FORTALECENDO O CARÁTER PROTETIVO DE FAMÍLIA DE

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UNIVERSIDADE BANDEIRANTE SÃO PAULO
PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL
ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA
DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
SÃO PAULO
2011
MARIA INÊS DA COSTA
PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL
ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA
DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
Dissertação de Mestrado apresentada à Banca
Examinadora como exigência parcial dos
requisitos do Curso de Pós-Graduação
Mestrado Profissional Adolescente em Conflito
com a Lei da Universidade Bandeirante para
obtenção do título de Mestre em Políticas e
Práticas com Adolescente em Conflito com a
Lei.
Orientadora:
Profa Dra Maria do Rosário Corrêa de Salles
Gomes
SÃO PAULO
2011
MARIA INÊS DA COSTA
FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA
DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
BANCA EXAMINADORA
DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE
_______________________________________________________________
_
Presidente e Orientadora: Profa. Dra.Maria do Rosario Corrêa de Salles Gomes
(UNIBAN-SP)
____________________________________________________
2º. Examinadora: Profa. Dra. Irandi Pereira (UNIBAN- São Paulo)
________________________________________________
3º. Examinadora: Profa. MS. Neiri Bruno Chiachio (PUC- SP)
_______________________________________________________________
4º. Examinador Suplente: Prof. Ms Flavio Américo Frasseto
(UNIBAN-São Paulo)
_______________________________________________________________
5º. Examinadora Suplente:Profa. Dra. Sônia Regina Nozabielli
(UNIFESP B.Santista)
SÃO PAULO
2011
Dedico este trabalho,
À Profa. Dra. Maria do Rosario Corrêa de Salles Gomes, pela sua orientação,
carinho, perseverança e partilha de experiências e de saberes.
Às famílias e adolescentes, pelo envolvimento, confiança e esperança na
construção de um país sem desigualdades e com direitos.
Aos colegas incentivadores deste trabalho: Hélia, Maria Helena, Daniel, Ana
Carolina, Gustavo, Mércia, Cláudia, Dalva, Francinete, Rejane, Cidimara,
Andresa, Adriana Mileide, Alzira, Rosana Voltolini, Kátia, Aparecida Moreira,
Letícia, Padre Antonio Francisco, Roseli, Marina, Silvana e as parceiras Márcia
Leal, Cormarie, Marlene Merisse.
À minha família, especialmente a minha avó Aparecida, no auge de seus
noventa e dois anos, cuja clareza e sabedoria acreditam que o saber e o
conhecimento são fontes do desenvolvimento da solidariedade e afeto que une
os homens.
Aos meus filhos Camila, Rodolfo, Hugo, ao Nelson, companheiro de todas as
horas, e à minha mãe, Odete. Nossos caminhos só tem sentido se houver
sonhos e se acreditarmos neles.
Agradeço,
Aos componentes da Banca Examinadora pela participação e carinho com que
avaliaram o produto deste trabalho.
Aos meus professores.
As colegas de curso.
Aos funcionários da Uniban.
Àqueles que acreditaram e dividiram um bem maior: o conhecimento, a
esperança, o compromisso e as convicções de nossas vidas.
RESUMO
COSTA, Maria Inês da. Fortalecendo a capacidade protetiva da família do
adolescente em conflito com a lei. Dissertação (Mestrado Profissional
Adolescente em Conflito com a Lei). UNIBAN. São Paulo, 2011.
O presente trabalho apresenta a reflexão sobre o significado que a capacidade
protetiva de família tem no âmbito da atenção social aos adolescentes em
conflito com a lei. Avalia as desproteções e riscos sociais a que família e seus
membros estão expostos; aprofunda elementos para o fortalecimento desta
capacidade protetiva e deste núcleo de proteção social. Os 20 anos do Estatuto
da Criança e do Adolescente apontam avanços na doutrina da proteção
integral, na institucionalidade do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e
Adolescente (SGD), aprimora os processos de responsabilização dos entes
federados na gestão do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Por
isso, levamos em conta o modo como as políticas sociais atuam e processam
os direitos do adolescente em conflito com a lei e sua articulação no SGD. A
ênfase da análise configura, no campo da política de assistência social, a
atenção aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio
aberto: de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. A
Assistência Social, como política de proteção social não-contributiva,
operacionalizada através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS),
prevê, desde 2004, que a atenção social ao adolescente e jovem em conflito
com a lei será gestada e executada na unidade pública do Centro de
Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). A pesquisa
considera o modo como a gestão municipalizada das medidas socioeducativas
está sendo implementada no município de Santo André-SP, e sua repercussão
nos territórios de vida dos adolescentes. A pesquisa empírica complementa a
investigação de base analítico-documental, envolveu 07 adolescentes em
conflito com a lei e suas famílias moradoras do território do Jardim Santo
André. Os trabalhadores e gestores do CREAS Infância e Adolescência,
diretamente envolvidos na execução das medidas socioeducativas em meio
aberto. A reflexão é sobre o peso de variáveis que permitam detectar
aproximações, as possibilidades, as potências e as fragilidades que atuam no
fortalecimento da capacidade protetiva da família de adolescentes em conflito
com a lei.
Palavras-chaves: proteção social; proteção integral; assistência social;
adolescente em conflito com a lei; família.
ABSTRACT
COSTA, Maria Inês da. Strengthening the protective capacity of families of
adolescents in conflict with the law. Dissertation (Professional Master
Adolescents in Conflict with the Law). UNIBAN. São Paulo, 2010.
This paper presents a reflection on the meaning that the protective capacity of
the family has, within the social attention to adolescents in conflict with the
law. Evaluates desproteções and social risks to which family and its members
are exposed to elements deepens towards strengthening this protective
capacity, and this core of social protection. The 20-year Statute of Children and
Adolescents, says advances in the doctrine of full protection, the institutional
framework of the System of Guarantee of Rights of the Child and Adolescent
(SGD), enhances the process of accountability for all federal entities in the
management of the National Socio-Educational Services.Therefore we take into
account how social policies work and process the rights of adolescents in
conflict with the law and its relationship to the DGS. The emphasis of the
analysis sets, the field of social welfare policy, attention to adolescents under
socio-open in the middle: the provision of probation and community
service. Social assistance, social protection policy as non-contributory,
operationalized through the Unified Social Assistance System (ITS), expected
since 2004, the social attention to adolescents and youth in conflict with the law
will be fomented and executed in public unit of the Center for Social Assistance
Specialized Reference (CREAS). The research considers how the management
of municipal educational measures is being implemented in the municipality of
Santo André, SP, and its impact on the territories of life of
adolescents. Empirical research complements the research-based analytical
documentary, involved 07 adolescents in conflict with the law and their families
living in the territory of the Garden St. Andrew. Workers and managers CREAS
Children and Adolescents, directly involved in implementing educational
measures in an open environment. The reflection is about the weight of
variables to detect approaches, opportunities, weaknesses and powers that
operate in strengthening the protective capacity of the family for adolescents in
conflict with the law.
Keywords: social protection, full protection, assistance social, adolescents in
conflict with the law: family
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ACL
ABMP
BNH
CAP
CASA
CDC
CDCA
CDHU
CEME
CF
CIB
CIT
CLT
CMDCA
CNAS
CNSS
CONANDA
CPMF
CRAS
CREAS
DAR
DRU
ECA
EC
FAT
FEBEM
FHC
FMI
FSE
FUNABEM
FCBIAGPS
IAP
IBGE
IDH
IPEA
LA
LBA
LDB
LOAS
LULA
MDS
MEC
MESA
MPAS
Adolescente em Conflito com a Lei
Associação Brasileira de Magistrados e Promotores
Banco Nacional de Habitação
Caixa de Aposentadorias e Pensões
Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente
Convenção sobre os direitos das Crianças
Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente
Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano
Central de Medicamentos
Constituição da Republica Federativa do Brasil
Comissão Intergestora Bipartite
Comissão Intergestora Tripartite
Consolidação das Leis do Trabalho
Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente
Conselho Nacional de Assistência Social
Conselho Nacional de Serviço Social
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente
Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira
Centro de Referencia de Assistência Social
Centro de Referencia Especializado de Assistência Social
Divisão Administrativa Regional
Desvinculação das Receitas da União
Estatuto da Criança e do Adolescente
Emenda Constitucional
Fundo do Amparo ao Trabalho
Fundação do Bem-Estar do Menor
Fernando Henrique Cardoso
Fundo Monetário Internacional
Fundo Social de Emergência
Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor
Fundação Centro Brasileiro de Assistência à Infância e Juventude
Grupo de Planejamento Setorial
Instituto de Aposentadoria e Pensão
Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística
Índice de Desenvolvimento Humano
Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada
Liberdade Assistida
Legião da Brasileira de Assistência
Lei de Diretrizes e Base
Lei Orgânica da Assistência Social
Luiz Inácio Lula da Silva
Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome
Ministério da Educação e Cultura
Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar
Ministério da Previdência e Assistência Social
MSE
Medidas Socioeducativa
NOB
Norma Operacional Básica
NOB/RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único
da Assistência Social
OEA
Organização dos Estados Americanos
ONU
Organização das Nações Unidas
ONG
Organização Não Governamental
PIA
Plano Individual de Atendimento
PIB
Produto Interno Bruto
PNAS
Política Nacional de Assistência Social
PR
Presidência da Republica
PSC
Prestação de Serviço à Comunidade
PSB
Proteção Social Básica
PSE
Proteção Social Especial
SAM
Serviço de Assistência ao Menor
SEDH
Secretaria de Estado do Direitos Humanos
SEADS
Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social
SENAI
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial
SEPPIR
Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Social
SGD
Sistema de Garantia de Direito
SGDCA
Sistema de Garantia de Direito da Criança e do Adolescente
SINASE
Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
SNPDCA
Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do
Adolescente
SUAS
Sistema Único de Assistência Social
SUS
Sistema Único de Saúde
UIP
Unidade de Internação Provisória
LISTA DE QUADROS
Quadro 1 Articulação do SINASE com o SUAS na municipalização
de MSE em meio aberto ................................................................. 41
Quadro 2 Cenário das Medidas privativas de Liberdade no Brasil, 2009 ........ 49
Quadro 3 Instrumentos legais e internacionais sobre criança e adolescente .. 63
Quadro 4 Síntese dos Indicadores Sociais das Condições de Vida
da População ................................................................................... 85
Quadro 5 Perfil das responsáveis pelos adolescentes entrevistados ............ 108
Quadro 6 Perfil dos adolescentes entrevistados ............................................ 109
Quadro 7 Acesso das famílias à rede de proteção local ................................ 115
Quadro 8 Renda per capita ............................................................................ 118
LISTA DE GRÁFICOS
Gráfico 1 Acesso aos serviços públicos ......................................................... 115
Gráfico 2 Adolescentes e seus projetos......................................................... 128
Gráfico 3 O que apoiaria os adolescentes em seus projetos ......................... 129
Gráfico 4 Avaliação das famílias sobre as MSE´s em meio aberto................ 132
LISTA DE MAPAS E FIGURAS
Figura 1 O SINASE e o Sistema de Garantia de Direitos de crianças
e adolescentes ................................................................................... 40
Mapa 1 O território da pesquisa ...................................................................... 104
SUMÁRIO
1 INTRODUÇÃO........................ ....................................................................... 13
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL ....................................................... 19
2.1.1 O diálogo entre a Política de Assistência Social e o SINASE .................. 33
2.1.2 A Municipalização de MSE no campo da Assistência Social ................... 43
2.1.3 O adolescente em conflito com a lei no ECA ........................................... 55
2.2 OS SUJEITOS SOCIAIS E OS OPERADORES DAS MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO ................................................. 73
2.2.1 Quem são os Adolescentes e jovens em conflito com a lei ..................... 73
2.2.2 A Família de adolescentes ....................................................................... 82
2.2.3 Os trabalhadores e gestores no contexto da execução das medidas
socioeducativas em meio aberto ............................................................. 90
3 METODOLOGIA
3.1 PROCEDIMENTO E PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ...... 96
3.2 TERRITÓRIO DE PESQUISA................................................................... 103
3.3 ADOLESCENTES E FAMÍLIAS: RESULTADOS ...................................... 108
3.3.1 A variável território e domicílio ............................................................... 110
3.3.2 A variável trabalho e renda .................................................................... 116
3.3.3 As formações familiares ..................................................................... 119
3.3.4 A educação e a escolarização ............................................................... 121
3.3.5 Trabalhadores e gestores: resultados .................................................... 137
3.3.6 Os gestores das Medidas Socioeducativas: resultados ........................ 145
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 149
REFERÊNCIAS.......................... .................................................................... 157
BIBLIOGRAFIA....................... ....................................................................... 160
APÊNDICES.............................. ..................................................................... 162
13
1 INTRODUÇÃO
O presente trabalho de dissertação, produto acadêmico do programa
Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, apresenta o
resultado do estudo com famílias de adolescentes que estão em cumprimento
de medidas socioeducativa em meio aberto na modalidade Liberdade Assistida
que residem no município de Santo André, São Paulo, no território do Jardim
Santo André. Nossos sujeitos sociais entrevistados - expostos a circunstâncias
de vulnerabilidade social decorrentes do complexo processo socioeconômico
que, em várias de suas dimensões, impõem situações de violação de direitos expressaram, a partir de seus depoimentos, as forças e vulnerabilidades a que
estão sujeitos.
O processo de desarticulação e indefinição das instituições responsáveis
pelo atendimento às demandas e necessidades sociais destas famílias se
insere na esteira histórica do desenvolvimento de políticas públicas aos
segmentos mais empobrecidos, “(...) essa indefinição de competência é uma
estratégia que perpetua a tutela, porque ela própria impede aos excluídos o
conhecimento dos serviços produzidos e o consequente direito de acesso aos
mesmos” (SPOSATI, 1987, p.85).
Ao longo do último quartil do século XX, com o processo democrático
mais fortalecido e desenvolvido, ocorre a substituição do paradigma da lógica
residual e focalista nas atenções proporcionadas às famílias e seus membros,
dando origem a um sistema articulado e interdependente de políticas sociais
para alcançarem o interesse maior que é a proteção social pública de seus
cidadãos. Estabelecido na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela
Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS - Lei 8742 de 07 de dezembro de
1993, esta atenção passa a ter, no tripé da Seguridade Social, um de seus
fundamentais alicerces, alçando a Assistência Social como política pública.
A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política
de seguridade social não contributiva que provê mínimos sociais;
realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa
pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades
básicas (LOAS, 1993, art.1º).
14
O primeiro tópico vem dispor sobre as amarras do desafio que a
sociedade, o Estado e diferentes institucionalidades criadas e fortalecidas pelo
Estado Democrático de Direito, têm com um de seus pilares sustentadores, as
famílias. Para isso, não bastam somente os esforços destes sujeitos isolados,
são necessárias políticas de Estado que mesclem os interesses do capital com
o trabalho.
Está em questão um novo campo de saber: o significado da
capacidade protetiva de família, do âmbito dessa proteção e das
fragilidades e riscos sociais a que a própria família e seus membros
estão sujeitos (SPOSATI, 2009, p.19 ).
A compreensão que será expressa nas contribuições de Sposati (2009),
Yasbek (1996), Boschetti (2006), Gomes (2008) e Fleury (1997), além dos
conteúdos prepostos na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), na Lei
Orgânica de Assistência Social (LOAS), e do Sistema Único de Assistência
Social (SUAS), balizarão a determinação do lócus de política de atenção
especializada que a política de assistência social pode ofertar ao adolescente
autor de ato infracional e à sua família.
Afinal, historicamente: “O reconhecimento legal de um direito não tem
sido suficiente para torná-lo um direito legítimo”. (...) é necessário atribuir
caráter de direito às ações que o concretizam”. (BOSCHETTI, 2006, p.31).
Neste caminho, buscamos apresentar elementos conceituais sobre o
Sistema de Garantias de Direitos (SGD) e o Sistema Nacional de Atendimento
SocioEducativo (SINASE), bem como a compreensão do que o Estado
brasileiro entende e assegura como proteção integral a crianças e
adolescentes, em específico, à proteção de adolescente autor de ato
infracional. As contribuições de autores como Costa (1998), Aquino (2009),
Feltran (2008) e Diógenes (2008), apresentam elementos substanciais para a
compreensão da dimensão histórica que a juventude e adolescência
desempenham no cotidiano como membros de uma sociedade ainda desigual.
Buscamos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a direção e
os passos determinantes para a consolidação do paradigma da prioridade
absoluta. Na exata fala dos adolescentes entrevistados, sujeitos deste estudo,
encontramos os diversos desafios para reconhecer a dinâmica de suas
15
relações familiares, societárias e territorializadas em ambientes desprovidos de
condições favoráveis ao exercício de sua cidadania.
Apresentamos dados sobre três estudos1: dois deles tratam de
expressões multifacetárias da questão social2 - o ato infracional e os
homicídios - envolvendo as categorias dos adolescentes, jovens e adultos
jovens, negros, em sua maioria e do gênero masculino. No terceiro estudo, há
a evolução dos dados relativos a adolescentes e jovens na dinâmica nacional.
Observamos, de antemão, a tendência de redução da pirâmide etária nas
faixas etárias populacionais de 0-14 anos, demonstrando que desde 1991 o
total de 34,7% de crianças e adolescentes nesta faixa populacional vem
decrescendo para, em 2004, atingir percentuais de 27,1% e de ter como
projeção para o ano de 2050 percentuais que podem chegar a 17,8% do total
da população. Esta nova composição etária da população indica que o país
entrou na passagem da chamada “janela demográfica”, ou seja:
( ) um elevado contingente de pessoas em idade ativa e uma razão
de dependência relativamente baixa, configurando um bônus
demográfico favorável ao crescimento econômico.(...) o número
máximo de jovens em idade de completarem seus estudos e de
ingressarem no mercado de trabalho (15 a 24 anos de idade), vem
girando em torno de 35 milhões desde o ano 2000, efetivo que só
será verificado novamente no período de 2030-2035, se as hipóteses
acerca do comportamento da fecundidade e da mortalidade no
modelo de projeção da população se cumprirem. Paralelamente, o
número de pessoas com idade potencialmente ativa está em franco
processo de ascensão, e a razão de dependência total da população
vem declinando em consequência da diminuição do peso das
crianças de 0 a 14 anos sobre a população de 15 a 64 anos de idade
(IBGE, 2006, p.30).
1
Estudos referência: 1) Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao
adolescente em conflito com a lei,SNPDCA/SEDH/PR/Brasil,2009; 2) Mapa da Violência do
Brasil,Instituto Sangari, 2009; 3) Síntese dos Indicadores Sociais, IBGE, 2005-2006.
2
A questão social. Termo surgido na Europa no Século XIX, reconhece um conjunto de
problemas sociais originados pela revolução industrial com transformações políticas, sociais,
econômicas no Estado Moderno, inserindo a pobreza e suas expressões multidimensionais na
agenda das políticas públicas. “A emergência da questão social é parte do processo mais geral
do desenvolvimento do capitalismo, no qual as relações sociais e econômicas foram duramente
afetadas pelos processos de industrialização e urbanização, que romperam com as relações
tradicionais de autoridade e solidariedade, e geraram novos atores coletivos com novas
demandas políticas.” (FLEURY, Sonia; MOLINA, Carlos G., 2008, p.24).
16
Esta tendência observada tem relação com nossa pesquisa pela
complexidade que envolve o número de jovens na faixa etária de 15-24 anos,
dentre eles o adolescente autor de ato infracional, por requererem uma atenção
especial das políticas públicas de educação (acesso e aumento da
escolarização),
acesso
ao
mundo
do
trabalho
(formação
profissional
qualificada), saúde (com acesso e manutenção dos serviços de saúde básica e
secundária, atendimentos em pré-natais e aleitamento materno e saúde
reprodutiva), investimentos em infraestrutura, saneamento urbano e unidades
habitacionais. Tais medidas não só resultariam em aumento da expectativa de
vida, índice tão caro aos indicadores nacionais, mas também em uma
ampliação de acessos a bens sociais básicos.
Outro dado significativo apresentado indica a relação que o fluxo
contínuo do aumento de mortes de adolescentes jovens e adultos jovens do
sexo masculino por causas externas, como efeito que afetaria não somente a
questão demográfica, mas principalmente a questão econômica e social.
A faixa etária de maior vulnerabilidade é a que vai dos 15 aos 30 ou
35 anos de idade. A sobremortalidade masculina, que é o quociente
entre as taxas de mortalidade por idade de homens e mulheres,
geralmente apresenta seu valor máximo no grupo de 20 a 24 anos de
idade. No caso brasileiro, a incidência da mortalidade masculina
neste intervalo de idade chega a ser quase 4,1 vezes superior à
feminina, em 2004. Nas Unidades da Federação do Amapá, São
Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro, os homens têm uma
probabilidade cinco vezes maior de falecer entre os 20 e 24 anos de
idade que as mulheres (IBGE, 2006, p.32).
O segundo tópico tem por objetivos: refletir sobre os sujeitos sociais
envolvidos nas medidas socioeducativas (MSEs) em meio aberto, ou seja,
conhecer melhor quem são estes operadores que, no seu cotidiano, vivenciam
as circunstâncias, as contradições e desafios para operacionalizar as MSE;
considerar as características desta realidade concreta e a coexistência entre os
envolvimentos, os vínculos e participação neste processo; apresentar os
conteúdos necessários para a compreensão dos formatos e formações das
famílias contemporâneas As reflexões de Sposati (2008), Costa (2006),
Guimarães (2007), Brant (2008) e Aquino (2009) aprofundam conceitos e
17
vinculações, ressaltando a importância do tema para o cenário das políticas
públicas.
Algumas categorias de análise a partir das constâncias e relevância
foram se apresentando nos depoimentos de familiares dos adolescentes e se
revelam no contexto do cenário nacional. Uma delas faz referência à
composição familiar dos entrevistados, em que observamos a redução de
números de componentes. Também observam-se famílias, em sua maioria
chefiada por mulheres sozinhas, e a presença de mulheres idosas como
responsáveis pelos adolescentes em conflito com a lei (ACL). Outro dado
importante sobre a composição familiar refere-se à relação entre a
escolaridade e o tamanho da prole, o que será debatido no terceiro tópico. Esta
formação vem sendo identificada na base de dados do Estudo IBGE (2006),
que apresenta um movimento de desaceleração nacional do crescimento
populacional desde a década de 1970, observando no período de 2001-2004
uma tendência de queda da fecundidade3 (2,7% para 2,3% de filhos) e de
natalidade (23,4% a 20,6% de filhos).
Finalizando o tópico, falamos de trabalhadores e gestores da política de
assistência social na gestão municipalizada da MSE em meio aberto.
Enfatizando elementos como a articulação intersetorial, democratização dos
acessos, participação em Rede e controle social, representativos para
caminhar na perspectiva de consolidar o SINASE e sua articulação com demais
Sistemas Únicos de políticas sociais que operam MSE no âmbito do município.
O terceiro tópico reserva-se à exposição dos resultados da pesquisa
com nossos sujeitos operadores de MSE. Demonstramos na análise os
elementos que compõe o cotidiano dos adolescentes inseridos na medida
socioeducativa de Liberdade Assistida e a complexa relação das famílias com o
envolvimento do adolescente no ato infracional, descrevemos as perspectivas,
3
Esta diminuição alterou a pirâmide populacional com estreitamento da base e redução do
contingente de crianças e adolescentes até 14 anos e no aumento de idosos O expansivo
envelhecimento da população pressiona por serviços mais especializados na base das ofertas
públicas de serviços sociais. Outro elemento, refere-se aos anos de estudo e fecundidade, a
relação de mulheres em idade fértil de 15-49 anos, cuja presença considerável da elevação de
estudo/ escolaridade (média de 6-7 anos), branca ou parda e independente do rendimento
familiar apresentam as seguintes características de fecundidade: i) as mulheres com baixa
instrução (até 03 anos de estudo) tendem a subir a média de filhos; ii) as mulheres de
escolaridade elevada mas de baixo rendimento familiar aumentam a sua fecundidade,
demonstrando novamente a importância da escolarização na composição familiar.
18
sonhos e projetos futuros que nossos sujeitos apontam E também os desafios
para a gestão intersetorial de MSE no âmbito do território-município.
E, por último, as considerações finais sobre nossas impressões,
projeções e tensões apresentadas para o complexo campo da proteção integral
do adolescente em conflito com a lei
19
2 DESENVOLVIMENTO
2.1 O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL
A nova economia internacional que se manifesta depois da Segunda
Guerra Mundial apresenta, entre outras, as seguintes características:
a internacionalização e multiplicação das trocas, preponderância da
tecnologia e a concentração dela decorrente, solidariedade crescente
entre os países, (...) modificações da estrutura e força de consumo. O
4
efeito demonstração, ou seja, a inclinação dos pobres no sentido de
consumir da mesma maneira que os ricos, tem um papel importante
nos países subdesenvolvidos por contribuir com a atração dos
homens para a cidade, local das novas atividades; no entanto, não só
as indústrias são aí raras como, em todo caso, os empregos
permanentes não são suficientes para atender à demanda (SANTOS,
1989, p.25).
O sistema de proteção social brasileiro apresenta particularidades e
peculiaridades que são próprias do processo de desenvolvimento do
capitalismo no país e das funções do Estado, principalmente as relacionadas à
regulação socioeconômica, incorporando gradativamente responsabilidades ao
poder público, resultado do jogo de conflitos que interesses políticos,
econômicos e sociais sempre deflagraram na arena da realidade brasileira.
No pós 2ª Guerra Mundial, o fluxo de desenvolvimento econômico teve
cenários
diferenciados
entre
os
países
considerados
desenvolvidos
(industrializados), subdesenvolvidos (industrialização tardia) e, dentre eles, o
Brasil que, apesar de contar com uma indústria desenvolvida, não escapou à
dependência econômica e ao êxodo rural. O fenômeno de urbanização,
produto do fluxo de populações migratórias internas e externas, favorecida pela
atração exercida pela expansão das indústrias, mobilizou grandes contingentes
populacionais migrantes em busca de melhores oportunidades e de melhoria
das condições de vida, ocupando as cidades.
Na década de 1930, com a implantação do Estado Novo, o país viveu o
aprofundamento
do
modelo
corporativista,
tônica
dada
pela
Carta
Constitucional outorgada após o golpe de Estado de 1937, com opção nítida
por uma política industrialista. O Estado buscou diversas formas de incentivar a
4
Segundo o Dicionário HOUAISS (2001, p. 2243), Pobre é aquele desprovido ou mal provido
do necessário, de poucas posses, que não tem recursos próprios, que apresenta ou revela
pobreza Falta daquilo que lhe é necessário para sua subsistência, penúria, classe ou conjunto
de pobres.. Pobreza é, estado de pobre.
20
indústria básica, tornando-se produtor por meio das empresas estatais e de
economia mista, viabilizando a expansão industrial, organizando mercado de
trabalho, a capitalização e acumulação do setor. Teve participação a burguesia
industrial, por meio das suas entidades representativas, nos espaços de gestão
do Estado.
O regime que assume no período posterior à década de 30 busca, na
dinamização da economia, sua legitimação junto ao proletariado urbano,
recém-formado,
incorporando
reivindicações
históricas
destes
setores
populares. O reconhecimento legal de cidadania5 destes setores populares
atesta o poder e prestígio que a era Vargas ascendeu aos direitos no cenário
nacional.
A legislação social de então continha dispositivos que coibiam excessos
e formas primitivas de exploração do trabalho. Mas, com a integração de novas
massas urbanas, novas forças sociais e o adensamento das atividades
produtivas urbanas, o estado de carência e subordinação ao processo de
aprofundamento de acumulação coloca as camadas populares a pressionarem
o Estado por maior expansão de participação política e do conceito de
cidadania.
Assim, o surgimento de novas institucionalidades, em resposta ao
equilíbrio das relações de forças entre as diferentes classes sociais,
apaziguaram as contradições inerentes ao processo de reprodução. As
instituições previdenciárias se desenvolvem a partir da década de 20, pela
ação estatal, como a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs). Datam
desse período a criação do Ministério do Trabalho (1943), Indústria e
Comércio; a publicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), O
Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI-1942), o Serviço Social
da Indústria (1946), o voto universal e secreto (1930), a nova Constituição
(1946), possibilitando no período democrático-populista (1946-1964) a
intensificação da vida política dos setores mais populares.
5
Podemos compreender que “cidadania é a dimensão pública dos indivíduos, inspirada na
teoria política clássica, que separa Estado e sociedade e vê os indivíduos como isolados e
competitivos na dimensão privada, porém integrados e cooperativos na comunidade política.
Neste sentido, a cidadania pressupõe um modelo de integração e de sociabilidade” (FLEURY,
2008, p. 56); o termo cidadania inicia-se no campo do estudo de T.H.Marshall, na Inglaterra
denominada a estória da cidadania. Pressupõe a inclusão e participação ativa de indivíduos
numa comunidade política, o estabelecimento de vínculos, de crenças, de institucionalidades
que em um sistema integrado compartilha poderes, direitos e deveres atribuídos ao cidadão.
21
O período de 1946-64 é compreendido por alguns autores como
democrático-populista pelas características político-econômicas. Um
exemplo da compreensão do período: o padrão paternalista e
protetor, próprio da ação política getulista, foi substituído por um
padrão nacionalista e democrático que, todavia, preserva o populismo
como traço dominante do governante. De um lado, a dependência
dos países industrializados para obter equipamentos, tecnologia e
financiamento se colocava como questão a ser superada com a
industrialização plena do Brasil, um atraso a ser superado. De outro
lado, o estilo de liderança política, do modo de governar, o carisma
pessoal, a não vinculação orgânica partidária encontraram sua
expressão em governantes da época como Jânio da Silva Quadros,
João Goulart, além do retorno do próprio Getúlio Vargas à
Presidência da República (GOMES, 2008, p.22).
A criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), configuramse como parte integrante de um sistema de Previdência Social baseado na
lógica do seguro social, com o acesso aos benefícios condicionado ao
pagamento de contribuição. O Estado, no atendimento aos excluídos do
trabalho formal e, portanto, não contribuintes do fundo público, amplia sua
intervenção no campo da Assistência Social dando forma, assim, a um sistema
dual de proteção social.
A primeira referência na legislação federal sobre serviços sociais surge
na Carta Constitucional de 1934, com o Estado obrigado a assegurar “o
amparo aos desvalidos e destinar 1% das rendas tributáveis à maternidade e à
infância.” A criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) e a
inserção da Assistência Social na agenda governamental, em pleno Estado
Novo, pelo Decreto-Lei no. 525, de 01.07.1938, define sua função de órgão
consultivo do governo e das entidades privadas, e de estudo dos problemas do
Serviço Social. Na oportunidade e no mesmo instrumento legal, foi criado
também o Ministério da Educação e Saúde.
Formado por pessoas ilustres da sociedade, ligadas ao campo da
filantropia, indicadas e nomeadas pelo Presidente da República, o CNSS, tinha
por funções: a) organizar o plano nacional de serviço social, englobando os
setores públicos e privados; b) sugerir políticas sociais a serem desenvolvidas
pelo governo e c) opinar sobre a concessão de subvenções e auxílios
governamentais às entidades privadas.
A Legião Brasileira de Assistência (LBA, 1942), organizada na
sequência do engajamento do Brasil na 2ª. Guerra Mundial, tinha por objetivo:
22
“prover as necessidades das famílias, cujos chefes hajam sido mobilizados, e,
ainda, prestar decidido concurso ao governo em tudo que se relaciona ao
esforço de guerra” (Decreto Lei 4830, de 15/15/1942). A LBA foi a primeira
instituição de assistência com abrangência nacional e de impacto no
reordenamento institucional do aparelho assistencial privado. Articulando por
iniciativas próprias as brechas da rede assistencial, ampliou rapidamente da
assistência as famílias dos convocados à guerra para áreas assistenciais como
a maternidade e à infância.
De forma geral, a LBA atuava pela via da transferência de recursos
públicos às entidades sociais, instituições particulares por meio de convênios.
Teve um papel preponderante na institucionalização e especialização do
Serviço Social como campo de atuação profissional com aumento dos
trabalhadores sociais, na expansão e solidificação de redes de obras
assistenciais privadas integrando aos municípios as ações antes reservadas
aos Estados e à União. Distribuía benefícios e serviços e encaminhava o
público, baseado em referenciais técnicos como pesquisa, visitas domiciliares e
entrevistas. Um forte aliado ao seu trabalho além das “senhoras da sociedade”,
foram as primeiras damas, consolidando as bases do assistencialismo e do
primeiro damismo, existente até os dias atuais em vários municípios.
As décadas de 1930 e 1940 foram significativas para a consolidação do
sistema de proteção social que combinou o modelo de seguro social6 com um
modelo assistencialista, no âmbito da previdência social. De um lado, uma
“cidadania regulada” pela condição regulada pelo trabalho, e, de outro, uma
cidadania invertida pela condição do acesso a bens e serviços sem
configurarem-se como direito social.
O sistema de proteção social brasileiro até o final da década de 80,
combinou um modelo de seguro social na área previdenciária com um
modelo assistencial para a população sem vínculos trabalhistas
formais. Ambos os sistemas são organizados e consolidados entre as
décadas de 30 e 40. (...) No modelo do seguro social, a proteção
social dos grupos ocupacionais estabelece uma relação de direito
contratual, na qual os benefícios são condicionados às
contribuições pretéritas e à afiliação dos indivíduos a tais
categorias ocupacionais que são autorizadas a operar um seguro (...).
6
Seguro Social: um sistema de cotizações de caráter obrigatório garantido pelo Estado, que
abre acesso a uma renda nos casos em que o risco de doença, invalidez, velhice e
desemprego impeçam o trabalhador de suprir, pela via do trabalho, a sua subsistência
(JACCOUD, 2009, p.p. 59).
23
No modelo assistencialista as ações, de caráter emergencial, estão
dirigidas aos grupos de pobres vulneráveis, inspiram-se em uma
perspectiva caritativa e reeducadora, organizam-se em base à
associação entre trabalho voluntário e políticas públicas, estruturamse de forma fragmentada e descontínua, gerando organizações e
programas, muitas vezes superpostas. Embora permitam o acesso a
certos bens e serviços, não configuram uma relação de direito social,
tratando-se de medidas estigmatizantes e compensatórias. Por isto,
denomino a esta relação, como de “cidadania invertida” na qual o
indivíduo tem que provar que fracassou no mercado, para ser objeto
da proteção social (FLEURY, 1997, p. 76-77 grifos do autor).
No que pese o fato da LBA, em 1969, ser transformada em fundação
pública, vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social e conviver
com outras instituições públicas para a oferta de serviços, programas e projetos
assistenciais, estes continuavam a serem desarticuladas e descontínuos entre
si. Outros organismos foram criados como a Fundação Nacional para o BemEstar do Menor (FUNABEM), em 1964, a Central de Medicamentos (Ceme) e o
Banco Nacional de Habitação (BNH).O governo federal criou o Ministério da
Previdência e Assistência Social (MPAS), em 1978, cuja estrutura contava com
uma Secretaria de Assistência Social, à qual foi destinada a missão de
formular, em caráter consultivo, a política de combate à pobreza.
Efetivamente, na década de 1970, há um esforço na organização dos
“sistemas nacionais públicos de serviços sociais” – educação, saúde,
assistência social, previdência e habitação – buscando maior
universalidade dos serviços, ampliando as coberturas e visando, em
parte, superar a fragmentação e a seletividade que caracterizavam as
políticas sociais governamentais (CIWYNSK, 2007, p. 30 grifos do
autor).
Até o final da década de 1970, o que se compreendia por
desenvolvimento social se confundia com crescimento econômico; afinal, o
sistema econômico previa em seu processo incorporar progresso social e
ganhos de produtividade às corporações, mas, a ausência da incorporação de
direito civis e políticos, denuncia o caráter autoritário do nosso “milagre
brasileiro”: desenvolvimento com o crescimento econômico, mas sem
democracia.
A dívida social passa a ser uma agenda de destaque de partidos
políticos e setores da sociedade. O desafio político do processo de
24
redemocratização que viveu o país na década de 1980 culmina com a
incorporação de direitos sociais na nova Carta Constitucional. No período de
1985-2008, a Constituição Federal - CF/88, na busca de resgatar parte da
dívida social brasileira, ressignificou princípios de justiça e solidariedade,
equidade, alargamento da democracia social, inserindo no âmbito das políticas
sociais as garantias sociais básicas, os direitos aos que gozam de proteção
integral, inscritos na dimensão da ação do Estado.
A Constituição de 1988, refletindo os anseios por maior
descentralização, produziu um novo arranjo das relações federativas.
A redefinição de funções e de poderes de decisão entre as unidades
federadas, que envolveu transferências de recursos da União para
estados e municípios, trouxe fortes consequências para a dinâmica
do gasto social brasileiro no decorrer dos anos 90. No tocante às
receitas, a Constituição aprofunda o movimento de descentralização
que já se vinha configurando desde o início da década de 80.
Redistribuiu
competências
tributárias
entre
as
esferas
governamentais, beneficiando os estados e principalmente os
municípios, além de ampliar transferências constitucionais, que
alteraram a repartição da arrecadação tributária em favor dessas
esferas. Com isso, aumentou a capacidade de financiamento dos
gastos públicos destes entes federados, o que podia significar menor
dependência em relação à União na cobertura das políticas sociais
(CASTRO, 2008, p. 95).
A formatação dos padrões de proteção social ganha materialidade por
meio da provisão de bens, serviços e benefícios destinados aos cidadãos,
podendo alcançar a redistribuição de recursos, como renda, saúde, educação,
cultura, entre outros, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da
população, dando mostras do desenvolvimento de uma sociedade
A
inserção
das
políticas
sociais
brasileiras
no
processo
de
redemocratização, no período pós Carta Constitucional, traz ao cenário
nacional o estabelecimento do paradigma do tripé da seguridade social,
incorporando três políticas de proteção social: a saúde, a assistência social e a
previdência social. A promoção da articulação dos direitos relativos à saúde, à
previdência, à assistência social, afiança o compromisso com a garantia de
segurança e proteção aos cidadãos, diante de riscos como a doença e a
pobreza, relacionada à insuficiência de renda, ao desemprego ou à
incapacidade para o trabalho, incluindo no sistema como segurados especiais,
os cidadãos oriundos da economia familiar e atividade rural.
25
A Carta Constitucional de 1988 eleva a Assistência Social ao status de
Política de Estado (art. 203 e 204), regulamentada por meio da Lei Orgânica da
Assistência Social (Lei nº 8.742, de 1993). Os processos, mecanismos e
instrumentos de sua operacionalização encontram-se, mais recentemente,
definidos e regulamentados na Política Nacional de Assistência Social (PNAS2004), e na Norma Operacional Básica (NOB/2005). No tripé da Seguridade
Social, amplia-se o acesso de cidadãos sem exigência de contribuição prévia,
ampliando as possibilidades de acesso daqueles que estavam fora dos
tradicionais mecanismos de seguridade social. A Assistência Social, assim, se
insere como política social não contributiva, direito a todos aqueles que desta
necessitarem, em decorrência da vulnerabilidade social ou da violação de
direitos, independentemente de sua condição de contribuinte à seguridade
social, devendo ser prestada por meio de serviços contínuos e disponíveis em
todo o território nacional.
7
A inclusão da assistência social na seguridade social , foi uma
decisão plenamente inovadora. Primeiro por tratar esse campo como
de conteúdo da política pública, de responsabilidade estatal, e não
como uma nova ação, com atividades e atendimentos eventuais,
8
Segundo, por desnaturalizar o princípio da subsidiariedade , pela qual
a ação da família e da sociedade antecedia a do Estado. (..) Terceiro,
por introduzir um novo campo em que se efetivam os direitos sociais
(SPOSATI, 2008, p.14).
7
A CF/88 expressa no Art. 194, “A seguridade social compreende um conjunto integrado, de
ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos
relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder
Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:I universalidade da cobertura e do atendimento;II - uniformidade e equivalência dos benefícios e
serviços às populações urbanas e rurais;III - seletividade e distributividade na prestação dos
benefícios e serviços;IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;V - equidade na forma de
participação no custeio;VI - diversidade da base de financiamento;VII - caráter democrático e
descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos
trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”.
(Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (BRASIL, 2010). Foi
regulamentada pelas Leis da Seguridade Social (1991), Lei da Previdência Social (1991),Lei
Orgânica da Assistência Social(1993), e Lei Orgânica da Saúde(1990).
8
A subsidiariedade é um dos princípios básicos da Doutrina Social da Igreja, que regula as
relações do Estado com as pessoas e comunidades. Incumbe ao Estado a obrigação da ajuda,
do apoio, da orientação e provisão nas deficiências e este princípio esteve presente na
encíclica social Quadragésimo Anno de Pio XI (1931), encíclica que confirmou os princípios da
Rerum Novarum (1891). A encíclica evoca a subsidiariedade com a ideia de que o
enfrentamento do desemprego e da pobreza requeria o esforço partilhado de todos, cabendo
ao Estado uma ação indireta por meio de ajudas pontuais tal como a subvenção às obras
sociais (GOMES, 2008; MESTRINER, 2001; SPOSATI, 1994).
26
A política social no período 1990-2002, é marcada por três distintas
fases: 1) a gestão Fernando Collor de Mello, que patrocinou sucessivas
obstruções para tramitação de legislação complementar que efetivasse os
avanços constitucionais, gerou nas políticas públicas um desarranjo financeiro,
abriu as portas da economia nacional ao mercado internacional, reforçando os
processos de internacionalização de nossa economia. Na seguridade social, as
investiduras de desvinculação dos benefícios previdenciários ao valor do
salário mínimo são barradas pela aprovação do Plano de Organização e
Custeio da Seguridade Social. Quanto à saúde, diversos dispositivos sofreram
veto presidencial afetando o financiamento do recém-criado Sistema Único de
Saúde.9.
Com a segunda fase na gestão de Itamar Franco, ocorre a efetiva
consolidação institucional:
De fato, foi no Governo Itamar que se começou efetivamente a
montar e a aplicar a legislação social infraconstitucional, formada por
um conjunto de leis orgânicas: da Previdência Social, da Assistência
Social, da Função Social da Propriedade Fundiária-, além de se
estabelecerem discussões e compromissos assumidos em tono da
educação básica. Esse conjunto de políticas constituiu o núcleo
central da política social brasileira, fundamentada em direitos de
cidadania e de trabalho. Ademais, o Governo Itamar trouxe para a
agenda social a questão da fome e da miséria, dando uma dimensão
política à questão e procurando discutir as responsabilidades
envolvidas em sua solução (CASTRO, 2008, p.98).
É nessa fase que eclode a crise do financiamento da Saúde, as
restrições fiscais, o aumento de despesa da previdência, com redução de
repasse ao Ministério da Saúde, que o obrigou a recorrer a empréstimos junto
ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A pressão financeira exercida
sobre o SUS produziu propostas de financiamento, sendo aprovada no
Legislativo a criação, que seria de caráter temporário, da Contribuição
Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) em 1996, prorrogada até
2002. Paralelamente, em 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional no. 29
9
A saúde só foi incluída e reconhecida como direito de todos pela CF/88. O texto constitucional
propõe um Sistema Único de Saúde para todos os cidadãos e em todo o território nacional.
Convive nesse modelo com o setor privado (individual ou coletivo) que oferece seguros - entre
os quais as antigas mutualidades de base étnica ou profissional - ou serviços lucrativos de
atenção individual para as saúdes clínica, hospitalar, terapêutica,laboratorial (SPOSATI, 2008,
p. 14).
27
que vincula recursos financeiros nas três esferas de governo à saúde,
rompendo quase uma década de crises e instabilidades financeiras.
Com relação à educação, a Constituição estabelecia patamares de
financiamento respectivamente de 25% para estados e municípios e de 18%
para a União; a gratuidade do ensino público, a garantia do ensino infantil
(creches e pré-escola), ensino fundamental, prioritariamente na esfera
municipal, e gradativamente a incorporação do ensino secundário. O impacto
da agenda social e suas vinculações orçamentárias passam a ser tratados por
setores das elites conservadoras como um dos fatores que impulsionavam o
desequilíbrio orçamentário e de ajuste fiscal.
Com o agravamento da crise fiscal do Estado, fato ocorrido em todo o
mundo na década de 1990, as queixas e pressão por reformas foi se
instalando. Assim, na entrada da gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC)
em 1995, a instituição do Fundo Social de Emergência (FSE) viria a conter e
flexibilizar
operacionalmente
o
grau
de
vinculações
orçamentárias,
contingenciando os gastos sociais, tidos como o vilão dos desperdícios de
recursos e ampliação da dívida interna.
A era do Plano Real, desde 1994, sofre pressão pela redução do custo
Brasil (custos sociais e da força de trabalho), pretensamente atribuído às
conquistas sociais aprovadas pela Constituição de 88. O tamanho do Estado
na economia incentiva privatizações com a justificativa da entrada de novos
capitais, redução da dívida interna e externa, da melhoria da qualidade de
prestação dos serviços para atingir suficiência e eficiência econômica em
setores estratégicos, acompanhada do apelo à criação de agências
regulamentadoras em diversos setores da economia. Tais mecanismos de
reforma visavam o ajuste fiscal do Estado monitorado pelo Fundo Monetário
Internacional (FMI),
Mas as salvaguardas jurídicas do Sistema de Seguridade Social, da
vinculação de impostos à educação e, depois de 2000, da vinculação
da saúde, protegem o gasto público vinculado a direitos sociais,
impedindo que esse gasto sucumbisse ao ajustamento recessivo. (...)
não fosse o formato destes sistemas - Regime Geral da Previdência,
SUS, Seguro desemprego, Ensino Fundamental, Benefícios de
Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica de Assistência Social
(LOAS), que gozam da proteção e da segurança jurídica contra cortes
orçamentários (CASTRO, 2008, p.102).
28
O acirramento das desigualdades sociais, aprofundadas pela retração
das empresas com seus rearranjos e reestruturação produtiva provoca a
extinção de postos de trabalho, produzindo processos de precarização e
flexibilização das relações de trabalho, que desencadeia uma onda de
desemprego, aumentando assim a pobreza.
Sem dúvida, o que ficou abalada foi a proteção social dos
trabalhadores. (...) porque os Estados deixaram de exercer a sua
função institucional de reguladores sociais; visando regular as
condições de trabalho e de cidadania. (...) Por outro lado, no contexto
do desemprego estrutural, do crescimento do trabalho informal, e do
aumento dos níveis de pobreza, a diminuição da responsabilidade
social do Estado demonstrada – em todos os países – pelos cortes
nos gastos públicos, principalmente nas áreas sociais, nas
privatizações dos serviços, e, no retrocesso dos sistemas de
seguridade social, deixam claro que a insegurança e a desproteção
social dos trabalhadores são parte de uma lógica neoliberal mais
ampla (CYWINSKI, 2007, p.21).
No rol das políticas públicas, a orientação neoliberal, pela redução de
direitos e redução do tamanho do Estado, transforma em ações pontuais e
compensatórias as respostas à crise social instalada.
As possibilidades preventivas e até eventualmente
redistributivas tornam-se mais limitadas, prevalecendo (...) o trinômio
(...) para as políticas sociais, qual seja: a privatização, a focalização e
a descentralização. (...) Sendo esta última, estabelecida, não como
partilhamento de poder entre as esferas públicas; mas como mera
transferência de responsabilidades para entes da federação, ou para
instituições privadas, e novas modalidades jurídico-institucionais
correlatas (BOSCHETTI e BEHRING, 2006, p.156).
Dentre elas, o incremento de parcerias com as organizações sociais do
terceiro setor para a execução de políticas públicas.
A gestão do Governo Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2003,
estabeleceu
medidas
político-administrativas
que
impulsionaram
ações
políticas de combate à fome, de combate ao racismo, igualdades entre os
gêneros, acesso a moradias dignas, mobilidade urbana, reformas estruturais como as da Previdência Social - a unificação dos programas de transferência
de renda por meio da inovação de ferramentas gerenciais, instalando uma
lógica de articulação dos mecanismos de gestão, avaliação, controle e
monitoramento, expansão das atividades econômicas geradoras de emprego,
29
ampliação dos mecanismos de participação cidadã através do fortalecimento
de conselhos de direitos e de políticas públicas, proporcionando condições de
investimentos no controle social pela sociedade e pelos usuários dos serviços
públicos. A promoção de fóruns, conferências e instrumentos democráticos em
diversas áreas das políticas sociais demonstram que o papel da intervenção
estatal nas políticas sociais possibilita alcançar cidadãos em seus direitos
sociais.
Segundo avaliação apurada nesta gestão pelo IPEA (2010)10,
As transferências provenientes da Seguridade Social no Brasil, em
1978, representavam 8% da renda das famílias. Trinta anos depois,
em 2008, esse tipo de rendimento vindo do sistema de política socialque inclui aposentadorias e pensões, programa Bolsa Família e
Benefício da Prestação Continuada - já representava 19,3% dos
rendimentos familiares. (...) Sem os programas de transferência de
renda, 40,5 milhões de pessoas viveriam com menos de um quarto
de salário mínimo em 2008. Com essa política, cerca de 18,7 milhões
de pessoas vivem nessas condições, uma diferença de 116% (IPEA,
2010, p.15).
A CF/88 trouxe, à geração do presente e do futuro, um compromisso no
sentido de consolidar a direção de um modelo de proteção social brasileiro. Um
sistema de proteção ancorado na concepção de seguridade social e nela,
A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política
11
de Seguridade Social, não contributiva , que provê os mínimos
sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa
pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades
básicas (PNAS, 2004).
10
IPEA, 2010 Comunicado No 59- Previdência e Assistência Social: Efeitos no Rendimento
Familiar e sua dimensão nos Estados, divulgado em Junho/ 2010, Brasília,IN: Revista Desafios
do Desenvolvimento, IPEA, Ano 7, no. 63, Outubro /Novembro de 2010. p.15.
11
A Proteção Social contributiva: destina-se a indivíduos que se filiam à previdência social ou
seguro social em função de sua contribuição mensal ao sistema, é pré-paga e atende somente
aos seus filiados e não a toda população. Tem sua regulação disciplinada pela legislação social
do trabalho, pela formalização de um contrato de trabalho e direitos trabalhistas, seguro social
na forma de previdência social. E, representação na forma de sindicatos, associações e
centrais sindicais. A Proteção Social Não Contributiva: destina-se a indivíduos que acessam
serviços e benefícios sociais sem pagamento prévio, sem vinculação financeira, isto porque, a
oferta das atenções sociais são financiadas pelo orçamento público, cuja receita vem de
impostos e taxas, sendo seu custo e seu custeio rateado por todos os cidadãos. Os embates
mais constantes desta forma de provisão de atenções, esbarra ainda, na comprovação ou
testes de meios, ou seja, o indivíduo deve demonstrar que é pobre, que não tem renda, que é
carente, transformando os atendidos por um benefício ou serviço em necessitado social, um
não cidadão. Uma antítese do direito à cidadania.
30
A inclusão da política de assistência social, como afiançadora de direitos
e como um campo de proteção social não contributivo, implica um modelo12,
uma direção, um caminho a ser percorrido, um vir a ser.
Segundo Sposati, modelos são “um vir a ser”, que exige na realidade e
em seu tempo histórico, uma capacidade de reler, rever, reconstruir e construir
“um
novo”.
No
caso
do
Brasil,
as
suas
dimensões
continentais,
heterogeneidades e diferenças regionais serão um desafio ainda maior.
A CF/88, ao afiançar os direitos humanos e sociais como
responsabilidade
pública
e
estatal,
operou,
ainda
que
conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na
agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então
consideradas de âmbito pessoal ou individual (SPOSATI, 2009, p.13).
A política de assistência social, segundo Sposati (2009), “(...) é uma
política que atende determinadas necessidades de proteção social e é,
portanto, o campo em que se efetivam as seguranças sociais 13 como direitos”,
ou seja: a) segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia; b)
segurança de acolhida; c) segurança de convívio ou vivência familiar.
Como uma política de proteção social que protege, defende, preserva e
afiança seguranças sociais e respeito à dignidade de seus cidadãos, opera
preventivamente e protetivamente nas situações de riscos sociais. Expressada
por meio das três funções: proteção, defesa e vigilância social, resguardadas
pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 200414, reúne
princípios, diretrizes em consonância com a LOAS e seus dispositivos. Em
destaque, seus objetivos se realizam de forma integrada às demais políticas
setoriais, entendendo que ela sozinha não fará o enfrentamento das situações
de desproteções dos indivíduos, deixando de ter o caráter processual e de
12
Modelo: “o arranjo de um conjunto de elementos e de relações, que, juntos, criam um
sistema de referências que simula e prevê aonde se quer chegar, è um meio de dar coerência
e comunicar uma concepção, uma idéia a ser concretizada (SPOSATI, 2009, p.p. 20).
13
A concepção “(...) segurança social, está sendo tratada como bem público e social do
estatuto de uma sociedade para alcançar todos os membros. Portanto, trata-se de um pacto
que inclui a universalidade da proteção social na seguridade social” (SPOSATI, 2009, p. 15).
14
A PNAS teve seu texto final aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS)
pela Resolução 145, de 15.10.2004 e publicada no DOU em 28/10/2004, após amplo processo
de construção coletiva e descentralizada envolvendo diversos setores da sociedade. “A
assistência social, como política de proteção social, significa garantir a todos que dela
necessitarem, e sem contribuição prèvia à provisão dessa proteção” (PNAS, 2004, p.11).
31
transição para as demais políticas públicas, pois traz, em sua gênese, os
alicerces programáticos de política pública, dever do Estado e direito dos
cidadãos/ãs.
Considerando
as
desigualdades
territoriais,
estratégia
para
o
enfrentamento das desproteções, opera proteções afiançadoras de prevenção
a riscos sociais desenvolvendo potencialidades e capacidades, aquisições,
fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, garantindo mínimos
sociais. A política de Assistência Social objetiva: i) prover serviços, programas,
projetos e benefícios de proteção social básica e/ou proteção especial para
famílias, indivíduos e grupos que dela necessitarem; ii) contribuir para ampliar
acessos a bens materiais e imateriais, processando direitos socioassistenciais
básicos e especiais; iii) assegurar que as ações tenham centralidade na família
e garantam a convivência familiar e comunitária.
Como responsabilidade do poder público, deve alcançar os cidadãos em
suas necessidades extensivamente, ou seja, para além do seu domicílio, nas
ruas, nos espaços institucionais de guarda e cuidados, não se limitando ao
formal, mas também atuando sobre a transgressão, violações e agressões.
Afinal, risco social não advém de situações individuais, mas coletivas, no
espaço
das relações humanas e
sociais.
Desconstruir uma
história
conservadora de proteção que sempre teve a assistência social, vinculada com
a miséria e a pobreza, enfrentada através de ações centralizadoras, focalistas,
residuais e descontínuas, é um desafio. Transmutar para uma concepção de
proteção social, compreendida como de defesa dos direitos humanos,
universalista de cidadania, defendendo a vida, os direitos, e as relações
sociais, pressupõe o enfrentamento a agressões e violações da vida relacional,
que, segundo Sposati (2009, p.25) compreendem: o isolamento “(...) em suas
expressões de rupturas de vínculos, desfiliação, solidão, apartação, exclusão e
abandono”, que podem afetar os indivíduos em suas várias fases e ciclos de
vida (infância, juventude e velhice), a resistência à subordinação: reduzindo
suas capacidades e potencialidades, expondo ao agravamento das condições
de sobrevivência econômica, emocional e relacional, a na resistência à
exclusão social: em todas as suas expressões e modos ofensivos à dignidade
humana, como de discriminação, apartação, estigmas e despertencimento
sociais.
32
A dinâmica da construção do tecido social, seu esgarçamento e
coesão estão inseridos nesses campos de ação da Assistência
Social. E do ponto de vista dos direitos, cabe à Assistência Social
prover a rede de atenções para que a dignidade humana seja
assegurada e respeitada (SPOSATI, 2009, p.25).
O modelo de proteção social não contributiva que o país consagrou
desde a CF/88, assenta-se em princípios tais como o da universalidade e
equidade e isto quer dizer que os direitos de proteção social podem ser
acessados por qualquer cidadão, em qualquer lugar do país e em iguais
condições de acesso. Outro princípio, sobre o qual neste trabalho lidaremos
com maior aprofundamento, é o da matricialidade familiar. Previsto na CF/88,
A assistência social será prestada a quem dela necessitar,
independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por
objetivos:
I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à
velhice,
II - o amparo às crianças e adolescentes carentes;
III - a promoção da integração ao mercado de trabalho. (BRASIL,
1988, art. 203)
Assim, a centralidade de proteção social à família e seus membros vem
do reconhecimento dos efeitos que o processo de desigualdade e exclusão
social geram nas famílias brasileiras, expondo-as a riscos15 e violações de/e
em seus direitos.
O atual modelo de proteção, segundo Sposati (2009), apresenta, ainda,
cinco características que demarcam seu processo de gestão em todo o
território
nacional,
que
são:
a)
a
assistência
social
reconhecida
constitucionalmente como política de direitos, operando serviços e benefícios
socioassistenciais; b) política de caráter federalista, articulada e organizada nos
três níveis da esfera de governo: federal, estadual, municipal; c) que opera
suas ações através de um Sistema Único, aos moldes das demais políticas
sociais; d) a participação e o controle social, através de conselhos de
15
“Os riscos provocam padecimentos, perdas, privações e danos, como ofensas à integridade
e à dignidade pessoal e familiar, por isso conhecer onde os riscos sociais se assentam é
seguramente matéria primordial para aqueles que trabalham com proteção social” (SPOSATI,
2009, p. 30).
33
composição paritária, de caráter deliberativo, nos diferentes níveis de gestão
da política que aprovam acompanham e fiscalizam os planos, os fundos e o
nível de relacionamento com o SUAS, bem como a articulação em fóruns,
conferências e, finalmente, e) pelo estabelecimento de instâncias de pactuação
de caráter estadual (Comissão Intergestora Bipartite-CIBs) e nacional
(Comissão Intergestora Tripartite-CIT), com a finalidade de pactuar padrões de
serviços, cobertura, distribuição e redistribuição de recursos financiadores,
metas de cobertura, territorialização das ofertas, fortalecendo o caráter políticogerencial do sistema de proteção.
A consolidação do recente modelo de proteção social de caráter não
contributivo que estamos operando no país carece, ainda, de muita reflexão e
mudanças, na medida em que não bastam os instrumentos legais serem de
ampla completude, precisam estar no cotidiano da sociedade as concepções
de rupturas que o sistema propõe, ou até reconstruir o olhar, o vir a ser, da
assistência social como uma política de direitos. E fazer chegar à compreensão
dos
cidadãos,
sujeitos
em
potencial,
os
significados
dos
direitos
socioassistenciais afiançados por esta proteção.
2.1.1 O diálogo entre a Política de Assistência Social e o SINASE
Uma sociedade reconhece determinados riscos sociais e exige que o
Estado intervenha no processo de combate às desigualdades e à pobreza,
assumindo (o Estado) a responsabilidade pela sua defesa e proteção (da
sociedade). Os consensos, pactuados por esta sociedade, definem o que
considera por princípios de justiça, de equidade, de solidariedade, de inclusão
social, e os limites suportáveis para a desigualdade social.
O sistema de proteção social, não contributivo a partir da CF/88, supõe
o efetivo dever do Estado, conforme coloca Gomes (2008):
A primazia do Estado na condução e organização da proteção social
fica clara no conjunto dos objetivos a serem alcançados. Essa
inscrição da assistência social como política da seguridade social,
inaugura seu reconhecimento como área de responsabilidade pública
pela vigilância e garantia do direito às seguranças sociais, à proteção
da dignidade humana (bem como combate às suas violações), às
34
populações vulnerabilizadas pela contingência etária e por
fragilidades da convivência familiar e societária. Implica, também,
ampliar a responsabilidade social estatal, quer seja por meio da
atenção direta às necessidades de proteção social, quer seja por
meio de regulações próprias de um novo patamar da relação públicoprivado, baseado na construção de parcerias sob o ângulo maior do
interesse público (GOMES, 2008, p.22).
Tal compreensão significa redefinir, no campo de ação da política de
assistência social, os conteúdos dos direitos aos cidadãos rompendo com o
paradigma de que ela seja uma política residual, de baixo alcance e
resolutividade e um espaço de transição para outras políticas sociais.
Como toda política social, esta se revestiu de conflitos e disputas por
interesses diversos. O movimento histórico das forças sociais que sempre
estiveram na arena destes embates, configuraram duas concepções sobre a
assistência social:
Uma que [concepção], nos termos da CF/88, busca configurá-la como
política de Estado (dever do Estado) e direito da população. Essa
direção exige órgãos públicos gestores com capacidade para operar
as funções da assistência social, que sejam reguladores, com
recursos humanos públicos e gestão democrática e também com
transparência dos fundos. (...) Uma Política Pública Nacional.
Outra [concepção] que interpreta a CF/88 pelo princípio da
subsidiariedade, isto é, o Estado deve ser o último e não primeiro a
agir. Neste sentido, opera a assistência social sob o princípio da
solidariedade como ação de entidades sociais subvencionadas pelo
Estado. Sob essa ótica não há interesse em ter recursos humanos
estatais ou fortes regulações para a inserção de entidades na rede
socioassistencial. (...) A ausência do Estado é natural (SPOSATI,
2009, p. 16).
O estabelecimento do pacto federativo é uma medida imperativa e
necessária à condução dos desafios que o novo sistema de proteção impõe. A
primazia do Estado, não só na condução e regulação da política bem como na
efetivação de financiamento, deve observar as heterogeneidades e as
diferenças regionais. A construção do Sistema Único que dê possibilidades de
operar a gestão desta política se torna uma questão fundamental, dado que a
organicidade da sua operacionalização é o que oportunizará condições para a
consolidação da política no âmbito das três esferas de gestão do governo. O
SUAS (2005) se constitui como um modelo de gestão que em consonância
35
com a LOAS (1993)16 e a PNAS (2004), é descentralizado e participativo e
regula
a
organização,
em
todo
o
território
nacional,
das
ações
socioassistenciais.
O SUAS (2006) tem como princípio norteador:
i) a matricialidade
sociofamiliar; ii) a descentralização político administrativa e territorialização; iii)
as novas bases de regulação entre o Estado e a sociedade civil; iv)
a
participação do cidadão/usuário; v)financiamento; vi) controle social, vii) política
de recursos humanos; viii) sistema de informação, avaliação e monitoramento.
O Suas (BRASIL, 2005) responde pela operacionalização das funções da
política de Assistência Social, a saber:
- A Vigilância Social: capacidade de identificar, sistematizar, monitorar
indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidades e risco
pessoal e social que incidem sobre famílias/ pessoas nos diferentes ciclos de
vida, dentre elas: crianças e adolescentes vitimas de várias formas de
exploração e violência, preconceito, discriminação por etnia, gênero, opção
sexual, vigilância sobre os padrões de serviços socioassistencias ofertados.
- A Proteção Social: a) Segurança de sobrevivência ou de Rendimento e de
autonomia: através de benefícios continuados e eventuais que assegurem
proteção básica ao sustento familiar ou pessoal, principalmente a mulheres
chefes de família e a seus filhos; b) Segurança de convívio ou vivência familiar:
através de ações, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoas e
familiares, de vizinhança, mediante a oferta de experiências socioeducativas,
lúdicas, socioculturais, desenvolvida em rede de núcleos socioeducativos e de
convivência para os diversos ciclos de vida; c) Segurança de Acolhida: através
de ações, atenções, serviços e projetos operados em rede destinados, a
proteger e recuperar situações de abandono e isolamento de crianças,
adolescentes, jovens, adultos e idosos e proporcionar autonomia, convívio,
aquisições pessoais para aumento das capacidades e potencialidades.
16
A regulação dos alicerces da política de proteção, assistência social, foram promulgadas
através dos instrumentos legais: Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8742/93); NOB
01/97 (Portaria nº 35 De 26/12/1997);Política Nacional de Assistência Social e NOB 2
(Resolução nº 207 de 16/12/1998); Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004
(Resolução nº 145 de 15/10/2004); Norma Operacional Básica NOB/SUAS (Resolução nº 130
de 15/7/2005), NOB-RH/SUAS (Resolução nº 269 de 26/12/2006).
36
- Defesa Social e Institucional: da proteção básica e especial garantindo o
conhecimento por seus usuários de seus direitos socioassistenciais. São
direitos socioassistenciais a serem conhecidos e defendidos, dentre outros, o
atendimento digno, o acesso à informação, a oferta qualificada de serviços, a
convivência familiar e comunitária. A Defesa Social e Institucional também
ampara e vigia as situações sociais que violem direitos e provê a oferta de
serviços socioassistencias que processem direitos socioassistencias.
A centralidade do papel do Estado na condução da política tem o caráter
de garantir que acessem, com igualdade de condições, as pessoas que dela
necessitarem, cabendo-lhe estruturar e resguardar para que as atenções
sociais demandadas sejam garantidas por toda a Rede de Proteção
Socioassistencial, com o objetivo da proteção ao ciclo de vida de indivíduos,
atuando de forma a prevenir diferentes estágios de desproteção social, com
apoio às fragilidades decorrentes dos eventos humanos e sociais que podem
incorrer em exposição dos sujeitos sociais a riscos e vulnerabilidades,
processando em seu interior direitos socioassistencias. A ela se somam
organizações e entidades sociais de Assistência Social que operam serviços,
programas e projetos.
Isto não exclui a responsabilidade pública do Estado pela proteção
social de seus cidadãos: na realidade, realiza a extensão de suas funções de
caráter público a parceiros co-financiados pelo orçamento público. A nova
relação público-privado, aqui entendida, tem por objetivo romper com uma
organização
do
trabalho
de
caráter
subalternizante
da
população
demandatária, com a fragmentação das ações e desvinculação da garantia de
direitos.
Segundo a NOB/SUAS (2005),
O SUAS é sistema público não contributivo, descentralizado e
participativo, tem por função a gestão do conteúdo específico da
assistência social no campo da proteção social brasileira que: a)
consolida o modo de gestão compartilhada, o co-financiamento e a
cooperação técnica entre os três entes federativos, de modo
articulado e complementar, operam a proteção social não contributiva
de seguridade social no campo da assistência social; b) estabelece a
divisão de responsabilidade entre os entes federados para instalar,
regular, manter e expandir, regulando em território nacional, os
vínculos a hierarquia, e as responsabilidades do sistema de serviços,
benefícios, programas, projetos e ações de assistência social, de
37
caráter permanente e eventual, sob critério universal e em lógica de
rede hierarquizada nos três níveis de governo; c) respeita as
diversidades e desigualdades regionais e municipais que
condicionam os padrões de cobertura do sistema, seus diferentes
níveis de gestão (inicial, básica e plena) considerando-as no
planejamento, execução e oferta das ações; d) se articula na
perspectiva de Rede Socioassistencial com entidades e organizações
da sociedade civil, reconhecendo sua participação através do Vínculo
ao SUAS ( BRASIL,NOB/SUAS, 2005).
No rumo da descentralização político administrativa, e na sua
operacionalização, vem dialogando com as demais políticas sociais, tais como,
a educação, habitação, saúde, transporte, desenvolvimento urbano, segurança
alimentar e nutricional, dentre outras, respondendo também por parte dos
direitos de crianças e adolescentes, e mais especificamente, tem interface com
o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)17, na oferta de
programas, projetos e serviços socioassistenciais à famílias e adolescentes em
conflito com a lei, definido como
(...) um subsistema dentro do Sistema de Garantia dos Direitos (SGD)
que rege a política de proteção especial e de justiça, compreendendo
aqui o atendimento ao adolescente autor de ato infracional desde o
processo de apuração até a aplicação e a execução da medida
socioeducativa. O SINASE se comunica e sofre interferência dos
demais. (...) sistemas internos ao Sistema de Garantia dos Direitos
(tais como saúde, educação, assistência social, justiça e segurança
pública). Por isso, um dos principais conceitos definidos no
documento que o apresenta é o da incompletude institucional que traz
em seu bojo a ideia de integração das políticas na realização dos
direitos dos adolescentes autores de ato infracional (SOUZA, 2008,
p.19).
O SINASE18, representado por um conjunto ordenado de regras,
critérios, princípios de caráter político, jurídico e pedagógico, administrativofinanceiro, envolvendo todas as políticas, planos e programas específicos de
17
A natureza das medidas socioeducativas estão no âmbito do ECA – Estatuto da Criança e do
Adolescente (Lei 8.069/90) e no SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo
(Resolução nº 119 do CONANDA, de 11 de dezembro de 2006)
18
O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-(SINASE), apreciado em plenária no
Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente-(CONANDA), teve aprovada sua
constituição em junho de 2006 (Resolução n.119 de 11/12/2006). O Presidente da República Sr
Luiz Inácio Lula da Silva, em 09 de Agosto de 2006, prontamente instituiu na Secretaria
Especial de Direitos Humanos (SEDH), da Presidência da República, uma Comissão
Intersetorial de Acompanhamento do SINASE, com a participação do CONANDA, do CNAS e
de outros 12 ministérios e secretarias especiais para estudo, apreciação, e operacionalização
da medida.
38
atenção ao adolescente em conflito com a lei, que são organizados em âmbito
nacional, estadual, distrital ou municipal.
Com base no princípio da “incompletude institucional”, o SINASE
compreende a participação orgânica das políticas sociais para efetivar a
proteção integral dos adolescentes em conflito com a lei. É de responsabilidade
dos entes federados em todos os níveis de gestão, neste conjunto articulado de
ações e competências, a concretização dos direitos humanos e sociais em
cada campo de política social. Este desafio também é partilhado com a
participação da sociedade civil, sujeito emergente nas ações de controle social,
através dos Conselhos de Direitos e demais espaços institucionais de
participação democrática.
Trata-se de novos rumos técnicos e políticos no modo de gestão pública
para a atenção aos adolescentes em conflito com a lei, que exige mudanças
culturais profundas. Para tal é preciso adotar um conjunto de iniciativas, tais
como: a capacitação continuada sobre a Doutrina Integral com temáticas
específicas
relacionadas
à
problemática
do
ato
infracional
e
suas
repercussões; o estabelecimento de fluxos, procedimentos, pactuações e
protocolos conjuntos na perspectiva de aprimorar o sistema de atendimento
socioeducativo, difundindo o conceito do respeito conjunto às atribuições e
competência de cada sujeito envolvido.
O SINASE reafirma a diretriz do ECA sobre a natureza pedagógica da
medida socioeducativa, inspirada nos acordos internacionais sobre os direitos
humanos do qual o país é signatário, em especial, a de crianças e
adolescentes. Outrossim, ao priorizar as medidas em meio aberto, prestação
de serviços à comunidade19 e liberdade assistida20, em detrimento das medidas
As medidas socioeducativas de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), consiste “na
realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses,
junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem
como em programas comunitários ou governamentais”(ECA, art.117). As tarefas devem
observar as aptidões dos adolescentes e cumpridas numa jornada máxima de oito horas
semanais; de segunda a sexta, finais de semana ou feriados, não prejudicando a frequência
escolar ou a jornada normal de trabalho.
20
A medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), consiste, “no acompanhamento,
auxílio e orientação ao adolescente por um orientador, pessoa capacitada designada por uma
autoridade competente, podendo ser recomendado por entidade ou programa de atendimento.
Pode ser fixada no mínimo em seis meses, podendo ser revogada ou substituída a qualquer
tempo, ouvido o orientador. O orientador deve: orientar e inserir o adolescente em programas
oficiais ou comunitários de auxílio e assistência social; supervisionar a frequência escolar,
19
39
privativas de liberdade (internação, semiliberdade), prioriza a diretriz prevista
no ECA, sobre a municipalização da política de atendimento (ECA, art. 88,
inciso I).
A Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida determinada ao
adolescente autor de ato infracional menos grave é aplicada por uma
autoridade judicial, tendo, na figura do orientador, o responsável pelas ações
de escuta, acolhida, encontros individuais e em grupos, as visitas domiciliares,
as atividades programadas, o planejamento participativo com adolescente, o
envolvimento da família, o monitoramento e inserção em serviços e programas
da rede de serviços, a articulação com os demais integrantes do Sistema de
Garantia de Direitos, até o encerramento da medida. A MSE é prevista como
de competência, responsabilidade e execução municipal pelo ECA.
As orientações do SINASE, como sistema integrado, articulado nos três
níveis de gestão pública, privilegiam a municipalização na atenção ao
adolescente autor de ato infracional, considera a intersetorialidade e a coresponsabilidade com família e a sociedade, em um diálogo direto com os
demais integrantes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), tais como, o
poder Judiciário e o Ministério Público,ou seja,
O significado da municipalização do atendimento no âmbito do
sistema socioeducativo é que tanto as medidas socioeducativas
quanto o atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei
devem ser executados no limite geográfico do município, de modo a
fortalecer o contato e o protagonismo da comunidade e da família dos
adolescentes atendidos (ABMP, 2006, p. 29).
O contraponto para a redução da incidência do uso de medidas
restritivas de liberdade se processará mediante a articulação de políticas
intersetoriais em nível local, e a consolidação de redes de apoio nas
comunidades; a regionalização das unidades de privação de liberdade, a fim de
garantir o direito à convivência familiar e comunitária dos adolescentes em
medida de internação até porque o aumento da aplicação de medidas de
privação de liberdade não corrobora para a inclusão social dos egressos do
sistema socioeducativo.
diligenciar pela profissionalização e inserção no mundo do trabalho, e relatar o
acompanhamento” (ECA, art. 112, inciso IV, art. 118 e 119).
40
O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente
(SGD) constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas
governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos
normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção,
defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e
do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
Compete ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do
Adolescente promover, defender e controlar a efetivação dos direitos
civis, políticos, econômicos, sociais, culturais coletivos e difusos, em
sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de
modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de
direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento;
colocando-os a salvo de ameaças e violações a quaisquer de seus
direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e
violações (SOUZA, 2008, p.19).
Figura 01 - O SINASE e o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes
Fonte: SINASE (ABMP, 2008, p.23)
Os princípios e diretrizes previstos no ECA (municipalização da política
de atendimento) sintonizados com a LOAS (descentralização políticoadministrativa), coadunam-se na consolidação dos instrumentos de gestão,
coordenação, financiamento e execução das ações que propiciem a vivência
dos direitos socialmente constituídos, em nosso estudo, a famílias e
adolescentes em conflito com a lei.
41
Tomamos por base as contribuições de Souza (2008) e avançamos na
compreensão de que há aspectos, características e elementos dessa
semelhança que devem aproximar e potencializar os sistemas em seus objetivos
finalísticos. Há desafios inerentes às políticas sociais, pois sendo nossa
Constituição jovem, o modelo de proteção social também o é.
O Quadro 1 abaixo pode evidenciar as aproximações do Sinase com a
Política de Assistência Social.
Quadro 1- Articulação do SINASE com o SUAS na municipalização de MSE em meio aberto
Destaques
A PNAS/ SUAS prevê
articuladores
1.
O ECA/ SINASE
prevê
Público Alvo
A Proteção a
Cidadãos/grupos independente
No SUAS, o ambiente familiar
de prévia contribuição,
já é o primeiro a exercer a pelavulnerabilidade ou riscos
função de proteção social que
sociais, resultante de
deve ser fortalecido, bem como fragilidades de vínculos
o grupo familiar passa a ser familiares, comunitários ou
sujeito da política de proteção societários. Dentre eles, o
pelo Estado
adolescente em conflito com a
lei
2.Participação popular e controle
social (artigo 204 da CF/88)
Ambas operam o disposto constitucional
através de conselhos deliberativos,
tornando fundamental a relação entre
ambos nas deliberações sobre o serviço
de proteção social de média
complexidade de MSE LA e PSC
Proteção integral a
crianças e
adolescentes, e
excepcionalmente
jovens até 21 anos,
em decorrência da
prática de ato
infracional.
O CAS- Conselho de
Os CDCA- Conselho
Assistência Social,
de Direitos da Criança
instância deliberativa do e Adolescente, órgão
sistema descentralizado deliberativo, formulador
e participativo, delibera, controlador,
nas três
fiscaliza, tem
de esferas de governo.
composição paritária nas
três esferas de governo
(governo, trabalhadores,
usuários, entidades
prestadoras de
serviços).
O SINASE concretiza
3. Organização em sistemas
O SUAS materializa
direitos fundamentais,
articulados
direitos
preza o princípio da
Ambas se organizam em sistemas
socioassistencias a
incompletude
articulados nas três esferas de governo. todos os cidadãos, em institucional,
define
E integram o SGD em suas
todas as etapas da vida, diretrizes,
especificidades.
preza o princípio da
recomendações,
e
incompletude
responsabilidades para
institucional, operada
a
organização
do
sob primazia do Estado. sistema, com foco no
ACL .
42
O
ECA,
dá
concretude ao art.
227 da CF/88, na
organização
da
política pública que
transversaliza
as
demais
políticas
sociais.
No Suas, a proteção social é No ECA Proteção e
5.Proteção Especial
hierarquizada em proteção
defesa de direitos é
Ambas prevêm a proteção
Básica (preventiva e protetiva pela condição peculiar
especial, podendo potencializar as situações de risco e
de
pessoa
em
ainda mais a execução das
vulnerabilidades) e Especial,
desenvolvimento.
MSE no SUAS.
esta última de média e alta
Prioridade
absoluta
complexidade (nas situações de preferência
na
violações de direitos)
formulação
de
políticas sociais e
destinação
de
recursos.
6. Formas de Atendimento das No SUAS a competência pela O ECA prevê a
MSE em meio aberto
atenção é do CREAS- Centro responsabilidade dos
Um grande desafio é a garantia de Referência Especializados órgãos do governo
da instalação de CREAS
de Assistência Social, operados que
integram
o
mantendo a regionalização e
pelo Serviços de Proteção
sistema. e o SINASE
proximidade geográfica do
Social a Adolescentes em
indica as diretizes.
adolescente a seu meio, de
cumprimentos de MSEs de LA
forma a possibilitar o direito à ou PSC.
convivência familiar e
comunitária.
4. Organização da política
pública
Ambas no sistema de proteção
social brasileiro estão
consolidando seus campos e
conteúdos de política pública.
A PNAS 2004 organiza a
política de proteção social não
contributiva, ratificando a
assistência social integrante do
campo da seguridade social.
7. Prevalência dos Direitos
Humanos.
Ambas são regidas pelo
fundamento da dignidade e
defesa da condição e dos
direitos humanos.
Como política de proteção
social a todos os cidadãos,
baseia-se nos princípios
universais dos direitos
humanos.
Como
proteção
integral a criança e
adolescente baseiase
nos
princípios
universais dos direitos
humanos.
Fonte: SOUZA (2008, p. 39-44) reelaborado pela pesquisadora em 2010.
A partir da possibilidade que a articulação integrada cria, a condução
intersetorial das ações unifica esforços e reproduz avanços, quer pelo impacto
que a oferta e cobertura de serviços pode amealhar na redução dos
indicadores e índices de reincidência dos atos infracionais, ou pela pressão que
o conjunto das ações podem produzir nas condições de desproteções a que
estão sujeitos as famílias e adolescentes em conflito com a lei.
43
2.1.2 A Municipalização de MSE no campo da Assistência Social
O Estado de São Paulo aprovou pela Lei Estadual 12.469 de 22/12/2006
a mudança de denominação da FEBEM/SP para Centro de Atendimento
Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA), subordinada à Secretaria
de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania. Neste ano, estava em curso e
norteada pelo SINASE, o processo de municipalização de MSE em meio
aberto, e estabelecido convênio com 21 prefeituras em Junho/06, com
supervisão, assessoria técnica e suplementação financeira para o atendimento
do programa de medida de liberdade assistida.
A trajetória desta municipalização na Região do Grande ABC, composta
por 07 (sete) municípios (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano
do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra), foi vinculada à
Unidade do Posto Grande Sul, criada pela Portaria 078, de 30 de Janeiro de
2004 da ex-FEBEM, como mecanismo descentralizado de execução do
atendimento da liberdade assistida na região.
Este Posto, em 1989, contava com 01 coordenador, 01 monitor e 01
funcionário do setor administrativo. Além do atendimento ao ACL, atendia as
famílias e aos “casos da comunidade encaminhados pelo poder judiciário local
e da capital, atuando com subsídios para as situações de decisão judicional,
quanto à desinternação” (FUNDAÇÂO CASA, 2010, p.43). Houve iniciativas de
descentralização do atendimento em espaços cedidos pela municipalidade nos
municípios de São Bernardo do Campo, Diadema, Mauá; em 1995, ocorre a
cessão de espaço nas dependências da Divisão Estadual de Assistência Social
(DAR/Grande Sul), data desta época a proximidade com o debate sobre a
LOAS, a participação nos encontros preparatórios e conferências municipais e
o diálogo sobre a atuação dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e
do Adolescente (CMDCA) e Conselhos Tutelares da Região. Em 1997, a
44
FEBEM, via Posto Sul, celebra o primeiro convênio com ONG´s, para o
atendimentos de 100 (cem) adolescentes em LA.
A partir da mobilização regional dos Conselhos Municipais de Direitos
da Criança e do Adolescente, de militantes dos movimentos de defesa, de
organizações sociais, participantes no Consórcio Intermunicipal da Região do
Grande ABC, surge em 1997 o Movimento Criança Prioridade Um, com o
objetivo de articular debates, encontros e estudos regionais, de propostas e
metas prioritárias de políticas públicas atendendo aos direitos de crianças e
adolescentes e, nesse movimento, a questão do adolescente em conflito com a
lei ganhou força.
O final da década de 1990 destaca-se por várias iniciativas que
fortaleceram na região o debate sobre o art. 88 do ECA: a municipalização do
atendimento. Um deles foi o encampado pela Câmara Regional do Grande
ABC21, quando da assinatura do primeiro acordo com os sete municípios para
implementação da medida socioeducativa de Prestação de Serviços à
Comunidade,
a
reestruturação
metodológica
da
antiga
FUBEM,
hoje
denominada Fundação Criança em São Bernardo do Campo, a instalação em
1998, da Vara da Infância e Juventude de S. B. do Campo, em 1999, em Santo
André, o que veio agilizar processos até então ligados à Vara do Júri e
Execuções Criminais.
No inicio da década de 2000, em Santo André, sem a devida
municipalização e deliberação do CMDCA, ocorre o atendimento indireto da
MSE de LA, através de convênio da FEBEM com uma Organização Social. Os
anos de 2003-2005 foram de releituras, negociações, assessoria técnicoadministrativa e normatização de procedimentos e pactuações entre o Posto
Grande Sul e os municípios, com o intuito de fortalecer a perspectiva da
municipalização. Em 2006, o processo de municipalização estabelecido pela
Fundação CASA desencadeia por meio da portaria GP 225/06 de 15/03/2006,
o lançamento do Caderno de Gestão, que figura como orientação básica para
procedimentos, fluxos aos executores das medidas em meio aberto. Na Região
do ABC, ocorre na cidade de Mauá a instalação da primeira Unidade de
Internação - a Casa Mauá.
21
Compõe a Região do ABCDMRR, os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo,
São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra.
45
Os anos de 2006-2009 foram de intensa mobilização com amplas
discussões, capacitações, e parcerias no âmbito regional. Os municípios
promoviam a implantação dos CRAS, do CREAS e debatiam o SINASE, ora
pelo chamamento dos Conselhos Municipais de Assistência Social e Conselhos
Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, ora pelo chamamento do
Posto Grande SUL, e, pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, ora pelos
municípios, reforçando as articulações sobre as metas para a municipalização
das medidas em meio aberto e o debate sobre o modelo das unidades
regionalizadas de meio fechado (internação, semiliberdade e internação
provisória). Este processo, segundo a Fundação CASA (2010, p.47) culminou
com a assinatura dos Termos de Cooperação Técnica com as respectivas
prefeituras, na municipalização das MSE nos municípios de São Caetano do
Sul (01/09/2007), no município de Mauá
(01/03/2008), em Santo André
(01/07/2008), e no município de Ribeirão Pires (01/10/2008), sendo as
unidades administrativas responsáveis pela política de assistência social local,
as gestoras das atenções municipalizadas das MSE em meio aberto. A
passagem definitiva das atribuições, competências, responsabilidades do
Estado quanto à execução direta das MSE em meio aberto foi finalizada no
âmbito dos municípios da Região do ABC a partir de Janeiro de 2010.
O ano de 2008 marcou o início da transição das
medidas
socioeducativas em meio aberto, envolvendo a Frente Paulista dos Municípios
(fórum de gestores da Assistência social), a Fundação CASA e a Secretaria de
Estado de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS). Um projeto piloto,
envolvendo 13 municípios em 2009 da Região do Posto de Presidente
Prudente, foi assinado com a SEADS/Fundação CASA, avaliando a dinâmica
do serviço e do atendimento, as adequações e normativas aprovadas pelo
SUAS e indicadas pelo SINASE. A partir de 2009, este processo foi expandido
a vários outros municípios, a partir dos debates e deliberações efetivados pelos
Conselhos de Assistência Social e gestores locais, culminando em 2010 com a
municipalização das MSE no âmbito municipal da região.
Viabilizada a forma de gestão proposta pela LOAS, no artigo 6º do
Capítulo III, que prevê um sistema descentralizado e participativo, com
participação
popular,
autonomia
da
gestão
municipal,
divisão
de
responsabilidades e de co-financiamento entre as três esferas de governo e da
46
sociedade civil, introduziu-se um novo olhar sobre a realidade que vive o
demandatário da proteção social, no chão dos territórios de vida, nos
municípios, que do ponto de vista federal, são a menor escala administrativa
governamental.
Na perspectiva da PNAS, tornou visível os invisíveis, e adotou três
vertentes para a construção da proteção social: as pessoas, as circunstâncias
e o primeiro núcleo de apoio, a família. Os elementos que configuram as
territorialidades das desigualdades sociais a que estão expostas estes sujeitos,
permitem como dissemos anteriormente, conhecer riscos e vulnerabilidades
inerentes ao ciclo de vida; as necessidades, mas também as potencialidades e
ou capacidades para as autonomias e sua proteção; identifica forças e não
somente fragilidades, ausências e perdas que as situações e condições de vida
possuam.
Neste sentido, a PNAS e o SUAS alteraram conceitos, estruturas
organizativas e a lógica de gestão, com controle das ações consolidando um
sistema, uma gama de ofertas contínuas sistemáticas em rede integrada, com
padrões pactuados de atendimentos, protocolos, planejamento, financiamento
e avaliações de seus impactos compuseram esta rede articulada de proteções:
básica e especial e em ações operacionalizadas, através de unidades públicas
estatais, como os Centros de Referências de Assistência Social (CRAS) para a
proteção básica; e para proteção especial, os Centros de Referência
Especializado de Assistência Social (CREAS), e vem neles executando
serviços22, programas23 e projetos24, benefícios25 ao alcance das famílias e dos
adolescentes em conflito com a lei.
22
Definidas pelo art. 23 da LOAS, serviços são atividades continuadas voltados ao
atendimento de necessidades básicas, ordenados em rede e previsto na PNAS, dentro dos
níveis de proteção básica, e especial, de alta e média complexidade.
23
Definidos pelo art.24 da LOAS, programas são ações integradas e complementares, com
objetivo, tempo e área de abrangência, caracterizadas como ações não continuada.
24
Definidos pelo Art. 25 e 26 da LOAS, projetos, são ações com investimento
socioeconômicos, dirigidos a grupos populacionais em situação de pobreza, como meio de
melhoria das condições sociais ambientais, organização, subsistência dentre outras.
25
Definidos no art.22 da LOAS, se distinguem em três modalidades: o BPC (01 salário mínimo
a idosos e pessoas com deficiência), os eventuais (auxílios para vulnerabilidade temporária e
emergencial), e os de transferência de renda (possibilita autonomia de renda a famílias e
indivíduos), todos possibilitam a segurança de renda, com repasse diretos de recursos
financeiros às pessoas para atendimento de privações e necessidades sociais .
47
Ascende à cena o CREAS, unidade pública de abrangência municipal ou
regional, de atendimento especializado de assistência social, no âmbito da
proteção social especial, que operacionaliza os serviços de proteção a
indivíduos e famílias vítimas de violências, maus tratos e outras formas de
violação de direitos, cabendo-lhe a articulação de seus serviços integrando
suas ações às outras políticas sociais na perspectiva da proteção social.
Recentemente, o CNAS aprovou a Resolução 109/2009, instituindo a
Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, um marco na política de
assistência social, para a padronização dos serviços.
Quanto a atenção específica ao adolescente em conflito com a Lei, a
Tipificação definiu o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em
Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de
Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) em consonância com o ECA e o
SINASE, garantidas dentre outras as seguintes atenções:
Prover atenção socioassistencial e acompanhamento do ACL no
cumprimento das MSEs em meio aberto, contribuindo para o acesso
direitos e sua resignificação de valores na vida pessoal e social, com
foco na responsabilização face ao ato infracional e observância aos
direitos e obrigações assegurados em legislação específica quanto as
MSE.
Elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA), com a
participação do adolescente e sua família, o acompanhamento é
sistemático e contínuo, visa monitorar os objetivos e metas traçados e
alcançados no percurso do cumprimento da MSE.
Monitorar a inserção em outros serviços e programas
socioassistenciais e de políticas públicas setoriais, ampliação do
universo informacional e cultural.
Contribuir e criar condições de construção/reconstrução de projetos
de vida, para autonomia, autoconfiança e reflexão, desenvolvendo
habilidades e competências que oportunizem rupturas com a prática
do ato infracional.
Fortalecimento dos vínculos afetivos e sociais e da convivência
familiar e comunitária (BRASIL, MDS, 2009).
Dentre os impactos sociais previstos, merecem destaque a proposta de
contribuir para a redução da incidência da prática do ato infracional, da redução
do ciclo da violência a que estão sujeitos e de ter fortalecido os vínculos
familiares e comunitários. A perspectiva da padronização dos serviços
socioassistenciais, com vistas ao alcance da unidade na oferta e garantia deste
direito aos seus usuários, prevê o modo como as seguranças sociais devem
ser ofertadas, a saber:
48
a) Acolhida: expressando necessidades e interesses, em ambiente acolhedor e
possibilitador da expressão e do diálogo;
b) Convívio e Vivência Familiar, Comunitária e Local, com acessos a serviços,
e políticas públicas que se fizerem necessárias;
c) Desenvolvimento de autonomia individual, familiar e social: pelas vivências
pautadas pelo respeito a si e aos outros, com acesso a informações sobre
direitos sociais, civis, políticos, em ambiente provedor de lidar construtivamente
com potencialidades e limites, expressão de opiniões, diálogos, reflexões e
mediações.
Um dos grandes desafios para os gestores que operam as atenções aos
ACL e a efetivação do SINASE é o difícil caminho da redução da incidência das
medidas de privação de liberdade aos adolescentes em ato infracional,
potencializando meios e estratégias que fortaleçam o convívio familiar e
comunitário, a melhoria das condições de acesso e inserção dos adolescentes
nas diferentes políticas sociais em seus territórios de moradia, reduzindo as
demandas que propiciem a reincidência em atos infracionais. Para isso, os
dados publicados recentemente pela Sub-Secretaria Nacional da Promoção
dos Direitos da Criança e Adolescentes (SNPDCA/SDH/PR), que realizou o
Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em
Conflito com a Lei em 2009, balizam elementos de nossa análise, considerando
que há adolescentes em nossa pesquisa que relatam sua passagem pelo
regime de internação e o quanto foi relevante esta experiência (internação) em
suas vidas e na vida de suas famílias
Os dados computados são relativos às informações quantitativas sobre
adolescentes do sexo masculino e feminino em cumprimento de medidas
socioeducativas de internação provisória, de internação e de semiliberdade.
O estudo apresentou o total de adolescentes cumprindo medidas
socioeducativas de internação, semiliberdade e de internação provisória no
Brasil que é de 16.940 adolescentes custodiados pelo Estado, sendo 11.901
adolescentes na internação, seguidos de 3.471 na internação provisória e de
1.568 em cumprimento de semiliberdade, de ambos os sexos. Um dado
complementar corresponde aos 916 casos tipificados como “outras” razões,
49
que correspondem a adolescentes com medidas de internação-sanção (pelo
descumprimento das medidas de meio aberto) e a presença de medida de
proteção, tomadas para custodiar adolescente com pernoite ou situação de
abrigo temporário. Outro dado interessante da pesquisa foi a verificação de que
dos 16.940 adolescentes em privação de liberdade, 96% são do sexo
masculino, e somente 4% ou seja, 640 adolescentes são do sexo feminino.
Quadro 2 - Cenário das Medidas Privativas de Liberdade no Brasil (2009)
Internação(a)
Região
Masc
Fem
Total
Inter. Provisória(b)
Semiliberdade( c)
Masc Fem
Masc
Total
Sub
total
Outra
Total
*
377
a+b
+c+d
8819
fem Total
Sudeste
5912
248
6160
1386
83
1469
766
47
813
A+b+c
8442
S.P*
4567
202
4769
913
44
957
472
28
500
6226
280
6506
Nordeste
2338
89
2427
832
50
882
306
20
326
3635
353
3988
Sul*
1654
58
1712
510
34
544
199
20
219
2475
137
2612
C. Oeste
833
33
866
333
10
343
92
0
92
1301
34
1335
Norte
Total
17
19
736
217
16
233
113
5
118
1087
15
1108
3471
17.856
11454 447 11901 3278 193
1476 92 1568 16940
916
Fonte: Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a
Lei. SNPDCA/SDH/PR, 2009. *São Paulo em destaque.
*Santa Catarina considerou como "Outras Situações" adolescentes em permanência em "Clínicas
Socioterapêutiicas”
Dentre os dados apurados, podemos constatar que a dimensão do
Estado de São Paulo se reflete também no número de adolescentes de ambos
os sexos privados de liberdade. No país, a Região Sudeste figura com 49%
(8.819) do total de 17.857(100%) de adolescentes em privação de liberdade,
distribuídos da seguinte forma: a) maior incidência de 52% (6.160) para
internação; b) 42%( 1.469) adolescentes em internação provisória e c) 52%
(813) adolescentes em semiliberdade, nas situações “outras” encontramos 42%
(377) adolescentes. Interessante observar que no Estado a equivalência das
MSE de internação e semiliberdade se assemelham em percentual, mas,
quando se trata de MSE de internação ela se sobressai em relação às demais
regiões da país.
Destacamos o Estado de São Paulo pela relevância de sua participação
no cômputo geral dos dados e também pela direção que os dados apontam
50
quando se trata da privação de liberdade a adolescentes. Observamos que SP,
figura com 36% (6.506) sobre um total de 17.857 (100%) adolescentes
apurados, distribuídos em: 40% (4.769) em MSE de internação; na MSE de
internação provisória aparece com 28% (957) e na MSE de semiliberdade 32%
(500); novamente a proximidade dos dados entre as MSE de internação e
semiliberdade são semelhantes às apuradas na região Sudeste. Ressalvado o
fato de que a Região Sudeste comporta os estados mais prósperos do país,
São Paulo tem a predominância das situações se comparada à região
Nordeste com todos os seus estados.
O Levantamento Nacional demonstra que apesar de o Estado de São
Paulo deter o maior número de adolescentes em privação de liberdade, este
índice tem decrescido substancialmente no estado se comparada sua
incidência no cenário nacional. Isto porque o aumento de roubos e tráfico de
drogas, com consequente aumento na aplicação das medidas privativas de
liberdade aos adolescentes envolvidos, apresenta um percentual acima de 50%
de crescimento nos Estados fora do Eixo Sul/Sudeste com destaque ao
aumento encontrado nos Estados das Regiões Norte (RR) um aumento de
114,3% nas internações provisórias, Nordeste (AL), aumento de 81% nas
medidas de internação, e Região Sudeste (ES) com aumento de 266,6% nas
internações de semiliberdade contra um aumento em SP de 18,5% na mesma
modalidade
Este fenômeno, indicativo da interiorização da violência, tem se
expandido a outras regiões do país, expressado pelos dados no Brasil, com o
aumento de roubo, furtos e tráfico de drogas envolvendo cada vez mais jovens
e adolescentes em idade inferior aos dezoito anos. O estranhamento destas
duas categorias (interiorização da violência e envolvimento de adolescentes)
vem desencadeando pressão por parte de segmentos da sociedade, por
medidas mais restritivas, como as medidas socioeducativas de privação de
liberdade, e tem se expandido para além do observado nos Estados dos
grandes pólos Sul/ Sudeste, com a expressiva descentralização aos estados do
eixo Norte/Nordeste.
Esta pressão social poderia ser explicada pelo aumento dos municípios
envolvidos no processo do cumprimento da municipalização das medidas em
meio aberto? Talvez. Pode ser que as autoridades judiciárias competentes
51
destes municípios estivessem buscando medidas mais brandas para os
adolescentes e por isso utilizando-se menos das medidas de internação?
Talvez. Pode ser que a ação da Defensoria Pública esteja repercutindo
positivamente em seu trabalho de defesa técnica e com isso interferindo na
redução do número de medidas de internações?
Este fenômeno social da interiorização da violência também foi
constatado por Julio Jacobo Waiselfisz em seu Mapa da Violência no Brasil
2010, apresentado pelo Instituto Sangari, que apresenta na análise sobre os
homicídios no Brasil, Estados, Municípios e Regiões Metropolitanas, a
dimensão do fato para a população infanto-juvenil e adulta jovem.
Até o início da década analisada, os pólos dinâmicos da violência,
isto é, o crescimento da espiral homicida, centravam-se,
primordialmente, nas capitais e nas grandes regiões metropolitanas
do país. Mas, a partir de meados da década passada, o crescimento
da violência nas capitais e grandes metrópoles estagna ou vira
negativo, enquanto as taxas globais continuam a crescer, ao menos,
até 2003. Isso nos indica que os pólos dinâmicos da violência
mudaram, em nosso caso, para os municípios do interior Essa
mudança de eixo não significa que os números ou as taxas de
homicídio do interior superam as dos grandes centros urbanos.
Significa, simplesmente, que o crescimento dos homicídios, sua
expansão, concentra-se agora em municípios do interior dos estados.
(...) investimentos nas capitais e nas grandes regiões metropolitanas
declaradas prioritárias a partir do novo Plano Nacional de Segurança
Pública, de 1999, e do Fundo Nacional de Segurança, instituído em
janeiro de 2001, (...) foram canalizados recursos federais e estaduais,
principalmente para aparelhamento dos sistemas de segurança
pública nos grandes conglomerados. Isso dificultou a ação da
criminalidade organizada, que migrou para áreas de menor risco. E
em terceiro lugar, a melhoria na cobertura dos sistemas de coleta de
dados de mortalidade, principalmente no interior do país, diminuiu a
subnotificação existente nessa área. Em outras palavras, fenômenos
que antes não eram registrados, passam a incidir nas estatísticas.
Dessa forma, começam a se tornar visíveis, nos Mapas da Violência
georreferenciados, constelações de municípios do interior com
elevadas taxas de homicídios que superam, muitas vezes com folga,
os níveis de violência captados nas capitais ou nas regiões
metropolitanas (WAISELFISZ, 2010, p.127).
Ainda, segundo o Mapa da Violência, essas “constelações de
Municípios” (expressão do fenômeno da interiorização), com elevados níveis de
violência nas taxas de homicídios praticados contra adolescentes e jovens
adultos, apresentam características similares quando comparadas aos índices
de privação de liberdade provenientes dos atos infracionais praticados por
adolescentes, nas cidades interioranas, a saber,
52
- Os novos Pólos de Crescimento no Interior com a consolidação, durante a
década de 1990, de um processo de desconcentração econômica, dos grandes
centros para a periferia do Estado, a guerra dos incentivos fiscais, a busca
redução nos custos com a mão de obra, fez emergir novos atrativos de
investimentos, trabalho, migrações; e também, diante das deficiências da
presença do Estado e da Segurança Pública, o aumento da criminalidade e da
violência.
- Outra característica foi a qualificação dos chamados Municípios de Fronteira e
Turismo sexual, municípios de pequeno e médio porte que, por sua localização
em orla marítima, fronteira internacional, rota de transporte intraurbana e
intermodal, institucionalizam fluxos de elevada violência, violação de direitos,
com a presença de grandes organizações de contrabando de produtos, armas,
pirataria e tráfico de drogas, turismo sexual nacional e internacional.
Estas novas reconfigurações da violência homicida ou infracional
demandam, ainda, ações específicas do Estado, não só na área da Segurança
Pública, mas também, e fundamentalmente, no plano econômico-social, até
porque todas essas configurações representam circunstâncias que integram os
interesses das populações locais, ao perceber que este modo de existência e
subsistência está envolvendo cada vez mais jovens e adolescentes.
Consideremos que o período de 1997 a 2007 constituiu-se uma década
atípica na história recente da violência no país. Primeiro pela disponibilização
de dados, por exemplo, do Ministério da Saúde, sobre a mortalidade.
26
Até 2003 , os índices de homicídio foram crescendo com
assustadora regularidade, a uma taxa que superava a casa de 5% ao
ano. A partir desse ano e, com algumas oscilações, as taxas de
homicídios mostram uma tendência declinante inédita no país (IPEA,
2009, p. 38).
26
O Estudo Mapa da Violência dos Municípios de 2008 produzido pela Rede Informação
Tecnológica Latino America (Ritla), Instituto Sangari e os Ministérios da Justiça e Saúde,
mostrou que o número de homicídios no país a partir de 2003 caiu 8,5% de 2003 a 2006.
Mesmo assim, foram 46.660 homicídios em 2006, o que corresponde a uma taxa duas vezes
superior ao padrão mundial. Entre a população jovem de 15 a 24 anos, a queda foi de 13%.
Nielsen, Annie. Criminalidade avança pelo Interior. In Revista Desafios do Desenvolvimento,
Ano 6, no. 52,BRASIL: IPEA, 2009,(p. 38-43).
53
O estudo apresenta dois fatores interdependentes como justificativa: 1)
o Estatuto do Desarmamento27 e a Campanha de Desarmamento nos idos
2003/04; 2) O sucesso de políticas estaduais de segurança pública, focadas
preferencialmente nas capitais e regiões metropolitanas, com indicadores de
retração nacional dado o alcance dos resultados que SP, MG, RJ28
representam, segundo o Estudo, indicadores nacionais observados, como o
Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), quando em alta tendem a
apresentar queda leve nas taxas de homicídios. Diferentemente dos dados que
o PIB per capita, (indicador de riqueza ou pobreza de um país) ou o Índice de
Renda do IDH, que representam de média a expressiva condição para a
redução dos homicídios juvenis e adultos jovens respectivamente.
Assim, vale avaliar o quanto as políticas públicas podem representar e
alterar as vias de acessos a direitos sociais básicos como educação, saúde,
habitação, trabalho, assistência social, segurança pública, sejam nas esferas
estaduais e municipais. Uma revisão das políticas de combate e enfrentamento
a violência, com a promoção de estratégias políticas que articulem esforços
dos três níveis de gestão do Estado e estimulem a inclusão social de jovens e
negros29, principais vítimas dos efeitos da violência, pois quando não os priva
de liberdade, mata-os.
27
O Estatuto do Desarmamento (2003),torna mais rígidas as penas por porte e/ou posse de
armas de fogo.Campanha do Desarmamento (2004), retira armas de circulação pela entrega
voluntária com contraprestação financeira.Um exemplo foi o município de Diadema(SP), que
recolhia em escolas, praças ,creches e locais públicos armas de brinquedo, como ação
preventiva e educativa direcionada as crianças, adolescentes e suas famílias, a troca se dava
por brinquedos, revistas educativas, e palestras com a Guarda Civil Municipal.
28
A partir de 2003, começa a evidenciar uma tendência de queda em suas taxas, que vêm
declinando de forma lenta, mas sistemática, a partir dessa data. Não devemos esquecer que
esses três estados representavam, no ano 2000, 41% da população e 55% dos homicídios
cometidos naquele ano. É obvio que qualquer alteração nesses estados, pelo seu peso, deverá
ter visível repercussão nas taxas nacionais (WAISELFISZ, 2010, p. 142).
29
A categoria Negro aqui utilizada resulta do somatório de pretos e pardos usado pelo IBGE. A
fonte de dados para população por raça ou cor é a Pesquisa Nacional por Amostra de
Domicílios – PNAD, do IBGE, que coleta esses dados por auto classificação do entrevistado,
que escolhe uma entre cinco opções: branca, preta, parda, amarela ou indígena.. “Um primeiro
dado que impressiona pela sua crueza é a recente evolução da vitimização negra: Em 2002, o
índice nacional de vitimização negra foi de 45,8%, nesse ano, no país, morreram
proporcionalmente 45,8% mais negros do que brancos; só dois anos mais tarde, em 2004,
esse índice pula para 73,1 (morrem proporcionalmente 73,1% mais negros do que brancos),
em 2007, surge um novo patamar: morrem proporcionalmente 107,6% mais negros do que
brancos, isto é, mais que o dobro” (WAISELFISZ, 2010, p.116).
54
As orientações previstas pelo SINASE, dando concretude ao ECA, ainda
são motivos de zelo e perseverança em sua defesa. Encontramos alguns
exemplos concretos apresentados no Levantamento Nacional (2009). Primeiro,
com relação ao conjunto das unidades de privação de liberdade já existentes,
quanto à construção de pequenas unidades, em detrimento dos grandes
complexos: observou-se que antes da aprovação do ECA (1990), foram
construídas 8% de unidades de recepção de adolescentes privados de
liberdade; após a implantação do ECA tivemos 92% das unidades construídas
e operando. Segundo, um avanço na superação de instalação de grandes
complexos, a partir do SINASE, considerando a dimensão estrutural da
unidade com a proposta pedagógica. A qualificação para a “individualização do
atendimento” direta ou indiretamente tem privilegiado o caráter pedagógico no
lugar do caráter contencioso, resquício da doutrina menorista ainda instalada
no país.
Todavia, após a formulação e aprovação pelo CONANDA do SINASE foi
constatada pela pesquisa o fato de que 15% de unidades construídas já
obedeciam a orientação de unidades de pequeno porte30. Outro dado relevante
refere-se a lotação das unidades de internação: constatamos a superlotação,
registrada
nas
regiões
do
Nordeste
e
Sul,
com
63,8%
e
51,7%,
respectivamente seguida pela Região Sudeste com 41,3% de unidades fora do
padrão estabelecido pela normativa em vigor.
Este relatório apontou irregularidades relacionadas a graves violações
de direitos, como ameaça à integridade física de adolescentes, violência
psicológica, maus tratos e tortura, passando por situações de insalubridade,
negligência em questões relacionadas à saúde. O comprometimento dos
direitos processuais de acesso à justiça dos adolescentes privados de
liberdade, a permanência em internação provisória por até 45 dias, a ausência
de Defensorias Públicas e de Núcleos Especializados da Infância e Juventude.
A operacionalização do SINASE, ainda está caminhando a passos lentos, mas
com resultados positivos, a partir da mudança conceitual, de desenho e na
30
O SINASE aponta referências e parâmetros arquitetônicos para a construção das unidades
de internação, para unidades de semiliberdade (até vinte adolescentes), para unidades de
internação provisória obedece o aprovado na Resolução no. 46/96 do Conanda: “Art. 1º Nas
unidades de internação será atendido um número de adolescente não superior a quarenta”
adolescentes.
55
implementação do modelo de atenção aos ACL, além da expressiva
participação
da
sociedade,
impulsionando
a
ruptura
da
cultura
da
institucionalização e das violações de direitos.
Na mesma linha, fundamental avançar em outras frentes de trabalho,
voltadas à implementação da Resolução 119/2006, do CONANDA,
que constitui os parâmetros para a estruturação do Sistema Nacional
de Atendimento Socioeducativo (SINASE); o que passa, dentre outras
ações, pela aprovação do PLC 134/2009, que institui e regulamenta
esse sistema, o cumprimento dos compromissos constantes da 3ª
Edição do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), e ações de
defesa das posições garantistas de direitos humanos de adolescentes
em conflito com a lei; como a postura intransigente contra as
propostas de redução da maioridade penal em trâmite nas casas
legislativas do Congresso Nacional – ações a serem desenvolvidas
por todos nós (BRASIL/SEDH, 2010, p.13).
2.1.3 O adolescente em conflito com a lei no ECA
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária (ECA,
1990, art. 4º).
Tanto a CF/88 quanto o ECA/90, corroboram a compreensão de que é
dever da família, da comunidade e da sociedade em geral e do poder público,
assegurar com absoluta prioridade, que nenhuma criança ou adolescente será
objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade,
violência, e opressão, já que o princípio da proteção integral, previsto na
destinação social da lei respeita a condição peculiar de criança e do
adolescente como pessoa em desenvolvimento.
Os instrumentos legais, socialmente construídos, são o retrato histórico
de uma dada época e das relações que os homens estabelecem para o
convívio em sociedade. Relações concretas que comportam antagonismos,
ambiguidades, conflitos de interesses e contradição de classes. A lei expressa
legitimidade, ordena e regula as sanções aos sujeitos para a convivência em
harmonia e preservação da paz social expressando assim os princípios da
igualdade a partir das referências que a sociedade tem dos direitos e deveres
dos cidadãos e do que entende como bem-estar.
56
A compreensão sobre os direitos e deveres de adolescentes que
cometem atos infracionais nem sempre foram consensuais, o contexto histórico
de cada época estabeleceu limites sobre a maioridade penal. O próprio caráter
que o doutrinador impôs ao critério da imputabilidade observa e presume que
aos dezoito anos, salvo exceções, a pessoa já reúne condições e
discernimento de idealização do certo e errado constituído socialmente.
Estabelecido nos dezoito anos o limite para a maioridade penal,
ocorreram investiduras no intuito de ser imputável o adolescente de dezesseis
a dezoito anos que se revelasse suficientemente desenvolvido psiquicamente e
entendesse o ato ilícito que cometeu. Desde a institucionalização da
inimputabilidade dos dezoito anos, o conceito da periculosidade sempre rondou
crianças e adolescentes. A ênfase maior ainda recai sobre os filhos da classe
trabalhadora desprovidos da condição de inserção regular no sistema
produtivo, salvo a indivíduos doentes mentais ou portador de deficiência
O avanço significativo da implementação do ECA vem sepultando o
modelo menorista do Código de Menores (1979) para o atendimento do ato
infracional. O recolhimento e a tutela de “menores” como processos adequados
de reeducação e ressocialização no início da segunda metade do Século XX,
objetivava a reintegração social do infrator no seio da sociedade. O processo
de marginalização à época considerava o forte impacto do êxodo rural
provocado pela expansão da vida industrial e a urbanização desenfreada,
inexistência de serviços básicos como saúde, educação, recreação e
segurança social. A desqualificação profissional e a diversidade cultural destes
camponeses foram motivos alegados para a rápida expansão do trabalho
precoce de crianças e a exposição ao vício e delinquência, o que deu origem a
programas de prevenção desenvolvidos nas comunidades e voltados ao
atendimento e assistência às famílias marginalizadas.
Apenas em 1964 é que o problema do menor passa a receber um
estatuto de problema social, devendo ficar submetido aos preceitos da
ideologia de segurança nacional. Passa a não ser mais objeto somente de
entidades privadas e alguns organismos governamentais para se enquadrar
“aos objetivos nacionais explicitados na Política Nacional do Bem Estar do
Menor (PNBEM), cuja responsabilidade passa a ser da Fundação Nacional do
Bem Estar do Menor” (QUEIROZ, 1987, p.32) .
57
A necessidade de modernizar e aprimorar os mecanismos do sistema de
atendimento ao infrator31 culminou em 1964 com a criação da Fundação
Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM)32, que quando instituída tinha
por objetivo: formular e implantar a política nacional de bem-estar do menor,
“mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação;
coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política” (art.5);
previa como competência do Conselho Nacional gestor, assegurar com
prioridade a execução de programas para integração do menor à sua
comunidade, com assistência na própria família ou a possibilidade de inserção
em lares substitutos (art.6, inciso I). Estabelecia parâmetros para os acordos e
convênios com Estados e municípios, bem como com entidades públicas ou
privadas (art. 14). Foi orientadora nacional para a instituição de Fundações
Estaduais33 de mesmo caráter (FEBEM´s).
A noção de ressocialização utilizada pela FUNABEM, tinha por objetivos:
a humanização da passagem na instituição com a visão de que não bastava
31
Assim denominado à época.
A FUNABEM Foi criada pela Lei Federal 4513 de 01/12/1964, substituta do Serviço de
Assistência ao Menor - SAM antes instituído pelo Decreto Lei no. 3.779 de 1941, vinculada ao
Ministério da Justiça; fundação pública de direito privado, autônoma administrativa e
financeiramente (art.2º), sendo alterada pela LEI 4.884 - 09/12/1965, altera os art. 18; 23 E 26
e revoga o parágrafo. unico do art. 17, LEI 5.594 - 21/07/1970: altera arts. 12 E 23,LEI 8.029 12/04/1990: revoga art. 5 e altera denominacão p/ FCBIA, lei revogada pela Lei 8069 LEI
8.069, de 13/07/1990 (ECA).
Conviveram dois órgãos centrais (LBA e FUNABEM) responsáveis pela formulação e execução
da política federal da assistência social até sua extinção em 1995, porém gestados de forma
centralizada e superposta, isolados entre si. Essa convivência paralela foi intercalada por
momentos de aproximação e distanciamento entre os dois órgãos federais. Ao passo que a
LBA se manteve vinculada durante 25 anos a um mesmo órgão superior (o Departamento
Nacional da Criança, do Ministério da Saúde, entre 1942 e 1967), transitou por 4 diferentes
ministérios no período de 1967 a 1989. Depois desse período histórico, mantêm-se vinculados
ao Ministério da Ação Social, renomeado posteriormente como Ministério do Bem-Estar Social,
até a extinção de ambos em 1995 (GOMES, 2008, p.28).
32
33
1) A FEBEM de SP foi estruturada em 1976, pelo então presidente da FUNABEM, Dr. Mario
Altenfelder a convite do Governador Paulo Egídio, colocando efetivamente em prática pela
Secretaria de Promoção Social do Estado. Seu primeiro presidente foi o Dr. João Benedito de
Azevedo Marques. A centralização dos programas de atendimento ao adolescente infrator
reconhece definitivamente que o “problema do menor” é uma questão de Estado (QUEIROZ,
1987, p.32-33).
2) O percurso da FUNABEM como fundação pública de direito privado nos idos de 1964, deu
origem a inúmeras outras fundações que são ativas até nossos dias. O município de Santo
André/SP, nosso território de trabalho de campo neste trabalho, instituiu no mesmo caráter a
Fundação de Promoção Social –PROSSAN -, com a competência de planejar, executar,
fiscalizar a política de assistência social e do bem estar de crianças e adolescentes até 1997,
quando criou a Secretaria Municipal de Cidadania e Ação Social (dentro do que preceitua a
LOAS).
58
castigar o individuo, mas, orientá-lo para que ele pudesse ser reintegrado à
sociedade de maneira efetiva, evitando com isso a reincidência; orientar quanto
ao cumprimento e a execução da medida de maneira tal que pudesse conferirlhe alguma utilidade; manter projetos de educação e profissionalização
orientada pelo princípio de que o preparo profissional e a qualificação eram
condicionantes para o combate à marginalização. Estes programas se
mostraram
ineficazes
diante
da
orientação
e
prática
repressiva
e
assistencialista, aumento da demanda observada pelo aumento do surgimento
de unidades de internação de varias matizes, pela superlotação nos formatos
institucionais de atendimento (de gestão direta ou conveniada) de recepção,
triagem e educação destas unidades de internação.
Em suma, este processo “não significou solução ou mesmo controle do
problema do menor infrator” (QUEIROZ, 1987), mas deixou como resultado a
especialização técnica de recursos humanos voltados ao atendimento do
“menor”, a modernização do atendimento nas unidades institucionalizadas, o
aprimoramento da gestão do Estado com adoção de técnicas sofisticadas de
gerenciamento.
O discurso competente da institucionalização não correspondeu à
verdade, pois não foi suprimido o caráter repressivo e de punição, instado na
disciplina e na ordem. Não garantiu o processo de ressocialização dos
“menores”, nem sua reintegração à sociedade. A inserção na dinâmica do
sistema produtivo da grande parcela da população mais empobrecida da
sociedade, de 20 anos ou mais, e a qualificação profissional oferecida pelas
unidades de internação ou mesmo a condição de desqualificação profissional
da sua força de trabalho, pouco interferiria em seu aproveitamento no processo
produtivo. Segundo Queiroz (1987, p.34), “o problema do ‟menor‟ era um
problema de classe. Para a classe dominante um problema insurgente (...) para
as classes subalternas, (...)um perigo que lhe ameaça o cotidiano”.
A Lei 4513, que instituiu a FUNABEM foi totalmente revogada pela Lei
8069/1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, marco
regulatório do novo ordenamento jurídico que tem por base a proteção integral
de crianças e adolescente em conflito com a lei.
O ECA, ao afirmar a natureza pedagógica das medidas socioeducativas
(MSE), traz a necessidade de se constituir parâmetros mais objetivos e
59
procedimentos mais justos, a fim de evitar a discricionariedade na aplicação
das medidas socioeducativas dirigidas aos adolescentes em ato infracional,
inspirado nos acordos internacionais de defesa dos direitos humanos de
crianças e adolescentes dos quais o Brasil é signatário,
As medidas socioeducativas constituem parte do sistema de
responsabilização jurídica especial, que apresenta perspectivas
diferenciadas do sistema criminal adulto, fundamentado na ideia de
pena. É aplicada aos adolescentes sobre os quais se verificou a
prática de ato infracional. Nelas estão presentes dois elementos que
traduzem a sua finalidade: defesa social e intervenção educativa. Isto
significa dizer que, as medidas socioeducativas possuem uma
natureza sociopedagógica condicionada à garantia de direitos
fundamentais e ao desenvolvimento de ações que visem à formação
para o exercício da cidadania (SOUZA, 2007, p. 25).
O ECA (Título III, Capítulo I), considera “ato infracional a conduta
descrita como crime ou contravenção penal”, descritas como afronta ao direito,
mas com as garantias do próprio estado de direito. “São inimputáveis os
menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei” (ECA, art.
104) e para efeitos desta lei, considera-se a idade do adolescente à data do
fato ou ato ocorrido.
Durante décadas a intenção da redução do limite da imputabilidade para
dezesseis anos e do aumento da consciência da responsabilidade social do
adolescente deveria crescer na razão direta do medo da punição, coincidindo
com a maturidade dos aspectos de desenvolvimento biológico e intelectual.
Ainda em 2010, comemorando 20 anos do Estatuto da Criança e do
Adolescente (ECA), são vários os projetos de lei que têm buscado alterar esta
normativa, com justificativas antigas em discurso novo.
(...) a doutrina da situação irregular não permitiu que as convenções
internacionais tivessem qualquer ascendência sobre o Código Mello
Matos (1927), embora a Convenção de Genebra de 1924, já
trouxesse princípios de direitos humanos, depois, o Código de
Menores de 1979 passou desapercebido da ‟Declaração Universal
dos Direitos Humanos‟ (1948), e o mesmo aconteceu com a
‟Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem‟ e o „Pacto
de San José‟ (1969), ratificado pelo Brasil em 1992. Com isso a
doutrina menorista dialogava com o contexto internacional.
(CARDOSO, 2010, p. 38).
60
O Código de Menores (1979)34 previa medidas de responsabilização dos
adolescentes, à época, definidos como “menores infratores”, de acordo com o
paradigma da doutrina “menorista” descrita a seguir. São medidas aplicáveis ao
menor pela autoridade judiciária:
I- advertência;
II - entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de
responsabilidade;
III- colocação em lar substituto;
IV- imposição do regime de liberdade assistida;
V - colocação em casa de semiliberdade;
VI- internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico,
hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado (CODIGO DE MENORES, art. 14).
A autoridade judiciária poderá, a qualquer tempo e no que couber, de
ofício ou mediante provocação fundamentada dos pais ou
responsável, da autoridade administrativa competente ou do
Ministério Público, cumular ou substituir as medidas de que trata este
Capítulo (CÓDIGO DE MENORES, Art. 15º.)
Naquele contexto histórico, quem era tido como “menor infrator”?
Crianças e adolescentes vistos como uma ameaça à propriedade, uma pessoa
marginalizada, vítima da desagregação familiar, avesso à normalidade do viver
em sociedade, deformado, perigoso, antissocial, uma representação que o
Estado e o Direito faziam e que se refletia na consciência e senso comum da
sociedade naquele momento histórico prezando pela disciplina, vigilância,
tutela do adolescente. A utilização do termo “menor”, vinha atrelado a uma
ideia de tutela, controle, pessoas pauperizadas, em situação irregular, um
sentido de proteger a sociedade do menor infrator, termo em desuso a partir da
construção social do paradigma de proteção integral protagonizada pelo ECA
que reconhece crianças e adolescentes como cidadãos de direitos.
34
Código Mello Mattos, foi criado pela Lei em 1927, alterado pela Lei 6697/79 - o Código de
Menores, que trata da proteção e vigilância aos menores de dezoito anos em situação irregular.
61
A Constituição Federal - CF/88, traz no corpo dos artigos 227 e 228, o
novo paradigma de Proteção Integral a Crianças e Adolescentes. “Proteção
integral” pela peculiaridade da condição de sujeitos em desenvolvimento e
“prioridade absoluta” porque efetivam direitos, materializado por meio das
políticas públicas implementado pela articulação entre Municípios, Estados,
Distrito Federal e na União.
Proteção Integral é assegurar a todas as crianças e adolescentes,
sem exceção alguma, a sobrevivência, o desenvolvimento pessoal e
social e a integridade física, psicológica e moral, além de prover
medidas especiais de proteção aos que se encontrem em
circunstâncias particularmente difíceis. Para isso, fazem-se
necessárias a complementaridade e a convergência das ações nas
políticas sociais básicas, na assistência social, na proteção especial e
35
nas políticas de garantias de direitos (COSTA, 2006, p.25 ).
O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA torna-se o marco legal da
história brasileira e um divisor de águas na defesa dos direitos considerando
criança para efeitos da lei a pessoa até doze anos incompletos e o adolescente
aquela entre doze e dezoito anos de idade, aplicando-se, excepcionalmente, tal
estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade, especialmente
no que se refere aos direitos daqueles que se encontrem em conflito com a lei.
O ECA incorpora, a partir de 1990, um catálogo de direitos e garantias
correspondentes, reconhece na criança e no adolescente não só uma
titularidade de direitos, mas também uma titularidade de responsabilidades. No
artigo 103, quando considera o ato infracional “como a conduta descrita como
crime ou contravenção penal atribuída à criança ou adolescente” traz ao mundo
jurídico um novo olhar e fazer jurídico, que se refere às garantias que
possibilitem e assegurem ao adolescente respeito aos seus direitos, como
pessoa e cidadão na “condição peculiar de desenvolvimento” e em estágio de
transformação física, psíquica, emocional e espiritual, dentre outras, quando da
aplicação e administração das medidas socioeducativas pertinentes.
Este novo ordenamento jurídico reafirma o que foi disposto e pactuado
pela Declaração dos Direitos do Homem de 1948, na Declaração dos Direitos
da Criança de 1959, pela Convenção dos Direitos da Criança de 1989, pela
35
COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Socioeducação Estrutura e Funcionamento da
Comunidade Educativa. Brasília, SEDH. 2006. Kit Socioeducativo.
62
Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente realizado
pelo Assembléia Geral das Nações Unidas. O Brasil, signatário das Regras
Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores
(Regras de Beijing), na sua Resolução 40/33 de 29 de novembro de 1985, fez
aprovar o texto em sua totalidade, pelo Decreto Federal 99.710 de 21.11.1990,
termo ratificado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 28, de 14 de
Setembro de 1990), sintetizadas no quadro 3, a seguir.
O percurso histórico e legal teve seus princípios e diretrizes discutidos
em fóruns nacionais e internacionais e contou com a participação e mobilização
social de diversos segmentos sociais, liderados por pessoas e instituições
compromissadas com valores democráticos, como a liberdade, a justiça, a
solidariedade, a ética.
Assim o ECA, no Título III (que trata do ato infracional) traduz um
avanço do ordenamento jurídico brasileiro no trato do ato infracional cometido
por adolescentes. Estabelece que este receberá medidas aplicáveis levando-se
em conta a proporcionalidade do ato infracional, as circunstâncias, e a situação
pessoal, familiar, social, econômica, e cultural do adolescente autor no ato.
Do ponto de vista normativo, os mecanismos de proteção e defesa dos
direitos de crianças e adolescentes são complementares, fundamenta-se na
doutrina jurídica da proteção integral prevista na Convenção Internacional
sobre os Direitos da Criança e do Adolescente e demais legislações modernas.
Não substituindo os demais mecanismos de defesa dos direitos da pessoa
humana, a normativa do Estatuto é parte integrante da doutrina dos direitos
humanos aplicado no país.
O adolescente autor de ato infracional encontra-se em circunstâncias
especialmente difíceis, ou seja, em situação de risco pessoal e social.
Por isso, os programas que implementam as medidas
socioeducativas são considerados programas de proteção especial.
No campo do atendimento ao adolescente autor de ato infracional, o
grande avanço da Doutrina da Proteção Integral, em relação à
Doutrina da Situação Irregular, foi introduzir na Justiça da Infância e
da Juventude os princípios universais do direito. Segundo Emílio
García Méndez, isso equivaleria a dizer que a Revolução Francesa
chegou à área da infância com duzentos anos de atraso. (COSTA,
2006, p.26).
63
Quadro 3- Instrumentos Legais Internacionais sobre a criança e adolescente
Instrumento Legal
Declaração de Genebra (1924)
– Adotada pela “Liga das
Nações”
Declaração Universal dos
Direitos do Homem. Adotada e
proclamada pela Resolução nº
217-a (III) da Assembléia Geral
das Nações Unidas (ONU), em
10/12/1948
Finalidade
Reconhece o dever da humanidade em relação à infância a
quem cabe “protegê-la acima de qualquer consideração de
raça, nacionalidade ou crença”.
Fixa princípios de proteção à família e a seus membros
declarando, expressamente, no seu art. 25, item 2, que “a
maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência
especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do
matrimônio gozarão da mesma proteção social”.
Declaração Universal dos
Direitos da Criança – Aprovada
pela Assembléia
Geral das Nações Unidas em
10/11/1959, por meio da
Resolução nº 1.386
(XIV) da qual o Brasil é um
signatário
Prevê que a criança tenha uma infância feliz e goze, em seu
próprio benefício e no da sociedade, dos direitos e das
liberdades nela enunciados. Apela que os pais, os homens
em sua qualidade de indivíduos, as organizações voluntárias,
as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam
este direitos e se empenhem pela sua observância mediante
medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente
instituídas. Tem efeito recomendatório para os Estados, não
como um instrumento obrigatório e significou, por mais de
trinta anos (até a aprovação da Convenção sobre os Direitos
da Criança – CDC), a base de um autêntico direito
consuetudinário.
É também conhecida como “Pacto de San José” e possui
normas específicas de proteção à família e à infância,
declarando, expressamente no art. 19, que “toda criança tem
direito às medidas de proteção que a sua condição de menor
e requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado”.
Promulgada pelo Decreto 678 de 06/11/92.
Convenção Interamericana de
Direitos Humanos (OEA 1969).
Ratificado pelo
Brasil em 06/11/1992, Decreto
nº 678
Regras de Beijing ou Regras
mínimas da ONU para a
administração da Justiça
de Menores (1985). Resolução
nº 40/33, de 29/11/1985
Convenção sobre os Direitos
da Criança (CDC) da ONU Resolução 44/25 da
ONU, de 20/11/1989.
Ratificada pelo Brasil pelo
Decreto nº 99.710, de 21/
09/1990
Representa um conjunto de normas que refletem as
condições mínimas aceitáveis pela ONU para o tratamento
de menores de 18 anos infratores, não importa o sistema
jurídico que pertençam. Recomenda que, em cada jurisdição
nacional, procurar-se-á promulgar um conjunto de leis
aplicáveis especialmente aos jovens infratores, assim como
aos órgãos e instituições encarregadas das funções de
administração da Justiça especializada.
A principal preocupação da CDC é com o interesse superior
da criança,significa que devem ser adotadas as medidas que
melhor contribuam para o desenvolvimento sadio de crianças
e adolescentes. Assim, todas as medidas prescritas na
Convenção tomam este princípio como ponto de partida. A
CDC é um tratado e, como tal, cria obrigações legais aos
Estados-membros para assegurar que seus dispositivos
sejam implementados em sua totalidade em nível nacional. A
CDC faz com que os Estados-partes (art.33 a 36), tomem
medidas que combatam a violência, a negligência e a
exploração para com as crianças. As medidas que podem ser
tomadas (mas não se limitam a elas) a adaptação da
legislação vigente pertinente à criança ou a adoção de uma
nova legislação nos termos dos dispositivos estabelecidos na
Convenção. Define nos artigos 37 e 40 as razões e os
direitos que devem ser observado pelos estados partes em
relação às crianças privadas de liberdade destacado que esta
64
Diretrizes de Ryad para a
prevenção da delinquência
juvenil. Resolução nº 45/112,
de 14/12/1990- ONU
Regras Mínimas das Nações
Unidas para a proteção de
jovens privados de Liberdade.
Resolução nº 45/113, de
14/12/1990- ONU
deve ser uma medida excepcional, como último recurso, e
durante o mais breve período de tempo que for apropriado.
Esta normativa é primordial na administração da justiça
juvenil, propiciando uma ampla série de medidas que visam
proteger os interesses diretos da criança e buscam, entre
outros, evitar que ela entre em contato com o sistema de
justiça em razão do ato infracional
Determinam que a prevenção da delinquência juvenil é
fundamental para prevenir o crime na sociedade e que os
jovens podem e devem desenvolver atividades não criminais.
Determinam também que devem ser estabelecidos serviços e
programas de caráter comunitário que respondam às
necessidades dos jovens e ofereçam a eles e às suas
famílias, assessoria e orientação adequadas. Estabelece
que, somente em último caso, deverão os jovens ser
internados em instituições e pelo menor tempo necessário.
Concentram-se na prevenção da delinquência juvenil
mediante a participação de todas as camadas da sociedade e
a adoção de uma abordagem voltada à criança. No sentido
de fomentar ações de prevenção da delinquência o
instrumento define o papel da família, da educação, da
comunidade e da mídia para as massas, e ainda estabelece
o papel e a responsabilidade da política social, da legislação,
da administração da justiça juvenil, da pesquisa e
desenvolvimento e coordenação de políticas. As diretrizes
exortam os Estados a elaborar e implementar planos
abrangentes, em todos os níveis de Governo, para a
prevenção
da
delinquência
juvenil,
com
pessoal
especializado em todos os níveis.
Têm por objetivo estabelecer normas mínimas para proteção
dos privados de liberdade em todo o mundo, devendo ser
garantido o direito de desfrutar de atividades e programas
úteis que sirvam para fomentar o desenvolvimento saudável
e com
dignidade, promovendo seu sentido de
responsabilidade. É um instrumento elaborado para
assegurar que as crianças e adolescentes privados de sua
liberdade sejam mantidos em instituições somente quando há
necessidade absoluta de fazê-lo. As crianças e adolescentes
custodiados
devem
ter
atendimento
humanizado,
considerando sua condição de desenvolvimento, respeito
total aos seus direitos humanos, pois, ao serem privados de
sua liberdade, são altamente vulneráveis a abusos,
vitimização e violações de seus direitos, sendo esta mais
uma razão para que sua internação seja tomada em último
caso.
Fonte: SOUZA, 2007, p.22-25 reelaborado pela pesquisadora em 2010.
O Estatuto, introduzindo os ditames dos instrumentos internacionais,
indica que a autoridade judiciária deve se pautar não somente na existência de
uma culpabilidade do adolescente pelo ato, mas na capacidade de cumprir a
medida socioeducativa a ele atribuída, observada as circunstâncias, a
gravidades da infração e as necessidades pedagógicas, psicológicas e sociais.
As medidas socioeducativas são universalizadas a todos que estão sujeitos a
65
elas. O fato de ser inimputável, não é sinônimo de impunidade e
irresponsabilidade,
devendo,
quando
da
aplicação
das
medidas
socioeducativas (artigo 112), que podem ser isoladas ou cumulativas (art.99) e
substituídas a qualquer tempo, ter presente que a responsabilização ao
adolescente deve ser revestida pelo respeito à equidade, isto quer dizer, ter
uma atenção adequada e individualizada que vise o fortalecimento dos vínculos
familiares e comunitários (artigos 100)
Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá
aplicar ao adolescente as seguintes medidas:
I- advertência,
II- obrigação de reparar o dano,
III- prestação de serviços à comunidade,
IV- liberdade assistida,
V- inserção em regime de semiliberdade,
VI- internação em estabelecimento educacional,
VII- qualquer uma das previstas no art.101, I a VI.
§1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de
cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração (ECA, art. 112).
Legitimando o desejo de ver inibida a ação arbitrária do Estado e a
garantia do respeito aos direitos constitucionais, o ECA, prevê que “nenhum
adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal”
(art.110). Não há razão para tratamento diferenciado entre cidadãos
constitucionalmente iguais. Assim, prevista a materialidade, a existência e a
comprovação de autoria do ato infracional para aplicação de medidas fica
também previsto que o autor de ato infracional terá as garantias processuais
asseguradas. Ninguém pode ser preso, ou privado de sua liberdade, ou ser-lhe
imputado algo sem que tenha conhecimento devido do fato, a partir do devido
processo legal (Titulo III, Capítulo II, art.110), que possa defender-se através
de profissional técnico, ter pleno conhecimento da atribuição do ato (Titulo III,
Capítulo II, art.111,inciso I), provendo provas sobre sua conduta e sua
inocência.
São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias:
66
I- pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante
citação ou meio equivalente,
II- igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e
testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa,
III- defesa técnica por advogado,
IV- assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei,
V- direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente,
VI- direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer
fase do procedimento (ECA, art.111).
Pouco utilizada e conhecida por familiares e os próprios adolescentes, a
Remissão (Titulo III, Capítulo V), é prevista antes da submissão do processo à
Justiça, inclusive com aplicação de medidas de forma consensualizada, atenua
as medidas mais graves, articulando e integrando programas comunitários de
orientação e supervisão temporária, com acesso do adolescente a programas
sociais oficiais que tenham em sua ordem a concepção socioeducativa nas
relações sociais trabalhadas, restituição e compensação das vítimas.
Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato
infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a
remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às
circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem
como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor
participação no ato infracional.
Parágrafo Único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão
pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do
processo (ECA, art.126).
Se a materialidade dos fatos caminha para a aplicação de medida de
internação ao adolescente autor de ato infracional (art.121), a medida mais
drástica da doutrina da responsabilidade, que sempre será sujeita aos
princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição de peculiar
pessoa em desenvolvimento, o Estatuto prevê que seja garantida a oferta de
assistência às necessidades sociais educacionais, profissionais, psicológicas,
físicas,
médicas,
observando
as
especificidades
de
gênero,
idade,
personalidade e condição excepcional de maternidade, aleitamento, e saúde
mental de seu autor/a. Resoluções do CONANDA indicam ainda que as
unidades de internação, semiliberdade e internação provisória, devem
obedecer parâmetros arquitetônicos e de gestão, garantir a participação da
família no processo socioeducativo e na elaboração do Plano Individual do
67
Adolescente (PIA), atualizado regularmente e de conhecimento da autoridade
judiciária.
Atento aos instrumentos internacionais e ao pressuposto contido no ECA
de que, “a internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos
princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de
pessoa em desenvolvimento” (ECA, art.121) é que o Estado brasileiro deveria
então priorizar as medidas em meio aberto (prestação de serviço à comunidade
e liberdade assistida) em detrimento das medidas restritivas da liberdade
(semiliberdade e internação).
Supomos que a tendência de internação de adolescente deixa à vista
que o rigor da medida não representa melhoria dos indicadores de inclusão
social e redução dos círculos de violência a que estão expostos os
adolescentes, principalmente das classes sociais mais vulnerabilizadas.
De um lado, o ECA indica que a política de atendimento deva ocorrer
através de um conjunto articulado de ações governamentais e não
governamentais, deixando explícita a ideia de um sistema, um todo organizado,
dirigido a crianças e adolescentes, cujas linhas de ação passam pelas i)
políticas sociais básicas; ii) políticas e programas de assistência social, para
aqueles que dele necessitarem; iii) serviços especiais de proteção e
atendimento psicossocial e médico a vitimas de todos os níveis de violência e
opressão, iv) proteção jurídico-social por entidades de defesa de direitos (ECA,
art.87). A incompletude institucional, direção revelada pelo ECA, caracteriza
que “a política de aplicação das MSE não pode estar isolada das demais
políticas públicas”. Os programas de execução das MSE devem estar
articulados no âmbito dos municípios, com os demais serviços, programas,
projetos e benefícios em rede com do Sistema de Proteção Social local,
procurando assegurar aos adolescentes em conflito com a lei sua proteção
integral. A concretude desta operacionalização em rede integrada é essencial
para efetivar garantias dos direitos dos ACL´s e sua inclusão social, as redes
de apoio nas comunidades, a regionalização dos programas de privação de
liberdade, pode garantir o direito à convivência familiar e comunitária destes
adolescentes, sob nova matiz.
Consequentemente, o SINASE como um conjunto ordenado de
princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro
68
e administrativo envolve diversos agentes públicos e parceiros institucionais,
desde o inicio do processo de apuração do ato infracional até a execução de
medida socieducativa. Levando-se em conta este sistema nacional, os
sistemas estaduais, distritais e municipais, bem como todas as políticas, planos
e programas específicos de atenção, trazem para a base dos municípios a
intervenção do atendimento, a intersetorialidade das políticas sociais e a coresponsabilidade da família, comunidade e do Estado.
A direção dada pelo ECA para a municipalização do atendimento (art.88,
inciso I), deixa explícito o significado de que tanto o atendimento inicial ao
adolescente em conflito com a lei quanto a execução das MSE devem ser
executadas no limite geográfico do município, de modo a fortalecer o contato,
vínculo familiar e comunitário dos adolescentes atendidos.
Tem conteúdo programático, sendo uma orientação para os atores na
área da infância e da adolescência, funcionando como um objetivo a
ser perseguido (...) e não se configurarem conflitos com outros
princípios da doutrina da Proteção Integral, considerados de maior
relevância no caso concreto (SINASE, 2006, p.29)
a da especificidade dada a descentralização político-administrativa
(art.88, Inciso III), das MSE. Descentralização se situa em duas searas:
a) descentralização política supõe a distribuição de competências de
formulação de políticas entre os entes federados (União, Estados, Distrito
Federal e Município), cada ente federado desempenha atribuições próprias,
sem necessariamente, dependerem dos demais entes. Esta autonomia política
está prevista na CF/88 e sua resolutividade é garantida em leis, não
autorizando que competências próprias de cada ente federado, sejam
delegadas a particulares, por exemplo, “o monopólio da força física” exercida
por seguranças privados em unidades de privação de liberdade de ACLs;
69
b) descentralização administrativa, refere-se ao modo como o Poder público
exerce suas atribuições e competências, como administra, implementa as
políticas públicas,
Pode exercê-las de forma centralizada, quando suas ações são
efetivadas de modo direto pelos agentes públicos e órgãos
integrantes da administração públicas; e de forma descentralizada,
quando exerce suas atribuições em cooperação com organizações
não-governamentais (SINASE, 2006, p 30).
Descentralizadas também são as atribuições de deliberação e controle
das políticas da área da infância e da adolescência; assim, decisões que
alterem o processo de atendimentos das MSE devem ser fruto de deliberações
dos Conselhos de Direitos em cada esfera de poder. Deste modo, crianças e
adolescentes deixam de ser “objetos de medidas judiciais e procedimentos
policiais”, para serem sujeitos de direitos, credores de políticas sociais públicas
que garantam acesso aos direitos sociais fundamentais à sua existência,
sobrevivência e desenvolvimento, ao convívio familiar e comunitário, ao
respeito e a dignidade. A prevenção às ameaças ou violações destes direitos
impõe ao Estado, à sociedade e à família serem os guardiões e possibilitarem
as garantias para sua preservação e condições de atendimento (ECA, art.70 a
73).
Um grande desafio para a execução das medidas socioeducativa vêm
do desconhecimento das normativas legais, por parte de adolescente e das
famílias e de alguns operadores do sistema de proteção social, da reduzida
reflexão e produção científica sobre a temática relatando experiências e
postulando a construção de epistemologias sobre esta área social crítica em
projeção, ou a baixa efetividade na implantação de políticas públicas que
garantam o bem-estar social de adolescentes e suas famílias e da falta de
compreensão dos operadores do Sistema de Garantia sobre o caráter
pedagógico, educativo e garantista do Estatuto, um direito sobre os direitos.
A
implantação
das
medidas
socieducativas
como
meio
de
responsabilização do adolescente, para ser aplicada, necessita que os
programas socioeducativos para adolescentes sejam articulados em rede,
integrados com a família, com a sociedade e na comunidade, assegurando
70
direitos e acessos a estes direitos. O acionamento de instrumentos de controle
social e institucional através dos CMDCA e por parte do Ministério Público
requisitando ao Estado e indicando à sociedade, a implantação de serviços,
programas, projetos que atendam às necessidades dos adolescentes autores
de ato infracional e de suas famílias são novos mecanismos de defesa dos
direitos em vigor.
Fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do
Adolescente é outro desafio prevalecendo a necessidade da articulação e
integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na
aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de
promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do
adolescente, no âmbito das esferas Federal, Estadual, Distrital e Municipal.
Após 20 anos de implantação do ECA, este sistema não se encontra
integralmente institucionalizado, atuando de forma desarticulada, demandando
ações de qualificação de seus operadores para implementação de políticas
públicas que garantam os direitos assegurados pela legislação em vigor. O
Sistema integrado de garantias de direitos deve prioritariamente se desenvolver
sobre três bases :
a) A Defesa dos Direitos Humanos: Os órgãos públicos judiciais; Ministério
Público, especialmente as Promotorias de Justiça, as Procuradorias Gerais de
Justiça; Defensorias Públicas; Advocacia Geral da União e as Procuradorias
Gerais dos Estados; polícias; conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de
defesa de direitos humanos estarão incumbidas de prestar proteção jurídicosocial.
b)
A Promoção dos Direitos: Implementado por meio de política de
atendimento
de
direitos
humanos
de
crianças
e
adolescentes
que
operacionalize: serviços e programas, projetos e benefícios das políticas
públicas, especialmente das políticas sociais, da execução de medidas de
proteção de direitos humanos; da execução de medidas socioeducativas.
c) O Controle e Efetivação do Direito Implementado através de instâncias
públicas colegiadas próprias, ou seja dos conselhos dos direitos de crianças e
adolescentes; conselhos setoriais de formulação e controle de políticas
públicas; e dos órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos
71
pela Constituição Federal; e pelo controle social exercido pela sociedade civil
através de suas organizações, entidades e articulaçãoes representativas.
O SGD é composto pelos sistemas que regem as políticas sociais
públicas, dentre eles, o Sistema Único de Assistência Social - SUAS, (que
responde pelas ações de proteção social básica e especial do campo da
política de assistência social), o Sistema de Justiça, o Sistema de Segurança
Pública. A consolidação deste sistema, através de iniciativas como a aprovação
do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças a
Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, efetuado pelo governo
federal, vem dando mostras da significativa relevância do SGDCA e de sua
importância e articulação devido à amplitude das ações e ao grande número de
atores envolvidos com abrangência nacional.
Outra necessidade também é a de estabelecer uma comunicação,
proximidade e estabelecimento de fluxos, procedimentos, normativas, de
atendimento ao adolescente em conflito com a lei do Sistema Nacional de
Atendimento Socioeducativo - SINASE em seus âmbitos, com o sistema de
proteção social para operar as proteções sociais devidas. Assim, políticas
sociais públicas de caráter contributivo ou não, reconhecidos pelos bens e
serviços produzidos socialmente dirigidos a todos na sociedade, serão
destinados com prioridade às crianças e adolescentes por razão de sua
vulnerabilidade temporária ou permanente - isto quer dizer que o atendimento
às necessidades sociais de crianças e adolescentes como educação, saúde,
habitação, alimentação, transporte, esporte, lazer, trabalho, o meio ambiente, a
informação, a segurança pública, assistência social, estarão em primeiro lugar
no elenco de políticas públicas resultado da articulação entre União, Estados e
Municípios.
A constatação ou iminência de violação de direito de crianças ou
adolescentes em conflito com a lei, pressupõem a concessão de medidas de
proteção previstas no ECA (art.98). Serão responsabilizados o Estado e a
sociedade que tem por dever zelar pela prevenção, já que tem por obrigação
assegurar a efetividade destes direitos. Os pais e ou responsáveis serão
responsabilizados pelas violações de direitos, que por circunstância de sua
falta (ausência), por sua omissão (ausência de ação ou inércia), abandono
72
(falta material, desamparo) negligência (desleixo, descuido, desatenção,
abandono), por abuso (exceder nas atribuições do poder familiar, violência
sexual, maus tratos), exponham a vida ou a saúde de quem esteja sob sua
autoridade, guarda ou vigilância. Serão ainda responsabilizados por razão de
sua conduta, as crianças e jovens que pelo seu comportamento de risco,
ameaçam ou violem seus direitos e aos direitos de outrem, podendo ser tal
conduta relacionada ao ato infracional.
As mudanças do fazer jurídico e institucional por parte dos operadores
do novo mandamento legal, ainda se revestem de muitos desafios, não requer
somente bom senso e conhecimento. Para estas mudanças são necessárias a
compreensão do exato sentido e significado das providências e respostas
atribuídas à intervenção estatal quando instala os meios para o cumprimento
das medidas socioeducativas previstas. A mudança de hábitos e posturas
requer além da retórica e do discurso vazio, ações.
73
2.2 OS SUJEITOS SOCIAIS E OS OPERADORES DAS MEDIDAS
SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO
Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à
criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito
à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à
convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda
forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade
e opressão (Redação dada pela EC 65/10).
2.2.1. Quem são os adolescentes e jovens em conflito com a lei
Para as reconhecidas etapas do ciclo de vida - a infância, a
adolescência, o jovem36, o adulto, o idoso - as categorias aqui entendidas são
as previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para criança,
pessoas de 0 a 12 anos incompletos e adolescente pessoas de 12 a 18 anos
de idade completos, respeitada sua condição peculiar de desenvolvimento
físico, psicológico e social, acrescido em caráter excepcional, das pessoas
entre dezoito e vinte e um anos (art.2º, parágrafo único), para fins específicos
de proteção integral, ao jovem em conflito com a lei
Já o termo juventude37 passa a ser compreendido como uma categoria
sociológica, que indicaria o processo de preparação de indivíduos, para
assumirem o papel de adultos na sociedade, tanto no plano familiar quanto no
36
A CF/88 teve o artigo 227 acrescido pela EC65/2010 com a inclusão da categoria jovem
como pessoas a quem a família o estado e a sociedade devam afiançar proteção integral.
Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/constituição/constituição.asp. Acesso em 13.12.2010.
37
Não há consenso em torno dos limites de idade que definem a juventude, pois esta é uma
categoria em permanente construção social e histórica, variando no tempo, de uma cultura
para a outra, e até mesmo no interior de uma mesma sociedade. Para operacionalizar o
conceito analiticamente, adotou-se aqui o mesmo recorte etário com que trabalham a
Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) e
que é adotado na proposta de Estatuto da Juventude, em discussão na Câmara dos
Deputados: de 15 a 29 anos, com os subgrupos de 15 a 17 (jovem-adolescente), de 18 a 24
anos (jovem-jovem) e de 25 a 29 anos (jovem-adulto). A adoção deste recorte etário no âmbito
das políticas públicas é bastante recente. Dois argumentos prevalecem na justificativa desta
mudança: maior expectativa de vida para a população em geral e maior dificuldade desta
geração em ganhar autonomia em função das mudanças no mundo do trabalho.(In Juventude
e Políticas Sociais no Brasil, IPEA, 2009, p.30)
74
profissional. A Secretaria Nacional da Juventude38 reconhece que, no Brasil,
desde 2005, vários esforços têm sido feitos no sentido de elaborar parâmetros
e
(...) fez apelos para que, os diferentes Ministérios, no planejamento e
na execução das políticas setoriais, considerem as singularidades do
público jovem, levando em conta, suas estratificações etárias de 15 a
17 anos, de 18 a 24 anos, e, de 25 a 29 anos; assim como tem
buscado parcerias com instituições de pesquisa e planejamento para
o tratamento e a desagregação das informações estatísticas oficiais,
disponíveis, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a
juventude brasileira (REYES, 2009, p.21).
A ampliação da agenda pública sobre os jovens, como sujeitos de
direitos, evidenciam uma nítida interseção no qual se conjugam direitos de
cidadania e direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos
ganha concretude quando passa a englobar e contribuir para expandir os
direitos de cidadania (Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais),
fruto das pressões dos movimentos sociais, reflete diretamente sobre as
transformações sociais na economia, na tecnologia, na comunicação e na
política. Sob a lógica dos direitos humanos passam a funcionar instrumentos de
enfrentamento às diferentes formas de preconceito, discriminação e violências
que atingem os jovens, agregando as diversidades das demandas juvenis às
diferentes gerações de direitos civis, sociais, políticos e difusos.
Neste contexto, a expressão jovens como sujeitos de direitos está
ancorada na compreensão da indivisibilidade dos direitos individuais
e coletivos e expressa o grande desafio das democracias
contemporâneas para articular igualdade e diversidade. Em síntese,
quando se fala em Políticas Públicas para Juventude (PPJs), é
preciso considerar que os problemas e as demandas relacionam-se
tanto com questões (re)distributivas mais gerais da sociedade
excludente quanto com questões de reconhecimento e valorização de
sua diversidade e, ainda, evocam a dimensão participativa, de grande
importância na fase da vida em que se passa da infância para a vida
adulta e se busca emancipação (REYES, 2009, p.19
grifos do
autor).
38
Em fevereiro de 2005 é criada a Secretaria Nacional de Juventude, vinculada à Presidência
da República, com o objetivo de articular os programas e projetos, em âmbito federal, e
fomentar a elaboração de políticas públicas para jovens. Assim, no espaço da Secretaria-Geral
da Presidência da República (SGPR), em 2005, o governo brasileiro criou a Secretaria
Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude e o Programa Nacional de
Inclusão de Jovens – o ProJovem original, realizado em gestão compartilhada entre os
Ministérios da Educação (MEC), do Trabalho e Emprego (MTE) e do Desenvolvimento Social e
Combate à Fome (MDS), sob a coordenação da SNJ/SGPR
75
Nesse sentido, as demandas juvenis se transformam em direitos
operados pelas Redes de Proteção Social. Segundo Reyes (2009) sua
execução deve ancorar três direções: i) Caráter Universal: as políticas setoriais,
consideradas estruturais e como direitos de cidadania (educação, trabalho e
emprego, assistência social, saúde, cultura e as de combate à violência),
operadas através de seus sistemas únicos dotados da devida institucionalidade
e de financiamento, deve incorporar as “questões singulares da geração
juvenil”; ii) Caráter Atrativo: com incidência voltada aos jovens, abrindo
possibilidades e oportunidades específicas , aos moldes dos Pontos de Cultura
e o Programa Juventudes Urbanas39, as regulações dos fluxos migratórios
(fluxos itinerantes de jovens pelos diversos territórios da cidade, verdadeiros
points de encontros e aglomerações , que mudam constantemente de regiões,
bairros, cidades, locais), até nos espaços territoriais em que se encontram
diferentes faixas etárias, mas que afetam os jovens como as políticas de
seguranças e combate à violência; iii) Caráter Exclusivo: aquelas voltadas
especificamente a faixa etária predefinida entre 15 e 29 anos, podendo ser
programas e ações que provêem atenções a jovens em situação de
vulnerabilidade e riscos sociais, até que cessem as situações que lhes deram
origem,
exemplo
do
ProJovem,
presente
na
oferta
dos
serviços
socioassistenciais da proteção social básica da política de assistência social.
Em se tratando de políticas públicas que afetam a vida e os direitos, o
desafio é combater resistências históricas de compartilhar, articular, coordenar
programas e ações com objetivo de implantar políticas voltadas para este
segmento etário. Uma estratégia para promover a transversalidade das
políticas, dos programas e das ações setoriais, pode estar nos modelos de
gestão integrada. Ainda são muitas as dificuldades para integrar programas e
ações,
assim
como
para
garantir
as
previsões
orçamentárias
e
o
desenvolvimento de tecnologias sociais. Um exemplo foi com a questão da
infância e seus avanços; em poucos anos, poderemos acordar parâmetros para
39
Iniciativa criada em 2004 o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação
Comunitária- CENPEC inicia o Programa Jovens Urbanos destinado a jovens na faixa etária de
16 a 21 anos, residentes em regiões metropolitanas. Nascido da parceria do Itaú Social,
articulado com órgãos governamentais, centros tecnológicos e ONGs fomenta a “inserção dos
jovens em espaços e fatos urbanos desconhecidos propiciando a ampliação de repertórios
culturais, o usufruto de direitos e acesso a saberes e culturas em movimentos nos cenários
urbanos.” (Cadernos CENPEC, no. 05, 2008, p.p. 7)
76
integrar políticas e calcular os gastos/investimentos para a juventude, mas
ainda com uma dificuldade:
As políticas voltadas para a infância estão referidas à família e se
caracterizam, sobretudo, pelo caráter de proteção, o que, de alguma
forma, facilita a integração de programas e ações voltadas para a
unidade familiar de referência, assim como o cálculo em termos de
gasto público por família. No caso da juventude, para além da
questão etária, a tensão entre proteção social/participação –
emancipação/formação de uma nova família torna-se mais um
complicador tanto para caracterizar este público-alvo – já que até um
mesmo segmento social juvenil comporta diferenciadas trajetórias de
vida – quanto (mais) para o cálculo do gasto público (REYES, 2009,
p.20 grifos do autor).
Segundo dados da Projeção Populacional do Instituto Brasileiro de
Geografia e Estatística (IBGE) – Revisão 2008 aponta que em 2007 os jovens
brasileiros com idade entre 15 e 29 anos somavam 50,2 milhões de pessoas, o
que correspondia a 26,4% da população total de 189 milhões de habitantes do
país. Este contingente é 45,9% maior do que aquele de 1980, quando havia no
país 34,4 milhões de jovens; no entanto, ainda é menor do que os 51,3 milhões
projetados para 2010. As projeções indicam, porém, que a tendência de
crescimento da população jovem deverá se reverter, havendo redução
progressiva no número absoluto de jovens no Brasil, que chegará a 2050 em
torno de 49,5 milhões.
O adolescente, parte integrante deste conjunto demográfico designado
juventude, inseriu-se em uma das expressões e facetas na contemporaneidade
a partir de duas abordagens. De um lado, pela via do “problema social”, como
infrator, resultante de um comportamento de risco e da drogadição, dentre
outros, que demandariam medidas de contenção e enfrentamento por parte da
sociedade. De outro lado, a adolescência, também tradicionalmente vista como
fase transitória para o exercício da vida adulta, demandaria da sociedade e dos
núcleos
familiares
um
esforço
coletivo,
na
direção
da
formação,
primordialmente escolar, para “preparar o jovem” para ser um adulto produtivo,
socialmente ajustado, provedor financeiro, chefe de família.
77
Assim, finalizado o processo de aculturamento social, este jovem
estaria pronto para o mundo adulto, incorrendo numa nova fase de
vida estável para a sociedade; qualquer comportamento estranho a
este padrão social, é considerado um desvio uma disfunção social
vinculando-se a uma desordem social (AQUINO, 2009, p.25).
Essa modalidade de avaliar o adolescente-jovem, e que permeia a
sociedade durante anos, estruturou os sistemas de educação formal e
profissional, formatou as relações intrafamiliares e pautou as relações no
âmbito na vida em comunidade. Respeitada estas fases e cumpridas estas
etapas, o jovem estaria preparado para a vida que tinha por fim a relação com
o trabalho, principal foco de pertencimento social desejado por gerações de
famílias trabalhadoras. As relação do trabalho e do mercado exercem forte
pressão nos alicerces da perspectiva de pertencimento social de adolescente e
sua família na comunidade, no seio da família, na sociedade. Os papéis sociais
exercidos no contexto familiar por seus membros foram se reconfigurado,
influenciado pelo processo de reestruturação produtiva do mercado e dos
sucessivos momentos de crise. As idas e vindas da instabilização econômica
influenciaram as modalidades de atividades produtivas não formais nas
comunidades, cada vez mais carentes da presença do Estado. Famílias inteiras
ficaram aos cuidados e atenções de suas próprias redes intrafamiliares e da
comunidade organizada de seus territórios de moradia.
Segundo Aquino (2009), o acesso ao mundo do trabalho ainda
representa uma condição fundamental de sobrevivência. A inexistência do
trabalho, do emprego formal, de uma atividade contínua produtiva e
remunerada com garantias previdenciárias e trabalhistas expõe adolescentes
(16-18anos) e jovens (18-24anos), a situações de empobrecimento crônico. Na
busca da manutenção do então resgate do papel de provedor ou apoiador
econômico
familiar,
estes
adolescentes
abandonam
precocemente
a
escolarização. Envolvidos em atividades produtivas sem qualificação, com
jornadas de trabalho exaustivas, baixa remuneração, impõe a um ciclo
geracional, uma ausência de formação sócio-educacional e cultural e de
qualificação profissional que afetará a longo prazo o desenvolvimento
econômico do país.
Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios
(PNAD-IBGE), 30,6% dos jovens são considerados pobres, cujas famílias
78
vivem com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo (SM). De
outra parte, apenas 15,7% são de famílias com renda domiciliar per capita
superior a dois SM´s e aproximadamente 53,7% pertencem ao extrato
intermediário, com renda domiciliar per capita entre meio e dois SM´s. Note-se,
ainda, que os jovens pobres são majoritariamente não brancos 40 (70,9%),
enquanto os jovens brancos são 53,9% dos não pobres, embora a distribuição
dos jovens brasileiros entre os grupos ( brancos e não branco) seja de 47,1% e
52,9%, respectivamente. Os dados refletem quanto a relação renda cor da pele
aproxima nossos jovens da condição de ser pobre.
Na faixa de 15 a 17 anos, que corresponde ao período em que se
espera que o jovem esteja cursando o ensino médio, os brancos
apresentam taxa de frequência líquida de 58,7%, contra 39,3% dos
negros. Pode-se lembrar ainda o fato de que os jovens negros estão
sobrerrepresentados no segmento de jovens que não trabalham nem
estudam, além de sua inserção no mercado de trabalho estar
caracterizada por condições de maior precariedade que a dos jovens
brancos (AQUINO, 2009, p.33).
Assim, por meio da informalidade e de outros mecanismos de relação de
trabalho precarizados, é que durante anos, famílias desligadas do sistema
produtivo foram convivendo precariamente com variáveis de pobreza e
necessidades sociais não satisfeitas. Oriundos destas famílias, muitos
adolescentes, com reduzido acesso às políticas de educação, principalmente,
se envolvem em atos ou atividades ilícitas como meio e estratégia de
satisfação de suas necessidades sociais. A estes, o olhar vigilante da
sociedade acabou “(...) impondo a identificação dos jovens como o grupo
prioritário sobre o qual deveriam recair as ações de controle social tutelar e
repressivo, promovidas pela sociedade e pelo poder público” (AQUINO, 2009,
p.33)
Outros aspectos aqui já mencionados anteriormente fazem referências
aos índices de mortalidade juvenil que acometem nossos jovens, dos índices
de privação de liberdade para jovens-adolescentes cujas características de
cor/raça, renda e escolaridade se apresentam como uma constante.
40
Entre os não brancos, 83,7% são pardos, 14,9% pretos, 0,9% amarelos e 0,6% indígenas.
Esta distribuição foi obtida a partir da auto-declaração do entrevistado pela PNAD/IBGE 2008,
sobre sua identificação étnico-racial e a dos membros do domicílio.
79
É importante observar também a iniciação precoce da sexualidade, não
que seja necessariamente uma forma de passagem para a vida adulta; pode
representar uma forma de “experimentar vivências do mundo adulto, sem
assumi-lo completamente”. Daí que, as configurações de famílias de jovens
casais vivendo sem casamento ou de jovens que moram com as namoradas ou
criam seus filhos na casa dos pais,
são fenômenos cada vez mais comuns que desorganizam a
compreensão tradicional de transição para a vida adulta,
evidenciando o exercício de vários ‟papéis adultos‟ por indivíduos que
ainda se identificam como jovens (AQUINO, 2009, p.28 grifo do
autor).
Sem deixar de viver experiências de adultos mescladas com as
vivências do mundo jovem, esta transitoriedade entre o mundo adulto e o
mundo jovem acaba por ser uma característica de nossa contemporaneidade.
Um exemplo destes cenários contemporâneos são as formas de
sociabilidades que produzem efeitos de negação e até destruição da vida,
como o envolvimento de jovens com o tráfico:
Sem perspectivas de formação de vínculos sociais multiplicados que
ofereçam sustentação ou aberturas renovadas para a organização de
sua vida, jovens pobres são nas grandes cidades brasileiras
recrutados pelo tráfico de armas e drogas ou por outras dinâmicas
criminais (MUSSI e ANDRADE, 2008, p.24).
As autoras abordam os caminhos desta forma de sociabilidade, os
jovens, exercitam nesta experiência relacional, além do circuito do risco de vida
e da criminalidade, processos de subjetivação e exercitam linguagens próprias
ao mundo que experienciam nas dinâmicas criminais. A própria violência é
expressão de uma linguagem. Talvez a dificuldade de desvinculação, de
rompimentos com estas sociabilidades que desencadearam a produção de
subjetividades destes jovens, possa representar o temor da perda de uma
identidade que ainda transita para uma busca de significados
O ato da fratura, necessariamente não produz outro modo de vida ou
novos horizontes, é preciso ir além e desconstruir o sujeito que foi inventado
nesta experiência. Para além destes caminhos que organizam suas vidas a
partir da relação complexa com o tráfico, segundo as autoras, temos aqueles
80
caminhos que se organizam em sociabilidades esvaecidas, o que quer dizer
que
Diminuídas as possibilidades de exercer diferentes vínculos sociais,
em função do baixo acesso, participação e inserção nas instituições
sociais, econômicas, culturais, jovens brasileiros vagam invisíveis por
um mundo restrito de significados e programas de vida futuros, (...)
Jovens transitam numa faixa de vida desprovida de sentidos e
valores, passíveis de serem comungados com outros, além de terem
desfortalecidos os afetos por si (MUSSI e ANDRADE, 2008, p. 25).
Demandar que a multiplicação de relações e as diferentes sociabilidades
possam resultar em potentes forças vivas nos espaços públicos de lutas e
transformações de nossos jovens, fará com que atuem como sementes das
micropolíticas de resistências nos cenários das cidades.
Diante de fatos, é preciso que as juventudes tenham garantias
concretas de integração e pertencimento societários, como a
integração com instituições de ensino; às instituições vinculadas ao
mundo do trabalho; às instituições de saúde; às instituições políticoculturais disponíveis na sociedade democrática (idem, ibidem).
A tênue fronteira que separa o mundo ilegítimo do crime, da
contravenção, da transgressão, do considerado mundo legítimo reconhecido
pelo ganho justo através do trabalho, expressa e trava uma particular relação
dos adolescentes com os territórios em que habitam. Segundo Feltran (2008), a
invisibilidade social, o despertencimento, as inúmeras iniciativas para atingir
uma mobilidade social (trabalho-reconhecimento-respeito) resvalam nas
condições concretas de possibilidades, oportunidades e ausências que suas
famílias e setores da sociedade têm de estabelecer com estes dois mundos.
Manter e reforçar redes internas e externas de convívio familiar e comunitário,
em contraponto ao assédio e oferta consumista de bens de consumo pelo
mercado, ainda é o grande desafio destas famílias e seus filhos.
Saber estabelecer uma relação e compreender o “conjunto de códigos e
sociabilidades que se estabelecem, no âmbito local, em torno dos negócios
ilícitos do narcotráfico, de roubos e furtos” (FELTRAN, 2008, p.93) se tornou
um referente na vida de pais e familiares, profissionais e gestores públicos, no
enfretamento da dimensão da questão do ato infracional envolvendo
adolescentes.
81
O trabalho que mobiliza estes jovens hoje não está revestido de uma
utilidade social: o que, para que, por que; resultam na negação do mito do
trabalho que compensa, e de que, este (o trabalho) confere respeito e
aceitabilidade entre os indivíduos. Uma ausência de sentido do que representa
o trabalho a esta nova geração de filhos de trabalhadores e o desejo do
imediatismo consumista, refaz a própria questão do trabalho e cria um
paradoxo, um verdadeiro hiato na relação da produção-consumo, ou seja, sou
trabalhador, logo, sou consumidor. O status do consumo que faz criar um
sentimento de ausência de limites a este prazer, não tornam igual os desiguais.
A espetacularização das existências e dos reconhecimentos públicos, as
imagens, as cenas que fazem as pessoas agirem como mercadoria, que se
transforma em algo virtual, outro efeito deste processo midiático, espanta pelo
número de sites de exposição do corpo nas redes de informação que é
acessada por adolescentes nas lan houses e aparelhos de telefonia.
Transitar pelos territórios e periferias urbanas das grandes cidades, em
parte é visualizar os efeitos da destituição de um não lugar, espaços de não
consumidores, dos não plenos cidadãos, não incluídos, contracenando com
uma massa de personagens sem emprego, sem educação, sem trabalho, sem
habitação, sem identidades sociais. O efeito do confinamento destes jovens
nos espaços e territórios de seus bairros, em função das dificuldades de
acesso e inserção social, faz da vivência do tempo sobrante, dado pela
ausência do trabalho, o tempo livre que arrasta jovens para os espaços do ato
infracional. O fato de circularem com uma roupa de marca legítima, pois não
basta ter a marca, ela não pode ser comprada no camelô41, já cria
aproximações de caráter universalista destes sujeitos. Parece fazer do
imediatismo deste consumo o que basta para transpor as barreiras e fronteiras
desta invisibilidade social.
Muito interessante observar que no Brasil, nas décadas de 1970 e 1980,
muitos de nossos jovens rompem as amarras e fronteiras para alcançar uma
visibilidade
social,
mobilizando
instrumentos
sociais
para
buscar
um
pertencimento e visibilidade política, também de pertencimento social, mas um
pertencimento social que desse conta das aspirações por ideais humanistas,
41
Camelô, tipologia de atividade comercial, informal, precarizada, sem regulação oficial que
circula nos grandes centros e periferias das cidades.
82
revolucionários nos costumes, na moral empunhando bandeiras que tornavam
os sujeitos sociais mais plenos. Hoje, 30 anos depois, nossos jovens também
rompem amarras, saltam muros, para atingir esta visibilidade, mas por ideais
consumistas, mercadológicos, motivos que dão uma representação menos
segregadora nos contextos societários.
2.2.2 A família de adolescentes
A pesquisa em tela fala de famílias de adolescentes que estão em
cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto na modalidade
liberdade assistida, sujeitos sociais que se encontram em situação de violação
de seus direitos em diversas dimensões sociais. O trabalho realizou uma
aproximação com as condições de vida de um grupo de adolescentes e suas
famílias, buscando compreender nos limites desta abordagem o contexto do
espaço das relações afetivas, socioculturais, éticas que proporcionam a
construção, fortalecimento e estreitamento de laços de solidariedade, de
carinho, de atenção.
Certo é que a família, como qualquer tipo de formação e agregação é
afetada sobremaneira pelo impacto do processo de desenvolvimento
socioeconômico vigente, projetado pela ação do Estado através das políticas
econômicas e sociais, e assim, demandam políticas públicas que enfrentem os
desafios postos pela vulnerabilidade e condição de pobreza.
A família é o primeiro sujeito que referencia e totaliza a proteção e a
socialização dos indivíduos. Independente das múltiplas formas e
desenhos que a família contemporânea apresente, ela se constitui
num canal de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações
sociais. (...) Retomar a família como unidade de atenção das políticas
públicas não é um retrocesso a velhos esquemas. É, sim, um desafio
na busca de opções mais coletivas e eficazes na proteção de
indivíduos de uma nação (BRANT, 1998, p.93).
A constatação de que por detrás de uma criança ou adolescente cujos
direitos foram violados, há uma família em situação de desproteção social é
uma realidade em inúmeros lares brasileiros. As diferentes dimensões e papéis
que desempenha a família na sociedade, ou seja, quanto à divisão sexual de
83
trabalho, o trabalho produtivo, improdutivo e reprodutivo, a condição de
unidade de renda e consumo e de prestação de serviços são profundamente
afetada pelas violações frequentes aos direitos humanos, aos direitos de
cidadania, à sua sobrevivência enquanto suporte básico de provimento de
proteção integral a seus membros.
Um grande desafio é compreender a família como uma instituição que
opera impactos no conjunto da sociedade, a partir da forte integração de seus
sujeitos numa complexa rede de trocas, de solidariedade, que dão os sentidos
dos pertencimentos, só rompidos pela situação de vulnerabilidade, podendo:
“tornar este individuo temporária ou definitivamente incapaz de manter seu
lugar no sistema regulado de trocas que asseguram o equilíbrio do grupo ao
qual pertence” (CASTEL, 1995, p.50) Assim,
Há risco de desfiliação quando o conjunto das relações de
proximidade que um indivíduo mantém a partir de sua inscrição
territorial, que é também sua inscrição familiar e social, é insuficiente
para reproduzir sua existência e para assegurar sua proteção.
(CASTEL,1995, p. 50-51).
O forte impacto da ausência do Estado nos territórios mais
vulnerabilizados onde moram famílias também vulnerabilizadas, a instabilidade
do despertencimento, situações de desestabilização por sobrecargas de
problemas como demissões, perdas de proteção advindas do trabalho,
diferentes formas de abandonos, negligência, exploração e manifestação de
violências são elementos que podem esgarçar a flexibilidade desta rede de
sociabilidade. O apelo a suas comunidades tem poder de também reconfigurar
estas relações rompidas. Agregando de novo estes indivíduos a partir de
aportes econômicos no seio familiar e ou social, de forma ampliada ou extensa,
garantem a solidariedade na comunidade assegurando assim as ações
coletivas, cuidam dos mais vulnerabilizados através de uma assistência
mínima, entendendo que o abandono total de seus membros pode abalar a
coesão do seu grupo social.
Afinal, “a precariedade da existência faz parte das condições de todos e
não rompe o pertencimento comunitário” (CASTEL,1995, p.55), o que significa
que a precariedade das condições socioeconômicas a que estão expostas
84
estas comunidades são comuns a todos e não esgarçam os laços afetivos e
comunitários que se estabeleceram.
Deste modo, falar de famílias em suas várias dimensões e
particularidades e formações é um desafio. Não existe um modelo ideal, único
e universal de família, mas um conjunto representativo de trajetórias coletivas,
que afetam individualmente seus membros, de forma diferenciada, pela
vinculação a atividades econômicas, sociais, políticas e culturais provenientes
das macro e micro ações políticas a que estão afeitas.
A Constituição Federal de 1988, regente dos direitos do cidadão
consagra a família com novo status:
A nova definição constitucional de família tornando-a mais inclusiva e
sem preconceitos; a igualdade de direitos e deveres entre homens e
mulheres na sociedade conjugal; a consagração do divórcio; a
afirmação do planejamento familiar como livre decisão do casal; e a
previsão da criação de mecanismos para coibir a violência no interior
da família, são o resultado das lutas feministas junto aos legisladores
constituintes (COSTA, 1998, p. 21).
A dessacralização da família no ECA (COSTA, 1998), em parte produto
da ação das lutas sociais dos movimento feministas e dos movimentos em
defesa da criança e do adolescente, foi introduzindo o ideal da proteção legal
de crianças e adolescentes contra até seus próprios familiares, revendo o
instituto do poder familiar, a responsabilização masculina sobre seus filhos e ao
mesmo tempo reiterando o paradigma da convivência familiar como um direito
destes sujeitos. Abalando as visões conservadoras e idealizadoras de modelos
de família, exige também em contrapartida entender que impactos estas
mudanças e rupturas ensejaram nestes vinte e tantos anos na dinâmica de
famílias, a reprodução dos papéis sexuais e a divisão sexual do trabalho no
cotidiano das formações familiares em curso, rompendo visões fortemente
vinculadas a julgamentos morais.
A atual sobrecarga do papel de provedora atribuído à figura materna,
principalmente às mulheres sozinhas, ou famílias chefiadas por mulheres, e
ainda, as circunstâncias sociais protagonizadas pelo alcoolismo, violências e
abandono, remetem as famílias a vulnerabilidades ainda maiores.
85
Elencamos dados já publicados pelo último Censo (IBGE, 2010)42 de
indicadores
que
merecem
aprofundamento
de
atenções
para
seu
enfrentamento através de políticas públicas que alcancem patamares de apoios
e proteções às atuais formações familiares em suas complexidades. Por
exemplo, quanto aos dados apresentados para a Região Sudeste, apesar da
discrepância entre os municípios, revela uma tendência nacional de que tais
indicadores são expressivos em sua singularidade. Os formatos diferenciados
de arranjos familiares, apontam modelos de formações familiares
em três
direções de composição de maior peso: i) as que se referem ao número de
arranjos familiares sem filhos (aproximadamente 20% do total das famílias), ii)
com filhos (aproximadamente 50% do total das famílias) e
iii) os arranjos
familiares com 20% de mulheres provedoras sem cônjuges que assumem as
funções sociais de “pai-mãe” nas famílias.
Quadro 4 Síntese dos Indicadores Sociais das Condições de Vida da População
Indicadores Sociais
Taxa Fecundidade (2009)
Arranjos familiares
Arranjos familiares- casal sem
filhos
Arranjos familiares casais com
filhos
Arranjos familiares- mulheres
sem cônjuges
No. de Municípios
Região Sudeste
MG
SP
RJ
ES
1,67 1,78 1,63 1,88
6609 13608 5572 1.159
16,3
18,2 18,9
19,5
46,1
47,7 41,2
46,0
18,7
853
15,9 17,5
645
92
17,2
78
Fonte: IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 1999/2008; IBGE, Pesquisa de Informações
Básicas Municipais,2009;Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009; IBGE, Pesquisa
Nacional de Saúde do Escolar, 2009;Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2008-2009.
Elaborado pela pesquisadora em 2010.
Outro reflexo se refere à expectativa média de vida do brasileiro que na
década de 1970 era de 52,4 anos e em 2007, segundo dados do IBGE (2008),
alcançou 72,7 anos, enquanto no mesmo intervalo de tempo a taxa de
fecundidade despencou de 5,76 para 1,9 filhos por mulher, e o número de
42
O IBGE tornou público dados ainda preliminares do Censo 2010, e aponta no Estudo
Síntese dos Indicadores Sociais 2010 uma Análise das Condições de Vida da População
Brasileira, dados primários sobre as regiões brasileiras, apurados por Estados, que dão um
panorama geral da complexidade que as dinâmicas sócio-econômicas e culturais apontam às
políticas
públicas
para
as
próximas
décadas.
Fonte:
http://www.ibge.gov.br/cidade/topwindox.htm?1. Acesso em 08/12/2010
86
casamentos, no civil e religioso, caiu de 64,53% da população para 49,48%.
Este
envelhecimento
da
população
aponta
para
a
ampliação
da
responsabilidade do Estado e da sociedade de orientar políticas públicas para
o jovem, sobretudo no tocante ao desenvolvimento social e aos aspectos da
sua participação na proteção previdenciária e do crescimento demográfico. São
setas indicativas de mudanças nas atenções sociais.
O rompimento de laços e redes, e o círculo de violação a direitos
individuais e coletivos de vários sujeitos que compõem as famílias se tornou o
grande mote das políticas públicas em debate. Como então assegurar,
defender e expandir o caráter protetivo da família e, em especial das famílias
de adolescentes em conflito com a lei?
Num primeiro momento, refletimos sobre a importância e o significado
do vínculo; com interesse na contribuição da professora Cenise Vicente (1998)
que discute a “dimensão política do vínculo”. Quando vemos que a capacidade
das famílias e da comunidade de garantir padrões de dignidade, respeito e
direitos estão ameaçados, estes devam ser assegurados pelo Estado, para que
crianças e adolescentes usufruam de um bem social que esta dimensão afetiva
pode assegurar. , “(...) para sua manutenção e desenvolvimento, necessita de
proteção do Estado”, isto quer dizer que, o (...) “vínculo, por meio do direito à
convivência, passa a fazer parte de um conjunto de pautas das políticas
públicas” (VICENTE, 1998, p. 51).
Em outro momento, fomos buscar a contribuição da professora Sawaia
(2007), quanto a defesa de uma práxis ético-política, que adota a família e a
afetividade, como lócus do protagonismo social, “(...) usando em lugar da
disciplinarização, a liberdade; em lugar do isolamento, a abertura ao coletivo”:
Em minha opinião, esta é a principal força que explica sua
permanência na história da humanidade. Ela (a família), é o único
grupo que promove, sem separação, a sobrevivência biológica e
humana, isto é, a sobrevivência na concepção espinosana de
movimento, ao mesmo tempo, de conservação e expansão. (...) sua
eficiência depende da sensibilidade e da qualidade de vínculos
efetivos, especialmente da “paixão pelo comum. (SAWAIA, 2007,
p.43 grifo da autora).
A autora justifica a escolha pela principal característica da família, o
afeto. Apresentamos suas razões de caminhos para a geração “de uma
87
instância política baseada na ação sobre os afetos”. Elencamos alguns
motivos: i) a necessidade de focar não somente nos riscos, desnudando a
visão funcional de ver famílias fracassadas e incapazes de enfrentar seus
desafios. Trabalhar afetos, não como apêndices, mas potencializando pessoas
para enfrentar e combater o que lhe causa o sofrimento. “Olhar a família que
sofre”. Sofrimento aqui entendido como uma “dor”, imposta por injustiças,
preconceitos, falta de dignidade, respeito, decorrentes da condição social, cor,
credo, gênero; que torna as pessoas impotentes, submissas, indignadas, com
reflexos em sentimentos de desamparos, atitudes de reprodução de violência
contra familiares no âmbito privado e ou “na passividade, rebeldia e
criminalidade na vida pública”; ii) a partir do afeto, a impulsão de discernir sobre
o que é bom ou não, o poder de afetar ou ser afetado, determinando nossa
condição de liberdade. Defender a capacidade de agir per si e não pela
submissão às vontades alheias, de romper a cristalização dos efeitos da
exclusão social e da dominação e, “enfrentar a feudalização do planeta
causada pelo princípio do mercado” e se propor a potencializar ações em
defesa do viver e, por fim, iii) questionar sobre a qualidade da afetividade que
une pessoas em família.
Outro elemento sinalizador, conforme Costa (2006), refere-se ao nosso
olhar para o trabalho de socioeducação com adolescente, que por
“circunstâncias cometeu ato infracional” e não lidar ambiguamente com
paradigmas sobre quem, o que e para que desenvolvermos nossa ação
educadora e sim partirmos de pressupostos que promovam “acontecimentos
estruturantes”, e capazes de gerar “influências edificantes” e construtivas sobre
os adolescentes. Assim trabalhando
Com adolescentes sobre a questão dos direitos e deveres, da
identidade, da auto-estima, do projeto de vida, dos limites, da
solidariedade, da democracia, da trabalhabilidade, do respeito, da
cidadania, do novo mundo do trabalho, e muitos outros. Estamos
diante de temas que vão ao encontro do jovem que queremos formar,
porque sinalizam indicadores que podem contribuir para seu
crescimento nos âmbitos da autonomia (...) da solidariedade (...) da
competência (ter capacidade para ingressar, permanecer e crescer
43
no mundo do trabalho (COSTA, 2006, p. 56 ).
43
A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, por meio da
Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA, apresenta
uma coleção de guias elaborados pelo consultor Professor Antonio Carlos Gomes da Costa
88
A visão fragmentada sobre a problemática do abandono, da negligência,
da violência, da dependência de substâncias psicoativas da população juvenil,
per si, impede que seja aprofundada a compreensão da realidade familiar. O
rompimento deste paradigma, certamente influenciará na perspectiva da
implementação de programas que garantam retaguarda tanto às medidas
protetivas, quanto às medidas socioeducativas44.
A realidade social das famílias e seus membros nas várias fases
geracionais, expostas às situações de risco social e pessoal em flagrante
violação de seus direitos sociais, mostram a reduzida capacidade de acesso e
inserção aos serviços públicos básicos como educação, saúde, transporte,
cultura e lazer e habitação, revestindo as diversas dimensões da vida social
familiar. A ausência de programas e serviços estruturados e especializados,
que atentem às dimensões da família e respondam assertivamente às
necessidades sociais como prepostos pela Constituição, ECA, PNAS, SINASE,
ainda é uma lacuna nessas políticas.
A PNAS (2004), ao assegurar sua centralidade no âmbito das ações da
política de assistência social, reconhecendo as “pressões que os processos de
exclusão sociocultural geram sobre as famílias brasileiras”, expõe com base
no artigo 226 da CF/88, que “a família, base da sociedade, tem especial
proteção do Estado”:
(...) como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e
socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros,
mas que precisa também ser cuidada e protegida. Esta correta
percepção é condizente com a tradução da família na condução de
sujeito de direitos, conforme estabelece a Constituição Federal de
objetivando contribuir para a formação de operadores e gestores do sistema socioeducativo no
Brasil. Esta citação se encontra no Guia As Bases Éticas da Ação Sócio educativa
Referenciais Normativos e Princípios Norteadores. Coordenação técnica Antonio Carlos
Gomes da Costa. Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006. p.10
44
Socieducativo: Segundo o professor A.C.G.Costa,ocorreu no ato da redação da Lei(ECA),
uma distorção de conteúdo e sentido do termo socioeducativo, inicialmente por intenção dos
formuladores o conceito de trabalho social e educativo era o de cobrir com o termo toda “a
gama de programas de atendimento fora do âmbito da família e da institucionalização”,ocorre
que por sintaxe, e morfologia a forma socioeducativa acaba por designar no ECA o universo
“aplicado das medidas aos adolescentes em conflito com a lei em razão do cometimento de ato
infracional” (COSTA, Os Regimes de Atendimento no Estatuto da Criança e do
Adolescente Perspectivas e Desafios. Coordenação técnica Antonio Carlos Gomes da
Costa. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006. p.46
89
1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica de
Assistência Social e o Estatuto do Idoso (PNAS, 2004, p. 35).
Ao longo de sua trajetória de vida, as famílias vivenciam sequências de
rupturas, ora pela alternância de emprego informal e desemprego, trabalhos
precários, mudança de moradia, sucessivos rompimentos relacionais, ora pela
desvinculação territorial e de redes informais de apoio. Acarretando
desfiliações de seus membros de forma temporária ou permanente, afetando e
enfraquecendo vínculos afetivos e comunitários.
É preciso destacar, que embora riscos e contingências sociais
afetem, ou possam afetar todos os cidadãos, as condições que
caracterizam o padrão de vulnerabilidade social para enfrentá-los e
superá-los, são diferenciadas entre esses cidadãos; por decorrência
da sua condição de vida e da ocorrência da cidadania precária, que
lhes retira condições de enfrentamento a tais riscos com seus
próprios recursos. Assim, as sequelas da vivência desses riscos e as
vulnerabilidades em enfrentá-los podem ser mais ampliadas para uns
que para outros. (PNAS, 2004, p. 36 ).
Famílias estabelecem vínculos afetivos entre seus pares, com laços de
solidariedade nas relações de parentesco, de vizinhança, e comunitário.
Estabelecem relações de trocas de afetividades entre seus membros, com os
professores e amigos de seus filhos, os técnicos e profissionais de serviços
socioassistenciais que lhes prestam atenções sociais. Estas redes formais e
informais são seu substrato de existência e seu apoio nos momentos de
insegurança, e maior vulnerabilidade.
Os efeitos devastadores de uma situação de exposição pública no
confronto do envolvimento com o ato infracional de seus adolescentes expõem
todo o conjunto familiar a circunstâncias e constrangimento social que implicam
num processo de despertencimento em sua comunidade/território induzindo
seus membros ao isolamento social.
Ao refletirmos com Guimarães (2002, p.127), entendemos como
(...) os trabalhos [com famílias] têm demonstrado que, mesmo em
face da vivência de conflitos acirrados e da violência instalada no seio
da família, o grupo pode descortinar uma dimensão efetiva de
fortalecimento e potencialização de seus integrantes tendo em vista
recriar ou romper relações que impõem enfrentamentos ainda
maiores.
De acordo com a autora, desde a Constituição de 88, com a centralidade
do foco dos programas sociais na família, a tarefa de revisitar a família como
90
agenda central das políticas públicas torna-se urgente embora difícil de se
concretizar, “mas não inviável”,
Por mais precarizada, vitimada, vulnerabilizada que se encontrem
famílias em situação de exclusão, há certamente iniciativas
resistência, há desejos de reconstituição ou de manutenção
vínculos e envolvimentos efetivos, há enfim, esperança de garantir
família o espaço de proteção (GUIMARÃES, 2002, p.130).
as
de
de
na
Estes elementos são fundantes para a construção de componentes de
caráter solidário e éticos e de garantir meios para que as famílias desenvolvam
estratégias para descortinar a dimensão efetiva de fortalecimento e
potencialização de seus integrantes, respeitando direitos individuais e
fortalecendo os direitos coletivos de seu conjunto; refletir sobre os modelos e
papéis sociais que desempenham no convívio e extrato familiar, as relações
parentais e conjugais, e a dinâmica dos vínculos familiares (extra e intra
familiares), além das violências que se reproduzem nos comportamentos e
atitudes dentro do conjunto familiar e os efeitos da violência social de fora para
dentro da família.
2.2.3. Os trabalhadores e gestores no contexto da execução das medidas
socioeducativas em meio aberto
A Constituição Federal de 1988 consolida uma nova partilha de
responsabilidades no interior do Estado. As leis infraconstitucionais (LOAS,
LDB, ECA) contribuíram para a expansão do debate sobre cidadania e direitos,
combate as desigualdades sociais, proteção social devida aos cidadãos. A
reconfiguração do mercado e do trabalho em escala mundial excluiu grandes
parcelas da população das conquistas que a globalização produziu nas
condições básicas de viver e acessar os bens civilizatórios direcionados para a
melhoria da qualidade da vida humana.
Nesta perspectiva, o emprego das políticas públicas em contexto de
desigualdades sociais, pode propiciar indicadores sociais de qualidade e
melhoria das condições de vida e de cidadania da população. Mas exige ainda
a introdução de novas dimensões às políticas públicas para que os efeitos
redistributivo e inclusivo sejam de fato instalado e apropriado por todos os
cidadãos.
91
A CF/88 ao apontar a direção política do fortalecimento da autonomia
dos municípios na condução, formulação, financiamento, gestão e execução,
assumindo o papel central na condução de serviços sociais públicos básicos
aos direitos das pessoas (saúde, educação, habitação, segurança, assistência
social, desenvolvimento urbano, cultura, lazer, esporte, dentre outros), indica a
gestão participativa e de implementação compartilhada entre governo e
sociedade civil para as decisões e controle sociais sobre as políticas sociais em
questão.
A arquitetura da gestão pública vem mudando, desejando-se que a ação
pública se fundamente na lógica da cidadania e seja promotora das ações
articuladas e integradas em torno do cidadão e do território. Territórios estes,
entendidos como o “chão concreto das políticas, a raiz dos números e a
realidade da vida coletiva” (KOGA, 2003, p.33) noção que se constrói a partir
das relações concretas que os sujeitos sociais criam da sua utilização, da sua
apropriação, das intervenções, criações e significados que se processam na
exclusão social, que também é territorial, e se ampliam para as dimensões dos
estado-nações, das cidades, das regiões-sedes, o lugar ou não lugar de vida,
de cidadãos, de famílias e neles, de adolescentes em conflito com a lei.
O chão do território pode significar um novo aporte para este debate
no campo das políticas públicas, no sentido de uma referência
concreta, em que desigualdades de condição de vida não são
sinônimas de especificidades a serem enfrentadas setorialmente,
mas expressões reais e complexas do processo de exclusão/inclusão
social em curso (KOGA, 2003, p.34).
A dimensão da proteção social também faz parte do território, diz
respeito às relações interpessoais que os sujeitos estabelecem onde moram,
diz respeito ao debate sobre o combate à pobreza. Diz respeito ao
reducionismo da lógica perversa de estabelecer a condição de pobreza, que
segundo Koga (2003) não avança nos patamares de definir os padrões do que
seria a não-pobreza ou o não-pobre.
O país tem 5.564 municípios, que são heterogêneos. Na realidade,
possuem disparidades e desigualdades que se expressam de forma
diversificada. Os mesmos impactos que a política econômica produz em uma
grande metrópole como São Paulo, interfere também na dinâmica de cidades
com pouco mais de 20mil habitantes (73% dos municípios do país). Outro
92
exemplo é a crescente presença observada no desenvolvimento de políticas de
proteção social de adolescente em conflito com a lei, que vocalizam as
relações entre os jovens-adolescentes com a violência, o consumo, a
precariedade educacional e a dinâmica do desemprego. Já apresentamos
anteriormente o fenômeno da “interiorização da violência” que assola
municípios fora dos grandes eixos Sul/Sudeste e das Capitais/Municípios,
apontados pelo
Levantamento
Nacional do
Atendimento
de
Medidas
Socioeducativas de Privação de Liberdade e do Mapa da Violência nos
Municípios.
Segundo Brant (2008), considerar a ação pública de forma sinérgica,
assegurando efetividade e equidade social em seus resultados, demanda
novos arranjos de gestão e de desempenho inter e multisetoriais. O modo
tradicional da gestão da política pública assentada em recortes setoriais e de
especializações perde em eficácia e eficiência. Políticas, programas e serviços
precisam ser pensados, desenhados e operados sob o prisma da
multisetorialidade. A ação pública deve conformar nos microterritórios a que os
sujeitos pertencem, democracia e descentralização. A dimensão de proteção
social não se realiza sem uma forte gestão em redes inclusivas, envolvendo
famílias, comunidade, serviços, benefícios, programas de políticas públicas.
O conceito de rede sugere uma ideia-força de teias, de vínculos, de
relações, de ações, de afetos entre sujeitos e organizações (família, Estado e
sociedade), que se tecem e dissolvem, estão presentes no cotidiano das
pessoas em suas relações de parentesco, de vizinhança, de proximidade. Os
avanços do mundo contemporâneo, incorpora no seu uso, ferramentas
tecnológicas, digitais e de linguagem multimídias que agilizem os processos de
comunicação e de expansão das informações e potencializam a direção
democratizante e inclusiva do atual conceito.
Ainda assim, é fundamental aprimorar a gestão das iniciativas
existentes, para resolver problemas como as superposições ou a
ausência de coordenação e integração entre estas e garantir chances
de maior efetividade. Ademais, faz-se necessário fomentar a
incorporação do olhar atento às especificidades dos jovens na
formulação e na execução das ações nas várias áreas, de modo que
as estruturas de apoio, os serviços e os programas possam lidar com
o público jovem de maneira adequada em suas rotinas. De outra
parte, cumpre envolver, de maneira cada vez mais próxima, outras
instituições e políticas na atuação integrada em torno das questões
93
da juventude; pois sua complexidade extrapola o âmbito meramente
setorial e seu enfrentamento requer o respeito à concepção hodierna
deste grupo social como sujeitos de direitos que se encontram em
fase de experimentação de múltiplas possibilidades de inserção na
vida social, política, econômica e cultural do país (AQUINO, 2009, p.
22 grifos do autor).
Agir
em
redes
multisetoriais
na
atual
arquitetura
da
gestão
pública,segundo Brant ( 2008), impõe algumas direções: i) derrubar as
fronteiras das ações isoladas: incentivando a formatação de programas-redes
para agregar diversos programas, projetos, sujeitos e organizações no âmbito
do micro territórios; ii) autonomia aos serviços que atuam nas pontas:
conjugando respostas assertivas e combinadas, de ampliação dos direitos,
socializando o poder de negociar, flexibilizar, compartilhar, articular e integrar
complementarmente atores e processos de ação no âmbito dos territórios de
vida; iii) potencializar processos de circulação e expansão das informações e
conhecimentos, assegurando velocidade das informações pelas ferramentas
gerenciais e tecnológicas (TIC´s)45, interatividade, definindo fluxos inter
serviços e programas.
A dimensão de proteção integral a adolescentes preconizada pelo ECA,
em especial, aos adolescentes em conflito com a lei reconhece na ação
orgânica das diferentes políticas sociais, a interdependência, isto é, as ações
públicas não tomadas apenas pelo setor e pelas peculiaridades
a elas
inerentes, mas articulada e aliançada multisetorialmente, alicerçada em um
compromisso com uma mudança cultural política de fundo, para sustentar esta
nova arquitetura. A participação dos conselhos de direitos, de políticas, tem um
importante papel nesta seara, na construção de um projeto coletivo, sem
concorrência entre os sujeitos envolvidos.
Assim, municipalizar ações públicas não é prefeiturizar o fazer político,
mas no campo do município-território é relacionar-se, pois esta relação é em si
45
As Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC´s estão presentes nos atuais fazeres
profissionais, iniciativas governamentais em sua expansão tem arregimentado significativos
investimentos de recursos,ora no desenvolvimento de ferramentas de caráter nacional, ora na
expansão de equipamentos para que os municípios nos mais recantos lugares do país possam
acessar informações em tempo real via internet, cabo, satélite. A revolução informacional a
serviço das proteções sociais nos locais de execução das políticas públicas. Os procedimentos
de Sistemas de Informações Integradas como os dos SIPIA (SEDH), Cadastro Únicos de
Programas de Transferência de Renda (MDS e SEADS), ou BDC (PSA-Santo André), são
exemplo destes instrumentos ferramentais.
94
condição
protetiva.
O
trabalho
político
e
social necessita
processar
conhecimento e disseminar comunicação. De outro lado, o trabalho profissional
demanda enraizamento nos territórios, uma gestão integrada idealizada como
sistema, daí as articulações do SINASE, SUAS com os atores do SGD:
Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Segurança Pública, de
preferência num mesmo local, possibilitando a agilização do atendimento ao
adolescente em cometimento do ato infracional. Esta necessidade de
construção de redes de atendimento, em sua gênese, é complexa: o
envolvimento destes diferentes atores, segundo Brant (2008), que pertencem a
“territórios distintos”, (cada um dominando um território de saber e excelência)
“(...) Enfrentam igualmente a setorização e padronização observadas nos
programas e serviços das políticas sociais (Brant,2008, p.122) demanda
compreensão e significados dos conteúdos e processos afetos à aplicação,
execução e acompanhamento das MSE em meio aberto. Porém,
Os
gestores
do
projeto
municipal
podem
identificar/quantificar/qualificar as demandas e necessidades dos
adolescentes; as dificuldades de inserção do adolescente em
programas sociais; as famílias com dificuldade de subsistência; de
aceitação do adolescente; adolescentes envolvidos com as drogas,
com o tráfico, com gangues, influências que transcendem a esfera
municipal; o excesso ou a ausência de documentação, os prazos
processuais, as dificuldades do adolescente no cumprimento das
medidas; as dificuldades de diálogo, negociação e pactuação com os
demais gestores; as informações que não circulam e deveriam
circular entre os gestores sobre o conjunto das medidas
socioeducativas aplicadas no município (BRANT, 2008, p.123).
Esta malha de informações e conhecimentos pode demandar espaços
de debate consistente; embora cada gestor tenha em sua instância
informações, quase sempre dispersas, manuais, que não circulam, não passam
por processamentos dos dados. Os registros administrativos tão comuns e
abundantes neste campo podem atuar como fonte primária das mais completas
e significativas para a gestão das MSE´s, podem embasar fluxos, padrões e
indicadores de qualidade, para a melhoria e ampliação do leque de ofertas de
atendimento aos ACL em programas socioeducativas, mas há muito a avançar
neste campo para a gestão dos programas socioeducativos. Há aspectos
relevantes a serem observados quanto à gestão: i) o primeiro é aceitar que os
desafios são problemas a serem resolvidos, por isso, identificar onde, como,
quando, e de onde são, já é um bom começo; ii) segundo, as mediações,
95
pactos e protocolos intergestores possibilita elementos para compartilhar a
gestão, a saber: a) agenda local de debates e trocas de informações; b)
estabelecimento e análise de fluxos, procedimentos, encaminhamentos a partir
das demandas consideradas prioritárias e urgentes; c) pactuar estratégias de
intervenção, ou seja, a partir das prioridades, estabelecer papéis, competências
e recursos que os diferente sujeitos aportarão para a ação e, d) implantar
sistemas de informações com bancos de dados, sistematizando experiências,
avaliando e monitorando a aplicação das medidas e a execução dos programas
afetos.
Por essa via, é que a gestão da municipalização das MSE a partir das
diretrizes especificadas no art.88 do ECA, reconduzida pelo SINASE na
proposta articulada como sistema participativo, democrático, descentralizado,
para alcançar êxito precisa de um novo arranjo marcado pela interatividade de
seus sujeitos. Afinal os gestores desta emaranhada teia, que vai tecendo a
política de proteção integral de ACL, tem em comum a interinstitucionalidade
da MSE, cada um com suas competências distintas, mas convergentes em seu
objeto.
O contraponto proposto pelos estatutos infraconstitucionais exige
participação de todos neste processo de gestão, que é educativo, sob pena de
pela “ação ou inação isolada ou de todos, rebater sobre o conjunto e sobre
cada um” (Brant, 2008, p.13) e aprofundar o circuito de desproteção a que
estão sujeitos nossos adolescentes em conflito com a lei e suas famílias.
96
3 METODOLOGIA
3.1 PROCEDIMENTO E PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA
É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do
poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos
direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, educação, ao
esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao
respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA,
1990, art.4º).
A partir do disposto no ECA, nosso objeto de pesquisa vai discutir a
capacidade protetiva que vem desempenhando as famílias dos adolescentes
em conflito com a lei, correlacionando-a à implementação da municipalização
das medidas socioeducativas em meio aberto e a consequente implementação
de políticas públicas em territórios vulneráveis, com vista ao aumento do
acesso a bens materiais e imateriais, de serviços e dos direitos sociais destes
sujeitos.
No presente estudo, partimos da experiência de municipalização das
medidas socioeducativas (MSE) na modalidade de liberdade assistida (LA),
desenvolvida no município de Santo André, município situado no Estado de
São Paulo, na Região do Grande ABCDMRR. Analisamos os dados apurados
junto a 07 (sete) adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas,
moradores no território do Jardim Santo André, bairro deste município, no
período de janeiro a julho de 2010, uma vez que configuram um conjunto de
jovens que tem em comum a reincidência no ato infracional e a coincidência de
moradias no mesmo território.
O caminho metodológico percorrido focou o olhar no isolamento e na
particularização, entendendo que este modo de tratar os objetos é um
procedimento legítimo, pois
(...) em todo o resultado particularizado, a expressão do modo como
o todo se deixa fracionar e se torna aparente na singularidade, de
modo que ao se analisar se estará considerando o todo composto
pelas partes isoladas, e ao refazer o composto, a partir dos
elementos que dissociou, atentará sempre para o valor significativo
de cada parte isolada (PINTO,1979, p.210).
A partir dos elementos particularizados da pesquisa, até então
desapercebidos, refletimos o quanto eles foram recorrentes nos dados que o
97
trabalho colheu. Entendemos na singularidade das falas dos sujeitos um ponto
crucial do método, as possibilidades do apurar, de conectar linhas de raciocínio
até então abandonadas ou não significantes para a compreensão da dimensão
e da problemática social do adolescente em ato infracional.
À pesquisa documental e bibliográfica se somou a proposta da pesquisa
de campo com gestores e técnicos do trabalho na execução dos programas de
medidas socioeducativas de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços
à Comunidade (PSC), além do levantamento de informações sobre o cenário
do território em que vivem famílias e adolescentes. Para a pesquisa, o foco
centrou-se na região do Jardim Santo André, bairro de abrangência do Centro
de Referência de Assistência Social (CRAS) de Vila Luzita, lócus da
referência46 e contrarreferência47 no território das famílias dos adolescentes em
conflito com a lei em cumprimento das medidas socioeducativas. Foi
identificada uma variável que deu origem ao presente estudo, ou seja, desde a
fase inicial da implantação, em 2008, da municipalização das medidas
socioeducativas na cidade, vem se apresentando uma elevada concentração
de adolescentes, moradores no território do bairro Jardim Santo André.
Buscamos na Prefeitura de Santo André documentos e informações sobre o
processo que culminou na municipalização das medidas socioeducativas em
meio aberto, desde a fase de transição da gestão do Governo do Estado, por
meio da transferência de responsabilidade de competência da Fundação
CASA, até a municipalização propriamente dita.
Passamos pelo levantamento conceitual e documental do tema, com
leitura de teses, artigos, publicações, participação em seminários e atividades
que balizaram conceitos fundamentais tais como: família, Estado, Gestão
Pública, Sistemas Únicos, direitos humanos, intersetorialidade, violência,
46
Referência: “A função da referência se materializa quando a equipe processa, no âmbito do
Suas, as demandas oriundas das situações de vulnerabilidades e risco social detectadas no
território, de forma a garantir ao usuário o acesso à renda, serviços, programas, projetos,
conforme a complexidade da demanda. O acesso pode se dar pela inserção do usuário em
serviço ofertado pelo CRAS ou na rede socioassistencial a ele referenciada, ou por meio de
encaminhamento do usuário ao CREAS, ou para o responsável pela proteção especial no
município (onde não houver CREAS)”. (BRASIL, MDS, 2009 p. 10) Caderno de Orientação
Técnica do Centro de Referência de Assistência Social- CRAS.
47
Contrarreferência: “A contrarreferência é exercida sempre que a equipe do CRAS recebe
encaminhamento do nível de maior complexidade (proteção social especial) e garante a
proteção básica, inserindo o usuário em serviço, benefício, programa, e/ou projeto de proteção
básica)”. (BRASIL, MDS, 2009 p.10) Caderno de Orientação Técnica do Centro de
Referência de Assistência Social- CRAS.
98
adolescência,
juventude,
territórios,
municipalização
de
medidas
socioeducativas em meio aberto, responsabilização juvenil.
Outro procedimento adotado foi a realização das estratégias de coleta
de dados diretamente vinculadas aos sujeitos da pesquisa, a saber: a)
entrevistas semiestruturadas realizadas com os adolescentes em cumprimento
de medida e suas famílias moradores do Jardim Santo André; b) os
questionários para coleta de dados com os trabalhadores das equipes
multiprofissionais, que têm relação direta com o atendimento dos adolescentes
no Serviço de Medida Socioeducativa em Meio Aberto vinculado ao CREAS Infância e Adolescência; c) os questionários encaminhados aos gestores
públicos governamentais e não governamentais responsáveis pelas MSE.
O objetivo geral, que orienta este trabalho é discutir as estratégias que
fortalecem o caráter protetivo das famílias de adolescente em conflito com a lei,
compreendendo a partir do espaço macro e micro territorial os níveis de
pertencimento social (vínculos intrafamiliares e relacionais, acessos e inclusão
social e alcance da participação familiar no caráter protetivo à cidadania de
seus membros adolescentes-jovens).
O objetivo específico é aprofundar o conhecimento sobre o papel do
Sistema de Garantia de Direitos (SGD) na defesa dos direitos dos adolescentes
envolvidos em atos infracionais e as interfaces dos sistemas de proteção social
na construção de estratégias de enfrentamento às situações de violência e
vulnerabilidade social.
A etapa inicial da presente pesquisa começou no período de outubro a
dezembro de 2009 e consistiu nos levantamentos de materiais bibliográficos e
documentais tais como artigos, periódicos, teses, livros, e estudo sobre o tema
Adolescente em Conflito com a Lei. Todo esse material compôs um banco de
dados e fichamento textual para a elaboração da dissertação. Uma fonte
considerável de pesquisa para o levantamento de publicações acerca da
temática é o Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de
Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES), complementado pelo
acesso aos sítios eletrônicos.
A segunda etapa compreendeu o reconhecimento do território e
preparação dos questionários e entrevista que ocorreu de dezembro de 2009 a
fevereiro de 2010. Isto exigiu a montagem da documentação necessária à
99
Comissão de Ética Institucional, a exemplo dos Termos de Consentimento dos
responsáveis pelos adolescentes. A identificação dos órgãos e instituições
públicas e privadas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos no
município de Santo André compõem o contexto social para o desenvolvimento
da pesquisa qualitativa, elementos necessários à análise do Sistema de
Proteção Integral deste município.
A terceira etapa ocorreu em Abril de 2010, quando foi realizada a Banca
de Exame de Qualificação do Mestrado. Neste mês, encaminhamos
documentação para apreciação da Comissão de Ética Institucional para
darmos início às entrevistas com os sujeitos sociais da pesquisa, o que foi
aprovado. Realizamos as visitas em campo/território e buscamos apoio da
equipe técnica do CRAS Vila Luzita, espaço de referência técnica para a
realização da entrevista semiestruturada com os/as adolescentes em MSE e
suas respectivas famílias moradoras no território do Jardim Santo André em
Santo André.
Na quarta etapa da pesquisa, de maio a junho de 2010, tivemos que
adotar procedimentos para nova autorização de realização da pesquisa no
município de Santo André, em função da substituição do Secretário Municipal e
de parcela da equipe de gestão e apoio da Secretaria de Inclusão Social, lócus
administrativo das ações das medidas socioeducativas em meio aberto.
Consequentemente, em julho/2010, munida das devidas autorizações,
aplicamos o questionário junto aos gestores públicos (Secretário, Diretores
técnicos do CREAS e técnicos do CRAS e técnicos das MSE e também
realizamos as entrevistas com as famílias e adolescentes, sujeitos deste
estudo).
Em meados de junho de 2010, estabelecemos uma agenda de contatos
com os 04 (quatro) Gestores dos Departamentos de Proteção Social Básica e
de Proteção Especial (02 diretores,
02 supervisoras técnicas), para
esclarecimentos sobre a presente pesquisa, seus objetivos e procedimentos,
abrindo espaço para a apresentação da proposta de trabalho junto às equipes
técnicas da administração direta e indireta executora dos respectivos serviços.
Durante o mês realizamos reuniões no CRAS Vila Luzita com a equipe técnica
composta por 05 (cinco) profissionais (02 assistentes sociais, 02 psicólogos, 01
coordenação), com 06 (seis) profissionais do CREAS Infância e Juventude (01
100
coordenação, 03
assistentes sociais, 02 psicólogos), com 07
(sete)
profissionais da equipe técnica do CREAS - Espaço Adolescente, onde a
Organização Social Instituto Monsenhor Antunes opera em parceria as MSE´s
(01 coordenação, 02 psicólogos, 01 assistente social, 01 pedagogo, 01 atriz,
01profissional de Letras). Após a apresentação da pesquisa, foram entregues
os 22 (vinte e dois) formulários dos questionários aos trabalhadores e gestores,
esclarecendo as questões pertinentes e estabelecendo o prazo para sua
devolução.
Em julho de 2010, em reunião com a equipe técnica do CREAS - Espaço
Adolescente onde se opera as MSE definimos os critérios, perfis, agendamento
das entrevistas com adolescentes e seus familiares. A seleção dos casos ficou
a cargo da equipe técnica, considerando adolescentes que deveriam: a) morar
no Jardim Santo André, devido à variável de incidência de adolescentes desta
região cumprindo MSE em meio aberto; b) estar efetivamente ativo, isto é,
estar cumprindo regularmente a MSE-LA; c) de ambos os sexos, apesar de a
maioria ser do gênero masculino, entendemos ser interessante entrevistar
adolescentes do gênero feminino; d) comparecer acompanhado por seus
familiares; e) comparecer em horário distinto das atividades das MSE. Cabe
esclarecer que o projeto original de pesquisa previa a realização de 12
entrevistas com adolescentes e suas famílias que estivessem ativos no
cumprimento de medida socieducativa, na modalidade liberdade assistida, no
período de janeiro a dezembro de 2009, e fossem moradores do Jardim Santo
André. Tivemos que rever e alterar a temporalidade do período da pesquisa
para o período de janeiro de 2010 a julho de 2010 porque ocorreu a alteração
nos perfis dos adolescentes a serem entrevistados, em parte, pelo término do
cumprimento da medida quando da aplicação da entrevista, em parte, pela
reincidência em ato infracional culminando com a saída de adolescentes do
meio aberto para o meio fechado. Deste modo, o presente trabalho considerará
as entrevistas realizadas com 07 (sete) adolescentes e seus 07 (sete)
respectivos responsáveis. Durante o período do trabalho de campo, foram
mantidos contatos constantes entre a equipe técnica e a pesquisadora,
reforçando o convite aos familiares e seus adolescentes. As entrevistas
transcorreram no período de 20 a 31 de julho de 2010.
101
Finalizando esta quarta etapa da pesquisa, constatamos que das 46
(quarenta e seis pessoas) previstas inicialmente no projeto de pesquisa,
obtivemos a participação de 40 (quarenta) pessoas, ou seja, 86% do total.
Consideraremos como resultado final do trabalho de campo, os seguintes
dados:
a) dos 22 (vinte e dois) questionários entregues, recebemos (por meio
eletrônico ou pessoalmente) 13 (treze), ou seja, 60% dos questionários
respondidos e entregues, parte integrante da análise crítica deste trabalho,
b) dos 26 (vinte e seis) indivíduos entrevistados para efeito deste estudo,
analisaremos somente as entrevistas de 07 (sete) adolescentes e seus
respectivos responsáveis moradores do Jardim Santo André, totalizando 14
sujeitos (quatorze), ou seja, 52% do total, posto que concentram os perfis e
critérios previamente estabelecidos para esta pesquisa com a equipe de
execução das MSE´s. O produto das demais 12 (doze) entrevistas48 será objeto
de análise crítica em futuro próximo.
Na quinta e última etapa, de agosto a novembro de 2010, procedemos à
leitura crítica das entrevistas e questionários, e à análise com previsão da
Banca Defesa para fevereiro de 2011.
Deste modo, temos a considerar para efeitos de resultado deste
trabalho, o correspondente a 07 (sete) representantes de famílias e 07 (sete)
adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa –
modalidade liberdade assistida, totalizando 14 (quatorze) sujeitos, moradores
do Jardim Santo André. E 13 (treze) trabalhadores e gestores envolvidos na
48
Temos bons resultados a considerar: i) o número de participantes. Foram entrevistados 26
sujeitos, a saber: 14 (quatorze) familiares, destes 07 (sete) famílias ficaram de fora da nossa
análise porque: a) Seus filhos adolescentes não aceitaram participar da pesquisa, b) seus
adolescentes no período, reincidiram em ato infracional e estavam em cumprimento de MSE de
internação em unidades da Fundação CASA, c) eram moradores de outras regiões da cidade.
E entrevistados 12 (doze) adolescentes, destes 05 (cinco) ficaram fora de nossa análise
porque: a) os adolescentes eram moradores do Jardim Santo André, mas seus familiares não
compareceram ou autorizaram a entrevista; b) os adolescente eram de outras regiões da
cidades. Toda a coleta de dados proveniente destas entrevistas que não estão no cômputo
deste estudo, será objeto de outros estudos sobre o tema; ii) a participação de todos os
envolvidos ocorreu em horário e dias inversos aos dias de seu comparecimento nas atividades
regulares das MSE´s, demonstrando o nível de envolvimento tanto dos adolescentes quanto
dos familiares com a equipe técnica de referência e com o CREAS-Espaço Adolescente onde
acontecem as atividades de cumprimento das medidas socioeducativas. O resultado da
participação de familiares e adolescentes surpreendeu, em parte pelo tempo reduzido de
convite e sensibilização, em parte, pela iniciativa e desejo de participação nas entrevistas com
o propósito de nosso objeto: fortalecer a capacidade protetiva das famílias.
102
execução das medidas socioeducativas em meio aberto do município de Santo
André-SP.
Cabe ressaltar que as falas dos entrevistados estão expostas em escrita
itálica. O processo de aplicação das entrevistas não foi conjunto, os sujeitos
compareceram em dias e horários diversos.
A sistematização dos dados a seguir divide-se em dois blocos. A
primeira parte expõe os níveis de pertencimento, inclusão social, aspirações e
perspectivas no território e para a vida, na fala dos adolescentes e seus
respectivos responsáveis. Na segunda parte, expomos a experiência e práticas
profissionais de trabalhadores e gestores operadores das MSE em meio aberto
do município de Santo André. A partir do resultado fomos delineando o objeto
do nosso estudo, no que se refere ao fortalecimento do caráter protetivo das
famílias, em especial, de adolescentes em conflito com a lei.
103
3.2
TERRITÓRIO DE PESQUISA
Julgamos procedente trazer um olhar sobre a cidade e o território de
moradia destes adolescentes. Fomos buscar uma compreensão sobre os
territórios em que vivem com suas famílias, entendendo que foi fundamental
“ler” a partir da fala dos sujeitos envolvidos neste estudo a composição e as
análises diagnósticas destes territórios. Assim, partindo do pressuposto de que
O território é também o terreno das políticas públicas, onde se
concretizam as manifestações da questão social em suas múltiplas
dimensões, e onde se processam os tensionamentos e as
possibilidades para seu enfrentamento. A compreensão que incorpora
a dimensão territorial nas políticas públicas remete ao
reconhecimento da presença de múltiplos fatores sociais,
econômicos, culturais, nos diversos territórios, que levam os
indivíduos e as famílias a situações de vulnerabilidade e risco social
(RAICHELIS, 2008, p.211).
Tomamos o município de Santo André e nele fomos conhecer o território
do Jardim Santo André, considerando que um de nossos objetivos foi avaliar
como as famílias e seus adolescentes em conflito com a lei acessam e são
inseridos em serviços governamentais e/ou não governamentais que
possibilitem a garantia de direitos sociais fundamentais ao seu bem-estar.
Saber se propiciam ou não condições de fortalecer o caráter protetivo familiar
ao conhecer alguns indicadores sociais de âmbito nacional e como eles se
processam no âmbito do município e dos territórios de vida dos adolescentes
em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto foi uma das nossas
estratégias de reflexão.
O município de Santo André está localizado no Grande ABC, na porção
Sudoeste da Região Metropolitana de São Paulo, é um dos mais antigos
municípios do Brasil. A Vila de Santo André da Borda do Campo, fundada por
João Ramalho na primeira metade do século XVI, teve parte de seu povoado
transferido para São Paulo em 1560 por decisão do então Governador do
Brasil, Mem de Sá, como medida para pôr fim nos conflitos entre indígenas e
jesuítas. Três séculos depois, na segunda metade do século XIX, a vila foi
retomada e começou a se configurar como cidade, a partir do desenvolvimento
surgido com a implantação da ferrovia São Paulo Railway, instalada pelos
ingleses em 1867. Aproveitando as planícies do Vale do Rio Tamanduathey, a
ferrovia ligava a região litorânea, o porto de Santos, à cidade de São Paulo e
104
permitia acesso ao interior do estado, na época grande produtor de café.
Assim, tendo como referência as estações da linha férrea, teve início a
expansão da malha urbana e das atividades industriais, em ambos os lados do
vale do Tamanduathey. É um dos 39 municípios que compõem a Rede
Metropolitana de São Paulo.
A cidade de Santo André tem área total de 174,38 km², sendo que a
zona urbana é de 66,45km² e zona de proteção ambiental conta com cerca de
107,93 km². É nesta zona especial de proteção ambiental onde se localiza o
Bairro do Jardim Santo André, lócus de moradias dos adolescentes em
medidas socioeducativas e suas famílias, sujeitos desta pesquisa.
Mapa 1 - O território da pesquisa
Fonte: Sumário de Dados da Prefeitura de Santo André, 2006. Secretaria de Inclusão Social de
Santo André, 2008.
Para analisar seu comportamento no município e nas famílias dos
adolescentes no bairro do Jardim Santo André, localizamos a expressão da
situação de vulnerabilidade e exclusão que demandam a necessidade de
investimento em políticas sociais setoriais e transversais de raça, gênero e
geração, com vistas à diminuição dos níveis de exclusão social, dada a
importância que o rendimento e acesso ao trabalho desempenham no cotidiano
das famílias entrevistadas.
105
O Mapa 1 identifica um dos elementos do efeito da segregação urbana
em Santo André, resultado da combinação de acesso aos bens de consumo
coletivos (equipamentos e serviços públicos) e de renda (trabalho ou outras
fontes), identifica a população mais vulnerável economicamente sendo expulsa
das regiões mais equipadas, adensando as favelas, loteamentos irregulares ou
em situação precárias com escassa oferta de infraestrutura urbana. É claro que
na cidade toda encontramos índices de exclusão social e precariedade das
condições de vida, mas é na região sul e sudeste que estes fatores mais se
expressam. A proporção de indivíduos vivendo abaixo da linha da pobreza com
renda per capita familiar inferior a ¼ salário mínimo e na linha de pobreza com
renda per capita situada abaixo de ½ salário mínimo, segundo IBGE em 2000
para Santo André, era de 17 mil famílias, o que representava 10% da
população total da cidade em situação de vulnerabilidade social. A distribuição
desta população vulnerável por territórios, novamente se apresenta em regiões
bem definidas, e o Jardim Santo André (Rede 38 e 42) está dentre eles.
O contingente de crianças e adolescentes (0 a 19 anos) de Santo André
é de 217.749 pessoas, dentre os quais 30,33 % têm idade entre 15 e 19 anos.
Estes adolescentes estão distribuídos por igual nas diversas regiões da cidade.
Quando salientamos a situação de pobreza das famílias, verificamos que os
adolescentes (15 a 19 anos) mais pobres encontram-se no território de
intervenção da pesquisa.
Segundo a Prefeitura de Santo André (SUMÁRIO, 2008) o índice de
analfabetismo adulto em Santo André é de 5,3% e a frequência à escola das
crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos é de 97,5%. Quando se analisou a
situação da juventude (Censo 2000), verificou-se que 49% não frequentavam a
escola e 1% nunca havia frequentado. Dentre os 50% que frequentavam a
escola, 17% estavam na rede privada e 33% na rede pública (municipal e
estadual); 69,9% destes jovens foram identificados fazendo parte da PEA –
População Economicamente Ativa, todavia, 32,6% deles encontravam-se
desempregados49 quando da aplicação das entrevistas.
49
Na região do ABC e em Santo André, de fato, na segunda metade da década de 1990,
houve uma estagnação e posterior diminuição na oferta de emprego. Além disso, a oferta de
emprego agora se desloca das antigas indústrias para o setor de comércio e serviços. Não só
os setores, mas também, os lócus de trabalho agora são outros, uma vez que, não são mais os
espaços de trabalho onde os trabalhadores se encontravam – suas inserções agora são mais
106
Segundo dados fornecidos pela recém criada Secretaria de Segurança
Pública do município, utilizando-se dos dados obtidos pelo INFOCRIM, e em
2000, 95,6% de cada 100 mil homens nesta faixa de idade morreram vítimas
de homicídio e, destes, 71,7% em cada 100 mil (ou seja, 75%) mortos com
armas de fogo (IBGE, 2000). No Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros
2008, Santo André ocupa o 67º lugar, no ranking dos 200 municípios com
maior número de homicídios na população jovem em 2006. Os índices gerais
de violência e criminalidade apontam homens jovens entre 15 e 24 anos como
os mais afetados.
Em relação aos índices de criminalidade do município, de acordo com a
análise dos dados obtidos através do INFOCRIM – Sistema de Informações
Criminais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo,
verificamos que houve uma sensível queda nos índices de criminalidade em
Santo André, porém, os números de ocorrências continuam sendo expressivos.
Segundo os dados, os principais problemas do município de Santo André são
de roubo e furtos de veículos e vitimização de pedestres, com reflexos
econômicos e sociais, seja na sensação de insegurança ou até mesmo no valor
dos seguros dos automóveis. Uma das razões pode ser o fato da região do
Grande ABC possuir renda per capita superior à média do Estado, o que
remete à ideia de concentração de riquezas.
Quanto aos índices de criminalidade da região de intervenção do Jardim
Santo André, a região concentra o maior número de crimes contra a pessoa.
Em 2006, foi responsável por 11,5% dos homicídios dolosos e 7,8% dos casos
de lesão corporal dolosa, enquanto que em relação aos crimes contra o
dispersas no território do município, da região do Grande ABC, e na cidade de São Paulo – o
que compromete também sua identidade como trabalhador e suas formas de luta social.
Ademais, os seus contratos de trabalho agora são mais flexíveis na regulação das regras do
trabalho, têm impactos sobre as condições, sobre os níveis de remuneração dos trabalhadores
e sobre as seguranças, direitos trabalhistas e previdenciários. A insegurança se acentua, (...)
mas também porque a condição de empregado/desempregado se torna comum na vida dos
trabalhadores, levando as famílias a reorganizar estratégias e modos de vida que permitam
enfrentar as condições de vida, agora cada vez mais inseguras (CYWINSKI, 2008, p. 61).
107
patrimônio, foi responsável por 3,4% do total de roubo de veículos e 1,7% de
furto de veículos (Sistema Infocrim, 2006, SSP-SP).
Este panorama de necessidade, a realização de intervenção do poder
público neste espaço territorial, que ofereça maiores oportunidades de acesso
e inserção nas políticas do município, são necessárias, sejam elas de
segurança, cultura, lazer, esporte, geração de trabalho e renda, educação,
saúde e habitação, distribuindo de forma mais equânime o direito à cidadania
no município. Foram compartilhados com o Ministério da Justiça esses dados,
o que possibilitou o convênio com o PRONASCI (Programa Nacional de
Segurança Pública com Cidadania)
O PRONASCI implantado em Santo André, em outubro de 2009, veio
incrementar ações do poder público neste território com projetos sociais como
PROTEJO, um projeto de proteção dos jovens em Território vulnerável que
presta assistência por meio de programas de formação e inclusão social a
jovens adolescentes expostos à violência doméstica urbana ou que vivam nas
ruas. O trabalho tem como foco a formação da cidadania desses jovens por
meio de atividades culturais, esportivas e educacionais de forma que eles
sejam posteriormente disseminadores da cultura de paz em suas comunidades.
Apesar de este projeto ser destinado a adolescentes em conflito com a lei ou
egressos das MSE de internação, não foi levantada por nenhum dos
entrevistados a participação no referido projeto.
108
3.3. ADOLESCENTES E FAMÍLIAS: RESULTADOS
Na primeira parte, apresentamos as 07 (sete) representantes das
famílias e seus respectivos adolescentes em cumprimento da medida
socioeducativa de liberdade assistida entrevistados. Para efeito de análise,
unimos os instrumentais de pesquisa e, a partir deles, desencadeamos nosso
estudo. O instrumental de entrevista foi composto por 10 (dez) questões sendo
04 (quatro) questões abertas e 06 (seis) questões fechadas, divididas em
quatro blocos de interesse.
No primeiro bloco de questões, identificamos o perfil dos entrevistados
(Vide apêndices C e D). No segundo bloco de questões, identificamos as redes
comunitárias e sociais que a família possui, para avaliar fortalezas e
fragilidades no seu papel protetivo. No terceiro bloco de questões, analisamos
como estas famílias reconhecem o que as apoiaria em suas dificuldades. O
quarto bloco diz respeito à percepção das famílias sobre a figura do Estado
fortalecendo este papel protetivo.
Respeitada as peculiaridades destes sujeitos, identificamo-los conforme
quadros 5 e 6:
Quadro 5 – Perfil do responsável pelo adolescente entrevistado
Responsável Moradia
bairro/
anos
Região
de
Origem
Idade
Cônjuge
/ anos
Sexo
Ensino
Cor/ra
funda
ça
mental
Vínculo
familiar
Renda/
salário
mínimo
Transferênci
a de
renda
Família
Esperança
5
NE
N/D
não
fem
branca
2a.serie
tia
1
Não
3
NE
73
não
fem
parda
Alfabetiza
da
avó
1
Não
20
SE
54
sim
fem
preta
6a.serie
mãe
de 01 a
03
Não
22
NE
55
sim
masc
preta
Alfabetiza
do
pai
de 01 a
03
Sim
28
SE
52
sim
fem
branca
7a.série
mãe
de 01 a
03
Não
15
NE
32
não
fem
preta
2a.série
mãe
1
Não
14
SE
36
sim
fem
preta
7a.série
mãe
1
Não
Família
Moreira
Família do
Carvalho
Família
Do
Cipreste
Família
Das
Roseiras
Família dos
Amores
Família da
Guia
109
Quadro 6 – Perfil dos adolescentes entrevistados
Cor/raça
Série
Escolar
Estuda
masc
masc
masc
masc
branca
negra
negra
parda
8ª.série
8ª.série
8ª.série
7ª.série
sim
sim
não
não
masc
masc
masc
branca
parda
negra
2º.médio
7ª.série
5ª.série
sim
não
não
Adolescente
MSE
Idade
Sexo
Esperança
Moreira
Carvalho
Cipreste
Das
Roseiras
Dos Amores
Da Guia
LA
LA/PSC
LA
LA
15
16
17
17
LA
LA
LA
18
15
14
A base sobre a qual iremos proceder nossa análise crítica contêm: o
diálogo dos dados coletados com indicadores sociais municipais, que nas
constâncias se processam no cotidiano dos territórios de vida destas famílias,
já que exemplares de desproteção permeiam estes lares. Para isto, trouxemos
04 variáveis que atuam sobremaneira na capacidade protetiva das famílias dos
adolescentes. São eles: a) a variável
territórios e domicílios, b) a variável
trabalho e renda, c) a variável formação familiar, d) a variável educação e
escolarização.
Esclarecemos que estas variáveis são resultado das observações
contidas nas respostas às questões formuladas aos entrevistados que
ocorreram em tempos diferentes, mas para efeitos deste estudo foram reunidas
para dar um formato de conjunto. Condensamos suas impressões sobre três
eixos, a saber:
Eixo 01: Como famílias e adolescentes enfrentaram o fato, propriamente dito,
do ato infracional; que impactos reproduziram nas relações pessoais, nas
relações familiares e sociais.
- Eixo 02: Qual o envolvimento e o nível de compreensão das famílias e dos
adolescentes sobre o PIA-Plano Individual do Adolescente, sobre a percepção
de ambos os sujeitos da responsabilização do adolescente no cumprimento da
MSE, seu envolvimento com as atividades socioeducativas, e, principalmente,
como os familiares avaliam os resultados destas MSE no cotidiano dos
adolescentes.
110
- Eixo 03: Como as famílias se apercebem como sujeitos deste processo, qual
sua trajetória histórica, suas fragilidades e suas fortalezas, com que apoios
podem contar em situações de maior vulnerabilidade, suas relações
intrafamiliares, e como avaliam o que, com o que, e com quem podem se
apoiar para enfrentar as dificuldades e superar as necessidades sociais frente
à situação concreta da responsabilização do ato infracional de seus filhos.
3.3.1 A variável território e domicílio
A cidadania das pessoas se exprime no cotidiano, por meio da sensação
de segurança, pertencimento social e acessos, a relação de morar e conviver
com o seu entorno, eleva o conceito de territórios vivos discutido por Milton
Santos como um exemplar desta sensação. Este sentimento de “pertença
social” está intimamente ligado ao exercício dos direitos, expresso na
existência de serviços públicos como os da saúde, saneamento básico,
esgotamento sanitário, água, luz, limpeza pública, coleta domiciliar de lixo,
endereço para correspondência, escolas, creches, praças, feiras, moradias
dignas, controle de enchentes e posse da terra.
No perfil traçado de nossas famílias entrevistadas, identificamos uma
variável interessante. O tempo de moradia no território do Jardim Santo André
demonstra um vínculo muito forte com este território, em parte provocada pela
concentração populacional nas periferias das cidades ocorridas na década de
70. O auge das ocupações fabris na cidade e a busca de terrenos para moradia
ocasionaram uma ocupação desregulada das áreas de mananciais em
precárias condições de saneamento, habitabilidade e qualidade de vida.
111
Predomina um tempo médio de uma a duas décadas de moradia em um bairro
que possibilita rearranjar vínculos comunitários e sociais.
Outro dado observado foi a região de origem: 57% das entrevistadas
são oriundas da Região Nordeste (Bahia, Pernambuco) e 43% da região
Sudeste (MG, São Paulo). Este multiculturalismo traz aspectos interessantes,
que são referidos nas falas de adolescentes e familiares quanto à importância
de vínculos e parentescos. As visitas aos parentes, o constrangimento de ter
“um filho com problemas na justiça”, a desculpa de viagem ou moradia com
outros membros da família para justificar a ausência do adolescente no
convívio familiar, tornam-se meios e estratégias para resguardar laços e união
entre seus membros internos e externos.
A avaliação das condições de moradia dos entrevistados foi outro dado
importante. Apesar de todos os avanços tecnológicos, de investimentos e
conhecimentos acumulado através de experiências inovadoras, no trato das
condições de abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo
porta a porta, de coletores comunitários, urbanização de favelas, controle de
áreas de risco ambiental, não houve resultado na melhoria das condições de
vida da população.
O efeito da segregação urbana em Santo André, resultado da
combinação de acesso aos bens de consumo coletivos (equipamentos e
serviços públicos) e renda (trabalho ou outras fontes), identifica a população
mais vulnerável economicamente sendo expulsa das regiões mais equipadas,
adensando as favelas, loteamentos irregulares ou em situação precária com
escassa oferta de infraestrutura urbana espalhados pela cidade. Encontramos
índices de exclusão social e precariedade das condições de vida, mas é na
região sul e sudeste, local de moradia de nossos sujeitos entrevistados, que
estes fatores mais se expressam.
As famílias dos adolescentes entrevistados registram os seguintes
dados como reflexo destas manifestações da multidimensionalidade das
desigualdades sociais, em territórios de alta vulnerabilidade social:
i) A família Esperança já morou em núcleo habitacional e foi contemplada com
um apartamento de 45m², nos prédios da Companhia de Desenvolvimento
Habitacional Urbano (CDHU) do Governo de São Paulo.
112
ii) As famílias Moreira, Carvalho Cipreste, das Roseiras, residem em núcleo
habitacional; o tempo de moradia transita entre 15 e 28 anos nestas condições,
portanto uma situação cristalizada. As mudanças e melhorias nas habitações
foram se dando a partir do momento em que os filhos mais velhos foram
iniciando sua trajetória de trabalho
iii) A família dos Amores reside no alojamento público municipal removida de
uma área de risco de desabamento. Ocupa um quarto com banheiro de 25m²
para 06 pessoas, aguarda a mudança para moradia definitiva proveniente do
Convênio da Prefeitura com a CDHU que, no prazo de dois anos,entregará as
unidades fixas.
iv) A família Da Guia mora em casa de aluguel, núcleo familiar complementado
pelo marido de 79 anos, as duas filhas e o adolescente entrevistado.
Uma das questões apresentadas na pesquisa se refere à impressão que
os entrevistados tinham sobre a região onde moravam e algumas evidências
foram apresentadas: 90% das entrevistadas mencionam se sentirem seguras
em morar no bairro e na região, e não ter medo, contarem com amigos,
parentes e vizinhos na região. Somente 10% dos entrevistados demonstram
receio e medo do local de moradia, isto porque temem a violência contra seu
parente adolescente devido ao comércio de drogas na região de moradia. A
totalidade afirma que frequenta cultos ou espaços religiosos. O entrevistado da
família Cipreste chegou a se manifestar: “Não tenho nenhum inimigo. É o
sangue”, ele é morador no bairro há 22 anos, veio do Ceará, conhece e é
amigo de todos, segundo ele.
Indagados sobre as atividades que poderia ter no bairro como espaço de
convivência, convívio e formação, os adolescentes manifestaram que as
melhorias para seu território de moradia são:
a ampliação de quadras de
esportes (80%), a abertura de turmas de dança de salão, hip hop, dança de
rua, dentre outras (90%). Os adolescentes das famílias Dos Amores e
Carvalho sugeriu “pôr uma piscina, uma pista de skate, quadras de basquete”.
As respostas sugerem que prevalece o reconhecimento das atividades ao ar
livre como possibilitadoras do convívio social, que suplantam a preferência ou
maior expectativa por equipamentos sociais. Indagados a respeito do Centro
Educacional existente na região, afirmam que não frequentam pelo fato de
113
suas atividades serem desinteressantes, com horários inadequados, bem como
a periodicidade cíclica das atividades. Por sua vez, todos os familiares
responsáveis sugeriram a inclusão de cursos profissionalizantes, técnicos e
laboratórios de informática para preparação dos filhos ao mundo do trabalho.
Esta sugestão também foi indicada por 40% dos adolescentes entrevistados.
Esta indagação possibilitou aferir interesses e oportunidades futuras,
para a ampliação de acessos a bens e serviços culturais e, principalmente, as
respostas denotaram a necessidade de ampliação dos espaços de convivência
social, oportunizando meios para preparação ao mundo do trabalho. Deixou
clara ainda a necessidade de se ampliar o debate sobre o leque de atividades e
programações com os usuários dos serviços, por parte dos gestores
municipais.
Uma segunda questão colocada aos dois públicos se propôs a identificar
o nível de inserção e inclusão na Rede de Proteção Social da cidade, da região
e no território de moradia. A intencionalidade era aferir os acessos e o
conhecimento que estes sujeitos têm de serviços, programas, projetos das
diversas políticas públicas. Identificar se o entrevistado utiliza o serviço
eventualmente, atendendo a uma necessidade imediata, não cotidiana, ou se o
entrevistado está incluído (entendendo incluído como uma participação efetiva,
de caráter contínuo em um serviço, programa, benefício demandado pela
política social).
i) Na Política de Assistência Social, 100% das famílias entrevistadas acessam
serviços tais como: atividades socioeducativas e de convivência fora do horário
escolar para os demais filhos da composição familiar, 90%
das famílias
entrevistadas estão inseridas em programas de transferência de renda,
predominando o Programa Bolsa Família, mas com o benefício suspenso em
função da situação do descumprimento da condicionalidade de frequência
escolar do adolescente em MSE. Somente 10% das famílias acessam o
benefício
normalmente.
Observamos
que
os
adolescentes
em
MSE
entrevistados, não acessam ainda os Programas voltados para o JovemAdolescente (ProJovem Adolescente, Pronasci/Protejo, Ação Jovem), cujo
critério de seleção contempla adolescente em situação de risco social, egresso
de MSE de internação, dentre outros. Significante o acesso dos adolescentes e
114
famílias na Rede de Proteção, preferencialmente nos serviços e programas da
Política de Assistência Social, mostra que diante das vulnerabilidades e riscos
sociais, esta é a política social que mais se aproxima e é acessada pelas
famílias dos adolescentes em conflito com a lei.
Os resultados apontados para a política de assistência social indicam,
também, que os adolescentes não diferenciam as finalidades de sua
participação nas atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de
Vínculos, mais conhecido como o “contraturno escolar”, com a sua participação
nas atividades socioeducativas do cumprimento da MSE em meio aberto. O
mesmo não ocorre com os familiares: compreendem que o referido
“contraturno escolar” tem suas ações desenvolvidas no espaço das
organizações sociais conveniadas com a Prefeitura e no território do bairro e
estão vinculadas ao CRAS Vila Luzita tendo uma função diferenciada daquelas
próprias do cumprimento da medida socioeducativa.
ii)
Quanto à
Política de Saúde: 100% das famílias e seus adolescentes
entrevistados acessam as Unidades Básicas de Saúde, para si e seus filhos,
com destaque à família Da Guia (responsável e adolescente), que usa os
serviços do Centro de Apoio Psicossocial de Saúde Mental - CAPS para
tratamento de dependência química. O acompanhamento regular em serviços
médicos só foi observado junto a família Esperança, cuja moradia está coberta
pelo programa Saúde da Família.
iii) No que se refere à Política de Educação e Formação Profissional, 40% dos
adolescentes entrevistados acessam unidades escolares. Nenhum (100%)
responsável e filhos maiores de 18 anos estudam e quanto aos filhos de 07 a
12 anos (80%) frequentam regularmente o ensino fundamental, mais
especificamente os adolescentes entrevistados das famílias Carvalho, Cipreste,
Dos Amores e Da Guia.
A distorção idade/série, acompanhada pela
desvinculação do ambiente escolar destes adolescentes em MSE fora da
escola,
aprofunda
ainda
mais
o
despertencimento
social que
estes
adolescentes vivenciam.
iv) O sistema de transporte público é acessado por 100% dos responsáveis
para trabalho e atividades diversas: 50% dos adolescentes usam-no para
115
atividades vinculadas ao trabalho e 20% utiliza para passeio, 30% não usa para
nenhuma atividade regular.
No quesito política de cultura e lazer, os resultados demonstram que
esta é um política que tem margens expressivas de ausência de acessos junto
aos adolescentes. Somente 02 adolescentes responderam que vão ao cinema,
os demais 80% dos adolescentes não mencionaram acessarem este quesito
Mas os sete adolescentes responderam que jogam bola com os amigos,
(10%) mencionou frequentar o CESA (Centro Educacional e de Lazer) do
bairro. Ainda neste quesito, interessante foi observar que as famílias recorrem
a serviços ofertados pela sua comunidade, por meio das Igrejas, cultos e
grupos de estudos religiosos, ou grupos de reflexão de temáticas diversas.
No Gráfico 1 e Quadro 7, registramos a quantidade de acesso que foi
identificado pelos responsáveis para si, para os demais membros da família e
pelos próprios adolescentes em suas respostas.
Gráfico 1- Acesso aos serviços públicos
14
12
10
Saúde
Transporte
8
Esporte
6
Educação
4
2
Es
pe
ra
n
M ça
or
C ei ra
ar
va
l
D Cip ho
as re
R st
D ose e
os i r
Am a s
or
D es
a
G
ui
a
To
ta
l
0
Cultura e Lazer
Rede Comunitária
116
Quadro 7- Acessos das Famílias à Rede de Proteção Local
Assistência
Social
Família
Saúde
Transporte
Esporte
Educação
Cultura
e Lazer
Rede
Comunitária
Esperança
2
3
1
1
2
0
1
Moreira
2
1
1
1
1
1
1
Carvalho
1
2
0
1
2
0
0
Cipreste
Das
Roseiras
Dos Amores
Da Guia
Total
3
1
1
1
2
0
0
2
1
1
1
1
1
0
1
3
14*
2
2
12
0
1
5
1
0
6
2
3
13
0
0
2
0
1
3
*Unidade de medida utilizada representa o número de membros da família que acessam os
serviços da rede de proteção local.
3.3.2 A variável trabalho e renda
Os indicadores relativos ao trabalho e rendimento servem para avaliar
as condições de vida, acesso ao mercado de trabalho, desigualdades entre
diferentes grupos sociais. No perfil das famílias entrevistadas apresentados no
Quadro 5, os dados relativos à renda e escolaridade exposto no cotidiano das
famílias do Jardim Santo André, traz à mostra a muldimensionalidade que a
ausência de escolarização, qualificação e acesso ao trabalho formal impõe
como impacto social relevante no que se refere às condições financeiras de
renda e sustento das famílias. Apesar da relativa equivalência de renda mensal
entre as famílias entrevistadas (um salário mínimo), um componente é
significativo: 55% são famílias chefiadas por mulheres sem companheiro, com
baixa escolaridade, 80% não completou o ensino fundamental e a atividade
laborativa preodominante
é como trabalhadora doméstica sem vínculo
empregatício formal, desempenhado por tarefas esporádicas como diaristas,
faxinas e outras. As famílias que percebem de 01 a 03 (três) salários mínimos,
apresentam, apesar dos baixos salários, um componente de composição
compartilhada de renda entre mulheres e seus companheiros e, nas atividades
produtivas das mães, uma complementação econômica. A crescente
participação das mulheres e a queda da participação dos idosos no mercado
de trabalho têm indicado, na desagregação de dados, a necessidade da
117
elaboração de políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero e o
desenvolvimento social.
Afinal porque trazer esta reflexão? Estamos diante de um fato concreto,
a possível entrada tardia de jovens, hoje de 15-17 anos, do sexo masculino,
com média escolar baixa, influenciada pelo seu atraso e evasão escolar, no
mundo do trabalho.
Segundo dados do IBGE/PNUD (2009), os indicadores sociais de
caráter nacional apresentam alguns paradoxos destas desigualdades. A
variável referente ao aumento de escolaridade também está contida no nível de
desocupação tanto feminina quanto masculina, nos empregados sem carteira e
para os trabalhadores domésticos com rendimento inferior a 1/2 salário mínimo
per capita, sendo um recorte relevante na composição da massa salarial.
O aumento do setor de serviços como reflexo do processo de
urbanização e desenvolvimento local com oferta de empregos ainda instáveis,
basicamente terceirizados, as condições salariais de mulheres que ainda
ganham menos que os homens em atividades iguais (entre os setores sociais
mais pobres, a diferença chega a ser de até 76% do rendimento dos homens)
estão estampadas nas relações do campo de trabalho que nossos jovens
estarão
enfrentando.
São
indicadores
que
causam
desesperança
e
desmotivação para a complementação dos estudos. Na contramão, ainda
vemos que a procura por cursos técnicos e profissionalizantes é uma forma de
competir por vagas de trabalho das quais predomina o telemarketing,
disponibilizado para esta faixa etária.
A relevância destes dados para analisar o comportamento no município
e nas famílias dos adolescentes no bairro do Jardim Santo André foi uma
opção considerada, dada a importância que o rendimento e acesso ao trabalho
desempenham no cotidiano das famílias entrevistadas.
Santo André tem indicadores de urbanização classificados entre as
melhores cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Segundo dados do
IBGE
(2010)
apresenta
um
PIB
de
R$
20.018,82,
seu
Índice
de
Desenvolvimento Humano (IDH) é 0,8739, ocupando o 94º lugar entre os 5.564
municípios do país. No entanto, a cidade reproduz os contrastes marcantes
entre riqueza e pobreza característicos do Brasil. Há uma significativa
118
heterogeneidade na esfera intraurbana, em razão da grande desigualdade
socioterritorial existente na cidade.
A proporção na cidade de indivíduos vivendo abaixo da linha da pobreza
com renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo e na linha de
pobreza com renda per capita situada abaixo de ½ salário mínimo (base IBGE
2000), era de 17 mil famílias, o que representa 10% da população total da
cidade em situação de vulnerabilidade social. A distribuição desta população
vulnerável no território, novamente se apresenta em regiões bem definidas e o
Jardim Santo André está dentro delas.
Isto pode ser constatado na amostragem parcial constante do Quadro 8,
no qual apresentamos o valor da renda per capita de 05 (cinco) regiões da
cidade, dispostos em ordem crescente. Esses dados, em 2006, foram
fundamentais e possibilitaram reunir argumentos para o início do processo de
reestruturação da Rede de Atenção da Política de Assistência Social
conveniada à Secretaria Municipal de Inclusão Social. O debate com seus
parceiros tinha por objetivo o redirecionamento da oferta de serviços
socioassistenciais dirigidos a crianças e adolescentes, a serem instalados nas
regiões da cidade que apresentavam maior índice de vulnerabilidade. A
desconcentração e descentralização da oferta dos serviços socioassistenciais
tinha como objeto, além do fortalecimento da política de assistência social por
meio de programas de transferência de renda, aos moldes do Bolsa Família,
inserir a lógica da atenção socioassistencial nos espaços urbanos de maior
incidência de indicadores de exclusão e desigualdade social apresentados no
município.
Quadro 8 Renda per capita por região de Santo André
Bairros
Renda Per capita
Jardim Santo André
R$ 165,72
Jardim Santo André
R$ 195,84
Bairro Cata Preta, Jardim Irene e Sítio
dos Vianas
Centreville, Jardim Marek e Parque
Marajoara
Bairro Casa Branca e Centro
Média do município
R$ 196,44
R$ 375,00
R$ 1.698,33
R$ 511,90
119
Fonte: Microdados da Amostra. Censo 2000 / IBGE. Elaboração: Coordenadoria Indicadores
Socioeconômicos CIS / SOPP / PMSA.Reelaborado pela pesquisadora em 2010.
Outro fato que ficou latente é a situação de dupla responsabilização do
adolescente com relação ao acesso de toda a família a programas de
transferência ou distribuição de renda como os Programas Bolsa Família
(federal), Renda Cidadã (estadual) e Renda Mínima (municipal). Todos os
programas, ao prever a condicionalidade da frequência escolar como garantia
do acesso à escola, acabam por provocar nestas famílias outra condição de
exclusão, pela característica de ter seus adolescentes em recorrente incidência
em atos infracionais. O adolescente não estuda, está na composição familiar,
se estiver em regime de internação, sua escolarização não é apurada para
efeitos de condicionalidade, quando entra para o cumprimento das MSE em
meio aberto em meados do ano, não encontra escola para se vincular. E,
assim, a família fica durante o ano impedida de acessar este benefício da
assistência social, reinstalando um círculo de apartação.
3..3.3 As formações familiares
As mudanças nas formações familiares devido às transformações
societárias, impostas pelo mundo industrializado, com rápidas alterações
culturais, alterou as formas de organização das famílias e as relações de
parentesco.
Dados
do
PNAD
(2004)
apresentam
como
principais
características: a redução do tamanho das famílias (devido à redução de
índices de fecundidade e natalidade), o aumento de famílias chefiadas por
mulheres, o aumento da expectativa de vida dos membros, o aumento
gradativo de mulheres no mercado de trabalho. Esta mudança cultural
significativa vem sendo notada no que se refere à nova identificação do titular,
pessoas de referência e/ou responsável-provedor, autoridade moral e
financeira cujo reconhecimento por seus membros, no seio do contexto familiar,
exprime a formação familiar mais contemporânea.
A pesquisa mostra a presença de estruturas familiares com 45,3% das
famílias, na fase do ciclo inicial de formação, ou seja, filhos ainda pequenos,
responsáveis mais jovens e maior adesão conjugal. A relação entre o tipo de
estrutura familiar e o ciclo de vida (medido pela idade dos filhos), quer seja
inicial, intermediário ou final, resulta em diferentes formatos de sobrevivência e
120
bem-estar de seus membros. A própria condição de entender que os “homenspais”, deveriam ter um papel mais forte, mais “de limites ao adolescente” traz, à
cena contemporânea, as percepções sobre os papéis que foram construídos
nesta relação de vivência e papéis conjugais entre pais e responsáveis, e que
trazem das regiões de origem exemplares deste culturalismo afetado também
pelos arranjos socioeconômicos que historicamente as regiões do país
enfrentam.
Serve como ilustração, o depoimento da representante da família
Carvalho, ao entender que uma grande fragilidade da dinâmica familiar é o
comportamento do esposo
por não
compreender a situação,
visitar
pouquíssimo o filho, “sempre foi um pai ausente, e não quer mudar, não
conversa com o filho e quando faz xinga e está sem paciência”. O adolescente
manifestou também, em seus depoimentos, esta ausência, “queria que meu pai
viesse me visitar, mas entendo que eu errei”. As responsáveis pelos
adolescentes (43%) apontados no perfil acima dos entrevistados, vivem sem
companheiro, são pertencentes a famílias extensas (tia, avó), na maioria
idosas. A maioridade também requer uma avaliação, o previsível choque
geracional está tomando proporções singulares em lares brasileiros, as famílias
estão convivendo cada vez mais com o envelhecimento de seus membros, que
continuamente
assumem
os
papéis
de
provedores,
cuidadores
e,
simbolicamente, o papel de aglutinador familiar.
Entendemos que o papel sexual que foi atribuído ao homem está
frequentemente abalado, com a expectativa cultural de ser o provedor da
família, minando sua autoconfiança e estima, afetado principalmente pelas
dificuldades e circunstâncias de vínculos no sistema produtivo. Mesmo as
mulheres que culpabilizam seus companheiros pelos encargos decorrentes da
necessidade de elas buscarem trabalho, além dos seus afazeres domésticos e
cuidados com os filhos, tendem a questionar qual seria a função dos homens
neste círculo familiar, quando papéis tradicionalmente instituídos não são
cumpridos. Assim, remetem à discussão sobre qual seria esta nova
masculinidade exigida pelo momento contemporâneo que vivemos já que
afetam referências intrafamiliares e de desenraizamento dos grupos familiares.
No Quadro 05, as famílias Carvalho, Cipreste, Das Roseiras e Da Guia
demonstram que o perfil das composições familiares se enquadram no tipo de
121
estrutura de famílias iniciais, com a presença de companheiros, cuja renda
familiar gira em torno de R$ 1.200,00, sendo a família composta por filhos de
uniões anteriores, exceção à família Dos Amores, integrada nestas
características, mas que recentemente vive sem companheiro.
As uniões estáveis consensuais e novos casamentos, que aqui não
foram passíveis de mensuração, repercutem em acessos a direitos sociais e
garantias previdenciárias, posse de bens e da terra, e no sentimento de
segurança de mulheres e filhos diante das novas formações familiares nas
quais a presença de filhos de outros parceiros acabam por compor oficialmente
uma nova unidade familiar. Com certeza, as alterações legais da CF/88 e do
atual Código Civil, importante instrumento de acesso ao direito de justiça às
camadas mais empobrecidas, possibilitou o reconhecimento de direitos civis
aos dois gêneros, impulsionando na decisão sobre novas uniões.
3.3.4 A educação e a escolarização
A educação, direito social básico e fundamental, tem seu papel de
relevância cada vez mais exigido na sociedade atual. Sua função social
iniciada em casa e complementada nos espaços educacionais tem a tarefa de
preparar a sociabilização de sujeitos sociais para o enfrentamento de um
mundo globalizado cuja redução de empregos exige cada vez mais
competências operativas, técnicas, informacionais e relacionais para uma vida
salutar em comunidade. Mas será que temos acesso e escolas suficientes
atuando em respostas a estas demandas contemporâneas?
É certo que a redução dos índices de analfabetismo e o aumento da
escolaridade da população, apresentam paradoxos. A cor/raça, a região de
moradia, a renda familiar, os domicílios são elementos que ainda demandam
atenção prioritária. Analfabetos funcionais, pessoas com 15 anos ou mais, com
menos de 04 anos de estudos completos, ou seja, ¼ da população nesta idade
não é familiarizada com a leitura, escrita e operações elementares, sendo que
muitos
de
nossos
obrigatoriedade
legal
adolescentes
do
ensino
encontram-se
fundamental
nestes
e
indicadores.
iniciativas
de
A
sua
122
condicionalidade em programas sociais de transferência de renda como o
Programa Bolsa Família tem apresentado resultados satisfatórios.
No acesso ao ensino fundamental, ainda os adolescentes demandam
maior atenção, e programas como o PROJOVEM e PRONASCI/PROTEJO
estão longe ainda de representarem significância nestes dados, isto porque
mantêm a condicionalidade da frequência escolar como critério de acesso ao
benefício pelo adolescente em conflito com a lei, não lhe garante pertença ao
programa pela sua desvinculação com o ambiente escolar. O acesso às
creches, então, ausentes nos cenários dos territórios mais vulnerabilizados, se
transforma em outro grande enfrentamento.
Assim, o desafio acaba sendo não só sustentar indicadores de redução
do analfabetismo e elevação da escolaridade, mas a “correção do fluxo
escolar”, ou seja, combater a evasão e o atraso escolar em todo o sistema.
Atingir a melhoria da qualidade de ensino e da formação dos profissionais da
área e associar integração com programas sociais que permitam às famílias
manterem suas crianças na escola e aos jovens a permanência nos estudos
básicos, médios e/ou técnico ou superior.
Alguns fatores abaixo apresentados se tornaram significantes e foram
observados neste estudo das famílias, foco desta pesquisa. Segundo o IBGE
(BRASIL, 2005) estes dados são acompanhados anualmente, e o são também
pela municipalidade, assim buscamos relacionar com os dados obtidos das
entrevistas realizadas com adolescentes de nossa pesquisa, a saber:
i) Apesar da rede de ensino fundamental obrigatório (7-14 anos) manter a
oferta de escolas, cobertura quase universal, independente de cor, sexo, renda,
o acesso e a permanência não é garantido com a mesma relação de igualdade.
Nas famílias entrevistadas, a maior dificuldade é encontrar escolas próximas de
sua residência, as escolas instaladas nas áreas de grande contingente
populacional, cujas famílias contam em sua composição familiar com crianças
pequenas não ofertam período integral e atendem em horários intermediários
para dar vazão a demanda. Este é o caso das famílias Da Guia e Cipreste, que
há meses aguardam vaga para seus filhos em MSE. Inclui os ACL nas escolas,
apesar de ser uma determinação judicial, é um problema regional, as famílias
circulam de escola em escola, procuram a Delegacia de Ensino, buscam o
123
Conselho Tutelar e, ainda assim, não garantem a matrícula, principalmente se
o adolescente tiver o término de sua MSE de internação após os meses de
agosto a dezembro.
ii) O mesmo ocorre com as creches e educação infantil, municipais ou
conveniadas no bairro, pois a demanda reprimida por período integral equivale
à duplicação das vagas disponíveis, a rede é acanhada e a procura é grande.
Esta é uma necessidade demandada pela família Da Guia para suas duas
filhas de 05 anos. A mãe não consegue se fixar numa atividade laboral pela
ausência de suporte ou com quem “deixar suas gêmeas” em local seguro,
educativo.
iii) Na faixa etária de 15-17 anos, a questão é grave. Embora a taxa de
frequência tenha crescido, as famílias Esperança, Moreira e Das Roseiras
reforçam o apelo aos seus adolescentes para se manterem com vínculo e
frequência escolar por entenderem que, para estes adolescentes, a ascensão
social sem escolaridade se torna muito mais árdua. As escolas não são
atrativas, a violência urbana é uma constante, o rótulo do ”garoto infrator” se
torna um estigma a ser enfrentado junto aos colegas de classe, professores e
direção.
iv) O trabalho transita normalmente entre os grupos etários de 16-18 anos. Os
adolescentes das famílias Cipreste e Carvalho não estudam, ou estão em
busca de vaga de escola, ou entendem que há muito tempo para o término da
8a série do ensino fundamental. Preferem restabelecer os laços de confiança
rompidos com o pai e demais membros da família por meio do trabalho como
ajudante de pedreiro ora com o pai, ora com o vizinho ora com um parente
próximo.
v) No grupo entrevistado (07 adolescentes) a discrepância escolar não foi tão
expressiva, mas entre os adolescentes a adequação série/idade do ensino
fundamental para brancos e principalmente negros e pardos demandam ações
emergenciais. O baixo nível de escolarização dificulta as relações, e até
mesmo a convivência, pois adolescentes com a experiência de vida já
acumulada pelas trajetórias dos atos infracionais, não se sentem à vontade em
salas de aulas com garotos de 11-13 anos, o conflito relacional se instala e,
deste modo, preferem abandonar os estudos.
124
Apesar dos atuais dados divulgados pela ONU (nov.2010), o Brasil tem
o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 73% lugar, mais próximo a
países como Noruega do que a África do Sul, as alterações do critério de
composição dos dados substituindo “anos estudados” por “expectativa de anos
a estudar”, trarão um forte impacto ao governo, implicando no aumento de
incentivos para o retorno à escolarização de pais e filhos, reduzindo
desigualdades e criando oportunidades que, juntas, concorrem à elevação de
padrões socioeconômicos.
Passaremos agora para o segundo bloco do estudo, em que
reproduzimos, a partir das manifestações dos entrevistados, suas impressões
sobre três eixos, a saber:
- Eixo 01: como famílias e adolescentes enfrentaram o fato, propriamente dito,
do ato infracional, que impactos reproduziram nas relações pessoais, nas
relações familiares e sociais,
- Eixo 02: vamos analisar o envolvimento e o nível de compreensão que
famílias e adolescentes têm sobre o PIA-Plano Individual do Adolescente,
sobre a percepção de ambos os sujeitos sobre a responsabilização do
adolescente no cumprimento da MSE, seu envolvimento com as atividades, e
principalmente como os familiares avaliam os resultados desta fase no
cotidiano dos adolescentes e, finalmente,
- Eixo 03: como as famílias se apercebem, qual sua trajetória histórica, suas
fragilidades e suas fortalezas, com que apoios podem contar em situações de
maior vulnerabilidade, suas relações intra e ultrafamiliares e como avaliam, o
que, com o que, e com quem podem se apoiar para enfrentar as dificuldades e
superar
as
necessidades
sociais
frente
a
situação
concreta
da
responsabilização do ato infracional de seus filhos.
Para buscar os elementos para nossa análise e entender como famílias
e adolescentes enfrentam o fato, propriamente dito, do ato infracional, que
impactos reproduziram nas relações pessoais, nas relações familiares e
sociais, partimos das seguintes questões, primeiramente apresentadas aos
adolescentes, a saber:
125
Eixo 01 - Como famílias e adolescentes enfrentaram o fato, propriamente dito,
do ato infracional; que impactos reproduziram nas relações pessoais, nas
relações familiares e sociais.
A) Como foi passar pelos momentos de apuração, defesa, entrevista com o/a
juiz/a até a decisão da medida socioeducativa? Você teve apoio para enfrentar
este momento? De quem?
As respostas foram textualmente curtas, monossilábicas, na realidade.
As expressões em voz baixa foram “ruim, muito ruim, difícil, suave,
apreensivo”. Buscamos entender as uníssonas palavras, a significância delas
dentro da realidade vivida por cada adolescente.
Todos os 07 (sete) adolescentes entrevistados tiveram a experiência de
terem sido acolhidos nas Unidades da Fundação Casa por um tempo relativo
de 01 (hum) mês, 06 (seis) meses e 06 (seis) dias, até 10 (dez) meses,
totalizando 24 meses e 25 dias.
Assim se referiam aos momentos de apuração do ato infracional,
entrevista com delegado, entrevista com defensor e entrevista com juiz. Tinha
como expectativa de entrevistadora que os adolescentes fossem, no seu relato,
fazer alguma alusão a uma das mencionadas fases do processo judicial. Ou
mesmo, se entenderam ou não o processo de apuração do ato infracional ou
trazer algum dado sobre os momentos que tenham sido mais relevantes e
significativos para eles, e que relatassem como estavam vivenciando o
momento do cumprimento da medida em meio aberto. Na realidade, os
adolescentes focaram suas impressões sobre a experiência do meio fechado.
Além do silêncio e do ar pensativo, o que obtivemos foi só uma palavra.
E a resposta se referiu ao tempo passado, o tempo que foi passado em
privação de sua liberdade, nas unidades de grande ou de pequenas
proporções, das atividades que desenvolveram, dos sentimentos que este
enclausuramento despertou. Das perdas, do tempo, das ausências, dos
medos.
Ao aprofundarmos a investigação para aferir sentido e significância às
palavras, ruim, apreensivo,muito ruim, verificamos que, em sua maioria, a
expressão foi de apreensão com relação ao medo do que poderia acontecer
126
com eles na Unidade da Fundação Casa, como seria o cotidiano, qual seria a
rotina, como ficaria sua família, os sentimentos da família em relação a ele, da
falta de notícias dos amigos, da namorada, dos acontecimentos da
comunidade, da vida em geral. O sentimento de cerceamento de acesso à
informação é o mais expressivo, sendo que outro sentimento diz respeito à
falta do movimento: das pessoas, dos veículos, do tempo passando.
A título de exemplo, trazemos alguns depoimentos dos adolescentes:
“....vários pensamentos, vontade do tempo passar rápido, sair, troca ideias,
saber das notícias de quem ficou lá fora, das coisas que aconteciam lá
(Fundação Casa), estava isolado, sem saber de nada” (MOREIRA).
O adolescente da família Carvalho, também questionado, disse que
ficou na Fundação Casa Unidade Itaquera e UIP07, e quanto ao seu “ruim”,
disse que,“não presta ficar trancado, sem ver barulho, carro, moto, pessoas
conversando, barulhos de gente”. “(...) é o movimento rápido, como não ocorre
estando lá preso”.
O adolescente da família Dos Amores esteve interno na UIP7 por
01(hum) mês:
...lá tinha uns 450 meninos, era muita gente. Não senti medo. Ficou
suave”. Lá tinha escola, aprendi a fazer muitas coisas, fiz um quadro
legal, trouxe pra casa, mas na mudança do barraco para o alojamento
ficou perdido.
Já o adolescente da família Das Roseiras afirma “Foi lição de vida.
Passei 07 meses na fundação da Vila Conceição. Serviu para ver o que eu
quero da vida, pai e mãe morrendo de desgosto”.
O adolescente da família Das Roseiras se manifesta quando perguntado
se foi importante ter este apoio. “Sim. A família não desistiu de mim. Ela (a
mãe) ia visitar, me aconselhou muito...ela deu força”.
Em geral, as manifestações dos 07 (sete) adolescentes foram de
satisfação por terem membros da família visitando-os, dando conselhos,
sentindo-se protegidos, amados e compreendidos.
Para as famílias, questionamos:
B) Qual foi a reação da sua família diante da situação de ter um filho(a)
envolvido em ato infracional?
Os comentários dos familiares não foram somente de uma palavra, as
expressões denotavam sentimentos fortes de incompreensão dos fatos. As
127
palavras mais usuais foram também “Terríveis, abalou muito a família,
chocante, não acreditei, pensei que ficaria louco,desmoronou”.
O depoimento da família Moreira elucida bem este momento de
apreensão, sofrimento e desesperança. O pai do adolescente foi morto e a mãe
não tem a tutela, a avó é quem acompanha o neto, apesar de se queixar da
situação vexatória da revista, não deixou uma semana de visitá-lo: “O pai
(quando vivo) e irmãos ficaram desacreditados, pensaram em abandonar o
adolescente, acharam perda de tempo as visitas e as preocupações, e que não
precisava visitar(o adolescente)”.
A Família Carvalho responde que a decepção “Foi grande. São nove
irmãos, quando souberam dos fatos, desmoronou”. Passaram em visitas à
unidade de Itaquera por 06 meses e 09 dias “Superando, pedindo a Deus
força”. A família é de evangélicos e se reunia em orações.
Perguntamos ao representante da Família Cipreste se o fato de o
adolescente não retornar ao estudo (ele não terminou a 8ª. série do ensino
fundamental) não incomodava o pai. O pai afirmou que na FEBEM (Fundação
CASA), ele fez um juramento de que pagaria todos os dias que esteve lá, e
nunca mais o pai sofreria de novo. O pai crê que esta aproximação é sua forma
de retribuir pelo sofrimento que ele (pai) passou.
Não aguentei a primeira vez, fiquei louco e pedi para o policial me dê uma arma que eu me mato - quando vi ele algemado. A
segunda vez não vi ele algemado, já estava na FEBEM
(Fundação CASA). Visitava e dava muito conselho. Ele
trabalha comigo, até dorme no emprego (FAMÍLIA CIPRESTE).
A família Da Guia relata que, por alguns dias, ficou à procura do filho.
Em outras oportunidades, ele já havia ficado por um mês desaparecido, mas
sempre retornava, “sujo, com fome, mas voltava”. Quando soube da
apreensão, a reação foi de choro. No dia da visita, “O povo falava que tava
morto, fazendo coisa errada. Não conseguia olhar ele. A Unidade pode até ser
pequena, mas é uma cadeia do mesmo jeito, cadeia de menor...”
Assim, da mesma maneira que os adolescentes iniciaram a entrevista
relatando os fatos do período do cumprimento de medida de internação e suas
trajetórias, os familiares (mães, pai, avó) também se referiram mais ao período
em que seu adolescente esteve em medida de internação. A demonstração de
128
que estes fatos foram um marco na vida das famílias resultou também em uma
maior aproximação relacional entre seus membros, diante do impacto
desafiante que se tornaram as visitas, as revistas constrangedoras, a mudança
de rotina de todos os membros e a busca de apoio junto a órgãos públicos,
vizinhos e até outros parentes.
Eixo 02 - O envolvimento, avaliação e participação no cumprimento do PIA.
Questionamos às famílias e aos adolescentes sobre como observavam seu
envolvimento, as atividades, o que mais apreciavam, as sugestões. As
questões apresentadas para avaliar o envolvimento das famílias e dos
adolescentes na elaboração, acompanhamento, monitoramento, e avaliação do
PIA, para os adolescentes foram:
C) Quais são seus projetos para o futuro? O que pode apoiar ou facilitar seus
projetos para o futuro?
Gráfico 2 Adolescentes e projetos
M e us pr oj e t os pa r a o Fut ur os
71%
T r abal har
1
60%
t er E s pos a e Fi l hos
E s t udar
71%
50%
55%
60%
65%
70%
75%
Os adolescentes entrevistados nas referidas questões demonstraram
uma certa cautela ao responder a questão, refletiram sobre a pergunta e
quando foi recolocada a pergunta, sem muitos rodeios, obtivemos como
respostas que 71% dos adolescentes tem projeções de continuar os estudos e
se vincular ao emprego formal, alguns manifestaram o interesse por cursos
técnicos e profissões técnicas, mas entendem que para atingir tais objetivos,
129
necessitam elevar sua escolaridade; um grande desafio para quem esteve por
muito tempo desvinculado dos bancos escolares.
O adolescente da família Esperança, depois de muito pensar, sorriu e
disse “quero ser médico e auxiliar de administração”. Perguntado o que faria
para concretizar este sonho, respondeu que “estudar e não fazer mais coisas
erradas”. Foi interessante observar como os adolescentes têm consciência dos
fatos e de seu envolvimento com os atos infracionais. Pudemos observar, nas
manifestações de pais e filhos, as concordâncias sobre as consequências e
responsabilização sobre o ato infracional. As tentativas de vincularem
rapidamente o adolescente a uma atividade laboral, já que a escola ainda
apresenta dificuldade de vinculação, de acordo com o período do ano e da
série escolar, uma demanda constante a ser equacionada nas parcerias e
integração com a política de educação, principalmente a estatal.
. Questionado como atingir estes objetivos, o foco se dirigiu aos estudos
regulares e profissionalizante, à vontade própria, “querer”, “correr atrás”,
“estudar muito”, “ ter apoio da família
Gráfico 03- O que Apoiaria os adolescentes em seus projeto.
O que apoiaria m eus Projetos
30%
Fazer cursos
71%
Estudar
71%
Trabalhar
%
Não reincidir
30%
0%
50%
100%
Á compreensão dos adolescentes de que “erraram, fizeram coisas
erradas”, chegamos a perguntar sobre qual era sua impressão sobre o
envolvimento com o trabalho do tráfico de drogas, e ele respondeu “isto não é
trabalho, é coisa ilícita, é ilegal, só entramos nessa vida para comprar roupas, ir
nas baladas, ter as coisas que tudo mundo tem” (CIPRESTE).
”
130
Uma perspectiva de projeto para 03 (71%) dos adolescentes
entrevistados foi a constituição de uma família, ter uma esposa, filhos,
trabalhar, estudar, “mudar de vida”. Poucos têm o sonho de uma profissão,
mas dentre os que manifestaram interesse, as formações foram nas áreas da
medicina, engenharia, administração geral, tecnólogos, metalurgia
O adolescente da família Das Roseiras chegou a sugerir em seu
depoimento
Meus objetivos? Ter uma família (esposa e filhos), dar orgulho para
minha família, trabalhar... é para as pessoas que falam mal da gente.
(E como conseguir?)Ter oportunidades, mais porta de emprego,
senão a cabeça revolta... é os pais de famílias que não pode
conseguir, e vê os filhos passando fome, e vai para o crime.
Para efeitos didáticos, unificamos as questões apresentadas ao
adolescentes e aos familiares, a saber:
D) Qual atividade você mais se envolve no cumprimento da MSE-LA? O
trabalho que é desenvolvido no cumprimento da MSE no Espaço do CREAS
Adolescente têm fortalecido o adolescente? Ajuda-o na busca de outros
projetos para sua vida? Você tem condições para avaliar?
O objetivo foi identificar com quais atividades os adolescentes mais se
envolvem e suas observações a respeito, também avaliar com os familiares,
que
impactos
esta
fase
do
cumprimento
das
medidas
com
ações
socioeducativas tem processado no cotidiano dos adolescentes. A avaliação de
rompimentos com antigas práticas vinculadas só ao registro da presença diante
do orientador, conhecida como “assinatura da carteirinha”, foram avaliadas
como positivas. Esta compreensão de que as ações socioeducativas em meio
aberto estão propiciando reflexão, inserções sociais em políticas sociais,
programas e projetos, e que a responsabilização pelo cumprimento do ato
cometido está no foco das atividades, fica expresso nos depoimentos abaixo
transcritos.
Apesar de a questão ser fechada, com alternativas de respostas entre o
sim e o não, os familiares quiseram tecer comentários sobre suas respostas,
qualificando-as. Fato interessante e revelador. O quadro abaixo demonstra
131
que, entre os adolescentes, 80% dos entrevistados reconhece nas atividades
socioeducativas em grupo, desenvolvidas pelas equipes técnicas de referência,
como as preferidas, tal qual o adolescente e o responsável pela família Costa,
tecendo seus comentários:
Aqui (CREAS-Espaço Adolescente), todos eles dão conselhos,
trocam ideias, coisas boas, é legal (ADOLESCENTE CIPRESTE).
Aqui (CREAS-Espaço Adolescente) é melhor que na Fundação Casa,
o filho era agressivo, está mais calmo, vem todos os dias agendados,
sem falta (FAMILIA CIPRESTE).
A avaliação positiva reflete o envolvimento no cumprimento da medida
de LA. Mais uma vez, a constatação de que os adolescentes se inteiram de sua
responsabilização e de que somente os adolescentes com maior envolvimento
com as situações de risco em suas comunidades (tráfico, dependência
química), acabam por reincidir em novos atos infracionais. Outro comentário
satisfatório foi da família Da Guia ao dizer “ele tem a responsabilidade de vir
todas as terças-feiras”.
A totalidade das famílias considera que o trabalho socioeducativo
ofertado em meio aberto tem apoiado o adolescente na busca de outras
oportunidades, acessos sociais e reflexão sobre outras perspectivas e
dimensões de sua vida. Outra avaliação positiva foi registrada por 90% das
famílias quando consideram que o adolescente tem se fortalecido neste
cumprimento
de
MSE
em
meio
aberto,
apresenta
mudanças
de
comportamento, estando mais presente nas atividades familiares.
Esta manifestação, expressada pelas famílias e pelos adolescentes foi
também corroborada pela Juíza da Infância e Adolescência da Comarca de
Santo André, quando verbalizou em suas visitas ao CREAS-Espaço
Adolescente, sem hora e dia marcados, que tem observado uma redução na
reincidência de atos infracionais dos adolescentes em cumprimento de MSE
em LA e PSC, desde a municipalização das medidas na cidade. Convém
esclarecer que dentre os 145 adolescentes ativos em cumprimento de MSE no
mês de junho de 2010, um fato vem ocorrendo, por iniciativa da juíza local
diante de situações de “quebra da medida”, ou atos infracionais de menor
gravidade: a juíza vem aplicando o interposto da dupla medida, ou seja,
adolescentes em LA (liberdade assistida) que também cumprem PSC
132
(prestação de serviços à comunidade) concomitantemente. Esta situação
análoga é justificada como um procedimento adotado para evitar a medida
mais drástica de internação e possibilitar o maior convívio familiar e comunitário
do ACL. Para alguns adolescentes, o tempo e a modalidade da medida não
impede que ele reincida no ato infracional, as circunstâncias e seu grau de
envolvimento com as atividades ilícitas é que demandam seu comportamento
infracional.
Gráfico 04- Avaliação das Famílias sobre as MSE em meio aberto
Avaliação de Famílias sobre as MSE
8
7
7
6
6
5
Fortalece o
adolescente
Ajuda a buscar
novos projetos
de vida
4
3
Polinômio
(Fortalece o
adolescente)
2
1
1
0
1
2
Introduzindo o Eixo 03, esclarecemos que as questões focalizam mais
as famílias, identificando aspectos mais dirigidos à dinâmica familiar, aporte,
apoios, fragilidades e fortalezas, até porque nosso foco está mais centrado
nesta especificidade. As questões formuladas foram:
e) Conte um pouco de sua trajetória de vida (sua comunidade, de onde veio,
como vive com seus filhos, o que faz para sustentar sua família? Com quem
você pode contar para te apoiar numa hora de dificuldade? Em sua opinião,
qual é, na sua família, a maior fragilidade e a maior força?
Nesta fase de avaliação, unimos as contribuições, impressões,
sugestões, e ponderações que os familiares foram pontuando ao longo da
133
entrevista, por entender que durante toda a nossa exposição textual, algumas
variáveis e hipóteses foram se desvelando nas falas destes sujeitos,
importantes operadores deste Sistema, o SINASE. Deste modo, expomos
estas considerações, que serão trabalhadas ao final de nossas considerações.
Falando sobre a dinâmica familiar, a responsável pelo adolescente da
família Esperança informou que trabalha muito a semana toda, os demais filhos
ficam aos cuidados da irmã, os encontros da família se dão à noite ou aos
domingos, mas tem reservado pouco tempo para o adolescente, pois a
situação financeira exige muitas horas de trabalho. Em sua opinião o aspecto
de maior fortalecimento da família é poder contar com a ajuda e o apoio de
irmãos, cunhadas, amigos e colegas da igreja evangélica que moram nas
proximidades. Ela diz que “são unidos, e têm uma vida tranquila”. Entende que
o que deveria melhorar seriam “as condições financeiras e ter mais satisfação
para as necessidades. Realizar seus sonhos. Quais? “Comprar coisas que
precisam”. Não vê dificuldades no relacionamento com o adolescente, pois o
“menino errou, mas se arrependeu”, gostaria de poder contar com apoio de
programas que dessem oportunidades para o trabalho, apoio e orientação ao
adolescente para evitar que os jovens fiquem na rua.
A representante da Família Moreira é avó do adolescente, por
dificuldades no contexto familiar, praticamente criou o neto. Percebeu que
depois do processo de internação na Fundação Casa, o neto está muito
diferente, melhor até, mais obediente, está cumprindo a MSE com rigor. No seu
entendimento, o que falta é a ordem, disciplina, responsabilidade e respeito dos
adolescentes para com seus pais e avós e responsáveis. Para ela, “...precisam
de mais religião.Ter a palavra de Deus,ter desenvolvido a fé”. Ela entende que
a abertura do Espaço Adolescente (CREAS-Adolescente) tem trazido boas
oportunidades para o neto, “mas que só o tempo se encarregará de resolver as
dores”. O adolescente espontaneamente desenhou todo o formulário da
entrevista com flores, corações, folhas e galhos e deixou-nos uma mensagem:
“quem inventou as grades não sabe a dor da saudade”.
A representante da família Carvalho declara que vivem bem com a
família, está buscando a guarda provisória de um bebê de 09 meses, e que
este fato mudou o comportamento do filho, hoje ele é mais carinhoso, é quem
mais cuida do bebê, sofreram muito durante o período de internação do
134
adolescente. Ela visitava sempre, entende que a maior riqueza e apoio foram
as manifestações da família, irmãos e o pai “apoiando ao adolescente que
cometeu o erro”. Mas compreende que uma grande fragilidade da dinâmica
familiar é o comportamento do esposo por não compreender a situação, visitar
pouquíssimo o filho: “sempre foi um pai ausente, e não quer mudar, não
conversa com o filho e quando o faz xinga, e está sem paciência”. O
adolescente manifestou também em seus depoimentos está ausência, “queria
que meu pai viesse me visitar, mas entendo que eu errei”. A família de
evangélicos tem na religião um suporte a mais para se fortalecer. O
adolescente registrou espontaneamente seu agradecimento à equipe de
técnicos do CREAS-Espaço Adolescente com o desenho de uma flor com 05
pontas e os seguintes dizeres: “Pesso obrigado a todos do espaço adolescente
por ter midado forças na hora que mais presizei...Muito obrigado”.
A entrevista com o representante da família Cipreste foi muito
agregadora, primeiramente havíamos entrevistado o adolescente e este
prontamente agendou o dia da visita de seu pai com os dizeres: ”Ele virá, ele
me apoia muito”. A dinâmica desta família, segundo relato do pai, é de muita
conversa, buscando resolver os problemas entre eles, considerando: “acho que
a ordem e autoridade dos pais com conselhos ajudam os filhos”. Este
comportamento no seu entendimento é a maior força de sua família, o controle
dos filhos com muita conversa e diálogo. Os acontecimentos envolvendo o
adolescente até a internação e a agressão física, foram para ele momentos de
muito sofrimento. Como fragilidade ou dificuldades, compreende que as
condições financeiras da família que demanda muitas despesas com pouca
entrada de recursos proveniente da sua atividade de pedreiro, é um desafio.
Falando sobre sua dinâmica familiar, a responsável pela família Dos
Amores disse que quando casou, veio da Bahia, separou-se há 06 anos,
recebe pensão do ex-marido, atualmente “faz bicos de faxinas”, tem bom
relacionamento com os filhos, esteve em acompanhamento familiar pelo
CREAS, pela situação de trabalho infantil do adolescente, e devido a sua
ausência junto aos demais filhos. Queixa-se que “falta creche para as gêmeas”,
que “perdeu os móveis com as chuvas quando foi para o alojamento da
Prefeitura...no momento não posso trabalhar, ajudo como posso”, teve o
Programa
Bolsa
Família
bloqueado
pela
não frequência
escolar do
135
adolescente. Sente que sua maior força são seus filhos: ”minha razão de viver”
e que atualmente “a união entre ela e os filhos melhorou”. Como maior
fragilidade e necessidade declara ser a “pouca renda e quem ficar com os
filhos para poder trabalhar”.
A representante da família Das Roseiras afirma ter passado por muitas
dificuldades financeiras. Como quesito de fortaleza de sua família entende que
é a integração, o bom relacionamento entre os membros, mas reconhece que
ainda falta mais diálogo com o adolescente, e orientação, pois teme pela
segurança dele no bairro. “Passei muitas dificuldade para criar os meus 02
primeiros filhos, depois que conheci o pai do adolescente melhorou um pouco
mais, mesmo assim tenho que trabalhar em casa de família”.
A entrevistada da família Da Guia declara que o relacionamento familiar
é bom com as filhas que estudam, mas não tem uma boa relação com o
esposo, de 79 anos, “ele é difícil pela idade, o relacionamento também, faço
tudo para ele, queria separar mas acabo pensando nas crianças e desisto”,
Afirma que sua maior força vem da relação com as filhas pela obediência e
pelo apoio. Quanto às fragilidades, reconhece a relação com o esposo. Como
planos relata:
Primeiro, queria me ver livre deste casamento, e segundo a
internação para o adolescente para tratar da dependência química.
Ele está pegando as coisas em casa para comprar drogas, ele vinha
no centro da cidade com uns meninos que batiam nele se ele não
roubava, ele pega celulares e outras coisas pequenas, hoje ele vem
ao Centro, desvia o caminho, não fica andando pelo centro da cidade,
fica mais no bairro. Sai de manhã e só volta à noite, não sei o que faz
e com quem anda, precisa de ajuda. Desde pequeno ele dá trabalho
na escola, sempre deu, levei no psicólogo que falou que ele não tinha
nada, mas acho que tem alguma coisa.
Os depoimentos das sete famílias foram intensos, reveladores,
demonstrando que os cuidados dos filhos ainda estão sob a responsabilidade
da mulher-mãe, mulher-avó, mulher-tia, nas figuras ora de provedora, ora de
co-participante da renda familiar, ora sem renda nenhuma. As relações de
emprego são precárias, subalternas, informais, o nível de escolaridade e
formação profissional é simplesmente inexistente. Exemplares máximo dos
“supranumerários, desafiliados” como sugere Castel (1995).
136
A expressão das diversas dimensões da questão social ficou aqui
retratada, quando familiares e adolescentes declaram em sua dinâmica
relacional a reduzida capacidade de renda familiar, a violência física,
psicológica,
emocional,
moral,
urbana,
intrafamiliar,
a
precariedade
habitacional, as ausências de acessos a políticas públicas, a ausência de
serviços públicos disponíveis em capacidade e qualidade necessárias para
atender as necessidades de famílias jovens com problemáticas sociais antigas.
Assim, arrolamos a seguir como estes sujeitos expressaram suas
opiniões sobre como, quem e com que poderiam realizar o enfrentamento da
questão do cometimento do ato infracional de seus adolescentes. Fizemos as
seguintes perguntas:
f) O que te apoiaria para superar as dificuldades com seu adolescente em
medida socioeducativa? No seu entender, o que o poder público pode fazer
pelos adolescentes prevenindo assim atos infracionais?
Às sugestões apresentadas pelos sujeitos-famílias, cabe-nos destacar a
oportuníssima fala de alguns dos entrevistados, elucidando o sentimento,
aspiração e provocação legal apresentada.
A questão central apresentada pelos familiares foi quanto à ampliação
de oportunidades e vagas de trabalho para os adolescentes que ainda não
completaram dezoito anos. Esta manifestação foi apresentada por 80% das
famílias entrevistadas, entendendo que o acesso ao mundo do trabalho lhes
garanta um futuro melhor do que o oferecido pelos familiares posto que, até o
momento, não estão também incluídos em um mercado regular de trabalho
com todas as garantias e proteções trabalhistas e previdenciárias cobertas.
Outra demanda fortemente apresentada foi com relação ao acesso à
escola, elevação da escolaridade, formação profissionalizante e profissional,
um conjunto de direitos que segundo a CF/88 deveriam ser universais,
segundo o ECA (1990) deveriam ser garantidos e estão sendo flagrantemente
violados.
O depoimento e sugestão do representante da Família Cipreste foi
exemplar:
Falei para a promotora ajudar a outros pais. Fazer a limpeza na
favela, é de lá que faz as vítimas dessas coisas. Ajudar nós. Tendo a
ajuda de quem tem posição e ordem, facilita as coisas. Tem muito
137
adolescente envolvido nesta situação (tráfico de drogas e roubo), e os
pais sozinhos não dão conta.Precisam de apoio.
Uma terceira demanda apresentada subliminarmente nas falas e
depoimentos foram relacionadas às ações preventivas junto a escolas, junto à
comunidade local sobre os efeitos, a responsabilização, orientação e os
impactos que o ato infracional acarreta para os adolescentes, para a família e
a comunidade. Novamente, a família Cipreste e também a família Das Roseiras
apresentam-nos sugestão concretas destas ações, a saber:
Ter uma pessoa para fazer reuniões. Aqui ele cumpre a ordem
(cumprimento da MSE no Espaço Adolescente), o mesmo que tem
aqui poderia ter nas reuniões na comunidade. Fazer reunião com
famílias, além dos pais com os adolescentes daqui, com outros
atendidos. A gente sozinho não pára esta situação (CIPRESTE).
“(...)deveria ter em cada sala de aula 01 vez por semana ensino,
palestra, cursos sobre os atos infracionais, orientando pais e
adolescentes(DAS ROSEIRAS).
E
finalmente,
outra
sugestão
concreta
foi
sobre
iniciativas
governamentais de ampliação de renda de famílias empobrecidas, como ação
preventiva ao ato infracional, bem como outros tipos de violações de direitos.
A perspectiva de se trabalhar o quesito do papel do homem na
contemporaneidade, expressada nos relatos sobre a necessidade do diálogo
entre pais e filhos, da reprodução de comportamentos violentos, agressivos e
rudes por parte dos adolescentes, do debate sobre limites e responsabilidades.
O envolvimento maior dos pais no acompanhamento dos adolescentes em ato
infracional dividindo esta responsabilidade familiar entre o casal. A ampliação
de outros serviços públicos como creches, habitação, segurança pública, apoio
psicossocial, ações de combate ao tráfico e à violência urbana, são clamores
de toda a sociedade, não exclusivos destes sujeitos, mas, novamente,
expressado como exercício de cidadania.
3.3.5 - Trabalhadores e gestores: resultados
O sistema de proteção social público nasce no século XIX, a partir de
um dos efeitos da industrialização sobre a condição de assalariamento da
população, tornando a insegurança (ausência de trabalho e salário) e
138
vulnerabilidade social e risco sociais (idade, doenças, morte, desemprego),
uma carga não suportada pelas bases familiares e comunitárias de
solidariedade. O risco social a que se seguiu impôs ao Estado a tarefa de
garantir, através de mecanismos protetivos, renda e oferta de benefícios e
serviços. Nos países ocidentais de primeiro mundo, tais ofertas protetivas
associadas a um “sistema de obrigações jurídicas e de cotizações obrigatórias
garantidas pelo Estado”, dão origem, na esfera pública, pressionados pelas
lutas sociais, aos direitos sociais.
O Brasil “só reconhece os direitos sociais e humanos no último quartil
do século XX, após lutas sangrentas contra ditaduras militares” (SPOSATI,
2002, p.109), por exemplo, a educação pública (Constituição de 1946), após
intensa luta de educadores , a saúde (Constituição de 1988), direitos difusos de
gênero, raça, etnia, orientação sexual, de meio ambiente (CF/88), após intensa
mobilização de movimento sociais, sem contudo, o que preserva a lei,
tornarem-se direitos garantidos a todos e preservados nos orçamentos
públicos.
Algumas particularidades do então crescimento nos gastos sociais do
orçamento público foram se caracterizando, em parte pelos planos de governo
territorializando direitos, produtos de lutas locais de movimentos sociais,
fragilidade na agenda pública de cumprimento destes direitos. Por isso, é
necessário desenvolver conhecimentos, dados, metodologias de ação, enfim,
um saber sobre riscos e vulnerabilidades sociais. Esse propósito, para ser
atingido, precisa, antes de tudo, ter claros os riscos e as vulnerabilidades
sociais que a proteção social não contributiva tem por responsabilidade cobrir e
prevenir.
Considerando-se o tamanho continental, as diferenças regionais e as
grandes extensões do território brasileiro, os programas e as ações
demandam sempre macro abrangência, coletivos de pessoas, ainda
que nos territórios e nos locais de vida das pessoas – mesmo quando
os programas visam públicos focais – exigem metodologias matriciais
e participativas que permitam a interação e integração de ações
decorrentes de várias áreas de políticas públicas e formas horizontais
de gestão e de monitoramento (CYWINSKI, 2007, p.35).
139
Para planejar a política de proteção social não contributiva, tem sido
utilizado o exame territorial de vulnerabilidade pela conjugação de alguns
dados de precarização de famílias agregadas por domicílio.
Para nossa pesquisa, consideramos importante arrolar três perfis de
trabalhadores:
primeiramente
os
trabalhadores/as
sociais
que
atuam
diretamente com os adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa
de liberdade assistida, e prestação de serviços a comunidade, não só pelo
vínculo estabelecido pela ação profissional como também pela relevância da
problemática. De outro lado, arrolamos trabalhadoras que atuam na referência
e contrarreferência das famílias no CRAS Vila Luzita, espaço institucional que
referencia para acompanhamento social, as famílias moradoras nos bairros de
abrangência do Jardim Santo André, Vila Rica, Vila João Ramalho, Jardim
Santa Cristina, Jardim Irene e, por último, o/as trabalhadores/as do CREAS,
equipamento institucional, que se constituiu na “porta de entrada” para o
encaminhamento das situações de violações de direitos para toda a Rede de
Proteção Social do município, bem como exercem a função de supervisão e
coordenação das medidas socioeducativas em meio aberto.
O primeiro passo foi a entrega pessoal do instrumental do questionário
às chefias e coordenações dos equipamentos institucionais do CRAS, CREAS
e do Espaço Adolescentes (local de execução das medidas socioeducativas
pelos adolescentes).
O segundo passo foi a realização de encontros
informativos com os/as trabalhadoras/es de cada equipamento, apresentando
os objetivos da pesquisa, o formato dos questionários, o prazo e procedimentos
para devolutiva dos respectivos questionários. Nesta etapa, foram totalizados
03 (três) encontros com as equipes e foram distribuídos os questionários
totalizando 13 (treze) devolutivas, com saldo de 60% (sessenta) de retornos,
Foram propostas 07 (sete) questões divididas entre 02 (duas) questões abertas
e 05 (cinco) questões fechadas. No primeiro bloco, as questões traçam um
perfil do trabalhador/a com: nome (que na pesquisa será ocultado), idade,
vínculo empregatício, formato de contratação, função que desempenha,
formação acadêmica, tempo de formação e tempo de trabalho no programa. No
segundo bloco, levantamos as referências dos trabalhadores da área sobre o
PIA dos adolescentes e suas famílias, quais as principais dificuldades, entraves
e avanços apontados e impressões sobre a temática.
140
A caracterização do perfil dos trabalhadores indica uma predominância
de jovens (30%), na faixa etária de 20-30 anos de idade, 38% adultos na faixa
etária de 30-40 anos, e os demais 32% figuram na faixa etária de 50-60 anos.
Esta peculiaridade que perpassa as três unidades distintas de serviço,
demonstra a importância do quesito capacitação continuada e a necessidade
de políticas de recursos humanos que propiciem formação de quadros técnicos
e de conhecimento acumulado sobre a temática. Outro destaque é a
predominância da representação feminina na composição da equipe técnica,
92% dos profissionais são do gênero feminino.
As modalidades de vínculo de contratação mantém um equilíbrio entre
as formas, mas há uma ambiguidade no desafio à gestão pública das MSES
nos municípios: 46% dos profissionais são servidores públicos e 44% dos
demais profissionais, são contratados celetistas da Organização Social
parceirizada para o atendimento das MSE´s em meio aberto. Esta realidade,
expressa na modalidade de gestão em parceria, vem do processo emergente
de municipalização das medidas socieducativas impulsionado pelo Governo do
Estado, em determinação ao disposto pelo ECA, e pelo SINASE. Este
compartilhamento com organizações sociais da função pública encabeça
alguns sinalizadores da fragilidade de gestão; ainda que a sociedade civil seja
chamada a gerir a coisa pública, não são raros os casos que, pela
incompatibilidade de objetivos da “missão institucional da organização”,
interrompem contratos de parcerias, expondo trabalhadores e principalmente o
público dos serviços em condição de instabilidade e fragilização do
cumprimentos de seus direitos.
Verificamos que as nomenclaturas dos cargos ou funções que os/as
trabalhadores/as exercem se alteram, na proporção da sua relação de contrato
de trabalho. A NOB/RH-SUAS, editada em 2006, preconiza a necessidade do
estabelecimento do plano de carreira para os trabalhadores no âmbito da
política de assistência social, mas apesar dos 04 anos de vigência, pouco ou
nada se fez para que houvesse uma proximidade em termos de nomenclatura
e salários entre os trabalhadores concursados do serviço público e os
trabalhadores contratados pelas organizações sociais no desempenho das
funções públicas. No caso observado por nossa pesquisa, não se apresenta a
descaracterização do ponto de vista da referência da função profissional com a
141
atuação propriamente dita, ou seja, 53% dos profissionais, todos trabalhadores
da ONG parceira, são contratados com a função de técnico social e, para
acesso, todos detêm nível universitário. De outro lado, 47% dos demais
trabalhadores são servidores distribuídos pela função de assistente social e
psicólogo. A padronização das equipes mínimas proposta pela NOB/RH-SUAS,
também neste quesito, é um desafio que os municípios vão desenvolvendo no
curso para a efetivação da política de assistência local nos três níveis de
gestão. A participação e envolvimento dos trabalhadores nesta pesquisa foi
um destaque a parte, para além da devolutiva dos questionários, considerando
que o processo de chamamento e sensibilização de adolescentes e famílias
produziram um efeito desencadeador de participação e resultados positivos
para o aprofundamento dos desafios que temos pela frente com a
municipalização das MSE em meio aberto.
O segundo bloco de questões visa estabelecer uma compreensão sobre
a proximidade das diretrizes e procedimentos aprovados pelo CMDCA, em
2008 no Plano Municipal da Criança e do Adolescente para o Sistema
Municipal de Atendimento as Medidas Socioeducativas - SIMASE, com
proteções e seguranças previstas no atendimento do cumprimento da
execução das MSES.
A) Em sua opinião, que opções podem garantir adesão dos adolescentes ao
cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto?
- 98% dos entrevistados consideram
a construção do PIA definido com a
participação dos adolescentes. Considerada a mais eficiente diretriz do
SINASE, prevista como perspectiva e motivo que desencadeia maior
envolvimento,
participação
e,
consequentemente,
maior
resultado
no
cumprimento da medida por parte do adolescente.
- 92% dos entrevistados entendem a Rede de Serviços Socioassistenciais e de
outras políticas sociais como segunda possibilidade que apoia o adolescente
na etapa do cumprimento da MSE, pois a complexidade das problemáticas
sociais que envolvem o adolescente demandam uma rede de atenção
142
especializada e competente, com vistas a fortalecer emocional, psíquica e
fisicamente o adolescente. Como bem lembrado pelo familiar de um
adolescente em conflito com a Lei “o adolescente precisa de apoio pois,
sozinho, é muito difícil enfrentar as coisas” (FAMÍLIA CIPRESTE). Deste modo,
importa potencializar ações que garantam acessos, mas principalmente a
permanência destes adolescentes usufruindo de serviços, programas e
projetos, que fortaleçam seu PIA e os prepare para buscar seus projetos
pessoais de forma autônoma e participativa.
- 88% dos profissionais compreendem que ter envolvimento de familiares
durante o período de cumprimento das medidas reduz a percepção da angústia
e dá vazão à necessidade do afeto e da acolhida dos familiares para que o
adolescente se sinta mais confiante. Esta foi também uma afirmativa que os
adolescentes expuseram em suas falas, a importância da família neste
momento impreciso, temeroso, mas que o faz se sentir fortalecido pois, “não
esqueceram de mim”.
- 76% dos entrevistados entendem que estar participando de oficinas,
atividades culturais, ações socioeducativas, produz maior envolvimento com a
perspectiva de cumprimento das MSE e repercute beneficamente na
sociabilidade e no aprimoramento das relações sociais que este adolescente
está (re)-construindo entre seus pares e consigo mesmo. Uma preocupação
dos técnicos de referência está na incerteza do tempo de seu vínculo
trabalhista, pela instabilidade dos contratos de parcerias que podem se
transformar num entrave ao estabelecimento mais profundo deste envolvimento
e vínculos, que demanda potências emocionais e relacionais resultados de um
processo contínuo.
- 70% dos técnicos creditam que ter um PIA da família definido e em
acompanhamento é um dado novo e um desafio a ser enfrentado pelo Sistema
de Atendimento de Medidas Socioeducativas, quer seja no meio fechado, quer
seja no meio aberto. A família se movimenta nestes espaços como um agente
de controle social. A partir de suas necessidades sociais que acarretam
complexas relações com seu adolescente em conflito com a lei, ela demanda
uma ação mais integrada, programada e articulada que possibilite inserções
sociais junto à Rede de Proteção Social.
143
B) No seu entender, quais são os motivos que podem provocar o
descumprimento da medida socioeducativa em meio aberto?
- 98% das considerações remetem ao envolvimento com o cotidiano das
tarefas do tráfico de entorpecentes. Esta possibilidade, predominante na
opinião dos profissionais operadores das medidas, realça o envolvimento e a
dinâmica que a equipe se permite ter no acompanhamento dos adolescentes,
dividindo com eles os conflitos inerentes ao
rompimento com padrões de
comportamento e assédio presentes nos territórios onde vivem os adolescentes
e suas relações pessoais e sociais.
- 92% consideram outro limitador a dependência psicoativa (álcool, drogas).
Aqui também o direto envolvimento com o mundo das drogas e a necessidade
de manutenção do consumo exerce uma forte pressão junto aos adolescentes,
a ausência de rede especializada além do Centro de Atendimento Psicossocial
da Saúde Álcool e Drogas (CAPS/AD), serviço descentralizado de atendimento
ambulatorial instalados em regiões estratégicas, não dão conta da demanda,
da complexidade da dependência, da relação conflituosa com o mercado ilícito
em que os adolescentes estão envolvidos. A responsável pela família Pereira
levantou esta problemática, pedindo como projeto de vida que seu filho fosse
internado para tratamento da dependência química, pois os dois anos que
passou pelo CAPS pouco surtiu em efeito, tendo agora a situação se agravado.
A necessidade de integração entre a Política de Assistência Social e Saúde é
urgente, rompendo os muros do olhar segregador que a questão suscita, para
enfrentamento de uma problemática de saúde pública que está largamente
instalada nos bairros e centros urbanos da menor à maior cidade do país.
- 88% da equipe técnica observa que atividades individuais ou grupais
socioeducativas são sem atrativo; demanda um fazer profissional com
competência e rigor, numa constante renovação e aprimoramento, e se
transforma em um desafio e um sinalizador considerável, para dar condições
ao adolescente de cumprir com sua responsabilização, acessando serviços de
qualidade e efetividade.
144
- 80% das considerações observam a influência dos colegas para prática de
novas infrações. Esta variante foi pontuada pela incidência, nos territórios
violentos, do convívio, da rotina de outros atrativos mais significativos para a
garantia de rendimentos provenientes do mercado ilícito.
- 85% dos técnicos indicam a baixa percepção da gravidade do ato infracional,
e descrédito dos ritos jurídicos e judiciais das medidas, devendo ser
trabalhadas como variante para a
melhor compreensão da etapa de
responsabilização e o devido cumprimento das MSE´s.
C) Neste bloco de questões, questionamos sobre as particularidades e
incidências que podem:
i) afetar o caráter protetivo de família
As equipes técnicas (53%) em seus diferentes espaços de trabalho, entendem
que a precariedade das condições de vida, focadas no baixo acesso a serviços
sociais operacionalizados pelas políticas sociais, e a renda familiar um dos
maiores fatores da baixa potência que as famílias dos adolescentes em conflito
com a lei, apresentam. Um segundo fator de máxima relevância considerada
por 31% dos entrevistados, diz respeito à fragilidade de vínculos relacionais
entre pais e filhos, entre filhos e destes com outros entes da família, deixando à
mostra que iniciativas no sentido do fortalecimento dos vínculos familiares são
de fundamental importância no cenário desta
problemática. E 23% dos
entrevistados avaliam que as condições de violência ocorridas nos territórios e
a dependência química são significativos no enfraquecimento das relações
intrafamiliares e societárias.
ii) Fortalecer o caráter protetivo das famílias
Os técnicos entrevistados demonstraram um relativo equilíbrio nas respostas,
dividindo-se em 25% dos técnicos compreendendo que a integração e
fortalecimento dos laços afetivos, vínculos entre adolescentes e família podem
145
repercutir num processo de fortalecimento das competências protetivas, pela
possibilidade que esta integração alcança no círculo familiar estreitando a rede
de convívio e apoios. Uma segunda ponderação se refere à participação dos
sujeitos em atividades culturais, sociais e grupais de caráter interativos,
socioeducativo e, em terceira hipótese, a inserção em programas vinculados à
elevação da renda familiar e de seus membros.
D) Quais seriam os indicadores de fluxos entre as ações de CRAS e CREAS
que potencializam a Rede de Proteção?
As respostas a esta questão tiveram uma equivalência de significado
para 32% dos entrevistados, a saber: a integração entre as equipes técnicas
possibilitando atingir resultados no conjunto das ações foi a mais cotada.
Seguida em 31% do entendimento que as atenções socioeducativas dirigidas
ao ACL deveriam manter continuidade na esfera de atuação dos CRAS,
inibindo a ruptura dos vínculos e potencializando os avanços atingidos no
espaço reduzido que o cumprimento das MSE´s, permitem. Esta intervenção
deveria ser pautada pela troca constante de informações (23% das respostas)
e pelo aprofundamento e reflexão conjunta sobre a complexidade que algumas
situações sociais apontam (23% das respostas), para que o acompanhamento
do adolescente e sua família se processe a partir da concepção de direitos,
abandonando a lógica residual das ações.
3.3.6. Os gestores das Medidas Socioeducativas: resultados
a) Como se deu o processo de municipalização das MSE´s na cidade
O processo de municipalização foi apresentado pelos 03 (três) gestores
entrevistados expressando o que segue,
O processo de municipalização da LA teve início em 2008, com a
contratação de consultoria para diagnóstico da situação da Infância e
Adolescência, para envolvimento da sociedade civil, técnicos dos
CRAS e CREAS e CMDCA em debates e elaboração dos Planos
Municipais de Atenção à Infância e Adolescência surgindo entre
estes, o SIMASE. Na sequência a Secretaria (de Inclusão Social),
146
realizou contatos com a Fundação CASA; processo de contratação
da Associação Cidadania e Vida ACV, para execução da medida em
meio aberto LA e PSC Prestação de Serviço à Comunidade, em
sistema de gestão compartilhada e o inicio das atividades passou a
ser supervisionado pela Proteção Social Especial como serviços do
CREAS. Desde então, adequações vêm sendo realizada à
qualificação dos Trabalhos (GESTOR SARRACENO).
b) Fale sobre a articulação do serviço junto ao Sistema de Garantia de Direitos
É possível dizer que muito temos que caminhar em relação a este
tema, por ex: a cidade ainda não conta com uma Defensoria Pública,
o Conselho Tutelar em sua missão ainda apresenta muitos
questionamentos e reflexões a serem aprofundadas assim como a
articulação entre as diversas políticas públicas e de direitos como
educação. Um desafio constante. Reflexões a parte, desde a
municipalização passamos a contar com a presença do Ministério
Público e Vara da Infância no serviço, por meio de visitas periódicas o
que vem permitindo afinar procedimentos e conhecer as expectativas
destes atores. Não é possível dizer que estamos horizontalizando a
relação, mas a proximidade se mostra bastante positiva. Como
acreditamos que mudanças são processuais e processos não são
ações imediatas, estamos otimistas com este modelo, onde o
município opera suas demandas e está sempre atento às mesmas,
na possibilidade de repassar atuação e ação em relação a criança e
ao adolescente (GESTOR SARRACENO).
As duas manifestações do gestor quanto ao quesito articulação se
complementam, na realidade destacam a importância do estreitamento das
relações com o Poder Judiciário e a Promotoria Pública, um dado importante
na execução das MSE´s, pois este envolvimento garante que as ponderações,
sugestões e avaliações de direção das ações seja discutida entre seus agentes
operados. Um destaque quanto às dificuldades de compreensão dos
adolescentes e familiares sobre os ritos jurídicos, expressados também pelos
trabalhadores, somado à ausência da Defensoria Pública no município poderia
avançar na direção de maior entendimento do direito jurídico-social. Não
estamos fazendo juízo de valor quanto às ações desenvolvidas pelo Convênio
Fórum e a OAB (que executa as ações de acompanhamento, defesa técnica
dos adolescentes), mas julgamos procedente que haja maior divulgação deste
direito e procedimentos juntos aos reais interessados.
147
A execução das medidas, através do CREAS, tem ocorrido com
estreita articulação com o Sistema de Garantia de Direitos, tendo o
CREAS se constituído na referência para o encaminhamento de
casos do Poder Judiciário e envio dos relatórios de atendimento dos
adolescentes e suas famílias. A Juíza da Vara de Infância e
Juventude tem realizado visitas periódicas ao serviço, tem apontado a
importância dos relatórios técnicos sobre os adolescentes e suas
famílias, para que possa ter mais informações sobre os
encaminhamentos junto aos adolescentes. Neste momento também a
equipe técnica e coordenação do serviço esclarece, dúvidas e
estreitam as relações, e redefinem fluxos junto com o judiciário. Foi
também estabelecido um estreitamento de relacionamento com o
Ministério Público com visita semestral da Promotoria da Infância e
Juventude ao serviço, tendo através desta aproximação dinamizado
alguns procedimentos no processo de cumprimento da medida. Ainda
falta no município uma Defensoria Pública, o que agilizaria a
execução dos processos e qualificaria a atenção ao adolescente em
cumprimento da medida. Permanece também o desafio de articular
as demais políticas públicas na ampliação dos acessos dos
adolescentes na garantia da proteção integral (GESTOR MENATO).
c) A Política de Assistência Social através do SUAS está gerenciando as
medidas socioeducativa em meio aberto (LA e PSC). No seu entender, quais
são os principais desafios para sua execução?
As respostas trazem desafios inerentes à complexidade em que a
articulação intersetorial e a soma de propósitos na garantia de direitos se
processam no interior dos sistemas de gestão. Nossa Constituição é muito
recente, em 22 anos não logramos muitos êxitos nesta proposição e a grande
tarefa que o campo da assistência social abraça no sentido de gerir as MSE´s,
vem acompanhada da necessidade de rupturas de estigmas, pré-conceitos, e
paradigmas que sempre foram vinculados a este público específico e a forma
como operacionaliza na assistência social. Direitos Socioassistenciais, hoje,
estão na nossa ordem do dia, para serem compreendidos, estudados, e
afiançados.
Garantir aspecto pedagógico como prioritário não caindo em modelos
simplistas e decisões autoritárias. Conduzir de forma eficaz as
articulações de políticas públicas como saúde, educação,
profissionalização, recreação e integração sócio-familiar. (GESTOR
SARRACENO).
Referenciar as famílias dos adolescentes nos serviços da Proteção
Social Básica desenvolvidos pelos CRAS, rompendo a fragmentação
na oferta de serviços socioassistenciais às famílias em situação de
vulnerabilidade. No caso de Santo André, realizar a execução das
medidas com prestação de serviço governamental, com servidores
públicos concursados, tornando-se um serviço público de referência
148
para a população. Garantir a capacitação continuada da equipe de
CREAS de acordo ao preconizados pela NOB /RH/SUAS, dando
suporte técnico necessário aos operadores do serviço. Articular a
oferta de programas voltados a juventudes para inclusão dos
adolescentes em cumprimento de medida (GESTOR MENATO).
A exposição de argumentos dos gestores deixa à mostra o presente
desafio que a política de assistência social tem no seu presente, e aponta seu
futuro no tocante ao seu campo de proteção social específico e as atenções
aos adolescente em conflito com alei. As responsabilidades e competências no
âmbito do SUAS
a esta atenção específica são, a nosso ver: a) tratar da
gestão do trabalho, como uma questão estratégica, b) disponibilizar serviços de
qualidade com estrutura, qualificação e valorização dos trabalhadores
envolvidos, c) preservar o caráter público da prestação dos serviços
socioassistenciais, d) instituir Planos de Carreira, Cargos e Salários em cada
esfera de governo, aos trabalhadores da administração direta e indireta, eles
devem ser únicos, ou seja, com isonomia, em cada esfera de governo para a
fixação de profissionais na exata proporção da garantia do acesso e equidade
da oferta de serviços à população, e) realizar concursos públicos, f)
financiamento50 e g) manter o quadro de pessoal previsto pela Norma
Operacional de Recursos Humanos do Suas (2006) para o CREAS, unidade de
referência, que coordene, articule e execute as ações de proteção social
especial de média complexidade, e nelas, as atenções ao adolescente em
conflito com a lei , composto de: 01 coordenador, 02 assistentes sociais, 02
psicólogos, 01 advogado, 01 auxiliar administrativo, 04 outros profissionais de
médio e nível superior.
50
Está em vias de aprovação pelo Congresso Nacional a PL que autoriza a utilização dos
recursos disponibilizados para o co-financiamento de programas, projetos, serviços e gestão
dos benefícios para serem utilizados na remuneração dos trabalhadores concursados do
SUAS.
149
4 CONSIDERAÇÕES FINAIS
A Constituição Federal de 1988, acolhendo princípios e valores da
Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Convenção Interamericana
dos Direitos Humanos, da Convenção dos Direitos da Criança, transforma-se
em um instrumento base do desejo da sociedade brasileira para as futuras
gerações. Ao tratar das competências e responsabilidades com seus cidadãoscrianças e cidadãos-adolescentes, ratifica, no Estatuto da Criança e do
Adolescente, os princípios básicos do que considera proteção integral a estes
sujeitos em peculiar condição de desenvolvimento, sujeitos de direitos,
promessa de continuidade da sociedade e de suas famílias.
A CF/88 ratifica, pela Emenda Constitucional (EC) 065/2010, o Art. 227
reafirmando o primado do dever da família, da sociedade e do Estado de
assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o
direito
à
vida, à saúde,
à alimentação, à
educação, ao
lazer, à
profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à
convivência familiar e comunitária, na perspectiva de romper com formas
variadas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e
opressão e da garantia da cidadania.
Podemos até considerar que essas mudanças no marco jurídico, ao lidar
com a adolescência e juventude num mesmo arranjo jurídico, poderia significar
para alguns o sequestro da condição peculiar de desenvolvimento destes
sujeitos-adolescentes como prevê o ECA, e ressurgir com mais força o debate
sobre a redução da maioridade penal dos adolescentes.
Mas uma conclusão é certa. A violência no mundo moderno, explicada
por diferentes saberes de base científica, construiu uma imagem de crianças e
de adolescentes com representações e imagens sobre elas e sobre o
adolescente autor de ato infracional, de serem ligados a imagens de incertezas.
Jovens são vetores de mudanças em seu tempo, ouvem mais seus amigos que
sua família, rompem com as convenções, são transgressores de seu tempo.
Contrapor mitos e denunciar realidades a partir das narrativas sociais destes
sujeitos pode produzir e disseminar outras imagens desses jovens-
150
adolescentes, reafirmando sua condição de sujeito de direitos, de que o marco
legal os investiu.
A transgressão, sendo uma construção social, e a adolescência sendo
uma etapa de vida, do tempo e da aceleração do tempo, da mobilidade de
transitar pelo virtual, numa interface de imagens (de si e dos outros), num
espaço (territórios de vivência e convivência), alternam vínculos próximos e
distantes entre os mundos legítimos e ilegítimos reconhecidos pela sociedade,
em função das oportunidades e circunstâncias em que esta maleabilidade de
trânsito se processa nestes espaços e que alteram suas identidades e
sociabilidades.
Cabe-nos questionar: a aceleração deste tempo de adolescência pode
criar possibilidades para consolidar um projeto de vida? Que imagem tem de si
mesmo e que expectativas de vida tem este jovem-adolescente autor de ato
infracional hoje? Tomamos o depoimento do adolescente Cipreste, por nós
entrevistado, para exemplificar um dos cenários que envolve nosso
adolescente autor de ato infracional contemporâneo. O adolescente, ao se
referir ao seu envolvimento no “mundo ilegítimo” do tráfico de drogas, afirma
que “isto não é trabalho, é coisa ilícita, é ilegal, só entramos nessa vida para
comprar roupas, ir nas baladas, ter as coisas que todo mundo tem”. De outro
lado, a fala do adolescente Das Roseiras, também entrevistado por nós, já
expressa uma ruptura neste trânsito de mobilidade entre os dois “mundos” e de
etapa da adolescência, quando afirma que quer “ter oportunidades, mais porta
de emprego, senão a cabeça revolta”. São sujeitos que conseguem absorver e
compreender que serão responsabilizados por razão de sua conduta, pelo seu
comportamento de risco, pela ameaça ou violação a seus direitos e aos direitos
de outrem, e consideram tal conduta relacionada ao ato infracional.
Nosso trabalho fala de responsabilidades e responsabilizações, cruciais
ao desenvolvimento de competências e do aprimoramento de pessoas como
sujeitos sociais, de instituições como poderes constituídos, do processo de
envolvimento da questão do ato infracional no cotidiano de famílias.
Família. Sujeito de uma dada sociedade, que totaliza o que se espera
por proteção social e sociabilidades primárias dirigidas a seus membros. Suas
formações, desenhos, formatos e arranjos contemporâneos não as eximem de
sua competência como canal de comunicação, interação e espaço de
151
desenvolvimento de afetividades, vínculos e relações entre seus membros, e
desta com a comunidade de seus territórios de vida. Afinal, a família, por si só,
é uma rede. Tomar a família como unidade de atenção das políticas públicas é,
antes de tudo, um compromisso com as futuras gerações, um espaço de
produção de saberes e de conhecimentos. Um dever do Estado.
A reflexão permitiu identificar algumas marcas importantes que
caracterizam as famílias de adolescente autor de ato infracional:
1) identificamos a necessidade de ampliar mecanismos para garantir e ampliar
a inclusão social da família, resgatando sua condição de cidadania e sua
função protetiva na perspectiva da ampliação dos acessos de seus membros a
direitos e atenções sociais, exigível das políticas públicas, entendendo este
movimento como condição para fortalecê-los como sujeitos de direitos
(individuais e coletivos).
2) identificamos o potencial de autonomia da família na gestão do
desenvolvimento de suas relações, a partir do que consideram por território,
(entendido estes territórios como o lócus onde se concretizam as relações
sociais no contexto de seus vínculos e afetos). No contexto da gestão de sua
capacidade de estabelecer relações de rede e interfaces com o mundo legítimo
e ilegítimo nos territórios vulneráveis e com altos indicadores de violência. O
trânsito que estas famílias também exercitam “entre estes dois mundos”, na
busca de seus filhos nos pontos de comércio e uso de drogas, nas
negociações com traficantes e policiais salvaguardando a vida de seus filhos e
demais membros, no trânsito entre sua rede de apoio para sustentar relações e
vínculos que proporcionem condições de “normalidade” em seu cotidiano nas
atividades de trabalho, escolarização, e frequência a atividades sociais dos
demais membros, impulsionam a criação de mecanismos de sobrevivência e
de autonomias relacionadas ao desenvolvimento de potenciais de resiliência
contínua.
O aparato institucional vincado à temática do adolescente em conflito
com a lei na agenda pública e sua atenção nos serviços operacionalizados na
base dos municípios reúne condições de ampliar consideravelmente o escopo
da proteção integral de adolescentes, de modo que estes possam se beneficiar
com efetividade de uma Rede de Proteção Social e Socioassistencial.
152
Assim, vale reafirmar o quanto as políticas públicas podem representar e
alterar as vias de acessos a direitos sociais básicos como educação, saúde,
habitação, trabalho, assistência social e segurança seja nas esferas estaduais
ou municipais. Uma revisão das políticas de combate e enfrentamento à
violência, com a promoção de estratégias políticas que articulem esforços dos
três níveis de gestão do Estado, pode impactar na redução da criminalidade e
ampliar inclusões, alterando o quadro de exclusão e cristalização das
vulnerabilidades a que estão sujeitos os adolescentes autores de ato
infracional.
Este trabalho trouxe também ponderações sobre o desafio de lidar com
as medidas municipalizadas em meio aberto, com adolescentes reincidentes e
os que já passaram pela experiência do cumprimento das medidas em meio
fechado. O esforço para ver e tornar socialmente visíveis as necessidades
destes adolescentes se torna imperativo para os operadores do sistema de
atendimento às medidas socioeducativas municipalizadas.
Alguns desafios
são prementes nesta seara:
a) aceleração da aprendizagem e redução das diferenças entre série e idade
verificada na maioria de nossos adolescentes nas MSE´s; uma escola que
estimule o desenvolvimento de suas habilidades, de modo que propicie sua
inserção autônoma e com segurança nos diferentes espaços da vida social, do
trabalho, da vida comunitária, da cena política, de cidadania. A Lei de Diretrizes
e Bases da Educação (LDB) propõe meios e mecanismos diferenciados de
projetos políticos pedagógicos que poderiam reduzir a incidência de
adolescentes de perfil infrator que, aos 15 anos, ainda não sabem ler e
escrever seu próprio nome, ou mesmo aqueles que aos 16 anos irão cursar a
5ª série do Ensino Fundamental em sala regular.
b) programas de transferência de renda (PTR) à família e inserção em serviços
e
programas
especializados
que
propiciem
vivências
grupais
e
socioeducativas, que favoreçam os sentidos dos pertencimentos e das
vivências e vínculos; famílias que são ora desprovidas de condições
socioeconômicas de sustentação financeira de sua prole, ora pelas condições
vulneráveis que vínculos sociais, familiares e comunitários fragilizados
impulsionaram para vivências de violência doméstica e urbana. Para aquelas
famílias que são beneficiárias de PTR´s, a exemplo do programa Bolsa Família,
153
há de se considerar e reverter a situação pela qual são penalizados, no que se
refere ao descumprimento da condicionalidade, por exemplo, da frequência
escolar pelo adolescente em cumprimento de MSE. Certamente, a fragilização
da potência protetiva do grupo familiar aumenta na proporção de sua exclusão
do Programa, constatado o descumprimento da referida condicionalidade.
c) a qualificação profissional, como frentes de atenção para favorecer a
inserção dos pais e dos jovens de 16-21 anos no mercado de trabalho com as
garantia das conquistas previdenciárias e sociais. Considerando a restrição de
postos de trabalho no mercado formal, a reestruturação produtiva, há de se
desenhar novas possibilidades quanto ao exercício do trabalho, principalmente
naquelas atividades que ensejem o associativismo e produção cooperativada.
Ambas as possibilidades implicam na preparação da força de trabalho. O
(re)desenho de políticas públicas neste contexto pode diminuir os riscos e
vulnerabilidades a que estão expostos estes sujeitos, inovando sempre numa
aposta pela vigência de direitos, conquistados ou a conquistar, e respondam às
incertezas de futuro para os/as jovens adolescentes. Afinal, trata-se de
adolescentes-jovens e não somente de adolescentes em conflito com a lei,
trata-se de famílias, que não têm em sua composição e formação familiar
somente adolescentes em conflito com a lei, mas outros membros que também
são detentores de direitos.
d) romper a lógica da atuação fragmentada de cada órgão envolvido no SGD.
O ponto de partida é buscar, identificar, qualificar os elementos e as
singularidades e construir as estratégias multissetoriais de atuação e as
iniciativas de diferentes órgãos com um único propósito: articulá-los
horizontalmente, ampliando as possibilidades de êxito e resultados que
configurem mudanças e rupturas e construa novos instrumentos de ações,
fluxos operacionais, dinâmicas profissionais com competência na prestação
dos serviços qualificados.
Este redesenho deve permitir o debate entre dois campos de opinião
que convivem no cotidiano: um que faz a defesa do ECA e do SINASE, outro
na contramão dos direitos e que exige medidas mais drásticas de contenção
dos adolescentes. No âmbito da gestão municipalizada das MSE desenvolvida
154
pelo CREAS, deve-se tornar clara qual a garantia de direitos que estes
adolescentes-cidadãos têm assegurados na execução dos serviços.
A consolidação do recente modelo de proteção social de caráter não
contributivo, que compõe o tripé da seguridade social e no qual vem sendo
operacionalizada as medidas socioeducativas em meio aberto, impõe
mudanças, na medida em que não bastam que os instrumentos legais sejam
de ampla completude, precisam estar no cotidiano da implementação da
política de assistência social. As concepções de rupturas que o sistema
propõe, o olhar, o vir a ser, da assistência social como uma política de direitos,
fazem chegar à compreensão das famílias-cidadã, os significados dos direitos
socioassistenciais afiançados por esta proteção. E como esta proteção pode
consolidar e fortalecer o caráter protetivo que as famílias desempenham neste
círculo vital de relações e direitos.
Outra necessidade também observada foi a de estabelecer uma
comunicação e o estabelecimento de fluxos, procedimentos, protocolos de
atendimento ao adolescente em conflito com a lei e introduzir a lógica do
SINASE- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, articulado com o
sistema de proteção social para operar as proteções sociais devidas. Assim,
políticas sociais públicas (de caráter contributivo ou não), reconhecidos pelos
bens e serviços produzidos socialmente e dirigidos a todos na sociedade, serão
destinados com prioridade à crianças e adolescentes, e ao ACL. Assim, o
atendimento às necessidades sociais de crianças e adolescentes como
educação, saúde, habitação, alimentação, transporte, esporte, lazer, trabalho, o
meio ambiente, a informação, a segurança pública, assistência social, estarão
em primeiro lugar no elenco de políticas públicas resultado da articulação entre
União, Estados e Municípios.
As mudanças do fazer jurídico e institucional por parte dos operadores
do novo mandamento legal, ainda se revestem de muitos desafios, não requer
somente bom senso e conhecimento. Para estas mudanças são necessárias a
compreensão do exato sentido e significado das providências e respostas
atribuídas à intervenção estatal quando instala os meios para o cumprimento
das medidas socioeducativas previstas, bem como o fortalecimento e efetivo
exercício do controle social ampliado. Ações como cobrar do próprio Estado
sua baixa oferta de serviços, fiscalizar a ação dos operadores no sentido do
155
reparo quanto aos direitos suprimidos; apontar e indicar medidas de
responsabilização aos operadores que por falta ou omissão não garantem
condições de acesso e permanência às políticas sociais protetivas que famílias
e adolescentes demandam.
Finalmente, é preciso considerar que é necessário também construir um
novo repertório de ações e instrumentos para levar a cabo uma política de
promoção dos direitos das famílias, efetivamente conectada com seu tempo.
Sabe-se, por exemplo, que os ACL precisam de uma escola de qualidade que
os prepare para o mercado de trabalho, mas só isto não é suficiente. Elas (as
famílias) precisam, sim, de condições que respeitem as suas especificidades,
compatíveis com as outras dimensões da suas necessidades.
Não basta romper como o círculo vicioso e “intergeracional da pobreza”,
de reprodução das desigualdades e de fenômenos como: as altas taxas de
evasão escolar, as escassas preparação e oportunidades no mundo do
trabalho com as suas novas configurações, os índices alarmantes de
vitimização letal que afeta nossos adolescentes e as várias facetas das
inserções precárias, das condições de (des)pertencimento, que marcam a
trajetória destas famílias e de seus adolescentes que só serão superados na
medida em que a responsabilidade de afiançar direitos seja de fato expressa
nos cotidianos dos diferentes “territórios” dos executores e da execução das
MSE em meio aberto.
É necessário também promover potências, observando as dimensões de
gênero, idade, raça, características das relações de poder em família e papéis
sexuais e reprodutivos que ocorrem no círculo familiar, as capacidades
instaladas para sua superação Afinal, embora vivam sob a promessa da
proteção social, ainda é dramática a situação de famílias, em especial as dos
adolescentes em conflito com a lei, como o responsável pela Família Cipreste
que argumenta “os pais sozinhos não dão conta”. Herdaram da sociedade uma
dívida social.
A realidade social das famílias e seus membros nas várias fases
geracionais, expostas às situações de risco social e pessoal em flagrante
violação de seus direitos sociais, mostraram a reduzida capacidade de acesso
e inserção aos serviços públicos básicos como educação, saúde, assistência
social, transporte, cultura e lazer e habitação, revestindo as diversas
156
dimensões da vida social familiar. A oferta efetiva de programas e serviços
estruturados e especializados, que atentem às dimensões da família e
respondam assertivamente às suas necessidades sociais como propostos pela
Constituição, ECA, PNAS, SINASE, ainda é uma lacuna na destinação de
recursos dos fundos públicos.
Encerrando, reproduzimos na fala dos representantes familiares dos
adolescentes entrevistados, o que se espera do Estado, das políticas públicas
e dos operadores: envolvimento e responsabilização.
Os depoimentos e sugestões dos representantes das famílias Cipreste e
das Roseiras foram exemplares e relacionados aos anseios de ações
preventivas como políticas de ampliação da renda das famílias, envolvimento
maior no acompanhamento dos adolescentes em ato infracional, dividindo esta
responsabilidade familiar entre o casal/responsáveis e ações socioeducativas
junto
a
escolas,
junto
à
comunidade
local,
sobre
os
efeitos,
a
responsabilização, orientação e os impactos que o ato infracional acarreta
para os adolescentes, para a família e a comunidade.
Falei para a promotora ajudar a outros pais. Ajudar nós. Tendo a
ajuda de quem tem posição e ordem, facilita as coisas. Tem muito
adolescente envolvido nesta situação (trafico de drogas e roubo), e
os pais sozinhos não dão conta. Precisam de apoio (FAMILIA
CIPRESTE).
Ter uma pessoa para fazer reuniões. Aqui ele cumpre a ordem
(cumprimento da MSE), o mesmo que tem aqui (conteúdos e ações
socioeducativas) poderia ter nas reuniões na comunidade. Fazer
reunião com famílias, além dos pais com os adolescentes daqui, com
outros atendidos. A gente sozinho não pára esta situação (FAMÍLIA
CIPRESTE).
(... )deveria ter em cada sala de aula 01 vez por semana ensino,
palestra, cursos sobre os atos infracionais, orientando pais e
adolescentes (FAMÍLIA DAS ROSEIRAS).
157
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www.institutosangari.org.br/mapadaviolencia
www.buscalegis.ccj.ufsc.br. Brant, Maria do Carmo, de C: NOZABIELLI, Sônia
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pública e dos serviços dirigidos à criança e ao adolescente. (2008, p.0118) Acessado em 20.11. 2010
162
APÊNDICE A
FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA FAMÍLIADO ADOLESCENTE EM
CONFLITO COM A LEI
Questionário com trabalhadores
A .1.IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO(a)
Nome
Idade
Vinculo Empregaticio :
Função:
Formação Acadêmica:
Tempo de formação:
È trabalhador da PSA/Organização Parceira: Tempo de trabalho no Programa
Os PIA´s
dos adolescentes e das famílias
1.
1- Qual sua atuação junto à Adolescentes em medida socioeducativa em meio
aberto
2- Assinale se alguma destas alternativas influenciam para que adolescentes
mantenham maior adesão ao cumprimento d da medida socioeducativa em meio
aberto.
( ) ter um PIA definido com a participação dos adolescentes
( ) ter garantido o acesso de encaminhamentos às demais políticas públicas
( ) ter envolvimento de familiares durante o período de cumprimento das medidas.
( ) estar participando de oficinas, atividades culturais profissionalizantes,etc.
( ) ter um PIA da família definido e em acompanhamento técnico regular
( ) ter atendimentos de retaguarda para acompanhamentos psicossociais e
terapêuticos e saúde mental etc
( ) ter vínculos fortalecido com o técnico de referência
( ) outra _________________________________________________
3- No seu entender quais os motivos que podem apresentar baixa adesão do
adolescente ao cumprimento das medidas
S
socioeducativas em meio
aberto.
4- Qual é sua atuação junto às famílias dos adolescentes em liberdade assistida.
5- Assinale as alternativas que você considera que mais afetem a família do
ACL :
( ) baixa renda familiar
( ) precárias condições de : ( ) habitação ( ) saúde ( ) educação ( ) trabalho
( ) ausência de vínculos e laços familiares com ( ) o adolescente ( )demais
filhos ( )parentes
( ) violência doméstica cujo agressor é ( ) o pai ( ) a mãe ( ) os filhos adultos (
) agregados
( ) presença de abuso ou exploração sexual no lar
( ) presença de dependentes químicos na família
( ) baixa presença de afetos e carinhos entre os membros da família
163
(
(
(
(
) presença de um dos membros em privação de liberdade.
) reduzida capacidade de autonomia para solução de problemas
) reduzida capacidade para acessar e se vincular a serviços públicos.
) presença de relativa dependência com o crime organizado.
A Gestão Matricial/intersetorializada da política pública
6- Quais as principais dificuldades de articulação com as demais políticas sociais
no território do Jardim Santo André?
( )
( )
( )
integrada
( )
integrada.
( )
( )
território
( )
ausência de uma cultura de trabalho intersetorial
formação e capacitação dos vários agentes para a ação matricial/intersetorial
disponibilidade dos profissionais da ação direta(ponta) para esta ação
ausência de interlocutores da sociedade civil para construção da ação
falta de tempo
forte presença da violência urbana ( traficantes, gangues, grupos rivais) no
outra ___________________________
7- No seu entender Que programas/ serviços/ ações podem produzir
condições de fortalecer o papel das famílias junto aos
Adolescentes e permitam reduzir os atos infracionais.. .
8- Qual fluxo de atendimento deveria existir entre o CRAS e o CREAS no
atendimento aos adolescentes em conflito com a
e Lei com suas famílias
Obs: Para fins de pesquisa científica os nome serão mantidos em sigilo.
Este formulário pode ser enviado para o email [email protected] ou posso
retira-lo em seu local de trabalho em
Data preagendada.
UNIBAN.
164
APÊNDICE B
TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
TERMO DE CONSENTIMENTO
Título da Pesquisa: “FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA
DA FAMÍLIADO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
O Sra (Sr.) está sendo convidada(o) a participar desta pesquisa que tem
como finalidade: apresentar propostas de ação que fortaleçam o papel protetivo
das família , que defendam os direitos dos adolescentes envolvidos em atos
infracionais e que fortaleçam o Sistema de Garantia de Direitos
Ao participar deste estudo a Sra (Sr) permitirá que a pesquisadora possa
colher dados e informações para seu estudo acadêmico.
A Sra (Sr.) tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a
continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo
para a Sra (Sr.)
Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a pesquisa
através do telefone da pesquisadora do projeto e, se necessário através do
telefone do Comitê de Ética em Pesquisa.
Sobre os questionários eles conterão perguntas fechadas com mais de
uma opção de escolha e com perguntas abertas para sua livre resposta, o
tempo de duração será de até 30 minutos para respostas e serão enviados por
sistema eletrônico, por carta ou entregues pessoalmente,o prazo de devolutiva
é de 20 dias e será recolhido pela pesquisadora em data , local e horário de
sua disponibilidade ..
Quanto a Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não
traz complicações legais, riscos ou desconfortos.
Os procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da
Ética em Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do
Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece
riscos à sua dignidade.
165
Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são
estritamente confidenciais. Somente a pesquisadora e a orientadora terão
conhecimento dos dados.
Benefícios: ao participar desta pesquisa a Sra(Sr.) não terá nenhum
benefício direto.
Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes
sobre os arranjos famíliares, os acessos à políticas públicas, os sonhos de
futuros dos adolescentes, de forma que o conhecimento que será construído a
partir desta pesquisa possa oferecer parâmetros para política públicas que
fortaleçam as famílias em suas relações e vínculos sociais,comunitários e
familiares, onde a pesquisadora se compromete a divulgar os resultados
obtidos.
Pagamento: a Sra(Sr.) não terá nenhum tipo de despesa para participar
desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação.
Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma
livre para participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que
se seguem: Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito.
Confirmo que recebi cópia deste termo de consentimento, e
autorizo a execução do trabalho de pesquisa e a divulgação dos dados
obtidos neste estudo.
Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e
esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa
__________________________________________
Nome e Assinatura do Participante da Pesquisa
_________________________________________
Nome e Assinatura da Pesquisadora
___________________________________________
Nome e Assinatura da Orientadora
Pesquisadora: Maria Inês da Costa. RG 10228633-4Tel. 4479.79.23
Orientadora: Maria do Rosário Correa de Salles Gomes, RG
Telefone da Comissão de Ética: (11) 2972-9000
E-mail: [email protected]
tel.
166
APÊNDICE C
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
COMISSÃO DE ÉTICA
(Resolução CONSEPE-UNIBAN nº 17/06 de 11/02/2006)
PROJETO DE PESQUISA FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA
FAMÍLIADO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI
Entrevista com Adolescentes
O presente instrumental de entrevista é parte integrante do Projeto de Pesquisa
do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, cujo tema é “Famílias,
Territórios e a Gestão Matricial de Políticas Públicas de Atenção ao Adolescentes
em Conflito com a Lei”.
Para os Objetivos Específicos deste estudo buscaremos informações para
compreender o lugar e os níveis de pertencimento social que você ocupa no território
em que vive , os vínculos familiares e relacionais, os desafios que enfrenta para o
cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto, avaliar a evolução dos
Planos Individuais de Adolescente e de suas famílias
E,,ainda, conhecer as principais ações e as estratégias de enfrentamento do
poder público à violência nos território de alta vulnerabilidade social, e o grau de
articulação, integração e vinculação que estas ações têm com os órgãos do Sistema de
Garantia de Direitos dos Adolescentes
Obs.:Você Pode assinalar quantas opções forem necessárias.
A.1.IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
Nome
Estado civil
( ) c)companheira
( ) s)companheira
ou raça Idade
Cor
(
)branca(
( ) amarela ( ) indígena
Sexo
( ) Feminino
( ) Masculino
)preta)(
Escolaridade
1. O que você faz no seu tempo livre?
2-O que poderia ter para os (as) adolescentes no seu bairro?
( )atividades culturais de dança de rua, hiphop ,pagode,dança de salão,etc
)parda
167
( )cursos de esportes radicais
( ) cursos profissionalizantes
( ) cursos de teatro/música/fotografia/cinema
( ) espaço para cinema/teatro/sala de audição
( ) laboratório de informática
( ) ginásio / quadra / sala de educação física
( ) biblioteca / sala de leitura
( ) outros _____________________________
ACESSO À REDE DE SERVIÇOS DA ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO , SAÚDE,
TRANSPORTE, HABITAÇÃO,CULTURA E LAZER .
3- Você utiliza ou está incluído (a) em algum destes serviços:
Assistência social
( ) ação sócio-educativa e de convivência fora do horário escolar
( ) cursos profissionalizante
( ) atendimento psicossocial /terapêutico individual ou para família
Saúde
( ) faz visita regular ao médico
( ) fez tratamento de dependência química
( ) frequenta CAPS - Centro de Atendimento Psicossocial
( ) faz tratamento médico
Transporte
( ) usa carteirinha de estudante
( ) usa transporte para passeios e lazer
( ) usa transporte para o trabalho
Cultura e Lazer
( ) frequenta o CESA-Centro Educacional e esportivo Sto Andre
( ) frequenta oficinas culturais
( ) frequenta oficinas de teatro
( ) joga bola
( ) bate papo com amigos
( ) vai ao cinema ou teatro
Habitação
( )mora no núcleo habitacional
( ) mora nos prédios do CDHU
4-Qual atividade você se envolve com mais intensidade no programa da LA
( ) atividade grupais
(..) atendimento individual
( ) passeios, palestras, visitações
( ) oficinas culturais , educativas,de saúde, etc
( ) oficinas para o mundo do trabalho
( ) nenhuma.
5. Como foi que você enfrentou todo o processo de , apuração
entrevista com o juiz, até a decisão da medida socioeducativa.
, defesa,
168
6. Teve apoios?
7- O que você faz para evitar um novo ato infracional.
8- Você tem sonhos? Quais.
Para fins da pesquisa científica, a publicação do trabalho desta pesquisa não
divulgará nome e endereço do entrevistado/a.
Santo André, Fevereiro de 2010.
Maria Inês da Costa
Mestranda do Curso de Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei
UNIBAN.
Tel. 4479.79.23 ou 6448.55.56
.
169
APÊNDICE D
UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO
CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA
COMISSÃO DE ÉTICA
(Resolução CONSEPE-UNIBAN nº 17/06 de 11/02/2006)
ENTREVISTA COM FAMÍLIAS
O presente instrumental de entrevista é parte integrante do Projeto de Pesquisa
do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, cujo tema é “Famílias,
Territórios e a Gestão Matricial de Políticas Públicas de Atenção ao Adolescentes
em Conflito com a Lei”.
Para os Objetivos Específicos deste estudo buscaremos informações para
compreender o lugar e os níveis de pertencimento social que você ocupa no território
em que vive , os vínculos familiares e relacionais, os desafios que enfrenta para o
cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto, avaliar a evolução dos
Planos Individuais de Adolescente e de suas famílias
E,,ainda, conhecer as principais ações e as estratégias de enfrentamento do
poder público à violência nos território de alta vulnerabilidade social, e o grau de
articulação, integração e vinculação que estas ações têm com os órgãos do Sistema de
Garantia de Direitos dos Adolescentes
Obs.:Você Pode assinalar quantas opções forem necessárias.
A.1.IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO
Nome
Idade
Cor ou raça
( ) branca
( ) preta
( ) parda
( ) amarela
( ) indígena
Quantidade de membros na Família :
adultos ________
crianças ________
Adolescentes____
Agregados______
Vínculo com o adolescente:
Nome do Adolescente:
Estado civil
( )c/companheira(o)
( )s/companheira( 0)
Em que UF nasceu?_______
Escolaridade
Município que nasceu ______
Endereço Completo (rua,no., bairro,etc)
Quanto tempo mora neste local.?
Renda Familiar:
Programa Social?
Sim ( ) Não ( ) Qual ?
170
1-Com quem você pode contar para te apoiar numa hora de dificuldades?
( ) pai /mãe
( ) outros parentes
( ) irmãos (as)
( ) técnico de referência Qual __________________
( ) Colega ou Amigo(a)
( ) Pastor,padre,religioso
( ) outro: especifíque ________________________
2- Conte um pouco de sua trajetória de vida( seus amigos,sua
família,sua comunidade, de onde veio, como vive com seus filhos,o que faz
para sustentar a família)
3-O que poderia ter para os (as) adolescentes no bairro?
( )atividades culturais de dança de rua, hiphop ,pagode,dança de salão,etc
( ) cursos de esportes radicais
( ) cursos profissionalizantes
( ) cursos de teatro/música/fotografia/cinema
( ) espaço para cinema/teatro/sala de audição
( ) laboratório de informática
( ) ginásio / quadra / sala de educação física
( ) biblioteca / sala de leitura
( )mais escolas publicas
( ) mais serviços de saúde
( ) mais transporte público
( ) outros _____________________________
4- Como você mora?(com quem, onde, em que condições)
5- Você considera violenta a região em que mora ?. Porque?
ACESSO À REDE DE SERVIÇOS DA ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E SAÚDE
6 Você ou algum membro de sua família utiliza ou está incluído (a) em
algum destes serviços
( ) CRAS - Centro de Referência da Assistência Social
( ) CREAS - Centro de Referência Especializada da Assistência Social
( ) ação sócio-educativa e de convivência fora do horário escolar
( ) cursos profissionalizante
( ) atendimento psicossocial /terapêutico individual ou para família
( ) prevenção contra drogas
( ) tratamento de dependência química.
( ) Posto de Saúde do SUS
( ) Programa Saúde da Família
( ) Grupo de reflexão com temáticas diversificadas.
( ) Ambulatório EsOpecializado em Saúde Mental
( ) Cursos de informática.
( ) Banco de Alimentos
( ) Viva Leite
( ) ajuda de igreja
( ) Projovem, ou PETI
( ) outros
7.Acompanha com frequência o trabalho que é desenvolvido no
cumprimento da medida socioeducativa? Este trabalho :
( )tem fortalecido o adolescente
( ) não tem fortalecido
171
( ) ajuda-o na busca de outros projetos para sua vida
( ) não ajuda
( ) outra avaliação:..............................................................
( ) não sabe avaliar
8.Qual foi a reação da sua família diante da situação de um filho(a) em
ato infracional. ?
9 O que ou quem pode te apoiar para superar as dificuldades com seu
filho em cumprimento de medida socioeducativa.
10.Na sua opinião qual é na sua família:
A) a maior fragilidade__________
B) maior fortaleza _______
11-
No seu entender como o poder público poderia apóia-la para
fortalecer o papel da sua família prevenindo outros atos
infracionais.
Considerações do pesquisador
Obs: Para fins de pesquisa científica os nomes serão mantidos em sigilo.
Esta pesquisa será realizada em data,local e horário
previamente agendado .
Santo André, Fevereiro de 2010..
Maria Inês da Costa
Mestranda do Mestrado Profissional Adolescente
em Conflito com a Lei UNIBAN
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