educação de jovens e adultos e as políticas de escolarização básica

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EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS E AS POLÍTICAS DE
ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA: ENTRE A COMPENSAÇÃO E A
EMANCIPAÇÃO
Marlene Souza Silva*
Universidade Estadual da Bahia – UNEB
[email protected]
Modalidade: Comunicação Oral
Eixo temático: Espaços, tempos, formatos e financiamento de formação continuada de
educadores(as) de EJA (trabalhos que focalizam os diferentes espaços e formatos em
que acontece a gestão da formação continuada de educadores da EJA)
RESUMO
Este artigo pretende analisar as políticas de escolarização básica para jovens e adultos, a
partir do processo histórico, enfatizando os períodos de (re) democratização como
momentos de grande mobilização popular, marcados pela atuação dos movimentos
sociais populares, que provocaram transformação na forma de conceber a alfabetização
e a educação de jovens e adultos, principalmente pelos movimentos que explodiram no
Nordeste brasileiro, como o Movimento de Cultura Popular no Recife e a experiência de
Angicos que sucederam a Campanha de Adolescentes e Adultos – CAA, que
apresentava características que provocaram o tensionamento entre os interesses
governamentais com as políticas compensatórias e os movimentos sociais populares
com as políticas de emancipação, com destaque dos grupos marxistas e cristãos. As
Conferências Internacionais de Educação de Adultos – CONFINTEA também
desempenharam papel importante na elaboração de políticas para a escolarização básica
de educação de jovens e adultos, como espaço internacional de discussão com temáticas
relacionadas a liberdade, a democracia e direitos humanos. O Movimento dos Fóruns
Estaduais de Educação de Jovens e Adultos teve participação efetiva nessas
Conferências e, se constituem em espaços abertos e democráticos para propor,
acompanhar e avaliar as políticas educacionais de jovens e adultos nas instâncias
federais, estaduais e municipais. A atuação dos movimentos sociais populares na
educação de jovens e adultos tem sido fundamental para o enfrentamento das políticas
de governo de cunho compensatórios e, neste sentido, conclui-se que este breve texto
poderá contribuir na formação dos docentes da EJA, alertando-os sobre a possibilidade
de pensar em processos pedagógicos que promovam a emancipação/libertação.
Palavras chave: EJA; políticas públicas; escolarização básica; movimentos sociais.
ABSTRACT
This article analyzes the basic education policies for youth and adults, from the
historical process, emphasizing periods of (re) democratization as moments of great
popular mobilization, marked by the performance of popular social movements that led
transformation in the way of conceiving literacy and youth and adult education, mainly
by movements that exploded in northeast Brazil, as the Movement of Popular Culture in
Recife and the Angicos experience that followed the Adolescent and Adult Campaign CAA, which had characteristics that caused the tensioning between government
interests in counter political and popular social movements with the emancipation
policies, especially the Marxist and Christian groups. The Adult Education International
Conference - CONFINTEA also played an important role in policy for basic education
of youth and adult education, as an international forum for discussion with issues
related to freedom, democracy and human rights. The Youth and Adult Education of the
State Forums Movement had effective participation in these conferences and, constitute
open spaces and democratic to propose, monitor and evaluate educational policies for
young people and adults in federal, state and municipal authorities. The performance of
the popular social movements in youth and adult education has been fundamental to
face the compensatory nature of government policies and in this sense, it is concluded
that this brief text may contribute to the training of adult education teachers, warning
them of the possibility of thinking in educational processes that promote the
emancipation / liberation.
INTRODUÇÃO
A educação de jovens e adultos -- EJA se apresenta hoje como um campo de
contradições e ao mesmo tempo de grandes possibilidades. A trajetória política e
pedagógica dessa educação nos leva a refletir sobre o movimento sócio-histórico que
atravessou décadas marcadas ao mesmo tempo por forças conservadoras e
transformadoras, que geraram momentos de grandes avanços, mas também de
retrocessos. Nesse contexto, as políticas públicas de EJA foram gestadas de um lado
pelos interesses dos grupos governamentais, que se revesavam no poder com a
preocupação de garantir o desenvolvimento econômico, e por outro pelas aspirações dos
movimentos sociais populares que lutavam pelo direito a educação como condição
essencialmente humana.
Portanto, compreender como as políticas de escolarização básica foram se
constituindo na educação de pessoas jovens e adultas será necessário fazer uma
retrospectiva da política brasileira, principalmente nos períodos de (re) democratização
que oportunizaram outras formas de pensar e agir, para além de políticas de campanhas
de alfabetização, buscando sinalizar a necessidade da continuidade dos estudos, mesmo
diante de todos os desafios a serem enfrentados.
Assim, para estabelecer a relação entre a escolarização e esses períodos históricos
será preciso revisitar alguns movimentos de educação de adultos nos anos 40 até o
início dos anos 60, especialmente a experiência de Paulo Freire, em Angicos no Rio
Grande do Norte para desconstruir a ideia de que essa e outras experiências que
aconteceram nessa época se restringiram, apenas, a prática de alfabetização de adultos.
Na realidade esses movimentos foram fundamentais para pensar a práxis educativa na
singularidade dos seus sujeitos e, portanto, serviram como referência para estruturar
politicamente e pedagogicamente a educação de jovens e adultos. Isso significa que para
pensar as políticas de escolarização torna-se imprescindível pensar nos sujeitos
coletivos dessa educação a partir do lugar que ocupam na sociedade, levando em
consideração seus saberes, suas culturas e seus percursos.
Durante os anos 80, a sociedade brasileira vai sofrer profundas mudanças em
consequência da retomada do processo de redemocratização do país com o fim do
regime militar. A Constituição Brasileira de 1988, resultado de um grande processo de
participação popular e democrática, trouxe um novo ânimo para aqueles coletivos que
há muito tempo lutavam por direitos sociais. A partir desse momento a educação de
jovens e adultos passou a ser reconhecida como modalidade da educação básica
assegurada pela Constituição Federal e pela nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação
Nacional – LDBEN.
Neste contexto, a escolarização básica vai ganhando espaço nas políticas públicas
e, mesmo que as preocupações ainda estejam voltadas para a alfabetização de adultos,
as discussões em torno dessa temática passam a fazer parte do cenário internacional. As
Conferências Internacionais de Educação de Adultos - CONFINTEA e os documentos
internacionais vão problematizar temas urgentes e necessários para repensar a educação
de adultos a partir do seu próprio conceito, do entendimento de escolarização básica e
do significado das políticas governamentais para os seus verdadeiros destinatários.
Também nesse período é perceptível a participação dos movimentos sociais de
educação popular, representados pelos Fóruns Estaduais de Educação de Jovens e
Adultos nos eventos das CONFINTEA, interferindo de forma ativa nas discussões, com
proposições no sentido de reconstruir a EJA na dimensão da justiça social e dos direitos
humanos. Os caminhos da educação de jovens e adultos, portanto, sempre estiveram
intercruzados com os movimentos sociais, porque nascem no seu interior, nas lutas
reivindicatórias pelos direitos básicos. Por isso, que um dos propósitos desses
movimentos sempre foi aproximar a educação básica dos jovens e adultos da educação
popular para que os seus sujeitos possam utilizar, de forma coletiva, a escolarização
como instrumento de emancipação.
Sem esgotar as discussões, este artigo pretende refletir sobre as políticas de
escolarização básica de EJA, fazendo uma análise sobre os papeis dos órgãos
governamentais e dos movimentos sociais populares no processo de efetivação para
compreender o sentido dessas políticas para os coletivos de jovens e adultos populares.
1. A EDUCAÇÃO DE JOVENS E ADULTOS NO CONTEXTO DA (RE)
DEMOCRATIZAÇÃO BRASILEIRA
A trajetória da educação de jovens e adultos vai se construindo ao longo do
processo histórico, movida pelas forças conservadoras e transformadoras, impostas
pelos diferentes grupos que lutam pela educação, reconhecendo-a como valioso
instrumento que poderá servir a dominação ou a emancipação. Nesse sentido, não
podemos deixar de compreendê-la dentro do contexto político, considerando as
mudanças e as especificidades de cada momento da vida do país, influenciado pelas
situações econômicas, sociais e culturais.
É dentro desse movimento que podemos visualizar essa educação, e fazer uma
releitura a partir dos momentos históricos, que a sociedade brasileira exerceu o
direito democrático da participação o que provocou mudanças substanciais na
educação das pessoas jovens e adultas.
No final dos anos 40 até o início dos anos 60, a EJA ganhou visibilidade na
agenda nacional, isto porque os governantes, imbuídos da necessidade de
implementar políticas de desenvolvimento econômico e social, aguçaram o olhar
para o ensino das pessoas adolescentes e adultas, que muitos não tinham o acesso à
leitura e escrita. Nesse momento, deu-se início as políticas de campanhas de massa e
entre essas ganhou destaque a Campanha de Educação de Adolescentes e Adultos –
CEAA. Essa campanha tinha como intenção maior preparar mão de obra
alfabetizada nas cidades e no campo, além de melhorar a situação do Brasil nas
estatísticas mundiais de analfabetismo (PAIVA, 1987, p.178). Pelo público atendido
nessa campanha, percebia-se que ainda não havia uma preocupação com o ensino
específico para adultos, mas uma forma de atender a todos aqueles que estivessem
em idade de servir como mão de obra para a indústria. Por isso, vários grupos da
sociedade civil reagiram aos seus princípios e promoveram discussões através de
congressos e seminários. E foi no II Congresso Nacional de Educação que os
professores passaram a se preocupar com o fato de que embora a
campanha
formasse um subsistema próprio, utilizava as mesmas características da educação
infantil (HADDAD E PIERRO, p. 112)
Nesse sentido, é oportuno ressaltar que mesmo depois de mais de 50 anos da
CEAA, a educação dos adultos continua, ainda hoje, com fortes marcas da
infantilização, uma vez que os adolescentes continuam fazendo parte da educação de
jovens e adultos, impedindo, desta forma, que se estabeleça uma fronteira nessa
educação, a fim de definir quem são os seus verdadeiros destinatários e, portanto,
pensar políticas de currículos e metodologias apropriadas para essa modalidade.
Mas, de acordo com PAIVA (1987) entre os sentimentos de euforia e
decepção a campanha continuava com as mesmas características do período de
1958/64. O preconceito criado contra o analfabeto colocava as pessoas adultas na
condição de socialmente inferiores e incapazes, com a falsa justificativa de não
possuírem maturidade cognitiva e conhecimentos suficientes, para participar da vida
política do país através do voto. Com a intensificação da mobilização popular, em
1962, essa visão preconceituosa começou a ser combatida, pelos grupos dos
marxistas e cristãos e mais tarde pelos movimentos populares, através da
valorização da cultura e da arte popular e entre estes estão as iniciativas concretas de
educação de adultos realizadas no Rio Grande do Norte, fundadas nas ideias do
educador Paulo Freire como a experiência de Angicos e a Campanha de Pé do Chão
Também se Aprende a Ler e Escrever na Secretaria de Natal, o Movimento de
Educação de Base da Conferencia Nacional dos Bispos do Brasil e o Movimento de
Cultura Popular no Recife. Com todos esses movimentos de valorização da cultura
popular, segundo (HADDAD E PIERRO, 2000, p. 113) a educação e adultos passou
a ser reconhecida como instrumento poderoso de ação política.
Esses movimentos populares foram se expandindo e ganhando força,
principalmente no nordeste brasileiro e em 1964 o país foi atravessado por uma onda de
repressão, que culminou com a violação de um dos mais importantes direitos humanos:
o direito a liberdade, que ficou registrado na história como o golpe militar. De acordo
com (HADDAD e DI PIERRO, 2000 p. 113) a ruptura política ocorrida com o
movimento de 64 tentou acabar com as práticas educativas que auxiliavam na
explicitação dos interesses populares. Neste período, portanto, as iniciativas de
alfabetização ligadas aos movimentos populares representavam uma ameaça para a nova
ordem política, uma vez que estas contrariavam os interesses desse regime político, por
isso, durante o golpe militar foi criado uma campanha de alfabetização denominada
Movimento Brasileiro de Alfabetização - MOBRAL para garantir o estabelecimento de
relações sociais em conformidade com o regime instituído.
Um estudo feito por JANNUZZI (1979) confrontando pedagogicamente a
concepção de alfabetização de Freire e do MOBRAL concluiu-se que neste aspecto as
concepções são totalmente opostas, porque utilizavam métodos pedagógicos diferentes,
embora usassem as mesmas técnicas. Enquanto Paulo Freire utilizava o diálogo para
desenvolver o método, o MOBRAL era basicamente antidialógico, uma vez que os
objetivos já estavam previamente definidos. Para a autora, essas diferenças eram
marcadas pela intencionalidade política que estava por trás das duas concepções, porque
enquanto a freiriana concebia alfabetizar como processo de consciência de si mesmo e
do mundo, o MOBRAL entendia alfabetizar como possibilidade de contribuir com o
desenvolvimento econômico.
Nessa perspectiva, durante vinte anos a educação de jovens e adultos esteve entre
a dominação do regime ditatorial e a emancipação dos movimentos populares, isso,
porque, mesmo diante de tanta repressão, com o exílio de alguns lideres dos
movimentos populares, eles não desapareceram e continuaram resistindo, através da
ação dos educadores populares. Somente após 1985, quando o país retomou o processo
de redemocratização, tornou-se possível a sociedade civil organizada e os movimentos
sociais populares reiniciarem seus trabalhos, ocuparem seus espaços e voltar a
reivindicar os direitos sociais e, nesse contexto, a educação de jovens e adultos
(HADDAD e DI PIERRO, 2000, p.19) será marcada pela contradição, de um lado com
a afirmação no plano jurídico e por outro a negação pelas políticas públicas. Essa
contradição revela o quanto ainda é desafiador pensar a educação de jovens e adultos
nos espaços governamentais e os esforços que os movimentos sociais populares ainda
precisarão enfrentar para assegurar a essa modalidade de educação as políticas públicas
necessárias e fazer cumprir a legislação conquistada, com muita luta, ao longo de sua
história.
2. AS POLÍTICAS PÚBLICAS DE ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA PARA
JOVENS E ADULTOS E AS CONFERÊNCIAS INTERNACIONAIS.
Conhecer a trajetória da educação de adultos e seus condicionamentos políticos,
principalmente nos períodos de maior participação e mobilização popular em torno das
questões básicas da vida em sociedade, incluindo a luta pela educação, é de fundamental
importância para a compreensão do processo de escolarização e a natureza das suas
políticas que vem sendo executadas nos âmbitos federal, estadual e municipal. Uma das
questões que a trajetória dessa educação nos revela, se refere a tensão entre o poder
hegemônico e contra hegemônico na elaboração e implementação das políticas públicas
de educação de adultos, o que vai exigir uma análise criteriosa dessas, uma vez que se
constroem como afirma BONETI (2012) nas relações entre o Estado, as classes sociais e
a sociedade civil.
(...) é possível entender como políticas públicas a ação que nasce do contexto
social, mas que passa pela esfera estatal como decisão de uma intervenção
pública numa realidade social, quer seja para fazer um investimento ou uma
mera regulamentação administrativa. Entende-se por políticas públicas o
resultado do jogo de forças que se estabelecem no âmbito das relações de
poder, relações essas constituídas pelos grupos econômicos e políticos, classes
sociais, e demais organizações da sociedade civil. (BONETI, 2012, p. 270)
Esta é a dinâmica que envolve as políticas públicas e, por isso a existência das
contradições entre os interesses dos grupos governamentais e os movimentos sociais tão
acentuadas nas ações da educação de jovens e adultos. Isso se tornou mais visível nos
anos 90 quando por força da mobilização social nacional, expressa pelos movimentos
anteriormente citados e pelas imposições econômicas que criou organismos
internacionais para favorecer a nova ordem econômica global, essa modalidade passou
por mudanças bastante significativas de regulação e emancipação no seu processo de
consolidação da escolarização básica.
Como organismo internacional governamental, a Organização das Nações Unidas
para a Educação, Ciência e Cultura – UNESCO foi responsável pelas ações de educação
de adultos e realizou seis conferências internacionais, com a primeira iniciada em 1949.
Cada uma das conferências trouxe as marcas do seu tempo histórico, onde os temas
revelam as condições políticas, sociais, econômicas, culturais e educacionais da época
com as recomendações expressas através de documentos que possibilitaram fazer uma
leitura, considerando todos os condicionamentos presentes na trajetória da educação de
adultos, que para ANÍBAL APUD SILVA (2013) torna a UNESCO um “verdadeiro
vetor estruturador do campo”.
Portanto, todas as CONFINTEA contribuíram para pensar as políticas de educação
de adultos, porém nesse texto serão destacadas apenas algumas que contribuíram de
forma mais efetiva para analisar o processo educacional, ampliando a discussão sobre a
educação dos adultos e o conceito de escolaridade. Assim a terceira CONFINTEA,
realizada em 1972, no Japão/Tóquio trouxe uma grande contribuição para pensar as
políticas de escolarização quando definiu como tema a Educação do Adulto num
Contexto de Educação Permanente. Essa conferência inaugurou um novo olhar sobre a
educação de adultos, porque passou a ser responsabilidade dos Estados, possibilitando
um repensar sobre a escolarização, a partir de uma compreensão de educação mais
política e social na dimensão dos adultos populares como descreve o Relatório Faure,
segundo BARROS (2011)
(...) o conceito de educação permanente diz respeito a todo o processo
educativo, compreendendo todas as suas formas, expressões e momentos, de
maneira a garantir a educação global (...) e preparar os adultos para exercerem
melhor a autonomia e liberdade. A educação permanente é entendida, neste
contexto, como um projeto educativo que inter-relaciona incessantemente a
dimensão individual e a dimensão social da educação, pelo que visa sobretudo
a construção de um “Homem novo” veiculando um sistema humanista de
valores coletivos. (BARROS, 2011, p.136)
Esta concepção compreende o processo educativo como expressão das várias
formas de aprendizagens inter-relacionadas com as dimensões individuais e sociais,
extrapolando, portanto, a lógica escolar de transmissão fragmentada e individualizada
de conhecimentos, propondo uma prática democrática e coletiva. Isso, porque foi
pensada com a participação efetiva dos movimentos sociais populares, com forte
influência da educação popular referendadas nas ideias de Paulo Freire, que defendia a
aproximação entre a ciência e a humanização como forma de superação da prática
autoritária e conservadora presente nas relações pedagógicas. A partir daí, foi se
delineando uma proposta para a escolarização de pessoas adultas reconhecendo suas
especificidades como sujeitos sociais e coletivos, que no enfrentamento da vida vão se
formando, e nessa dinâmica (re) constroem saberes e (re) produzem culturas.
As transformações geradas por essa terceira CONFINTEA se deram pela forma
como concebia a educação de adultos, priorizando os princípios educacionais que
consideravam o ser humano como sujeito ativo, crítico e criativo, que superavam o
limite do paradigma da educação escolar, porque reconheciam todas as aprendizagens e
conhecimentos práticos, abarcando todas as dimensões da vida. Essa concepção foi
substituída por outro paradigma denominado educação ao longo da vida, criado em
1996, cujos princípios estão descritos no Relatório Delors.
O Relatório Delors perfilha que a educação para o século 21 deve ter
subjacente os valores e os princípios fundamentais e comuns a toda a
comunidade internacional: direitos humanos, tolerância, democracia, luta
contra a pobreza, erradicação do analfabetismo, etc. O relatório apela ainda
para o papel da educação na construção da coesão social e de uma cidadania
ativa e participativa ao longo da vida. (TEODORO e JEZINE, 2011, p.185)
O Relatório refere-se às questões centrais vivenciadas pela sociedade mundial da
época, que experimentava o grande desenvolvimento tecnológico e, consequentemente,
a elaboração de novos conhecimentos. Para facilitar o acesso a esses conhecimentos, a
educação se constituiu em um instrumento de fundamental importância, por isso, esse
paradigma foi alicerçado em quatro pilares: aprender a conhecer, aprender a ser,
aprender a conviver e aprender a fazer, incorporando outros conhecimentos, além do
formal escolar, como o conhecimento não formal e informal para distinguir o
conhecimento validado pela escola do conhecimento aprendido em outros espaços e o
conhecimento natural, gerado da própria vida. Para (BARROS, 2011, p. 144) o impacto
nas estruturas sociais que essa mudança pode provocar é o que produz a maior ou menor
adesão à inovação, e é o que se constitui normalmente como objeto de debate e
controvérsia. Em sua análise houve uma ruptura com os pressupostos da educação
permanente porque esmaga o potencial de humanização pessoal (BARROS, 2011, p.
191). Já TEODORO E JEZINE citam (ROMÃO, 2002, p.101) que considera, no
mínimo, curioso um documento dessa natureza que foge aos padrões hegemônicos
servir como base para o cidadão do século 21.
O aprofundamento desse paradigma, aprendizagem ao longo da vida, se deu na
CONFINTEA VI de 2009, que aconteceu no Brasil, em Belém, com a retomada da
discussão sobre o poder da aprendizagem e da educação de adultos, reforçando a
educação não formal e informal que se aprende ao longo da vida. Como afirma o
DOCUMENTO MARCO DE BELÉM (2010, p. 06) o papel da aprendizagem é
fundamental para resolver questões globais e desafios educacionais. Neste período, a
educação de jovens e adultos, aqui no Brasil, estava sendo objeto de muitas pesquisas e
discussões em torno da escolarização estendida a todos os sujeitos independente da
idade com a garantia da continuidade ao longo da vida. Assim, Dessa forma, passou-se
a pensar a educação de jovens e adultos como processo educativo, que de acordo com
(PAIVA, 2009, p. 19) pode começar da alfabetização articulada obrigatoriamente a
outras etapas, que configurem o ensino fundamental completo. Só assim se estará
caminhando na direção de repor o direito à educação, anteriormente negado.
É neste cenário das discussões nacionais e internacionais, nos encontros e
desencontros, na luta pela contra hegemonia, envolvendo governos e movimentos
sociais que as políticas de escolarização para a educação de jovens e adultos vão se
construindo e demarcando o território, como direito, enquanto espaço de
formação/aprendizagem política e social na dimensão da humanização, capaz de
tensionar e estabelecer conflitos na perspectiva do reconhecimento como educação de
grupos específicos, jovens e adultos populares, que fazem dos saberes da vida um dos
instrumentos valiosos para compreender e intervir no mundo.
3. ESCOLARIZAÇÃO BÁSICA DE JOVENS E ADULTOS: ENTRE
POLÍTICAS COMPENSATÓRIAS E DE EMANCIPAÇÃO
Diante do que analisamos sobre as CONFINTEA podemos afirmar que o processo
de escolarização de jovens e adultos no Brasil sofreu forte influência das discussões
internacionais e que, coincidentemente, as duas últimas Conferências aconteceram no
mesmo período em que o país vivenciava um momento de redemocratização após o fim
do golpe militar de 1964. Esse período democrático, de acordo com a análise feita no
início desse texto, foi marcado por grande mobilização social e a educação de jovens e
adultos conseguiu avanços importantes, no campo da legislação.
A nova Constituição Brasileira de 1988 reconheceu, através do Artigo 208, Inciso
I, o ensino fundamental obrigatório e gratuito para todos independente da idade. Após
oito anos a Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional – LDBN, Lei nº 9.394/96
definiu a educação de jovens e adultos como direito subjetivo e assegurou no Artigo 4º,
Inciso VII e no Capítulo II, Artigo 37 a oferta de educação regular garantindo o acesso e
permanência, considerando as características do alunado, seus interesses, condições de
vida e de trabalho.
Mas foi a partir desses avanços que surgiram também os grandes desafios a serem
enfrentados pelos setores populares na luta pela a garantia de políticas que colaborassem
com a emancipação dos sujeitos jovens e adultos. O fato de o Brasil ter sediado última
CONFINTEA gerou um clima favorável e criaram-se expectativas alimentadas pelos
próprios documentos internacionais que reforçavam temas relacionados a democracia, a
liberdade e aos direitos humanos. Porém, ao mesmo tempo em que os discursos
apresentavam linguagens semelhantes, ocultavam segundo RODRIGUEZ (2009)
profundas divergências entre os mesmos significantes. Nesse sentido, a autora discute o
sentido de excluído/incluído na perspectiva da Pedagogia do Oprimido escrita por Paulo
Freire.
Ser ”excluído” não é um “estar fora de”, mas, pelo contrario, é ser parte
fundamental de uma sociedade ocupando um lugar. Politicamente subordinado,
culturalmente desierarquizado (...) Por isso, “incluir” é, na realidade, mudar de
posição em um conjunto do qual já se tomava parte (...) É portanto, um
movimento impossível sem transformações sociais, econômicas, culturais
profundas, ou seja sem conflito. (RODRIGUEZ, 2009, P. 327)
Essa visão de inclusão na perspectiva freiriana é oposta ao significado de inclusão
na visão capitalista globalizante, porém o fato da maioria das políticas educacionais se
referir a problemáticas relacionadas a cultura da paz, a diversidade cultural e a
sustentabilidade
ambiental
acaba
confundindo
e
mascarando
as
suas
reais
intencionalidades. Por isso, a necessidade de indagar para que e para quem são
elaboradas as políticas educacionais? A serviço de que e de quem estão as políticas de
escolarização básica de jovens e adultos?
As políticas de inclusão capitalista globalizante procura promover pequenas
mudanças, sem alterar a ordem hegemônica estabelecida e ideologicamente são capazes
de convencer as pessoas, através do racionalismo econômico, de que elas estão fora da
sociedade, e para se incluírem precisarão buscar formas de adequar-se as políticas
educacionais existentes. Essa situação é percebida quando são oferecidas políticas
compensatórias para a correção idade/série, que funciona segundo (PIERRO, 2008, p.
401) como um canal de reinserção no sistema educativo de adolescentes e jovens
excluídos precocemente, e de aceleração de estudos para aqueles que representam
acentuado atraso escolar.
Essa tendência de políticas supletivas e compensatórias na escolarização de jovens
e adultos começou desde as primeiras campanhas, nos anos 40, para ampliar a
alfabetização até a escolarização do ensino primário elementar (PAIVA, 1987, p. 190)
com vistas no desenvolvimento industrial da época. Após a LEI 9.394/96, passou a ser
chamada de política de certificação da educação de jovens e adultos, realizada através
do Exame Nacional de Competência da Educação de Jovens e Adultos – ENCCEJA
para o ensino fundamental, reduzindo a idade de 18 para 15 anos e o Exame Nacional
do Ensino Médio e as Comissões Permanentes de Avaliação do Estado da Bahia
reduzindo também a idade de 21 para 18 anos. Essas políticas geram como resultado a
formação de uma categoria de analfabeto chamada de analfabetos funcionais que, em
sua maioria utilizam essa precária escolaridade, devido ao pouco domínio da leitura,
escrita e cálculo, como mecanismo para sobreviver e se inserir num subemprego.
Ainda se referindo a políticas compensatórias, a escolarização dos jovens e
adultos, mesmo assegurada como direito pela legislação, continua marginalizada pelo
sistema de ensino. Nos anos 90, com o argumento que a educação de jovens e adultos
era muito dispendiosa em termos de custo e não apresentava um resultado satisfatório,
resolveu-se focalizar os recursos públicos no ensino fundamental de crianças e
adolescentes como forma estratégica de combate ao analfabetismo. Assim foi criado o
Fundo de Valorização do Ensino Fundamental – FUNDEF e as matrículas para a EJA
foram vetadas.
(...) Rompe-se, assim, o princípio da universalidade inerente ao direito humano
à educação: embora as leis maiores assegurem a todos o acesso e a progressão
na educação básica pública, gratuita e de qualidade, a focalização de recursos
para a educação escolar na faixa de 7 a 14 anos suprimiu os meios para que as
instâncias administrativas do Estado cumpram adequadamente seu dever na
provisão de ensino fundamental aos jovens e adultos. (PIERRO, 2005, p.1123)
Além dessa medida não respeitar um direito universal, vital para a formação da
pessoa, com a negação do direito a escolarização básica, colocou a educação de jovens e
adultos numa condição de marginalidade dentro dos sistemas de ensino, porque, mesmo
com o veto presidencial, a demanda continuou crescendo e os estados e municípios,
para continuar o atendimento, foram criando mecanismos para burlar o veto, e foi assim
que organizaram as classes de aceleração, como ensino regular, para atendimento aos
estudantes em defasagem idade/série e serem beneficiados pelo financiamento. Essa
medida, portanto, deixou as políticas de escolarização básica na dependência financeira
dos estados e municípios e a oferta tornou-se bastante instável. Como a instância federal
se eximiu da obrigação com essa modalidade resolveu tomar a iniciativa de realizar
parecerias com organizações sociais. Isso implicou em alguns riscos, como esclarece
(PIERRO, 2005, p. 1124) a delegação de responsabilidade pública à sociedade civil
organizada; tendência regressiva de desconstituição dos direitos educativos dos jovens e
adultos e sua conversão em filantropia privada.
Os riscos apontados por DI PIERRO (2005) trouxeram sérias consequências para
a educação de jovens e adultos. Além de ocupar um lugar marginal no sistema de
ensino, a maioria dos estados e municípios não se sentiu responsáveis pelo atendimento
prevalecendo a transferência da responsabilidade pela oferta de cursos para instituições
privadas, que por falta de conhecimento pedagógico e legal, além de recursos
insuficientes apelavam para a improvisação. Por isso, até hoje, muitos municípios
desconhecem a legislação que orienta os cursos de educação de jovens e adultos,
ignorando as Resoluções Nacionais e Estaduais e as Diretrizes Curriculares para a
Educação de Jovens e Adultos do ensino fundamental.
Para superar os efeitos gerados pelas políticas compensatórias, sabendo que
muitos desses efeitos ainda prevalecem na maioria dos sistemas de ensino brasileiros, os
coletivos populares foram desafiados a posicionar-se na sociedade da qual fazem parte,
a fim de sair do não lugar e, nesse processo, os movimentos sociais têm muito a
contribuir.
As tensas relações entre o Estado e movimentos sociais têm um território
concreto, as políticas. Os militantes ao avançar na consciência de serem
sujeitos de direitos exigem respostas do Estado. Exigem outras políticas. São
sujeitos de outra forma de elaborar, implementar políticas públicas. Lutam por
suas políticas agrária, urbana educacional (...) Ao exigir outras políticas
desocultam a função política das políticas/programas que o Estado lhe oferece.
(ARROYO, 2012, p.291)
Nessa tensão entre o Estado e os movimentos sociais, os populares se percebem
como sujeitos de direitos e passam a exigir outras políticas, para além das políticas
compensatórias, mas políticas de emancipação que possibilite a transformação das
estruturas injustas. Nesse sentido, emancipar significa o reconhecimento de que todas as
pessoas fazem parte da sociedade e como grupos politicamente situados, alguns ocupam
lugares na história que ferem a sua dignidade, pela negação de direitos, gerando
conflitos que os impulsionam a buscar transformar radicalmente a realidade política,
social, cultural e econômica pelo engajamento na luta coletiva, por melhores formas de
organizações da vida em sociedade. Portanto, emancipar é uma tarefa essencial dos
movimentos sociais populares e ai está a sua principal função enquanto instrumento de
transformação social. Isso porque os movimentos sociais empoderam os populares na
medida em que
(...) Aprende-se a não ter medo de tudo aquilo que foi inculcado como proibido
e inacessível. Aprende-se a decodificar o porquê das restrições e proibições.
Aprende-se a acreditar no poder das falas e das ideias, quando expressas em
lugares e ocasiões adequadas. (...) E aprende-se, sobretudo, a não abrir mão de
princípios que balizam determinados interesses como seus. (GOHN, 2005, p.
19)
Isso demonstra a importância da existência dos movimentos no interior da
sociedade com a participação dos grupos populares, que através da utilização de
pedagogias próprias, denominadas de educação popular, vão desvelando os significados
e rompendo com as imposições dos grupos dominantes. Daí que o termo “popular” tem
uma importância fundamental na trajetória EJA, pelas possibilidades de honrar a
origem, as necessidades e características da maioria da população (FREITAS, 2002,
P.53). Conclui-se, então, que para emancipar os sujeitos das estruturas injustas as
políticas de escolarização básica devem reconhecer os populares, e suas dinâmicas de
vida, como referência na elaboração de instrumentos e estratégias para a efetivação do
direito de aprender.
Nessa luta constante pela efetivação das políticas de escolarização básica, o
Movimento dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos tem desempenhado um papel
importante, devido a sua estrutura, organização e funcionamento. São espaços abertos,
que possuem baixo grau de institucionalidade, tem caráter suprapartidário, reúnem uma
pluralidade de organismos governamentais e não governamentais. (PIERRO, 2005, p.
1130)
Portanto, os Fóruns Estaduais são espaços abertos para pensar as políticas de
educação de jovens e tiveram uma participação efetiva nas CONFINTEA o que
contribuiu para pensar as políticas de escolarização básica de forma ampliada, uma vez
que agregam, em sua composição, as instituições governamentais e a sociedade civil
organizada representada pelos movimentos e sociais populares. O grande mérito dos
Fóruns, segundo PAIVA (2009) é estar onde antes os atores da EJA não estavam, ou
seja, concorrendo a recursos, aos cenários de discussões, marcando o lugar político da
demanda social por EJA. Essa presença é visível, através das ações que vem realizando
como movimento, principalmente no que se refere às ações de informação sobre a
legislação que orienta as ações políticas operacionais e pedagógicas da educação de
jovens e adultos; de mobilização para tensionar na elaboração de políticas públicas e na
efetivação do controle social sobre essas políticas; e na realização de encontros e
seminários nacionais de formação de professores na especificidade dessa modalidade.
Essas ações são bastante desafiadoras para os Fóruns que continuam lutando pelas
problemáticas relacionadas aos recursos financeiros, as políticas de emancipação e pelo
cumprimento das metas no Plano Nacional de Educação - PNE de 2014 a 2024.
De acordo com (PIERRO, 2010) avaliando os resultados do PNE anterior, de 2001
a 2010, para a educação de jovens e adultos constatou-se mais retrocesso do que avanço.
Isso porque, muitas metas não foram cumpridas considerando o prazo e os percentuais
que foram estabelecidos nas respectivas metas. Neste contexto os Fóruns Estaduais
lutam pela inserção da alfabetização na educação básica de jovens e adultos, e pelo fim
das políticas de programas de alfabetização no enfrentamento do analfabetismo; pela
correção do valor aluno dessa modalidade calculado pelo Fundo de Desenvolvimento da
Educação Básica - FUNDEB para aumentar a oferta em função da crescente demanda
nos estados e municípios; pela revisão do regime de colaboração, com centralização das
políticas pela união, para que os estados e municípios possam assumir os encargos pela
oferta da escolarização básica da educação de jovens e adultos.
Além desses desafios, os Fóruns, ultimamente, têm lutado para assegurar o
aumento da oferta de escolarização básica de jovens e adultos no espaço institucional da
escola. Esse espaço público, plural, considerado privilegiado para a realização de
aprendizagens, por isso, deve estar aberto para os jovens e adultos e suas experiências.
Portanto, não podemos eliminar a escola pública, como instituição social, e sim
utilizá-la como um espaço de formação, conscientização e politização em sua
essência, adotando as práticas político-educacional-culturais como
internalizadas ao fazer pedagógico de professores e alunos. Nesta perspectiva o
currículo não se elabora ou se planeja, se constrói no movimento, tendo o
diálogo como procedimento metodológico constante, em que o global e o
particular se completam, vinculados a um conteúdo fundamentado na história
de vida dos sujeitos. (JEZINE, 2002, p.06)
Nesse sentido, a escola precisa abrir-se para novas práticas educativas formais ou
informais voltadas para a emancipação dos grupos populares. Sabemos que a maioria
das escolas que existe não foi pensada para acolher os estudantes jovens e adultos, por
isso, precisamos aprender com os movimentos sociais populares como organizar as
escolas para os jovens e adultos, e ofertar a escolarização básica, de forma que garanta o
acesso e a permanência dos estudantes, com a garantia de aprendizagens, transformando
a escola com a efetivação de currículos emancipatórios, com tempos e espaços
pedagógicos diferenciados, voltados para os reais interesses e necessidades do tempo da
juventude e da idade adulta, tendo a história de vida dos coletivos de estudantes e de
docentes como conteúdos fundantes, articulados com as áreas de conhecimento escolar,
levando em conta a diversidade social, regional, étnica e cultural em que vivem.
CONSIDERAÇÕES PARCIAIS
Essa breve análise sobre a trajetória da educação de adultos - EA que, atualmente
denominamos de educação de jovens e adultos - EJA, mostrou a intensidade das
interconexões dos movimentos sociais, principalmente dos setores populares, com essa
educação. Uma das razões está no fato desta ter-se originado da iniciativa social. Nos
dois momentos de (re) democratização do país, entre as décadas de 40 até o início de 60
e nos anos 90, a educação de pessoas jovens e adultas passou por significativas
transformações.
Inicialmente com políticas de programas de alfabetização, com destaque a
Campanha de Adolescentes e Adultos – CAA, movidas pelos interesses de governos
que usavam a alfabetização como estratégia para o desenvolvimento econômico. Esses
interesses entraram em choque com as aspirações dos movimentos sociais de tendência
popular que entendiam o processo de alfabetização como uma condição humana.
Vários fora os movimentos sociais que eclodiram nessa época com a participação
de marxistas e cristãos. Esses movimentos se fortaleceram e passaram a realizar
encontros e congressos, para discutir às questões relacionas ao analfabetismo e as
políticas de governo. Eles tiveram uma atuação importante na valorização do saber, da
cultura e da arte popular, empoderando as pessoas analfabetas e, assim, começaram a
combater o preconceito contra o analfabeto e defender o direito ao voto.
Esses movimentos também foram importantes para pensar a escolarização de
jovens e adultos, lançando as bases para a construção de uma concepção na perspectiva
dos populares, articulando saberes/vida/ciência como demonstrou a experiência de
Angicos, em Natal/RN, onde Paulo Freire, através da educação popular, conseguiu unir
povo/universidade/governo para juntos realizarem a leitura do mundo e a leitura da
palavra.
As Conferencias Internacionais de Educação de Adultos, realizadas pela
UNESCO, também desempenharam um papel importante, na medida em que se
tornaram um espaço mundial de discussão, com a possibilidade, em alguns momentos,
da participação dos movimentos sociais populares. Aqui no Brasil essa participação foi
marcada na CONFINTEA III com inovações de práticas educativas, e na CONFINTEA
VI com a participação efetiva, através dos Fóruns de Educação de Jovens e Adultos, na
elaboração do documento base preparatório, o que demonstrou, que mesmo com a
ditadura militar, as discussões continuaram com temáticas provocativas que desafiavam
os movimentos populares, criando tensão entre os interesses representados pelo poder
hegemônico e os grupos populares que lutavam por justiça social.
Os avanços conseguidos atualmente na escolarização de jovens e adultos deve-se a
todo esse processo de luta: a garantia do direito, a gratuidade da educação básica, o
reconhecimento da especificidade dos estudantes da EJA e suas histórias de vida, as
políticas de formação de professores, de alimentação escolar, de financiamento e do
livro didático, todos assegurados pela legislação. Porém, a maioria destas conquistas
ainda não se tornou realidade em muitos sistemas de ensino dos estados e municípios e,
por isso, há uma tendência de aproximar mais a educação de jovens e adultos e o
processo de escolarização dos movimentos de educação popular para fortalecer essa
modalidade para que ocupe o seu lugar, dentro do sistema de ensino brasileiro, como
política de Estado.
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