trabalho desenvolvido pelo psicólogo frente
à tentativa ou ao ato suicida, tanto a respeito das suas intervenções junto ao sujeito
e a família quanto ao impacto profissional/ pessoal causado pela perda de um
paciente.
No decorrer desta pesquisa a relação dos fatores envolvidos na
problemática abordada será apresentada de forma mais concisa, de modo a
esclarecê-los melhor, em interface com o sujeito e seu ato. A dinâmica do suicídio
será alvo de estudos que visam obter informações que colaborem no entendimento
dos fatores internos e externos presentes no suicídio, agindo sobre o sujeito que o
comete, bem como as implicações do ato (tentativa ou suicídio) sobre a família e
sobre o profissional da saúde, o psicólogo.
Portanto, para a realização da pesquisa aqui pretendida, será utilizada como
metodologia a revisão bibliográfica de obras literárias que versam sobre o tema
abordado: suicídio. Por se tratar de um estudo relacionado a questões pertencentes
ao comportamento humano, ao íntimo do sujeito, a psicanálise freudiana será
tomada como base desta pesquisa pela significativa colaboração desta corrente
teórica no sentido de explicar sucintamente a dinâmica do comportamento, dos
afetos e das relações estabelecidas pelos sujeitos. Assim sendo, a teoria que orienta
e fundamenta a maior parte deste trabalho é a psicanálise.
Este trabalho será desenvolvido em dois capítulos: no primeiro, terá ênfase o
estudo da dinâmica do suicídio, o sujeito que comete este ato e os aspectos
psicológicos e sociais envolvidos. No segundo capítulo serão abordadas questões
referentes às intervenções dos profissionais da área da saúde e especialmentedo
profissional psicólogo junto a sujeitos que tentaram o suicídio ou com as famílias,
nos casos em que o suicida consumou o ato. Também se faz pertinente abordar os
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impactos profissionais e pessoais do suicídio de um paciente sobre o seu psicólogo
e as estratégias que podem nortear práticas de prevenção ao suicídio.
1.COMPREENDENDO O SUICÍDIO
―Começamos a morrer já no dia em que nascemos‖, diz uma frase
popularmente difundida. Nesta frase, esta implícita a ambiguidade da vida: estando
vivos, podemos num instante não estar mais, pois vida e morte são duas linhas
tênues paralelas que nunca se encontram: ou estamos na linha da vida ou
passamos (sem que haja possibilidade de retorno) para o outro lado, o da morte.
Biologicamente falando, nosso corpo é um organismo que caminha em direção ao
seu colapso, havendo um ―tempo de funcionamento‖ que desconhecemos. Podemos
também fazer referência não à morte real, mas a morte simbólica que perpassa
nosso cotidiano quando situações e conflitos nos levam ao sofrimento, ―matandonos‖ em nosso íntimo, ceifando nossa alegria em estarmos vivos.
1.1 A DINÂMICA DO SUICÍDIO
As frustrações, o desamparo, as angústias, a solidão e sentimentos de
impotência, de culpa... são fontes de sofrimento com as quais o sujeito
contemporâneo
se
defronta
constantemente.
Alguns
sujeitos,
apesar
das
dificuldades encontradas, conseguem conviver razoavelmente bem com suas
problemáticas, conseguindo compreender que são situações que apesar de
indesejáveis são comuns à vida; outros buscam e conseguem efetuar mudanças e
solucionar seus problemas...
Mas há aqueles que reagem de forma extrema frente aos desafios do
cotidiano, apresentando baixa tolerância a eles... Quando não são encontradas
alternativas que solucionem as problemáticas ou quando não é possível vislumbrar
outra alternativa para algum impasse, o suicídio passa a ser cogitado como
possibilidade de sanar o sofrimento gerado pelo problema.
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Enquanto muitas pessoas temem a morte, procurando adiá-la o máximo
possível, contando para isto com os avanços tecnológicos e especialmente da
medicina, há outras que procuram a morte, perseguindo-a para que ela os tome com
o intuito de que juntamente com o fim da vida venha o fim de seu sofrimento.
No dia em que nascemos somos inseridos em uma relação de finitude com a
vida, pois vida e morte estão em uma relação, lado- a- lado: ―para morrer basta estar
vivo‖. No início de nossa jornada neste mundo, o instinto de sobrevivência nos
impulsiona para a vida e para a sua manutenção. Este instinto é inato, a vontade de
viver está intrínseca no ser humano, pois o nascimento de um bebê já revela um
desejo pela e para a vida. No bebê, os reflexos lhe dão o suporte básico necessário
para expressar suas necessidades (primeiramente fisiológicas e de afeto) e assim
pedir/demandar ao outro que o auxilie com seu cuidado e seu olhar a mantê- lo vivo
e a contribuir para a continuidade do seu desenvolvimento.
Até que este sujeito que acabou de nascer consiga, minimamente, saber
sobre si, sobre o outro e sobre o mundo é quase impossível afirmar que ele se
questione quanto a sua vontade de viver, visto que ele ainda está aprendendo,
conhecendo o que é a vida e o que representa estar em tal condição de interação
com o mundo e com os demais sujeitos. Em decorrência dos processos de
desenvolvimento biológico, psicológico e social, o sujeito passa a adquirir esta
capacidade de questionamento.
Assim sendo, podemos supor que os fatores que participam ou influenciam
para que o sujeito efetue uma tentativa ou concretize o suicídio, estão
intrinsicamente ligados ao modo como se deu o seu desenvolvimento, seu processo
de subjetivação, sua percepção de si e da cultura/ sociedade que corroborou para
sua constituição psíquica.
Desse modo, como o desenvolvimento não ocorre de forma idêntica de um
sujeito para o outro, podemos supostamente explicar o motivo das diferentes
respostas individuais frente à problemáticas idênticas, quando cada sujeito
compreende e a responde de forma particular. O que para um sujeito pode ser uma
situação trivial/banal, para outro pode desencadear um sofrimento tão intenso que
somente a morte é tida como solução para o término de tal sofrimento.
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Os
fatores
externos
que
influenciam
e
que
moldam
os
fatores
internos,resultantes do processo de desenvolvimento, podem contribuir para que o
sujeito não esteja apto a reagir e enfrentar as problemáticas da vida que outros
sujeitos melhor estruturados psiquicamente tomariam para si de outro modo, sem
desencadear um sofrimento excessivo e fatal, culminando em suicídio.
Um sujeito com uma constituição psíquica bem equilibrada tem melhores
condições de ―encontrar‖ soluções diversas e assertivas na resolução de suas
questões (não precisando recorrer ao suicídio) ou até mesmo estabelecendo
vínculos afetivos pessoais mais consistentes que poderão servir- lhe de suporte nas
situações conflitantes que perpassam seu cotidiano.
Quando um sujeito comete suicídio é frequente o questionamento acerca
das motivações que o levaram a tal ato. Diferentemente do senso comum, que
busca respostas quase adivinhatórias ou daqueles que não possuem ―conhecimento
de causa‖, é preciso uma análise mais profunda do sujeito e do contexto no qual o
suicídio se concretizou. Embora seja um ato individual, o sujeito tira a sua vida, ele é
resultado e repercute no âmbito social. Nesse sentido, determinantes externos e
internos se intercalam no sujeito ao longo do tempo, o histórico do desenvolvimento
humano que engloba as relações, desde a infância com o outro e com o mundo, tem
relação com o suicídio.
1.2 O SUICÍDIO SOB O OLHAR DA PSICOLOGIA E DA SOCIOLOGIA
A psicologia é uma ciência cujo objeto de estudo não tem um nome
específico, mas uma diversidade de nomenclaturas de acordo com o enfoque das
distintas áreas que a compõem, pois segundo Bock (2009) essa diversidade de
objetos existe porque os fenômenos psicológicos são muitos e complexos havendo,
por vezes, a necessidade de seu estudo por partes: o comportamento humano, o
inconsciente, a consciência, a personalidade ou a subjetividade.
Esta autora toma a subjetividade como objeto de estudo da psicologia. Para
nós é pertinente seu estudo, pois nos auxilia na compreensão do ser humano e
como a subjetividade tem relação com o suicídio:
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A subjetividade é a síntese singular e individual que cada um de nós vai
constituindo conforme vamos nos desenvolvendo e vivenciando as
experiências da vida social e cultural. (...). Em síntese- a subjetividade- é o
mundo de idéias, significados e emoções construído internamente pelo
sujeito a partir de suas relações sociais, de suas vivências e de sua
constituição biológica; é, também, fonte de suas manifestações afetivas e
comportamentais (BOCK, 2009, p.22-23).
A subjetividade tem íntima relação com o modo de ser, pensar, agir e sentir
de um sujeito. Portanto, a constituição subjetiva está vinculada ao modo como o
sujeito se coloca nas relações que estabelece com o mundo que o cerca e com os
demais sujeitos, bem como interfere em suas capacidades de enfrentamento de
problemáticas da vida cotidiana. Pensar a subjetividade pode nos auxiliar na
compreensão das especificidades individuais que corroboram para que um sujeito
cometa suicídio, ou não, diante de intenso sofrimento.
Freud (1915) também busca compreender os fenômenos do psiquismo
humano. Em suas obrasele não se dedica especificamente a escrever sobre
suicídio, mas fala sobre a morte. Para falar da morte, em 1915, ele escreve
―Reflexões para os tempos de guerra e morte‖ onde discorre sobre a perturbação
humana diante da ideia da própria morte, pois:
Revelávamos uma tendência inegável para pôr a morte de lado, para
eliminá-la da vida. Tentamos silenciá-la (...). De fato, é impossível imaginar
nossa própria morte e, sempre que tentamos fazê-lo, podemos perceber
que ainda estamos presentes como espectadores. Por isso, a escola
psicanalítica pôde aventurar-se a afirmar que no fundo ninguém crê em sua
própria morte, ou, dizendo a mesma coisa de outra maneira, que no
inconsciente cada um de nós está convencido da própria imortalidade.
( p.299).
Neste trechopodemos perceber o apego humano à vida e a dificuldade em
aceitar e conviver com a certeza da finitude humana tanto que ―no inconsciente nada
existe que possa dar algum conteúdo a nosso conceito da aniquilação da vida‖, diz
Freud em 1915. Podemos pensar que as motivações que conduzem o sujeito ao
suicídio vão contra a ―natureza humana‖ que não busca a morte, mas a sua
negação.
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Freud, em 1930, no livro ―O mal- estar na civilização‖ fala sobre fatores que
impedem nossa felicidade, nos causando sofrimento e consequentemente podendo
estar atrelados ao suicídio, caso o sujeito não tenha capacidade de reagir frente à
infelicidade:
Assim, nossas possibilidades de felicidade sempre são restringidas por
nossa própria constituição. Já a infelicidade é muito menos difícil de
experimentar. O sofrimento nos ameaça a partir de três direções: do nosso
próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução, e que nem mesmo
pode dispensar o sofrimento e a ansiedade como sinais de advertência; do
mundo externo que pode voltar- se contra nós com forças de destruição
esmagadoras e impiedosas; e, finalmente, de nossos relacionamentos com
os outros homens. O sofrimento que provém dessa última fonte talvez nos
seja mais penoso que qualquer outro. Tendemos a encará-lo como uma
espécie de acréscimo gratuito, embora ele não possa ser menos
fatidicamente inevitável do que o sofrimento oriundo de outras fontes ( p.85).
Embora não bem aceito e tolerado, o sofrimento e a infelicidade permeiam a
vida humana... Tais afetos podem tornar as pessoas mais fortes e resistentes às
condições desfavoráveis ou até mesmo mais frias e indiferentes, quando ocorre um
apagamento das respostas diante do que é hostil a elas ou aos demais.
Na atualidade, os males que acometem nossa sociedade e que
consequentemente se estendem aos seus integrantes são muitos: há um processo
rápido e contínuo de transformações nas relações humanas, seja no trabalho ou
mesmo na vida pessoal. A tradição está em declínio, ocasionando a perda das
referências e da segurança que outrora se encontravam nela. A comunicação se
desenvolveu muito, a troca de informações é maciça e intensa, mas a solidão, as
dificuldades afetivas e as pressões do mundo capitalista que exigem e estimulam o
consumo, a competição, a ostentação, as boas aparências, a jovialidade... tem
impacto negativo sobre os afetos que ficam superficiais e desencadeiam um
sentimento de vazio, de perda, de não completude. Há uma espécie de luta de todos
contra todos sem um objetivo específico que determine a vitória, pois os objetivos
são colocados de forma a serem inatingíveis para que mobilizem os sujeitos em sua
busca e assim consequentemente, satisfaçam seus perversos idealizadores.
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O suicídio, na perspectiva do trabalho aqui desenvolvido, é tomado como um
sintoma social. Bellini (1998, p. 248) utiliza a obra lacaniana para falar de sintoma
social:
Lacan já dizia que todo sintoma é social. E isso pode ser apreendido na
medida em que percebemos o quanto uma rede discursiva nos enlaça e
organiza formas de expressão singulares em cada cultura. Quando alguém
nasce, é perpassado por uma rede de representações pré-existentes que,
através da linguagem, o inserirá e o produzirá como um efeito daquela
cultura. Entendo o caráter de transubjetividade do qual Lacan fala quando
se refere ao inconsciente como exatamente isso: nossa subjetividade nos
transcende, é Outra, é extrínseca a nós. O sintoma social dominante em
uma dada cultura será, pois, a formação substitutiva predominantemente
articulada dos elementos constitutivos e significantes que, após o recalque,
não têm mais acesso à consciência, só o fazendo por meio de
representantes.
O suicídio pode ser tomado como sintoma social na medida em que é
resultante, na maioria dos casos, de um descompasso entre as exigências sociais e
culturaise as possibilidades e necessidades dos sujeitos que a ela estão
vinculados.É o sintoma que expressa de forma mais intensa e visível o mal-estar
presente em nossa sociedade que é resultante de uma busca constante de
completude, de satisfação, de felicidade, de responder satisfatoriamente aos ideais
da nossa cultura:
O sintoma é, pois, uma formação substitutiva que tenta dar conta da
incompletude, do buraco ao redor do qual estamos constituídos
simbolicamente. Mas para que o sintoma seja social, há necessidade de um
laço de identificação entre os sujeitos (BELLINI, 1998, p. 249).
A insatisfação com a vida e a busca pela felicidade plena são
compartilhados pelos sujeitos através do discurso social que isto preconiza. Na
contemporaneidade, o discurso capitalista é dominante. Na medida em que se criam
necessidades também se criam alternativas ilusórias que visam satisfazê-las,
especialmente pela aquisição de produtos e serviços. ―Busca-se materializar e
vender/indicar/nomear o falo imaginário‖, no entanto, o que falta, ‖o falo‖, está
continuamente mudando de lugar e mobilizando os sujeitos em uma busca contínua,
sem sucesso, frustrante.
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O modelo de vida que perpassa o cotidiano em nossa sociedade está
baseado no consumo, o imperativo é consumir. Embora cada sujeito tenha suas
peculiaridades subjetivas, o discurso social no qual ele está imerso não o perpassa
sem deixar marcas, sem influenciá-lo de algum modo. O que é individual também é
da ordem do social, ou seja, os representantes do falo fazem questão aos diferentes
sujeitos da cultura que os engendrou: cada cultura/sociedade produz seus próprios
representantes do falo.
Embora Freud (1923) tenha inicialmente relacionado o conceito de falo com
o órgão sexual masculino (que falta às mulheres, causando nelas a inveja do pênis
do homem), este conceito revela um sentido metafórico. O falo equivale aquilo que,
na concepção de cada indivíduo ou na concepção que o discurso social produz, faz
falta ao sujeito impedindo sua completude e barrando o acesso a sua plena
realização pessoal, daquilo que está colocado como imprescindível à sua felicidade
e a satisfação plena de suas necessidades.
Ao introduzir o conceito de falo nesta nova concepção, Freud remete a
insatisfação presente no cotidiano humano que se confronta constantemente com
ilusórias tentativas de ―apaziguar‖ o mal-estar que esta incompletude provoca. Além
de estarmos confrontados com a falta, também estamos cotidianamente em luta no
nosso psiquismo para nos mantermos vinculados à vida, apesar das dificuldades.
Em nosso psiquismo as pulsões de vida e de morte estão em duelo contínuo, no
qual a pulsão de vida busca manter sua supremacia sobre a pulsão de morte.
Neste sentido, Cassorla (1991, p. 18-19) faz referência à psicanálise
freudiana para falar sobre suicídio, utilizando para tal a pulsão de morte:
O leitor já deve ter percebido que meu conceito de suicídio é bem amplo.
Ele tem que ver, em parte, com teorizações freudianas dos conceitos
freudianos de pulsão de morte. Penso que essa pulsão está presente em
todos nós e pode manifestar-se não somente no ser humano individual
como também em grupos e sociedades maiores. (...). Em resumo: existe
uma luta constante entre vida e morte. No ser humano individual, essa
última acaba sempre vencendo. Mas, em termos de espécie, a vida
continua. Não sabemos até quando... Nem como ela começou. Aqui a
ciência deixa-nos exasperados com suas limitações, e somos obrigados a
encontrar outros referenciais: a fé, a religião, as ideologias, a própria
―ciência‖ como religião etc. Não suportamos o não- saber...
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A luta pela vida, pela sua qualidade e pela sua manutenção são constantes,
pelo menos deveriam ser. É a pulsão de vida que nos mantêm lutando pela nossa
sobrevivência, mesmo nos períodos difíceis da vida. A pulsão de vida está
continuamente em luta contra a pulsão de morte visto que esta pulsão busca tornar
a excitação nula, devolvendo ao corpo uma espécie de inércia e completude,
experimentadas por nós humanos apenas na vida intra-uterina quando nada parecia
nos faltar. Embora a pulsão de morte sempre acabe vencendo sobre a pulsão de
vida, visto que nossa existência ruma ao encontro da sua finitude na morte, é
incomum que este processo seja apressado, que esta finitude seja almejada e que
as ações humanas sejam planejadas e executadas de modo a diminuir o tempo de
vida do ser humano.
As motivações envolvidas em um ato suicida variam de pessoa para pessoa,
mas a presença de intenso sofrimento é fator comum. Cassorla dá continuidade a
sua análise do suicídio baseada na obra freudiana, fazendo uma interpretação de
forma bastante sucinta das motivações envolvidas e por isto será citada:
Principalmente a partir de estudos psicanalíticos pôde-se concluir que o ato
suicida tem várias funções, que vão depender de cada indivíduo e situação.
De uma forma geral, o suicida está tentando fugir de uma situação de
sofrimento que chega às raias do insuportável. Esse sofrimento é,
geralmente, indescritível com o vocabulário que temos. Mas palavras como
medo da loucura, do aniquilamento, da desintegração etc, às vezes
pronunciam-se junto com a manifestação de uma angústia imensa. Outras
vezes a isso se soma uma desesperança, uma tristeza incomensurável,
uma melancolia, em que nada mais vale a pena. A morte é vista como uma
solução- não porque se deseje a morte, mas porque a vida se torna
insuportável. (...). O leitor pode estender, sem receio, esse raciocínio a
outros tipos de tortura: a fome, o desemprego, a violência contra a
dignidade humana. Felizmente a maioria resiste a essas torturas e esperase que a força da vida os faça lutar contra elas.
Mas quase sempre a tortura é principalmente interna. Vem de dentro da
mente do indivíduo e tem que ver com a imensidão de fatores que citei e
que se mesclam e interferem entre si.
Isto nos leva a um aspecto básico: o suicida não quer morrer- na verdade
ele não sabe o que é a morte. Aliás, ninguém sabe. O que ele deseja é fugir
do sofrimento. As fantasias inconscientes que o psicanalista encontra em
relação ao que seria a morte são muito variáveis (...). (CASSORLA, 1991,
p.21-22)
Ao analisarmos esta citação podemos nos questionar acerca das
particularidades individuais responsáveis pelas distintas respostas às problemáticas
apontadas. Neste sentido, a obra freudiana também pode nos servir de suporte, pois
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nela há uma valiosa contribuição teórica a respeito do processo de desenvolvimento
psíquico humano, trazendo referências para compreender a subjetivação do sujeito
para que este se constitua como tal e possa participar das trocas simbólicas.
É o modo como o sujeito é acolhido que irá determinar suas respostas diante
da realidade circundante. Quando, ao nascer, o bebê humano recebe o devido
cuidado e suporte em seu desenvolvimento, seu psiquismo se estrutura de forma
adequada, seu ego se constitui satisfatoriamente. Nos casos em que isto não ocorre,
Stein (2008, p.24) diz que ―Quem tem uma estrutura de ego frágil, pode não suportar
uma grande perda ou um momento de crise e, num impulso, acaba cometendo o
suicídio‖.
Para colaborar com esta conclusão, ela recorre à psicanálise freudiana e
acrescenta:
O ego se constitui a partir dos primeiros vínculos afetivos, do modo com que
o bebê foi cuidado pelas figuras de apego e da educação que a criança
recebeu. Um ego fraco não tolera a frustração, nem tem capacidade de
espera, não suporta lidar com a impotência, nem com os limites que a vida
lhe impõe (STEIN, 2008, p.24).
Os primeiros vínculos humanos são referência para o sujeito e vão servir de
modelo para as demais trocas que ele estabelecerá ao longo da sua vida. Na
medida em que estes vínculos primários tiverem se estabelecido satisfatoriamente, a
tendência é que este sujeito seja capaz de estabelecer uma rede relacional que o
sustente psiquicamente, servindo-lhe de suporte em situações cotidianas adversas,
causadoras de sofrimento.
O modo como a constituição psíquica se dá no sujeito é para a psicanálise,
fator determinante envolvido no suicídio, pois é a partir dela que o sujeito constrói
seu modo particular de estar em relação com os seus semelhantes e com a
sociedade/cultura que o envolvem. Isto também poderia explicar porque os sujeitos
com problemáticas idênticas reagem e respondem a elas de maneiras distintas.
A Sociologia pode auxiliar a Psicologia no entendimento dos fenômenos
psíquicos/ comportamentais. Esta ciência se ocupa do estudo do comportamento do
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ser humano em relação ao seu meio e em relação às interações que estabelece com
os demais indivíduos da sociedade. No entanto, para a sociologia, os fatores sociais
adquirem maior relevância do que os fatores intrapsíquicos nos casos de suicídio:
Numa abordagem mais social do suicídio, acredita-se que ele não pode ser
explicado pelas motivações individuais, pelo menos não exclusivamente,
mas que elas estão associadas a fatos sociais que transcenderiam a esfera
da vida pessoal e dependeriam de forças exteriores ao indivíduo presentes
na dinâmica dos valores e padrões da cultura de determinada sociedade.
(CASSORLA, 1991, p.91)
Nesta
abordagem
os
fatores
psicológicos
individuais
não
são
negligenciados, mas os fatores sociais recebem maior consideração visto que
preexistem ao sujeito, ou seja, o sujeito é introduzido na sociedade que já existia
antes dele mesmo e que continuará a existir mesmo após ele, transcendendo-o.
Neste sentido, os fatores que poderiam conduzir o sujeito ao suicídio estão
presentes desde seu nascimento, embora cada sujeito se aproprie de forma
particular dos mesmos.
Interações sociais, suicídio e demais questões pertinentes a estes assuntos
são temas de estudodo sociólogo Durkheim (1858-1917) que em 1897 publica ―O
suicídio‖, conceituando-o:
Chama-se de suicídio todo caso de morte que resulta direta ou
indiretamente de um ato, positivo ou negativo, realizado pela própria vítima
e que ela sabia que produziria esse resultado. A tentativa é o ato assim
definido mas interrompido antes que dele resulte a morte (p.14).
Embora não se possa negar a validade do conceito elaborado por
Durkheim podemos questionar acerca do real entendimento do sujeito suicida com
relação à consciência de seu ato, visto que um sujeito em situação de sofrimento
intenso pode, em alguns casos, não ter o devido discernimento acerca dos
complexos resultados de seus atos. O sofrimento que chega ao nível do insuportável
pode bloquear a capacidade do sujeito em calcular a dimensão de suas ações.
19
A morte auto-infligida é o último ato de um sujeito que não acredita mais no
futuro e que não tem mais esperanças em relação ao fim de seu sofrimento. É a
última vontade de um sujeito que já não tem mais controle sobre sua vida, sobre os
rumos que ela tomou. Meleiro(2011, p. 1) escreve:
Suicídio é a trágica e intempestiva perda de vida humana. O mais
devastador e perplexo de tudo é que é representado por um ato da vontade.
A palavra suicídio deriva do latim e significa: sui= si mesmo e caedes= ação
de matar, isto é, a morte de si mesmo. Os atos suicidas são definidos como
comportamentos potencialmente autolesivos com evidência de que a
pessoa pretendia se matar. O resultado de um ato suicida pode variar desde
a não ocorrência de lesão até a morte. São subdivididos em tentativas de
suicídio e suicídio (completo ou exitoso). As tentativas de suicídio são
classificadas como sendo com ou sem lesão.
Independentemente do êxito ou não do ato suicida, o que é inegável é a
presença de um sofrimento intenso que imobiliza a capacidade do sujeito de
enfrentar as problemáticas da vida e o suicídio aparece como meio eficiente de por
fim ao sofrimento.
O suicídio, ao contrário de nossa sociedade, não tem preconceitos quanto a
gênero, idade, classe social, raça, credo/religião, filiação partidária, localização
geográfica, peso, altura... É problemática presente desde os primórdios de nossa
civilização e que vem aumentando progressivamente acompanhando o aumento dos
índices demográficos, mas em especial, os negativos índices de qualidade de vida
de um contingente cada vez maior de seres humanos.
Enquanto a população mundial tem aumentado ano após ano e
desencadeando uma preocupação mundial quanto à quantidade de recursos
naturais e materiais necessários à manutenção destas vidas, pouca tem sido a real
preocupação quanto à qualidade de vida dos sujeitos que hoje povoam o planeta. O
acesso aos recursos materiais é sobreposto aos recursos simbólicos que tem se
tornado cada vez mais imprescindíveis e escassos em nossa sociedade.
Em uma sociedade capitalista sustentada pelo consumo de bens e serviços
as relações humanas se tornam superficiais, a ideia de bem estar comum é relegada
a um segundo plano, pois o individualismo se sobressai ao comprometimento com o
outro. A fragilidade do laço social tem contribuído significativamente para a
20
desesperança na vida, pois para muitos seres humanos a vida cotidiana ainda está
pautada nas trocas/ relações com seus semelhantes.
A fragilidade dos vínculos relacionais não está presente somente na esfera
social. A dinâmica familiar também tem sentido os reflexos de uma sociedade cada
vez mais desenvolvida cientifica e tecnologicamente, mas que padece de referências
simbólicas e vínculos consistentes.
Outeiral (1994) conclui que a família patriarcal de outrora vem sofrendo
significativas mudanças em sua estrutura e função. O modelo familiar patriarcal pode
ser entendido como um ―modelo, uma forma de estruturação/organização familiar‖
na qual o pai (patriarca) detém o poder, é a referência a ser ouvida e seguida, ele é
―o chefe da família‖ que está sob seu comando, proteção e responsabilidade. Essa
estruturação familiar reúne vários graus de parentesco (primos, tios, avós...) que
estão geograficamente próximos e geralmente estabelecendo ligações econômicas
entre seus membros. Também se observa uma maior e mais complexa rede de
relações/vínculos que são muito valorizados e respeitados, há um compromisso com
o bem- estar de todos os seus componentes, ou seja, há uma ―rede familiar de
apoio‖ e várias referências identificatórias que auxiliam no processo de
desenvolvimento psíquico dos mais jovens, dando lhes o suporte necessário.
Trata-se de um modelo que está perdendo seu lugar como referência de
padrão de organização familiar devido às mudanças políticas, sociais, culturais e
econômicas. Atualmente, a estrutura familiar nuclear vem tomando o lugar da família
patriarcal caracterizando-se por organizações familiares distintas e cada vez com
menos membros que em geral moram distante de sua família de origem, há pouco
contato e as relações de parentesco ficam enfraquecidas e quando a família ainda
possui os dois genitores, estes estão ambos inseridos no mercado de trabalho.
Não se trata de produzir aqui um julgamento de valor quanto ao melhor
modelo familiar, mas de enfatizar a relação das mudanças no contexto familiar com
a constituição psíquica dos sujeitos tendo como referência a família. O que se pode
dizer, é que nas famílias de modelo patriarcal havia maiores possibilidades de
intercâmbio entre diferentes sujeitos que mantinham entre si fortes vínculos afetivos,
21
contribuindo assim para um processo de estruturação e subjetivação mais
satisfatórios.
A família patriarcal ou nuclear é responsável pela constituição psíquica de
seus membros. Portanto, sujeitos que receberam o adequado suporte familiar em
seu processo de desenvolvimento físico e psíquico, tem melhores condições de
enfrentamento das problemáticas da vida e podem contar com uma rede familiar de
apoio em situações de sofrimento.
Quando um sujeito comete suicídio este ato tende a desencadear inúmeras
manifestações familiares, pois o suicídio revela que algo não estava bem no familiar
suicida e talvez na própria família haviam problemas negligenciados. É comum que
os membros familiares remanescentes culpabilizem-se a si mesmos ou aos outros
familiares pelo sofrimento do suicida e até mesmo por não terem tido a capacidade
de ajudar ou identificar a dimensão do sofrimento existente. As especulações das
motivações que levaram o membro familiar ao suicídio e os conflitos que surgem
costumam acentuar ainda mais o sofrimento familiar e a promover a fragilização ou
até mesmo a ruptura de vínculos.
O impacto inicial do suicídio na família é muito intenso, como não poderia
deixar de ser. No entanto, com o passar do tempo e com a elaboração do luto, a
família precisa reorganizar sua dinâmica, fortalecer os vínculos e atualizar os
projetos de vida de seus membros nos quais o suicida já não poderá mais participar.
Outro aspecto a se mencionar diz respeito às pessoas que não são próximas
ao suicida e que ao saberem de um ato suicida ficam chocadas, tristes e/ou
solidárias, mas passado algum tempo o ato é ―esquecido‖. Talvez, em uma tentativa
de evitar maiores reflexões acerca do sofrimento que levou o sujeito ao suicídio ou
talvez por estarmos nos habituando às tragédias da vida e este ―esquecimento‖ seria
uma forma de defesa contra o medo e a possibilidade de um ―contágio dessa
desesperança na vida‖.
Será que continuaremos sensíveis aos suicídios na medida em que eles
vêm aumentando e se tornando mais frequentes em nossa sociedade? O suicídio
está transformando-se no mal/doença atual, num estágio subseqüente à depressão
sobre a qual muito se fala mas pouco parece ser feito em termos de reação e
conscientização social acerca da problemática que ela denuncia: há um
22
descompasso das capacidades e necessidades pessoais com as exigências sociais;
há uma não adequação de um para com o outro.
Compartilhando com este sentimento de inquietação diante da inércia de
nossa sociedade frente ao mal-estar que permeia a condição humana, Mendes e
Werlang (2014, p.133) alertam para a insensibilidade presente no julgamento de
valor de uma vida, naturalizando o suicídio e incluindo-o à vida cotidiana como se
fosse algo banal:
Tratar do tema autoextermínio pelo suicídio é tratar do humano, da vida e de
como esta vida vem sendo colocada em risco. A vida, em alguns espaços,
tem sido duramente atacada. Todavia, a blindagem não nos permite
reconhecer o que há nessas terras de ninguém, nessas zonas em que a
morte chega de mansinho e vai levando um após outro. Morrem três
pessoas ao dia por suicídio no Rio Grande do Sul. É possível pensar essa
situação como dentro da normalidade? Dentro do esperado?A situação de
normalidade e aceitação cotidiana, a falta de indignação ética não raras
vezes impede que práticas violentas sejam questionadas e, ademais, que
tais práticas continuem sendo tratadas como normais, regulares, dentro do
padrão, do ―sempre foi assim‖ ou, então, banalizadas como afirma Arendt,
sendo incorporadas à vida cotidiana.
Embora as autoras dediquem especial atenção aos suicídios em regiões
interioranas do Rio Grande do Sul, o sofrimento humano não faz distinções entre
moradores do campo ou da cidade e nem existem barreiras geográficas que o
contenham. Do mesmo modo, a questão da naturalização do suicídio não se
restringe somente a estas regiões interioranas, pois a falta de sensibilidade em
relação ao sofrimento alheio e a incapacidade de mensuração das perdas
envolvidas na morte auto-infingida estão amplamente disseminadas.
Esta indiferença quanto ao valor incalculável de uma vida traz à tona o
caráter egoísta do individualismo. A preocupação exacerbada com a própria vida,
sem pensá-la vinculada ao outro demonstra que embora muito se pregue a extinção
da dicotomia indivíduo- sociedade, ela inda persiste.
Muito se ouve falar que ―a depressão é o mal do século‖. Talvez estejamos
mesmo ouvindo (com nossos ouvidos), mas não escutando (com a devida
sensibilidade) a dimensão do problema que soa como um alarme em nossa
sociedade, ecoando o modo como a sociedade e os sujeitos estão se relacionando.
O eco é uma repetição de um som, de um discurso que volta para aquele que o
23
emite, mas que também pode ser ouvido por aqueles que estão ao seu redor, no seu
meio.
O suicídio é o eco de alguém que falou/discursou, mas não foi escutado,
restando- nos apenas o eco, sua ressonância e aqueles que partilharam do que o
sujeito discursava para podermos entender o que aquele sujeito queria nos dizer.
O sujeito executa o ato (suicida) porque a palavra não lhe bastou, ela não
conseguiu exorcizar do corpo o seu sofrimento e assim sendo, é com o seu corpo
que ele irá padecer. O sujeito psíquico é indissociável de seu corpo e qualquer
ato/agressão que inflige a ele revela algo do seu psiquismo: o ato suicida, portanto,
é uma forma de simbolização, de se fazer ouvir pelo próprio corpo. Stein (2008 apud
RAMALHO, 2001, p.26) destaca que―Assim, a tentativa de suicídio, ao invés de um
apagamento do sujeito, parece consistir, paradoxalmente, em uma tentativa última
de inscrição.‖
Conforme nos diz Schmatz (2007, p.12), o homem moderno não está se
sentindo feliz com a sua sorte, com o seu lugar na sociedade que vem registrando
um aumento no número de suicídios, o que expressa e prova que certos traços,
talvez até patológicos, estão constituindo a atual organização da vida: o homem não
possui mais referências nem certezas, há uma grande insegurança pelas mudanças
rápidas e gigantescas que vem ocorrendo; não há a possibilidade pessoal e
financeira de ter acesso a tudo que é necessário a manutenção da sua circulação e
aceitação
social.
O
individualismo
se
sobrepõe
as
relações
grupais,
a
competitividade dos mercados financeiros se estende às relações com os sujeitos
buscando sobressaírem-se aos demais, a família está em um processo de
desagregação e de desapoderamento na orientação e suporte de seus membros.
Mulheres e homens buscam seus espaços...
Já no ano de 1966, em um dos primeiros trabalhos brasileiros acerca do
suicídio, embora com uma visão sociológica inspirada no sociólogo Durkheim, Rosa
aborda o suicídio em relação ao desenvolvimento humano problemático da
personalidade atrelado às relações humanas em sociedade, falando especialmente
dos males que a acometem e ao sujeito por consequência:
24
A personalidade se cria e se desenvolve através das vivências numa
sociedade. Decorre, portanto, do meio social que a envolve e a condiciona
desde os primeiros momentos. Dessa maneira, forma- se através da
incorporação de um sistema de relações, constituindo uma organização de
atitudes, hábitos, valores, desejos, conhecimentos, combinados de uma
maneira única para cada pessoa. (...). O meio social condiciona, portanto,
embora não se possa dizer que determine os atributos da personalidade.
Esta não se cria nem se mantém por si mesma; numa situação de
isolamento, ela se deteriora.
A personalidade encontra maior dificuldade para se organizar se a
sociedade está em desorganização parcial. Existe, como é natural, uma
relação direta entre a situação do meio condicionante e a da personalidade
condicionada. Se o meio condicionante sofre de males que importam em
desorganização, natural é que o elemento condicionado, sobre o qual atuam
os fatores-causas que dimanam do elemento condicionante, reflita as
conseqüências de tais males, apresentando, ele também fenômenos de
desorganização (p. 55-56).
A sociedade ainda possui certa resistência quando o assunto é o suicídio,
até porque ela não é ingênua quanto ao seu papel nesta problemática. Este tema
não costuma ser abordado de forma espontânea e/ou descontraída, pois traz à tona
a finitude da vida e que há um mal-estar presente em nossa sociedade que pode
tomar o sujeito e levá-lo a tomar a decisão extrema e irreversível do suicídio.
25
2.INTERVENÇÃO PROFISSIONAL
O aumento dos índices mundiais de suicídio tem tornado esta problemática
uma preocupação de escala global. O suicídio é passível de prevenção desde que
haja informações, medidas preventivas e profissionais de saúde capacitados à
disposição da população. Segundo dados da OMS, divulgados pelo Centro de
Valorização da Vida (CVV), 90% dos suicídios poderiam ser evitados se houvessem
serviços disponíveis de auxílio às pessoas em sofrimento. No mundo, a média de
suicídios é de 13 a 14 mortes a cada 100 mil habitantes enquanto a média brasileira
é inferior, de 6 a 7 mortes por 100 mil habitantes. No entanto, estes índices tem
aumentado, especialmente entre a população adulto-jovem brasileira.
A partir dos dados mencionados, justifica-se a importância do trabalho de
apoio realizado pelos profissionais da saúde e por distintas instituições no sentido de
intervir frente às práticas de agressão à vida.
Dentre as instituições que buscam auxiliar os sujeitos em sofrimento,
oferecendo ajuda especializada, está oCentro de Valorização da Vida (CVV). O CVV
é uma organização sem fins lucrativos, formada por um grupo de voluntários
capacitados a oferecer apoio emocional a pessoas que tem intenção de atentar
contra a própria vida: cometer suicídio. É uma rede de apoio voluntário por meio de
telefonia, internet e atendimento presencial. O CVV mantém uma página na internet
onde
disponibiliza
muita
informação
sobre
suicídio
e
outras
formas
de
desinvestimento na vida. Está disponível uma cartilha nomeada ―Falando
abertamente sobre suicídio‖, que dentre outras informações, também define o
suicídio:
Suicídio é um gesto de autodestruição, realização do desejo de morrer ou
de dar fim à própria vida. É uma escolha ou ação que tem graves
implicações sociais. Pessoas de todas as idades e classes sociais cometem
suicídio. A cada 40 segundos uma pessoa se mata no mundo, totalizando
quase um milhão de pessoas todos os anos. Estima-se que de 10 a 20
milhões depessoas tentam o suicídio a cada ano. De cada suicídio, de seis
a dez outras pessoas são diretamente impactadas, sofrendo sérias
conseqüências difíceis de serem reparadas (CVV, 2015, p.03).
26
No prefácio do livro ―Suicídio: uma morte evitável‖ de autoria de Corrêa e
Barrero (2006), Bertolote expõe a dimensão desta problemática:
A Organização Mundial da Saúde reconhece hoje que os comportamentos
suicidas são um sério problema de saúde pública em âmbito mundial,
posição seguida por líderes sanitários e políticos de diversos países.
Atualmente, em muitos destes países, há programas ou, ao menos,
estratégias para a prevenção desses comportamentos.
Com quase 900.000 óbitos todos os anos, morre-se mais de suicídio do que
da soma de todos os acidentes de trânsito e guerras, embora a mídia
interesse-se mais por estes fenômenos. Em termos globais, o suicídio
encontra-se entre as três principais causas de óbito entre os jovens de 15 a
25 anos, o que é também o caso nas grandes cidades brasileiras; na China,
é a primeira causa de óbito entre as mulheres na zona rural, nesta faixa
etária. Não se considera aqui a totalidade dos comportamentos suicidas; se
adicionarmos as tentativas de suicídio aos óbitos devidos ao suicídio
teremos um enorme aumento tanto da carga de sofrimento individual e
familiar como da carga econômica para a sociedade (CORRÊA e
BARRERO, 2006, p.02).
Bertolote assinala que, para além do sofrimento que acomete o sujeito com
ideação ou protagonista do ato consumado, também é preciso atentar para o
sofrimento produzido pelo suicídio naqueles sujeitos que compartilharam desta
experiência e que são diretamente afetados por ela.
A grande carga de sofrimento individual e familiar, as perdas econômicas
para a sociedade bem como o envolvimento de vários fatores distintos nas
ocorrências de suicídios fomentam a necessidade de compreensão deste fenômeno,
pois conhecer o problema é o primeiro passo em direção ao seu enfrentamento.
O suicídio tem uma dinâmica muito complexa. O estudo desta problemática
auxilia na compreensão deste fenômeno e nas estratégias de prevenção à sua
ocorrência. No escopo destas estratégias preventivas, a educação ocupa lugar de
destaque: é importante que a sociedade receba e troque informações para que
aprenda sobre esta problemática e assim possa intervir sobre ela. Extinguí-la é uma
utopia, mas diminuir sua incidência é uma possibilidade.
Embora toda a sociedade possa e deva ser atuante no enfrentamento deste
problema, que atinge proporções mundiais, há pessoas que se ocupam de forma
especial desta questão e que são profissionalmente capacitadas: os profissionais da
saúde.
27
2.1 O TRABALHO DA EQUIPE DE SAÚDE FRENTE AO SUICÍDIO
Em nossa cultura há uma valorização da vida e a depreciação da morte.
Portanto, o suicídio é um tema tabu em nossa sociedade, pois denuncia sua falha. A
dificuldade de se falar abertamente sobre o assunto colabora para emudecer o
diálogo e especialmente as especulações sobre suas causas, o que acabaria por
trazer à tona questionamentos acerca do nosso modo de vida, dos valores que
orientam a vida em sociedade.
Atento a esta problemática o Ministério da Saúde, com auxílio de vários
profissionais e entidades de atenção à saúde, desenvolveu e está disponibilizando
aos profissionais da saúde um manual:
(...) Sua principal finalidade é a transmissão de informações que possam
orientar a detecção precoce de certas condições mentais associadas ao
comportamento suicida, bem como o manejo inicial de pessoas que se
encontram sob risco suicida e medidas de prevenção (D’OLIVEIRA e
BOTEGA, 2006, p.06).
Para que ocorra um atendimento preventivo eficaz e o cuidado e atenção
adequados de situações de risco envolvendo ideações suicidas, é necessário que
haja uma equipe de saúde trabalhando conjuntamente de forma interdisciplinar.
Cada profissional comparecendo com o seu saber e fazendo um intercâmbio com os
demais saberes das outras áreas: não se trata de hierarquizar saberes sobre o
sujeito, mas de um trabalho conjunto objetivando a melhora do paciente. Além de
compartilhar saberes, a equipe compartilha também o cuidado e a responsabilidade
envolvidos no trabalho.
O Guia de Prevenção do Suicídio e Promoção da Vida, organizado por
vários especialistas na área, reconhece a importância do trabalho em equipe
formada por profissionais com distintos saberes, pois:
Como o suicídio está relacionado a múltiplos fatores (biológicos, genéticos,
psicológicos, sociais, culturais e ambientais), é necessário desenvolver
28
ações de vigilância, prevenção e controle de forma integral. Vários
profissionais podem contribuir para enfrentar o problema de forma conjunta,
estabelecendo canais de comunicação permanente, trocando informações,
definindo metas e ajustando condutas. São necessárias intervenções que
envolvam profissionais da área da saúde, assistência social, educação,
justiça, mídia, políticas, segurança pública, trabalho de Organização não
Governamental (ONG), além de lideranças religiosas, comunitárias, entre
outros (OMS- SUPRE 2002). A ação conjunta dessas pessoas é que
constitui a rede de vigilância, prevenção e controle do suicídio.
(MOURA,2011, p.7)
Somando-se as estratégias de prevenção ao suicídio acima elencadas,
Juruena (2015) pontua que a prevenção do suicídio está estreitamente ligada com a
detecção precoce,pelos profissionais da saúde, de situações precipitadoras de
sofrimento na/da infância, pois são estes traumas que irão, ao longo da história de
vida do sujeito, desencadear a ideação e o ato suicida.O psiquiatra e professor da
Universidade de São Paulo (USP), Juruena (2015, p.1) escreve:
A principal chave da prevenção estaria no tratamento dos traumas de
infância. Cicatrizes emocionais que os adultos carregam, de feridas abertas
quando eram crianças, podem antecipar muitos dos riscos de suicídio —
separação materna, estresse, maus tratos, negligência, perdas precoces e
abusos seriam, de acordo com o psiquiatra, alguns dos principais fatores.
Portanto, uma vez que o sujeito tenha sido confrontado em tenra idade com
situações traumáticas, as feridas emocionais precisam ser tratadas no tempo hábil
para que não deixem cicatrizes que possam ser reabertas anos mais tarde quando a
capacidade de reelaboração deste sofrimento esteja diminuída pelo intenso
enraizamento/cristalização do mesmo.
Para falar da importância do trabalho dos profissionais da saúde e
dacomplexidade do mesmo, podemos refletir sobre o que Corrêa e Barrero (2006,
p.12) escrevem:
O impacto psicológico e social do suicídio em uma família e na sociedade é
intangível, pois suas conseqüências indiretas e mais sutis podem atingir um
grande número de pessoas e por um longo período de tempo. No entanto,
independente destas conseqüências, ainda incomensuráveis, o suicídio,
sem sombra de dúvidas, é um problema de saúde pública em todo o mundo.
29
Estes mesmos autores, relembrando Freud, postulam que é um desafio para
os profissionais compreenderem como e porque, em determinado momento da vida,
a pulsão de morte que até aquele momento esteve silenciosa assumiu o controle da
vida psíquica do sujeito levando-o à sua própria destruição, através do suicídio.
Em última instância, pode-se dizer que o sujeito quer viver, sempre há uma
luta pela vida. Nos casos em que a pulsão de morte emerge, ela entra em duelo com
a pulsão de vida; o sujeito necessita de um trabalho terapêutico neste momento.
Quando se questiona a respeito de as pessoas que tentam suicídio pedirem ajuda, o
CVV (2015, p.4) responde:
Sim, é freqüente pedir ajuda em momentos críticos, quando o suicídio
parece uma saída. A vontade de viver aparece sempre, resistindo ao desejo
de se autodestruir. De forma inesperada, as pessoas se vêem diante de
sentimentos opostos, o que faz com que considerem a possibilidade de lutar
para continuar vivendo. Encontrar alguém que tenha disponibilidade para
ouvir e compreender os sentimentos suicidas fortalece as intenções de
viver.
Desse modo, penso ser de extrema importância o trabalho daqueles que
podem auxiliar este sujeito que não está conseguindo usufruir adequadamente de
sua vida, sem conseguir construir projetos futuros ou manter vínculos adequados: os
profissionais da saúde.
Estes profissionais, segundo o Guia de Prevenção do Suicídio e Promoção
da Vida (MOURA, 2011) podem e devem manter em funcionamento uma rede de
vigilância, prevenção e controle onde seus membros possam compartilhar
informações quanto à abordagem, acolhimento e tratamento de sujeitos em situação
de vulnerabilidade. As situações de vulnerabilidade elencadas neste guia e que
devem ser observadas por profissionais incluem: tentativas anteriores de suicídio,
algum tipo de transtorno mental como depressão ou esquizofrenia, abuso de álcool
e/ou outras drogas, doenças graves/terminais, isolamento social, ansiedade e/ou
desesperança, crises conjugais ou familiares, situações de perda/luto, problemas
relacionados ao trabalho ou desemprego, fácil acesso a meios para se matar.
30
Em nenhum caso de suicídio estes fatores aparecem isoladamente, pois na
maioria das vezes eles costumam interagir e contribuir para a ocorrência da morte
premeditada:
Um suicídio nunca tem uma causa única ou isolada. O que se costuma
atribuir como causa de um suicídio, é a expressão final de um processo de
crise vivido pela pessoa. Diversos estudos mostram que o suicida deseja
livrar-se de um sofrimento para o qual não está encontrando saída. Antes de
chegar ao ato final, o suicida já mostrou sinais e procurou ajuda para o seu
sofrimento. A atenção a todo este processo e a capacidade de lidar com o
problema pode resultar em um desfecho favorável (MOURA,2011, p.6).
Nos casos em que não se obteve êxito na prevenção do suicídio é preciso
significar, junto à família e amigos, este último ato do sujeito suicida tratando de
conflitos familiares que possam emergir após o ato, materializando-se, revelando-se.
A culpabilização entre familiares e amigos deve ser trabalhada de forma a serem
prevenidos maiores conflitos que acabam não sanando a problemática (a morte é
irreversível), mas promovendo a fragilização e até a ruptura de vínculos. Os projetos
de vida precisam ser re-elaborados, pois o suicida já não pode mais, efetivamente,
fazer parte dos mesmos.
Quanto ao cuidado e atendimento daqueles que tentaram o suicídio e seus
familiares, Castro escreve no posfácio do livro ―Suicídio: uma morte evitável‖ de
autoria conjunta de Corrêa e Barrero (2006, p. 242):
A atenção ao sobrevivente e sua família é de extrema importância na
prevenção do estigma e da ocorrência de novas tentativas. Esta atenção à
família ajuda a diminuir os sentimentos de culpa, a aceitar o suicida e apoiálo na sua reabilitação e reinserção social.
As normas sociais e a legislação pertinente têm sido modificados ao longo
do tempo, passando a percepção do ato suicida de um evento heróico a um
crime, e finalmente a uma doença passível de tratamento e não de prisão.
O suicídio e sua dinâmica têm recebido da sociedade um olhar cada vez
mais humanizado, embora não seja sempre assim. É necessário que o suicida ou o
sobrevivente sejam vistos e respeitados como sujeitos em sofrimento e que
precisam de auxílio, ao invés de perceberem uma postura incriminatória e/ou
estigmatizante da sociedade.
O suicídio faz parte de uma escolha. Uma escolha entre a vida, viver como
se está vivendo, uma vida cheia de dificuldades e sofrimento sem perspectivas de
31
melhora ou a morte como uma esperança. É tudo ou nada! Ou eu vivo bem, de
acordo com o que a cultura diz que é ―viver bem‖ou não me interessa mais viver:
felicidade, consumo, beleza e admiração são requisitos fundamentais para se viver
em nossa sociedade e aqueles menos abastados, que não tem como acessar estes
bens e não conseguem se haver psicologicamente com a impossibilidade de possuílos, podem recorrer à medidas extremas.
Cassorla (1991, p. 26) consegue captar este desejo de vida plena, mas nos
sugere pedir auxílio:
Penso que a vida deve ser vivida, aqui e agora, com tudo o que podemos
usufruir dela. E, se não estamos conseguindo, algo está ocorrendo. É hora
de solicitarmos ajuda. Mesmo que não estejamos pensando em suicídiopois a infelicidade, o não-uso das potencialidades, a não-luta pela dignidade
podem ser considerados suicídios parciais ou micro-suicídios.
Nesta perspectiva, o raciocínio do sujeito com ideação suicida está alterado:
(...) o estado cognitivo de quem apresenta comportamento suicida é,
geralmente, de constrição. A consciência da pessoa passa a funcionar de
forma dicotômica: tudo ou nada. Os pensamentos, os sentimentos e as
ações estão constritos, quer dizer, constantemente pensam sobre suicídio
como única solução e não são capazes de perceber outras maneiras de sair
de um problema (D’OLIVEIRA e BOTEGA, 2006, p.52,)
O sujeito que está com a consciência disfuncional não tem capacidade de
discernir adequadamente sobre seus pensamentos e ações. Portanto, cabe aos
familiares e às pessoas próximas oferecer sua ajuda e em casos mais complexos
procurar por orientação e auxílio profissional.
Os profissionais que se confrontam com questões envolvendo o suicídio não
se restringem somente a equipe de saúde mental. Comumente encontramos forças
policiais trabalhando em casos de suicídio, investigando as circunstâncias do fato ou
fazendo os encaminhamentos legais posteriores. As equipes de bombeiros
costumam fazer o resgate da vítima, procurando reanimá-la quando isto ainda for
possível e dando o devido suporte aos procedimentos que se fazem necessários em
32
seguida. Os padres, pastores e outras autoridades religiosas participam dando apoio
espiritual ao sobrevivente ou à família da vítima suicida. Os educadores/professores,
por trabalharem com um grande número de pessoas, especialmente crianças e
adolescentes, tem a possibilidade de serem importantes divulgadores de
conhecimento sobre o assunto e de estratégias que os evitem. Os Técnicos de
extensão rural e os Sindicatos Rurais têm em seus profissionais a possibilidade de
divulgar o tema junto às comunidades do interior, nas quais os índices de suicídio se
mostram elevados.
Já a mídia tem mudado seu posicionamento frente a esta problemática, pois
por muito tempo acreditou-se que abordar a questão do suicídio poderia fomentar
ainda mais a sua ocorrência. Atualmente, os meios de comunicação tem sido
importantes aliados na divulgação da problemática, das possibilidades de prevenção
e de auxílio a pessoas em sofrimento psíquico intenso.
Falando nos profissionais do serviço público que trabalham especificamente
na área da saúde e que atuam frente à prevenção e acolhimento do suicídio
podemos destacar: agentes comunitários de saúde, assistentes sociais, enfermeiros,
médicos, psiquiatras, psicólogos, e em alguns casos, farmacêuticos, nutricionistas.
Dentre os profissionais capacitados ao trabalho com sujeitos em sofrimento
psíquico, o psicólogo atua de modo a compreender as emoções que vem se
apresentando neste sujeito, pois no percurso de sua formação profissional todos os
aspectos relacionados à totalidade do ser humano são contemplados em seus
estudos.
Quanto ao trabalho que o psicólogo desenvolve com seus pacientes, este
pode se desenvolver a partir de distintas correntes teóricas: viés psicanalítico,
cognitivo-comportamental, humanístico, gestáltico ou sócio-histórico. Os locais onde
estas práticas de intervenção podem ocorrer englobam: empresa/local de trabalho,
Unidades Básicas de Saúde (UBSs), Estratégias de Saúde da Família (ESFs),
Centros de Atenção Psicossocial (CAPSs), Serviços Residenciais Terapêuticos
(SRTs), centros de reabilitação, comunidades terapêuticas, hospitais gerais,
hospitais psiquiátricos, clínicas particulares individuais ou multiprofissionais,
Organizações Não Governamentais (ONGs), consultórios particulares, escolas...
Enfim, todos os locais comprometidos com um trabalho que vise à promoção integral
33
da saúde (física e mental) do ser humano podem servir às práticas profissionais do
psicólogo.
A abrangência do trabalho do psicólogo nestes distintos locais se deve a
presença, em todos eles, do ―objeto‖ da ciência que legitima sua profissão e que, em
última instância, é o ser humano em todas as suas manifestações. Assim sendo, o
trabalho do psicólogo pode se desenvolver em todos os lugares onde haja a
presença de um sujeito que esteja confrontado com circunstâncias que façam
obstáculo ao seu bem estar psíquico.
O psicólogo, junto com seu paciente, fará uma reconstrução da história de
vida, desde os primeiros vínculos estabelecidos até seu atual modo de relacionar-se
com os outros e com o mundo que o circunda, destinando especial atenção aos
sucessos e fracassos relacionais do mesmo, podendo assim elencar os fatores que
participam e/ou desencadearam o sofrimento presente e a ideação suicida
resultante.
Portanto, o profissional psicólogo está capacitado, pela formação que
possui, a intervir nestas circunstâncias de modo a acolher o sofrimento do sujeito
com ideação suicida e a identificar pedidos de ajuda, mesmo implícitos. O manual
―Prevenção do suicídio: manual dirigido a profissionais das equipes de saúde
mental‖ informa e orienta:
A maioria das pessoas com idéias de morte comunica seus pensamentos e
intenções suicidas. Elas, frequentemente, dão sinais e fazem comentários
sobre ―querer morrer‖, ―sentimento de não valer pra nada‖, e assim por
diante. Todos esses pedidos de ajuda não podem ser ignorados.
Fique atento às frases de alerta. Por trás delas estão os sentimentos de
pessoas que podem estar pensando em suicídio. São quatro os sentimentos
principais de quem pensa em se matar. Todos começam com ―D‖:
depressão, desesperança, desamparo e desespero (regra dos 4D). Nestes
casos, frases de alerta + 4D, é preciso investigar cuidadosamente o risco de
suicídio (D’OLIVEIRA e BOTEGA, 2006, p.52).
Costa (2010, p.1) fala sobre a importância do trabalho do psicólogo frente
ao suicídio ao abordar suas formas de intervenção:
O profissional de psicologia pode exercer um papel fundamental no que
concerne a compreensão e prevenção do comportamento suicida, quer seja
34
como um agente desmistificador do ato suicida e trabalhando na sua
prevenção, quer seja atuando como um canalizador do discurso, criando
canais terapêuticos que auxiliem indivíduos potencialmente suicidas ou que
já tentaram suicídio a encontrar outros meios para expressar a sua dor.
Assim sendo, o psicólogo pode e deve trabalhar com o indivíduo, mas
também precisa ter consciência de seu papel quanto à prevenção do suicídio como
porta-voz do mal-estar que perpassa o cotidiano, não deixando que este mal-estar
seja tomado como algo banal e sem efeitos no psiquismo humano. Pelo
conhecimento que possui, o psicólogo tem a capacidade de entender e
consequentemente divulgar informações importantes à população em geral, pois
além do contato direto com sujeitos em sofrimento psíquico, o psicólogo pode
detectar precocemente situações que possam desencadear sofrimento e estratégias
de enfrentamento/combate às mesmas.
2.2 IMPACTO PROFISSIONAL DO SUICÍDIO PARA O PSICÓLOGO
O profissional psicólogo é aquele que, pela sua formação, trabalha no
estudo do ser, agir e sentir dos seres humanos buscando compreender o
funcionamento psíquico humano. O psicólogo trabalha com o objetivo de promover a
saúde e de melhorar a qualidade de vida da comunidade, observando e
interpretando as diferentes manifestações da subjetividade humana de modo a
identificar problemas que possam estar fazendo obstáculo ao pleno desenvolvimento
das capacidades e potencialidades humanas nos aspectos individuais/ pessoais e
relacionais (trabalho, lazer, interação social...).
O psicólogo por si só não consegue resolver as problemáticas daqueles que
se propõe a auxiliar. Ele atua de modo a ser um mediador entre o sujeito e seus
problemas, oferecendo seu conhecimento como suporte para que o sujeito elabore
suas questões e consiga vislumbrar sua implicação nelas e suas possibilidades de
enfrentamento.
Assim sendo, quando o psicólogo está intervindo com pacientes suicidas em
potencial, ele não pode e nem deve supor que possui total controle sobre o paciente
e sobre o resultado do tratamento. Não há onipotência sobre o paciente, é preciso
35
estar advertido dos perigos de um forte narcisismo e de se supor em uma posição de
missionário capaz de impedir toda e qualquer atitude indesejada de seu paciente,
inclusive o seu suicídio.
Se a onipotência deve ser abolida, a impotência jamais deve ser admitida. O
profissional psicólogo precisa ter a consciência de que muito se espera do seu
trabalho por parte da instituição na qual trabalha,por parte dos colegas, dos
familiares e do próprio paciente, visto que tem formação profissional específica para
atuar com pacientes que planejam suicidarem-se.
Mesmo que em muitos casos seja um psicólogo o profissional da área da
saúde que conduza diretamente o tratamento do paciente, é importante que ele não
assuma sozinho os riscos envolvidos em um tratamento de um suicida em potencial.
Precisa haver a participação no tratamento dos demais profissionais da área e que
estes dêem o suporte necessário ao psicólogo responsável pelo tratamento, tanto
em termos de troca de saberes quanto em termos de apoio quando o tratamento
fracassa.
Devido à seriedade e importância de seu trabalho, o psicólogo precisa ser
além de humano, ser principalmente técnico porque ele pode ser o profissional
responsável pelo efetivo tratamento do paciente. É ele que está incumbido de
coordenar o tratamento e de orientar paciente e familiares. Desse modo, o psicólogo
precisa intervir de acordo com os princípios técnicos e teóricos da ciência
psicológica, desenvolvendo práticas condizentes a estes. Assim sendo, dar
conselhos e tapinhas nas costas são atitudes condizentes aos amigos e familiares.
O papel do psicólogo no tratamento não é o de protagonista, mas também
não é de mero espectador. Ele tem papel fundamental no tratamento, pois embora
não decida seu final pode auxiliar na tentativa de torná-lo o melhor possível. Quando
o roteiro tem final trágico, cabe ao psicólogo tomar consciência de que mesmo
ajudando, trabalhando muito, às vezes quem quer se matar, infelizmente e
efetivamente se mata.
No entanto, a perda de um paciente não é sem efeitos para o profissional
psicólogo. O psicólogo precisa compreender no seu paciente suicida não a sua
ineficácia ou ineficiência, mas a sua impotência diante do sofrimento humano
quando este está inscrito de forma muito cristalizada no sujeito, perpassando a
36
trajetória de sua vida. Corrêa e Barrero (2006, p. 182-183), referindo-se à
ressonância do suicídio de um paciente escreve:
O suicídio de um paciente representa para seu terapeuta um acontecimento
doloroso, espantoso, horrível, que ocasiona um impacto similar ao que sofre
os familiares mais próximos. Durante muito tempo, e ainda em nossos dias,
tem-se a noção equivocada de que quando isso ocorre o tratamento foi um
fracasso, sendo o suicídio a maior evidência disso. Para outros, o suicídio
poderia ser resultado de, efetivamente, um fracasso terapêutico, mas
também de outras contingências como pobre resposta terapêutica ou
resistência terapêutica, assim como complicações e dificuldades no
seguimento desse paciente. (...) Persistem, pois, duas tendências: aquela
que ainda continua considerando o suicídio de um paciente como um
fracasso do terapeuta e aquela que inclui o suicídio entre as situações que
podem ocorrer aos terapeutas que tratam de pessoas, principalmente
aquelas com risco suicida. Independentemente dessas considerações, os
profissionais a cargo desses pacientes, seus terapeutas, apresentam
comumente culpa, tristeza, sentimentos de inadequação pessoal e raiva
muito similares aos que apresentam os familiares.
O ―insucesso‖ de sua intervenção diz respeito ao insucesso do vínculo
(familiar, social) e não somente terapêutico. Prevenir crises de culpa, inércia, apatia,
desolamento... são fundamentais, bem como compreender a liberdade de escolha ,
o não domínio sobre o outro, pois ―só o outro sabe do seu desejo‖. O sofrimento
humano pode estar para além do tratável, remediável... A constituição psíquica está
dada, a subjetividade influencia no tratamento e nas respostas do paciente que pode
não reagir conforme o esperado, programado.
Na dinâmica do vínculo que estabeleceu com o paciente, o psicólogo não
pode acreditar solidamente que será este vínculo que manterá seu paciente vivo,
respeitando possíveis acordos estabelecidos com o terapeuta de não cometer o
suicídio. A culpabilização por uma possível fragilidade do vínculo estabelecido com o
paciente deve ser desconsiderada, pois se um bom vínculo afetivo fosse garantia de
manutenção da vida do paciente em nome desta forte relação afetiva,
provavelmente nenhuma mãe se suicidaria se supormos seu forte vínculo com o
filho, por exemplo.
Nos casos em que o paciente não respondeu de forma satisfatória ao
tratamento e veio a cometer suicídio, é comum que este ato do paciente tenha
repercussão nas intervenções futuras do psicólogo/ terapeuta. Segundo Corrêa e
Barrero (2006) é possível que, em alguns casos, o psicólogo tenha receio de
37
enfrentar novos casos similares podendo inclusive evitá-los. Temores de que a
família do suicida faça represálias, ajuíze processos judiciais ou denigra sua imagem
pessoal ou difame sua competência como profissional podem se desenvolver,
justificadamente ou não. O psicólogo também pode, por vezes, apresentar temor
diante dos seus colegas devido a opinião (julgamento) culposa que estes possam
emitir.
No ato suicida ocorre a interação de fatores que se articulam na história do
sujeito desde a sua infância: biológicos, psicológicos e sociais/culturais.
O
profissional psicólogo pode conseguir avaliar esta interação de fatores, as causas
conscientes desencadeantes do ato e até mesmo as motivações inconscientes do
mesmo, pois sua teoria e sua prática possibilitam que ele consiga compreender e
intervir junto ao sujeito que tentou o suicídio ou que apresenta ideação suicida.
Quanto ao suicida, sobre o qual o psicólogo endereçou suas intervenções no
sentido de auxiliá-lo na elaboração de seu sofrimento, mas não obteve êxito, cabe
ao psicólogo usar de sua teoria e de sua prática para promover a compreensão da
dinâmica do suicídio, fazendo se ouvir o discurso do suicida (o que, de que o seu
último ato fala) já que ele pode não ter conseguido, no tempo hábil, exteriorizar o
indizível de seu sofrimento, que por ser imensurável faltaram palavras para dizê-lo.
O psicólogo é um profissional no efetivo exercício de suas funções quando
está intervindo com seus pacientes:
Porém, não deixa de ser uma pessoa, um ser humano vulnerável, sensível,
vaidoso, ambicioso, invejoso, que ama e odeia, que ainda que capacitado
para sua prática terapêutica, também sente, segundo as circunstâncias,
carinho, afeto, rejeição, tédio, frente ao que seu "paciente" fala, relata,
apresenta, projeta nele/nela (transferência), e se irrita, fica entediado, sente
empatia e segundo o material da temática tratada, se angustia e sofre.
(SANTOS)
Assim sendo, sob a interferência da contratransferência estabelecida com o
paciente no processo terapêutico, o psicólogo reage ao ato suicida do até então
paciente. O psicólogo, no lugar de profissional que se ocupou daquele paciente,
nãose dissocia do ser humano que ele é: ele sofre também no aspecto pessoal a
perda do seu paciente, com o qual estabeleceu um vínculo que por hora se rompeu.
38
Levando em consideração a relação que o paciente e o psicólogo
estabelecem na relação terapêutica é importante pontuar alguns aspectos,
especialmente quanto aos comportamentos e afetos do paciente que estão
envolvidos no seu tratamento. No comportamento do paciente, a ação (ações) que
ele realiza corresponde aos seus atos motores que tem um objetivo definido. Já o
ato está vinculado e destinado ao outro, pois é para este outro que a ação é
destinada e se transforma em ato. O ato não corresponde à ação em si mesma, pois
o ato precisa ser interpretado e compreendido como uma manifestação subjetiva
com objetivos que muitas vezes não estão explícitos.
No ato, o psicólogo precisa estar atento à relação do mesmo com o vínculo
transferencial que estabeleceu com seu paciente, pois na transferência que o
paciente estabelece com seu terapeuta, ocorre a reedição de papéis de pessoas
significativas da história de vida do paciente. O terapeuta é colocado no lugar de
alguém muito importante e representativo na vida de seu paciente, passando a ser
alvo e a receber os afetos (positivos, negativos ou ambivalentes) correspondentes à
pessoa da qual ocupa o lugar, na relação terapêutica. Assim sendo, pelo fenômeno
da transferência, o psicólogo pode estar no psiquismo de seu paciente, em uma
posição equivalente àquela ocupada pelo seu pai, sua mãe, seu (sua) irmão
(irmã)...em uma relação onde estes afetos influenciam no processo terapêutico de
forma positiva ou negativa.
A transferência é um fenômeno que ocorre na relação paciente/terapeuta,
onde o desejo do paciente irá se apresentar atualizado, com uma repetição
dos modelos infantis, as figuras parentais e seus substitutos serão
transpostas para o analista, e assim sentimentos, desejos, impressões dos
primeiros vínculos afetivos serão vivenciados e sentidos na
atualidade(MOURA, 2009, P.01)
Assim sendo, é fundamental que o psicólogo consiga identificar a instalação
da transferência com seu paciente e interpretar o lugar que passa a ocupar
psiquicamente para seu paciente, de modo a poder conduzir satisfatoriamente o
tratamento sem tomar para a sua pessoa os afetos destinados pela transferência a
outros. Se a transferência pode vir a fazer obstáculo ao tratamento pelos afetos que
desencadeia, sua inexistência não permite que o mesmo se sustente. Portanto, a
39
estabelecimento de uma relação transferencial é fundamental para que o tratamento
seja possível, mas o psicólogo precisa saber conduzi-la de modo adequado.
A complexidade do trabalho de psicólogos com pacientes potencialmente
suicidas não deve desencorajar os profissionais a atuarem nestes casos. É
justamente por esta elevada complexidade que os sujeitos em sofrimento psíquico
severo precisam de auxilio de profissionais muito capacitados e comprometidos com
o trabalho que se propõem a realizar. Para o paciente e demais pessoas envolvidas
a seriedade da problemática exige que um psicólogo intervenha, pois ele é o
profissional com melhores possibilidades de auxiliar na compreensão, na elaboração
e no enfrentamento do sofrimento psíquico humano.
40
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A eminência da finitude da vida sempre angustiou o ser humano que tem
buscado, através da ciência e da tecnologia, enganar a morte ou pelo menos deixála cada vez mais distante de seu objetivo: findar a vida. Na contramão destas
tentativas de prolongar a vida estão os sujeitos que, ao invés de buscarem o
distanciamento da morte fugindo dela, colocam-se diante dela convocando-a através
do suicídio.
Um olhar superficial sobre a dinâmica do suicídio pode nos dizer que este
ato tem como finalidade a morte. No entanto, um estudo mais profundo irá revelar
que a morte é apenas ―a ponta do iceberg‖, pois a problemática envolvida nos casos
de suicídio é bem maior e mais complexa do que se possa pensar e supor a priori.
No ato suicida o sujeito encontra-se confrontado com um sofrimento psíquico
que o toma ao nível do insuportável, do imensurável, do indizível... A morte não é o
objetivo em si; o que o suicida busca é o findar de seu sofrimento, mesmo que para
isto ele precise padecer junto com ele.
No cerne do suicídio, encontram-se os fatores internos e externos, ou seja,
fatores constitucionais psíquicos e fatores sociais.
Os fatores constitucionais psíquicos têm relação com os primeiros vínculos
relacionais afetivos estabelecidos no decorrer do processo de desenvolvimento
psíquico do sujeito. É importante que ao nascer o sujeito seja acolhido, recebendo o
devido cuidado e suporte para que seu ego se estruture adequadamente. O ego,
quando bem estruturado, tem condições de tolerar as frustrações, suporta lidar com
a impotência e com os limites impostos pela vida cotidiana, tem capacidade de
elaborar as perdas e os momentos de crise sem precisar recorrer ao suicídio.
Neste sentido, os primeiros vínculos afetivos servem de referência para as
demais trocas que o sujeito irá estabelecer ao longo de sua vida com os outros e
com a sociedade/cultura. Por isto, a psicanálise entende que o fator determinante
envolvido no suicídio é o modo como ocorreu o processo de constituição psíquica,
pois é a partir dele que o sujeito construirá seu modo particular de se relacionar e de
ser influenciado pelo outro e pela sociedade. Assim sendo, os diferentes modos de
41
constituição do psiquismo, que resultam em egos mais ou menos fortalecidos,
poderiam explicar o fato de que sujeitos (distintamente constituídos) reagem de
maneiras distintas a problemáticas similares.
Já para a sociologia os fatores externos têm maior relevância, ou seja, a
sociedade/cultura que já antecede e envolve o sujeito tem o poder e a capacidade
de influenciar e modelar seu comportamento e suas reações, podendo inclusive
apresentar ao sujeito situações intensamente problemáticas e desencadeadoras de
grande sofrimento fazendo o sujeito chegar ao nível de esgotamento de suas
capacidades de enfrentamento e assim cometendo o suicídio.
A morte de um paciente por suicídio é um dos temores revelados por
profissionais formados, em formação e por mim mesma. Neste sentido, o estudo da
dinâmica do suicídio é importante para a formação acadêmica na medida em que se
revela uma problemática recorrente no trabalho do profissional psicólogo.
O grande destaque dado à problemática do suicídio tem relação com o
aumento de sua ocorrência e, sobretudo por se tratar de uma das causas de morte
passíveis de serem evitadas caso haja informações, estratégias e práticas de
prevenção eficientes.
As perspectivas nada animadoras quanto ao aumento do mal-estar presente
em nossa sociedade, que tem gerado sofrimento e consequentemente levado muitos
seres humanos ao suicídio, podem parecer catastróficas se ainda considerarmos
que a humanidade evolui na direção de uma perda cada vez maior das referências
simbólicas e da fragilização dos vínculos relacionais. Se este cenário se
concretizará, só o tempo dirá. No entanto, não podemos ficar indiferentes deixando o
tempo se incumbir desta problemática, o tempo não consegue acabar com o
sofrimento e impedir que vidas sejam ceifadas por ele.
Cabe a nós, seres humanos que somos, lembrarmo-nos de nossa condição
de finitude sem esquecermos de que somos seres que necessitamos uns dos outros
para viver, que é de nossa essência nos relacionarmos uns com os outros e
portanto, é de nosso interesse a construção e manutenção de uma sociedade que
possa responder as nossas necessidades e não do contrário, sendo as nossas
necessidades estabelecidas por ela.
42
Apesar dos inúmeros estudos aqui apresentados e da vasta literatura
consultada não se pode dizer que se possa apreender todo o conhecimento acerca
desta problemática que se revela muito complexa. Neste momento em que os
estudos deveriam se encerrar, na verdade, são suscitadas novas e complexas
questões que podem servir de inspiração para trabalhos futuros.
O trabalho da equipe de saúde e do psicólogo é pautado na preservação,
manutenção e promoção da vida. As intervenções do psicólogo são realizadas de
modo a auxiliar o sujeito com ideação suicida a elaborar as problemáticas e os
afetos (sofrimento) envolvidos para que possa voltar a viver satisfatoriamente, no
sentido de poder amar e trabalhar.
No entanto, a realização deste trabalho desencadeou questões quanto às
intervenções do profissional psicólogo e quando estas realmente se aplicam. Pela
ética pessoal e profissional e pelo trabalho para o qual se formou academicamente e
se dispôs a exercer, o psicólogo sempre deve pautar seu trabalho na promoção da
vida, mas também no que é o desejo do outro.
Neste sentido, quando o paciente tem consciência de seus problemas e de
seu sofrimento, quando não há possibilidades reais de sanar sua angústia, quando o
paciente pensa sua morte efetivamente como uma possibilidade de findar seu
sofrimento e quando ninguém, nem mesmo o psicólogo, pode oferecer algo em troca
de seu padecer... será que o psicólogo tem alguma influência ou poder sobre o que
seria o desejo de seu paciente e se o seu desejo final fosse a morte, o suicídio? Até
que ponto o compromisso ético do psicólogo pode se sobrepor ao desejo do
paciente, ao seu direito de escolha, relutando contra o mesmo? E, se esse
compromisso ético assumido pelo psicólogo é para com a vida, de que vida estamos
falando, o que é viver?
São muitas as interrogações que esta temática suscita, e que nos instigam a
novos estudos...
43
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