O Direito Natural na Gênese do Direito Positivo

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Amicus Curiae V.8, N.8 (2011), 2011
O direito natural na gênese do direito positivo
José Mauro Savino Filó1
Resumo
Não podemos falar em História e Verdade antes do grande germânico Leopold Von Ranke dar
um caráter científico à historiografia, através de um método e técnicas rigorosos, definindo
com clareza seu objeto, não se pode falar da existência da História Científica. Os Estudos
Históricos eram, até então, pura literatura. Os fatos reais amontoavam-se e confundiam-se em
meio de fábulas, novelas, poemas, mitologias e mitos de toda espécie, a serviço das ideologias
ou crenças religiosas dominantes, contribuindo eficazmente para submeter o espírito humano
à escravidão até o século XIX. Um texto histórico pode exalar ciência pura e ser vasto
baseado nas informações de um saber profundo e iluminado por uma vasta experiência,
constituindo em uma grande concepção da História, mas também pode ser mal informado e
mal iluminado, constituindo-se em uma simples complicação de pontos de vista confusos.
Palavras-chave: direito; história; ciência.
Abstract
We can not talk about history and truth before the great German Leopold von Ranke give a
scientific character to historiography through a rigorous method and techniques, defining
clearly the object, one can not speak of the existence of scientific history. The Historical
Studies until then, pure literature. The real facts are crowded and confused in the midst of
fables, novels, poems, myths and mythologies of all kinds in the service of dominant
ideologies or religious beliefs, contributing effectively to the human spirit to submit to slavery
until the nineteenth century A text exhaling pure science background can be broad and based
on information in a knowledge illuminated by a deep and broad experience, constituting a
great conception of history, but also may be poorly informed and poorly lit, which turns to be
a complication of simple points confused view.
Keywords: law; history; cience.
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Professor Universitário de História, Graduado e Licenciado pela UFMG, Vida Acadêmica reconhecida pela
Comissão Permanente de Pessoal Docente do CEFET/MG como equivalente ao Mestrado; Membro da Equipe
Diretora do CEFET/MG, em nível de docente e de Administração Universitária, desde 1970 a 1995; Professor
Titular da cadeira de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos, durante os anos de 1985/1995, nos cursos
superiores do CEFET/MG; Membro da Diretoria Executiva do Conselho Federal de Engenharia – CONFEA – ,
cedido pelo MEC para ocupar função de Diretoria, por indicação da Presidência da República – 1982/ 1985, em
Brasília – DF. Endereço eletrônico: [email protected].
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Introdução
É fundamental a advertência de Benedetto Croce quanto ao papel de ciência
fiscalizadora das ciências, atribuído à Filosofia, quando nos afirma o grande pensador que
este sistema de referência contém tudo o que se julga necessário, possível, assim como tudo o
que se pensa desejável expulsando-se da mente, ostensivamente, pela porta principal, a grande
filosofia, os preceitos tacanhos de classe e do meio, entrem pela porta dos fundos,
estendendo-se o seu domínio, semi-consciente, talvez, ao pensar do historiador.
a) concepção mecanicista da teoria do reflexo - neste modelo, o sujeito é passivo,
contemplativo e receptivo. Popper chamou a esta teoria do processo cognitivo de “ a teoria da
consciência recipiente”.
b) o segundo modelo - concepção idealista e subjetivista – é o contrário do que se produz
no primeiro: predomina, se não a exclusividade, a volta ao sujeito que conhece: que percebe o
objeto do conhecimento como sua produção.
c) O terceiro modelo opõe ao princípio da preponderância de um dos elementos ação
cognitiva, do objeto ou do sujeito – concepção do princípio da interação e do papel ativo
do sujeito – submetido este, por outro lado, a diversos condicionamentos, principalmente às
determinações sociais, ou visão da realidade socialmente transmitida.
Enfim, a concepção de tais modelos é puramente ideológica e sofista, pois relativizam a
verdade do conhecimento científico, disseminando a dúvida no conhecimento objetivo do
saber, pois sua lógica é estreita e ignora a dinâmica da historiografia. Aplica-se à realidade
existente, até Ranke ou até o século XIX. As novas e inúmeras ciências e disciplinas, surgidas
desde então, que tornaram fabuloso o universo da tecnologia, são auxiliares eficazes de todos
os métodos científicos, pois a cada dia oferecem novos recursos que colaboram com o
aperfeiçoamento da eficácia das técnicas de todos os ramos da ciência, mormente das
chamadas ciências humanas e sociais.
O problema mais relevante na questão da verdade histórica – entre a reconstituição
científica dos fatos passados e o historiador autêntico : laico, livre pensador – é o
comprometimento do cientista com a honestidade e a certeza histórica. O imperativo da
cientificidade dos estudos históricos determina sua tendência para a verdade objetiva, no
sentido de uma marcha lenta, árida e ininterrupta em direção à verdade absoluta e
insofismável. Se houvesse só uma verdade histórica, esta seria o fato de que nem mesmo a
perfeição, em qualquer aspecto das realizações humanas é tabu inatingível pela consciência
livre e bem nutrida de conhecimentos.
A adesão do historiador a ideologias religiosas ou políticas extremistas leva ao
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desconceito, pois onde as crenças cegas e os dogmas se impõem, a inteligência se esteriliza. É
importante referirmo-nos a Mannheim (Extraído Ex: HEINRICH, 1971), quando este afirma
que “toda ideologia é, por definição, uma falsa consciência, isto é, dá uma imagem unilateral,
parcial e semiconsciente do verdadeiro estado das coisas, do engano dos outros, ao logro de si
próprio, não se distinguindo da noção de mentira pura e simples”.
Entretanto, não podemos discordar de Arnold J. Toynbee (1953), no sentido de ser uma
falsa convicção o empenho do Ocidente (...), em se empenhar na promoção do estudo das
Histórias nacionais, crentes de que as mesmas mantinham uma ligação mais estrita com a vida
do atual ser humano do que a história de outras épocas e de outros lugares.
Raumsol (1940) nos adverte: “Antes de continuarmos nossa síntese, recordemos que,
tanto na história, como em qualquer outro ramo do saber, o investigador sincero não se deixa
surpreender nunca pelas aparências ou por versões de duvidosa fonte. Seu pudor científico lho
impede, e sempre haver-se-á de vê-lo buscando o que constitui o motivo de seus afãs nas
origens mesmas das coisas que investiga. Se, por exemplo, o organismo humano se chega
conhecer através dos elementos que o estruturam, de igual modo se chega a conhecer uma
verdade reunindo os fragmentos dispersos que a formam. Eis aí o formidável labor: construir
imagens completas onde só há fragmentos que ninguém foi capaz de reunir. Fragmentos que
formam nada menos que conhecimentos de inestimável valor”.
1. Direito e História
A partir de Savigny – quando fulminou o misticismo da vida jurídica, ao exaltar a
necessidade de um “método genético” que tornasse possível analisar o os dias atuais de um
fenômeno qualquer, de outro aspecto além de sua relação com seu passado - a História do
Direito torna-se uma ciência, com objeto próprio e específico, pois sua investigação visa a
conhecer e a expor, com forma e métodos próprios, os fenômenos sociais que serviram de
motivo causal na concretização dos feitos histórico-jurídicos, tornando-se instrumento
científico insubstituível no estudo intensivo do Direito. Savigny representa para a gênese da
História do Direito o que Ranke representa para o nascimento da História Científica.
Se acompanharmos a História do Direito, veremos que a mesma é inseparável da idéia
de processo histórico, assim como o é a vida jurídica em seu todo. O Direito se constitui,
inequivocamente, através de seus princípios, preceitos, concepções jurídicas e pelo império de
realidades consuetudinárias e legislativas.
Portanto, a História do Direito é a síntese de processos de fenômenos sociais que
resultam na elaboração jurídica em todas as suas formas, bem como, concomitantemente, a
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evolução dos fenômenos jurídicos, de suas origens até sua realidade presente. Seria
impossível compreender plenamente o caráter, alcance e sentido do Direito vigente, sem
conhecer os estados de que procede.
Raumsol trouxe-nos elementos de grande originalidade e fundamentais para o
equacionamento de diversas questões sobre as leis e o Direito Universal e Humano. Afirma o
ilustre pensador portenho:
[...] se não existisse o Direito Natural que nasce com a própria criatura humana; se
não existisse a lei, que determina uma ordem inviolável nas atividades humanas e
rege a evolução integral do ser, amparando-o das usurpações e despojos impostos,
indubitavelmente haveria que inventá-la [...].
O homem, ao nascer, é proprietário, como primeira providência, de um corpo físico,
isto é, de um veículo provido de inumeráveis elementos [...].
Surge disto que o primeiro direito do homem é sobre sua própria vida, como
entidade individual e inteligente capaz de conservá-la e defendê-la até sua máxima
longevidade.
A aparição do Direito Humano tem, pois, sua origem na propriedade do corpo, que
é, em princípio, absoluta [...].
Estabelecido, então, o Direito primordial e inalienável do homem como entidade
humana, vemos que esse direito, que, em um princípio só se concretizava na
propriedade do corpo, se bifurca e estende depois a tudo o que o ser produz, como
resultado do manejo desses elementos internos que citamos e unicamente cessa esse
direito sobre o produzido quando o próprio homem o separa de seu patrimônio, com
livre vontade [...];
Ao formar-se a família, o primitivo direito sofre outras bifurcações, que vão
determinar os limites correspondentes à vida de relação da mesma [...].
Depois, ao se tomar contato e estreitar vínculos com outras famílias (...) o direito
volta a tomar novas formas, mas sempre tendo como base e principal razão o
respeito para com a vida e a propriedade do semelhante [...].
O êxodo das famílias-tronco para diferentes regiões traz, como conseqüência, a
demarcação de limites territoriais, pois tais famílias se constituíram em grandes
massas, formando assim, os povos e as nações [...].
A ciência do direito tomou por base a pessoa, como ente responsável, e elabora
sobre ela todo um sistema de razões, tanto para sua defesa como para seu castigo, no
caso de que esta infrinja essas mesmas razões convertidas em leis [...].
A ciência do direito apenas contempla os valores morais e íntimos do ser,
preocupando-se, em troca, com as tendências materiais. Essa é, precisamente, uma
das causas que mais contribuíram para a decomposição e desvirtuamento da justiça,
pois se ao ser moral, isto é, a esse conjunto de valores superiores, que são prendas
do espírito, não se lhe estima como o impõem as regras mais elementares do direito
de gente, que moral pode imperar, então, no sentimento do que julga? Por isto,
falamos da integridade do homem, nos referimos aos que formam seu patrimônio
interno, desde que teve consciência de sua responsabilidade como dono
insubstituível de seu corpo físico e de tudo quanto há dentro dele [...]. (RAUMSOL,
1938)
Portanto, podemos concluir que o Direito Natural nasce com o advento da espécie
humana, da mesma forma que o exercício do mesmo é consubstancial e inseparável do
império do Direito Positivo, em todas as instâncias do acontecer humano, sendo que a
ausência de um é prova eloqüente da falsificação intelectual do outro.
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2. O Direito e a lei
Não há dúvida de que a legislação é o procedimento mais radical entre os reflexivos, na
transformação do Direito formulado e que a função do legislador é uma função interpretativa
da necessidade jurídica da nação. Deste modo, a lei, para ser autêntica, não arbitrária, deveria
ser o reflexo ou traslado da consciência jurídica da cidadania.
Nestes termos, a modificação do Direito é o mais radical, porque se desentende do
Direito antiquado e da eqüidade; o legislador dita a norma que lhe parece mais necessária ou
conveniente e a legislação torna-se franca, pois elimina a ficção legal, hipócrita e a eqüidade
debilitária. Termina, portanto, com o caráter dispersivo, casuístico de tais leis. A técnica
recorre à certificação, reduzindo leis soltas a códigos. Deixa-se de confundir ficção legal com
presunção. E não há dúvida que a ficção legal ou jurídica nasceu da influência religiosa, com
o objetivo de tornar o Direito menos rígido ou menos flexível, adaptando-se às conveniências
do momento histórico.
Embora a ciência já tenha consagrado, com inequívoca lucidez, dentro de seu rigoroso
método, que o Direito nasce com a própria existência humana, agrupamentos religiosos e
ideológicos procuraram, principalmente em séculos de obscurantismo, impor teorias
dogmáticas e crenças absurdas quanto à origem do Direito. Examinemos algumas dessas
tentativas, ao longo da História das civilizações. Evidentemente, não podemos negar que
houve tentativas autênticas e laicas que não podem ser confundidas com o obscurantismo, as
quais encontramos em Platão, Aristóteles, Sêneca e outros autores da antigüidade Ocidental e
Oriental (CIVITA E OUTROS, 1999), bem como após a Idade das Trevas. Aos primeiros,
identificamos na teoria etocrática, que afirma ser o Direito conseqüência lógica da moral.
A teoria teológica (BLOCK, 1993), procurou aprimorar-se na lógica e no prestígio
etocráticos, mas fizeram uma impostura própria dos dogmáticos religiosos. Dentre os mais
famosos e principais, temos Ambrósio e Agostinho, pois plagiaram a Sêneca e apropriaram-se
do pensamento platônico. Talvez, daí ser comum entre eles, acrescentar, como sinônimos, as
palavras justo e santo: “quem obra em conformidade com o Direito, obra em conformidade
com Deus”. Mais tarde, Thomás de Aquino (Extraído Ex: COLEÇÃO “OS GRANDES
PENSADORES”, ORGANIZADA POR VICTOR CIVITA E OUTROS, 1999) engrossa as
fileiras desses personagens, em sua obra Suma Teológica, como também Francisco Suárez,
com sua obra “Tractatus de Legisbus et de teo legislatores” (“Tratado das Leis e de Deus
legislador”).
As Teorias consensuais fundem, numa só origem, o Direito e o Estado. Ambos surgem
de um pacto ou convenção. Assim, a vontade do Estado é onipotente, justa e inquestionável.
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Tais teorias são de cunho ideológico-religioso, já que inspiram-se na infalibilidade papal e,
por analogia, identificam-se com o próprio Direito Divino dos Reis. Dentre seus principais
autores, apesar da diferença dos interesses imediatos que representam – em momentos de
desarticulação entre os monarcas pró-absolutismo monárquico e a Igreja pró-feudalismo -,
encontramos autores liberais e laicos como Grocio, com sua obra “Tratado do Direito da
Guerra e da Paz”.
As teorias racionalistas partem da premissa de que a razão é fonte de toda a verdade.
Segundo Kant, “o Direito é a harmonia da liberdade de cada qual com a liberdade de todos,
obtida por uma lei geral”. Já Fichet, outro dos principais divulgadores dessas teorias, não
consegue explicar a forma independente em que a vontade individual se une com outras
vontades para fundar a ordem coletiva (TOUCHARD, 1970).
A Teoria de Escola Histórica tem dois precursores principais: Hugo, na Alemanha e
Burke (BURKE, 1997), na Inglaterra. Mas, seu verdadeiro iniciador é Savigny. Este Afirma,
ainda, que os fatos são “a fonte de todo o Direito”. Portanto, a História é o meio hábil e o
método próprio para a investigação das normas jurídicas. Desse modo, as Leis são “a fórmula
do Direito e são filhas dos costumes”. Outro membro dessa corrente foi Sthal e sua doutrina,
no substancial, coincide com a de Savigny. Segundo Iribarren, Sthal teve forte orientação
teológica e procurava conciliação da origem divina do Direito e o critério jurídico da Escola
Histórica, diferentemente do espírito laico de Savigny (IRIBARREN, 1938).
As teorias positivistas têm certa similitude com os postulados da escola Histórica.
Augusto Comte (ROQUE, 2007) afirmou que, na evolução humana, o progresso das
sociedades passou por três períodos: Teológico, Metafísico e Positivo. Porém, tais idéias já
haviam sido expressadas por Turgot. Segundo essas doutrinas, a evolução é a lei geral que
rege o mundo. Portanto, o Direito é um produto da evolução social. Spencer foi outro
propagador dessas idéias.
As teorias dinamistas ou dinamocráticas são muito antigas. Já na Grécia Carniades e
Carioles já as haviam sustentado. Para elas, o Direito não tem mais origem que a compulsão.
A vontade do onipotente é lei para os demais. O Direito é de quem pode impô-lo, sem
limitação de nenhuma espécie.
A teoria da Origem remota e da Origem próxima do Direito afirma que o Direito tem
uma origem remota e uma origem próxima. A primeira se encontra na natureza do homem
primitivo e a segunda nas modalidades do homem já evoluído. O Direito tem seu núcleo
materno social na natureza humana e na convivência social. Seu precedente mais primitivo é o
instinto, do qual derivam mais tarde os direitos. A origem remota do Direito é, pois, o instinto
em geral. Sua origem próxima é a adaptação do homem ao meio físico e social em que atua.
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Essa teoria foi original do professor e jurista chileno Juan Antonio Iribarren (IRIBARREN,
1938), nos primórdios do século XX.
Dentro da morfologia do Direito, a norma, a regra, o costume, o hábito e o uso, vamos
encontrar em destaque a LEI. Dentre as formas em que o Direito se reveste, a Lei é a norma
jurídica que rege a ação define a obrigatoriedade do conceito jurídico. Ela tem por objeto
reger os atos humanos para fazê-los compatíveis com a dignidade, a individualidade e a
sociabilidade inerentes à natureza humana.
3. A origem do Direito Positivo
A natureza deu à luz o Direito ao dar existência ao ser humano. Indubitavelmente, na
medida em que este foi tomando consciência de seus direitos naturais, esse processo se fez
através de normas até chegar ao Direito Positivo.
As normas naturais compõem o Direito Natural conhecido. São regras ou leis imutáveis
e diferem-se das leis positivas por este aspecto essencial. Mas, além da imutabilidade,
possuem caráter universal e, portanto, são invioláveis, isonômicas, com o que se define o
princípio de que a Justiça e a própria ordem Jurídica Legítima se constituem em torno das leis
e dos códigos que estão em harmonia com o Direito Natural.
O Direito Positivo deve ter suas regras pautadas no Direito Natural, pois como já
salientou Paulo Nader, “o divórcio entre o Direito Positivo e o Direito Natural guia as
chamadas Leis injustas, que negam ao homem o que lhe é devido” (NADER, 1995). Da
mesma forma, Giorgio Del Vecchio afirmou que “deve haver perfeita sintonia do Direito
Positivo com o Direito Natural, pois é possível uma plena compatibilidade dos dois Direitos”
(ROQUE, 2007). As mesmas conclusões vamos encontrar em todos os autores que romperam
com as idéias anteriores ao século XIX, ao demonstrarem em suas obras que cada homem é
livre de fazer o que quiser, contanto que não prejudique a liberdade dos outros homens e que
o uso do arbítrio próprio pode harmonizar-se livremente com o livre arbítrio dos outros.
Embora alguns autores tentem impor a idéia de que o Direito Positivo alcançou o seu
ápice por influência do Positivismo, não há dúvida de que houve uma integração e uma
variação geográfica e histórica quanto ao predomínio do Direito Natural, do Direito
Consuetudinário e do Direito Positivo. Mas não se pode negar que o atual reinado do Direito
Positivo Legítimo, ou seja, em plena consonância com o Direito Natural, confunde-se com a
própria civilização ocidental e seus valores democráticos, atualmente em pleno movimento de
globalização.
Os princípios político-constitucionais são derivados de decisões políticas fundamentais,
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concretizadas em normas conformadoras de um sistema constitucional positivo e de normasprincípio ou normas fundamentais, geradoras das normas particulares que regulam as relações
da vida social, manifestando-se como princípios constitucionais fundamentais. Ao serem
positivados em normas – princípios, adquirindo muitas vezes, a hierarquia de Princípios
Jurídicos Constitucionais, tornam-se a base de normas jurídicas e passam a constituir-se em
preceitos básicos da organização constitucional, pois são incorporados positivamente.
Desse modo, não é difícil concluir que o surgimento do Estado, ou seja, de uma
sociedade politicamente organizada, determina regras e fórmulas estritas, claras, precisas, ou
seja, transforma a norma imprecisa e difusa em lei. O Estado, interpenetrando a necessidade
da disciplina e da ordem, dita as leis, e o Direito se faz positivo.
Considerações finais
Do tronco do Direito Positivo, surgiram dois ramos fundamentais: o direito nacional ou
interno e o direito internacional ou externo. Estes se ramificam também, dando, o primeiro,
origem ao direito público nacional e ao direito privado nacional. Do segundo, descendem o
direito internacional público e o direito internacional privado. Cada Estado possui seu Direito
Positivo nacional ou interno, constituído pelo Direito Positivo nacional público e pelo Direito
Positivo nacional privado. Para os romanos era o “quod ad, statum rei romanal specta”, o
público e o “quod ad singularum utilitatem pertinet”, o privado.
O direito nacional público constitucional não deve ser confundido com o direito
administrativo, já que este visa fundamentalmente a aperfeiçoar os órgãos pelos quais o
Estado atinge seus fins. Ao contrário do direito penal, que, embora dividido em comum e
militar, é parte do direito público nacional. Já o Direito Positivo nacional privado abarca o
direito civil e o direito comercial.
Esta distinção é moderna, já que, para os romanos, o jus civile era o direito de todos os
cidadãos e o jus gentium eram as regras comuns a todos os povos. O jus civile mesclava, em
Roma, as disposições do direito público com disposições do direito privado. Devemos
enfatizar, dentro do direito nacional público, o direito penal positivo que regulamenta o
exercício da repressão pelo Estado, facultando-lhe impor castigos e a repressão penal.
A razão da existência do Direito Positivo se sustenta na maior facilidade de sua
aplicação prática aos múltiplos casos que se produzem na vida humana. Porém, essa aplicação
sempre requer homens aptos que a tornem efetiva, a força material ou imperium, para fazê-la
respeitada; ou seja, o Direito Positivo requer juízes. Porém, o Direito Positivo não pode ficar
ao arbítrio absoluto dos juízes. Daí o surgimento do “direito processual”, que regula os atores
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encarregados da aplicação do direito. Portanto, podemos concluir sem temor e com a certeza
histórica que Comte foi o Pai do Positivismo filosófico e, Savigny, o Pai do Direito Positivo.
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