FLEXIBILIZAÇÃO, TERCEIRIZAÇÃO, LIBERALIZAÇÃO, NOVOS MODELOS E CONTRATOS RELACIONAIS DE TRABALHO 1. Introdução Pretende-se, em poucas linhas, dissertar a respeito das modificações introduzidas pelo ressurgimento das doutrinas liberais no contexto da regulamentação dos contratos de trabalho. A tendência ao processo de flexibilização das condições de trabalho coloca grandes desafios aos operadores do Direito, exigindo uma releitura dos pressupostos do Estado de Direito Social, que introduziram novas balizas ao Constitucionalismo Democrático. Será analisada a interação entre os parâmetros da liberalização das relações trabalhistas e os princípios de proteção aos trabalhadores, que edificaram a elaboração do Direito do Trabalho como um direito social constitucional. Tentar-se-á pincelar alguns padrões interpretativos construídos por documentos internacionais, aqueles adotados pela concepção principiológica do constitucionalismo democrático, bem como as disposições específicas inseridas na carta de princípios da Constituição brasileira, no que concerne ao tema tratado. 2. a Era da Flexibilização e liberalização das relações trabalhistas: do trabalho terceirizado à desregulamentação O apogeu contemporâneo das doutrinas neoliberais, em sua defesa da economia de mercado, enquanto o melhor modelo para a reestruturação do processo produtivo, nas sociedades democráticas, acarretou transformações significativas nas relações entre o capital e a força de trabalho. A leitura que se faz, atualmente, acerca dos consectários de tal mudança de enfoque trouxe para o debate a necessidade de resgatar as principais premissas do Estado de Bem-Estar Social, cuja preponderância histórica, nos tempos modernos, representou o fio propulsor do próprio desenvolvimento do direito do trabalho. Em linhas gerais, o fortalecimento da ideologia do livre mercado deu origem ao fenômeno da flexibilização das normas trabalhistas, com o consequente aumento da desregulamentação e informalidade nas relações contratuais. Paralelamente a este fato, verificou-se, em nível mundial, o crescimento da exclusão social, através do desemprego em massa. De um lado, o interesse internacional pelo desenvolvimento dos mercados, que, em tempos de globalização, se apresenta como uma perspectiva de garantia do próprio Estado Social. De outro lado, a constatação de que os mecanismos próprios das economias de mercado não são suficientes, por si só, para o combate à exclusão social e às desigualdades estruturais, cuja complexidade se acentua em face, até mesmo, de questões demográfica, como o aumento da população mundial e as migrações em massa, provocadas pela busca de trabalho. Os defensores do modelo da flexibilização das regras contratuais trabalhistas argumentam, em seu favor, que a rigidez do direito do trabalho impede o crescimento da oferta de emprego, bem como a mobilidade dos trabalhadores. Daí porque se propõe ter se tornado inevitável a adaptação dos princípios originários do direito do trabalho à realidade econômica do mundo globalizado, caracterizada por frequente flutuações do mercado. Nessa abordagem, a flexibilização das relações de trabalho visa não, apenas, atender às exigências do processo produtivo, mas também assegurar a universalização do emprego, aperfeiçoando as garantias dos trabalhadores. Em outros termos, tratar-se-ia de um processo de desburocratização e liberalização das normas trabalhistas, a favor da plena garantia do emprego, não tendo por escopo a redução dos direitos trabalhistas. A centralidade dos mencionados a argumentos reside na ideia de que o intervencionismo estatal na área trabalhista, se levado ao extremo, obstaculiza a liberdade dos empregadores no sentido de viabilizar a continuidade dos seus negócios, pois não lhes seria permitido, em um contexto de forte regulamentação, tomar medidas rápidas, tais como a redução da carga de trabalho ou dos salários dos seus empregados, a fim de evitar sua dispensa e de criar, até mesmo, uma margem para a contração de novos empregados. De outro lado, os críticos da demanda econômica pela flexibilização das relações de trabalho advertem que a globalização, fundamentada na teoria do estado mínimo, introduziu a perspectiva da alta produtividade, associada a redução dos custos da atividade produtiva, dando margem à retomada das estruturas capitalistas de exploração da força de trabalho. No esquema do livre mercado, torna-se imperativo o controle inflacionário, os cortes nas despesas e a redução do déficit público, o que conduz à concentração do poder mercantil nas grandes empresas multinacionais, bom como a concentração do poder financeiro nos grandes bancos internacionais. A flexibilização não significa, em essência, em tal visão, a atualização do direito do trabalho, como propugnam seus articuladores, mas antes, um pretexto para a precarização das condições de trabalho. O resultado mais evidente, nos tempos atuais, é o da aceleração do desemprego em massa e, portanto, a formação de um “exército de reserva”, à disposição da classe empresarial, o que contribui, ainda mais, para a incorporação das formas precárias e indignas de trabalho. Ressalta, na qualidade de uma das modalidades da flexibilização das relações de trabalho, a vertento do trabalho terceirizado. Com o propósito de reduzir os custos e fomentar a qualidade do serviço, as empresas (tomadoras de serviço) transferem para outras (prestadoras de serviço) a realização de suas atividades meio, de modo a manter a produção concentrada no desempenho de sua atividade fim. Persegue-se a meta de aprimorar o produto empresarial através da especialização de suas atividades. Os empregados não possuem vínculo direto com a empresa tomadora do serviço, e sim com a empresa prestadora do serviço. Cria-se uma relação trilateral, com o surgimento da figura da empresa interveniente, em marcante diferenciação da relação empregatícia clássica. O negócio jurídico firmado entre as duas empresas possui natureza civil, e aquele realizado entre a empresa prestadora do serviço e o trabalhador terceirizado, por sua vez, tem natureza empregatícia. Não raro, as novas formas de contrato de trabalho, sobretudo na modalidade do trabalho terceirizado, trazem consigo consequências negativas, forçando a imposição de baixos salários e jornada excessiva de trabalho. Para ganhar a concorrência, as empresas prestadoras de serviço oferecem preços mais acessíveis, o que somente é possível através do repasse de baixos salários aos seus empregados. Ademais, a crescente autonomia na formação das relações de trabalho altera a concepção de que a organização da produção e circulação de mercadorias deva se sustentar nos princípio da pessoalidade, da cooperação e da solidariedade, próprios dos contratos de trabalho de longa duração, também denominados “contratos relacionais”. O fenômeno da superpopulação desencadeou a formação de sociedades de massa, com a presença de diversas classes sociais e diferentes níveis de acesso às prerrogativas da cidadania. Tal fato promoveu o aumento da complexidade das relações contratuais de trabalho, fazendo com que o contrato de trabalho passasse a ser considerado, em vista de um propósito de universalização dos direitos de cidadania, como o um contrato de tipo relacional, diante da compreensão da existência de mútua dependência e vínculo cooperativo entre empregador e empregado. A consciência da vulnerabilidade e dependência do trabalhador, no que concerne à continuidade do emprego, exige o estabelecimento de uma relação de confiança com o empregador, no sentido de que a reavaliação das condições de trabalho não possa ser feita com um enfoque individualista. Os novos contratos, na seara da desregulamentação, fragilizam tal visão, na medida em que se caracterizam como contratos impessoais. O paradigma liberal da autonomia da vontade ressurge, aqui, como uma ferramenta de estimulo à busca unilateral, de ambos os lados, de uma maior vantagem no tocante à obtenção de ganhos, o que, inegavelmente, favorece o dono do capital, em consequência do aumento da exclusão social. Os contratos de trabalho terceirizado (trabalhadores externos) tendem a perder, parcialmente, seu caráter relacional, migrando, em alguns aspectos, para um perfil transacional, embora a ele não se equipare. Não há dependência mútua, já que o trabalhador não exerce a atividade fim da empresa tomadora do serviço. Porém, o trabalho terceirizado não é descontínuo, ou de curto prazo, já que existe um nexo relacional com a empresa prestadora do serviço, podendo ser tido como gerador de um novo modelo de contrato relacional incorporado ao mercado de trabalho. As cooperativas, por exemplo, refletem esse novo modelo relacional na contratação de trabalhadores. Algumas estratégias já foram desenvolvidas, a fim de combater a precarização do trabalho, veiculada sob as vestes de uma imposição da economia globalizada. Arguise que o objetivo da terceirização não pode ser outro senão o da melhoria e especialização do serviço. Assim, exige-se que as duas empresas (tomadora e prestadora do serviço) realizem atividades distintas, do contrário se configuraria situação de mera intermediação de mão-de-obra, reconhecida como uma espécie ilícita de terceirização. Com efeito, a terceirização da atividade fim da empresa tomadora, por não pressupor a especialização do serviço, é entendida como distorção do modelo. Se isso fosse permitdo, aí sim o contrato de trabalho perderia sua natureza relacional, aproximando-se de uma simples troca de mercadorias (contrato de compra e venda). 3. O impacto das novas formas contratuais no dimensionamento dos princípios protetivos do direito do trabalho Os novos modelos de relação contratual trabalhista causaram grande impacto na interpretação e aplicação das normas do direito do trabalho, especialmente, no tocante aos princípios constitucionais que regem esse ramo dos direitos sociais. O direito do trabalho surgiu a partir da doutrina do Estado de Bem-Estar Social, já mencionada no item anterior, que ressalta a dignidade humana, o valor social do trabalho, a redução das desigualdades e a erradicação da pobreza. O neoliberalismo rompeu, no sentido doutrinário, com a concepção solidária dos direitos sociais trabalhistas, sujeitando a relação entre o capital e o trabalho às leis privatistas da oferta e da procura. Como já exposto, esse paradigma não foi capaz de lidar as os problemas prementes levantados pelos direitos de igualdade e da crescente exclusão social de classes menos favorecidas. Com as transformações operacionalizadas nos parâmetros de avaliação das relações de trabalho, passou-se a postular, em bases neoliberais, a diminuição do perfil rígido das normas de proteção do trabalhador, postulando-se que os contratos relacionais fossem regidos não por regras imperativas, e sim por convenções ou acordos coletivos de trabalho. A questão é complexa, haja vista apontar uma tendência à equiparação do contrato de trabalho a um contrato civil, no qual predomina a livre negociação entre as partes e o princípio da autonomia, permitindose, inclusive, renúncia aos direitos trabalhistas legalmente assegurados. Há que se salientar que esses argumentos levantam um paradoxo doutrinário, no campo do direito constitucional: enquanto cresce o processo de constitucionalização do direito civil, reduz-se a tutela constitucional do direito do trabalho. A flexibilização do direito do trabalho se direciona a um esquema de desregulamentação e redução de sua tutela constitucional, elaborada a partir da valorização dos direitos sociais, acolhida na maioria das constituições dos países democráticos. A fim de coibir os excessos da liberalização das regras trabalhistas, é importante que o tema seja situado no contexto dos direitos fundamentais, com a reformulação de princípios como o do mínimo existencial e o da supremacia da dignidade humana. Os acordos coletivos de trabalho não podem contrariar a Constituição, ou impor normas menos benéficas ao trabalhador, devendo ser interpretados à luz de um balanceamento entre as circunstâncias econômicas e a normatividade do direito do trabalho, seja no âmbito dos padrões internacionais, constitucionais, como também nos padrões das leis infraconstitucionais. Os direitos fundamentais, particularmente, permitem atenuar a subordinação do contrato de trabalho à economia. Enfatize-se que a perspectiva da teoria democrática encontra-se, atualmente, atrelada a doutrinas constitucionalistas de perfil socializante, em que a interação entre os padrões dos direitos de liberdade e os direitos de igualdade é ideário reconhecido pelas variadas teorias da justiça, desde as de perfil comunitarista, até as de perfil liberal. De fato, os autores neoliberais, tais como Rawls e Dworkin, adotam o paradigma das “liberdades iguais”, firmando o entendimento de que os direitos de liberdade somente são legítimos se forem assegurados em igualdade de condições a todos os membros de uma comunidade política. Desse modo, a implementação de uma concepção de constitucionalismo, hoje denominada como “constitucionalismo social”, parece unificar as múltiplas doutrinas e resolver parte de suas divergências, por meio de um consenso no sentido de que os direitos sociais não podem ser excluídos da agenda política e da defesa de um modelo de jurisdição constitucional que atue em direção à garantia dessa categoria de direitos. Há uma tendência, inclusive, à ampliação do alcance dos padrões de interpretação constitucional dos direitos sociais, a fim de incorporar em seus critérios analíticos as cláusulas que protegem os direitos individuais. Tal direcionamento, por certo, deve envolver, também, a construção de parâmetros de interpretação do direito social do trabalho, em face da dominância da economia na regulamentação de seus marcos jurídicos. Defende-se que é preciso estabelecer referenciais de uma tutela dos direitos dos trabalhadores, de modo a atenuar sua subordinação à economia de mercado. Nesse aspecto, a terceirização vem sendo objeto de duras criticas (doutrinárias e jurisprudenciais), por afrontar a estrutura normativa original do direito do trabalho, marcada por propósitos protetivos e redistributivos. A terceirização, por implicar em uma ruptura com a relação empregatícia clássica, pode ser questionada do ponto de vista da efetivação dos direitos fundamentais dos empregados. A realidade denota que o engrandecimento do modelo capitalista de organização produtiva termina por lançar os trabalhadores em maior nível de vulnerabilidade, eis que a ausência de oferta suficiente de trabalho regulamentado, os força a aceitar todas as condições impostas por seus empregadores, intensificando a precarização do trabalho. Esclareça-se, ainda, que a liberalização das normas de proteção aos trabalhadores, no campo contratual, tem a potencialidade de gerar outros dois efeitos negativos, no desenvolvimento das atividades laborativas e na organização das forças trabalhistas. Em primeiro lugar, a terceirização pode gerar a construção de novas subjetividades, inferiorizadas no ambiente de trabalho, por sua desigualdade em relação aos trabalhadores efetivos das empresas, que, por exercerem a atividade fim, se colocam em patamar superior de importância. Isso reflete na garantia da igual cidadania dos trabalhadores, criando uma espécie de classe secundária de subempregados. Em segundo lugar, precariza-se, igualmente, a consciência social dos trabalhadores, como classe, levando ao enfraquecimento dos movimentos sindicais e ao aumento do trabalho informal, sem carteira assinada. Com efeito, o aumento dos terceirizados torna instável a representatividade sindical, já que importa na redução dos associados. É uma via de mão dupla: no passo em que se promove um status diferenciado, em matéria de identidade cidadã do trabalhador, com reflexos em sua dignidade, desestabiliza-se, proporcionalmente, sua identidade classista, desequilibrando seu poder de barganha com os empregadores. Nessa linha, autores como Boaventura Sousa Santos, dentre outros, enfatiza que a precarização do trabalho apresenta nítido caráter exploratório e traz inegável inibição do sindicalismo e da representatividade profissional, pela desagregação dos filiados, afetando o discurso emancipatório do direito do trabalho. Essa dimensão emancipatória da constitucionalização do direito do trabalho é que precisa ser reconstituída, a fim de firmar-se como contraponto à hegemonia das leis do mercado. Assim, é primordial aperfeiçoar os marcos regulatórios já conquistados pelos trabalhadores, de forma a atenuar o percurso da desregulamentação e prevenir o desvirtuamento da terceirização do trabalho, que não pode converter-se em instrumento de redução dos direitos trabalhistas e exclusão social. O enfoque crítico deve buscar a desburocratização das leis processuais do trabalho sem reduzir os direitos dos trabalhadores. Não se pode migrar da legalização do trabalho terceirizado, e outras formas flexibilização das regras contratuais, para uma quase completa admissão do trabalho desregulamentado. Não há evidências no sentido de que as modernas economias capitalistas apontam a superação da realidade da vulnerabilidade e hipossuficiência dos trabalhadores, por isso, o modelo regulatório tem que preservar os interesses protetivos do direito do trabalho. O caminho não é a defesa unilateral do trabalho liberalizado, mas a composição de um padrão intermediário, que traga argumentos razoáveis, com vistas à delimitação da tutela estatal dos direitos trabalhistas, e que viabilizem o aumento da participação dos trabalhadores na elaboração das regras do contrato. Na seara internacional, a OIT não elaborou instrumentos jurídicos aptos a criar uma tutela mínima para o trabalho terceirizado. Existem, apenas, relatórios, convenções e recomendações acerca de pontos específicos de exigibilidade de oferecimento de garantias aos trabalhadores. Também o Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos firma diretrizes aplicáveis à proteção dos trabalhadores. O cenário atual, nos países em desenvolvimento, é de incerteza nas relações produtivas, sendo inevitável, inclusive em vista do princípio da segurança jurídica, a busca de uma unificação das legislações trabalhistas. Além do avanço dos documentos internacionais de proteção ao trabalho, a ser empreendido pela Organização Internacional do Trabalho, a questão deve ser, ainda, aprofundada por intermédio da formação de blocos regionais e seus padrões de regulação do mercado, na relação entre os países membros, sob o prisma da normatização das relações de emprego firmadas pelos trabalhadores que se estabelecem em países estrangeiros. Com efeito, a crescente onda migratória, em nível mundial, reflete, de forma importante, na urgência de se construir critérios universais de regulamentação do trabalho, sob a ótica das imposições do mercado e dos princípios da igualdade e da dignidade humana. 4. O direito ao trabalho na Constituição Federal do Brasil e as normas infraconstitucionais relativas ao trabalho terceirizado. O Brasil vivencia, em alto grau, o processo de precarização do trabalho, por meio do crescimento do desemprego e da redução da oferta de trabalho. Paralelo a este fato e, até mesmo, como consequência natural da crise econômica, com reflexos na oferta de emprego, expandiu-se a contratação do trabalho assalariado nas modalidades dos contratos relacionais terceirizados ou autônomos. Diante disso, tornou-se majoritária a defesa da flexibilização do direito do trabalho. Observa-se que a prática do trabalho terceirizado, no país, não segue padrões fixos e organizados, havendo pouca negociação entre as empresas e os trabalhadores na formalização dos seus contratos. Cresce, igualmente, a abrangência do trabalho informal, sem carteira assinada. De outro lado, a Constituição Federal adotou, amplamente, na dimensão dos direitos sociais, o princípio da proteção aos trabalhadores (artigo 7º), de modo a equilibrar a relação capital-trabalho, com o propósito de se tentar nivelar as desigualdades sociais. A competitividade do mercado não leva em conta a hipossuficiência do trabalhador, não se preocupando, portanto, com a compatibilização entre a liberdade econômica e a proteção social. O resultado, como já visto, é a precarização das condições de trabalho. Na abordagem constitucional do direito social ao trabalho, a inferioridade do trabalhador tem origem não em sua individualidade, mas na relação contratual de emprego, daí a imprescindibilidade da criação de um núcleo de tutela satisfatório como garantia da cidadania do trabalhador. Há uma vinculação direta entre o direito do trabalho, a garantia do emprego digno e a igualdade de todas as formas de trabalho, valores estes expressamente assumidos na nossa Constituição. Esta compreensão vai ao encontro das normas internacionais de direitos humanos e das normas de direito internacional protetivas dos direitos trabalhistas, o que se incorporou à sistemática nacional através do disposto no artigo 5º, parágrafo 2º da Constituição. A terceirização é carente de legislação no Brasil, com exceção da sumula 331 do TST, que lança determinados critérios para sua realização de forma lícita, proibindo a intermediação de mão-de-obra. Veda-se, terminantemente, a transferência das atividades fins das empresas para o serviço terceirizado, o que representaria fraude às normas trabalhistas. Não se verifica grande esforço legislativo na regulamentação da matéria. Há um projeto de lei (PL 4330/04) que fixa a responsabilidade conjunta das duas empresas, tomadora e prestadora do serviço, no que concerne aos direitos dos trabalhadores, o que favorece a sindicabilidade dos direitos trabalhistas. Visa-se unificar a necessidade do estímulo ao empreendedorismo e da redução de custos com a proteção ao trabalhador. Há, ainda, outro projeto de lei (PL 1621/07), que fixa conceitos e diretrizes regulatórias para o trabalho terceirizado, tais como a especificação dos serviços, a comunicação ao sindicato sobre as condições do trabalho, a proibição do desvio da função e o tratamento isonômico do trabalhador terceirizado e do não terceirizado. Estas propostas legislativas se orientam pelos marcos regulatórios já estabelecidos internacionalmente, que como se pontuou antes, são muito escassos, e aqueles firmados em outros países, especialmente, os latinoamericanos (Argentina, Uruguai, Chile, Peru, etc.), todos no sentido da afirmação da responsabilidade solidária das empresas tomadora e prestadora de serviços no cumprimento dos encargos trabalhistas. Apesar da ausência de um conjunto normativo seguro na tratativa do tema, a importância que a Constituição Federal confere aos direitos sociais indica a pertinência de se avançar no desenvolvimento da proteção social ao direito do trabalho, e, particularmente, na regulamentação dos modelos de relações contratuais pautadas no princípio da flexibilização da normatividade trabalhista. Como se discute, na doutrina e na jurisprudência, os direitos sociais não são apenas normas programáticas, mas sujeitas ao pressuposto de sua aplicabilidade imediata e da garantia de sua efetivação. Na esfera de sua sindicabilidade judicial, amplia-se a legitimidade do poder judiciário de intervir na formulação de políticas públicas assecuratórias dos direitos sociais, estando em efervescência, no momento, a criação de padrões de argumentação e interpretação aptos a edificar diretrizes na elaboração das medidas necessárias ao equacionamento dos limites que a questão econômica e social impõem à intervenção do Estado, em sua função protetiva dos mais vulneráreis. Na via da Justiça do Trabalho, também vem crescendo os mecanismos de proteção ao trabalhador, viabilizando-se diferentes meios de acesso à judicialização das relações contratuais trabalhistas, seja no âmbito do processo judicial coletivo, seja no âmbito dos meios alternativos de composição das partes. As instâncias institucionais que possuem atribuições na realização e efetivação de políticas públicas sociais, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, além dos sindicatos e órgãos representativos dos trabalhadores, exercem papel igualmente essencial na veiculação da regulamentação dos contratos de trabalho. Incumbe a estas Instituições encaminhar medidas, como termos de ajustamento de conduta e revisão das regras do contrato, além da proposição de ações civis públicas pertinentes à garantia dos direitos coletivos e difusos, os quais podem restar caracterizados na área trabalhista, na medida em que o princípio da segurança jurídica e determinados direitos fundamentais se coloquem como substratos legitimadores da intervenção pública na proteção das normas contratuais trabalhistas. Tais vias podem contribuir para aperfeiçoar a negociação entre empregadores e empregados, levando-se em conta as características de cada tipo de contrato, na tentativa de impor determinados freios à liberalização das respectivas regras. A preocupação não deve ser apenas implantar a reponsabilidade das empresas envolvidas, no que concerne ao trabalho terceirizado, mas se deve ir além, trazendo para a negociação jurídica as exigências do princípio da dignidade humana, vinculadas que estão ao pleno exercício dos direitos de cidadania, que, por sua vez, obstaculizam a total permissão da autonomia, nas relações contratuais empregatícias e a desconsideração da proibição da renúncia dos direitos. No que diz respeito ao tema da presente análise, é inegável a tensão existente entre as prerrogativas do princípio da liberdade e a meta de se erradicar as desigualdades sociais. No Brasil, as desigualdades são cada vez mais explícitas, e a desproteção do trabalhador é uma problemática jurídico-constitucional central, diante do crescimento do trabalho não regulamentado. Vislumbra-se que a baixa normatividade, internacional, estrangeira e nacional, aplicável aos novos modelos de relações contratuais trabalhistas, perseguem um objetivo comum, o de assegurar a igualdade social, reduzir a fragilização dos excluídos e erradicar a pobreza. A garantia do trabalho digno revela-se como uma das principais metas, em tal processo, e talvez o maior desafio do Estado Democrático de Direito. 5. Conclusão Foi possível mostrar, neste escrito, que a emergência dos novos modelos contratuais trabalhistas não se insere, exclusivamente, na análise econômica ou mesmo nos limites do direito do trabalho. Trata-se de tema novo, a exigir um enfrentamento no plano sócio-político, jurídico-constitucional, bem como no plano da atuação governamental, na formulação de políticas públicas de controle das condições do trabalho flexibilizado e terceirizado. Evidenciou-se que a reestruturação dos princípios de proteção aos trabalhadores, após o crescimento da visão neoliberal, se impõe em razão da própria inadequação plena das economias de mercado na erradicação das desigualdades sociais. Na seara trabalhista, a regulamentação do contrato de trabalho, no contexto de sua crescente liberalização, está em fase inicial de elaboração, o que demanda uma abordagem conjunta das legislações internacional e domésticas, dos países democráticos, em busca de parâmetros universalizantes de controle. No Brasil, é notória a omissão do poder legislativo em solucionar os impasses criados, em relação à matéria, o que aumenta a responsabilidade e o poder interventivo das instâncias judiciais e sociais no avanço do debate. Nesse diapasão, a aproximação doutrinária e jurisprudencial que se busca entre a normatividade dos direitos fundamentais individuais e os sociais se afigura argumentação significativa no aprofundamento da atuação judicial e de participação social na construção de paradigmas de proteção às várias áreas dos direitos sociais, dentre elas a do direito do trabalho.