Universidade de Brasília Faculdade de Direito Disciplina de Teoria Geral do Processo II Docente: Prof. Dr. Vallisney Discentes: Dâmaris Regina D. G. Da Rocha – 12/0050251 Isabella Galvão Arruda – 12/0152339 Análise do papel do Amicus Curiae em julgamentos de Cortes Superiores Brasília, 27 de setembro de 2013. INTRODUÇÃO O presente trabalho visa ressaltar a importância da figura do amicus curiae para a resolução de conflitos de constitucionalidade no STF. No Brasil, esta modalidade processual dentro da intervenção de terceiros ainda é pouco utilizada, embora venha ganhando cada vez mais espaço e mostrando-se como uma forma eficaz de auxiliar na tomada de decisões em casos que afetem e vinculem a sociedade como um todo. A ação da qual trataremos a fim de pautar a discussão acerca atuação do amicus curiae é a ADPF 54, que trata da possibilidade de antecipação terapêutica do parto em caso gestação de anencéfalos. DO ACÓRDÃO Ementa ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACROPROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental. 1.ADPF - ADEQUAÇÃO - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO POLÍTICA JUDICIÁRIA - MACROPROCESSO. Tanto quanto possível, há de ser dada seqüência a processo objetivo, chegando-se, de imediato, a pronunciamento do Supremo Tribunal Federal. Em jogo valores consagrados na Lei Fundamental - como o são os da dignidade da pessoa humana, da saúde, da liberdade e autonomia da manifestação da vontade e da legalidade -, considerados a interrupção da gravidez de feto anencéfalo e os enfoques diversificados sobre a configuração do crime de aborto, adequada surge a argüição de descumprimento de preceito fundamental. 2.ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL - PROCESSOS EM CURSO - SUSPENSÃO. Pendente de julgamento a argüição de descumprimento de preceito fundamental, processos criminais em curso,em face da interrupção da gravidez no caso de anencefalia, devem ficar suspensos até o crivo final do Supremo Tribunal Federal. 3.ADPF - LIMINAR - ANENCEFALIA - INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – GLOSA PENAL - AFASTAMENTO - MITIGAÇÃO. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reserva, não prevalece, em argüição de descumprimento de preceito fundamental, liminar no sentido de afastar a glosa penal relativamente àqueles que venham a participar da interrupção da gravidez no caso de anencefalia. 4.PROCESSO OBJETIVO - CURATELA. No processo objetivo, não há espaço para decidir sobre a curatela. 5.GRAVIDEZ - FETO ANENCÉFALO - INTERRUPÇÃO - GLOSA PENAL. Em processo revelador de argüição de descumprimento de preceito fundamental, não cabe, considerada gravidez, admitir a curatela do nascituro. Decisão ESTADO – LAICIDADE. O Brasil é uma república laica, surgindo absolutamente neutro quanto às religiões. Considerações. 1.FETO ANENCÉFALO – INTERRUPÇÃO DA GRAVIDEZ – MULHER – LIBERDADE SEXUAL E REPRODUTIVA – SAÚDE –DIGNIDADE – AUTODETERMINAÇÃO – DIREITOS FUNDAMENTAIS – CRIME – INEXISTÊNCIA. Mostra-se inconstitucional interpretação de a interrupção da gravidez de feto anencéfalo ser conduta tipificada nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. DO AMICUS CURIAE Definição A palavra amicus curiae vem do latim e significa “Amigo da Corte”. Refere-se, como o próprio nome já diz, àquele que auxilia a Corte nas decisões provenientes de atos referentes ao controle objetivo de constitucionalidade, como a ADIN e a ADPF. São órgãos, pessoas ou entidades que, possuindo domínio sobre determinado assunto proposto na ação, solicitam o ingresso na decisão judicial a fim de expôr seu conhecimento técnico e auxiliar na decisão do STF. O termo é definido, na doutrina jurídico-processual, como um ramo do instituto de intervenção de terceiros. No entanto, difere-se fundamentalmente das outras espécies de intervenção por atuar no processo objetivo de controle de constitucionalidade concentrada. Isto significa que o processo de controle objetivo deve ser caracterizado pela generalidade, abstração e impessoalidade em suas decisões. A distinção entre amicus curiae e as demais formas de intervenção, adequadas ao controle abstrato de constitucionalidade, fica evidente no artigo 7°, da Lei n° 9.868 de 10 de novembro de 1999, em que se veta a intervenção de terceiros no caput, no entanto, abre-se exceção, no parágrafo 2°, para a “manifestação de outros órgãos e entidades”, caso o relator entenda oportuno, sendo, portanto estes “órgãos e entidades” o amicus curiae. Acerca disso, o ministro Celso de Mello pronunciou-se quanto às demais formas de intervenção: [...] o pedido de intervenção assistencial, ordinariamente, não tem cabimento em sede de ação direta de inconstitucionalidade, eis que terceiros não dispõe, em nosso sistema de direito positivo, de legitimidade para intervir no processo de controle normativo abstrato. Isso porque, o processo de fiscalização normativa abstrata qualifica-se como processo de caráter objetivo (ADI 2.130- MC/SC, DJ, 02.02.2001, p. 145). Antes que o amicus curiae possa ingressar na ação, é necessário, portanto, que o ministro relator defira sua solicitação, tendo por base o cumprimento dos requisitos exigidos, a adequação do pedido ao pleito e a discricionariedade do juiz conforme o caso. O pedido pode ser ainda indeferido pelo Tribunal Superior, caso não entenda oportuno. A participação desta figura, embora ainda não seja um procedimento muito difundido no Brasil, assume importância fundamental no que diz respeito à representatividade dos grupos sociais. É uma forma de tornar mais democrático o processo de controle de constitucionalidade, ao dar a possibilidade de que vozes de uma sociedade tão plural e que se divide em grupos com diferentes interesses e propostas. Esta participação mais direta tem efeitos tanto nos governantes, que passam a atuar com maior responsividade perante seus representados, a fim de lhes prestarem motivos bem fundamentados para embasarem suas condutas, quanto para a população em geral, que se torna mais engajada nas questões políticas fundamentais, colaborando, portanto com a accountability. É válido ressaltar que o amicus curiae figura no processo sem apresentar nenhum tipo de interesse jurídico na causa, o que o caracterizaria como parte ou terceiro interessado, antes, contudo, apresenta interesse abstrato, tão somente numa justa sentença. DA RELAÇÃO ENTRE O AMICUS CURIAE E A DECISÃO TOMADA PELO STF NA ADPF 54 A presente Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental, impetrada pela Confederação Nacional de Trabalhadores (CNTS) em 2004, cujo objetivo era desclassificar o aborto de feto anencéfalo como crime, obteve seu julgamento apenas oito anos depois, em 2012. A votação contou com a participação de onze ministros, dos quais oito votaram a favor, dois contra e um se absteve, deferindo assim a proposta da ADPF 54. A ação trazia à tona uma discussão acerca da constitucionalidade ou não da antecipação terapêutica de partos em casos de anencefalia. Essa antecipação era considerada, por alguns grupos de cunho religioso, aborto. Nesse sentido, estes grupos argumentavam que permitir essa antecipação seria inconstitucional, pois seria permitir a realização de um crime tipificado pelo código Penal. Até o momento do deferimento dessa ação, mulheres grávidas de anencéfalos eram obrigadas a levar adiante a gestação, mesmo sabendo que o feto seria natimorto. Isso se dava não só pela falta de clareza da lei sobre a permissão ou não do aborto nesses casos específicos, mas pela morosidade do Judiciário que, por vezes, demorava tanto pra dar uma resposta para a gestante que, quando se pronunciava, a gravidez já estava numa fase em que a antecipação do parto não poderia mais ser realizada. Devido a toda essa discussão, a tramitação da ADPF 54 obteve uma grande relevância social, ganhando espaço na imprensa e na mídia. O deferimento do pleito da ação foi comemorado por diversos grupos sociais, como feministas, que arguiram a favor do direito de escolha da mulher em levar adiante ou não uma gravidez indesejada, e médicos, que ressaltaram os riscos corridos pela gestante em prosseguir com a gestação do feto anencéfalo. Contudo, a decisão também sofreu críticas, especialmente de grupos religiosos, como evangélicos e católicos que afirmavam que o feto anencéfalo também teria direito à vida e isso lhe seria negado com a permissão do “aborto”. Durante a discussão da ADPF 54, algumas entidades, tal como a CNBB, a Católica pelo Direito de Decidir, Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família e a Associação pelo Desenvolvimento da Família, solicitaram inicialmente o ingresso na ação sob forma de amicus curiae. No entanto, a solicitação foi indeferida pelo ministro relator, uma vez que a regra é a não intervenção de terceiros em processos objetivos de controle concentrado, tendo por base a analogia com a Lei nº 9.868/99, artigo 7º, caput, e a exceção está no § 2º do mesmo artigo, que permite ao relator decidir discricionariamente pela participação do amicus curiae no processo. Contudo, com as proporções tomadas no decorrer da ADPF, o ministro relator, tendo por base o § 1º do art. 6º da Lei 9882/99, optou por ouvir, em audiência pública, as diversas entidades que solicitaram o ingresso na ação na condição de amicus curiae. Assim é descrito pelo ministro relator Marco Aurélio, em seu voto: AÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL INTERVENÇÃO DE TERCEIRO - REQUERIMENTO - IMPROPRIEDADE. 1. Eis as informações prestadas pela Assessoria: A Conferência Nacional dos Bispos do Brasil - CNBB - requer a intervenção no processo em referência, como amicus curiae, conforme preconiza o § 1º do artigo 6º da Lei 9.882/1999, e a juntada de procuração. Pede vista pelo prazo de cinco dias. 2. O pedido não se enquadra no texto legal evocado pela requerente. Seria dado versar sobre a aplicação, por analogia, da Lei nº 9.868/99, que disciplina também processo objetivo - ação direta de inconstitucionalidade e ação declaratória de constitucionalidade. Todavia, a admissão de terceiros não implica o reconhecimento de direito subjetivo a tanto. Fica a critério do relator, caso entenda oportuno. Eis a inteligência do artigo 7º, § 2º, da Lei nº 9.868/99, sob pena de tumulto processual. Tanto é assim que o ato do relator, situado no campo da prática de ofício, não é suscetível de impugnação na via recursal. 3. Indefiro o pedido. 4. Publique-se. [...] A matéria em análise deságua em questionamentos múltiplos. A repercussão do que decidido sob o ângulo precário e efêmero da medida limiar redundou na emissão de entendimentos diversos, atuando a própria sociedade. Daí a conveniência de acionarse o disposto no artigo 6º, § 1º, da Lei nº 9.882, de 3/12/99. [...] Então, tenho como oportuno ouvir, em audiência pública, não só as entidades que requereram a admissão no processo como amicus curiae, [...] como também as seguintes entidades [...] Ressalta-se, no voto acima transcrito do ministro relator, a importância exercida pelo instituto do amicus curiae, uma vez que atua como auxiliar do juiz em ações de controle objetivo de constitucionalidade, que tem peso social relevante, já que a decisão dessas ações assume efeitos erga omnes e vinculantes. O amicus curiae é uma forma de representação democrática, já que atua em nome de grupos sociais que desejam manifestar-se sobre a decisão que venha a ser tomada acerca de determinados assuntos que atinjam dispositivos constitucionais. Consideramos ser cabível na argüição de descumprimento de preceito fundamental, em que pese o silêncio do legislador (que não se apresenta como silêncio eloqüente), a figura do amicus curiae (amigo da Corte), por aplicação analógica da regra insculpida no § 2º do art. 7º da Lei 9.868/99, segundo a qual o relator, considerando a relevância da matéria e a representatividade dos postulantes, poderá admitir a manifestação de outros órgãos e entidades. E é bom que assim seja, pois a intervenção de outros órgãos e entidades representativas, que não os próprios legitimados ativos, no processo abstrato de argüição de descumprimento, confere uma coloração democrática a estes processos constitucionais, permitindo uma maior abertura no seu procedimento e na interpretação constitucional, nos moldes sugeridos por Häberle. Ter-se-á, aí, uma participação direta do cidadão na resolução dos principais problemas constitucionais. (Didier, 2003.) As instituições, entidades e especialistas que atuaram na condição de amicus curiae na ADPF 54 foram as seguintes: 26 de agosto de 2008 (terça-feira) Conferência Nacional dos Bispos do Brasil – CNBB, Igreja Universal; Associação Nacional Pró-Vida e Pró-Família; Católicas pelo Direito de Decidir; Associação Médico-Espírita do Brasil – AME 28 de agosto de 2008 (quinta-feira) Conselho Federal de Medicina; Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia; Sociedade Brasileira de Medicina Fetal; Sociedade Brasileira de Genética Médica; Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência; Deputado Federal José Aristodemo Pinotti, Deputado Federal Luiz Bassuma, Professora Lenise Aparecida Martins Garcia, Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero – ANIS 4 de setembro de 2008 (quinta-feira) Ministro José Gomes Temporão (Médico e Ministro de Estado da Saúde); Associação de Desenvolvimento da Família – ADEF; Escola de Gente; Rede Nacional Feminista de Saúde, Direitos Sexuais e Direitos Reprodutivos; Dra. Cinthia Macedo Specian; Dr. Dernival da Silva Brandão, Conselho Federal de Direitos da Mulher. 16 de setembro de 2008 Dra. Elisabeth Kipman Cerqueira, Conectas Direitos Humanos e centro de direitos humanos, Conselhos Nacional de Direitos da Mulher, Associação brasileira de psiquiatria. DAS CONCLUSÕES A partir do acórdão estudado, pode-se perceber como a figura do amicus curiae pode influenciar numa decisão judicial de Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental, bem como no controle objetivo de constitucionalidade. Isto porque, as opiniões técnicas oferecidas, juntamente com o embasamento jurídico prático e teórico dos ministros do STF, levaram o julgamento a uma decisão justa e correta que considera inconstitucional a interpretação de que a interrupção terapêutica do parto de anencéfalos seja crime de aborto, tipificado nos artigos 124, 126 e 128, incisos I e II, do Código Penal. Isto posto, consideramos que o caso foi bem avaliado e a decisão foi acertada, pois vai ao encontro das necessidades da sociedade, do seu atual clamor por melhor tratamento a esses casos tão delicados e sofridos quantos os da anencefalia que, via de regra, custavam muito para ter uma resposta da Justiça brasileira. BIBLIOGRAFIA BUENO, Cássio Scarpinella. Amicus Curiae no Processo Civil Brasileiro. Um Terceiro Enigmático. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 179-190. CUNHA JR., Dirley. A intervenção de terceiros no processo de controle abstrato de constitucionalidade - a intervenção do particular, do co-legitimado e doamicus curiae na ADIN, ADC, e ADPF. In:DIDIER JR, Fredie e WAMBIER, Teresa Arruda Alvim (coords.). Aspectos polêmicos e atuais sobre os terceiros no processo civil e assuntos afins. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2004. p. 165-166. DIDIER JR, Fredie. Possibilidade de sustentação oral doamicus curiae. Revista Dialética de Direito Processual.São Paulo: Dialética, v. 8. 2003, pp. 33-38. Supremo Tribunal Federal. Disponível em < http://www.stf.jus.br/portal/peticaoInicial/verPeticaoInicial.asp?base=ADPF&s1=54&process o=54 > Acesso em 24 de setembro de 2013. Supremo Tribunal Federal. Disponível em http://www.stf.jus.br/portal/cms/verTexto.asp?servico=processoAudienciaPublicaAdpf54 < >. Acesso em 26 de setembro de 2013. Direito Net. Disponível em < http://www.direitonet.com.br/artigos/exibir/5727/A-ADPF-54e-o-cenario-ativista-do-Supremo-Tribunal-Federal >. Acesso em 26 de setembro de 2013. R7 notícias. Disponível em < http://jus.com.br/artigos/19321/amicus-curiae-e-o-controleconcentrado-de-constitucionalidade >. Acesso em 26 de setembro de 2013. Âmbito Jurídico. Disponível em < http://www.ambito- juridico.com.br/site/index.php?artigo_id=5032&n_link=revista_artigos_leitura >. Acesso em 26 de setembro de 2013.