D I R EITO CONSTITUCIONAL Hélcio Corrêa A ARGUIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL THE CLAIM OF BREACH OF CONSTITUTIONAL PRECEPT Débora Soares Guimarães RESUMO ABSTRACT Versa sobre a relativização da coisa julgada inconstitucional e objetiva verificar o cabimento da arguição de descumprimento de preceito fundamental como meio para impugnar a coisa julgada violadora de preceito fundamental. Demonstra ser possível e necessária a desconstituição da coisa julgada material nas situações em que se verificar um absoluto desrespeito aos direitos constitucionais, indicando a ADPF como instrumento mais eficaz para esse fim, desde que atendidas certas condições. The author broaches the issue of the relativization of the unconstitutional res judicata, aiming at analyzing the acceptance of the claim of breach of constitutional precept (ADPF) as a means for contesting the res judicata which violates constitutional precept. She shows that it is possible and necessary to undo the res judicata whenever it is clear that constitutional rights have been disregarded, indicating the ADPF as an efficient tool for achieving this goal, provided certain conditions are met. PALAVRAS-CHAVE KEYWORDS Direito Constitucional; relativização; coisa julgada inconstitucional; arguição de descumprimento de preceito fundamental (ADPF); Constituição; segurança jurídica. Constitutional Law; relativization; unconstitutional res judicata; claim of breach of constitutional precept (ADPF),Constitution; legal security. Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 27 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho tratará da relativização da coisa julgada inconstitucional e terá por enfoque o estudo da arguição de descumprimento de preceito fundamental, a fim de verificar a possibilidade de essa ação ser considerada meio processual hábil e eficaz para viabilizar a desconstituição da decisão inconstitucional. Cândido Dinamarco (2006, p. 29) defende justamente que a coisa julgada não é um efeito da sentença, mas sim uma qualidade, um elemento imunizador desta, cuja finalidade precípua é assegurar a estabilidade desses efeitos, impedindo que sejam questionados após o trânsito em julgado da decisão. A coisa julgada é, por fim, um elemento garanti- A ADPF também pode ser utilizada para combater lesão a preceito fundamental decorrente da omissão inconstitucional, de modo a atingir também hipóteses de inconstitucionalidade por omissão. 28 Inicialmente, será estudada a relativização da coisa julgada inconstitucional e se buscará demonstrar que é preciso manter um equilíbrio entre os princípios da constitucionalidade e da segurança jurídica. Após, tratar-se-á da arguição de descumprimento de preceito fundamental, enfocando seus aspectos procedimentais conferidos pela Lei n. 9.882/99. E, por fim, serão abordados os diferentes instrumentos processuais apontados pelos doutrinadores como sendo viabilizadores da relativização da coisa julgada inconstitucional, indicando-se a ADPF como o meio mais eficaz para desconstituir sentenças inconstitucionais. 2 DA RELATIVIZAÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL 2.1 DA COISA JULGADA Durante muito tempo discutiu-se acerca da natureza jurídica da coisa julgada e de seu conteúdo. A coisa julgada era entendida ora como um dos efeitos da sentença, ora como uma ficção de verdade, ou, ainda, como uma vontade do Estado preconizada na decisão transitada em julgado (PELIZ, 2004, p. 348). Foi a partir de Liebman que a coisa julgada passou a ser entendida como uma qualidade da sentença, e não como mero efeito desta (Idem, p. 353). Segundo Liebman: Coisa julgada material consiste na imutabilidade da sentença, do seu conteúdo e de seus efeitos, o que faz dela um ato do poder público portador da manifestação duradoura da disciplina que a ordem jurídica reconhece como aplicável à relação sobre a qual se tiver decidido (LIEBMAN, 1981, p. 5). dor da segurança jurídica da relação atingida pela sentença (DINAMARCO, 2006, p. 29). Esta é, aliás, a posição de Teresa Arruda Alvim e José Miguel Garcia, que, ao se referirem ao estudo de Liebman, defendem que a coisa julgada não pode ser vista como um efeito autônomo da sentença, mas como algo que deve indicar a forma como certos efeitos se exteriorizam, a sua força, a sua autoridade (WAMBIER, 2003, p. 19). De certo, a coisa julgada traz uma ideia de imutabilidade, definitividade, que deve corresponder a uma qualidade que se agrega aos efeitos da sentença, mas sem modificar, pois, a natureza destes efeitos (LIEBMAN, 1981, p. 5). Note-se que a sentença pode ter efeitos de natureza declaratória, constitutiva, ordenatória, mandamental e até executiva, que não se confundem com a qualidade da coisa julgada, que pode ou não ser conferida a eles. Para Liebman, a imutabilidade da sentença não se confunde com a sua eficácia, pois, enquanto a eficácia corresponde ao comando, seja declaratório, constitutivo, mandamental ou condenatório inserido na sentença, e que não tem o condão de impedir o reexame da matéria, a imutabilidade, que corresponde à coisa julgada, tem por função justamente estabilizar a relação jurídica, impedindo nova discussão da matéria (LIEBMAN, 1981, p. 50). Quanto à sua disciplina normativa, a coisa julgada material foi elevada ao status de garantia constitucional, na medida em que se encontra disciplinada no rol do art. 5º da Constituição Federal, o que faz com que seja considerada uma Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 cláusula pétrea, não podendo, portanto, ser modificada nem mesmo via emenda constitucional. Mas ressalte-se que esta não foi uma inovação da Constituição Federal de 1988, na medida em que a coisa julgada já vem sendo disciplinada desta forma desde a Constituição do Império de 1824 (LIEBMAN, 1981, p. 21). O art. 5º, inc. XXXVI, preconiza que a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada. Na verdade, este inciso prevê o conhecido princípio da irretroatividade da lei no tempo, além de proteger a coisa julgada material, tratando-a como corolário do princípio da segurança jurídica, também abordado pelo referido inciso. O CPC de 1973 traz a disciplina infraconstitucional da coisa julgada, preconizando, no seu art. 467, que a coisa julgada material corresponde à eficácia que torna imutável e indiscutível a sentença, não mais sujeita aos recursos ordinário e extraordinário. Tereza Wambier, ao fazer comentários acerca da disciplina normativa da coisa julgada, preleciona que o art. 467 do CPC está tecnicamente equivocado, se tomado em vista da posição de Liebman, na medida em que da leitura do referido dispositivo legal pode-se extrair a definição da coisa julgada formal, e não da material, tal como esta é entendida por Liebman. Para este, a coisa julgada material corresponde à qualidade própria da sentença que acolhe ou rejeita a pretensão, sendo destinada a agir no futuro, com relação a processos futuros (LIEBMAN, 1981, p. 86). Desse modo, como o art. 467 do CPC parece nos remeter à imutabilidade endoprocessual da sentença, deixando, pois, de mencionar a imutabilidade referente à impossibilidade de ajuizamento de nova ação com as mesmas partes, pedido e causa de pedir, não podemos deixar de concordar com a posição de Teresa Alvim, o que nos leva a considerar que o disposto no referido artigo se encaixa mais no conceito de coisa julgada formal, se adotarmos, claro, as lições de Liebman. No que se refere à divisão da noção de coisa julgada em material e formal, Cândido Rangel preconiza que não há dois institutos diferentes ou autônomos representados pela coisa julgada material e formal, mas sim dois aspectos do mesmo fenômeno, duas faces do mesmo instituto (LIEBMAN, 1981, p. 32). A diferença está em que, enquanto a coisa julgada material corresponde à imutabilidade dos efeitos substanciais da decisão de mérito, a coisa julgada formal é a imutabilidade da sentença em si mesma, considerada como ato jurídico do processo. Essa última seria uma manifestação de um fenômeno processual de maior amplitude e variada intensidade, que é a preclusão; razão pela qual deve ser considerada como uma preclusão máxima. E foi justamente o fato de a coisa julgada material imunizar os efeitos da decisão, garantindo a estabilidade das relações jurídicas, que fez com que esta fosse consagrada como uma garantia constitucional. Podemos dizer, pois, que a coisa julgada formal é um fenômeno interno ao processo, referindo-se à decisão como ato processual, enquanto a coisa julgada material imuniza os efeitos da decisão, impedindo qualquer ato estatal que venha a negá-los (DINAMARCO, 2006, p. 23). Neste trabalho, abordaremos especificamente a coisa julgada material, já que incide sobre a sentença de mérito, que, por sua vez, pode denotar violação de preceito fundamental prescrito na Constituição. 2.2 DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL E SUA RELATIVIZAÇÃO Coisa julgada inconstitucional, na visão de Cássio Scarpinella Bueno, deve ser entendida como a impossibilidade de determinadas decisões, porque fortemente ofensivas a princípios e valores do sistema, tornarem-se, por uma ficção jurídica (a coisa julgada) imutáveis (BUENO, 2003, p. 258). Com efeito, a decisão que contraria os ditames constitucionais nem mesmo é dotada da imutabilidade inerente à coisa julgada, já que esta pode ser desconstituída a qualquer tempo; o que possibilita a chamada “relativização da coisa julgada inconstitucional” (DINAMARCO, 2006, p. 35), de modo que, em termos gerais, podemos dizer que a coisa julgada inconstitucional equivale à sentença transitada em julgado que afronta diretamente ou indiretamente o texto constitucional ou os princípios explícitos ou implícitos da Lei Maior. Cândido Dinamarco explicita que se deve buscar um equilíbrio entre a garantia da coisa julgada material e as outras garantias constitucionais, não se podendo priorizar a garantia da coisa julgada em face da justiça das decisões (DINAMARCO, 2006, p. 36). E, para o referido doutrinador, coisa julgada inconstitucional é a denominação que a doutrina tem utilizado para se referir à sentença que, embora existente como ato jurídico, vai de encontro a um princípio ou garantia constitucional. Durante muito tempo, a coisa julgada, ainda que inconstitucional, não poderia ser desconstituída, a não ser por meio da utilização da ação rescisória e obedecido o prazo decadencial de dois anos para o seu cabimento. Isso porque era colocado o princípio da segurança jurídica em uma posição superior a todos os demais princípios consagrados na Constituição Federal, sendo que, na atualidade, doutrinadores como Cândido Rangel, (2006) Teresa Alvim (2003, p. 12) e Carlos Valder (2005, p. 26) explicitam a dicotomia existente entre o princípio da segurança jurídica e o princípio da constitucionalidade. O princípio da segurança jurídica está previsto no art. 5º, inc. XXXVI da Constituição, e é em virtude dele que as sentenças transitadas em julgado ficam dotadas da imutabilidade, e imunes, pois, a qualquer discussão posterior. Porém, como bem afirma Cândido Dinamarco, esse princípio não pode ser tido como absoluto, pois há valores constitucionais que são hierarquicamente superiores ao da segurança jurídica (DINAMARCO, 2006). Nesse sentido, o referido autor cita em seu estudo a posição assumida por Hugo Negro Mazzilli, para quem diante de uma violação aos valores consagrados na Constituição, há que se ter uma mitigação da coisa julgada material (DINAMARCO, 2000, p. 73). controle relativo a esses atos, não se podendo conceber que estes fiquem imunes ad infinitum em caso de violação dos princípios fundamentais (CANOTILHO, 1998, p. 271). Desse modo, é primordial que o Poder Judiciário leve sempre em consideração, ao proferir suas decisões, o princípio da constitucionalidade, implícito na própria Carta Magna e pelo qual as decisões proferidas pelo Judiciário, no exercício da função jurisdicional, devem ser compatíveis com o texto constitucional. Isso porque a Constituição traz em seu bojo princípios fundamentais que não podem ser preteridos em defesa da segurança jurídica. É claro que a segurança jurídica é imprescindível para a manutenção do Estado democrático de Direito e para a pacificação social, mas há direitos consagrados constitucionalmente, como os direitos à vida, à liberdade, à igualdade e à dignidade da pessoa humana, que jamais podem ser preteridos, pois se referem diretamente ao ser humano enquanto célula da sociedade, tal como se vê no art. 5º, caput e no art. 1º, III, ambos da CF/ 88. Segundo Carlos Valder, o direito não é somente fenômeno normativo, isolado, abstrato, arrancado de vida, mas é ele mesmo, enquanto convivência humana, co-existência, compreensão compartida (NASCIMENTO, 2005, p. 3). Para o referido autor, quando for preciso proteger direitos como a liberdade, a igualdade e a dignidade da pessoa humana é preciso se mitigar o princípio da segurança jurídica (NASCIMENTO, 2005, p. 4). Esse é também o entendimento de Cândido Dinamarco, que defende não uma mitigação desenfreada e ilimitada do princípio da segurança jurídica, mas sim 29 [...] a ADPF não deve substituir outras ações nem saltar os recursos judiciais, em princípio; mas o caráter subsidiário deve ser avaliado não apenas em função da existência, mas também da ineficácia de outros meios de controle judicial [...] Canotilho ensina, ao tratar do princípio da constitucionalidade, que esse implica na conformação material e formal de todos os atos com a Constituição, salientando que, quando se tratar de atos de jurisdição, a garantia da proteção jurídica exige que seja feito também o uma mitigação necessária e dentro dos limites identificados em cada caso concreto quando, em prol dessa segurança jurídica, se estiver violando os princípios da Constituição e as garantias fundamentais consagradas no texto constitucional (DINAMARCO, 2006, p. 36). Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 Cândido Dinamarco também nos remete ao pensamento de Hugo Mazzilli e às lições de Mauro Cappelletti, bem como às de Jorge Miranda, salientando que os ensinamentos dos referidos juristas convergem a uma mesma premissa, qual seja, a da necessidade de mitigar a coisa julgada (DINAMARCO, 2006, p. 39), na medida em que essa não é um valor absoluto, devendo, pois, ser conjugado com outros valores constitucionais. Para o referido jurista, não se deve levar longe demais a autoridade da coisa julgada, restando certa a necessidade de se ter uma relativização da coisa julgada material, para que se consiga um convívio pacífico entre esta e outros valores constitucionais de igual ou maior grandeza (DINAMARCO, 2006, p. 39). Ademais, é mister citarmos o ensinamento de Jorge Miranda, para quem assim como o princípio da constitucionalidade fica limitado pelo respeito do caso julgado, também este tem que ser apercebido no contexto da Constituição (MIRANDA apud DINAMARCO, 2006, p. 40). [...] a ADPF autônoma aproxima-se muito da Verfassungsbeschwerde alemã e do recurso de amparo espanhol, tendo em vista que estes são instrumentos que, na prática, se apresentam como mecanismos de impugnação de decisões judiciais [...] 30 Desse modo, quando o julgador estiver diante de uma sentença protegida pelo manto da coisa julgada material, mas que viole os dispositivos da Lei Maior, deve ele desconstituí-la em prol da defesa das garantias fundamentais relativas à pessoa humana. Humberto Teodoro e Juliana Cordeiro preconizam que, no Estado democrático de Direito em que vivemos, tem sido uma preocupação constante a de garantir a supremacia da Lei Maior, como único meio de assegurar aos cidadãos a certeza da tutela da segurança e da justiça como valores máximos da organização da sociedade (NASCIMENTO, 2003, p. 70). E essa ideia de primado hierárquico normativo da Constituição Federal fez com que os mais variados ordenamentos jurídicos contemplassem em seus sistemas mecanismos de controle da constitucionalidade dos atos emanados do Poder Público (NASCIMENTO, 2003, p. 71). Porém, na desculpa de se garantir a segurança jurídica, institucionalizou-se o mito da impermeabilidade das decisões judiciais, isto é, de sua imunidade a ataques, ainda que fossem dotadas de inconstitucionalidade, especialmente depois de operado e ultrapassado o prazo para sua impugnação (NASCIMENTO, 2003, p. 72). Sendo assim, a coisa julgada foi transformada na expressão máxima a consagrar os valores de certeza e segurança jurídica, mostrando-se, pois, intocável, ainda que eivada de algum vício que a tornasse inconstitucional. E essa “supervalorização” da coisa julgada é resultado da ideia equivocada de que o Poder Judiciário se limita a executar a lei, sendo, destarte, defensor máximo dos direitos e garantias assegurados na ordem jurídica e, por conseguinte, da própria Constituição Federal (NASCIMENTO, 2003, p. 72). Destarte, como ressaltam Juliana Faria e Humberto Theodoro, ao remeterem à posição de Paulo Otero, se outros órgãos Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 do Poder Público se submetem ao controle da constitucionalidade de seus atos, também os tribunais devem ter seus atos sujeitos a esse controle, na medida em que, da mesma forma que aqueles, os tribunais também podem desenvolver atividades geradoras de situações patológicas, proferindo decisões que não executem as leis, desrespeitem os direitos individuais ou cujo conteúdo vão a ponto de violar a Lei Maior (NASCIMENTO, 2003, p. 72). Não podemos negar que, na esfera do Poder Judiciário, os recursos exercem a função de controlar a constitucionalidade dos atos e decisões emanados desse poder. Porém, o trânsito em julgado da decisão faz com que esta não se sujeite mais à discussão em grau de recurso; razão pela qual surge a necessidade de relativização da coisa julgada material, mas apenas nos casos em que esteja configurada efetiva violação do texto constitucional. Ora, se os atos emanados do Poder Judiciário podem vir a contrariar a Constituição, criando uma situação lesiva às partes, também devem eles, da mesma forma que os atos emanados de outros órgãos públicos, ser desconstituídos quando trouxerem, em seu bojo, violação à Magna Carta. Esses atos judiciais devem estar sujeitos, portanto, não só aos recursos, mas também ao controle de constitucionalidade, cabendo ao intérprete buscar a relativização da coisa julgada, e, consequentemente, a mitigação do princípio da segurança jurídica, sempre que essa coisa julgada guardar em seu manto protetivo uma decisão jurídica que viole os elementares direitos do homem garantidos na Constituição. O que defendemos neste estudo não é uma banalização da coisa julgada material, isto é, a possibilidade de desconstituição em todo e qualquer caso, mas sim a possibilidade de mitigá-la em situações excepcionalíssimas e, única e exclusivamente quando se verificar um absoluto desrespeito aos direitos e garantias constitucionais. A mera insatisfação da parte vencida no processo não pode legitimar a mitigação da coisa julgada material, até porque esse inconformismo é natural de toda sucumbência. O que pode legitimar a relativização da coisa julgada é a efetiva violação do valor justiça; valor este que é tão caro ao Estado democrático de Direito e à busca pela existência humana digna. Como veremos adiante, essa relativização não se limita à utilização da ação rescisória e ao prazo decadencial de dois anos, tendo em vista que alguns doutrinadores, dos quais falaremos mais especificamente, têm apontado uma série de instrumentos processuais outros que podem viabilizar a relativização da coisa julgada e que não trazem consigo a limitação temporal prevista para o ajuizamento da ação rescisória; havendo, inclusive, quem defenda a consideração da arguição de descumprimento de preceito fundamental como meio viabilizador da relativização da coisa julgada violadora de preceito fundamental. 3 DA ARGUIÇÃO DO DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL 3.1 DISCIPLINA NORMATIVA: A ADPF E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL A ADPF integra o sistema de controle de constitucionalidade do ordenamento jurídico brasileiro, que tem como função precípua zelar pelo respeito à Constituição Federal. Essa proteção se funda na ideia de que a proteção à Magna Carta corresponde à proteção do próprio indivíduo-cidadão (MIRANDA, 1996, p. 33). Foi buscando a proteção da Constituição Federal e, consequentemente, dos direitos individuais e coletivos nela explicitados, que o constituinte originário trouxe previstos no texto constitucional vários instrumentos que viabilizam o controle de constitucionalidade, dentre eles a ADPF (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 66), de modo que a Lei Maior de 1988 aboliu a legitimação que antes era exclusiva do Procurador-Geral da República para iniciar o processo de fiscalização abstrata perante o STF, que também passou a ser chamado de ADIn; além de trazer disciplina acerca da inconstitucionalidade por omissão, por meio da previsão da ação direta específica (art. 103, § 3º) e do Mandado de Injunção. Por fim, a Carta Magna prevê a arguição de descumprimento de preceito fundamental no seu art. 102, § 1º, e, dos novos mecanismos incorporados ao sistema pátrio, a ADPF foi o único que não ganhou operatividade com a promulgação da Lei Maior (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 76), pois se entendeu que esse dispositivo constitucional, pelo qual a ADPF deve ser apreciada no STF, na forma da lei, seria norma de eficácia limitada, e, na visão de Nobre Júnior, a qualidade de norma non self-executing, derivada da expressão “na forma da lei”, inserta na parte final do art. 102, § 1º, é que respaldou tal entendimento (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 76). Como se entendeu ser o referido dispositivo uma norma de eficácia limitada, e, portanto, não autoaplicável, firmou-se entendimento de que era necessária a promulgação de uma lei infraconstitucional para regulamentar a ADPF. E essa posição foi consolidada pelo Agravo Regimental em Petição n. 1.140-7, do STF (Relator Ministro Sydney Sanches, publicado em 31 de maio de 1996, p. 18.803, do Diário de Justiça), que consagrou definitivamente a necessidade da edição de uma lei que regulamentasse a ADPF (PAGANELLA, 2004, p. 78). Assim, diante da intransigência da jurisdição constitucional em não abdicar de lei formal para regulamentar o instituto, tratou o legislador de inserir essa lei no sistema jurídico pátrio (PAGANELLA, 2004, p. 78). E, quanto à promulgação de lei ordinária versando sobre a ADPF, Nobre Júnior ressalta que: O trâmite legislativo destinado à concreção do art. 102, parágrafo 1º da CF, teve um início tardio com a apresentação, em março de 1997, do projeto de lei 2872, pela deputada Sandra Starling, buscando, sob o rotulo de “reclamação”, permitir que a parte interessada, mediante requerimento subscrito por um décimo da Câmara dos Deputados ou Senado Federal, provocasse o STF diante da violação de preceito fundamental, decorrente de interpretação ou aplicação dos regimes internos de qualquer dos casos do Congresso Nacional durante o processo de elaboração das espécies normativas mencionadas do art. 59 da CF (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 77). Podemos notar, portanto, que a primeira preocupação em regulamentar a ADPF veio com o projeto de Lei n. 2872, apresentado pela deputada Sandra Starling em 1997, e, somente quase quatro meses depois, o Governo Federal editou a Portaria n. 572 (DOU de 7.07.1997), determinando que fosse criada comissão encarregada de empreender estudos para elaboração de anteprojeto de lei que delineasse o regramento da ADPF (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 77). O projeto foi sancionado pelo Presidente da República mediante a promulgação da Lei n. 9.882, de 3/12/1999, ressalvando os vetos ao inc. II, do parágrafo único, do art. 1º, ao § 2º do art. 2º, ao § 9º do art. 5, e aos §§ 1º e 2º dos arts. 8º e 9º; de modo que, na visão de Fábio Oliveira, esses vetos contribuíram para uma difícil exegese dos dispositivos da Lei n. 9.882/99 (OLIVEIRA, 2004, p. 84). 3.2 CARACTERÍSTICAS E ASPECTOS PROCEDIMENTAIS DA ADPF À LUZ DA LEI N. 9.882/99 3.2.1 CONCEITO, NATUREZA JURÍDICA E POSIÇÃO DA ADPF NO SISTEMA DE CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE Ao tratar do conceito e da natureza jurídica da ADPF, Celso Bastos preconiza que a ADPF é uma medida de caráter judicial que promove o controle concentrado de constitucionalidade das leis e atos normativos e não normativos, desde que emanados pelo Poder Público, sendo que a ADPF significa a complementação do sistema pátrio de controle de constitucionalidade, correspondendo a uma medida judicial destinada a corrigir atos estatais violadores de preceitos fundamentais (TAVARES, 2001, p. 78). Restringir o uso da ADPF ao controle de atos normativos seria esvaziar o seu conteúdo, transformando-a em uma ADIn especializada para casos de violação de preceito fundamental, o que, seguramente, não foi o objetivo da constituinte [...] A comissão foi composta pelos professores Celso Ribeiro Bastos (presidente), Arnoldo Ward, Ives Gandra, Oscar Côrrea e Gilmar Ferreira Mendes, a qual, após remeter o anteprojeto ao Ministro da Justiça, encaminhou-o ao STF (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 77). Porém, quando o trabalho realizado pela comissão foi divulgado, já tramitava no Congresso o projeto de Lei n. 2.872, que objetivava também disciplinar a ADPF sob o nomem júris de reclamação (MENDES, 2006). Encaminhado à Comissão de Constituição e Justiça e de Redação da Câmara dos Deputados, o referido projeto de lei foi aprovado, mas na forma do substitutivo proposto pelo deputado Prisco Viana, cuja redação tem conteúdo muito semelhante ao do anteprojeto apresentado pela comissão liderada por Celso Bastos. Para o autor, a configuração que o legislador atribuiu ao instituto da ADPF permite a utilização desta como uma ação autônoma, destinada à declaração de invalidade de atos do Poder Público atentatórios a preceitos fundamentais, ou simplesmente a obstar o Poder Público de praticar um ato lesivo a tais preceitos (TAVARES, 2001, p. 115). Marco Paganella ensina que o termo “arguição de” significa uma ação judicial que compõe o sistema de controle de constitucionalidade e que visa evitar ou reparar uma lesão a preceito fundamental e que deve ser proposta perante o STF (PAGANELLA, 2004, p. 44). E, quanto à natureza jurídica da ADPF, podemos dizer, pois, que essa corresponde a uma ação judicial que integra o controle de constitucionalidade brasileiro visando Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 31 à defesa e proteção dos preceitos fundamentais consagrados constitucionalmente; e que os instrumentos destinados à proteção constitucional são fundamentais, tendo em vista que é a Constituição que norteia e estabelece a estrutura do Estado brasileiro, e que prescreve os direitos e deveres individuais, sociais, políticos e econômicos de todos os componentes da sociedade (PAGANELLA, 2004, p. 45). A ADPF é, pois, modalidade de controle concentrado de constitucionalidade cabível quando ato do Poder Público ofender preceito fundamental constitucionalmente previsto; controle esse que também compreende a ADIn interventiva, que é cabível quando qualquer lei ou ato normativo proferido pelo Poder Público no exercício de sua competência constitutiva vier a violar um dos princípios sensíveis constitucionais (MORAES, 2000, p. 6) e a ação declaratória de constitucionalidade, que pode ser manejada quando houver fundadas controvérsias e se desejar que uma lei federal seja declarada efetivamente como sendo constitucional (MORAES, 2000, p. 53). 3.2.2 OBJETO E HIPÓTESE DE CABIMENTO DA ADPF 32 O art. 1º, caput e parágrafo único, da Lei n. 9.882/99 dispõe o seguinte: A argüição prevista no parágrafo 1º do art. 102 da CF será proposta perante o Supremo Tribunal Federal, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. Parágrafo único: Caberá também argüição de descumprimento de preceito fundamental: 1. quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. 2. (vetado). Do disposto neste artigo podemos extrair que a ADPF serve tanto para evitar quanto para reparar lesão a um preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, podendo, portanto, ser preventiva ou repressiva, ou utilizada quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre a lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal (MORAES, 2000, p. 613). [...] quanto à coisa julgada inconstitucional que não possa mais ser impugnada via ação rescisória ou impugnação ao cumprimento de sentença, vislumbra-se perfeitamente o seu controle por meio da ADPF [...] Desse modo, a ADPF objetiva evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público, e, conforme entendimento de Fábio Oliveira, este objeto também inclui a hipótese em que houver controvérsia sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, ainda que anteriores à Constituição (OLIVEIRA, 2004, p. 113). Mendes (2006, p. 234) alega que a ADPF é dispensável sempre que a matéria nela vinculada puder ser, de igual modo, vinculada mediante ajuizamento de ADI, conferindo, pois, a ADPF posição inferior e subsidiária à da ADI. Mas, segundo lições de André Tavares, é inegável a congruência em certos pontos, entre ambas as ações, (TAVARES, 2001, p. 45) principalmente quando se está diante de lei ou ato normativo federal ou estadual que viole preceito fundamental, mas neste caso, Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 deve-se utilizar a ADPF, e não a ADI. Isso porque, para o autor, a argüição é medida tão primordial quanto a ADI, apresentando mesmo relevância superior, se se quiser (TAVARES, 2001, p. 45). Assim, para Tavares, a ADPF não é um instituto com caráter residual em relação à ADI, tratando-se de um instrumento próprio destinado à defesa de determinadas categorias de preceitos (os fundamentais), sendo esta a razão de sua existência. Daí por que não se pode admitir o cabimento de qualquer outra ação para a tutela de tais preceitos, já que a vontade do constituinte originário foi a de determinar que a arguição seja sempre cabível, o que exclui outras ações e, inclusive, a ADIn (TAVARES, 2001, p. 45). É importante ressaltar, contudo, que, para Ilmar Galvão, se a impugnação puder ser manifestada por meio de ADIn não caberá a ADPF em virtude do art. 4º, caput, da Lei n. 9.882/99 (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 2001, p. 4). O art. 1º da Lei n. 9.882/99 fala em lesão a preceito fundamental resultante de ato do Poder Público; mas o que se inclui na expressão “ato do Poder Público”. Fábio Oliveira entende que essa expressão reduz a índole ampla da ADPF, e esta limitação não será um óbice especialmente tormentoso caso ao se aplicar a interpretação conforme a Constituição Federal seja admitida a violação de preceito fundamental por entidade particular no desempenho de funções delegadas pelo Poder Público (TAVARES, 2001, p. 45). Rothenburg ensina que a expressão “ato do Poder Público” impede o ajuizamento da ADPF quando a lesão a preceito fundamental decorrer de ato particular que não seja praticado no exercício de função pública (TAVARES, 2001, p. 217) e ressalta que a ADPF só será cabível quando atos do Poder Público forem os violadores de preceitos fundamentais (TAVARES, 2001, p. 217). Voltando ao significado de ato do Poder Público, Humberto Pena assere que esta expressão deve abranger todos os atos resultantes da atividade atribuída ao Poder Estatal de quaisquer esferas federativas e, sendo concreto, de entidade ou órgão da administração direta e indireta, ultrapassando, assim, eventual limitação quanto à normatividade do ato a ser examinado (TAVARES, 2001, p. 217). Aliás, para Gustavo Binenbojm, o vocábulo “ato do Poder Público” abarca qualquer ato do Poder Executivo, Judiciário e Legislativo e do Ministério Público que importe limitação ou ameaça a preceito fundamental (BINENBOJM, 1968, p. 191). Esse pensamento contraria os ensinamentos de Celso de Mello, para quem os atos estatais de efeitos concretos, por serem despojados de qualquer normatização ou generalidade abstrata, não são passíveis de fiscalização, em tese, quanto à sua legitimidade constitucional (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL). Celso Ribeiro Bastos ensina que o ato do Poder Público ensejador da propositura da ADPF se refere às leis e atos, normativos ou não, de todas as esferas federativas (BASTOS, 2000, p. 71). Mas é importante salientar que não está englobado neste conceito o ato político, que, na visão de Nobre Júnior, não é passível de análise por meio da ADPF (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 66). No que tange à impugnação de atos jurisdicionais violadores de preceito fundamental, Fábio Oliveira aceita, em tese, o cabimento da ADPF, mas frisa que, nesse caso, ela deverá passar por um rigoroso juízo de admissibilidade no STF, para que não se transforme em 3º instância recursal, não podendo ser confundida com o recurso extraordinário (NOBRE JÚNIOR, 2004, p. 124). O recurso extraordinário distingue-se da ADPF pela necessidade de haver naquele a existência de um interesse específico do recorrente, o que o distancia da qualificação de um meio idôneo à instauração de um processo objetivo, observado na ADPF (OLIVEIRA, 2004, p. 128). A esse respeito, partilhamos do entendimento de que é cabível a ADPF contra ato judicial, sem, porém, confundi-la com o recurso extraordinário. A ADPF também pode ser utilizada para combater lesão a preceito fundamental decorrente da omissão inconstitucional, de modo a atingir também hipóteses de inconstitucionalidade por omissão. Esse cabimento veio suprir o esvaziamento que o STF, com base no princípio da separação constitucional, havia trazido à ADIn por omissão e ao mandado de injunção, de modo que se conferiu uma exegese progressista em relação à ADPF para não frustrar a efetividade constitucional em razão do vazio legislativo (OLIVEIRA, 2004, p. 130). E é importante frisar que a Lei n. 9.882/99 veio possibilitar o ajuizamento da ADPF em face não só de ato normativo federal e estadual, mas também de ato normativo municipal, preenchendo lacuna existente no âmbito da ADI, que excluía tais normas do controle concentrado realizado pelo STF. Desse modo, será cabível a ADPF quando ato normativo municipal estiver lesando preceito fundamental previsto na Constituição Federal. Nesse sentido, concordamos com o entendimento de Paganella, para quem o fato de a lei ter trazido a possibilidade de extensão do controle concentrado a ato normativo municipal não acarreta um alargamento da competência do STF, na medida em que a própria Lei Maior deixou ao crivo da lei regulamentar a matéria, no sentido de, justamente, abarcar situações antes não disciplinadas (PAGANELLA, 2004, p. 85). Por fim, quanto ao cabimento da ADPF em caso de controvérsia constitucional relevante acerca de lei ou ato normativo estadual, federal ou municipal anterior à Constituição de 1988, este é um ponto que tem causado extrema divergência doutrinária, pois, nestes casos, não se vislumbra uma inconstitucionali- dade, mas sim revogação lograda pela promulgação da Lei Maior (OLIVEIRA, 2004, p. 134). A esse respeito, Paganella ensina que, com base no entendimento preconizado pelo STF de que o conflito entre o direito infraconstitucional pretérito e a nova Constituição deve ser equacionado por meio de critério cronológico de resolução de antinomias e não pelo critério hierárquico, criou-se um vácuo no controle abstrato da norma, prejudicial à segurança jurídica; pois a resolução de controvérsia envolvendo a recepção de norma infraconstitucional deixou de contar com um instrumento definitivo de pacificação social (PAGANELLA, 2004, p. 85). os próprios cidadãos. 3.2.3 CONCEITO DE PRECEITO FUNDAMENTAL O termo “preceito fundamental” empregado no art. 102, § 1°, da Constituição e no art. 1° da Lei n. 9.882/99, não foi delimitado legalmente, e não há unanimidade doutrinária acerca de seu significado e extensão, conforme se verificará; o que traz dificuldades no momento de precisar o que venha a ser preceito fundamental. Mas, salientamos que essa omissão proposital do legislador quanto à designação do termo “preceito fundamental” é positiva, na medida em que uma enumeração taxativa poderia abre- Um dos obstáculos que podem ser arguidos, com o intuito de impedir o manejo da ADPF nos casos de coisa julgada violadora de preceito fundamental, é o princípio da subsidiariedade da ADPF Para Paganella, a Lei n. 9.882/99 veio preencher em boa parte esse vazio, possibilitando o controle abstrato do direito pré-constitucional e em sintonia, inclusive, com o Direito alemão, italiano, espanhol e português, que admitem controle abstrato de constitucionalidade de direito anterior à Constituição, de modo que ele não vê nisso qualquer inconstitucionalidade, já que o art. 102, § 1º, da Constituição não contempla qualquer limitação expressa ou implícita, relativas às normas pré-constitucionais (PAGANELLA, 2004, p. 87). Desse modo, podemos concluir que a ADPF será cabível sempre que a lesão a preceito fundamental provier de ato normativo municipal, estadual ou federal, ou, ainda, de atos administrativos e até mesmo jurisdicionais, incluindo-se também atos normativos anteriores à Constituição, já que o reconhecimento expresso da incompatibilidade destes atos com a Lei Maior viabilizaria uma maior proteção a ela. É importante frisar que entendemos não ser cabível a ADPF em face de ato político ou ato normativo regulamentar, como já dito anteriormente. Além do que, admitimos o cabimento da ADPF em caso de omissão do Poder Público que viole preceito fundamental, para que se possa cercar a nossa Constituição de toda a proteção possível, tutelando, em última análise, viar as aspirações do constituinte diante da natural dinamicidade do direito (OLIVEIRA, 2004, p. 104), fazendo com que a definição daquilo que seja preceito fundamental tivesse sua densidade normativa diminuída no decorrer do tempo (VELOSO, 2000, p. 295). Nobre Júnior, ao tratar de preceito fundamental, assere que a ADPF não colima fiscalização a ofensa a qualquer dispositivo da Lei Maior, mas só àqueles que correspondam a preceito fundamental, (2004, p. 102) sendo certo que preceito fundamental não se confunde com princípio fundamental, pois tem uma amplitude maior que este (SILVA, 2002, p. 32). Ivo Dantas ensina que preceito fundamental, apesar de englobar os princípios fundamentais contidos nos arts. 1º a 4º da Constituição, constitui universo mais vasto, compreendendo todo o dispositivo que daqueles decorram (DANTAS, 2003, p. 426). Nesse sentido, Tavares preconiza que deve ser considerado fundamental o preceito que se apresentar como imprescindível, basilar ou inafastável, podendo estar presente expressa ou implicitamente na Constituição (TAVARES, 1998, p. 310). 3.2.4 MODALIDADES DE ADPF A Lei n. 9.882/99, no seu art. 1º, prevê duas modalidades de arguição: a au- Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 33 tônoma, prevista no caput do artigo, e a incidental, prevista no seu parágrafo único. A ADPF autônoma é uma ação voltada ao controle de constitucionalidade abstrato, cujo objetivo é evitar ou reparar lesão a preceito fundamental resultante de ato, comissivo ou omissivo, do Poder Público, em todos os níveis federativos (OLIVEIRA, 2004, p. 151). Já a ADPF incidental transfere para o STF a competência funcional para apreciação de questão constitucional embasada na controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal. 3.2.5 PRINCÍPIO DA SUBSIDIARIEDADE 34 O princípio da subsidiariedade está previsto no art. 4º, § 1º, da Lei n. 9.882/99, que preconiza que não será admitida a argüição de descumprimento de preceito fundamental quando houver qualquer outro meio eficaz de sanar a lesividade; e há duas correntes doutrinárias que procuram determinar o seu conteúdo. A primeira corrente, à qual se filiam Olavo Ferreira e Rodrigo Fernandes, defende que não será cabível a ADPF quando a lesividade puder ser sanada tanto pelos instrumentos de controle de constitucionalidade quanto pelos demais meios judiciais que resguardam os direitos fundamentais (2006). Maria Garcia (2000, p. 14) e Alexandre de Morais (2001, p. 64) também compartilham desse mesmo entendimento, defendendo o não cabimento da ADPF caso a matéria nela versada puder ser vinculada por meio de ADI. Em posição contrária, Tavares defende que a ADPF é medida tão primordial quanto a ADI, apresentando até mesmo relevância superior a esta, de modo que, caso se trate de lesão a preceito fundamental, a ação cabível será a ADPF (TAVARES, 2001, p. 21). Gilmar Mendes chama a atenção para uma leitura cuidadosa desse dispositivo, sugerindo que a subsidiariedade diga respeito apenas ao possível manejo de processos de índole objetiva (MENDES, 2006). E, a esse respeito, o STF tem entendido que não é possível a ADPF sempre que houver um outro meio eficaz, de modo que este pode se referir à possibilidade de processos de ordem subjetiva ou objetiva (TAVARES, 2001, p. 225). Rothenburg ensina que, de certo, a ADPF não deve substituir outras ações nem saltar os recursos judiciais, em princípio; mas o caráter subsidiário deve ser avaliado não apenas em função da existência, mas também da ineficácia de outros meios de controle judicial (TAVARES, 2001, p. 225). Sendo assim, o princípio da subsidiariedade deve ser interpretado não de forma literal, mas dentro de uma perspectiva sistemática, levando em consideração os objetivos do constituinte originário ao consagrá-lo constitucionalmente. Ora, como a ADPF tem por foco proteger preceito fundamental, se o caso versar sobre lesão a este, ainda que teoricamente seja cabível o ajuizamento de ADI, deverá ser utilizada a ADPF, uma vez que é meio processual mais específico neste sentido. Além do que, é preciso avaliar não só a existência de outros meios processuais, mas também se estes são eficazes para sanar a lesividade. Entendemos que, ainda que haja outros meios processuais cabíveis, sendo a ADPF o mais eficaz, poderá ser utilizada. Pensar de maneira diversa seria chegar a uma sistematização em que a ADPF nunca será cabível (FRANÇA JÚNIOR, 2006), reduzindo ao vazio um instrumento tão importante para defesa da nossa Lei Maior. 3.2.6 COMPETÊNCIA E LEGITIMIDADE ATIVA A competência para conhecer e julgar a ADPF, conforme o Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 art. 102, § 1º, da Constituição é do Supremo Tribunal Federal, cuja função precípua é garantir a supremacia da Constituição e os direitos e garantias fundamentais nela prescritos. O art. 1º, caput, da Lei n. 9.882/99 reitera a competência do Tribunal Constitucional, que exercerá o controle de constitucionalidade concentrado. Quanto à legitimidade para propor a arguição, o art. 2º, inc. I, da Lei n. 9.882/99 preconiza que podem propor a ADPF os legitimados para a ADI, que, por sua vez, estão previstos no art. 103, inc. I a IX da Constituição. Assim, têm legitimidade para propor a ADPF: o Presidente da República, a mesa da Câmara dos Deputados, a mesa da Assembleia Legislativa ou da Câmara Legislativa do DF, o Governo do Estado ou do DF, o ProcuradorGeral da República, o Conselho Federal da OAB, partidos políticos com representação no Congresso e a confederação sindical ou entidade de classe de âmbito nacional (CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988). O art. 2º também continha o inc. II, que permitia a propositura ampla da ADPF por qualquer prejudicado. Porém, esse inciso foi vetado pelo Presidente da República, sob o argumento de que a admissão de um acesso individual e irrestrito ao STF acarretaria a elevação excessiva do número de feitos perante este, sem a correlata relevância social e consistência jurídica das argüições propostas. (VELOSO, 2000, p. 302). Segundo Lênio Streck, esse veto frustrou as expectativas doutrinárias que viam na ADPF um acesso direto do cidadão ao STF para suscitar o controle abstrato de constitucionalidade (STRECK, 2001, p. 97). Restou ao art. 2º da Lei n. 9.882/99 também o seu § 2º, que somente permite ao lesado que não pertence ao rol de legitimados uma interposição da ADPF pela via indireta. Isso porque, pelo § 2º, aquele que sofreu um prejuízo pelo descumprimento de um preceito fundamental, se quiser reparar tal lesão, ficará a mercê e na dependência da vontade do Procurador-Geral da República (PAGANELLA, 2004, p. 88). 4 A ADPF COMO MEIO PROCESSUAL ADEQUADO PARA DESCONSTITUIR A COISA JULGADA VIOLADORA DE PRECEITO FUNDAMENTAL 4.1 OS INSTRUMENTOS PROCESSUAIS APONTADOS PELA DOUTRINA PARA VIABILIZAR A DESCONSTITUIÇÃO DA COISA JULGADA INCONSTITUCIONAL Para Cândido Rangel, uma vez admitida a possibilidade de relativização da coisa julgada inconstitucional, vários são os meios processuais que se apresentam para viabilizá-la, sendo que o menor dos problemas estaria em definir qual o remédio processual mais adequado para desconstituir a coisa julgada inconstitucional (DINAMARCO, 2006). Porém, a indicação dos remédios processuais adequados para impugnar a sentença inconstitucional é de extrema relevância para o presente trabalho, na medida em que constitui o seu problema central. A ação rescisória apresenta-se como o primeiro e principal meio processual hábil a desconstituir a coisa julgada inconstitucional. Isso porque a ação rescisória tem a função de rescindir a sentença transitada em julgado que violar literal disposição de lei, conforme o art. 485, inc. V, do CPC, estando inserida na expressão “lei” a Constituição Federal, já que esta é entendida como a Lei Maior do ordenamento jurídico (DINAMARCO, 2006, p. 42). No entanto, a ação rescisória só é cabível nas hipóteses taxativas do art. 485 do CPC e dentro do prazo decadencial de dois anos, de modo que os tribunais brasileiros têm interpretado de forma extremamente restritiva as hipóteses de admissibilidade da ação rescisória (DINAMARCO, 2006). E o que tem levado a essa interpretação restritiva é o emprego pelo art. 485, inc. V, do CPC, da expressão “literal disposição de lei”, que conduz os tribunais a entender em que a ação rescisória só é cabível quando a decisão violar o texto positivado na lei. Nesse sentido, o STF emitiu a Súmula 343, segundo a qual não cabe ação rescisória por ofensa a literal disposição de lei, quando a decisão rescindenda se tiver baseado em texto legal de interpretação controvertida nos Tribunais; consagrando, pois, o entendimento de que não viola literal disposição de lei a sentença que decorrer de sua interpretação razoável, ou seja, daquilo que se pode auferir da norma nela explicitada, ainda que a interpretação, a esse tempo, fosse controvertida (PELIZ, 2004, p. 348). Albino Zavascki ressalta que a expressão “violar literal disposição de lei” contida no art. 485, inc. V, do CPC, não remete apenas à possibilidade de desconstituir sentença que violar disposição explícita na lei, mas também à possibilidade de desconstituir sentença que violar disposição implícita na lei (ZAVASCKI, 2003, p. 122). O autor sustenta ainda que, quando a matéria for constitucional, o enunciado da Súmula 343 do STF não pode prevalecer, devendo a sentença de mérito ser rescindida sempre que violar dispositivo explícito ou implícito na Lei Maior (2003, p. 127), não importando se, ao tempo de sua prolação, a interpretação era controvertida. Mas ele também ensina que a Súmula 343 não pode ser afastada em qualquer caso, sob pena de se transformar a ação rescisória em recurso ordinário, salientando ser rescindível a sentença fundada em lei declarada posteriormente inconstitucional pelo STF ou que contrariar lei declarada constitucional, ainda que essa declaração ocorra após o seu trânsito em julgado, bem como a que violar precedente do STF declarado após o seu trânsito em julgado (ZAVASCKI, 2003, p. 134). Com um ponto de vista mais amplo que a de Albino Zavascki, Teresa Arruda e José Miguel defendem que, para que se consiga evitar a permanência de decisões que afrontam o sistema jurídico deve-se entender que o art. 485, inc. V, do CPC, permite a rescisão não só de decisões que afrontam texto escrito de lei, mas também de decisões em que se tenham feito incidir princípios, que deveriam ter sido afastados, ou em que se tenham afastado princípios, que deveriam necessariamente ter sido aplicados na busca da solução normativa (WAMBIER, 2003, p. 175). Quanto às sentenças fundadas em lei posteriormente declarada inconstitucional por decisão com efeito ex tunc, o Pleno do STF afirmou que lei inconstitucional não produz efeito, nem gera direito, desde o seu início, (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE 89.108-60. Relator: Cunha Peixoto, Ac. 2808 1980, RTJ. 101/209), de modo que as sentenças nela fundadas seriam perfeitamente rescindíveis via ação rescisória (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, RE 89.108-60. Relator: Cunha Peixoto, Ac. 2808 1980, RTJ. 101/209). Esse também é o entendimento de Alfredo Buzaid, para quem são rescindíveis as sentenças prolatadas com fulcro em lei que posteriormente é declarada inconstitucional (BUZAID, 1958, p. 137). Teresa Arruda e José Miguel compartilham do mesmo entendimento, ressaltando que, como a regra é a de que a declaração de inconstitucionalidade proferida pelo Supremo em ADIn tenha efeito ex tunc, a despeito do que dispõe o art. 27 da Lei n. 9.868/99, as sentenças inconstitucionais são inexistentes, sendo cabível, portanto, a ação rescisória. Porém, esta não se faz necessária, na medida em que, como se trata de inexistência, é suficiente o ajuizamento de ação declaratória dessa inexistência (WAMBIER, 2003, p. 42). Nesse caso, como a decisão está baseada em lei que não é lei, Teresa Arruda e José Miguel defendem que é desnecessário o ajuizamento da ação rescisória, bastando à parte interessada propor uma ação de natureza declaratória, a fim de gerar um maior grau de segurança jurídica à sua situação, sendo que o interesse de agir, nestes casos, nasceria não da necessidade, mas da utilidade da decisão, que tornaria a questão da inexistência in- discutível (WAMBIER, 2003, p. 43). Mas eles alertam que, quando a declaração de inconstitucionalidade tiver efeito ex nunc, deverá incidir a Súmula 343 do STF (WAMBIER, 2003, p. 43). Desse modo, para Teresa Arruda e José Miguel, o meio processual mais adequado para desconstituir as sentenças que violam diretamente a Constituição, e que se mostram inexistentes, é a ação declaratória de inexistência, não sendo necessário o manejo da ação rescisória. Nesse caso, as sentenças que acolhem pedidos inconstitucionais são inexistentes, e não nulas, na medida em que se encontrar ausente alguma condição de ação ou qualquer dos pressupostos de existência, sendo suficiente para sanar a lesividade o manejo de ação declaratória, que não está restrita ao prazo do art. 495 do CPC, já que não há nada para se desconstituir, mas apenas para se declarar. Mas, não sendo caso de inexistência, eles alertam que deverá ser ajuizada a ação rescisória no prazo decadencial de dois anos (WAMBIER, 2003, p. 43). Outro meio processual adequado para desconstituir a coisa julgada inconstitucional é a impugnação ao cumprimento de sentença, que veio substituir os embargos à execução quando se tratar de título executivo judicial, já que se considera inexigível o título judicial fundado em lei ou ato normativo tido como inconstitucional pelo STF ou no qual se adotou interpretação de lei ou ato normativo incompatível com a Constituição. Teresa Arruda e José Miguel ensinam, porém, que não se deve atribuir à impugnação uma função rescindente, pois se a decisão na qual se funda a execução for inexistente, à execução faltará, consequentemente, o título executivo, sendo caso de declaração de inexistência, e não de desconstituição, devendo o órgão jurisdicional manifestar-se de ofício acerca dessa inexistência, indeferindo a execução ante a ausência de título executivo; e, se este não o fizer, caberá ao executado provocá-lo por meio da exceção de pré-executividade (WAMBIER, 2003, p. 73). Teresa Arruda e José Miguel alertam ainda que, como não pode ser atribuída a impugnação ao cumprimento da decisão à rescindibilidade eles só serão cabíveis quando a sentença for baseada em lei declarada inconstitucional por decisão Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 35 36 do STF com efeito ex tunc e quando a sentença exequenda tiver se baseado em certo texto legal interpretado ou aplicado de um modo a respeito do qual o STF já se tenha manifestado, considerando-o como sendo inconstitucional (WAMBIER, 2003, p. 75), de sorte que, nos demais casos, será necessário o manejo da ação rescisória. Juliana Cordeiro e Humberto Theodoro dão uma aplicabilidade maior à impugnação ao cumprimento da decisão, defendendo sua utilização em dois casos: quando o título executivo for sentença fundada em lei ou ato normativo declarados inconstitucionais pelo STF e quando o título executivo corresponder à sentença que tenha lei ou ato normativo de forma incompatível com a Constituição (NASCIMENTO, 2003, p. 112). Nestes casos, a impugnação ao cumprimento de decisão poderia ser utilizada ainda que transitada em julgado a sentença correspondente ao título executivo (NASCIMENTO, 2003, p. 112). Nesse momento, surge-nos outra questão: depois de ultrapassado o prazo decadencial de dois anos para o ajuizamento da ação rescisória, e não sendo caso de impugnação ao cumprimento de sentença, será que existem outros meios processuais adequados para desconstituir a coisa julgada inconstitucional? Doutrinadores como Cândido Rangel (2006), Humberto Theodoro (2002, p. 32), Teresa Arruda (2003, p. 73), Carlos Valder (2003, p. 12) e outros têm respondido que sim. E a resposta mais comum tem sido a utilização da querela nullilatis insanabilis, também chamada de “ação declaratória de nulidade absoluta”, para desconstituir as sentenças com vício de inconstitucionalidade (PELIZ, 2004, p. 348). Segundo Melissa Peliz, a querela nullitatis insanabilis, que é, em geral, utilizada quando ocorre a inexistência ou nulidade de citação acompanhada da revelia, tem sido vislumbrada também como um meio para expurgar do ordenamento jurídico a coisa julgada inconstitucional, já que não há como convalidar sentença eivada de tal nulidade (PELIZ, 2004, p. 395). Nesse sentido, Carlos Valder sustenta que, se a sentença inconstitucional é nula, e quando contra ela não for mais cabível a ação rescisória, a parte poderá se valer, sem observância do lapso temporal, da ação declaratória de nulidade da sentença, já que essa não teve o condão de perfazer a relação processual em virtude do vício que a contaminou, ficando inviabilizado o seu trânsito em julgado (NASCIMENTO, 2003, p. 19). Ele ensina que a ação declaratória de nulidade tem origem na querela nullitatis insanabilis, que ainda persiste no Direito brasileiro e que, por sua vez, é o remédio voltado para a impugnação de erros graves cometidos no âmbito da jurisdição (NASCIMENTO, 2003, p. 19), podendo ser utilizada contra vícios que não são sanados com a preclusão temporal e [que] sobrevivam à formação da coisa julgada (MACEDO, 2000, p. 50). Segundo Moacyr Amaral Santos, a querela nullitatis foi criada com o objetivo de atacar a imutabilidade de sentença convertida em coisa julgada, mas que contenha algum vício de nulidade (SANTOS, 1970, p. 443). Complementando esse ensinamento, Carlos Valder salienta que é cabível o ajuizamento da querela nullitatis contra sentença ou acórdão inconstitucional, pois não se pode permitir a permanência de sentença que contrarie a Constituição e prejudique uma das partes da relação processual, de sorte que a função fundamental da querela nullitatis é justamente a de possibilitar a anulação de sentença de Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 mérito que fez coisa julgada inconstitucional (SANTOS, 1970, p. 443). Cândido Rangel ensina que a coisa julgada não pode servir de embaraço à declaração de inconstitucionalidade de uma sentença, simplesmente porque o vício de inconstitucionalidade impede a formação da coisa julgada material, de modo que a sentença não adquire a característica da imutabilidade (DINAMARCO, 2006, p. 35). Para ele, o reconhecimento da ineficácia ou invalidade da coisa julgada inconstitucional pode se dar a qualquer tempo e mediante a utilização de qualquer meio processual ao alcance da parte (DINAMARCO, 2006); sendo que ele adota, dentre outras, as possibilidades sugeridas por Pontes de Miranda, que são: a) a propositura de nova demanda igual a primeira, desconsiderando a coisa julgada; b) a resistência à execução, por meio de impugnação ou alegações incidentes no processo executivo; c) a alegação incidenter tantum em algum outro processo, inclusive em peças de defesa (DINAMARCO, 2006, p. 36). Cândido Rangel também defende a utilização da ação rescisória e, ainda, da ação declaratória de nulidade absoluta e insanável de sentença, chamada de “querela nullitatis”, para viabilizar a impugnação de sentenças que violam a Lei Maior. O mesmo autor cita em seu artigo casos em que o STJ admitiu a propositura de nova ação autônoma pela parte, a fim de afastar o absurdo da coisa julgada inconstitucional decorrente de processo anterior, sendo um desses casos o de um menino uruguaio que, vítima de um processo de investigação de paternidade fraudulento, simplesmente se limitou a repetir a demanda, desconsiderando a coisa julgada anterior (DINAMARCO, 2006, p. 37). Nesse sentido, Teresa Arruda e José Miguel ensinam – como para eles essas sentenças inconstitucionais são inexistentes – que pode a parte, para obter maior segurança jurídica, propor uma ação declaratória para simplesmente declarar essa situação de inexistência, estando segura para, posteriormente, repetir a demanda (WAMBIER, 2003, p. 42). Já Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro discordam da tese segundo a qual a sentença inconstitucional é inexistente. Para eles, a sentença inconstitucional contém o vício de nulidade e, por isso, está sujeita à ação rescisória (NASCIMENTO, 2003, p. 89). Ressaltam, porém, que a admissão da ação rescisória não significa a sujeição da declaração de inconstitucionalidade da coisa julgada ao prazo decadencial de dois anos, a exemplo de que ocorre quando a sentença contempla algumas nulidades absolutas, como, por exemplo, o vício de citação (NASCIMENTO, 2003, p. 95). Segundo Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro, a decisão transitada em julgado, ainda que contaminada com o vício da inconstitucionalidade, possui os elementos materiais de existência, e sua impotência em alcançar os efeitos jurídicos decorre da situação de contraposição entre seu conteúdo e o mandamento constitucional; de sorte que essa decisão contém o vício da nulidade, e não o da inexistência. E é justamente por isso que compete à parte prejudicada ajuizar a ação rescisória, e não uma ação anulatória (NASCIMENTO, 2003, p. 89). Mas essa ação rescisória não está limitada ao prazo decadencial de dois anos, podendo ser ajuizada a qualquer tempo. Isso porque, segundo Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro, não se pode dar à ação rescisória referente à coisa julgada inconstitucional o mesmo tratamento conferido àquela referente à coisa julgada ilegal na medida em que, diferentemente da coisa julgada ilegal, cuja arguição está submetida a um prazo, a coisa julgada inconstitucional não pode subsistir de maneira alguma no ordenamento jurídico; o que faz com que ela se submeta ao mesmo regime de inconstitucionalidade dos atos legislativos, para o qual não há prazo (NASCIMENTO, 2003, p. 95). Sendo assim, apesar de Juliana Cordeiro e Humberto Theodoro não concordarem com a tese de inexistência da decisão inconstitucional, concordam com a utilização da ação declaratória para reconhecimento do vício de nulidade constante dessas sentenças; e, ao mesmo tempo, alertam para a utilização da ação rescisória como instrumento de prestígio aos princípios da instrumentalidade e da economicidade (NASCIMENTO, 2003, p. 95). No que concerne à nulidade da sentença inconstitucional, somos partidários do entendimento de Juliana Cordeiro e Humberto Theodoro, porém discordamos destes no que tange ao manejo da ação rescisória após o decurso do prazo de dois anos, pois, a nosso ver, depois de decorrido o prazo de dois anos, será cabível a ADPF. Desse modo, além de todos esses instrumentos processuais que têm sido apontados por doutrinadores como os mais adequados para impugnar a coisa julgada inconstitucional, um outro instrumento, talvez o mais eficaz, tem sido vislumbrado, porém, de maneira muito mais tímida pela doutrina. Esse instrumento é a arguição de descumprimento de preceito fundamental, do qual passamos a falar no tópico que se segue. 4.2 A ADPF COMO INSTRUMENTO ADEQUADO PARA DESCONSTITUIR A COISA JULGADA VIOLADORA DE PRECEITO FUNDAMENTAL Todos os instrumentos processuais que vimos no tópico anterior são adequados para desconstituir a coisa julgada inconstitucional. Seja qual for o instrumento processual utilizado pela parte, o importante é que a coisa julgada inconstitucional seja expurgada do ordenamento jurídico. Porém, os meios até aqui apresenta- dos para impugnar a sentença inconstitucional apresentam um inconveniente: a sujeição da parte prejudicada a um novo processo que pode demorar anos até ser julgado com ânimo definitivo, tendo em vista os inúmeros recursos que podem ser utilizados com o intuito de protelar o processo. Os arts. 102, inc. I, al. j; 105, inc. I, al. e; e 108, inc. I, al. b, da Constituição, bem como o art. 494 do CPC estabelecem que a ação rescisória será julgada por tribunal, sendo que compete às Cortes de 2º grau processar e julgar as ações rescisórias proferidas pelos juízes de 1º grau, assim como das próprias decisões, cabendo ao STJ e STF processar e julgar, originalmente, as ações rescisórias relativas a seus próprios julgados, e quanto ao STJ, as decisões prolatadas pelos juízes federais (SOUZA, 2004, p. 770). Isso quer dizer que a parte prejudicada, depois de anos na Justiça, terá, diante de uma coisa julgada inconstitucional, de se submeter a um novo processo, que poderá ter duração até mesmo maior que a do primeiro, a fim de ver desconstituída a sentença inconstitucional. O mesmo ocorre quando vislumbramos outros instrumentos processuais, como a querela nullitatis e a repetição da demanda que, via de regra, terão de ser ajuizados perante juiz de primeiro grau; o que faz com que a parte tenha de esperar anos para obter a satisfação de sua pretensão. Isso nos parece injusto na medida em que a parte não pode ser prejudicada por um erro do Poder Judiciário, cuja função deve ser a de tutelar seus direitos e garantias. É por isso que nos parece mais adequado para desconstituir a coisa julgada inconstitucional e, consequentemente, tutelar o direito da parte prejudicada, um instrumento processual que ultrapasse, senão todas, grande parte das instâncias recursais, impedindo que uma das partes utilize os inúmeros recursos para protelar o processo. Esse instrumento processual capaz de superar várias instâncias recursais existe e corresponde à arguição de descumprimento de preceito fundamental que, por ser vista por parte da doutrina como meio de controle constitucional abstrato de atos exclusivamente normativos, dificilmente vem à tona quando falamos de instrumentos viabilizadores da relativização da coisa julgada. Como vimos, a Constituição determina que é da competência do STF o julgamento da ADPF, devendo ser esta regulada pela legislação infraconstitucional (Constituição Federal, de 05.10.1988, art. 101, inc. I). Em atendimento ao comando constitucional, a Lei n. 9.882/99, em seu art. 1º, veio prever duas espécies de ADPF: a ADPF autônoma, cuja função é a de evitar ou reparar lesão a preceitos fundamentais perpetrada por ato do Poder Público; e a ADPF incidental, que será cabível quando for relevante o fundamento da controvérsia constitucional sobre lei ou ato normativo federal, estadual ou municipal, incluídos os anteriores à Constituição. Dessas duas espécies de ADPF, a que se vislumbra como meio processual adequado para impugnar decisões inconstitucionais violadoras de preceito fundamental é a ADPF autônoma, visto que a lei determina seu cabimento contra lesão a preceito fundamental advinda de ato do Poder Público, sendo necessário, para seu cabimento, a comprovação da concreta violação a preceito constitucional considerado fundamental (BERNARDES, 2004, p. 99). Segundo Juliano Bernardes, a expressão “ato do Poder Público” deve ser entendida no seu sentido amplo, pois, como a Constituição e o caput do art. 1º da Lei n. 9882/99 não fazem qualquer restrição quanto aos tipos de atos do Poder Público, a ADPF é cabível em face de todos eles: sejam omissivos ou comissivos, sejam os que devem ser considerados inválidos ou inexistentes (BERNARDES, 2004, p. 190). O autor ensina que o objeto da ADPF autônoma deve ser considerado no sentido amplo, sendo o objetivo imediato desta consistente justamente em impugnar o ato do qual partiu a concreta lesão ao preceito fundamental, a saber, a decisão inconstitucional (BERNARDES, 2004, p. 190). Para Bernardes, a expressão “ato do Poder Público”, aliada ao princípio da subsidiariedade, bem como à ampla garantia de acesso ao controle judicial (art. 5º, inc. XXXV, da Constituição), demonstra que a ADPF terá sempre por alvo uma decisão judicial, identificada, aqui, como o ato do Poder Público do qual emana a lesão a preceito fundamental ou ato que não tenha sido capaz de afastar essa lesão praticada por meio de outro com- Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 37 38 portamento (BERNARDES, 2004, p. 186). Nesse sentido, podemos dizer que a ADPF autônoma aproxima-se muito da Verfassungsbeschwerde alemã e do recurso de amparo espanhol, tendo em vista que estes são instrumentos que, na prática, se apresentam como mecanismos de impugnação de decisões judiciais (WAMBIER, 2003, p. 19). Juliano Bernardes salienta, em seu estudo, que, em matéria de atos impugnáveis na sede do controle abstrato ou concentrado de constitucionalidade, a regulamentação da ADPF trouxe várias inovações ao possibilitar que atos de caráter não normativo se submetessem ao referido controle (BERNARDES, 2004, p. 186). Ele alerta que o fato de a ADPF autônoma poder ter por objeto atos que não atendam aos requisitos de abstração e generalidade não faz com que ela deixe de integrar o rol de ações viabilizadoras do controle de constitucionalidade abstrato, seja porque o ato tem um conteúdo concreto ou porque tem por destinatário pessoas predeterminadas. Isso porque o caráter abstrato do controle de constitucionalidade nada tem a ver com o seu objeto, de modo que abstrata deve ser a via de fiscalização, e não uma característica do ato a ser fiscalizado (BERNARDES, 2004, p. 186). Desse modo, a coisa julgada inconstitucional não corresponde apenas a um possível ato que pode ser impugnado pela via da ADPF, mas ao principal objeto da ADPF autônoma, na visão de Juliano Bernardes (BERNARDES, 2004, p. 190) ao ensinar que: [...] não possuindo a ADPF autônoma natureza recursal, a observância do princípio da subsidiariedade faz com que se converta o novo instituto processual, de regra, em instrumento de impugnação de decisões judiciais transitadas em julgado, à semelhança do que ocorre com a Verfassungsbeschwerde alemã e o amparo espanhol. [...] a inovação reside em que também questões de natureza não-criminal, quando implicarem descumprimento de preceito fundamental, ainda que decididas definitivamente pela jurisdição ordinária e já ultrapassado o prazo da rescisória, poderão ser revistas pelo STF, desde que preenchido o requisito da ‘relevância objetiva’ (BERNARDES, 2004, p. 187). Bernardes, porém, preconiza que a intromissão na esfera da coisa julgada deve estar baseada em interesse genuinamente objetivo, que não se confunde com o interesse da pessoa lesada, na medida em que a função principal da ADPF autônoma não é o afastamento da lesão individual, mas a depuração abstrata do ordenamento jurídico; removendo qualquer inconstitucionalidade (BERNARDES, 2004, p. 189). O autor salienta que, para cabimento da ADPF autônoma, são imprescindíveis a comprovação da lesão concreta ao preceito fundamental tido por violado e a presença da “relevância objetiva”, que, por sua vez, significa a necessidade de afastamento da lesão, tendo em vista a própria depuração do ordenamento jurídico, e não simplesmente o atendimento de um interesse individual (BERNARDES, 2004, p. 188). Com relação à tese da lesão concreta, Bernardes não tece uma explicação pormenorizada em seu livro, porém, em atendimento a nosso pedido, ele explica, via e-mail, que foi o legislador, e não o constituinte, quem inseriu o problema dos termos “lesão” e “lesividade” em sede de ADPF. Segundo Bernardes, estas expressões constam dos arts. 1°, caput, 4°, § 1° e 5°, § 1° da Lei n. 9882/99, além de fazerem parte do art. 2°, inc. II Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 da mesma lei, que, por sua vez, foi vetado pelo Presidente da República (BERNARDES, 2007, Anexo I, p. 97). Juliano Bernardes ensina que há duas diferentes teses acerca do significado dos termos “lesão” e “lesividade”. Para a tese da lesão abstrata, a “lesão” de que trata a Lei n. 9882/99 se refere, em tese, à de algum preceito fundamental da Constituição, de modo que o legislador teria considerado a lesão em um aspecto abstrato ou objetivo, sem preocupar-se com casos concretos. Bernardes explica que esta tese é defendida por Gilmar Ferreira Mendes, para quem a lesão a preceito fundamental ocorre num sentido dissociado do plano concreto, e o risco dela aparecerá, no plano abstrato das relações jurídicas, a partir da simples possibilidade de incongruências hermenêuticas e confusões jurisprudenciais decorrentes dos pronunciamentos de múltiplos órgãos. Para a tese da lesão abstrata, a mera ameaça abstrata ao princípio constitucional da segurança jurídica, em virtude do risco da multiplicação de ações, já configura autêntica lesão a preceito fundamental (BERNARDES, 2007, Anexo I, p. 97). Já para a tese da lesão concreta, defendida por Bernardes, a “lesão” – e a “lesividade” – de que trata a Lei n. 9.882/99 é do tipo concreta, ou seja, manifesta-se pelo descumprimento de um preceito fundamental no plano das relações concretas, e não num plano abstrato, de tal modo que a lesão é entendida como a vulneração concreta a direito subjetivo reconhecido a alguém num preceito fundamental da Constituição (BERNARDES, 2007, Anexo I, p. 98). Segundo o autor, as justificativas desta tese são as seguintes: Onde o constituinte usou as expressões “lesão”, “ato lesivo” ou “atividades lesivas” (incisos XXXV e LXXIII do art. 5º; o § 2º do art. 72; e o § 3º do art. 225), quis sempre aludir a violações concretas do direito tutelado, e não a uma infração objetiva das normas constitucionais. Logo, numa exegese da Lei 9.882/99 à luz da Constituição, os termos “lesão” e “lesividade” também estão relacionados a alguma violação concreta a preceito fundamental; o projeto em que se converteu a Lei 9.882/99 referia-se mesmo a lesões concretas, pois tinha o intuito original de identificar efetivo interesse de agir por parte daquelas pessoas cuja legitimidade ativa era reconhecida no inciso II do art. 2º (“qualquer pessoa lesada ou ameaçada por ato do Poder Público”). A proposta parlamentar afeiçoava-se, nitidamente, ao regime das queixas constitucionais alemã e espanhola, instrumentos processuais que podem ser ajuizados por qualquer um, desde que patenteada a ocorrência de lesões concretas que alcancem determinado grau de repercussão social a justificar a intervenção do Tribunal Constitucional; somente a exigência de uma lesão concreta justifica a eleição, como requisito da petição inicial, da “prova da violação” do preceito fundamental (inciso III do art. 3º da Lei 9.882/99) (BERNARDES, 2007, Anexo I, p. 97). Bernardes também salienta que a adoção da tese da lesão concreta faz com que o regime da ADPF se aproxime mais do originalmente concebido pelo legislador, além de valorizar o controle difuso e a sociedade aberta dos intérpretes da Lei Maior, já que não há como ingressar com ADPF sem que a questão constitucional tenha sido antes debatida em processos subjetivos (BERNARDES, 2007, Anexo I, p. 99). Desse modo, a “lesão” a que se refere a Lei n. 9882/99 é de natureza concreta, e não abstrata; porém, aqui, é importante salientarmos que, apesar de a lesão que motiva o ajuizamento da ADPF autônoma dever ser concreta, o objetivo principal da ADPF, como ação integrante do controle concentrado de constitucionalidade, é a depuração objetiva do ordenamento jurídico. Para Fausto de França, a ADPF apresenta-se como meio adequado para desconstituir a coisa julgada viciada pela nódoa da inconstitucionalidade, devendo ser utilizada quando não for mais possível valer-se, no caso concreto, dos meios expressos na lei; o que ocorrerá depois de ultrapassado o prazo de dois anos para ajuizamento da ação rescisória e quando já tiver sido executada a sentença viciada, porque aí, neste último caso, não serão mais cabíveis a impugnação ao cumprimento de sentença nem os incidentes processuais (FRANÇA JÚNIOR, 2006, p. 23). A ADPF corresponde ao meio mais adequado para impugnar a coisa julgada violadora de preceito fundamental; uma vez que deve ser proposta diretamente perante o STF, o que dá celeridade ao processo e simplifica a tutela dos direitos individuais e a depuração objetiva do ordenamento jurídico. Ora, um dos grandes problemas do Estado como um todo é a burocratização, que também se encontra arraigada no Poder Judiciário, impedindo a obtenção de uma decisão que seja, ao mesmo tempo, justa e célere, de modo que, ao propormos o manejo da ADPF para desconstituir a coisa julgada violadora de preceito fundamental, estamos, em última análise, vislumbrando um recurso para atenuar a burocratização e possibilitar o alcance dessa decisão justa e célere. Poder-se-ia alegar que, em termos de celeridade e desburocratização, o meio que se mostraria mais eficaz para desconstituir a coisa julgada inconstitucional seria a simples repetição da demanda, conforme defende Cândido Rangel (2006). Realmente esta seria, inicialmente, a solução mais célere, porém, no nosso entender, a declaração prévia da inconstitucionalidade da decisão mostra-se, caso não necessária, ao menos útil, para fins de garantia da segurança jurídica e do próprio direito da parte, na medida em que assegura que a desconsideração da coisa julgada só ocorra nos casos em que realmente esteja configurada violação à Constituição e obsta que o andamento do novo processo seja prejudicado em virtude de divergências de entendimento entre as instâncias recursais. O art. 1º da Lei n. 9882/99 reza que a argüição prevista no parágrafo 1º do artigo 102 da Constituição Federal será proposta perante o STF, e terá por objeto evitar ou reparar lesão a preceito fundamental, resultante de ato do Poder Público. O ato do Poder Público a que alude este artigo não é apenas o normativo; de modo que, como salienta Fausto de França, a ADPF não possui como objeto apenas o ato normativo, mas qualquer ato do Poder Público, ou seja, os atos emanados dos três poderes (Legislativo, Executivo e Judiciário) (FRANÇA JÚNIOR, 2006, p. 28). Restringir o uso da ADPF ao controle de atos normativos seria esvaziar o seu conteúdo, transformando-a em uma ADIn especializada para casos de violação de preceito fundamental, o que, seguramente, não foi o objetivo da constituinte (FRANÇA JÚNIOR, 2006, p. 29). Nesse sentido, Juliano Bernardes salienta que, quando se dirige a ADPF contra atos não normativos, ao contrário do que poderia ocorrer nas ações diretas, é pequeno o risco de haver conflito com a jurisdição comum, na medida em que o ajuizamento da ADPF está condicionado ao esgotamento dos meios judiciais eficazes (BERNARDES, 2004, p. 190). André Ramos Tavares, no entanto, entende que a ADPF não é cabível para impugnar sentenças inconstitucionais, e ensina que a tendência do STF, verificada nas ADIns 842 e 769, é a de não admitir o cabimento da ADPF para impugnação de atos estatais de efeitos concretos (TAVARES, 2001, p. 120). Em sentido contrário, Fausto de França diz que é perfeitamente possível a ADPF em face de atos concretos, e não apenas de normativos, restando apenas saber se o ato jurídico é um ato do Poder Público (FRANÇA JÚNIOR, 2006, p. 30). A expressão “Poder Público” é utilizada para designar o Estado brasileiro, de modo a englobar, por conseguinte, os três poderes que o compõe, quais sejam, o Executivo, Legislativo e Judiciário. Tendo em vista esta premissa, podemos dizer que, como ato do Poder Judiciário é ato do Poder Público, ele estaria sujeito, portanto, ao controle por meio da ADPF. É evidente, porém, que a ADPF não será cabível quando o ato judicial (no caso, a sentença) puder ser impugnado por aqueles meios processuais expressos na legislação, como a via recursal, a impugnação ao cumprimento de sentença e a ação rescisória (estes dois últimos só sendo cabíveis após o trânsito em julgado). (FRANÇA JÚNIOR, 2006). No entanto, quanto à coisa julgada inconstitucional que não possa mais ser impugnada via ação rescisória ou impugnação ao cumprimento de sentença, vislumbra-se perfeitamente o seu controle por meio da ADPF, até porque contra ela não cabe mandado de segurança, conforme entendimento pacífico preconizado na Súmula 268 do STF (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL). Ainda que se adote o posicionamento de Humberto Theodoro e Juliana Cordeiro (NASCIMENTO, 2003, p. 68), no sentido de que a ação rescisória pode ser proposta além do prazo de dois anos, pensamos que, após este prazo, como deixa de existir a indicação expressa na lei do meio cabível para impugnar a sentença inconstitucional, o instrumento mais eficaz e que deverá ser utilizado é a ADPF. Além do que, a ADPF não será cabível em todo e qualquer caso de inconstitucionalidade, mas só quando houver lesão ou ameaça de lesão concreta a preceito fundamental (NASCIMENTO, 2003, p. 68), a respeito do qual já explanamos no segundo capítulo desta pesquisa. Nesse ponto, é importante lembrarmos que a ADPF integra o controle concentrado de constitucionalidade. Apesar de ser cabível contra atos não normativos, a ADPF tem por finalidade precípua a depuração objetiva do ordenamento jurídico; e o reconhecimento da lesão a preceito fundamental deve estar presente na parte dispositiva do acórdão, de modo a permitir que surta efeitos erga omnes e vinculantes. Por isso que o art. 10, caput, da Lei n. 9.882/99 determina que, julgada a arguição, deve-se proceder à comunicação das autoridades ou órgãos responsáveis pela prática dos atos questionados, fixando-se as condições e o modo de interpretação e aplicação do preceito fundamental. Um dos obstáculos que podem ser arguidos, com o intuito de impedir o manejo da ADPF nos casos de coisa julgada violadora de preceito fundamental, é o princípio da subsidiariedade da ADPF, previsto no § 1º do art. 4º da Lei Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 39 40 n. 9.882/99, que preconiza que a ADPF não será cabível quando houver qualquer outro meio eficaz para sanar a lesividade. Fausto de França salienta que a referida norma tem por objetivo obstar a miscigenação entre o processo objetivo representado pela ADPF e uma lide em discussão na via difusa, evitando-se o uso da ADPF como apenas um recurso a mais (FRANÇA JÚNIOR, 2006). O CPC determina que contra sentença transitada em julgado que viola literal disposição de lei é cabível a ação rescisória, porém, somente no prazo decadencial de dois anos (art. 495), findo o qual não se pode mais valer-se da referida via processual. Esse é o entendimento da doutrina majoritária, apesar de Humberto Theodoro Júnior e Juliana Cordeiro de Faria defenderem o seu cabimento mesmo depois de decorrido o prazo decadencial de dois anos (THEODORO JÚNIOR, 2002, p. 3). Mas, partindo-se do entendimento de que a ação rescisória só é cabível no prazo de dois anos, findo este, as portas estariam abertas para a ADPF, restando saber, contudo, se o cabimento da chamada “ação declaratória de nulidade absoluta” teria ou não o condão de obstar a ADPF, à luz do princípio da subsidiariedade. Para Fausto de França, parece evidente que contra a sentença inconstitucional transitada em julgado caberá a ação declaratória de nulidade absoluta, até porque ela é sempre cabível em virtude do princípio constitucional da inafastabilidade do controle jurisdicional (Constituição, art. 5º, inc. XXXV). (FRANÇA JÚNIOR, 2006, p. 32). Porém, o cabimento desta ação não pode obstar a via da ADPF para corrigir violação a preceito fundamental, porque senão estar-se-ia dando ao princípio da subsidiariedade um conteúdo que conduziria à conclusão de que a ADPF nunca seria cabível (FRANÇA JÚNIOR, 2006, p. 32). Além disso, o princípio da subsidiariedade fala em meio que seja eficaz para corrigir a lesividade a preceito fundamental, e nenhum instrumento nos parece mais eficaz que a ADPF, pois esta, ao ser ajuizada diretamente perante o STF, tem o condão de expurgar, com maior eficácia, rapidez, credibilidade e alcance, a inconstitucionalidade do nosso ordenamento jurídico, estando em consonância com os princípios da celeridade e do acesso à Justiça. Ora, garantir aos cidadãos o acesso à Justiça não significa apenas possibilitar-lhes uma tutela jurisdicional, mas principalmente garantir-lhes uma tutela justa e segura a fim de que seu direito seja preservado, não se podendo admitir, em hipótese nenhuma, a permanência de uma inconstitucionalidade no mundo jurídico. É notório o fato de que muitos processos demoram anos para ser julgados em virtude da burocracia, da carência de recursos humanos e, principalmente, das várias instâncias recursais que compõem o Poder Judiciário, de modo que não seria justo impor à parte prejudicada a espera de mais anos e anos na Justiça, em virtude de um erro advindo do próprio Poder Judiciário. Mas, se o que se busca é a celeridade, então por que a parte simplesmente não ajuíza outra ação idêntica à anterior, desconsiderando a coisa julgada? Essa solução seria cabível, porém não condiz com a realidade em que estamos vivendo, pois os tribunais ainda se encontram muito vinculados à ideia de que a coisa julgada, ainda que eivada de inconstitucionalidade, é imutável, só podendo ser impugnada pelas vias positivadas na lei. Até porque Revista CEJ, Brasília, Ano XIV, n. 49, p. 27-41, abr./jun. 2010 se faz necessária, para efeitos de segurança jurídica, uma decisão que ao menos declare a inconstitucionalidade da sentença e a expurgue do ordenamento jurídico. Além do mais, o ajuizamento da ADPF impede que novas inconstitucionalidades da mesma natureza da constante na decisão desconstituída sejam praticadas, pois a decisão proferida pelo STF, em sede de ADPF, terá eficácia contra todos e efeito vinculante relativamente aos demais órgãos do Poder Público (Lei n. 9.882, de 04.12.1999). Contudo, retornando à questão do princípio da subsidiariedade, vê-se que, para Juliano Bernardes, o termo “eficaz” diz respeito aos meios judiciais disponíveis à reparação da lesão concreta que, por sua vez, deve ser comprovada no ajuizamento da ADPF, sendo que deve ser entendido como meio eficaz aquele que possa evitar ou remover a lesão concreta (NASCIMENTO, 2003, p. 89). Bernardes ensina que o princípio do subsidiariedade é requisito necessário para a preservação da natureza excepcionalíssima da ADPF e ressalta que este princípio, em vez de obstar o uso do ADPF, a caracteriza como meio próprio para a impugnação de decisões judiciais, na medida em que estas, diferentemente do que ocorre com outros atos estatais, cuja constitucionalidade é controlada de maneira mediata, com a alegação de que o ato judicial falhou, não contam com meio próprio para sua impugnação, depois de decorrido o prazo da ação rescisória e não sendo caso de impugnação ao cumprimento de sentença (NASCIMENTO, 2003, p. 190). Desse modo, como a ADPF aparece como o meio mais eficaz para desconstituir a coisa julgada violadora de preceito fundamental, tem-se que a existência de outros meios hábeis a essa função não têm o condão de impedir sua utilização. Porém, cabe ressaltar que os demais meios, apesar de não serem os mais eficazes, também têm o poder de desconstituir a coisa julgada inconstitucional, podendo a parte valer-se de qualquer um deles de acordo com a sua conveniência. Como foi vetado o artigo que estendia o rol de legitimados para a propositura da ADPF, caberá à parte lesada que quiser se valer desta ação recorrer ao Procurador-Geral da República, submetendo-se, contudo, a um juízo de valor e importância emitido por este; o que é uma pena, já que esse fato pode levar a parte a utilizar meio que esteja ao seu alcance direto, mas pouco eficaz em termos de celeridade e credibilidade. Por fim, resta-nos uma última questão a enfrentar: a da constitucionalidade do uso da ADPF como meio para impugnar a coisa julgada violadora de preceito fundamental na medida em que se poderia alegar que essa utilização da ADPF acarretaria um alargamento da competência do STF, o que só pode ser feito pelo próprio texto constitucional e uma ofensa à garantia da coisa julgada. No entender de Juliano Bernardes, e também no nosso, não há qualquer inconstitucionalidade na utilização da ADPF autônoma para impugnar decisões transitadas em julgado, se entendermos que o uso da ADPF para tal fim acarreta um alargamento da competência do STF. Também deveremos compreender que foi a própria Constituição que determinou esse alargamento, quando conferiu ao STF o poder de julgá-la, e à lei o poder de regulamentá-la. Também não é cabível a alegação de ofensa ao art. 5º, inc. XXXVI, da Lei Maior, pois este diz respeito apenas ao direito intertemporal, o que não impede a criação de novos instrumentos voltados à desconstituição da coisa julgada (NASCIMENTO, 2003, p. 187). Para fechar a nossa discussão, ainda nos resta uma questão: a discussão acerca da possibilidade de o STF, em sede de ADPF ajuizada em face de decisão inconstitucional, declarar não só a inconstitucionalidade desta, mas também decidir, desde logo, a causa originária, em virtude da qual as partes estão litigando. A este respeito e sem nos aprofundarmos no assunto, já que sua discussão não corresponde ao foco deste trabalho, podemos dizer, preliminarmente, que o STF, em sede de ADPF, pode não só declarar a inconstitucionalidade da decisão inconstitucional, mas também julgar a causa decidida pela sentença desconstituída. Mas isto só é possível, ressaltamos, quando se tratar de ADPF autônoma, já que esta pressupõe o esgotamento das instâncias recursais anteriores, e quando a questão constitucional for o foco do litígio, ou seja, quando a causa girar em torno do preceito constitucional como sua questão principal. 5 CONCLUSÃO Diante de todo o exposto, entendemos que a relativização da coisa julgada inconstitucional se mostra não só possível, mas também necessária para se garantir a segurança da realização da justiça, pois o que dá segurança ao sistema jurídico pátrio e a todos os cidadãos que a ele se submetem não é a certeza de que, após o trânsito em julgado, a decisão proferida em determinada ação será dotada de imutabilidade, mas a certeza de que, ainda que haja uma decisão transitada em julgado, não será admitida pelo Poder Judiciário qualquer espécie de violação aos direitos e garantias fundamentais previstos na Constituição, de modo a garantir, em última análise, os ditames da justiça e da dignidade da pessoa humana. Adotando-se esse pressuposto, o instrumento que se mostra como o mais eficaz para esse intento é a arguição de descumprimento de preceito fundamental, nos limites em que esta se apresenta como a medida mais condizente com o princípio da celeridade e da segurança jurídica, garantindo a eficácia na des- constituição de sentenças violadoras de preceitos fundamentais consagrados constitucionalmente e, em última análise, a supremacia da Constituição Federal. REFERÊNCIAS BASTOS, Celso Ribeiro; VARGAS, Aléxis Galiás de Souza. Argüição de descumprimento de preceito fundamental. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, v. 30, p. 69-77, jan./mar. 2000. BERNARDES, Juliano Taveira. Controle abstrato de constitucionalidade: elementos materiais e princípios processuais. São Paulo: Saraiva, 2004. BINENBOJM, Gustavo. A nova jurisdição constitucional brasileira, legitimidade democrática e instrumentos de realização. Rio de Janeiro: Forense, 1986. BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. 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