FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O PACTO NACIONAL PELA ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: PELA VALORIZAÇÃO DOS SABERES DOCENTES Jarles Lopes de Medeiros1 Universidade Estadual do Ceará Samia Paula dos Santos2 Universidade Federal do Ceará Resumo Este trabalho discute o processo de formação docente e as implicações do programa Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) na prática dos professores de Educação Básica da rede pública de ensino do Município de Maracanaú. Esse se tornou nos últimos dois anos numa das principais formas dos professores seguirem a formação continuada. Como metodologia utilizamos a pesquisa qualitativa, de caráter bibliográfico, em que autores como Freire (2009) e Tardif (2011), dentre outros, balizaram as discussões teóricas. Realizamos uma pesquisa de campo e, para a coleta de dados, utilizamos os questionários de entrevistas semiestruturados. Os resultados apontam que a maioria dos professores entrevistados considera o programa relevante para suas práticas docentes. Palavras-chaves: Educação; PNAIC; Formação Docente. 1. INTRODUÇÃO O atual panorama da Educação Básica brasileira não é muito estimulante. Os alunos chegam às escolas sem perspectivas atraentes de vida. Essas, cada vez mais alheias aos educandos, assumem uma postura imparcial e egoísta. Estão muito mais preocupadas em atingirem um padrão de qualidade imposto pelas políticas educacionais, do que com o desenvolvimento social e cognitivo de seus estudantes. Dessa forma, a instituição escolar, desvinculada do aluno, perde-se de sua função essencial e de suas raízes: a educação. A escola está sobrecarregada de funções. Delegaram-lhe a difícil tarefa de educar integralmente os alunos. Como se a influência da mídia e dos movimentos sociais e históricos não interferissem nesse processo. A sociedade está cada vez mais complexa e as diversas configurações familiares exigem novas posturas governamentais em relação às políticas públicas educacionais. A família, que negligencia a educação de seus filhos, muitas vezes a desconstrói, não contribuindo com a educação escolar. 1 Graduado em Pedagogia (UECE) e especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica (FALC). Professor de Educação Básica na Prefeitura Municipal de Maracanaú. E-mail: [email protected]. 2 Aluna do Mestrado Acadêmico em Educação (UFC) e graduada em Pedagogia (UECE). E-mail: [email protected]. Escola e família estão desconectadas, assim como escola e sociedade. Nesse contexto, a escola pública resiste e persiste, tendo que educar sozinha, social e cientificamente, seus alunos. A relação entre família e escola se encontra cada vez mais desgastada. Sobre esse assunto, Sayão (2011) aponta que a escola começa a reclamar que a família não estaria dando conta do seu papel, de educar e impor limites. Para agravar ainda mais essa relação, os professores ainda têm a sua autoridade profissional contestada a cada instante. A família critica a escola de não estar educando seus filhos. Existe uma crise generalizada quanto aos papéis dessas duas instituições, existindo uma acusação mútua. De acordo com a autora, a escola não pode assumir sozinha o papel de educar os filhos, até por que a sua função não é essa. Os professores não têm formação para educar filhos, e sim alunos. Um de seus papéis é formar cidadãos, assegurando-lhes o acesso ao patrimônio cultural da humanidade. O que acontece é que a escola quer mandar na família, e esta quer mandar na escola. Há uma exigência que o professor se torne o professor mãe, o que acaba deixando vago o lugar desse profissional. De uma forma geral, perdemos o limite de onde termina a escola e começa a família. Aquela não pode dizer às famílias como educar seus filhos. Muitas crianças se encontram abandonadas nas instituições de ensino, e estas acusam seus familiares de não cumprirem os seus papéis. A função da escola não deve se limitar à preparação para o mercado de trabalho, tampouco à formação do sujeito moral. Uma de suas funções é preparar os indivíduos para a vida, para interpretar o mundo, contribuindo para a sua formação humana. Devemos superar essa visão utilitarista do conhecimento. O processo educativo é muito mais amplo do que a aquisição dos conhecimentos técnicos e científicos. Para Charlot (2000), a educação transmite os avanços de cada geração, substituindo a evolução biológica pela cultural. No entanto, no contexto da sociedade capitalista, a educação tem sido limitada às instituições formais de ensino, que são asseguradoras dos títulos necessários para o ingresso no mercado de trabalho, uma vez que a entrada e a permanência no trabalho passaram a depender do nível de escolaridade conquistado. A relação entre trabalho e educação é assegurada pelo diploma. Dessa forma, vivemos numa sociedade do conhecimento, em que as informações técnicas e científicas são supervalorizadas em detrimento do saber e da compreensão. O autor destaca que a educação, ao não preparar para a vida, atrapalha o próprio processo educativo. Em nossa sociedade, em que o trabalho é concebido como fonte de exploração e de acumulação de riquezas, a educação não cumpre o seu papel de educar para a vida. A escola e o trabalho são vistos apenas sob a ótica do desenvolvimento econômico. Porém, acabamos por esquecer que o trabalho também é fonte de educação. Existem coisas que aprendemos no nosso cotidiano, no decorrer do trabalho, que são impossíveis de serem aprendidas nos ambientes formais de ensino. Assim, não podemos conceber a escola como único espaço educativo. 2. O PNAIC FRENTE AO DESAFIO DA ESCOLA PÚBLICA Há um descompasso entre discursos e práticas na educação brasileira. Existe legislação suficiente para mudar o atual quadro de sono por qual passa o ensino público. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996) diz em seu artigo 1°, §2° que “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à prática social.” E, continua no artigo 2º, que a educação “[...] tem por finalidade o pleno desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua qualificação para o trabalho”. Esse é o principal objetivo da educação escolar. No campo da teoria, ou das intenções legais, a escola seria um instrumento de luta e emancipação social, articulada às inúmeras realidades sociais, possuindo um caráter crítico e não alienante. No entanto, o que se observa no cotidiano das escolas é que a relação entre escola e formação humana está cada vez mais comprometida em detrimento dos conhecimentos técnicos sistematizados. Logo no início do texto da LDB, comparandose com a realidade das escolas, já começa a se descortinar a contradição que há entre a legislação educacional e a prática nas escolas. Reflexo dessa contradição é que a Educação Básica pública está carente de políticas qualitativas. A evasão e os altos índices de fracasso escolar3 apontam um problema que merece atenção: a escola está desinteressante para o aluno e ela não cumpre a sua função social, que é a educação plena do indivíduo. Os alunos estão concluindo o ciclo da Educação Básica sem compreender os conteúdos, muitos sequer aprendem a ler criticamente. Diversas formas de avaliações externas foram implantadas pelo Governo Federal a fim de verificar a qualidade da Educação Básica, tais como: Exame Nacional do 3 De acordo com o Ministério da Educação (MEC) o índice de abandono escolar em 2012 foi de 24,3%. Disponível em: http://www.brasil.gov.br/educacao/2013/11/mec-cria-grupo-para-examinar-causa-deevasao-escolar. Acesso em: 01/08/2014). Ensino Médio (ENEM), Provinha Brasil, Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE), dentre outras. Essas avaliações nem sempre representam a realidade das escolas, pois elas estão voltadas mais para aspectos quantitativos. Nesse contexto, o professor se encontra em linha de frente com os alunos, tendo que educá-los para o convívio em sociedade e ao mesmo tempo prepará-los para tais avaliações. Em 2012 o Governo Federal, juntamente com os estados e os municípios, implantou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que tem como objetivo principal assegurar que todas as crianças concluam o processo de alfabetização até a 3º série do Ensino Fundamental I4. Esse projeto é a continuação de um anterior, o Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), desenvolvido pelo Governo do Estado do Ceará entre os anos de 2007 a 20115, e implantado nos municípios cearenses. Atualmente, o programa PAIC continua em exercício, paralelamente ao PNAIC, proporcionando formações aos professores do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I. O PNAIC oferece formações para os professores da rede pública de ensino do 1º ao 3º ano do Ensino Fundamental I, além de disponibilizar material de apoio. Essas formações têm como objetivos despertar a reflexão metodológica nos docentes, para que estes possam redimensionar suas práticas e assegurar aos alunos, através desses profissionais, um processo de alfabetização consistente, dentro do prazo limite que é até o final do 3º ano. Muito se tem especulado sobre esses programas. Os professores que participam das formações do PNAIC, de uma forma geral, criticam a proposta e a metodologia dos formadores. Muitos afirmam que esse programa não comporta a complexidade da escola pública e não surte os efeitos desejados. Outra crítica é a de que o PNAIC funciona como uma espécie de treinamento dos professores, para que os mesmos repassem “instruções” aos seus alunos, a fim de que possam obter bons resultados nas avaliações externas, como a ANA, por exemplo, valorizando aspectos quantitativos em detrimento dos qualitativos. Partindo dessa angústia dos professores em relação ao programa, realizamos uma pesquisa de campo com trinta professores da rede pública de ensino do Município de Maracanaú que participam do PNAIC. Utilizamos para a realização desse trabalho 4 Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/o-pacto. Acesso em: 18/06/2014. Disponível em: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/o-paic/objetivos-e-competencia. Acesso em 19/062014. 5 uma coleta de dados por meio de questionários contendo entrevistas semiestruturados, o qual nos proporcionou ter uma visão geral dos professores em relação às propostas do programa. A pesquisa evidenciou a consciência dos professores sobre a importância do PNAIC como meio de formação continuada, contribuindo para a melhoria de suas práticas, uma vez que o programa apresenta teorias que subsidiam o cotidiano desses profissionais. Os resultados apontam que 64% dos entrevistados consideram o programa importante para sua prática docente. No entanto, em relação às implicações do programa nas práticas docentes, esse número cai, uma vez que apenas 45% concordam em partes que mudaram suas posturas profissionais após essas formações. 2.1. O processo de leitura e escrita para além do conhecimento sistematizado Os dados da pesquisa revelam a importância de programas de formação continuada para a prática docente. Porém, não podemos concebê-los como fins em si mesmos para a superação das dificuldades de leitura e escrita enfrentadas pelos alunos das escolas públicas. Nesse sentido, é fundamental a conscientização de que o processo de alfabetização não se dá de forma isolada da vida. É fundamental ampliarmos esse conceito, ressignificando o que se aprende dentro e fora da escola. Frequentemente, as práticas educativas estão pautadas em concepções teóricas e metodológicas que dicotomizam, no processo de alfabetização, a leitura e a escrita, contribuindo para uma concepção mecânica e fragmentada dos conteúdos. Freire (2009, p. 39) destaca que essa “[...] docotomia entre ler e escrever nos acompanha sempre, como estudantes e professores. [...] No fundo, isso lamentavelmente revela o quanto nos achamos longe de uma compreensão crítica do que é estudar e do que é ensinar”. Em pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Educação6 (SME), em 2013 na Cidade de Fortaleza, foi constatado que 13.747 crianças que cursam entre o 3º e 5º ano do Ensino Fundamental I da rede pública de ensino não sabem ler e nem escrever. O número representa em torno de 21% dos 64.000 alunos matriculados nas referidas séries. Esse quadro é uma realidade na escola pública, o que acaba por angustiar muitos professores. As salas de aulas comportam uma diversidade de alunos que se encontram em diferentes níveis de aprendizagem. Ao mesmo tempo em que os professores devem repassar os conteúdos necessários para a série em questão, sendo orientados pelo 6 Disponível em: < http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/26995/alunospassam-de-ano-sem-saber-ler-nem-escrever/>. Acesso em: Dez de 2014. material didático, esses profissionais têm que desenvolver estratégias para alfabetizar paralelamente alguns alunos. Muitas vezes, essas situações prejudicam o desenvolvimento das aulas, uma vez que os alunos que não sabem ler ou escrever ficam desmotivados e alguns não conseguem se concentrar, não percebendo sentido nos conteúdos que ora são abordados. Esses estudantes, que não tiveram consolidadas as bases para o processo de construção do conhecimento sistematizado, ou seja, a leitura e a escrita, permanecem alheios à escola. Sobre as dificuldades de leitura e escrita, o Grupo de Pesquisa Ética, Educação e Formação Humana, vinculado ao Centro de Educação da Universidade Estadual do Ceará (UECE), desenvolveu a pesquisa intitulada “Interferências da Leitura na Construção do Conhecimento e na Formação Docente7”, que tinha como um dos principais objetivos discutir as dificuldades envoltas no processo de leitura e escrita que os alunos do Curso de Pedagogia da UECE enfrentavam. Por meio da metacognição – processo que consiste na capacidade do sujeito refletir sobre os seus próprios processos de aquisição de conhecimentos, de identificar as suas dificuldades nesse processo, a fim de desenvolver e utilizar estratégias de superação – os alunos relataram e analisaram o seu processo de construção do conhecimento. Com isso, identificaram as suas principais dificuldades relacionadas à leitura e à escrita (ARRAIS e MEDEIROS, 2013). O Grupo constatou que os alunos chegam à universidade com dificuldades de leitura e escrita que não foram solucionadas no período escolar. Os textos acadêmicos exigem uma maturidade intelectual e uma criticidade que em muitos casos não foram conquistadas naquele período. Em relação à escrita, são nos trabalhos acadêmicos, principalmente durante a produção de artigos e monografias, que essas dificuldades ficam mais evidentes. A referida pesquisa evidenciou uma continuidade entre as etapas de ensino, que as dificuldades enfrentadas durante a Educação Básica produzem sérias implicações na formação universitária durante o Ensino Superior. Essa questão pode trazer à tona inúmeras discussões a respeito de como a educação brasileira está organizada. Na rede pública de ensino não é incomum encontrarmos alunos com sérias dificuldades de aprendizagem que estão cursando o 5º ano do Ensino Fundamental I, mas que ainda não sabem ler e escrever. Comumente, alunos como esses não têm suas dificuldades 7 Projeto de pesquisa desenvolvido sob a orientação da Profa. Dra. Rosa Maria Barros Ribeiro. Tal pesquisa foi realizada no período de 2010 a 2012. superadas e são promovidos para a série seguinte. Para superar essa situação, o PNAIC foi criado para que o processo de alfabetização fosse concluído até a 3º série do Ensino Fundamental I, quando a criança teria oito anos de idade. Nesse contexto, o PNAIC se encontra frente ao desafio de reverter essa situação. No entanto, um programa educacional não resolve sozinho os problemas os quais enfrenta a escola pública. Esquece-se que são as práticas que definem as teorias, e não o contrário. Não podemos ficar de braços cruzados à espera que um programa desenvolvido pelo governo resolva os problemas de leitura e escrita. Para contribuir para a resolução desse quadro é fundamental que os professores assumam uma posição crítica frente à realidade que atuam, articulando os fundamentos propostos pelo programa, mas também refletindo sobre suas práticas e metodologias. Esse profissional seguir no processo de formação continuada é fundamental para a melhoria do processo educativo dos seus alunos, uma vez que, como disse Freire (2009), não é possível ensinar sem estudar. Sem dúvidas são inúmeros os problemas que a escola pública enfrenta no Brasil, e que a responsabilidade não pode recair sobre os professores. Esses, juntamente com os alunos, encontram-se em linha de frente, diariamente, tendo que superarem a escassez e a falta de apoio por parte do governo e até mesmo dos gestores da escola. Discutir tal problemática não poderia ser feito de forma simplista, pois perpassaria diversos tópicos, dentre eles os assuntos relacionados à política e à família. Esse trabalho é apenas um recorte, sobre a ótica da formação docente. 3. SABERES DOCENTES: A PRÁTICA E A TEORIA Como todo trabalho de pesquisa, partimos inicialmente de um problema: que os saberes e experiências conquistados e acumulados pelos professores ao longo de suas formações iniciais e suas carreias docentes não são considerados e/ou valorizados nas formações do PNAIC, resultando no empobrecendo o programa. Tal hipótese foi fruto de nossas experiências pessoais com o referido programa, uma vez que, como professores de Educação Básica de rede pública de ensino nos Municípios de Fortaleza, Caucaia e Maracanaú, participamos ao longo do ano de 2013 e 2014 das formações do programa. No entanto, durante a pesquisa de campo, 73% dos entrevistados consideram que suas experiências profissionais foram valorizadas pelo programa. Atualmente, existe uma desvalorização dos saberes docentes. Isso é fruto de uma visão fabril dos conhecimentos, em que a produção científica é supervalorizada em detrimento da prática. Tal concepção prioriza os conhecimentos produzidos no meio acadêmico, nas universidades. Muitos desses saberes são elaborados por pesquisadores acadêmicos que, em muitos casos, pouco conhecem o ambiente escolar. Isso resulta na dicotomia entre pesquisa e ensino, entre universidade e escola. Os defensores dessa concepção acreditam que apenas as instituições de Ensino Superior são detentoras do poder de produção dos conhecimentos. Assim, os saberes construídos no chão da escola não são valorizados cientificamente, existindo uma desvalorização dos saberes oriundos da prática do professor em relação aos conhecimentos sociais, escolares e universitários. Tardif (2014) questiona essa supervalorização dos conhecimentos acadêmicos em detrimento dos saberes frutos da prática docente, defendendo que os professores ocupam uma posição tão importante quanto a comunidade científica. No entanto, os saberes escolares não são produzidos pelos professores. Esses assumem o papel de transmissores dos saberes. Existe uma divisão dos trabalhos entre os produtores do saber (cientistas e acadêmicos) e os seus executores (professores). De uma forma geral, é apenas durante a formação universitária que os professores têm acesso às teorias educacionais. Os teóricos da educação dificilmente atuam no meio escolar, constituindo-se, assim, uma relação de alienação entre os docentes e os saberes. O autor afirma que existe uma relação de temporalidade em relação à aquisição de tais saberes. Primeiramente, antes de iniciar sua carreira profissional na escola, o professor já frequentou o seu ambiente de trabalho, nos tempo de estudante de Educação Básica. Portanto, leva impressa em sua prática uma concepção de ensino e aprendizagem, estando os saberes relacionados a uma questão biográfica, de suas memórias como estudante. A outra forma de aquisição desse conhecimento diz respeito a sua formação inicial na universidade, onde o futuro professor tem acesso às teorias educacionais. No entanto, é na prática que tais saberes se efetivam, uma vez que o professor vai filtrar o que é mais relevante no uso diário na sala de aula, quais teorias melhor se aplicam a determinadas situações. Essa última aquisição está relacionada aos saberes oriundos da prática, da profissão. Porém, o processo de formação deve ser contínuo, a fim de possibilitar a aquisição de novos conhecimentos. Portanto, os saberes docentes são temporais, pois são utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira. “Há muito mais continuidade do que ruptura entre o conhecimento profissional do professor e as suas experiências pré-profissionais” (TARDIF, 2014, p. 72). 3.1 A diversidade nas relações escolares e os saberes docentes: o professor como sujeito A escola é um espaço criador, de interação e de reflexão. Não podemos exigir nem oferecer apenas um padrão a ser seguido. Quando falamos em educação não podemos falar em homogeneizações. O ser humano, em sua diversidade, é capaz de criar e recriar a si e ao meio, aprendendo com o diferente, com o outro. Conviver com a diversidade é o caminho possível e enriquecedor para o processo educativo. Nesse contexto, o professor em sala de aula encontra inúmeros desafios, pois lida diariamente com uma diversidade de alunos em diferentes níveis de aprendizagem. O material didático valoriza o padrão, a homogeneização. Se o professor não estiver em constante processo de formação continuada, sempre aberto às novas tecnologias e metodologias, ele encontrará sérias dificuldades em obter êxitos no processo de alfabetização, leitura e escrita dos alunos. Apesar da importância das vivências profissionais, a prática educativa não pode se limitar à experiência de vida do professor, tampouco ser sobrecarrega de concepções teóricas que estigmatizem as subjetividades docentes. O professor deve estar sempre a estudar no intuito de aprender mais sobre os conteúdos e suas metodologias, bem como compreender as implicações sociais e de suas subjetividades nesse processo. Devendo estar à frente de sua formação, como sujeito, disposto a aprender e a ensinar. Para tanto, é fundamental que ele seja considerado e valorizado durante o seu processo de formação continuada, uma vez que os saberes sistematizados não estão dissociados das relações sociais e das subjetividades dos sujeitos. Tardif (2014, p. 11) destaca não ser possível [...] falar do saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com o contexto do trabalho: o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma coisa que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está relacionado com a pessoa e com a identidade deles, com a sua experiência de vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso, é necessário estudá-lo relacionando-o com esses elementos constitutivos do trabalho docente. Em sala de aula, como professores, culpamos o aluno por ele não ter um bom rendimento escolar, ao mesmo tempo em que nos sentimos frustrados e incapacitados de reverter essa situação negativa. Reclamamos a maior parte do tempo sobre a indisciplina e a falta de interesse por parte dos alunos. Porém, não buscamos alternativas consistentes para reverter essa situação. Nos encontros formativos do PNAIC, era muito comum ouvirmos as lamentações dos professores sobre esse assunto. Mas quando os formadores ofereciam alternativas teóricas, que exigiam uma leitura mais profunda e crítica, os professores em questão se tornavam parecidos com seus alunos: não liam o material proposto, e, quando o faziam, era de forma descompromissada e sem profundidade. Concordamos com Freire (2009) que não seja possível seguir a carreira docente, por longo período e de forma prazerosa, com descompromisso e sem estudo contínuo. Nesse sentido, o autor afirma que, [...] a tarefa do ensinante, que é também aprendiz, sendo prazerosa é igualmente exigente. Exigente de seriedade, de preparo científico, de preparo físico, emocional, afetivo. É uma tarefa que requer de quem com ela se compromete um gosto especial de querer bem não só aos outros, mas ao próprio processo que ela implica. É impossível ensinar sem essa coragem de querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma desistência. [...] É preciso ousar para dizer, cientificamente e não bla-blamente, que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso corpo inteiro (FREIRE, 2009, p. 11-12). Ninguém caminha sozinho, o tempo todo nos apoiando no que outras pessoas já fizeram e estamos sempre a contribuir de alguma forma. As formações do PNAIC visam uma melhoria qualitativa na prática do professor e no processo de construção do conhecimento por parte dos alunos. O programa é fundamentado em teorias, em estudos de vários autores que vem ao longo do tempo contribuindo para melhorar a realidade da escola. Os professores precisam se conscientizar de que o seu processo de estudo não se encerra com a conclusão da sua graduação, sendo fundamental o processo de formação continuada. As instituições de ensino são compostas por atores sociais, portanto, são históricas e estão constantemente em movimento. Para o bom desempenho em sala de aula, é necessária uma atualização constante, para que possamos compreender os fenômenos sociais que se desenvolvem em tais espaços. Imaginemos um professor que concluiu sua graduação em meados da década de 1970 e que nunca deu seguimento ao processo de formação continuada. Esse profissional, possivelmente, não teria tido acesso às teorias que surgiram nas décadas seguintes referentes, por exemplo, às teorias relacionadas às Dificuldades de Aprendizagem e até mesmo ao enfrentamento da prática do bullying. Como professores, não podemos cair no abismo das fragmentações, o qual prima pela especialização em determinadas áreas do saber que não dialogam entre si, restrita às áreas de interesse. Estamos destacando aqui a importância desses profissionais seguirem os seus processos de formação continuada para além da gratificação financeira promovida pelo título de especialista. Para compreendermos os alunos, devemos concebê-los de forma global. E essa compreensão não nos é oferecida ao longo de nossa formação inicial. Estudar é preciso, sempre. Os profissionais da educação precisam se conscientizar disso. 4. CONSIDERAÇÕES FINAIS Como professores de Educação Básica da rede pública de ensino, é possível percebermos que, independentemente de políticas públicas impostas na escola para se alcançar um índice consideravelmente positivo de alfabetização dos alunos, o que realmente faz a diferença, numa contribuição qualitativa rumo à aprendizagem significativa, são as posturas dos professores ao abordarem o tema, ao intervirem nos conflitos diários. Pequenas atitudes fazem a diferença. No entanto, ao invés disso, muitos silenciam e ficam de braços cruzados à espera de uma intervenção exterior à escola, ao mesmo tempo em que cultivam resistências às novas possibilidades teóricas e metodológicas, preferindo se embasarem em suas experiências pessoais e profissionais. De acordo com a pesquisa de campo realizada, 100% dos professores entrevistados consideram que os conhecimentos oriundos da prática docente não são menos importantes do que os conhecimentos teóricos, havendo uma relação de complementação e diálogo entre os mesmos. A seguir, destacamos as considerações de um participante da pesquisa: Não considero as teorias educacionais mais importantes que as práticas docentes, nem essas mais relevantes que aquelas. Há saberes que são aprendidos apenas na sala de aula. Entretanto, é preciso que o professor conheça as diversas concepções pedagógicas para embasar as suas experiências docentes. Ele precisa, constantemente, estudar as teorias educacionais para revisar suas práticas, então conseguirá melhorar a qualidade do seu trabalho com os alunos. A fala desse professor releva a importância de se cultivar a consciência a respeito da formação continuada na prática docente. A relevância de se discutir a temática é essencial para a compreensão dos fenômenos educacionais que ocorrem na escola pública. Estudos voltados para esse tema são de suma importância, uma vez que vivemos numa sociedade letrada, onde a palavra escrita está por toda a parte, e que aprender a ler e a escrever com criticidade se torna condição sinequa non para o exercício da cidadania. Em pleno século XXI, ainda assistimos com certa naturalidade nossos alunos com dificuldades leitoras ao passo que a organização escolar faz vistas grossas, promovendo tais alunos para a série seguinte sem que eles tenham adquirido conhecimentos suficientes. Dessa forma, o problema do fracasso escolar não é resolvido, pelo contrário, com essa negligência ele apenas é agravado. Não podemos compreender o mundo em que vivemos de forma unilateral. Estamos envoltos numa teia de ralações em que cada elemento sofre e exerce influência sobre os demais. Os fenômenos naturais e sociais que acontecem no oriente não dizem respeito mais somente àqueles povos. Vivemos na era da globalização, em que dependemos mutuamente uns dos outros. A educação não está desassociada dos fenômenos sociais. Para compreender o processo educativo é fundamental levarmos em conta a realidade social sobre a qual se alicerça a educação. Necessitamos superar a concepção da Ciência Moderna que fragmenta os sujeitos em diversas partes que não dialogam entre si. O processo educativo vai na contramão da fragmentação, pois é dialógico. Necessitamos compreender o aluno como um todo. Não podemos ser concebidos de forma fragmentada, até mesmo por que o nosso desenvolvimento não é fragmentado. Ninguém desenvolve somente a parte cognitiva para depois desenvolver a parte motora ou social. O nosso desenvolvimento é global e necessitamos ampliarmos nossa concepção de desenvolvimento para avançarmos nos processos educativos. 5. REFERENCIAS ARRAIS, Gardner de Andrade; MEDEIROS, Jarles Lopes de. Leitura acadêmica: dificuldades e caminhos na perspectiva freireana. In: V Fórum Internacional de Pedagogia, 5, 2013, Vitória da Conquista. Anais Fiped V (2013). Realize Eventos e Editora, 2013. Vol. 1, nº 2. BRASIL, Ministério da Educação. Lei nº 9.393, de 20 de dezembro de 1996. Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996. CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo: Cortez, 2000. FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho d’Agua, 2009. SAYÃO, Rosely. Filhos...melhor não tê-los? In: AQUINO, Groppa; RIZZO, Sérgio; SAYÃO, Rosely; TAILLE, Yves de La. Família e educação: quatro olhares. Campinas, SP: Papirus, 2011. p. 17-48. TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 16º ed. Petrópolis, RJ: Vozes, 2014.