Estudos, Goiânia, v. 33, n.11/12, nov./dez. 2006

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COLANGITE ORIENTAL:
RELATO DE CASO
E REVISÃO
BIBLIOGRAFICA
estudos, Goiânia, v. 33, n.11/12, p. 845-851, nov./dez. 2006.
BRUNA MARA MARTINS LIMA, JOSÉ EDUARDO SIMARRO RIOS,
RAPHAEL STECKELBERG, ANAMÉLIA MIRANDA DE CASTRO,
OSWALDO MARTINS DA COSTA NETO, YARA ROCHA XIMENES
Resumo: colangite oriental é uma doença rara em não
asiáticos. Tem sido relacionada com infecção por Clonorchis
sinensis e Ascaris lumbricóides. Neste artigo, é relatado o
caso de uma paciente do sexo feminino, 37 anos, com o diagnóstico de colangite piogênica recorrente, destacando a
dificuldade e demora do diagnóstico.
Palavras-chave: colangite oriental, CPRE, tratamento
síndrome caracterizada por ataques recorrentes de
colangite supurativa, ductos biliares dilatados e
múltiplos cálculos pigmentares, foi pela primeira
vez descrita por Digby, em 1930. Apesar de setenta anos
terem se passado, sua etiopatogenia ainda permanece obscura. Existem duas correntes mais fortes: a primeira defende a
associação da colangite oriental com infecção por Clonorchis na Ásia, onde essa enfermidade é uma causa comum
de atendimento nos centros de emergência (GARCIA et al.,
2000); e a segunda, fora da Ásia, a qual estuda a infecção
por Ascaris lumbricoides. Nessa corrente, estudos mostram
a semelhança da ascaridíase biliar com a colangio hepatite
oriental e sugerem que o processo inflamatório e a presença de restos do verme são responsáveis pelas alterações
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hiperplásicas e metaplásicas, analogamente ao que ocorre na
clonorquíase, fasciolíase e esquistossomose (GAYOTTO; MUSZKAT; SOUZA, 1990).
O Clonorchis sinensis é um importante parasita humano,
naturalmente encontrado na Coréia, China, Taiwan, Japão, Vietnam
e leste da Rússia. A clonorquíase ocorre em todas partes do mundo onde existem imigrantes asiáticos provenientes de áreas
endêmicas. Humanos e reservatórios animais, como cachorros,
porcos, gatos e ratos, adquirem a infecção pela ingestão de peixe
cru infectado com metacercária do parasita (RIM, 2005).
Há ainda os que acreditam na teoria da desnutrição
suprajuntada a episódios bacterianos infecciosos no sistema porta (LIM, 1991).
Epidemiologicamente, não há predileção por sexo, o pico de
incidência ocorre entre a terceira e quinta décadas de vida, mas a
doença é geralmente encontrada após os sessenta anos.
As manifestações clínicas características são Tríade de Chacot,
hepatomegalia, 1/3 dos pacientes tem vesícula biliar palpável ou
colecistite calculosa ou não e ainda uma história prévia de ataques
recorrentes similares (LIM et al., 1990). Laboratorialmente, ocorre
aumento da fosfatase alcalina, hiperbilirrubinemia e leucocitose
às custas de polimorfonucleares. O diagnóstico se faz pela história clínica, por estudos imaginológicos, pela USG como triagem
e TC contrastada para diagnóstico e tratamento, que mostram dilatação ductal com cálculos ductais intra ou extra-hepáticos em 80
a 90% dos casos, atrofia de segmento hepático e hiperecogenicidade
periportal (CHAU et al, 1987; LIM, 1991).
Colecistopancreatografia Retógrada Endoscópica (CPRE)
intra-operatória é importante no estudo da colangite piogênica
recorrente. A localização dos cálculos, a estrutura e morfologia
dos ductos biliares são bem delineadas. Além disso, abcessos
hepáticos e fístulas bilio-entéricas, que são freqüentemente encontradas na colangite oriental, podem ser demonstradas. CPRE
pode também ser usada para diferenciar colangite piogênica
recorrente causada por ascaridíase daquela causada por clonorquíase, hepatocarcinoma e colangiocarcinoma, entidades que
muitas vezes têm quadros clínicos muito parecidos, podendo
ser confundidos com colangite oriental (CHOI; WONG, 1986).
O histopatológico com dilatação intra-hepática da porção cen-
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tral e afilamento abrupto em direção à periferia, acometendo
sobretudo o ducto hepático esquerdo, e, ainda, a presença de
infiltrado inflamatório no parênquima portal, fibrose periductal e multíplos cálculos pigmentares, em vários estágios
evolutivos, no interior dos ductos biliares selam o diagnóstico (LIM, 1991).
O tratamento da colangite piogênica recorrente requer uma
avaliação da distribuição da doença intra-hepática dos pacientes, previamente à intervenção cirúrgica, juntamente com esforços
e condutas multidisciplinares efetivas de gastroenterologistas, radiologistas intervencionistas e cirurgiões (GOTT et al., 1998;
HARRIS et al., 1998). O tratamento visa controlar os ataques
agudos piogênicos recorrentes e prevenir futuros ataques. A esfincterotomia endoscópica é eficaz para pacientes com cálculos restritos aos ductos biliares que não têm estenoses ductais, com sucesso
em torno de 80% dos casos. A cirurgia é indicada no fracasso da
esfincterotomia endoscópica ou na doença avançada com complicações. Na ausência de estenoses, realiza-se uma coledocotomia
e remoção dos cálculos, seguida por esfincteroplastia transduodenal e colecistectomia, com resultados bons em 85% dos pacientes.
Nos casos de dilatação ductal por estenoses, ou quando a esfincteroplastia falhou anteriormente, o procedimento de escolha é a
coledocojejunostomia em Y de Roux, com resultados satisfatórios
em 75% dos casos. Os sintomas persistentes são devidos à formação de cálculos intra-hepáticos recorrentes. Se houve formação
de abscessos hepáticos, estes podem ser drenados. A lobectomia
pode ser indicada quando um lobo se torna bastante fibrosado e
cronicamente infectado e o lobo oposto é relativamente poupado.
• Objetivo: descrever caso de colangite oriental em não asiático,
destacando a dificuldade e demora do diagnóstico.
• Material e método: revisão do prontuário n. 196031, no serviço
de arquivamento médico do Hospital Geral de Goiânia (HGG).
• Identificação: F. G. C., 37 anos, feminino, parda, do lar, casada,
natural de Taguatinga, procedente de Goiânia.
• H.D.A.P: paciente apresentava dor abdominal, preferencialmente em hipocôndrio direito, acompanhada de febre, calafrio e
icterícia de caráter flutuante. Esses sintomas eram recorrentes
desde a infância. Nega casos semelhantes na família. Paciente
em investigação etiológica desde 1986, com diagnósticos de
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colelitíase e provável colangiocarcinoma, foi submetida a colecistectomia (1986) e hepatectomia esquerda (2001).
• Exame físico: BEG, corada, hidratada, acianótica, icterícia+/+2
ACV: RCR, 2T, BNF sem sopros,FC:68bpm; PA: 110/70mmhg;
AR: Mvfisiológico sem RA, AB: doloroso em hipocôndrio direito, fígado palpável à 2cm do RCD, esplenomegalia, sem sinais
de hipertensão porta (aranhas vasculares, ginecomastia, circulação colateral).
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• USG de abdome total (07/01): ecografia compatível com
hepatectomia esquerda, colecistectomia, calcificação intra-hepática, dilatação setorial das vias biliares intra hepáticas,
esplenomegalia sem hipertensão porta e v. cava com calibre fixo.
• TC de abdômen (09/01): lesão expansiva infiltrante na junção
dos ductos biliares direito e esquerdo, massa assimétrica com
seu maior componente à esquerda, que está infiltrado,
esplenomegalia, lesão compatível com colangicarcinoma.
• CPRE (12/01): via biliar intra-hepática sem dilatação, hepático
comum apresenta lesão infiltrativa na parede direita, que se estende da junção do hepático comum até o cístico, colédoco
aumentado sem imagem de subtração.
• Histopatológico (08/01): microscopia – cortes de tecido hepático exibindo os lóbulos com arquitetura bem preservada e
hepatócitos sem lesões. Evidenciamos alargamento dos espaços porta com importante fibrose, dilatação de ductos biliares
e acentuado infiltrado inflamatório periductal mononuclear
com áreas exibindo grande número de neutrófilos inclusive
com erosão de epitélio. Ausência de sinais de malignidade.
Diagnóstico: lobo esquerdo do fígado – tecido hepático sede
de fibrose, inflamação e dilatação de ductos, podendo
corresponder a alterações crônicas por litíase de ductos biliares.
Ausência de malignidade.
• Histopatológico (revisado em 03/06): tecido hepático sede de
fibrose, severa dilatação de ductos intra-hepáticos com sinais
de colangite crônica e aguda, destruição do epitélio e estrutura
do ducto, material granuloso com elementos biliares, abcedação,
ausência de malignidade.
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EXAMES
• TC de abdome (02/06): dilatação das vias biliares intra-hepáticas (direita).
• CPRE (03/06): colédoco distal dilatado com lesão infiltrativa e
estenosante nos 2/3 proximais do colédodo e dilatação do hepático direito.
• Exames: BT: 1.6; BD: 0.4; BI: 1.2; TGO: 174; TGP: 132; FA: 97;
GGT: 100; TAP: 58,5%; Albumina: 4.0; Globulina: 3.11.
EVOLUÇÃO
Paciente atualmente com quadro colestático persistente, episódios de colangite, cirrose biliar segunda e hipertensão porta com
indicação de transplante.
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DISCUSSÃO
Colangite oriental ou colangite piogênica recorrente é uma
doença rara, em especial em não asiáticos, que se caracteriza por
episódios recorrentes de colangite, ductos biliares dilatados e
múltiplos cálculos pigmentares. A patologia da doença ocorre em
razão de anormalidades de base, tal qual a estase ou desintegração
epitelial ductal, favorecendo a proliferação bacteriana. Neste caso,
o diagnóstico foi sugerido pelo quadro clínico e confirmado pelos
exames de imagem (TC e CPRE) e histopatológico, demonstrando a necessidade de exclusão deste diagnóstico em pacientes que
apresentem sintomatologia, mesmo sem epidemiologia marcante,
pois a demora do diagnóstico implica conseqüências graves como
a relatada no caso.
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Abstract: oriental cholangitis is a rare disease in no asian’s
people. It have been related with Chornorchis Sinensis and Ascaris
lumbricoides infection. This article is about a case of a semale
patient , 37 years old , with the diagnostic of recurrent pyogenic
cholangit. We gave enthasis to the difficult and long time in elasted
until the diagnostic.
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Key words: oriental cholangitis, CPRE , tratament
BRUNA MARA MARTINS LIMA
Graduanda em Medicina, em regime de internato no Hospital Geral de Goiânia
(HGG). E-mail: [email protected]
RAPHAEL STECKELBERG
Graduando em Medicina, em regime de internato no HGG.
E-mail: [email protected]
JOSÉ EDUARDO SIMARRO RIOS
Graduando em Medicina, em regime de internato no HGG.
E-mail: [email protected]
ANAMÉLIA MIRANDA DE CASTRO
Residente de Clínica Médica no HGG.
OSWALDO MARTINS DA COSTA NETO
Médico preceptor da residência médica de Gastroenterologia no HGG.
YARA ROCHA XIMENES
Médica preceptora da residência médica de Gastroenterologia no HGG.
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