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DE “TIO BIMBA” A “SR. QUADRO DE HONRA”: CONSIDERAÇÕES
ACERCA DA EDUCAÇÃO FORMAL E NÃO FORMAL
NAS OBRAS DE DALCÍDIO JURANDIR.
Leticia Souto Pantoja
Universidade Federal do Pará
[email protected]
Durante várias décadas, a historiografia da educação no Brasil, privilegiou pesquisas focadas
no estudo dos fatos históricos considerados relevantes para o processo de construção de um
modelo de educação formal, escolar e tutelada pelo Estado.
Deixou-se de lado, por exemplo, a análise da ação cotidiana dos sujeitos sociais envolvidos
nos fenômenos educativos, bem como, a reflexão sobre outros saberes e espaços de
transmissão de saber, para além do ambiente escolar.
As fontes de pesquisa, por sua vez, circunscreviam-se a documentos oficiais produzidos por
entes do poder público, além de manuais elaborados por indivíduos, cujos discursos eram
legitimados em razão de uma postulada competência técnico-pedagógica.
Atualmente, no contexto de uma emergente historiografia preocupada em revisitar as
múltiplas vivências da educação no Brasil, surgem estudos direcionados a novos objetos,
novas abordagens metodológicas e novas fontes de pesquisa.
Nesse sentido, a educação chamada ‘não formal’, articulada fora do espaço escolar e
envolvendo práticas, saberes e conhecimentos oriundos principalmente das camadas
populares, revela-se objeto fecundo para pesquisa.
Por outro lado, a literatura, considerada aqui como um veículo discursivo que propaga certas
percepções intencionais da realidade histórica e dos sujeitos sociais que a subscrevem,
mostra-se fonte documental importante para se entender um pouco da realidade educacional
em certo espaço-região. Nesta perspectiva, as vozes que ecoam das narrativas literárias
deixam de ser vistas exclusivamente como relatos ficcionais, para serem apreendidas em seu
caráter simbólico, ideológico e projetivo.
As obras “Belém do Grão-Pará” e “Passagem dos Inocentes”, escritas pelo literato Dalcídio
Jurandir, dentre o conjunto de outros nove títulos que compõe o chamado Ciclo do Extremo
Norte, se articulam a essa discussão na medida em que permitem ao pesquisador local
conhecer um pouco sobre as representações a respeito da educação formal e dos saberes não
escolares difundidos na sociedade paraense, das décadas de 20 e 30, do século XX.
Os escritos dalcidianos, permeados de evocações, memórias afetivas e descrições
pormenorizadas dos valores e crenças morais que sustentavam certas imagens acerca da
importância da escola e da escolarização para ‘ascender na vida’ e ‘civilizar-se’, dão a
conhecer outros discursos que implícita e/ou explicitamente asseguravam a diferenciação
entre o saber formal e outros saberes presentes na sociedade parauara à época indicada.
Pelo teor das narrativas verifica-se que os segmentos aburguesados da sociedade amazônida
estabeleciam dicotomias entre a educação formal e não formal, valorizando o saber
escolarizado em detrimento de outras formas de saber cotidianamente articuladas entre a
população mais pobre da capital do estado do Pará.
Práticas habituais relacionadas ao aprendizado da medicina popular, pautadas no
conhecimento do acervo herbário da região e apreendidas de forma oral por diversas gerações;
ofícios oriundos de artes ensinadas no espaço doméstico ou familiar; práticas de sociabilidade
em torno de danças e formas de lazer provenientes de antigas tradições indígenas ou negras;
fazeres culinários aprendidos no contato diário com os costumes de migrantes e imigrantes
que circulavam pela capital paraense; figuram entre aqueles conhecimentos não formais
presentes na região e que eram desprezados pelas camadas mais ricas da população.
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