Formação de Professores e o PNAIC Jarles Lopes de

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FORMAÇÃO DE PROFESSORES E O PACTO NACIONAL PELA
ALFABETIZAÇÃO NA IDADE CERTA: PELA VALORIZAÇÃO DOS
SABERES DOCENTES
Jarles Lopes de Medeiros1
Universidade Estadual do Ceará
Samia Paula dos Santos2
Universidade Federal do Ceará
Resumo
Este trabalho discute o processo de formação docente e as implicações do programa
Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC) na prática dos professores
de Educação Básica da rede pública de ensino do Município de Maracanaú. Esse se
tornou nos últimos dois anos numa das principais formas dos professores seguirem a
formação continuada. Como metodologia utilizamos a pesquisa qualitativa, de caráter
bibliográfico, em que autores como Freire (2009) e Tardif (2011), dentre outros,
balizaram as discussões teóricas. Realizamos uma pesquisa de campo e, para a coleta de
dados, utilizamos os questionários de entrevistas semiestruturados. Os resultados
apontam que a maioria dos professores entrevistados considera o programa relevante
para suas práticas docentes.
Palavras-chaves: Educação; PNAIC; Formação Docente.
1. INTRODUÇÃO
O atual panorama da Educação Básica brasileira não é muito estimulante. Os
alunos chegam às escolas sem perspectivas atraentes de vida. Essas, cada vez mais
alheias aos educandos, assumem uma postura imparcial e egoísta. Estão muito mais
preocupadas em atingirem um padrão de qualidade imposto pelas políticas
educacionais, do que com o desenvolvimento social e cognitivo de seus estudantes.
Dessa forma, a instituição escolar, desvinculada do aluno, perde-se de sua função
essencial e de suas raízes: a educação.
A escola está sobrecarregada de funções. Delegaram-lhe a difícil tarefa de
educar integralmente os alunos. Como se a influência da mídia e dos movimentos
sociais e históricos não interferissem nesse processo. A sociedade está cada vez mais
complexa e as diversas configurações familiares exigem novas posturas governamentais
em relação às políticas públicas educacionais. A família, que negligencia a educação de
seus filhos, muitas vezes a desconstrói, não contribuindo com a educação escolar.
1
Graduado em Pedagogia (UECE) e especialista em Psicopedagogia Institucional e Clínica (FALC).
Professor de Educação Básica na Prefeitura Municipal de Maracanaú. E-mail: [email protected].
2
Aluna do Mestrado Acadêmico em Educação (UFC) e graduada em Pedagogia (UECE). E-mail:
[email protected].
Escola e família estão desconectadas, assim como escola e sociedade. Nesse contexto, a
escola pública resiste e persiste, tendo que educar sozinha, social e cientificamente, seus
alunos.
A relação entre família e escola se encontra cada vez mais desgastada. Sobre
esse assunto, Sayão (2011) aponta que a escola começa a reclamar que a família não
estaria dando conta do seu papel, de educar e impor limites. Para agravar ainda mais
essa relação, os professores ainda têm a sua autoridade profissional contestada a cada
instante. A família critica a escola de não estar educando seus filhos. Existe uma crise
generalizada quanto aos papéis dessas duas instituições, existindo uma acusação mútua.
De acordo com a autora, a escola não pode assumir sozinha o papel de educar os
filhos, até por que a sua função não é essa. Os professores não têm formação para
educar filhos, e sim alunos. Um de seus papéis é formar cidadãos, assegurando-lhes o
acesso ao patrimônio cultural da humanidade. O que acontece é que a escola quer
mandar na família, e esta quer mandar na escola. Há uma exigência que o professor se
torne o professor mãe, o que acaba deixando vago o lugar desse profissional. De uma
forma geral, perdemos o limite de onde termina a escola e começa a família. Aquela não
pode dizer às famílias como educar seus filhos. Muitas crianças se encontram
abandonadas nas instituições de ensino, e estas acusam seus familiares de não
cumprirem os seus papéis.
A função da escola não deve se limitar à preparação para o mercado de trabalho,
tampouco à formação do sujeito moral. Uma de suas funções é preparar os indivíduos
para a vida, para interpretar o mundo, contribuindo para a sua formação humana.
Devemos superar essa visão utilitarista do conhecimento. O processo educativo é muito
mais amplo do que a aquisição dos conhecimentos técnicos e científicos.
Para Charlot (2000), a educação transmite os avanços de cada geração,
substituindo a evolução biológica pela cultural. No entanto, no contexto da sociedade
capitalista, a educação tem sido limitada às instituições formais de ensino, que são
asseguradoras dos títulos necessários para o ingresso no mercado de trabalho, uma vez
que a entrada e a permanência no trabalho passaram a depender do nível de escolaridade
conquistado. A relação entre trabalho e educação é assegurada pelo diploma. Dessa
forma, vivemos numa sociedade do conhecimento, em que as informações técnicas e
científicas são supervalorizadas em detrimento do saber e da compreensão.
O autor destaca que a educação, ao não preparar para a vida, atrapalha o próprio
processo educativo. Em nossa sociedade, em que o trabalho é concebido como fonte de
exploração e de acumulação de riquezas, a educação não cumpre o seu papel de educar
para a vida. A escola e o trabalho são vistos apenas sob a ótica do desenvolvimento
econômico. Porém, acabamos por esquecer que o trabalho também é fonte de educação.
Existem coisas que aprendemos no nosso cotidiano, no decorrer do trabalho, que são
impossíveis de serem aprendidas nos ambientes formais de ensino. Assim, não podemos
conceber a escola como único espaço educativo.
2. O PNAIC FRENTE AO DESAFIO DA ESCOLA PÚBLICA
Há um descompasso entre discursos e práticas na educação brasileira. Existe
legislação suficiente para mudar o atual quadro de sono por qual passa o ensino público.
A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional - LDB (BRASIL, 1996) diz em seu
artigo 1°, §2° que “A educação escolar deverá vincular-se ao mundo do trabalho e à
prática social.” E, continua no artigo 2º, que a educação “[...] tem por finalidade o pleno
desenvolvimento do educando, seu preparo para o exercício da cidadania e sua
qualificação para o trabalho”. Esse é o principal objetivo da educação escolar. No
campo da teoria, ou das intenções legais, a escola seria um instrumento de luta e
emancipação social, articulada às inúmeras realidades sociais, possuindo um caráter
crítico e não alienante.
No entanto, o que se observa no cotidiano das escolas é que a relação entre
escola e formação humana está cada vez mais comprometida em detrimento dos
conhecimentos técnicos sistematizados. Logo no início do texto da LDB, comparandose com a realidade das escolas, já começa a se descortinar a contradição que há entre a
legislação educacional e a prática nas escolas.
Reflexo dessa contradição é que a Educação Básica pública está carente de
políticas qualitativas. A evasão e os altos índices de fracasso escolar3 apontam um
problema que merece atenção: a escola está desinteressante para o aluno e ela não
cumpre a sua função social, que é a educação plena do indivíduo. Os alunos estão
concluindo o ciclo da Educação Básica sem compreender os conteúdos, muitos sequer
aprendem a ler criticamente.
Diversas formas de avaliações externas foram implantadas pelo Governo Federal
a fim de verificar a qualidade da Educação Básica, tais como: Exame Nacional do
3
De acordo com o Ministério da Educação (MEC) o índice de abandono escolar em 2012 foi de 24,3%.
Disponível em: http://www.brasil.gov.br/educacao/2013/11/mec-cria-grupo-para-examinar-causa-deevasao-escolar. Acesso em: 01/08/2014).
Ensino Médio (ENEM), Provinha Brasil, Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA),
Sistema Permanente de Avaliação da Educação Básica do Ceará (SPAECE), dentre
outras. Essas avaliações nem sempre representam a realidade das escolas, pois elas estão
voltadas mais para aspectos quantitativos. Nesse contexto, o professor se encontra em
linha de frente com os alunos, tendo que educá-los para o convívio em sociedade e ao
mesmo tempo prepará-los para tais avaliações.
Em 2012 o Governo Federal, juntamente com os estados e os municípios,
implantou o Pacto Nacional pela Alfabetização na Idade Certa (PNAIC), que tem como
objetivo principal assegurar que todas as crianças concluam o processo de alfabetização
até a 3º série do Ensino Fundamental I4. Esse projeto é a continuação de um anterior, o
Programa de Alfabetização na Idade Certa (PAIC), desenvolvido pelo Governo do
Estado do Ceará entre os anos de 2007 a 20115, e implantado nos municípios cearenses.
Atualmente, o programa PAIC continua em exercício, paralelamente ao PNAIC,
proporcionando formações aos professores do 1º ao 5º ano do Ensino Fundamental I.
O PNAIC oferece formações para os professores da rede pública de ensino do 1º
ao 3º ano do Ensino Fundamental I, além de disponibilizar material de apoio. Essas
formações têm como objetivos despertar a reflexão metodológica nos docentes, para que
estes possam redimensionar suas práticas e assegurar aos alunos, através desses
profissionais, um processo de alfabetização consistente, dentro do prazo limite que é até
o final do 3º ano.
Muito se tem especulado sobre esses programas. Os professores que participam
das formações do PNAIC, de uma forma geral, criticam a proposta e a metodologia dos
formadores. Muitos afirmam que esse programa não comporta a complexidade da escola
pública e não surte os efeitos desejados. Outra crítica é a de que o PNAIC funciona
como uma espécie de treinamento dos professores, para que os mesmos repassem
“instruções” aos seus alunos, a fim de que possam obter bons resultados nas avaliações
externas, como a ANA, por exemplo, valorizando aspectos quantitativos em detrimento
dos qualitativos.
Partindo dessa angústia dos professores em relação ao programa, realizamos
uma pesquisa de campo com trinta professores da rede pública de ensino do Município
de Maracanaú que participam do PNAIC. Utilizamos para a realização desse trabalho
4
Disponível em: http://pacto.mec.gov.br/o-pacto. Acesso em: 18/06/2014.
Disponível em: http://www.paic.seduc.ce.gov.br/index.php/o-paic/objetivos-e-competencia. Acesso em
19/062014.
5
uma coleta de dados por meio de questionários contendo entrevistas semiestruturados, o
qual nos proporcionou ter uma visão geral dos professores em relação às propostas do
programa.
A pesquisa evidenciou a consciência dos professores sobre a importância do
PNAIC como meio de formação continuada, contribuindo para a melhoria de suas
práticas, uma vez que o programa apresenta teorias que subsidiam o cotidiano desses
profissionais. Os resultados apontam que 64% dos entrevistados consideram o programa
importante para sua prática docente.
No entanto, em relação às implicações do
programa nas práticas docentes, esse número cai, uma vez que apenas 45% concordam
em partes que mudaram suas posturas profissionais após essas formações.
2.1. O processo de leitura e escrita para além do conhecimento sistematizado
Os dados da pesquisa revelam a importância de programas de formação
continuada para a prática docente. Porém, não podemos concebê-los como fins em si
mesmos para a superação das dificuldades de leitura e escrita enfrentadas pelos alunos
das escolas públicas. Nesse sentido, é fundamental a conscientização de que o processo
de alfabetização não se dá de forma isolada da vida. É fundamental ampliarmos esse
conceito, ressignificando o que se aprende dentro e fora da escola. Frequentemente, as
práticas educativas estão pautadas em concepções teóricas e metodológicas que
dicotomizam, no processo de alfabetização, a leitura e a escrita, contribuindo para uma
concepção mecânica e fragmentada dos conteúdos. Freire (2009, p. 39) destaca que essa
“[...] docotomia entre ler e escrever nos acompanha sempre, como estudantes e
professores. [...] No fundo, isso lamentavelmente revela o quanto nos achamos longe de
uma compreensão crítica do que é estudar e do que é ensinar”.
Em pesquisa realizada pela Secretaria Municipal de Educação6 (SME), em 2013
na Cidade de Fortaleza, foi constatado que 13.747 crianças que cursam entre o 3º e 5º
ano do Ensino Fundamental I da rede pública de ensino não sabem ler e nem escrever.
O número representa em torno de 21% dos 64.000 alunos matriculados nas referidas
séries. Esse quadro é uma realidade na escola pública, o que acaba por angustiar muitos
professores. As salas de aulas comportam uma diversidade de alunos que se encontram
em diferentes níveis de aprendizagem. Ao mesmo tempo em que os professores devem
repassar os conteúdos necessários para a série em questão, sendo orientados pelo
6
Disponível em: < http://www.todospelaeducacao.org.br/educacao-na-midia/indice/26995/alunospassam-de-ano-sem-saber-ler-nem-escrever/>. Acesso em: Dez de 2014.
material didático, esses profissionais têm que desenvolver estratégias para alfabetizar
paralelamente alguns alunos.
Muitas vezes, essas situações prejudicam o desenvolvimento das aulas, uma vez
que os alunos que não sabem ler ou escrever ficam desmotivados e alguns não
conseguem se concentrar, não percebendo sentido nos conteúdos que ora são abordados.
Esses estudantes, que não tiveram consolidadas as bases para o processo de construção
do conhecimento sistematizado, ou seja, a leitura e a escrita, permanecem alheios à
escola.
Sobre as dificuldades de leitura e escrita, o Grupo de Pesquisa Ética, Educação e
Formação Humana, vinculado ao Centro de Educação da Universidade Estadual do
Ceará (UECE), desenvolveu a pesquisa intitulada “Interferências da Leitura na
Construção do Conhecimento e na Formação Docente7”, que tinha como um dos
principais objetivos discutir as dificuldades envoltas no processo de leitura e escrita que
os alunos do Curso de Pedagogia da UECE enfrentavam. Por meio da metacognição –
processo que consiste na capacidade do sujeito refletir sobre os seus próprios processos
de aquisição de conhecimentos, de identificar as suas dificuldades nesse processo, a fim
de desenvolver e utilizar estratégias de superação – os alunos relataram e analisaram o
seu processo de construção do conhecimento. Com isso, identificaram as suas principais
dificuldades relacionadas à leitura e à escrita (ARRAIS e MEDEIROS, 2013).
O Grupo constatou que os alunos chegam à universidade com dificuldades de
leitura e escrita que não foram solucionadas no período escolar. Os textos acadêmicos
exigem uma maturidade intelectual e uma criticidade que em muitos casos não foram
conquistadas naquele período. Em relação à escrita, são nos trabalhos acadêmicos,
principalmente durante a produção de artigos e monografias, que essas dificuldades
ficam mais evidentes.
A referida pesquisa evidenciou uma continuidade entre as etapas de ensino, que
as dificuldades enfrentadas durante a Educação Básica produzem sérias implicações na
formação universitária durante o Ensino Superior. Essa questão pode trazer à tona
inúmeras discussões a respeito de como a educação brasileira está organizada. Na rede
pública de ensino não é incomum encontrarmos alunos com sérias dificuldades de
aprendizagem que estão cursando o 5º ano do Ensino Fundamental I, mas que ainda não
sabem ler e escrever. Comumente, alunos como esses não têm suas dificuldades
7
Projeto de pesquisa desenvolvido sob a orientação da Profa. Dra. Rosa Maria Barros Ribeiro. Tal
pesquisa foi realizada no período de 2010 a 2012.
superadas e são promovidos para a série seguinte. Para superar essa situação, o PNAIC
foi criado para que o processo de alfabetização fosse concluído até a 3º série do Ensino
Fundamental I, quando a criança teria oito anos de idade.
Nesse contexto, o PNAIC se encontra frente ao desafio de reverter essa situação.
No entanto, um programa educacional não resolve sozinho os problemas os quais
enfrenta a escola pública. Esquece-se que são as práticas que definem as teorias, e não o
contrário. Não podemos ficar de braços cruzados à espera que um programa
desenvolvido pelo governo resolva os problemas de leitura e escrita. Para contribuir
para a resolução desse quadro é fundamental que os professores assumam uma posição
crítica frente à realidade que atuam, articulando os fundamentos propostos pelo
programa, mas também refletindo sobre suas práticas e metodologias. Esse profissional
seguir no processo de formação continuada é fundamental para a melhoria do processo
educativo dos seus alunos, uma vez que, como disse Freire (2009), não é possível
ensinar sem estudar.
Sem dúvidas são inúmeros os problemas que a escola pública enfrenta no Brasil,
e que a responsabilidade não pode recair sobre os professores. Esses, juntamente com os
alunos, encontram-se em linha de frente, diariamente, tendo que superarem a escassez e
a falta de apoio por parte do governo e até mesmo dos gestores da escola. Discutir tal
problemática não poderia ser feito de forma simplista, pois perpassaria diversos tópicos,
dentre eles os assuntos relacionados à política e à família. Esse trabalho é apenas um
recorte, sobre a ótica da formação docente.
3. SABERES DOCENTES: A PRÁTICA E A TEORIA
Como todo trabalho de pesquisa, partimos inicialmente de um problema: que os
saberes e experiências conquistados e acumulados pelos professores ao longo de suas
formações iniciais e suas carreias docentes não são considerados e/ou valorizados nas
formações do PNAIC, resultando no empobrecendo o programa. Tal hipótese foi fruto
de nossas experiências pessoais com o referido programa, uma vez que, como
professores de Educação Básica de rede pública de ensino nos Municípios de Fortaleza,
Caucaia e Maracanaú, participamos ao longo do ano de 2013 e 2014 das formações do
programa. No entanto, durante a pesquisa de campo, 73% dos entrevistados consideram
que suas experiências profissionais foram valorizadas pelo programa.
Atualmente, existe uma desvalorização dos saberes docentes. Isso é fruto de uma
visão fabril dos conhecimentos, em que a produção científica é supervalorizada em
detrimento da prática. Tal concepção prioriza os conhecimentos produzidos no meio
acadêmico, nas universidades. Muitos desses saberes são elaborados por pesquisadores
acadêmicos que, em muitos casos, pouco conhecem o ambiente escolar. Isso resulta na
dicotomia entre pesquisa e ensino, entre universidade e escola. Os defensores dessa
concepção acreditam que apenas as instituições de Ensino Superior são detentoras do
poder de produção dos conhecimentos. Assim, os saberes construídos no chão da escola
não são valorizados cientificamente, existindo uma desvalorização dos saberes oriundos
da prática do professor em relação aos conhecimentos sociais, escolares e universitários.
Tardif (2014) questiona essa supervalorização dos conhecimentos acadêmicos
em detrimento dos saberes frutos da prática docente, defendendo que os professores
ocupam uma posição tão importante quanto a comunidade científica. No entanto, os
saberes escolares não são produzidos pelos professores. Esses assumem o papel de
transmissores dos saberes. Existe uma divisão dos trabalhos entre os produtores do
saber (cientistas e acadêmicos) e os seus executores (professores). De uma forma geral,
é apenas durante a formação universitária que os professores têm acesso às teorias
educacionais. Os teóricos da educação dificilmente atuam no meio escolar,
constituindo-se, assim, uma relação de alienação entre os docentes e os saberes.
O autor afirma que existe uma relação de temporalidade em relação à aquisição
de tais saberes. Primeiramente, antes de iniciar sua carreira profissional na escola, o
professor já frequentou o seu ambiente de trabalho, nos tempo de estudante de Educação
Básica. Portanto, leva impressa em sua prática uma concepção de ensino e
aprendizagem, estando os saberes relacionados a uma questão biográfica, de suas
memórias como estudante. A outra forma de aquisição desse conhecimento diz respeito
a sua formação inicial na universidade, onde o futuro professor tem acesso às teorias
educacionais.
No entanto, é na prática que tais saberes se efetivam, uma vez que o professor
vai filtrar o que é mais relevante no uso diário na sala de aula, quais teorias melhor se
aplicam a determinadas situações. Essa última aquisição está relacionada aos saberes
oriundos da prática, da profissão. Porém, o processo de formação deve ser contínuo, a
fim de possibilitar a aquisição de novos conhecimentos. Portanto, os saberes docentes
são temporais, pois são utilizados e se desenvolvem no âmbito de uma carreira. “Há
muito mais continuidade do que ruptura entre o conhecimento profissional do professor
e as suas experiências pré-profissionais” (TARDIF, 2014, p. 72).
3.1 A diversidade nas relações escolares e os saberes docentes: o professor como
sujeito
A escola é um espaço criador, de interação e de reflexão. Não podemos exigir
nem oferecer apenas um padrão a ser seguido. Quando falamos em educação não
podemos falar em homogeneizações. O ser humano, em sua diversidade, é capaz de
criar e recriar a si e ao meio, aprendendo com o diferente, com o outro. Conviver com a
diversidade é o caminho possível e enriquecedor para o processo educativo. Nesse
contexto, o professor em sala de aula encontra inúmeros desafios, pois lida diariamente
com uma diversidade de alunos em diferentes níveis de aprendizagem. O material
didático valoriza o padrão, a homogeneização. Se o professor não estiver em constante
processo de formação continuada, sempre aberto às novas tecnologias e metodologias,
ele encontrará sérias dificuldades em obter êxitos no processo de alfabetização, leitura e
escrita dos alunos.
Apesar da importância das vivências profissionais, a prática educativa não pode
se limitar à experiência de vida do professor, tampouco ser sobrecarrega de concepções
teóricas que estigmatizem as subjetividades docentes. O professor deve estar sempre a
estudar no intuito de aprender mais sobre os conteúdos e suas metodologias, bem como
compreender as implicações sociais e de suas subjetividades nesse processo. Devendo
estar à frente de sua formação, como sujeito, disposto a aprender e a ensinar. Para tanto,
é fundamental que ele seja considerado e valorizado durante o seu processo de formação
continuada, uma vez que os saberes sistematizados não estão dissociados das relações
sociais e das subjetividades dos sujeitos. Tardif (2014, p. 11) destaca não ser possível
[...] falar do saber sem relacioná-lo com os condicionantes e com o contexto
do trabalho: o saber é sempre o saber de alguém que trabalha alguma coisa no
intuito de realizar um objetivo qualquer. Além disso, o saber não é uma coisa
que flutua no espaço: o saber dos professores é o saber deles e está
relacionado com a pessoa e com a identidade deles, com a sua experiência de
vida e com a sua história profissional, com as suas relações com os alunos em
sala de aula e com os outros atores escolares na escola, etc. Por isso, é
necessário estudá-lo relacionando-o com esses elementos constitutivos do
trabalho docente.
Em sala de aula, como professores, culpamos o aluno por ele não ter um bom
rendimento escolar, ao mesmo tempo em que nos sentimos frustrados e incapacitados de
reverter essa situação negativa.
Reclamamos a maior parte do tempo sobre a
indisciplina e a falta de interesse por parte dos alunos. Porém, não buscamos
alternativas consistentes para reverter essa situação. Nos encontros formativos do
PNAIC, era muito comum ouvirmos as lamentações dos professores sobre esse assunto.
Mas quando os formadores ofereciam alternativas teóricas, que exigiam uma leitura
mais profunda e crítica, os professores em questão se tornavam parecidos com seus
alunos: não liam o material proposto, e, quando o faziam, era de forma
descompromissada e sem profundidade. Concordamos com Freire (2009) que não seja
possível seguir a carreira docente, por longo período e de forma prazerosa, com
descompromisso e sem estudo contínuo. Nesse sentido, o autor afirma que,
[...] a tarefa do ensinante, que é também aprendiz, sendo prazerosa é
igualmente exigente. Exigente de seriedade, de preparo científico, de preparo
físico, emocional, afetivo. É uma tarefa que requer de quem com ela se
compromete um gosto especial de querer bem não só aos outros, mas ao
próprio processo que ela implica. É impossível ensinar sem essa coragem de
querer bem, sem a valentia dos que insistem mil vezes antes de uma
desistência. [...] É preciso ousar para dizer, cientificamente e não bla-blamente, que estudamos, aprendemos, ensinamos, conhecemos com o nosso
corpo inteiro (FREIRE, 2009, p. 11-12).
Ninguém caminha sozinho, o tempo todo nos apoiando no que outras pessoas
já fizeram e estamos sempre a contribuir de alguma forma. As formações do PNAIC
visam uma melhoria qualitativa na prática do professor e no processo de construção do
conhecimento por parte dos alunos. O programa é fundamentado em teorias, em estudos
de vários autores que vem ao longo do tempo contribuindo para melhorar a realidade da
escola. Os professores precisam se conscientizar de que o seu processo de estudo não se
encerra com a conclusão da sua graduação, sendo fundamental o processo de formação
continuada.
As instituições de ensino são compostas por atores sociais, portanto, são
históricas e estão constantemente em movimento. Para o bom desempenho em sala de
aula, é necessária uma atualização constante, para que possamos compreender os
fenômenos sociais que se desenvolvem em tais espaços. Imaginemos um professor que
concluiu sua graduação em meados da década de 1970 e que nunca deu seguimento ao
processo de formação continuada. Esse profissional, possivelmente, não teria tido
acesso às teorias que surgiram nas décadas seguintes referentes, por exemplo, às teorias
relacionadas às Dificuldades de Aprendizagem e até mesmo ao enfrentamento da prática
do bullying.
Como professores, não podemos cair no abismo das fragmentações, o qual
prima pela especialização em determinadas áreas do saber que não dialogam entre si,
restrita às áreas de interesse. Estamos destacando aqui a importância desses
profissionais seguirem os seus processos de formação continuada para além da
gratificação financeira promovida pelo título de especialista. Para compreendermos os
alunos, devemos concebê-los de forma global. E essa compreensão não nos é oferecida
ao longo de nossa formação inicial. Estudar é preciso, sempre. Os profissionais da
educação precisam se conscientizar disso.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Como professores de Educação Básica da rede pública de ensino, é possível
percebermos que, independentemente de políticas públicas impostas na escola para se
alcançar um índice consideravelmente positivo de alfabetização dos alunos, o que
realmente faz a diferença, numa contribuição qualitativa rumo à aprendizagem
significativa, são as posturas dos professores ao abordarem o tema, ao intervirem nos
conflitos diários. Pequenas atitudes fazem a diferença. No entanto, ao invés disso,
muitos silenciam e ficam de braços cruzados à espera de uma intervenção exterior à
escola, ao mesmo tempo em que cultivam resistências às novas possibilidades teóricas e
metodológicas, preferindo se embasarem em suas experiências pessoais e profissionais.
De acordo com a pesquisa de campo realizada, 100% dos professores entrevistados
consideram que os conhecimentos oriundos da prática docente não são menos
importantes do que
os
conhecimentos
teóricos,
havendo
uma
relação de
complementação e diálogo entre os mesmos. A seguir, destacamos as considerações de
um participante da pesquisa:
Não considero as teorias educacionais mais importantes que as práticas docentes,
nem essas mais relevantes que aquelas. Há saberes que são aprendidos apenas na
sala de aula. Entretanto, é preciso que o professor conheça as diversas concepções
pedagógicas para embasar as suas experiências docentes. Ele precisa,
constantemente, estudar as teorias educacionais para revisar suas práticas, então
conseguirá melhorar a qualidade do seu trabalho com os alunos.
A fala desse professor releva a importância de se cultivar a consciência a
respeito da formação continuada na prática docente. A relevância de se discutir a
temática é essencial para a compreensão dos fenômenos educacionais que ocorrem na
escola pública. Estudos voltados para esse tema são de suma importância, uma vez que
vivemos numa sociedade letrada, onde a palavra escrita está por toda a parte, e que
aprender a ler e a escrever com criticidade se torna condição sinequa non para o
exercício da cidadania. Em pleno século XXI, ainda assistimos com certa naturalidade
nossos alunos com dificuldades leitoras ao passo que a organização escolar faz vistas
grossas, promovendo tais alunos para a série seguinte sem que eles tenham adquirido
conhecimentos suficientes. Dessa forma, o problema do fracasso escolar não é
resolvido, pelo contrário, com essa negligência ele apenas é agravado.
Não podemos compreender o mundo em que vivemos de forma unilateral.
Estamos envoltos numa teia de ralações em que cada elemento sofre e exerce influência
sobre os demais. Os fenômenos naturais e sociais que acontecem no oriente não dizem
respeito mais somente àqueles povos. Vivemos na era da globalização, em que
dependemos mutuamente uns dos outros. A educação não está desassociada dos
fenômenos sociais. Para compreender o processo educativo é fundamental levarmos em
conta a realidade social sobre a qual se alicerça a educação. Necessitamos superar a
concepção da Ciência Moderna que fragmenta os sujeitos em diversas partes que não
dialogam entre si.
O processo educativo vai na contramão da fragmentação, pois é dialógico.
Necessitamos compreender o aluno como um todo. Não podemos ser concebidos de
forma fragmentada, até mesmo por que o nosso desenvolvimento não é fragmentado.
Ninguém desenvolve somente a parte cognitiva para depois desenvolver a parte motora
ou social. O nosso desenvolvimento é global e necessitamos ampliarmos nossa
concepção de desenvolvimento para avançarmos nos processos educativos.
5. REFERENCIAS
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dificuldades e caminhos na perspectiva freireana. In: V Fórum Internacional de
Pedagogia, 5, 2013, Vitória da Conquista. Anais Fiped V (2013). Realize Eventos e
Editora, 2013. Vol. 1, nº 2.
BRASIL, Ministério da Educação. Lei nº 9.393, de 20 de dezembro de 1996.
Estabelece as Diretrizes e Bases da Educação Nacional. Brasília, 1996.
CHARLOT, Bernard. Da relação com o saber às práticas educativas. São Paulo:
Cortez, 2000.
FREIRE, Paulo. Professora sim, tia não: cartas a quem ousa ensinar. São Paulo: Olho
d’Agua, 2009.
SAYÃO, Rosely. Filhos...melhor não tê-los? In: AQUINO, Groppa; RIZZO, Sérgio;
SAYÃO, Rosely; TAILLE, Yves de La. Família e educação: quatro olhares.
Campinas, SP: Papirus, 2011. p. 17-48.
TARDIF, Maurice. Saberes docentes e formação profissional. 16º ed. Petrópolis, RJ:
Vozes, 2014.
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