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O SERVIÇO SOCIAL NO CONTEXTO SOCIOEDUCATIVO
Terezinha Ferraz1
RESUMO: Este trabalho é resultado das discussões da disciplina de Fundamentos do Serviço Social 2
tendo como objetivo refletir sobre os desafios do Serviço Social na Socioeducação com adolescente
privados de liberdade. A discussão considera a expansão dos direitos da criança e do adolescente tendo
como bases consultivas as Legislações internacionais e nacionais, com especial atenção ao Estatuto da
Criança e do adolescente e ao Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. A reflexão sobre o
Serviço Social nesse contexto nos remete às bases conceituais onde se fundamentou e se legitimou
enquanto profissão inserida na divisão social e técnica do trabalho e seu papel na perspectiva da defesa
de direitos. Considerar a existência de desafios posto pelo cotidiano permite aos profissionais uma
avaliação de sua prática, possibilitando o desenvolvimento de propostas de ações concretas no
enfrentamento das expressões da questão social. Para esse estudo considerou-se como base as
referências bibliográficas do Serviço Social, especialmente aquelas sugeridas na referida disciplina.
PALAVRAS-CHAVE: Serviço Social; Sinase; Socioeducação.
INTRODUÇÃO
A primeira experiência de um ano de trabalho com adolescentes em privação de
liberdade provisória no Centro de Socioeducação I de Cascavel – Cense I – , em seguida mais
oito anos de atuação junto com adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa de
internação no Centro de Socioeducação II – Cense II – também de Cascavel, nos trouxeram
muitas inquietações, de alguma forma, todas relacionadas a violação de direitos. Dentro
desses período comemoramos algumas possibilidades de mudanças evidenciadas a partir dos
marcos regulatórios do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – Sinase,
primeiramente enquanto Resolução do CONANDA, no ano de 2006 e posteriormente
enquanto Lei, em 2012.
O Sinase se constitui, hoje, num guia para a implementação das medidas
socioeducativas de restrição e privação de liberdade, sendo num dos principais instrumentos
normativos na execução dessas medidas, envolvendo todos os entes federado. Também inclui
1
2
Mestranda no Curso de Serviço Social com Área de Concentração em Serviço Social, Políticas Sociais e
Direitos Humanos pela Universidade Estadual do Oeste do Paraná – Unioeste. Cascavel/Pr. e-mail:
[email protected]
A disciplina de Fundamentos do Serviço Social: desenvolvimento sócio-histórico e concepções
contemporâneas foi ofertada no curso de Pós-Graduação strictu sensu, nível de mestrado em Serviço Social
na Unioeste, Campus de Toledo, no ano de 2013.
1
os planos, políticas e programas específicos de atendimento a adolescente em conflito com a
lei. No caso do Cense II, o Programa de atendimento é destinado àqueles adolescentes – 12 a
18 anos incompletos – que cometeram atos infracionais de natureza grave e que por tal motivo
foram sentenciados ao cumprimento de medida socioeducativa de Internação3. Este sujeito,
por estar nessa condição, não é despido dos demais direitos preconizados, tanto pelo Estatuto
de Criança e do Adolescente – ECA, quanto pelo Sinase, que estabelece as novas diretrizes de
atendimento ao adolescente autor de ato infracional.
Assim sendo, buscou-se compreender o contexto no qual estão envoltas as questões
pertinentes ao direito do adolescente privado de liberdade no âmbito institucional, refletindo
sobre os desafios que se colocam à profissão no contexto socioeducativo, especialmente a
partir da implantação do Sinase. Tem-se a compreensão de que o cotidiano do exercício
profissional é permeado por indagações das quais nem sempre é possível dar respostas,
considerando que também o Serviço Social é parte do processo de produção capitalista e
como tal é inscrita na divisão social e técnica do trabalho. Tal consideração se torna
preemente a partir do momento que interfere no enfrentamento das refrações da questão social
e impede posicionamentos dos profissionais frente às demandas emergentes relacionadas ao
adolescente que infracionou.
As reflexões aqui propostas pautaram-se em pesquisas bibliográficas considerando que
sua principal vantagem, segundo GIL (2002, p. 45), “reside no fato de permitir ao
investigador a cobertura de uma gama de fenômenos muito mais ampla do que aquela que
poderia pesquisar diretamente”. Utilizou-se para fundamentar a discussão sobre a medida
socioeducativa de internação, as legislações nacionais e internacionais, de maneira mais
específica o Estatuto da Criança e do adolescente, Lei 8.069 de 13 de julho de 1990, e o
Sinase, Lei 12.594 de 18 de janeiro de 2012.
Referente aos desafios do serviço social na socioeducação buscou-se refletir a partir do
referencial bibliográfico de autores que fundamentam suas reflexões de forma crítica, dentro
da perspectiva do materialismo histórico dialético.
3
“A internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e
respeito a condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (ECA, Lei 8.069/90).
2
A MEDIDA SOCIOEDUATIVA DE INTERNAÇÃO
O movimento de expansão dos direitos da criança e do adolescente, na lógica de regulação
do direito individual, de cidadania ou direito humano, a partir das prerrogativas do Estado, ainda é
muito recente. A ampliação desses direitos ocorreu de forma mais incisiva no século XX, com os
acordos internacionais e nacionais que culminaram na implantação de legislações específicas nos
aspectos da proteção a esse público que passa a ser considerado como sujeito.
A Declaração Universal dos Direitos Humanos, adotada em assembleia geral da
Organização das Nações Unidas – ONU, no ano de 1948 se constitui como um marco
histórico que vai instituir um sistema de proteção aos direitos humanos de forma global.
Preconiza que a todos os seres humanos os direitos, sem distinção de qualquer espécie,
independente das escolhas individuais ou coletivas, lhe sejam assegurados.
Nas últimas décadas, as discussões sobre os direitos, na perspectiva do princípio da
dignidade humana, como um pertencimento a todos, independentemente de cor, credo, etnia,
orientação sexual, entre outros, tem obtido pequenos, mas significantes avanços. No entanto,
considera-se o fato de que a lei, por si só, não é garantia de efetivação de um direito e, a ideia
da igualdade perante a lei, conforme já previstos pelas convenções internacionais e na
legislação brasileira, ainda se constitui como um dos desafios do cotidiano de vida dos
cidadãos, engajados na luta por uma sociedade mais equânime.
No Brasil, a Constituição Federal de 1988, no artigo 227, assegura a priorização de
intervenções destinadas à criança e ao adolescente e chama para a responsabilidade todas as
instâncias de atendimento aos mesmos – família, estado e sociedade – com enfoque legal e
com ênfase na cidadania e na justiça social, respeitando a sua condição peculiar de pessoa em
desenvolvimento.
Também com a promulgação do Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA houve
significativo avanço no que se refere as ações destinadas a este público, se constituindo num
marco histórico para o sistema de garantia de direitos. Conforme Rizzini, em período que
antecede a esta Lei “crianças e adolescentes passaram sua infância e adolescência internadas
em grandes instituições fechadas denominadas de ‘internato de menores’ ou ‘orfanatos’ (...)
embora crianças, em sua quase totalidade, tivessem família”. (RIZZINI, 2004, p. 14). Aos
3
adolescentes autores de ato infracional, se aplicava o Código de Menores4 que seguia uma linha
de arbitrariedade e repressão sendo a punição o único meio considerado possível para recuperação
desses adolescentes. Este Código, segundo Costa, não fazia distinção entre menor abandonado e
delinqüente, tanto um quanto o outro estavam em situação irregular, logo as medidas coercitivas,
se aplicava a ambos. Enquanto situação irregular, assevera esse autor que:
O Código de menores definia todos aqueles em que fosse constatada manifesta
incapacidade dos pais para mantê-los, não se diferenciando entre infratores, abandonados
ou órgãos. Assim definidos, eram objeto de intervenção do estado sem limites e de forma
discricionária. Portanto, a categorização que justificava a atuação punitiva/protetiva do
estado, agora, assim descrita na lei, era a figura da situação irregular (COSTA, 2005, p. 56).
Essa Lei incorporava uma visão correcional disciplinar, higienista, jurídica repressiva
e moralista contribuindo para o estigma da infância/adolescência pobre, marginalizada e em
situações de abandono ou delito5. O processo de transição dessa doutrina de caráter
correcional e repressivo, para a doutrina da proteção integral, se mostra lento o que exige das
organizações da sociedade civil, em especial, ações capazes de possibilitar novos
posicionamentos e novos rumos na política interventiva voltada a essa parcela da população.
Diante disso, era necessário o estabelecimento de parâmetros de distinção dessas duas
situações que, a partir do Estatuto da Criança e do Adolescente, já apresentava novos
direcionamentos, porém sem resultados expressivos especialmente ao adolescente autor de ato
infracional, que continuava cumprindo suas sentenças em locais com estruturas físicas
inadequadas e sem condições de atendimento humanizado. Assim sendo, o Conselho
Nacional de Direitos da criança e do adolescente – CONANDA, em parceria com outros
Conselhos, Associações, Entidades e Instituições que trabalham com essa política, realizaram
fóruns de discussões que culminaram na elaboração do Sistema Nacional de Atendimento
4
5
Primeiro Código de menores, conhecido como Código Mello Matos foi instituído pelo Decreto nº 17.943-A,
de 12 de outubro 1927, que manteve inalteradas as determinações dos sujeitos a quem se destinava a nova lei:
as crianças e adolescentes pobres (RIZZINI, 2011) O segundo Código de Menores foi instituído em 1979,
mas não mudou o foco de intervenção a lógica da repressão permanecia inalterada.
“A prática de atos infracionais, é claro, não é “privilégio” das classes empobrecidas, bem como não são
todos - e nem somente - os sobreviventes da miserabilidade que atuam na contramão da lei” (CAPITÃO,
2008, p. 27-28).
4
Socieducativo – Sinase6 que se constitui, hoje, num guia para a implementação das medidas
socioeducativas de restrição e privação de liberdade.
A Lei 12.594/12 que institui o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo,
aprovada em 18 de janeiro de 2012, que de acordo com o artigo 1º,
Entende-se por Sinase o conjunto ordenado de princípios, regras e critérios que envolvem a
execução de medidas socioeducativas, incluindo-se nele, por adesão, os sistemas estaduais,
distrital e municipais, bem como todos os planos, políticas e programas específicos de
atendimento a adolescente em conflito com a lei (SINASE, 2012).
A aprovação dessa lei pode ser considerada um avanço, no sentido de que regulamenta
a execução das medidas aplicáveis aos adolescentes autores de atos infracionais, sendo
norteado pela doutrina da proteção integral e torna obrigatória a adequação das entidades de
atendimento às regras estabelecidas. O documento contempla um direcionamento das ações
destinadas a esse público desde a estrutura física até a previsão de recursos materiais,
financeiros e humanos para a execução das medidas socioeducativas, tanto em meio aberto,
quanto em meio fechado7.
Conforme ECA e Sinase a medida socioeducativa de internação compreende a
privação da liberdade do adolescente sendo regida pelos princípios da brevidade,
excepcionalidade, respeitando sua condição peculiar de desenvolvimento. “A medida não
comporta prazo determinado devendo sua manutenção ser reavaliada, mediante decisão
fundamentada no máximo a cada seis e em nenhuma hipótese o período máximo de
internação excederá a três anos” (ECA, 1990). Preconiza ainda que a liberação aos 21 anos de
idade será compulsória.
Considera-se que implantação e implementação das medidas socioeducativas voltadas aos
adolescentes autores de atos infracionais a partir do ECA em 1990 e Sinase 2012, criaram condições
possíveis para que esse adolescente possa ser considerado como sujeito, dentro da perspectiva do
direito humano, logo, digno ao exercício da sua cidadania. Considera-se também, como fator
6
7
Em 13 de julho de 2006, o SINASE foi aprovado em Assembleia do CONANDA. Um ano depois, o SINASE
foi apresentado como projeto de lei (PL 1.627/2007) ao Plenário da Câmara dos Deputados. Em 09 de
novembro de 2007, por Ato da Presidência da Câmara foi criada uma Comissão Especial para analisar o
projeto de lei, tendo como relatora a deputada Rita Camata (PMDB/ES). Em 18 de janeiro de 2012, o
SINASE foi aprovado pela Lei nº 12.594.
As medidas socioeducativas em meio aberto estão descrita no ECA nos artigos 116 a 118. A medida restritiva
e privativa de liberdade estão descrita nos artigos 120 a 125 do ECA.
5
positivo, a lógica de uma ação socioeducativa que se sustenta nos princípios dos direitos humanos,
desvinculados das abordagens meramente punitivas, conforme estipuladas em legislações, como o
Código de Menores, que regulou o sistema em período anterior a implantação do ECA e, que
negava ao adolescente a condição de sujeito de direitos.
A inquietude que perpassa o cotidiano de atuação profissional dentro das unidades
socioeducativa é a percepção de que a ideologia das ações, nessas instâncias, ainda estão
pautadas no que segundo Foucault, seria a lógica da punição. Embora se apresente um
discurso inovador no que tange os aspectos teórico-metodológicos, as referidas práticas ainda
trazem resquícios das legislações que antecedem ao ECA e Sinase. Com isso evidencia-se que
a formulação de uma Lei nem sempre é parâmetro para sua aplicabilidade.
Há, certamente, muitos desafios a serem vencidos, o que demanda não apenas da
equipe socioeducativa, mas também dos gestores da política da criança e do adolescente da
família e da sociedade como um todo, afim de que se estabeleça mudanças no atendimento a
esse público. Nesse sentido, verifica-se a importância na atuação dos profissionais de Serviço
Social nos centros de socioeducação no sentido de contribuir para defesa do direito e da
cidadania do adolescente em privação de liberdade.
OS DESAFIOS DO SERVIÇO SOCIAL NA SOCIEDUCAÇÃO
O exercício de refletir sobre a atuação do assistente social na socioeducação implica
num retorno às bases conceituais do Serviço Social sobre as quais se fundamentou e se
legitimou enquanto profissão e também sobre o processo de redimensionando e de
reconhecimento enquanto classe trabalhadora inserida na divisão social e técnica do trabalho.
A partir das considerações de José Paulo Netto (1992, p. 14) o serviço social enquanto
prática institucionalizada e legitimada gesta-se num momento muito específico do processo da
sociedade burguesa constituída. Aquele do trânsito à idade do monopólio, isto é, as conexões
genéticas do Serviço Social profissional permeiam as peculiaridades da chamada ‘questão
social8’ no âmbito da sociedade burguesa consolidada e madura que é fundada a partir da
organização dos monopólios.
8
‘A questão social não é senão as expressões do processo de formação e desenvolvimento da classe operária e
de seu ingresso no cenário político da sociedade, exigindo seu reconhecimento como classe par parte do
6
O capitalismo9 monopolista recoloca, em patamar mais alto, o sistema totalizante de
contradições que confere à ordem burguesa os seus traços basilares de exploração,
alienação e transitoriedade histórica. (...) A idade do monopólio altera significativamente a
dinâmica inteira da sociedade burguesa: ao mesmo tempo em que potencia as contradições
fundamentais do capitalismo já explicitadas no estágio concorrencial e as combina com
novas contradições e antagonismos (NETTO, 1992, p.15).
Nesse sistema, a contradição existente na relação entre capital e trabalho se torna mais
eminente, exigindo intervenção estatal na organização da vida econômica e agindo sobre as
sequelas oriundas da exploração da força de trabalho da classe trabalhadora, por parte da
classe detentora dos meios de produção. O papel do Estado nesse contexto “é no nível das
suas finalidades econômicas, o ‘comitê executivo’ da burguesia [...] opera para propiciar o
conjunto de condições necessárias à acumulação e à valorização do capital monopolista”
(ibdem p. 22). Age em resposta, tanto as demandas da classe trabalhadora, dada sua
capacidade de mobilização e organização, como atua na defesa dos interesses econômicos da
burguesia através das políticas sociais que objetivam a intervenção estratégica e sistemática
nas situações oriundas do modo de produção que engendra as sequelas da chamada “questão
social”. Tais políticas operam como suporte econômico e sociopolítico oferecendo “respaldo
efetivo à imagem do Estado como social, mediador de interesses conflitantes” (ibdem p. 28).
O Serviço Social enquanto profissão emerge nesse contexto, num modo de
produção e de reprodução das relações sociais, com interesses contraditórios, dada a correlação de
força entre as duas classe – burguesia e proletariado. Alem de outros fatores, Netto sinaliza que:
A emergência profissional do Serviço Social é, em termos histórico-universais, uma variável da
idade do monopólio; enquanto profissão, o serviço social é indivorciável da ordem monopólica
– ela cria e funda a profissionalidade do Serviço Social (NETTO, 1992, p. 70).
Embora Netto considere que a profissão seja erigida por esse projeto burguês,
possibilitado a partir de uma ordem social com bases mercadológicas, daí a condição de
assalariamento dos profissionais, também é veraz sua inferência de que essa lógica se torna
9
empresariado e do Estado. É a manifestação , no cotidiano da vida social, da contradição entre o proletariado
e a burguesia(...)’ (IAMAMOTO E CARVALHO, 1983: 77. In NETTO, 1992, p. 13)
“O capitalismo, no último quartel do século XIX, experimenta profundas modificações no seu ordenamento e
na sua dinâmica econômicos, com incidências necessárias na estrutura social e nas instâncias políticas das
sociedades nacionais que envolvia. Trata-se do período histórico em que o capitalismo concorrencial sucede
o capitalismo dos monopólios” (IAMAMOTO E CARVALHO, 1983: 77. In NETTO, 1992, p. 15).
7
mais dinâmica pelo projeto conservador que a engendra possibilitando reformas que incidem
e interferem no âmbito das políticas sociais e econômicas em dado período da História. Nesse
processo, a igreja católica, aliada às instituições estatais, se constitui em força propulsora ao
modo de produção em vigência que faz alterar as relações entre Estado e Sociedade civil.
A partir da década de 70, o pensamento neoliberal ganha espaço e provoca mudanças
nas relações entre as instituições estatais. Ao mesmo tempo há uma efervescência de
movimentos sociais em vários países, chegando também ao Brasil e que, aos poucos, vão se
constituindo numa resistência à ideologia posta vislumbrando mudanças nos rumos da política
desenvolvimentista e nas estruturas que regiam o sistema.
O Serviço Social nessa conjuntura, também está passando por um processo interno de
revisão de suas bases, de negação do serviço social tradicional e busca pelo rompimento com
o conservadorismo, fazendo emergir o Movimento de Reconceituação que Netto vai chamar
de intenção de ruptura10. Esse movimento, originado por uma vertente mais crítica da
profissão, avança para as décadas seguintes consolidando uma nova perspectiva de atuação.
Por meio dessa vertente o Serviço Social brasileiro
significado social, define a sua relação com as demais disciplinas da área das ciências
sociais e humanas, e, sobretudo, constrói e defende objetivos legitimados por um projeto de
sociedade na defesa da liberdade, da democracia, dos direitos sociais (GUERRA, 2004, p.
38). [...] alcança o reconhecimento e a validação acadêmica como área de produção de
conhecimento, determina seu estatuto profissional e o seu
Faz-se necessário lembrar que esse projeto profissional está na contramão do projeto
societário burguês e, embora o serviço social não desempenhe funções produtivas, a partir das
considerações de Netto, está inserido nos processos de produção e de reprodução do capital e
nas relações sociais por ele engendradas. Mas também atua em favor da efetivação dos
direitos de seus usuários e na minimização das expressões da “questão social” oriundas desse
modo de produção.
Sobre essa lógica da acumulação, Iamamoto considera que o assistente social é parte
“do trabalhador coletivo e os processos de cooperação por meio dos quais realiza o seu
10
O autor faz referencia que, apesar do Movimento de Reconceituação tenha sido significativo para a profissão
essa ruptura não significa que o conservadorismo tenha sido superado no interior da profissão.
8
trabalho, organizados por seus empregadores, nos quais se realiza o consumo e a gestão da
força de trabalho” (IAMAMOTO, 2007, p. 256).
É nesta perspectiva que o Serviço Social, sob as novas exigências do mercado de
trabalho vai se redimensionando e se inserindo em várias áreas, sendo a socioeducação um
dos campos de atuação mais desafiadores aos assistentes sociais11, considerando a própria
natureza do trabalho intramuros onde a defesa intransigente dos direitos humanos, conforme
previsto no Código de Ética da profissão, se torna uma luta árdua. Considera-se assim,
conforme Iamamoto que:
Um dos maiores desafios que o Assistente Social vive no presente é desenvolver sua
capacidade de decifrar a realidade e construir propostas de trabalho criativas e capazes de
preservar e efetivar direitos, a partir das demandas emergentes no cotidiano. Enfim, um
profissional propositivo e não só executivo (IAMAMOTO, 2001, p, 20).
Daí decorrem as inquietudes no cotidiano profissional, dada as relações de poder e o
jogo de disputas e de interesses contraditórios que se colocam à intervenção. A constância de
desafios na execução da política social, voltada à criança e do adolescente, na perspectiva dos
direitos humanos, exige desse profissional uma atuação a partir da observância das
Legislações, em especial, do Serviço Social brasileiro12, afim de romper com o legado de uma
prática que coloca o profissional como mero executor das políticas sociais.
Durante o período de oito anos aproximadamente atuando com adolescentes em
cumprimento de medida socioeducativa de Internação, destacamos alguns dos principais
desafios postos ao profissional de Serviço Social nos Centros de Socioeducação.
a) Compreensão do adolescente em privação de liberdade enquanto sujeito de
direitos: Neste aspecto, o desafio consiste em ultrapassar o “ranço” do Código de
Menores e compreender que esse adolescente está privado da liberdade, não dos
direitos fundamentais previstos no ECA e no Sinase.
b) Condições de estruturas físicas inadequadas e insalubres para os adolescentes
e para os profissionais: As Unidades construídas a partir de 2006, já
11
12
No Artigo 12 do Sinase. Diz que: “A composição da equipe técnica do programa de atendimento deverá ser
interdisciplinar, compreendendo, no mínimo, profissionais das áreas de saúde, educação e assistência social,
de acordo com as normas de referência”.
Destacamos em especial, o Código de Ética de 1993 e a Lei de Regulamentação da Profissão – Lei 8.662/93.
9
contemplam, pelo menos em parte, os requisitos estabelecidos pelo Sinase.
Contudo, ainda é presente situações que ferem os direitos do adolescente em
privação de liberdade frente ao que preconiza as legislações em vigência. Em
várias Unidades Socioeducativas13 a condição estrutural se mantém com as
mesmas dificuldades vividas no Código de Menores.
c) Número reduzido de profissionais na composição das equipes: A exemplo do
Cense II de Cascavel, no período entre 2007 a 2010 eram 05 assistentes sociais
atuando, destas 4 foram transferida para outras Unidades e, apenas no início de
janeiro de 2014, foram convocadas 3 novas profissionais. A realidade de outros
Cense no Paraná ainda permanece com defasagens no quadro funcional. Tal fato
compromete os aspectos relacionados a especificidade da profissão que tende a
tornar o assistente social cada vez mais um técnico generalista.
d) Falta de capacitação permanente: Nos últimos anos, embora esteja previsto no
Sinase, não houve capacitações envolvendo toda a equipe. Considera-se que o
repensar cotidianamente as intervenções junto ao público adolescente e suas
famílias é imprescindível dada a complexidade de relações que se estabelecem no
contexto socioeducativo. A atuação ou não de outros membros da equipe interfere
incisivamente nas ações do assistente social.
e) Ultrapassar campo do imediato para o mediato: A partir dos fatores descritos,
aliada a complexidade do trabalho intramuros, as intervenções cotidianas do
profissional de Serviço Social acabam sendo realizadas no campo da
imediaticidade. As condições dadas não possibilitam o planejamento de ações
tornando o Assistente Social, como diria NETTO (1992), apenas um executor
terminal das políticas sociais, neste caso, da criança e do adolescente.
Considera-se diante disso, que a aprovação das referidas Leis, apesar dos avanços
obtidos em relação a política de atendimento ao adolescente em conflito com a lei, ainda se
percebe a eminência de um longo caminho a ser percorrido, considerando os desafios
13
Tal afirmação é decorrente das visitas realizadas nas unidades socioeducativas no Estado do Paraná.
Considera-se que houve melhorias nas condições estruturais, mas que ainda não contemplam todas as
Unidades socioeducativas.
10
decorrentes do modo de produção capitalista, com vistas ao consumo, e de um grupo
societário cujos valores encontram-se alicerçado nas ideologias neoliberais. Assim, a
socioeducação é perpassada por essas contradições sendo desafiadora a prática profissional na
luta pela efetivação de direitos, a partir da apreensão da dinâmica do adolescente autor de ato
infracional na composição de sua vida social.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
A atuação do Serviço Social junto a adolescentes autores de ato infracional não é recente e
segue os parâmetros da dinâmica social, contextualizada a partir da realidade que se apresenta em
movimento e que constrói ideologias. Estas, determinam as ações dos sujeitos em cada período da
história, possibilitando a reconstrução de valores que incidem diretamente no cotidiano das
relações sociais.
Assim, a ações voltadas a criança e ao adolescente seguem esse mesmo decurso. Se
num dado momento da história a intervenção gira em torno perspectiva da situação irregular –
Código de Menores –, noutro momento, designa novos marcos regulatórios que mudam para
doutrina a proteção integral – ECA. Essa perspectiva preconiza, a partir das legislações
nacionais e internacionais à criança e do adolescente a possibilidade de exercício de sua
cidadania, logo, sujeitos de direitos mesmo para adolescentes autores de atos infracionais e na
condição de privação de liberdade.
No entanto, observa-se que, embora as legislações em vigência tenham avançado
tornando legais as ações referentes ao adolescente que cumpre medida socioeducativa de
internação, os discursos e as ações dos atores desse sistema ainda se pautam na lógica da
punição que tem por base o antigo Código de Menores. Logo, o estabelecimento de uma lei
determinada lei, não garante a esse público a materialização de seus direitos. Nesse sentido, a
atuação dos profissionais de Serviço Social, dada as relações de poder e de interesses
contraditórios que se colocam à sua intervenção, está assolada por uma gama de desafios na
execução da política voltada ao adolescente autor de ato infracional.
Diante disso, compreende-se que, a partir do projeto ético-político da profissão, o
assistente social ocupa um papel fundamental na medida em que contribui para mudança de
valores que supõe a erradicação de processos contrários à perspectiva da liberdade, da justiça
11
social e do direito. Para tanto, se faz necessário que esse profissional possa dispor de competência
técnica, ética e política, para tornar possível respostas à demandas oriundas das expressões da
questão social, tendo por base o Código de Ética e a Lei de Regulamentação da Profissão.
REFERÊNCIAS
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______. Estatuto da criança e do adolescente. 5ª ed. São Paulo: Saraiva, 1995.
______. Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo – SINASE. Brasília-DF, 2012.
Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_Ato2011-2014/2012/Lei/L12594.htm
Acesso em 09 de julho 2012.
CAPITÃO, Lúcia Cristina Delgado. Sócio-educação em xeque: interfaces entre Justiça Restaurativa e
Democratização do atendimento a adolescentes privados de liberdade. Pontifícia Universidade
Católica do Rio Grande do Sul, Porto Alegre, 2008.
Declaração Universal dos Direitos Humanos. Resolução 217 A (III) da Assembleia Geral das
Nações Unidas em 10 de dezembro de 1948. Disponível em:
portal.mj.gov.br/sedh/ct/legis_intern/ddh_bib_inter_universal.htm. Acesso em 07 de julho de 2012.
COSTA, Sueli Gomes. Signos em transformação: a dialética de uma cultura profissional. São
Paulo: Cortez, 1995.
IAMAMOTO, Marilda Vilela. Serviço Social em tempos de capital fetiche. São Paulo: Cortez, 2007.
NETTO, José Paulo. Capitalismo monopolista e serviço social. São Paulo: Cortez, 1992.
RIZZINI, Irene; PILOTTI, Francisco (orgs). A arte de governar crianças: a história das Políticas
Sociais, da legislação e da assistência à infância no Brasil. 3. ed. São Paulo: Cortez, 2011.
SALES, Mione Apolinário. (In)visibilidade perversa – adolescentes infratores como metáfora da
violência. São Paulo: Cortez, 2007.
12
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