UNIVERSIDADE BANDEIRANTE SÃO PAULO PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI SÃO PAULO 2011 MARIA INÊS DA COSTA PROGRAMA MESTRADO PROFISSIONAL ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Dissertação de Mestrado apresentada à Banca Examinadora como exigência parcial dos requisitos do Curso de Pós-Graduação Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei da Universidade Bandeirante para obtenção do título de Mestre em Políticas e Práticas com Adolescente em Conflito com a Lei. Orientadora: Profa Dra Maria do Rosário Corrêa de Salles Gomes SÃO PAULO 2011 MARIA INÊS DA COSTA FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA FAMÍLIA DO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI BANCA EXAMINADORA DISSERTAÇÃO PARA OBTENÇÃO DO TÍTULO DE MESTRE _______________________________________________________________ _ Presidente e Orientadora: Profa. Dra.Maria do Rosario Corrêa de Salles Gomes (UNIBAN-SP) ____________________________________________________ 2º. Examinadora: Profa. Dra. Irandi Pereira (UNIBAN- São Paulo) ________________________________________________ 3º. Examinadora: Profa. MS. Neiri Bruno Chiachio (PUC- SP) _______________________________________________________________ 4º. Examinador Suplente: Prof. Ms Flavio Américo Frasseto (UNIBAN-São Paulo) _______________________________________________________________ 5º. Examinadora Suplente:Profa. Dra. Sônia Regina Nozabielli (UNIFESP B.Santista) SÃO PAULO 2011 Dedico este trabalho, À Profa. Dra. Maria do Rosario Corrêa de Salles Gomes, pela sua orientação, carinho, perseverança e partilha de experiências e de saberes. Às famílias e adolescentes, pelo envolvimento, confiança e esperança na construção de um país sem desigualdades e com direitos. Aos colegas incentivadores deste trabalho: Hélia, Maria Helena, Daniel, Ana Carolina, Gustavo, Mércia, Cláudia, Dalva, Francinete, Rejane, Cidimara, Andresa, Adriana Mileide, Alzira, Rosana Voltolini, Kátia, Aparecida Moreira, Letícia, Padre Antonio Francisco, Roseli, Marina, Silvana e as parceiras Márcia Leal, Cormarie, Marlene Merisse. À minha família, especialmente a minha avó Aparecida, no auge de seus noventa e dois anos, cuja clareza e sabedoria acreditam que o saber e o conhecimento são fontes do desenvolvimento da solidariedade e afeto que une os homens. Aos meus filhos Camila, Rodolfo, Hugo, ao Nelson, companheiro de todas as horas, e à minha mãe, Odete. Nossos caminhos só tem sentido se houver sonhos e se acreditarmos neles. Agradeço, Aos componentes da Banca Examinadora pela participação e carinho com que avaliaram o produto deste trabalho. Aos meus professores. As colegas de curso. Aos funcionários da Uniban. Àqueles que acreditaram e dividiram um bem maior: o conhecimento, a esperança, o compromisso e as convicções de nossas vidas. RESUMO COSTA, Maria Inês da. Fortalecendo a capacidade protetiva da família do adolescente em conflito com a lei. Dissertação (Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei). UNIBAN. São Paulo, 2011. O presente trabalho apresenta a reflexão sobre o significado que a capacidade protetiva de família tem no âmbito da atenção social aos adolescentes em conflito com a lei. Avalia as desproteções e riscos sociais a que família e seus membros estão expostos; aprofunda elementos para o fortalecimento desta capacidade protetiva e deste núcleo de proteção social. Os 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente apontam avanços na doutrina da proteção integral, na institucionalidade do Sistema de Garantia de Direitos da Criança e Adolescente (SGD), aprimora os processos de responsabilização dos entes federados na gestão do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo. Por isso, levamos em conta o modo como as políticas sociais atuam e processam os direitos do adolescente em conflito com a lei e sua articulação no SGD. A ênfase da análise configura, no campo da política de assistência social, a atenção aos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto: de liberdade assistida e prestação de serviços à comunidade. A Assistência Social, como política de proteção social não-contributiva, operacionalizada através do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), prevê, desde 2004, que a atenção social ao adolescente e jovem em conflito com a lei será gestada e executada na unidade pública do Centro de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS). A pesquisa considera o modo como a gestão municipalizada das medidas socioeducativas está sendo implementada no município de Santo André-SP, e sua repercussão nos territórios de vida dos adolescentes. A pesquisa empírica complementa a investigação de base analítico-documental, envolveu 07 adolescentes em conflito com a lei e suas famílias moradoras do território do Jardim Santo André. Os trabalhadores e gestores do CREAS Infância e Adolescência, diretamente envolvidos na execução das medidas socioeducativas em meio aberto. A reflexão é sobre o peso de variáveis que permitam detectar aproximações, as possibilidades, as potências e as fragilidades que atuam no fortalecimento da capacidade protetiva da família de adolescentes em conflito com a lei. Palavras-chaves: proteção social; proteção integral; assistência social; adolescente em conflito com a lei; família. ABSTRACT COSTA, Maria Inês da. Strengthening the protective capacity of families of adolescents in conflict with the law. Dissertation (Professional Master Adolescents in Conflict with the Law). UNIBAN. São Paulo, 2010. This paper presents a reflection on the meaning that the protective capacity of the family has, within the social attention to adolescents in conflict with the law. Evaluates desproteções and social risks to which family and its members are exposed to elements deepens towards strengthening this protective capacity, and this core of social protection. The 20-year Statute of Children and Adolescents, says advances in the doctrine of full protection, the institutional framework of the System of Guarantee of Rights of the Child and Adolescent (SGD), enhances the process of accountability for all federal entities in the management of the National Socio-Educational Services.Therefore we take into account how social policies work and process the rights of adolescents in conflict with the law and its relationship to the DGS. The emphasis of the analysis sets, the field of social welfare policy, attention to adolescents under socio-open in the middle: the provision of probation and community service. Social assistance, social protection policy as non-contributory, operationalized through the Unified Social Assistance System (ITS), expected since 2004, the social attention to adolescents and youth in conflict with the law will be fomented and executed in public unit of the Center for Social Assistance Specialized Reference (CREAS). The research considers how the management of municipal educational measures is being implemented in the municipality of Santo André, SP, and its impact on the territories of life of adolescents. Empirical research complements the research-based analytical documentary, involved 07 adolescents in conflict with the law and their families living in the territory of the Garden St. Andrew. Workers and managers CREAS Children and Adolescents, directly involved in implementing educational measures in an open environment. The reflection is about the weight of variables to detect approaches, opportunities, weaknesses and powers that operate in strengthening the protective capacity of the family for adolescents in conflict with the law. Keywords: social protection, full protection, assistance social, adolescents in conflict with the law: family LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ACL ABMP BNH CAP CASA CDC CDCA CDHU CEME CF CIB CIT CLT CMDCA CNAS CNSS CONANDA CPMF CRAS CREAS DAR DRU ECA EC FAT FEBEM FHC FMI FSE FUNABEM FCBIAGPS IAP IBGE IDH IPEA LA LBA LDB LOAS LULA MDS MEC MESA MPAS Adolescente em Conflito com a Lei Associação Brasileira de Magistrados e Promotores Banco Nacional de Habitação Caixa de Aposentadorias e Pensões Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente Convenção sobre os direitos das Crianças Conselho de Direitos da Criança e do Adolescente Companhia de Desenvolvimento Habitacional e Urbano Central de Medicamentos Constituição da Republica Federativa do Brasil Comissão Intergestora Bipartite Comissão Intergestora Tripartite Consolidação das Leis do Trabalho Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente Conselho Nacional de Assistência Social Conselho Nacional de Serviço Social Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira Centro de Referencia de Assistência Social Centro de Referencia Especializado de Assistência Social Divisão Administrativa Regional Desvinculação das Receitas da União Estatuto da Criança e do Adolescente Emenda Constitucional Fundo do Amparo ao Trabalho Fundação do Bem-Estar do Menor Fernando Henrique Cardoso Fundo Monetário Internacional Fundo Social de Emergência Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor Fundação Centro Brasileiro de Assistência à Infância e Juventude Grupo de Planejamento Setorial Instituto de Aposentadoria e Pensão Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística Índice de Desenvolvimento Humano Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada Liberdade Assistida Legião da Brasileira de Assistência Lei de Diretrizes e Base Lei Orgânica da Assistência Social Luiz Inácio Lula da Silva Ministério do Desenvolvimento Social e Combate a Fome Ministério da Educação e Cultura Ministério Extraordinário de Segurança Alimentar Ministério da Previdência e Assistência Social MSE Medidas Socioeducativa NOB Norma Operacional Básica NOB/RH/SUAS Norma Operacional Básica de Recursos Humanos do Sistema Único da Assistência Social OEA Organização dos Estados Americanos ONU Organização das Nações Unidas ONG Organização Não Governamental PIA Plano Individual de Atendimento PIB Produto Interno Bruto PNAS Política Nacional de Assistência Social PR Presidência da Republica PSC Prestação de Serviço à Comunidade PSB Proteção Social Básica PSE Proteção Social Especial SAM Serviço de Assistência ao Menor SEDH Secretaria de Estado do Direitos Humanos SEADS Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social SENAI Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial SEPPIR Secretaria Especial de Política de Promoção da Igualdade Social SGD Sistema de Garantia de Direito SGDCA Sistema de Garantia de Direito da Criança e do Adolescente SINASE Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo SNPDCA Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente SUAS Sistema Único de Assistência Social SUS Sistema Único de Saúde UIP Unidade de Internação Provisória LISTA DE QUADROS Quadro 1 Articulação do SINASE com o SUAS na municipalização de MSE em meio aberto ................................................................. 41 Quadro 2 Cenário das Medidas privativas de Liberdade no Brasil, 2009 ........ 49 Quadro 3 Instrumentos legais e internacionais sobre criança e adolescente .. 63 Quadro 4 Síntese dos Indicadores Sociais das Condições de Vida da População ................................................................................... 85 Quadro 5 Perfil das responsáveis pelos adolescentes entrevistados ............ 108 Quadro 6 Perfil dos adolescentes entrevistados ............................................ 109 Quadro 7 Acesso das famílias à rede de proteção local ................................ 115 Quadro 8 Renda per capita ............................................................................ 118 LISTA DE GRÁFICOS Gráfico 1 Acesso aos serviços públicos ......................................................... 115 Gráfico 2 Adolescentes e seus projetos......................................................... 128 Gráfico 3 O que apoiaria os adolescentes em seus projetos ......................... 129 Gráfico 4 Avaliação das famílias sobre as MSE´s em meio aberto................ 132 LISTA DE MAPAS E FIGURAS Figura 1 O SINASE e o Sistema de Garantia de Direitos de crianças e adolescentes ................................................................................... 40 Mapa 1 O território da pesquisa ...................................................................... 104 SUMÁRIO 1 INTRODUÇÃO........................ ....................................................................... 13 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL ....................................................... 19 2.1.1 O diálogo entre a Política de Assistência Social e o SINASE .................. 33 2.1.2 A Municipalização de MSE no campo da Assistência Social ................... 43 2.1.3 O adolescente em conflito com a lei no ECA ........................................... 55 2.2 OS SUJEITOS SOCIAIS E OS OPERADORES DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO ................................................. 73 2.2.1 Quem são os Adolescentes e jovens em conflito com a lei ..................... 73 2.2.2 A Família de adolescentes ....................................................................... 82 2.2.3 Os trabalhadores e gestores no contexto da execução das medidas socioeducativas em meio aberto ............................................................. 90 3 METODOLOGIA 3.1 PROCEDIMENTO E PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA ...... 96 3.2 TERRITÓRIO DE PESQUISA................................................................... 103 3.3 ADOLESCENTES E FAMÍLIAS: RESULTADOS ...................................... 108 3.3.1 A variável território e domicílio ............................................................... 110 3.3.2 A variável trabalho e renda .................................................................... 116 3.3.3 As formações familiares ..................................................................... 119 3.3.4 A educação e a escolarização ............................................................... 121 3.3.5 Trabalhadores e gestores: resultados .................................................... 137 3.3.6 Os gestores das Medidas Socioeducativas: resultados ........................ 145 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS......................................................................... 149 REFERÊNCIAS.......................... .................................................................... 157 BIBLIOGRAFIA....................... ....................................................................... 160 APÊNDICES.............................. ..................................................................... 162 13 1 INTRODUÇÃO O presente trabalho de dissertação, produto acadêmico do programa Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, apresenta o resultado do estudo com famílias de adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativa em meio aberto na modalidade Liberdade Assistida que residem no município de Santo André, São Paulo, no território do Jardim Santo André. Nossos sujeitos sociais entrevistados - expostos a circunstâncias de vulnerabilidade social decorrentes do complexo processo socioeconômico que, em várias de suas dimensões, impõem situações de violação de direitos expressaram, a partir de seus depoimentos, as forças e vulnerabilidades a que estão sujeitos. O processo de desarticulação e indefinição das instituições responsáveis pelo atendimento às demandas e necessidades sociais destas famílias se insere na esteira histórica do desenvolvimento de políticas públicas aos segmentos mais empobrecidos, “(...) essa indefinição de competência é uma estratégia que perpetua a tutela, porque ela própria impede aos excluídos o conhecimento dos serviços produzidos e o consequente direito de acesso aos mesmos” (SPOSATI, 1987, p.85). Ao longo do último quartil do século XX, com o processo democrático mais fortalecido e desenvolvido, ocorre a substituição do paradigma da lógica residual e focalista nas atenções proporcionadas às famílias e seus membros, dando origem a um sistema articulado e interdependente de políticas sociais para alcançarem o interesse maior que é a proteção social pública de seus cidadãos. Estabelecido na Constituição Federal de 1988 e regulamentado pela Lei Orgânica da Assistência Social - LOAS - Lei 8742 de 07 de dezembro de 1993, esta atenção passa a ter, no tripé da Seguridade Social, um de seus fundamentais alicerces, alçando a Assistência Social como política pública. A assistência social, direito do cidadão e dever do Estado, é política de seguridade social não contributiva que provê mínimos sociais; realizada através de um conjunto integrado de ações de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (LOAS, 1993, art.1º). 14 O primeiro tópico vem dispor sobre as amarras do desafio que a sociedade, o Estado e diferentes institucionalidades criadas e fortalecidas pelo Estado Democrático de Direito, têm com um de seus pilares sustentadores, as famílias. Para isso, não bastam somente os esforços destes sujeitos isolados, são necessárias políticas de Estado que mesclem os interesses do capital com o trabalho. Está em questão um novo campo de saber: o significado da capacidade protetiva de família, do âmbito dessa proteção e das fragilidades e riscos sociais a que a própria família e seus membros estão sujeitos (SPOSATI, 2009, p.19 ). A compreensão que será expressa nas contribuições de Sposati (2009), Yasbek (1996), Boschetti (2006), Gomes (2008) e Fleury (1997), além dos conteúdos prepostos na Política Nacional de Assistência Social (PNAS), na Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), e do Sistema Único de Assistência Social (SUAS), balizarão a determinação do lócus de política de atenção especializada que a política de assistência social pode ofertar ao adolescente autor de ato infracional e à sua família. Afinal, historicamente: “O reconhecimento legal de um direito não tem sido suficiente para torná-lo um direito legítimo”. (...) é necessário atribuir caráter de direito às ações que o concretizam”. (BOSCHETTI, 2006, p.31). Neste caminho, buscamos apresentar elementos conceituais sobre o Sistema de Garantias de Direitos (SGD) e o Sistema Nacional de Atendimento SocioEducativo (SINASE), bem como a compreensão do que o Estado brasileiro entende e assegura como proteção integral a crianças e adolescentes, em específico, à proteção de adolescente autor de ato infracional. As contribuições de autores como Costa (1998), Aquino (2009), Feltran (2008) e Diógenes (2008), apresentam elementos substanciais para a compreensão da dimensão histórica que a juventude e adolescência desempenham no cotidiano como membros de uma sociedade ainda desigual. Buscamos no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), a direção e os passos determinantes para a consolidação do paradigma da prioridade absoluta. Na exata fala dos adolescentes entrevistados, sujeitos deste estudo, encontramos os diversos desafios para reconhecer a dinâmica de suas 15 relações familiares, societárias e territorializadas em ambientes desprovidos de condições favoráveis ao exercício de sua cidadania. Apresentamos dados sobre três estudos1: dois deles tratam de expressões multifacetárias da questão social2 - o ato infracional e os homicídios - envolvendo as categorias dos adolescentes, jovens e adultos jovens, negros, em sua maioria e do gênero masculino. No terceiro estudo, há a evolução dos dados relativos a adolescentes e jovens na dinâmica nacional. Observamos, de antemão, a tendência de redução da pirâmide etária nas faixas etárias populacionais de 0-14 anos, demonstrando que desde 1991 o total de 34,7% de crianças e adolescentes nesta faixa populacional vem decrescendo para, em 2004, atingir percentuais de 27,1% e de ter como projeção para o ano de 2050 percentuais que podem chegar a 17,8% do total da população. Esta nova composição etária da população indica que o país entrou na passagem da chamada “janela demográfica”, ou seja: ( ) um elevado contingente de pessoas em idade ativa e uma razão de dependência relativamente baixa, configurando um bônus demográfico favorável ao crescimento econômico.(...) o número máximo de jovens em idade de completarem seus estudos e de ingressarem no mercado de trabalho (15 a 24 anos de idade), vem girando em torno de 35 milhões desde o ano 2000, efetivo que só será verificado novamente no período de 2030-2035, se as hipóteses acerca do comportamento da fecundidade e da mortalidade no modelo de projeção da população se cumprirem. Paralelamente, o número de pessoas com idade potencialmente ativa está em franco processo de ascensão, e a razão de dependência total da população vem declinando em consequência da diminuição do peso das crianças de 0 a 14 anos sobre a população de 15 a 64 anos de idade (IBGE, 2006, p.30). 1 Estudos referência: 1) Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao adolescente em conflito com a lei,SNPDCA/SEDH/PR/Brasil,2009; 2) Mapa da Violência do Brasil,Instituto Sangari, 2009; 3) Síntese dos Indicadores Sociais, IBGE, 2005-2006. 2 A questão social. Termo surgido na Europa no Século XIX, reconhece um conjunto de problemas sociais originados pela revolução industrial com transformações políticas, sociais, econômicas no Estado Moderno, inserindo a pobreza e suas expressões multidimensionais na agenda das políticas públicas. “A emergência da questão social é parte do processo mais geral do desenvolvimento do capitalismo, no qual as relações sociais e econômicas foram duramente afetadas pelos processos de industrialização e urbanização, que romperam com as relações tradicionais de autoridade e solidariedade, e geraram novos atores coletivos com novas demandas políticas.” (FLEURY, Sonia; MOLINA, Carlos G., 2008, p.24). 16 Esta tendência observada tem relação com nossa pesquisa pela complexidade que envolve o número de jovens na faixa etária de 15-24 anos, dentre eles o adolescente autor de ato infracional, por requererem uma atenção especial das políticas públicas de educação (acesso e aumento da escolarização), acesso ao mundo do trabalho (formação profissional qualificada), saúde (com acesso e manutenção dos serviços de saúde básica e secundária, atendimentos em pré-natais e aleitamento materno e saúde reprodutiva), investimentos em infraestrutura, saneamento urbano e unidades habitacionais. Tais medidas não só resultariam em aumento da expectativa de vida, índice tão caro aos indicadores nacionais, mas também em uma ampliação de acessos a bens sociais básicos. Outro dado significativo apresentado indica a relação que o fluxo contínuo do aumento de mortes de adolescentes jovens e adultos jovens do sexo masculino por causas externas, como efeito que afetaria não somente a questão demográfica, mas principalmente a questão econômica e social. A faixa etária de maior vulnerabilidade é a que vai dos 15 aos 30 ou 35 anos de idade. A sobremortalidade masculina, que é o quociente entre as taxas de mortalidade por idade de homens e mulheres, geralmente apresenta seu valor máximo no grupo de 20 a 24 anos de idade. No caso brasileiro, a incidência da mortalidade masculina neste intervalo de idade chega a ser quase 4,1 vezes superior à feminina, em 2004. Nas Unidades da Federação do Amapá, São Paulo, Distrito Federal e Rio de Janeiro, os homens têm uma probabilidade cinco vezes maior de falecer entre os 20 e 24 anos de idade que as mulheres (IBGE, 2006, p.32). O segundo tópico tem por objetivos: refletir sobre os sujeitos sociais envolvidos nas medidas socioeducativas (MSEs) em meio aberto, ou seja, conhecer melhor quem são estes operadores que, no seu cotidiano, vivenciam as circunstâncias, as contradições e desafios para operacionalizar as MSE; considerar as características desta realidade concreta e a coexistência entre os envolvimentos, os vínculos e participação neste processo; apresentar os conteúdos necessários para a compreensão dos formatos e formações das famílias contemporâneas As reflexões de Sposati (2008), Costa (2006), Guimarães (2007), Brant (2008) e Aquino (2009) aprofundam conceitos e 17 vinculações, ressaltando a importância do tema para o cenário das políticas públicas. Algumas categorias de análise a partir das constâncias e relevância foram se apresentando nos depoimentos de familiares dos adolescentes e se revelam no contexto do cenário nacional. Uma delas faz referência à composição familiar dos entrevistados, em que observamos a redução de números de componentes. Também observam-se famílias, em sua maioria chefiada por mulheres sozinhas, e a presença de mulheres idosas como responsáveis pelos adolescentes em conflito com a lei (ACL). Outro dado importante sobre a composição familiar refere-se à relação entre a escolaridade e o tamanho da prole, o que será debatido no terceiro tópico. Esta formação vem sendo identificada na base de dados do Estudo IBGE (2006), que apresenta um movimento de desaceleração nacional do crescimento populacional desde a década de 1970, observando no período de 2001-2004 uma tendência de queda da fecundidade3 (2,7% para 2,3% de filhos) e de natalidade (23,4% a 20,6% de filhos). Finalizando o tópico, falamos de trabalhadores e gestores da política de assistência social na gestão municipalizada da MSE em meio aberto. Enfatizando elementos como a articulação intersetorial, democratização dos acessos, participação em Rede e controle social, representativos para caminhar na perspectiva de consolidar o SINASE e sua articulação com demais Sistemas Únicos de políticas sociais que operam MSE no âmbito do município. O terceiro tópico reserva-se à exposição dos resultados da pesquisa com nossos sujeitos operadores de MSE. Demonstramos na análise os elementos que compõe o cotidiano dos adolescentes inseridos na medida socioeducativa de Liberdade Assistida e a complexa relação das famílias com o envolvimento do adolescente no ato infracional, descrevemos as perspectivas, 3 Esta diminuição alterou a pirâmide populacional com estreitamento da base e redução do contingente de crianças e adolescentes até 14 anos e no aumento de idosos O expansivo envelhecimento da população pressiona por serviços mais especializados na base das ofertas públicas de serviços sociais. Outro elemento, refere-se aos anos de estudo e fecundidade, a relação de mulheres em idade fértil de 15-49 anos, cuja presença considerável da elevação de estudo/ escolaridade (média de 6-7 anos), branca ou parda e independente do rendimento familiar apresentam as seguintes características de fecundidade: i) as mulheres com baixa instrução (até 03 anos de estudo) tendem a subir a média de filhos; ii) as mulheres de escolaridade elevada mas de baixo rendimento familiar aumentam a sua fecundidade, demonstrando novamente a importância da escolarização na composição familiar. 18 sonhos e projetos futuros que nossos sujeitos apontam E também os desafios para a gestão intersetorial de MSE no âmbito do território-município. E, por último, as considerações finais sobre nossas impressões, projeções e tensões apresentadas para o complexo campo da proteção integral do adolescente em conflito com a lei 19 2 DESENVOLVIMENTO 2.1 O ESTADO E A PROTEÇÃO SOCIAL A nova economia internacional que se manifesta depois da Segunda Guerra Mundial apresenta, entre outras, as seguintes características: a internacionalização e multiplicação das trocas, preponderância da tecnologia e a concentração dela decorrente, solidariedade crescente entre os países, (...) modificações da estrutura e força de consumo. O 4 efeito demonstração, ou seja, a inclinação dos pobres no sentido de consumir da mesma maneira que os ricos, tem um papel importante nos países subdesenvolvidos por contribuir com a atração dos homens para a cidade, local das novas atividades; no entanto, não só as indústrias são aí raras como, em todo caso, os empregos permanentes não são suficientes para atender à demanda (SANTOS, 1989, p.25). O sistema de proteção social brasileiro apresenta particularidades e peculiaridades que são próprias do processo de desenvolvimento do capitalismo no país e das funções do Estado, principalmente as relacionadas à regulação socioeconômica, incorporando gradativamente responsabilidades ao poder público, resultado do jogo de conflitos que interesses políticos, econômicos e sociais sempre deflagraram na arena da realidade brasileira. No pós 2ª Guerra Mundial, o fluxo de desenvolvimento econômico teve cenários diferenciados entre os países considerados desenvolvidos (industrializados), subdesenvolvidos (industrialização tardia) e, dentre eles, o Brasil que, apesar de contar com uma indústria desenvolvida, não escapou à dependência econômica e ao êxodo rural. O fenômeno de urbanização, produto do fluxo de populações migratórias internas e externas, favorecida pela atração exercida pela expansão das indústrias, mobilizou grandes contingentes populacionais migrantes em busca de melhores oportunidades e de melhoria das condições de vida, ocupando as cidades. Na década de 1930, com a implantação do Estado Novo, o país viveu o aprofundamento do modelo corporativista, tônica dada pela Carta Constitucional outorgada após o golpe de Estado de 1937, com opção nítida por uma política industrialista. O Estado buscou diversas formas de incentivar a 4 Segundo o Dicionário HOUAISS (2001, p. 2243), Pobre é aquele desprovido ou mal provido do necessário, de poucas posses, que não tem recursos próprios, que apresenta ou revela pobreza Falta daquilo que lhe é necessário para sua subsistência, penúria, classe ou conjunto de pobres.. Pobreza é, estado de pobre. 20 indústria básica, tornando-se produtor por meio das empresas estatais e de economia mista, viabilizando a expansão industrial, organizando mercado de trabalho, a capitalização e acumulação do setor. Teve participação a burguesia industrial, por meio das suas entidades representativas, nos espaços de gestão do Estado. O regime que assume no período posterior à década de 30 busca, na dinamização da economia, sua legitimação junto ao proletariado urbano, recém-formado, incorporando reivindicações históricas destes setores populares. O reconhecimento legal de cidadania5 destes setores populares atesta o poder e prestígio que a era Vargas ascendeu aos direitos no cenário nacional. A legislação social de então continha dispositivos que coibiam excessos e formas primitivas de exploração do trabalho. Mas, com a integração de novas massas urbanas, novas forças sociais e o adensamento das atividades produtivas urbanas, o estado de carência e subordinação ao processo de aprofundamento de acumulação coloca as camadas populares a pressionarem o Estado por maior expansão de participação política e do conceito de cidadania. Assim, o surgimento de novas institucionalidades, em resposta ao equilíbrio das relações de forças entre as diferentes classes sociais, apaziguaram as contradições inerentes ao processo de reprodução. As instituições previdenciárias se desenvolvem a partir da década de 20, pela ação estatal, como a Caixa de Aposentadorias e Pensões (CAPs). Datam desse período a criação do Ministério do Trabalho (1943), Indústria e Comércio; a publicação da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), O Serviço Nacional de Aprendizagem Industrial (SENAI-1942), o Serviço Social da Indústria (1946), o voto universal e secreto (1930), a nova Constituição (1946), possibilitando no período democrático-populista (1946-1964) a intensificação da vida política dos setores mais populares. 5 Podemos compreender que “cidadania é a dimensão pública dos indivíduos, inspirada na teoria política clássica, que separa Estado e sociedade e vê os indivíduos como isolados e competitivos na dimensão privada, porém integrados e cooperativos na comunidade política. Neste sentido, a cidadania pressupõe um modelo de integração e de sociabilidade” (FLEURY, 2008, p. 56); o termo cidadania inicia-se no campo do estudo de T.H.Marshall, na Inglaterra denominada a estória da cidadania. Pressupõe a inclusão e participação ativa de indivíduos numa comunidade política, o estabelecimento de vínculos, de crenças, de institucionalidades que em um sistema integrado compartilha poderes, direitos e deveres atribuídos ao cidadão. 21 O período de 1946-64 é compreendido por alguns autores como democrático-populista pelas características político-econômicas. Um exemplo da compreensão do período: o padrão paternalista e protetor, próprio da ação política getulista, foi substituído por um padrão nacionalista e democrático que, todavia, preserva o populismo como traço dominante do governante. De um lado, a dependência dos países industrializados para obter equipamentos, tecnologia e financiamento se colocava como questão a ser superada com a industrialização plena do Brasil, um atraso a ser superado. De outro lado, o estilo de liderança política, do modo de governar, o carisma pessoal, a não vinculação orgânica partidária encontraram sua expressão em governantes da época como Jânio da Silva Quadros, João Goulart, além do retorno do próprio Getúlio Vargas à Presidência da República (GOMES, 2008, p.22). A criação dos Institutos de Aposentadoria e Pensão (IAPs), configuramse como parte integrante de um sistema de Previdência Social baseado na lógica do seguro social, com o acesso aos benefícios condicionado ao pagamento de contribuição. O Estado, no atendimento aos excluídos do trabalho formal e, portanto, não contribuintes do fundo público, amplia sua intervenção no campo da Assistência Social dando forma, assim, a um sistema dual de proteção social. A primeira referência na legislação federal sobre serviços sociais surge na Carta Constitucional de 1934, com o Estado obrigado a assegurar “o amparo aos desvalidos e destinar 1% das rendas tributáveis à maternidade e à infância.” A criação do Conselho Nacional de Serviço Social (CNSS) e a inserção da Assistência Social na agenda governamental, em pleno Estado Novo, pelo Decreto-Lei no. 525, de 01.07.1938, define sua função de órgão consultivo do governo e das entidades privadas, e de estudo dos problemas do Serviço Social. Na oportunidade e no mesmo instrumento legal, foi criado também o Ministério da Educação e Saúde. Formado por pessoas ilustres da sociedade, ligadas ao campo da filantropia, indicadas e nomeadas pelo Presidente da República, o CNSS, tinha por funções: a) organizar o plano nacional de serviço social, englobando os setores públicos e privados; b) sugerir políticas sociais a serem desenvolvidas pelo governo e c) opinar sobre a concessão de subvenções e auxílios governamentais às entidades privadas. A Legião Brasileira de Assistência (LBA, 1942), organizada na sequência do engajamento do Brasil na 2ª. Guerra Mundial, tinha por objetivo: 22 “prover as necessidades das famílias, cujos chefes hajam sido mobilizados, e, ainda, prestar decidido concurso ao governo em tudo que se relaciona ao esforço de guerra” (Decreto Lei 4830, de 15/15/1942). A LBA foi a primeira instituição de assistência com abrangência nacional e de impacto no reordenamento institucional do aparelho assistencial privado. Articulando por iniciativas próprias as brechas da rede assistencial, ampliou rapidamente da assistência as famílias dos convocados à guerra para áreas assistenciais como a maternidade e à infância. De forma geral, a LBA atuava pela via da transferência de recursos públicos às entidades sociais, instituições particulares por meio de convênios. Teve um papel preponderante na institucionalização e especialização do Serviço Social como campo de atuação profissional com aumento dos trabalhadores sociais, na expansão e solidificação de redes de obras assistenciais privadas integrando aos municípios as ações antes reservadas aos Estados e à União. Distribuía benefícios e serviços e encaminhava o público, baseado em referenciais técnicos como pesquisa, visitas domiciliares e entrevistas. Um forte aliado ao seu trabalho além das “senhoras da sociedade”, foram as primeiras damas, consolidando as bases do assistencialismo e do primeiro damismo, existente até os dias atuais em vários municípios. As décadas de 1930 e 1940 foram significativas para a consolidação do sistema de proteção social que combinou o modelo de seguro social6 com um modelo assistencialista, no âmbito da previdência social. De um lado, uma “cidadania regulada” pela condição regulada pelo trabalho, e, de outro, uma cidadania invertida pela condição do acesso a bens e serviços sem configurarem-se como direito social. O sistema de proteção social brasileiro até o final da década de 80, combinou um modelo de seguro social na área previdenciária com um modelo assistencial para a população sem vínculos trabalhistas formais. Ambos os sistemas são organizados e consolidados entre as décadas de 30 e 40. (...) No modelo do seguro social, a proteção social dos grupos ocupacionais estabelece uma relação de direito contratual, na qual os benefícios são condicionados às contribuições pretéritas e à afiliação dos indivíduos a tais categorias ocupacionais que são autorizadas a operar um seguro (...). 6 Seguro Social: um sistema de cotizações de caráter obrigatório garantido pelo Estado, que abre acesso a uma renda nos casos em que o risco de doença, invalidez, velhice e desemprego impeçam o trabalhador de suprir, pela via do trabalho, a sua subsistência (JACCOUD, 2009, p.p. 59). 23 No modelo assistencialista as ações, de caráter emergencial, estão dirigidas aos grupos de pobres vulneráveis, inspiram-se em uma perspectiva caritativa e reeducadora, organizam-se em base à associação entre trabalho voluntário e políticas públicas, estruturamse de forma fragmentada e descontínua, gerando organizações e programas, muitas vezes superpostas. Embora permitam o acesso a certos bens e serviços, não configuram uma relação de direito social, tratando-se de medidas estigmatizantes e compensatórias. Por isto, denomino a esta relação, como de “cidadania invertida” na qual o indivíduo tem que provar que fracassou no mercado, para ser objeto da proteção social (FLEURY, 1997, p. 76-77 grifos do autor). No que pese o fato da LBA, em 1969, ser transformada em fundação pública, vinculada ao Ministério do Trabalho e Previdência Social e conviver com outras instituições públicas para a oferta de serviços, programas e projetos assistenciais, estes continuavam a serem desarticuladas e descontínuos entre si. Outros organismos foram criados como a Fundação Nacional para o BemEstar do Menor (FUNABEM), em 1964, a Central de Medicamentos (Ceme) e o Banco Nacional de Habitação (BNH).O governo federal criou o Ministério da Previdência e Assistência Social (MPAS), em 1978, cuja estrutura contava com uma Secretaria de Assistência Social, à qual foi destinada a missão de formular, em caráter consultivo, a política de combate à pobreza. Efetivamente, na década de 1970, há um esforço na organização dos “sistemas nacionais públicos de serviços sociais” – educação, saúde, assistência social, previdência e habitação – buscando maior universalidade dos serviços, ampliando as coberturas e visando, em parte, superar a fragmentação e a seletividade que caracterizavam as políticas sociais governamentais (CIWYNSK, 2007, p. 30 grifos do autor). Até o final da década de 1970, o que se compreendia por desenvolvimento social se confundia com crescimento econômico; afinal, o sistema econômico previa em seu processo incorporar progresso social e ganhos de produtividade às corporações, mas, a ausência da incorporação de direito civis e políticos, denuncia o caráter autoritário do nosso “milagre brasileiro”: desenvolvimento com o crescimento econômico, mas sem democracia. A dívida social passa a ser uma agenda de destaque de partidos políticos e setores da sociedade. O desafio político do processo de 24 redemocratização que viveu o país na década de 1980 culmina com a incorporação de direitos sociais na nova Carta Constitucional. No período de 1985-2008, a Constituição Federal - CF/88, na busca de resgatar parte da dívida social brasileira, ressignificou princípios de justiça e solidariedade, equidade, alargamento da democracia social, inserindo no âmbito das políticas sociais as garantias sociais básicas, os direitos aos que gozam de proteção integral, inscritos na dimensão da ação do Estado. A Constituição de 1988, refletindo os anseios por maior descentralização, produziu um novo arranjo das relações federativas. A redefinição de funções e de poderes de decisão entre as unidades federadas, que envolveu transferências de recursos da União para estados e municípios, trouxe fortes consequências para a dinâmica do gasto social brasileiro no decorrer dos anos 90. No tocante às receitas, a Constituição aprofunda o movimento de descentralização que já se vinha configurando desde o início da década de 80. Redistribuiu competências tributárias entre as esferas governamentais, beneficiando os estados e principalmente os municípios, além de ampliar transferências constitucionais, que alteraram a repartição da arrecadação tributária em favor dessas esferas. Com isso, aumentou a capacidade de financiamento dos gastos públicos destes entes federados, o que podia significar menor dependência em relação à União na cobertura das políticas sociais (CASTRO, 2008, p. 95). A formatação dos padrões de proteção social ganha materialidade por meio da provisão de bens, serviços e benefícios destinados aos cidadãos, podendo alcançar a redistribuição de recursos, como renda, saúde, educação, cultura, entre outros, contribuindo para a melhoria da qualidade de vida da população, dando mostras do desenvolvimento de uma sociedade A inserção das políticas sociais brasileiras no processo de redemocratização, no período pós Carta Constitucional, traz ao cenário nacional o estabelecimento do paradigma do tripé da seguridade social, incorporando três políticas de proteção social: a saúde, a assistência social e a previdência social. A promoção da articulação dos direitos relativos à saúde, à previdência, à assistência social, afiança o compromisso com a garantia de segurança e proteção aos cidadãos, diante de riscos como a doença e a pobreza, relacionada à insuficiência de renda, ao desemprego ou à incapacidade para o trabalho, incluindo no sistema como segurados especiais, os cidadãos oriundos da economia familiar e atividade rural. 25 A Carta Constitucional de 1988 eleva a Assistência Social ao status de Política de Estado (art. 203 e 204), regulamentada por meio da Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8.742, de 1993). Os processos, mecanismos e instrumentos de sua operacionalização encontram-se, mais recentemente, definidos e regulamentados na Política Nacional de Assistência Social (PNAS2004), e na Norma Operacional Básica (NOB/2005). No tripé da Seguridade Social, amplia-se o acesso de cidadãos sem exigência de contribuição prévia, ampliando as possibilidades de acesso daqueles que estavam fora dos tradicionais mecanismos de seguridade social. A Assistência Social, assim, se insere como política social não contributiva, direito a todos aqueles que desta necessitarem, em decorrência da vulnerabilidade social ou da violação de direitos, independentemente de sua condição de contribuinte à seguridade social, devendo ser prestada por meio de serviços contínuos e disponíveis em todo o território nacional. 7 A inclusão da assistência social na seguridade social , foi uma decisão plenamente inovadora. Primeiro por tratar esse campo como de conteúdo da política pública, de responsabilidade estatal, e não como uma nova ação, com atividades e atendimentos eventuais, 8 Segundo, por desnaturalizar o princípio da subsidiariedade , pela qual a ação da família e da sociedade antecedia a do Estado. (..) Terceiro, por introduzir um novo campo em que se efetivam os direitos sociais (SPOSATI, 2008, p.14). 7 A CF/88 expressa no Art. 194, “A seguridade social compreende um conjunto integrado, de ações de iniciativa dos Poderes Públicos e da sociedade, destinadas a assegurar os direitos relativos à saúde, à previdência e à assistência social. Parágrafo único. Compete ao Poder Público, nos termos da lei, organizar a seguridade social, com base nos seguintes objetivos:I universalidade da cobertura e do atendimento;II - uniformidade e equivalência dos benefícios e serviços às populações urbanas e rurais;III - seletividade e distributividade na prestação dos benefícios e serviços;IV - irredutibilidade do valor dos benefícios;V - equidade na forma de participação no custeio;VI - diversidade da base de financiamento;VII - caráter democrático e descentralizado da administração, mediante gestão quadripartite, com participação dos trabalhadores, dos empregadores, dos aposentados e do Governo nos órgãos colegiados”. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 20, de 1998) (BRASIL, 2010). Foi regulamentada pelas Leis da Seguridade Social (1991), Lei da Previdência Social (1991),Lei Orgânica da Assistência Social(1993), e Lei Orgânica da Saúde(1990). 8 A subsidiariedade é um dos princípios básicos da Doutrina Social da Igreja, que regula as relações do Estado com as pessoas e comunidades. Incumbe ao Estado a obrigação da ajuda, do apoio, da orientação e provisão nas deficiências e este princípio esteve presente na encíclica social Quadragésimo Anno de Pio XI (1931), encíclica que confirmou os princípios da Rerum Novarum (1891). A encíclica evoca a subsidiariedade com a ideia de que o enfrentamento do desemprego e da pobreza requeria o esforço partilhado de todos, cabendo ao Estado uma ação indireta por meio de ajudas pontuais tal como a subvenção às obras sociais (GOMES, 2008; MESTRINER, 2001; SPOSATI, 1994). 26 A política social no período 1990-2002, é marcada por três distintas fases: 1) a gestão Fernando Collor de Mello, que patrocinou sucessivas obstruções para tramitação de legislação complementar que efetivasse os avanços constitucionais, gerou nas políticas públicas um desarranjo financeiro, abriu as portas da economia nacional ao mercado internacional, reforçando os processos de internacionalização de nossa economia. Na seguridade social, as investiduras de desvinculação dos benefícios previdenciários ao valor do salário mínimo são barradas pela aprovação do Plano de Organização e Custeio da Seguridade Social. Quanto à saúde, diversos dispositivos sofreram veto presidencial afetando o financiamento do recém-criado Sistema Único de Saúde.9. Com a segunda fase na gestão de Itamar Franco, ocorre a efetiva consolidação institucional: De fato, foi no Governo Itamar que se começou efetivamente a montar e a aplicar a legislação social infraconstitucional, formada por um conjunto de leis orgânicas: da Previdência Social, da Assistência Social, da Função Social da Propriedade Fundiária-, além de se estabelecerem discussões e compromissos assumidos em tono da educação básica. Esse conjunto de políticas constituiu o núcleo central da política social brasileira, fundamentada em direitos de cidadania e de trabalho. Ademais, o Governo Itamar trouxe para a agenda social a questão da fome e da miséria, dando uma dimensão política à questão e procurando discutir as responsabilidades envolvidas em sua solução (CASTRO, 2008, p.98). É nessa fase que eclode a crise do financiamento da Saúde, as restrições fiscais, o aumento de despesa da previdência, com redução de repasse ao Ministério da Saúde, que o obrigou a recorrer a empréstimos junto ao Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT). A pressão financeira exercida sobre o SUS produziu propostas de financiamento, sendo aprovada no Legislativo a criação, que seria de caráter temporário, da Contribuição Provisória sobre Movimentação Financeira (CPMF) em 1996, prorrogada até 2002. Paralelamente, em 2000, foi aprovada a Emenda Constitucional no. 29 9 A saúde só foi incluída e reconhecida como direito de todos pela CF/88. O texto constitucional propõe um Sistema Único de Saúde para todos os cidadãos e em todo o território nacional. Convive nesse modelo com o setor privado (individual ou coletivo) que oferece seguros - entre os quais as antigas mutualidades de base étnica ou profissional - ou serviços lucrativos de atenção individual para as saúdes clínica, hospitalar, terapêutica,laboratorial (SPOSATI, 2008, p. 14). 27 que vincula recursos financeiros nas três esferas de governo à saúde, rompendo quase uma década de crises e instabilidades financeiras. Com relação à educação, a Constituição estabelecia patamares de financiamento respectivamente de 25% para estados e municípios e de 18% para a União; a gratuidade do ensino público, a garantia do ensino infantil (creches e pré-escola), ensino fundamental, prioritariamente na esfera municipal, e gradativamente a incorporação do ensino secundário. O impacto da agenda social e suas vinculações orçamentárias passam a ser tratados por setores das elites conservadoras como um dos fatores que impulsionavam o desequilíbrio orçamentário e de ajuste fiscal. Com o agravamento da crise fiscal do Estado, fato ocorrido em todo o mundo na década de 1990, as queixas e pressão por reformas foi se instalando. Assim, na entrada da gestão de Fernando Henrique Cardoso (FHC) em 1995, a instituição do Fundo Social de Emergência (FSE) viria a conter e flexibilizar operacionalmente o grau de vinculações orçamentárias, contingenciando os gastos sociais, tidos como o vilão dos desperdícios de recursos e ampliação da dívida interna. A era do Plano Real, desde 1994, sofre pressão pela redução do custo Brasil (custos sociais e da força de trabalho), pretensamente atribuído às conquistas sociais aprovadas pela Constituição de 88. O tamanho do Estado na economia incentiva privatizações com a justificativa da entrada de novos capitais, redução da dívida interna e externa, da melhoria da qualidade de prestação dos serviços para atingir suficiência e eficiência econômica em setores estratégicos, acompanhada do apelo à criação de agências regulamentadoras em diversos setores da economia. Tais mecanismos de reforma visavam o ajuste fiscal do Estado monitorado pelo Fundo Monetário Internacional (FMI), Mas as salvaguardas jurídicas do Sistema de Seguridade Social, da vinculação de impostos à educação e, depois de 2000, da vinculação da saúde, protegem o gasto público vinculado a direitos sociais, impedindo que esse gasto sucumbisse ao ajustamento recessivo. (...) não fosse o formato destes sistemas - Regime Geral da Previdência, SUS, Seguro desemprego, Ensino Fundamental, Benefícios de Prestação Continuada (BPC) da Lei Orgânica de Assistência Social (LOAS), que gozam da proteção e da segurança jurídica contra cortes orçamentários (CASTRO, 2008, p.102). 28 O acirramento das desigualdades sociais, aprofundadas pela retração das empresas com seus rearranjos e reestruturação produtiva provoca a extinção de postos de trabalho, produzindo processos de precarização e flexibilização das relações de trabalho, que desencadeia uma onda de desemprego, aumentando assim a pobreza. Sem dúvida, o que ficou abalada foi a proteção social dos trabalhadores. (...) porque os Estados deixaram de exercer a sua função institucional de reguladores sociais; visando regular as condições de trabalho e de cidadania. (...) Por outro lado, no contexto do desemprego estrutural, do crescimento do trabalho informal, e do aumento dos níveis de pobreza, a diminuição da responsabilidade social do Estado demonstrada – em todos os países – pelos cortes nos gastos públicos, principalmente nas áreas sociais, nas privatizações dos serviços, e, no retrocesso dos sistemas de seguridade social, deixam claro que a insegurança e a desproteção social dos trabalhadores são parte de uma lógica neoliberal mais ampla (CYWINSKI, 2007, p.21). No rol das políticas públicas, a orientação neoliberal, pela redução de direitos e redução do tamanho do Estado, transforma em ações pontuais e compensatórias as respostas à crise social instalada. As possibilidades preventivas e até eventualmente redistributivas tornam-se mais limitadas, prevalecendo (...) o trinômio (...) para as políticas sociais, qual seja: a privatização, a focalização e a descentralização. (...) Sendo esta última, estabelecida, não como partilhamento de poder entre as esferas públicas; mas como mera transferência de responsabilidades para entes da federação, ou para instituições privadas, e novas modalidades jurídico-institucionais correlatas (BOSCHETTI e BEHRING, 2006, p.156). Dentre elas, o incremento de parcerias com as organizações sociais do terceiro setor para a execução de políticas públicas. A gestão do Governo Luiz Inácio Lula da Silva, a partir de 2003, estabeleceu medidas político-administrativas que impulsionaram ações políticas de combate à fome, de combate ao racismo, igualdades entre os gêneros, acesso a moradias dignas, mobilidade urbana, reformas estruturais como as da Previdência Social - a unificação dos programas de transferência de renda por meio da inovação de ferramentas gerenciais, instalando uma lógica de articulação dos mecanismos de gestão, avaliação, controle e monitoramento, expansão das atividades econômicas geradoras de emprego, 29 ampliação dos mecanismos de participação cidadã através do fortalecimento de conselhos de direitos e de políticas públicas, proporcionando condições de investimentos no controle social pela sociedade e pelos usuários dos serviços públicos. A promoção de fóruns, conferências e instrumentos democráticos em diversas áreas das políticas sociais demonstram que o papel da intervenção estatal nas políticas sociais possibilita alcançar cidadãos em seus direitos sociais. Segundo avaliação apurada nesta gestão pelo IPEA (2010)10, As transferências provenientes da Seguridade Social no Brasil, em 1978, representavam 8% da renda das famílias. Trinta anos depois, em 2008, esse tipo de rendimento vindo do sistema de política socialque inclui aposentadorias e pensões, programa Bolsa Família e Benefício da Prestação Continuada - já representava 19,3% dos rendimentos familiares. (...) Sem os programas de transferência de renda, 40,5 milhões de pessoas viveriam com menos de um quarto de salário mínimo em 2008. Com essa política, cerca de 18,7 milhões de pessoas vivem nessas condições, uma diferença de 116% (IPEA, 2010, p.15). A CF/88 trouxe, à geração do presente e do futuro, um compromisso no sentido de consolidar a direção de um modelo de proteção social brasileiro. Um sistema de proteção ancorado na concepção de seguridade social e nela, A Assistência Social, direito do cidadão e dever do Estado, é Política 11 de Seguridade Social, não contributiva , que provê os mínimos sociais, realizada através de um conjunto integrado de iniciativa pública e da sociedade, para garantir o atendimento às necessidades básicas (PNAS, 2004). 10 IPEA, 2010 Comunicado No 59- Previdência e Assistência Social: Efeitos no Rendimento Familiar e sua dimensão nos Estados, divulgado em Junho/ 2010, Brasília,IN: Revista Desafios do Desenvolvimento, IPEA, Ano 7, no. 63, Outubro /Novembro de 2010. p.15. 11 A Proteção Social contributiva: destina-se a indivíduos que se filiam à previdência social ou seguro social em função de sua contribuição mensal ao sistema, é pré-paga e atende somente aos seus filiados e não a toda população. Tem sua regulação disciplinada pela legislação social do trabalho, pela formalização de um contrato de trabalho e direitos trabalhistas, seguro social na forma de previdência social. E, representação na forma de sindicatos, associações e centrais sindicais. A Proteção Social Não Contributiva: destina-se a indivíduos que acessam serviços e benefícios sociais sem pagamento prévio, sem vinculação financeira, isto porque, a oferta das atenções sociais são financiadas pelo orçamento público, cuja receita vem de impostos e taxas, sendo seu custo e seu custeio rateado por todos os cidadãos. Os embates mais constantes desta forma de provisão de atenções, esbarra ainda, na comprovação ou testes de meios, ou seja, o indivíduo deve demonstrar que é pobre, que não tem renda, que é carente, transformando os atendidos por um benefício ou serviço em necessitado social, um não cidadão. Uma antítese do direito à cidadania. 30 A inclusão da política de assistência social, como afiançadora de direitos e como um campo de proteção social não contributivo, implica um modelo12, uma direção, um caminho a ser percorrido, um vir a ser. Segundo Sposati, modelos são “um vir a ser”, que exige na realidade e em seu tempo histórico, uma capacidade de reler, rever, reconstruir e construir “um novo”. No caso do Brasil, as suas dimensões continentais, heterogeneidades e diferenças regionais serão um desafio ainda maior. A CF/88, ao afiançar os direitos humanos e sociais como responsabilidade pública e estatal, operou, ainda que conceitualmente, fundamentais mudanças, pois acrescentou na agenda dos entes públicos um conjunto de necessidades até então consideradas de âmbito pessoal ou individual (SPOSATI, 2009, p.13). A política de assistência social, segundo Sposati (2009), “(...) é uma política que atende determinadas necessidades de proteção social e é, portanto, o campo em que se efetivam as seguranças sociais 13 como direitos”, ou seja: a) segurança de sobrevivência ou de rendimento e de autonomia; b) segurança de acolhida; c) segurança de convívio ou vivência familiar. Como uma política de proteção social que protege, defende, preserva e afiança seguranças sociais e respeito à dignidade de seus cidadãos, opera preventivamente e protetivamente nas situações de riscos sociais. Expressada por meio das três funções: proteção, defesa e vigilância social, resguardadas pela Política Nacional de Assistência Social (PNAS) de 200414, reúne princípios, diretrizes em consonância com a LOAS e seus dispositivos. Em destaque, seus objetivos se realizam de forma integrada às demais políticas setoriais, entendendo que ela sozinha não fará o enfrentamento das situações de desproteções dos indivíduos, deixando de ter o caráter processual e de 12 Modelo: “o arranjo de um conjunto de elementos e de relações, que, juntos, criam um sistema de referências que simula e prevê aonde se quer chegar, è um meio de dar coerência e comunicar uma concepção, uma idéia a ser concretizada (SPOSATI, 2009, p.p. 20). 13 A concepção “(...) segurança social, está sendo tratada como bem público e social do estatuto de uma sociedade para alcançar todos os membros. Portanto, trata-se de um pacto que inclui a universalidade da proteção social na seguridade social” (SPOSATI, 2009, p. 15). 14 A PNAS teve seu texto final aprovada pelo Conselho Nacional de Assistência Social (CNAS) pela Resolução 145, de 15.10.2004 e publicada no DOU em 28/10/2004, após amplo processo de construção coletiva e descentralizada envolvendo diversos setores da sociedade. “A assistência social, como política de proteção social, significa garantir a todos que dela necessitarem, e sem contribuição prèvia à provisão dessa proteção” (PNAS, 2004, p.11). 31 transição para as demais políticas públicas, pois traz, em sua gênese, os alicerces programáticos de política pública, dever do Estado e direito dos cidadãos/ãs. Considerando as desigualdades territoriais, estratégia para o enfrentamento das desproteções, opera proteções afiançadoras de prevenção a riscos sociais desenvolvendo potencialidades e capacidades, aquisições, fortalecimento de vínculos familiares e comunitários, garantindo mínimos sociais. A política de Assistência Social objetiva: i) prover serviços, programas, projetos e benefícios de proteção social básica e/ou proteção especial para famílias, indivíduos e grupos que dela necessitarem; ii) contribuir para ampliar acessos a bens materiais e imateriais, processando direitos socioassistenciais básicos e especiais; iii) assegurar que as ações tenham centralidade na família e garantam a convivência familiar e comunitária. Como responsabilidade do poder público, deve alcançar os cidadãos em suas necessidades extensivamente, ou seja, para além do seu domicílio, nas ruas, nos espaços institucionais de guarda e cuidados, não se limitando ao formal, mas também atuando sobre a transgressão, violações e agressões. Afinal, risco social não advém de situações individuais, mas coletivas, no espaço das relações humanas e sociais. Desconstruir uma história conservadora de proteção que sempre teve a assistência social, vinculada com a miséria e a pobreza, enfrentada através de ações centralizadoras, focalistas, residuais e descontínuas, é um desafio. Transmutar para uma concepção de proteção social, compreendida como de defesa dos direitos humanos, universalista de cidadania, defendendo a vida, os direitos, e as relações sociais, pressupõe o enfrentamento a agressões e violações da vida relacional, que, segundo Sposati (2009, p.25) compreendem: o isolamento “(...) em suas expressões de rupturas de vínculos, desfiliação, solidão, apartação, exclusão e abandono”, que podem afetar os indivíduos em suas várias fases e ciclos de vida (infância, juventude e velhice), a resistência à subordinação: reduzindo suas capacidades e potencialidades, expondo ao agravamento das condições de sobrevivência econômica, emocional e relacional, a na resistência à exclusão social: em todas as suas expressões e modos ofensivos à dignidade humana, como de discriminação, apartação, estigmas e despertencimento sociais. 32 A dinâmica da construção do tecido social, seu esgarçamento e coesão estão inseridos nesses campos de ação da Assistência Social. E do ponto de vista dos direitos, cabe à Assistência Social prover a rede de atenções para que a dignidade humana seja assegurada e respeitada (SPOSATI, 2009, p.25). O modelo de proteção social não contributiva que o país consagrou desde a CF/88, assenta-se em princípios tais como o da universalidade e equidade e isto quer dizer que os direitos de proteção social podem ser acessados por qualquer cidadão, em qualquer lugar do país e em iguais condições de acesso. Outro princípio, sobre o qual neste trabalho lidaremos com maior aprofundamento, é o da matricialidade familiar. Previsto na CF/88, A assistência social será prestada a quem dela necessitar, independentemente de contribuição à seguridade social, e tem por objetivos: I - a proteção à família, à maternidade, à infância, à adolescência e à velhice, II - o amparo às crianças e adolescentes carentes; III - a promoção da integração ao mercado de trabalho. (BRASIL, 1988, art. 203) Assim, a centralidade de proteção social à família e seus membros vem do reconhecimento dos efeitos que o processo de desigualdade e exclusão social geram nas famílias brasileiras, expondo-as a riscos15 e violações de/e em seus direitos. O atual modelo de proteção, segundo Sposati (2009), apresenta, ainda, cinco características que demarcam seu processo de gestão em todo o território nacional, que são: a) a assistência social reconhecida constitucionalmente como política de direitos, operando serviços e benefícios socioassistenciais; b) política de caráter federalista, articulada e organizada nos três níveis da esfera de governo: federal, estadual, municipal; c) que opera suas ações através de um Sistema Único, aos moldes das demais políticas sociais; d) a participação e o controle social, através de conselhos de 15 “Os riscos provocam padecimentos, perdas, privações e danos, como ofensas à integridade e à dignidade pessoal e familiar, por isso conhecer onde os riscos sociais se assentam é seguramente matéria primordial para aqueles que trabalham com proteção social” (SPOSATI, 2009, p. 30). 33 composição paritária, de caráter deliberativo, nos diferentes níveis de gestão da política que aprovam acompanham e fiscalizam os planos, os fundos e o nível de relacionamento com o SUAS, bem como a articulação em fóruns, conferências e, finalmente, e) pelo estabelecimento de instâncias de pactuação de caráter estadual (Comissão Intergestora Bipartite-CIBs) e nacional (Comissão Intergestora Tripartite-CIT), com a finalidade de pactuar padrões de serviços, cobertura, distribuição e redistribuição de recursos financiadores, metas de cobertura, territorialização das ofertas, fortalecendo o caráter políticogerencial do sistema de proteção. A consolidação do recente modelo de proteção social de caráter não contributivo que estamos operando no país carece, ainda, de muita reflexão e mudanças, na medida em que não bastam os instrumentos legais serem de ampla completude, precisam estar no cotidiano da sociedade as concepções de rupturas que o sistema propõe, ou até reconstruir o olhar, o vir a ser, da assistência social como uma política de direitos. E fazer chegar à compreensão dos cidadãos, sujeitos em potencial, os significados dos direitos socioassistenciais afiançados por esta proteção. 2.1.1 O diálogo entre a Política de Assistência Social e o SINASE Uma sociedade reconhece determinados riscos sociais e exige que o Estado intervenha no processo de combate às desigualdades e à pobreza, assumindo (o Estado) a responsabilidade pela sua defesa e proteção (da sociedade). Os consensos, pactuados por esta sociedade, definem o que considera por princípios de justiça, de equidade, de solidariedade, de inclusão social, e os limites suportáveis para a desigualdade social. O sistema de proteção social, não contributivo a partir da CF/88, supõe o efetivo dever do Estado, conforme coloca Gomes (2008): A primazia do Estado na condução e organização da proteção social fica clara no conjunto dos objetivos a serem alcançados. Essa inscrição da assistência social como política da seguridade social, inaugura seu reconhecimento como área de responsabilidade pública pela vigilância e garantia do direito às seguranças sociais, à proteção da dignidade humana (bem como combate às suas violações), às 34 populações vulnerabilizadas pela contingência etária e por fragilidades da convivência familiar e societária. Implica, também, ampliar a responsabilidade social estatal, quer seja por meio da atenção direta às necessidades de proteção social, quer seja por meio de regulações próprias de um novo patamar da relação públicoprivado, baseado na construção de parcerias sob o ângulo maior do interesse público (GOMES, 2008, p.22). Tal compreensão significa redefinir, no campo de ação da política de assistência social, os conteúdos dos direitos aos cidadãos rompendo com o paradigma de que ela seja uma política residual, de baixo alcance e resolutividade e um espaço de transição para outras políticas sociais. Como toda política social, esta se revestiu de conflitos e disputas por interesses diversos. O movimento histórico das forças sociais que sempre estiveram na arena destes embates, configuraram duas concepções sobre a assistência social: Uma que [concepção], nos termos da CF/88, busca configurá-la como política de Estado (dever do Estado) e direito da população. Essa direção exige órgãos públicos gestores com capacidade para operar as funções da assistência social, que sejam reguladores, com recursos humanos públicos e gestão democrática e também com transparência dos fundos. (...) Uma Política Pública Nacional. Outra [concepção] que interpreta a CF/88 pelo princípio da subsidiariedade, isto é, o Estado deve ser o último e não primeiro a agir. Neste sentido, opera a assistência social sob o princípio da solidariedade como ação de entidades sociais subvencionadas pelo Estado. Sob essa ótica não há interesse em ter recursos humanos estatais ou fortes regulações para a inserção de entidades na rede socioassistencial. (...) A ausência do Estado é natural (SPOSATI, 2009, p. 16). O estabelecimento do pacto federativo é uma medida imperativa e necessária à condução dos desafios que o novo sistema de proteção impõe. A primazia do Estado, não só na condução e regulação da política bem como na efetivação de financiamento, deve observar as heterogeneidades e as diferenças regionais. A construção do Sistema Único que dê possibilidades de operar a gestão desta política se torna uma questão fundamental, dado que a organicidade da sua operacionalização é o que oportunizará condições para a consolidação da política no âmbito das três esferas de gestão do governo. O SUAS (2005) se constitui como um modelo de gestão que em consonância 35 com a LOAS (1993)16 e a PNAS (2004), é descentralizado e participativo e regula a organização, em todo o território nacional, das ações socioassistenciais. O SUAS (2006) tem como princípio norteador: i) a matricialidade sociofamiliar; ii) a descentralização político administrativa e territorialização; iii) as novas bases de regulação entre o Estado e a sociedade civil; iv) a participação do cidadão/usuário; v)financiamento; vi) controle social, vii) política de recursos humanos; viii) sistema de informação, avaliação e monitoramento. O Suas (BRASIL, 2005) responde pela operacionalização das funções da política de Assistência Social, a saber: - A Vigilância Social: capacidade de identificar, sistematizar, monitorar indicadores e índices territorializados das situações de vulnerabilidades e risco pessoal e social que incidem sobre famílias/ pessoas nos diferentes ciclos de vida, dentre elas: crianças e adolescentes vitimas de várias formas de exploração e violência, preconceito, discriminação por etnia, gênero, opção sexual, vigilância sobre os padrões de serviços socioassistencias ofertados. - A Proteção Social: a) Segurança de sobrevivência ou de Rendimento e de autonomia: através de benefícios continuados e eventuais que assegurem proteção básica ao sustento familiar ou pessoal, principalmente a mulheres chefes de família e a seus filhos; b) Segurança de convívio ou vivência familiar: através de ações, cuidados e serviços que restabeleçam vínculos pessoas e familiares, de vizinhança, mediante a oferta de experiências socioeducativas, lúdicas, socioculturais, desenvolvida em rede de núcleos socioeducativos e de convivência para os diversos ciclos de vida; c) Segurança de Acolhida: através de ações, atenções, serviços e projetos operados em rede destinados, a proteger e recuperar situações de abandono e isolamento de crianças, adolescentes, jovens, adultos e idosos e proporcionar autonomia, convívio, aquisições pessoais para aumento das capacidades e potencialidades. 16 A regulação dos alicerces da política de proteção, assistência social, foram promulgadas através dos instrumentos legais: Lei Orgânica da Assistência Social (Lei nº 8742/93); NOB 01/97 (Portaria nº 35 De 26/12/1997);Política Nacional de Assistência Social e NOB 2 (Resolução nº 207 de 16/12/1998); Política Nacional de Assistência Social – PNAS 2004 (Resolução nº 145 de 15/10/2004); Norma Operacional Básica NOB/SUAS (Resolução nº 130 de 15/7/2005), NOB-RH/SUAS (Resolução nº 269 de 26/12/2006). 36 - Defesa Social e Institucional: da proteção básica e especial garantindo o conhecimento por seus usuários de seus direitos socioassistenciais. São direitos socioassistenciais a serem conhecidos e defendidos, dentre outros, o atendimento digno, o acesso à informação, a oferta qualificada de serviços, a convivência familiar e comunitária. A Defesa Social e Institucional também ampara e vigia as situações sociais que violem direitos e provê a oferta de serviços socioassistencias que processem direitos socioassistencias. A centralidade do papel do Estado na condução da política tem o caráter de garantir que acessem, com igualdade de condições, as pessoas que dela necessitarem, cabendo-lhe estruturar e resguardar para que as atenções sociais demandadas sejam garantidas por toda a Rede de Proteção Socioassistencial, com o objetivo da proteção ao ciclo de vida de indivíduos, atuando de forma a prevenir diferentes estágios de desproteção social, com apoio às fragilidades decorrentes dos eventos humanos e sociais que podem incorrer em exposição dos sujeitos sociais a riscos e vulnerabilidades, processando em seu interior direitos socioassistencias. A ela se somam organizações e entidades sociais de Assistência Social que operam serviços, programas e projetos. Isto não exclui a responsabilidade pública do Estado pela proteção social de seus cidadãos: na realidade, realiza a extensão de suas funções de caráter público a parceiros co-financiados pelo orçamento público. A nova relação público-privado, aqui entendida, tem por objetivo romper com uma organização do trabalho de caráter subalternizante da população demandatária, com a fragmentação das ações e desvinculação da garantia de direitos. Segundo a NOB/SUAS (2005), O SUAS é sistema público não contributivo, descentralizado e participativo, tem por função a gestão do conteúdo específico da assistência social no campo da proteção social brasileira que: a) consolida o modo de gestão compartilhada, o co-financiamento e a cooperação técnica entre os três entes federativos, de modo articulado e complementar, operam a proteção social não contributiva de seguridade social no campo da assistência social; b) estabelece a divisão de responsabilidade entre os entes federados para instalar, regular, manter e expandir, regulando em território nacional, os vínculos a hierarquia, e as responsabilidades do sistema de serviços, benefícios, programas, projetos e ações de assistência social, de 37 caráter permanente e eventual, sob critério universal e em lógica de rede hierarquizada nos três níveis de governo; c) respeita as diversidades e desigualdades regionais e municipais que condicionam os padrões de cobertura do sistema, seus diferentes níveis de gestão (inicial, básica e plena) considerando-as no planejamento, execução e oferta das ações; d) se articula na perspectiva de Rede Socioassistencial com entidades e organizações da sociedade civil, reconhecendo sua participação através do Vínculo ao SUAS ( BRASIL,NOB/SUAS, 2005). No rumo da descentralização político administrativa, e na sua operacionalização, vem dialogando com as demais políticas sociais, tais como, a educação, habitação, saúde, transporte, desenvolvimento urbano, segurança alimentar e nutricional, dentre outras, respondendo também por parte dos direitos de crianças e adolescentes, e mais especificamente, tem interface com o Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE)17, na oferta de programas, projetos e serviços socioassistenciais à famílias e adolescentes em conflito com a lei, definido como (...) um subsistema dentro do Sistema de Garantia dos Direitos (SGD) que rege a política de proteção especial e de justiça, compreendendo aqui o atendimento ao adolescente autor de ato infracional desde o processo de apuração até a aplicação e a execução da medida socioeducativa. O SINASE se comunica e sofre interferência dos demais. (...) sistemas internos ao Sistema de Garantia dos Direitos (tais como saúde, educação, assistência social, justiça e segurança pública). Por isso, um dos principais conceitos definidos no documento que o apresenta é o da incompletude institucional que traz em seu bojo a ideia de integração das políticas na realização dos direitos dos adolescentes autores de ato infracional (SOUZA, 2008, p.19). O SINASE18, representado por um conjunto ordenado de regras, critérios, princípios de caráter político, jurídico e pedagógico, administrativofinanceiro, envolvendo todas as políticas, planos e programas específicos de 17 A natureza das medidas socioeducativas estão no âmbito do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei 8.069/90) e no SINASE – Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Resolução nº 119 do CONANDA, de 11 de dezembro de 2006) 18 O Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo-(SINASE), apreciado em plenária no Conselho Nacional dos Direitos da Criança e do Adolescente-(CONANDA), teve aprovada sua constituição em junho de 2006 (Resolução n.119 de 11/12/2006). O Presidente da República Sr Luiz Inácio Lula da Silva, em 09 de Agosto de 2006, prontamente instituiu na Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH), da Presidência da República, uma Comissão Intersetorial de Acompanhamento do SINASE, com a participação do CONANDA, do CNAS e de outros 12 ministérios e secretarias especiais para estudo, apreciação, e operacionalização da medida. 38 atenção ao adolescente em conflito com a lei, que são organizados em âmbito nacional, estadual, distrital ou municipal. Com base no princípio da “incompletude institucional”, o SINASE compreende a participação orgânica das políticas sociais para efetivar a proteção integral dos adolescentes em conflito com a lei. É de responsabilidade dos entes federados em todos os níveis de gestão, neste conjunto articulado de ações e competências, a concretização dos direitos humanos e sociais em cada campo de política social. Este desafio também é partilhado com a participação da sociedade civil, sujeito emergente nas ações de controle social, através dos Conselhos de Direitos e demais espaços institucionais de participação democrática. Trata-se de novos rumos técnicos e políticos no modo de gestão pública para a atenção aos adolescentes em conflito com a lei, que exige mudanças culturais profundas. Para tal é preciso adotar um conjunto de iniciativas, tais como: a capacitação continuada sobre a Doutrina Integral com temáticas específicas relacionadas à problemática do ato infracional e suas repercussões; o estabelecimento de fluxos, procedimentos, pactuações e protocolos conjuntos na perspectiva de aprimorar o sistema de atendimento socioeducativo, difundindo o conceito do respeito conjunto às atribuições e competência de cada sujeito envolvido. O SINASE reafirma a diretriz do ECA sobre a natureza pedagógica da medida socioeducativa, inspirada nos acordos internacionais sobre os direitos humanos do qual o país é signatário, em especial, a de crianças e adolescentes. Outrossim, ao priorizar as medidas em meio aberto, prestação de serviços à comunidade19 e liberdade assistida20, em detrimento das medidas As medidas socioeducativas de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), consiste “na realização de tarefas gratuitas de interesse geral, por período não excedente a seis meses, junto a entidades assistenciais, hospitais, escolas e outros estabelecimentos congêneres, bem como em programas comunitários ou governamentais”(ECA, art.117). As tarefas devem observar as aptidões dos adolescentes e cumpridas numa jornada máxima de oito horas semanais; de segunda a sexta, finais de semana ou feriados, não prejudicando a frequência escolar ou a jornada normal de trabalho. 20 A medida socioeducativa de Liberdade Assistida (LA), consiste, “no acompanhamento, auxílio e orientação ao adolescente por um orientador, pessoa capacitada designada por uma autoridade competente, podendo ser recomendado por entidade ou programa de atendimento. Pode ser fixada no mínimo em seis meses, podendo ser revogada ou substituída a qualquer tempo, ouvido o orientador. O orientador deve: orientar e inserir o adolescente em programas oficiais ou comunitários de auxílio e assistência social; supervisionar a frequência escolar, 19 39 privativas de liberdade (internação, semiliberdade), prioriza a diretriz prevista no ECA, sobre a municipalização da política de atendimento (ECA, art. 88, inciso I). A Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida determinada ao adolescente autor de ato infracional menos grave é aplicada por uma autoridade judicial, tendo, na figura do orientador, o responsável pelas ações de escuta, acolhida, encontros individuais e em grupos, as visitas domiciliares, as atividades programadas, o planejamento participativo com adolescente, o envolvimento da família, o monitoramento e inserção em serviços e programas da rede de serviços, a articulação com os demais integrantes do Sistema de Garantia de Direitos, até o encerramento da medida. A MSE é prevista como de competência, responsabilidade e execução municipal pelo ECA. As orientações do SINASE, como sistema integrado, articulado nos três níveis de gestão pública, privilegiam a municipalização na atenção ao adolescente autor de ato infracional, considera a intersetorialidade e a coresponsabilidade com família e a sociedade, em um diálogo direto com os demais integrantes do Sistema de Garantia de Direitos (SGD), tais como, o poder Judiciário e o Ministério Público,ou seja, O significado da municipalização do atendimento no âmbito do sistema socioeducativo é que tanto as medidas socioeducativas quanto o atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei devem ser executados no limite geográfico do município, de modo a fortalecer o contato e o protagonismo da comunidade e da família dos adolescentes atendidos (ABMP, 2006, p. 29). O contraponto para a redução da incidência do uso de medidas restritivas de liberdade se processará mediante a articulação de políticas intersetoriais em nível local, e a consolidação de redes de apoio nas comunidades; a regionalização das unidades de privação de liberdade, a fim de garantir o direito à convivência familiar e comunitária dos adolescentes em medida de internação até porque o aumento da aplicação de medidas de privação de liberdade não corrobora para a inclusão social dos egressos do sistema socioeducativo. diligenciar pela profissionalização e inserção no mundo do trabalho, e relatar o acompanhamento” (ECA, art. 112, inciso IV, art. 118 e 119). 40 O Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente (SGD) constitui-se na articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos humanos da criança e do adolescente, nos níveis Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Compete ao Sistema de Garantia dos Direitos da Criança e do Adolescente promover, defender e controlar a efetivação dos direitos civis, políticos, econômicos, sociais, culturais coletivos e difusos, em sua integralidade, em favor de todas as crianças e adolescentes, de modo que sejam reconhecidos e respeitados como sujeitos de direitos e pessoas em condição peculiar de desenvolvimento; colocando-os a salvo de ameaças e violações a quaisquer de seus direitos, além de garantir a apuração e reparação dessas ameaças e violações (SOUZA, 2008, p.19). Figura 01 - O SINASE e o Sistema de Garantia de Direitos de Crianças e Adolescentes Fonte: SINASE (ABMP, 2008, p.23) Os princípios e diretrizes previstos no ECA (municipalização da política de atendimento) sintonizados com a LOAS (descentralização políticoadministrativa), coadunam-se na consolidação dos instrumentos de gestão, coordenação, financiamento e execução das ações que propiciem a vivência dos direitos socialmente constituídos, em nosso estudo, a famílias e adolescentes em conflito com a lei. 41 Tomamos por base as contribuições de Souza (2008) e avançamos na compreensão de que há aspectos, características e elementos dessa semelhança que devem aproximar e potencializar os sistemas em seus objetivos finalísticos. Há desafios inerentes às políticas sociais, pois sendo nossa Constituição jovem, o modelo de proteção social também o é. O Quadro 1 abaixo pode evidenciar as aproximações do Sinase com a Política de Assistência Social. Quadro 1- Articulação do SINASE com o SUAS na municipalização de MSE em meio aberto Destaques A PNAS/ SUAS prevê articuladores 1. O ECA/ SINASE prevê Público Alvo A Proteção a Cidadãos/grupos independente No SUAS, o ambiente familiar de prévia contribuição, já é o primeiro a exercer a pelavulnerabilidade ou riscos função de proteção social que sociais, resultante de deve ser fortalecido, bem como fragilidades de vínculos o grupo familiar passa a ser familiares, comunitários ou sujeito da política de proteção societários. Dentre eles, o pelo Estado adolescente em conflito com a lei 2.Participação popular e controle social (artigo 204 da CF/88) Ambas operam o disposto constitucional através de conselhos deliberativos, tornando fundamental a relação entre ambos nas deliberações sobre o serviço de proteção social de média complexidade de MSE LA e PSC Proteção integral a crianças e adolescentes, e excepcionalmente jovens até 21 anos, em decorrência da prática de ato infracional. O CAS- Conselho de Os CDCA- Conselho Assistência Social, de Direitos da Criança instância deliberativa do e Adolescente, órgão sistema descentralizado deliberativo, formulador e participativo, delibera, controlador, nas três fiscaliza, tem de esferas de governo. composição paritária nas três esferas de governo (governo, trabalhadores, usuários, entidades prestadoras de serviços). O SINASE concretiza 3. Organização em sistemas O SUAS materializa direitos fundamentais, articulados direitos preza o princípio da Ambas se organizam em sistemas socioassistencias a incompletude articulados nas três esferas de governo. todos os cidadãos, em institucional, define E integram o SGD em suas todas as etapas da vida, diretrizes, especificidades. preza o princípio da recomendações, e incompletude responsabilidades para institucional, operada a organização do sob primazia do Estado. sistema, com foco no ACL . 42 O ECA, dá concretude ao art. 227 da CF/88, na organização da política pública que transversaliza as demais políticas sociais. No Suas, a proteção social é No ECA Proteção e 5.Proteção Especial hierarquizada em proteção defesa de direitos é Ambas prevêm a proteção Básica (preventiva e protetiva pela condição peculiar especial, podendo potencializar as situações de risco e de pessoa em ainda mais a execução das vulnerabilidades) e Especial, desenvolvimento. MSE no SUAS. esta última de média e alta Prioridade absoluta complexidade (nas situações de preferência na violações de direitos) formulação de políticas sociais e destinação de recursos. 6. Formas de Atendimento das No SUAS a competência pela O ECA prevê a MSE em meio aberto atenção é do CREAS- Centro responsabilidade dos Um grande desafio é a garantia de Referência Especializados órgãos do governo da instalação de CREAS de Assistência Social, operados que integram o mantendo a regionalização e pelo Serviços de Proteção sistema. e o SINASE proximidade geográfica do Social a Adolescentes em indica as diretizes. adolescente a seu meio, de cumprimentos de MSEs de LA forma a possibilitar o direito à ou PSC. convivência familiar e comunitária. 4. Organização da política pública Ambas no sistema de proteção social brasileiro estão consolidando seus campos e conteúdos de política pública. A PNAS 2004 organiza a política de proteção social não contributiva, ratificando a assistência social integrante do campo da seguridade social. 7. Prevalência dos Direitos Humanos. Ambas são regidas pelo fundamento da dignidade e defesa da condição e dos direitos humanos. Como política de proteção social a todos os cidadãos, baseia-se nos princípios universais dos direitos humanos. Como proteção integral a criança e adolescente baseiase nos princípios universais dos direitos humanos. Fonte: SOUZA (2008, p. 39-44) reelaborado pela pesquisadora em 2010. A partir da possibilidade que a articulação integrada cria, a condução intersetorial das ações unifica esforços e reproduz avanços, quer pelo impacto que a oferta e cobertura de serviços pode amealhar na redução dos indicadores e índices de reincidência dos atos infracionais, ou pela pressão que o conjunto das ações podem produzir nas condições de desproteções a que estão sujeitos as famílias e adolescentes em conflito com a lei. 43 2.1.2 A Municipalização de MSE no campo da Assistência Social O Estado de São Paulo aprovou pela Lei Estadual 12.469 de 22/12/2006 a mudança de denominação da FEBEM/SP para Centro de Atendimento Socioeducativo ao Adolescente (Fundação CASA), subordinada à Secretaria de Estado da Justiça e Defesa da Cidadania. Neste ano, estava em curso e norteada pelo SINASE, o processo de municipalização de MSE em meio aberto, e estabelecido convênio com 21 prefeituras em Junho/06, com supervisão, assessoria técnica e suplementação financeira para o atendimento do programa de medida de liberdade assistida. A trajetória desta municipalização na Região do Grande ABC, composta por 07 (sete) municípios (Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra), foi vinculada à Unidade do Posto Grande Sul, criada pela Portaria 078, de 30 de Janeiro de 2004 da ex-FEBEM, como mecanismo descentralizado de execução do atendimento da liberdade assistida na região. Este Posto, em 1989, contava com 01 coordenador, 01 monitor e 01 funcionário do setor administrativo. Além do atendimento ao ACL, atendia as famílias e aos “casos da comunidade encaminhados pelo poder judiciário local e da capital, atuando com subsídios para as situações de decisão judicional, quanto à desinternação” (FUNDAÇÂO CASA, 2010, p.43). Houve iniciativas de descentralização do atendimento em espaços cedidos pela municipalidade nos municípios de São Bernardo do Campo, Diadema, Mauá; em 1995, ocorre a cessão de espaço nas dependências da Divisão Estadual de Assistência Social (DAR/Grande Sul), data desta época a proximidade com o debate sobre a LOAS, a participação nos encontros preparatórios e conferências municipais e o diálogo sobre a atuação dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente (CMDCA) e Conselhos Tutelares da Região. Em 1997, a 44 FEBEM, via Posto Sul, celebra o primeiro convênio com ONG´s, para o atendimentos de 100 (cem) adolescentes em LA. A partir da mobilização regional dos Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, de militantes dos movimentos de defesa, de organizações sociais, participantes no Consórcio Intermunicipal da Região do Grande ABC, surge em 1997 o Movimento Criança Prioridade Um, com o objetivo de articular debates, encontros e estudos regionais, de propostas e metas prioritárias de políticas públicas atendendo aos direitos de crianças e adolescentes e, nesse movimento, a questão do adolescente em conflito com a lei ganhou força. O final da década de 1990 destaca-se por várias iniciativas que fortaleceram na região o debate sobre o art. 88 do ECA: a municipalização do atendimento. Um deles foi o encampado pela Câmara Regional do Grande ABC21, quando da assinatura do primeiro acordo com os sete municípios para implementação da medida socioeducativa de Prestação de Serviços à Comunidade, a reestruturação metodológica da antiga FUBEM, hoje denominada Fundação Criança em São Bernardo do Campo, a instalação em 1998, da Vara da Infância e Juventude de S. B. do Campo, em 1999, em Santo André, o que veio agilizar processos até então ligados à Vara do Júri e Execuções Criminais. No inicio da década de 2000, em Santo André, sem a devida municipalização e deliberação do CMDCA, ocorre o atendimento indireto da MSE de LA, através de convênio da FEBEM com uma Organização Social. Os anos de 2003-2005 foram de releituras, negociações, assessoria técnicoadministrativa e normatização de procedimentos e pactuações entre o Posto Grande Sul e os municípios, com o intuito de fortalecer a perspectiva da municipalização. Em 2006, o processo de municipalização estabelecido pela Fundação CASA desencadeia por meio da portaria GP 225/06 de 15/03/2006, o lançamento do Caderno de Gestão, que figura como orientação básica para procedimentos, fluxos aos executores das medidas em meio aberto. Na Região do ABC, ocorre na cidade de Mauá a instalação da primeira Unidade de Internação - a Casa Mauá. 21 Compõe a Região do ABCDMRR, os municípios de Santo André, São Bernardo do Campo, São Caetano do Sul, Diadema, Mauá, Ribeirão Pires, Rio Grande da Serra. 45 Os anos de 2006-2009 foram de intensa mobilização com amplas discussões, capacitações, e parcerias no âmbito regional. Os municípios promoviam a implantação dos CRAS, do CREAS e debatiam o SINASE, ora pelo chamamento dos Conselhos Municipais de Assistência Social e Conselhos Municipais de Direitos da Criança e do Adolescente, ora pelo chamamento do Posto Grande SUL, e, pelo Consórcio Intermunicipal do Grande ABC, ora pelos municípios, reforçando as articulações sobre as metas para a municipalização das medidas em meio aberto e o debate sobre o modelo das unidades regionalizadas de meio fechado (internação, semiliberdade e internação provisória). Este processo, segundo a Fundação CASA (2010, p.47) culminou com a assinatura dos Termos de Cooperação Técnica com as respectivas prefeituras, na municipalização das MSE nos municípios de São Caetano do Sul (01/09/2007), no município de Mauá (01/03/2008), em Santo André (01/07/2008), e no município de Ribeirão Pires (01/10/2008), sendo as unidades administrativas responsáveis pela política de assistência social local, as gestoras das atenções municipalizadas das MSE em meio aberto. A passagem definitiva das atribuições, competências, responsabilidades do Estado quanto à execução direta das MSE em meio aberto foi finalizada no âmbito dos municípios da Região do ABC a partir de Janeiro de 2010. O ano de 2008 marcou o início da transição das medidas socioeducativas em meio aberto, envolvendo a Frente Paulista dos Municípios (fórum de gestores da Assistência social), a Fundação CASA e a Secretaria de Estado de Assistência e Desenvolvimento Social (SEADS). Um projeto piloto, envolvendo 13 municípios em 2009 da Região do Posto de Presidente Prudente, foi assinado com a SEADS/Fundação CASA, avaliando a dinâmica do serviço e do atendimento, as adequações e normativas aprovadas pelo SUAS e indicadas pelo SINASE. A partir de 2009, este processo foi expandido a vários outros municípios, a partir dos debates e deliberações efetivados pelos Conselhos de Assistência Social e gestores locais, culminando em 2010 com a municipalização das MSE no âmbito municipal da região. Viabilizada a forma de gestão proposta pela LOAS, no artigo 6º do Capítulo III, que prevê um sistema descentralizado e participativo, com participação popular, autonomia da gestão municipal, divisão de responsabilidades e de co-financiamento entre as três esferas de governo e da 46 sociedade civil, introduziu-se um novo olhar sobre a realidade que vive o demandatário da proteção social, no chão dos territórios de vida, nos municípios, que do ponto de vista federal, são a menor escala administrativa governamental. Na perspectiva da PNAS, tornou visível os invisíveis, e adotou três vertentes para a construção da proteção social: as pessoas, as circunstâncias e o primeiro núcleo de apoio, a família. Os elementos que configuram as territorialidades das desigualdades sociais a que estão expostas estes sujeitos, permitem como dissemos anteriormente, conhecer riscos e vulnerabilidades inerentes ao ciclo de vida; as necessidades, mas também as potencialidades e ou capacidades para as autonomias e sua proteção; identifica forças e não somente fragilidades, ausências e perdas que as situações e condições de vida possuam. Neste sentido, a PNAS e o SUAS alteraram conceitos, estruturas organizativas e a lógica de gestão, com controle das ações consolidando um sistema, uma gama de ofertas contínuas sistemáticas em rede integrada, com padrões pactuados de atendimentos, protocolos, planejamento, financiamento e avaliações de seus impactos compuseram esta rede articulada de proteções: básica e especial e em ações operacionalizadas, através de unidades públicas estatais, como os Centros de Referências de Assistência Social (CRAS) para a proteção básica; e para proteção especial, os Centros de Referência Especializado de Assistência Social (CREAS), e vem neles executando serviços22, programas23 e projetos24, benefícios25 ao alcance das famílias e dos adolescentes em conflito com a lei. 22 Definidas pelo art. 23 da LOAS, serviços são atividades continuadas voltados ao atendimento de necessidades básicas, ordenados em rede e previsto na PNAS, dentro dos níveis de proteção básica, e especial, de alta e média complexidade. 23 Definidos pelo art.24 da LOAS, programas são ações integradas e complementares, com objetivo, tempo e área de abrangência, caracterizadas como ações não continuada. 24 Definidos pelo Art. 25 e 26 da LOAS, projetos, são ações com investimento socioeconômicos, dirigidos a grupos populacionais em situação de pobreza, como meio de melhoria das condições sociais ambientais, organização, subsistência dentre outras. 25 Definidos no art.22 da LOAS, se distinguem em três modalidades: o BPC (01 salário mínimo a idosos e pessoas com deficiência), os eventuais (auxílios para vulnerabilidade temporária e emergencial), e os de transferência de renda (possibilita autonomia de renda a famílias e indivíduos), todos possibilitam a segurança de renda, com repasse diretos de recursos financeiros às pessoas para atendimento de privações e necessidades sociais . 47 Ascende à cena o CREAS, unidade pública de abrangência municipal ou regional, de atendimento especializado de assistência social, no âmbito da proteção social especial, que operacionaliza os serviços de proteção a indivíduos e famílias vítimas de violências, maus tratos e outras formas de violação de direitos, cabendo-lhe a articulação de seus serviços integrando suas ações às outras políticas sociais na perspectiva da proteção social. Recentemente, o CNAS aprovou a Resolução 109/2009, instituindo a Tipificação Nacional de Serviços Socioassistenciais, um marco na política de assistência social, para a padronização dos serviços. Quanto a atenção específica ao adolescente em conflito com a Lei, a Tipificação definiu o Serviço de Proteção Social a Adolescentes em Cumprimento de Medida Socioeducativa de Liberdade Assistida (LA) e de Prestação de Serviços à Comunidade (PSC) em consonância com o ECA e o SINASE, garantidas dentre outras as seguintes atenções: Prover atenção socioassistencial e acompanhamento do ACL no cumprimento das MSEs em meio aberto, contribuindo para o acesso direitos e sua resignificação de valores na vida pessoal e social, com foco na responsabilização face ao ato infracional e observância aos direitos e obrigações assegurados em legislação específica quanto as MSE. Elaboração do Plano Individual de Atendimento (PIA), com a participação do adolescente e sua família, o acompanhamento é sistemático e contínuo, visa monitorar os objetivos e metas traçados e alcançados no percurso do cumprimento da MSE. Monitorar a inserção em outros serviços e programas socioassistenciais e de políticas públicas setoriais, ampliação do universo informacional e cultural. Contribuir e criar condições de construção/reconstrução de projetos de vida, para autonomia, autoconfiança e reflexão, desenvolvendo habilidades e competências que oportunizem rupturas com a prática do ato infracional. Fortalecimento dos vínculos afetivos e sociais e da convivência familiar e comunitária (BRASIL, MDS, 2009). Dentre os impactos sociais previstos, merecem destaque a proposta de contribuir para a redução da incidência da prática do ato infracional, da redução do ciclo da violência a que estão sujeitos e de ter fortalecido os vínculos familiares e comunitários. A perspectiva da padronização dos serviços socioassistenciais, com vistas ao alcance da unidade na oferta e garantia deste direito aos seus usuários, prevê o modo como as seguranças sociais devem ser ofertadas, a saber: 48 a) Acolhida: expressando necessidades e interesses, em ambiente acolhedor e possibilitador da expressão e do diálogo; b) Convívio e Vivência Familiar, Comunitária e Local, com acessos a serviços, e políticas públicas que se fizerem necessárias; c) Desenvolvimento de autonomia individual, familiar e social: pelas vivências pautadas pelo respeito a si e aos outros, com acesso a informações sobre direitos sociais, civis, políticos, em ambiente provedor de lidar construtivamente com potencialidades e limites, expressão de opiniões, diálogos, reflexões e mediações. Um dos grandes desafios para os gestores que operam as atenções aos ACL e a efetivação do SINASE é o difícil caminho da redução da incidência das medidas de privação de liberdade aos adolescentes em ato infracional, potencializando meios e estratégias que fortaleçam o convívio familiar e comunitário, a melhoria das condições de acesso e inserção dos adolescentes nas diferentes políticas sociais em seus territórios de moradia, reduzindo as demandas que propiciem a reincidência em atos infracionais. Para isso, os dados publicados recentemente pela Sub-Secretaria Nacional da Promoção dos Direitos da Criança e Adolescentes (SNPDCA/SDH/PR), que realizou o Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei em 2009, balizam elementos de nossa análise, considerando que há adolescentes em nossa pesquisa que relatam sua passagem pelo regime de internação e o quanto foi relevante esta experiência (internação) em suas vidas e na vida de suas famílias Os dados computados são relativos às informações quantitativas sobre adolescentes do sexo masculino e feminino em cumprimento de medidas socioeducativas de internação provisória, de internação e de semiliberdade. O estudo apresentou o total de adolescentes cumprindo medidas socioeducativas de internação, semiliberdade e de internação provisória no Brasil que é de 16.940 adolescentes custodiados pelo Estado, sendo 11.901 adolescentes na internação, seguidos de 3.471 na internação provisória e de 1.568 em cumprimento de semiliberdade, de ambos os sexos. Um dado complementar corresponde aos 916 casos tipificados como “outras” razões, 49 que correspondem a adolescentes com medidas de internação-sanção (pelo descumprimento das medidas de meio aberto) e a presença de medida de proteção, tomadas para custodiar adolescente com pernoite ou situação de abrigo temporário. Outro dado interessante da pesquisa foi a verificação de que dos 16.940 adolescentes em privação de liberdade, 96% são do sexo masculino, e somente 4% ou seja, 640 adolescentes são do sexo feminino. Quadro 2 - Cenário das Medidas Privativas de Liberdade no Brasil (2009) Internação(a) Região Masc Fem Total Inter. Provisória(b) Semiliberdade( c) Masc Fem Masc Total Sub total Outra Total * 377 a+b +c+d 8819 fem Total Sudeste 5912 248 6160 1386 83 1469 766 47 813 A+b+c 8442 S.P* 4567 202 4769 913 44 957 472 28 500 6226 280 6506 Nordeste 2338 89 2427 832 50 882 306 20 326 3635 353 3988 Sul* 1654 58 1712 510 34 544 199 20 219 2475 137 2612 C. Oeste 833 33 866 333 10 343 92 0 92 1301 34 1335 Norte Total 17 19 736 217 16 233 113 5 118 1087 15 1108 3471 17.856 11454 447 11901 3278 193 1476 92 1568 16940 916 Fonte: Levantamento Nacional do Atendimento Socioeducativo ao Adolescente em Conflito com a Lei. SNPDCA/SDH/PR, 2009. *São Paulo em destaque. *Santa Catarina considerou como "Outras Situações" adolescentes em permanência em "Clínicas Socioterapêutiicas” Dentre os dados apurados, podemos constatar que a dimensão do Estado de São Paulo se reflete também no número de adolescentes de ambos os sexos privados de liberdade. No país, a Região Sudeste figura com 49% (8.819) do total de 17.857(100%) de adolescentes em privação de liberdade, distribuídos da seguinte forma: a) maior incidência de 52% (6.160) para internação; b) 42%( 1.469) adolescentes em internação provisória e c) 52% (813) adolescentes em semiliberdade, nas situações “outras” encontramos 42% (377) adolescentes. Interessante observar que no Estado a equivalência das MSE de internação e semiliberdade se assemelham em percentual, mas, quando se trata de MSE de internação ela se sobressai em relação às demais regiões da país. Destacamos o Estado de São Paulo pela relevância de sua participação no cômputo geral dos dados e também pela direção que os dados apontam 50 quando se trata da privação de liberdade a adolescentes. Observamos que SP, figura com 36% (6.506) sobre um total de 17.857 (100%) adolescentes apurados, distribuídos em: 40% (4.769) em MSE de internação; na MSE de internação provisória aparece com 28% (957) e na MSE de semiliberdade 32% (500); novamente a proximidade dos dados entre as MSE de internação e semiliberdade são semelhantes às apuradas na região Sudeste. Ressalvado o fato de que a Região Sudeste comporta os estados mais prósperos do país, São Paulo tem a predominância das situações se comparada à região Nordeste com todos os seus estados. O Levantamento Nacional demonstra que apesar de o Estado de São Paulo deter o maior número de adolescentes em privação de liberdade, este índice tem decrescido substancialmente no estado se comparada sua incidência no cenário nacional. Isto porque o aumento de roubos e tráfico de drogas, com consequente aumento na aplicação das medidas privativas de liberdade aos adolescentes envolvidos, apresenta um percentual acima de 50% de crescimento nos Estados fora do Eixo Sul/Sudeste com destaque ao aumento encontrado nos Estados das Regiões Norte (RR) um aumento de 114,3% nas internações provisórias, Nordeste (AL), aumento de 81% nas medidas de internação, e Região Sudeste (ES) com aumento de 266,6% nas internações de semiliberdade contra um aumento em SP de 18,5% na mesma modalidade Este fenômeno, indicativo da interiorização da violência, tem se expandido a outras regiões do país, expressado pelos dados no Brasil, com o aumento de roubo, furtos e tráfico de drogas envolvendo cada vez mais jovens e adolescentes em idade inferior aos dezoito anos. O estranhamento destas duas categorias (interiorização da violência e envolvimento de adolescentes) vem desencadeando pressão por parte de segmentos da sociedade, por medidas mais restritivas, como as medidas socioeducativas de privação de liberdade, e tem se expandido para além do observado nos Estados dos grandes pólos Sul/ Sudeste, com a expressiva descentralização aos estados do eixo Norte/Nordeste. Esta pressão social poderia ser explicada pelo aumento dos municípios envolvidos no processo do cumprimento da municipalização das medidas em meio aberto? Talvez. Pode ser que as autoridades judiciárias competentes 51 destes municípios estivessem buscando medidas mais brandas para os adolescentes e por isso utilizando-se menos das medidas de internação? Talvez. Pode ser que a ação da Defensoria Pública esteja repercutindo positivamente em seu trabalho de defesa técnica e com isso interferindo na redução do número de medidas de internações? Este fenômeno social da interiorização da violência também foi constatado por Julio Jacobo Waiselfisz em seu Mapa da Violência no Brasil 2010, apresentado pelo Instituto Sangari, que apresenta na análise sobre os homicídios no Brasil, Estados, Municípios e Regiões Metropolitanas, a dimensão do fato para a população infanto-juvenil e adulta jovem. Até o início da década analisada, os pólos dinâmicos da violência, isto é, o crescimento da espiral homicida, centravam-se, primordialmente, nas capitais e nas grandes regiões metropolitanas do país. Mas, a partir de meados da década passada, o crescimento da violência nas capitais e grandes metrópoles estagna ou vira negativo, enquanto as taxas globais continuam a crescer, ao menos, até 2003. Isso nos indica que os pólos dinâmicos da violência mudaram, em nosso caso, para os municípios do interior Essa mudança de eixo não significa que os números ou as taxas de homicídio do interior superam as dos grandes centros urbanos. Significa, simplesmente, que o crescimento dos homicídios, sua expansão, concentra-se agora em municípios do interior dos estados. (...) investimentos nas capitais e nas grandes regiões metropolitanas declaradas prioritárias a partir do novo Plano Nacional de Segurança Pública, de 1999, e do Fundo Nacional de Segurança, instituído em janeiro de 2001, (...) foram canalizados recursos federais e estaduais, principalmente para aparelhamento dos sistemas de segurança pública nos grandes conglomerados. Isso dificultou a ação da criminalidade organizada, que migrou para áreas de menor risco. E em terceiro lugar, a melhoria na cobertura dos sistemas de coleta de dados de mortalidade, principalmente no interior do país, diminuiu a subnotificação existente nessa área. Em outras palavras, fenômenos que antes não eram registrados, passam a incidir nas estatísticas. Dessa forma, começam a se tornar visíveis, nos Mapas da Violência georreferenciados, constelações de municípios do interior com elevadas taxas de homicídios que superam, muitas vezes com folga, os níveis de violência captados nas capitais ou nas regiões metropolitanas (WAISELFISZ, 2010, p.127). Ainda, segundo o Mapa da Violência, essas “constelações de Municípios” (expressão do fenômeno da interiorização), com elevados níveis de violência nas taxas de homicídios praticados contra adolescentes e jovens adultos, apresentam características similares quando comparadas aos índices de privação de liberdade provenientes dos atos infracionais praticados por adolescentes, nas cidades interioranas, a saber, 52 - Os novos Pólos de Crescimento no Interior com a consolidação, durante a década de 1990, de um processo de desconcentração econômica, dos grandes centros para a periferia do Estado, a guerra dos incentivos fiscais, a busca redução nos custos com a mão de obra, fez emergir novos atrativos de investimentos, trabalho, migrações; e também, diante das deficiências da presença do Estado e da Segurança Pública, o aumento da criminalidade e da violência. - Outra característica foi a qualificação dos chamados Municípios de Fronteira e Turismo sexual, municípios de pequeno e médio porte que, por sua localização em orla marítima, fronteira internacional, rota de transporte intraurbana e intermodal, institucionalizam fluxos de elevada violência, violação de direitos, com a presença de grandes organizações de contrabando de produtos, armas, pirataria e tráfico de drogas, turismo sexual nacional e internacional. Estas novas reconfigurações da violência homicida ou infracional demandam, ainda, ações específicas do Estado, não só na área da Segurança Pública, mas também, e fundamentalmente, no plano econômico-social, até porque todas essas configurações representam circunstâncias que integram os interesses das populações locais, ao perceber que este modo de existência e subsistência está envolvendo cada vez mais jovens e adolescentes. Consideremos que o período de 1997 a 2007 constituiu-se uma década atípica na história recente da violência no país. Primeiro pela disponibilização de dados, por exemplo, do Ministério da Saúde, sobre a mortalidade. 26 Até 2003 , os índices de homicídio foram crescendo com assustadora regularidade, a uma taxa que superava a casa de 5% ao ano. A partir desse ano e, com algumas oscilações, as taxas de homicídios mostram uma tendência declinante inédita no país (IPEA, 2009, p. 38). 26 O Estudo Mapa da Violência dos Municípios de 2008 produzido pela Rede Informação Tecnológica Latino America (Ritla), Instituto Sangari e os Ministérios da Justiça e Saúde, mostrou que o número de homicídios no país a partir de 2003 caiu 8,5% de 2003 a 2006. Mesmo assim, foram 46.660 homicídios em 2006, o que corresponde a uma taxa duas vezes superior ao padrão mundial. Entre a população jovem de 15 a 24 anos, a queda foi de 13%. Nielsen, Annie. Criminalidade avança pelo Interior. In Revista Desafios do Desenvolvimento, Ano 6, no. 52,BRASIL: IPEA, 2009,(p. 38-43). 53 O estudo apresenta dois fatores interdependentes como justificativa: 1) o Estatuto do Desarmamento27 e a Campanha de Desarmamento nos idos 2003/04; 2) O sucesso de políticas estaduais de segurança pública, focadas preferencialmente nas capitais e regiões metropolitanas, com indicadores de retração nacional dado o alcance dos resultados que SP, MG, RJ28 representam, segundo o Estudo, indicadores nacionais observados, como o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), quando em alta tendem a apresentar queda leve nas taxas de homicídios. Diferentemente dos dados que o PIB per capita, (indicador de riqueza ou pobreza de um país) ou o Índice de Renda do IDH, que representam de média a expressiva condição para a redução dos homicídios juvenis e adultos jovens respectivamente. Assim, vale avaliar o quanto as políticas públicas podem representar e alterar as vias de acessos a direitos sociais básicos como educação, saúde, habitação, trabalho, assistência social, segurança pública, sejam nas esferas estaduais e municipais. Uma revisão das políticas de combate e enfrentamento a violência, com a promoção de estratégias políticas que articulem esforços dos três níveis de gestão do Estado e estimulem a inclusão social de jovens e negros29, principais vítimas dos efeitos da violência, pois quando não os priva de liberdade, mata-os. 27 O Estatuto do Desarmamento (2003),torna mais rígidas as penas por porte e/ou posse de armas de fogo.Campanha do Desarmamento (2004), retira armas de circulação pela entrega voluntária com contraprestação financeira.Um exemplo foi o município de Diadema(SP), que recolhia em escolas, praças ,creches e locais públicos armas de brinquedo, como ação preventiva e educativa direcionada as crianças, adolescentes e suas famílias, a troca se dava por brinquedos, revistas educativas, e palestras com a Guarda Civil Municipal. 28 A partir de 2003, começa a evidenciar uma tendência de queda em suas taxas, que vêm declinando de forma lenta, mas sistemática, a partir dessa data. Não devemos esquecer que esses três estados representavam, no ano 2000, 41% da população e 55% dos homicídios cometidos naquele ano. É obvio que qualquer alteração nesses estados, pelo seu peso, deverá ter visível repercussão nas taxas nacionais (WAISELFISZ, 2010, p. 142). 29 A categoria Negro aqui utilizada resulta do somatório de pretos e pardos usado pelo IBGE. A fonte de dados para população por raça ou cor é a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios – PNAD, do IBGE, que coleta esses dados por auto classificação do entrevistado, que escolhe uma entre cinco opções: branca, preta, parda, amarela ou indígena.. “Um primeiro dado que impressiona pela sua crueza é a recente evolução da vitimização negra: Em 2002, o índice nacional de vitimização negra foi de 45,8%, nesse ano, no país, morreram proporcionalmente 45,8% mais negros do que brancos; só dois anos mais tarde, em 2004, esse índice pula para 73,1 (morrem proporcionalmente 73,1% mais negros do que brancos), em 2007, surge um novo patamar: morrem proporcionalmente 107,6% mais negros do que brancos, isto é, mais que o dobro” (WAISELFISZ, 2010, p.116). 54 As orientações previstas pelo SINASE, dando concretude ao ECA, ainda são motivos de zelo e perseverança em sua defesa. Encontramos alguns exemplos concretos apresentados no Levantamento Nacional (2009). Primeiro, com relação ao conjunto das unidades de privação de liberdade já existentes, quanto à construção de pequenas unidades, em detrimento dos grandes complexos: observou-se que antes da aprovação do ECA (1990), foram construídas 8% de unidades de recepção de adolescentes privados de liberdade; após a implantação do ECA tivemos 92% das unidades construídas e operando. Segundo, um avanço na superação de instalação de grandes complexos, a partir do SINASE, considerando a dimensão estrutural da unidade com a proposta pedagógica. A qualificação para a “individualização do atendimento” direta ou indiretamente tem privilegiado o caráter pedagógico no lugar do caráter contencioso, resquício da doutrina menorista ainda instalada no país. Todavia, após a formulação e aprovação pelo CONANDA do SINASE foi constatada pela pesquisa o fato de que 15% de unidades construídas já obedeciam a orientação de unidades de pequeno porte30. Outro dado relevante refere-se a lotação das unidades de internação: constatamos a superlotação, registrada nas regiões do Nordeste e Sul, com 63,8% e 51,7%, respectivamente seguida pela Região Sudeste com 41,3% de unidades fora do padrão estabelecido pela normativa em vigor. Este relatório apontou irregularidades relacionadas a graves violações de direitos, como ameaça à integridade física de adolescentes, violência psicológica, maus tratos e tortura, passando por situações de insalubridade, negligência em questões relacionadas à saúde. O comprometimento dos direitos processuais de acesso à justiça dos adolescentes privados de liberdade, a permanência em internação provisória por até 45 dias, a ausência de Defensorias Públicas e de Núcleos Especializados da Infância e Juventude. A operacionalização do SINASE, ainda está caminhando a passos lentos, mas com resultados positivos, a partir da mudança conceitual, de desenho e na 30 O SINASE aponta referências e parâmetros arquitetônicos para a construção das unidades de internação, para unidades de semiliberdade (até vinte adolescentes), para unidades de internação provisória obedece o aprovado na Resolução no. 46/96 do Conanda: “Art. 1º Nas unidades de internação será atendido um número de adolescente não superior a quarenta” adolescentes. 55 implementação do modelo de atenção aos ACL, além da expressiva participação da sociedade, impulsionando a ruptura da cultura da institucionalização e das violações de direitos. Na mesma linha, fundamental avançar em outras frentes de trabalho, voltadas à implementação da Resolução 119/2006, do CONANDA, que constitui os parâmetros para a estruturação do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (SINASE); o que passa, dentre outras ações, pela aprovação do PLC 134/2009, que institui e regulamenta esse sistema, o cumprimento dos compromissos constantes da 3ª Edição do Plano Nacional de Direitos Humanos (PNDH 3), e ações de defesa das posições garantistas de direitos humanos de adolescentes em conflito com a lei; como a postura intransigente contra as propostas de redução da maioridade penal em trâmite nas casas legislativas do Congresso Nacional – ações a serem desenvolvidas por todos nós (BRASIL/SEDH, 2010, p.13). 2.1.3 O adolescente em conflito com a lei no ECA É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público, assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária (ECA, 1990, art. 4º). Tanto a CF/88 quanto o ECA/90, corroboram a compreensão de que é dever da família, da comunidade e da sociedade em geral e do poder público, assegurar com absoluta prioridade, que nenhuma criança ou adolescente será objeto de qualquer forma de negligência, discriminação, exploração, crueldade, violência, e opressão, já que o princípio da proteção integral, previsto na destinação social da lei respeita a condição peculiar de criança e do adolescente como pessoa em desenvolvimento. Os instrumentos legais, socialmente construídos, são o retrato histórico de uma dada época e das relações que os homens estabelecem para o convívio em sociedade. Relações concretas que comportam antagonismos, ambiguidades, conflitos de interesses e contradição de classes. A lei expressa legitimidade, ordena e regula as sanções aos sujeitos para a convivência em harmonia e preservação da paz social expressando assim os princípios da igualdade a partir das referências que a sociedade tem dos direitos e deveres dos cidadãos e do que entende como bem-estar. 56 A compreensão sobre os direitos e deveres de adolescentes que cometem atos infracionais nem sempre foram consensuais, o contexto histórico de cada época estabeleceu limites sobre a maioridade penal. O próprio caráter que o doutrinador impôs ao critério da imputabilidade observa e presume que aos dezoito anos, salvo exceções, a pessoa já reúne condições e discernimento de idealização do certo e errado constituído socialmente. Estabelecido nos dezoito anos o limite para a maioridade penal, ocorreram investiduras no intuito de ser imputável o adolescente de dezesseis a dezoito anos que se revelasse suficientemente desenvolvido psiquicamente e entendesse o ato ilícito que cometeu. Desde a institucionalização da inimputabilidade dos dezoito anos, o conceito da periculosidade sempre rondou crianças e adolescentes. A ênfase maior ainda recai sobre os filhos da classe trabalhadora desprovidos da condição de inserção regular no sistema produtivo, salvo a indivíduos doentes mentais ou portador de deficiência O avanço significativo da implementação do ECA vem sepultando o modelo menorista do Código de Menores (1979) para o atendimento do ato infracional. O recolhimento e a tutela de “menores” como processos adequados de reeducação e ressocialização no início da segunda metade do Século XX, objetivava a reintegração social do infrator no seio da sociedade. O processo de marginalização à época considerava o forte impacto do êxodo rural provocado pela expansão da vida industrial e a urbanização desenfreada, inexistência de serviços básicos como saúde, educação, recreação e segurança social. A desqualificação profissional e a diversidade cultural destes camponeses foram motivos alegados para a rápida expansão do trabalho precoce de crianças e a exposição ao vício e delinquência, o que deu origem a programas de prevenção desenvolvidos nas comunidades e voltados ao atendimento e assistência às famílias marginalizadas. Apenas em 1964 é que o problema do menor passa a receber um estatuto de problema social, devendo ficar submetido aos preceitos da ideologia de segurança nacional. Passa a não ser mais objeto somente de entidades privadas e alguns organismos governamentais para se enquadrar “aos objetivos nacionais explicitados na Política Nacional do Bem Estar do Menor (PNBEM), cuja responsabilidade passa a ser da Fundação Nacional do Bem Estar do Menor” (QUEIROZ, 1987, p.32) . 57 A necessidade de modernizar e aprimorar os mecanismos do sistema de atendimento ao infrator31 culminou em 1964 com a criação da Fundação Nacional do Bem-Estar do Menor (FUNABEM)32, que quando instituída tinha por objetivo: formular e implantar a política nacional de bem-estar do menor, “mediante o estudo do problema e planejamento das soluções, a orientação; coordenação e fiscalização das entidades que executem essa política” (art.5); previa como competência do Conselho Nacional gestor, assegurar com prioridade a execução de programas para integração do menor à sua comunidade, com assistência na própria família ou a possibilidade de inserção em lares substitutos (art.6, inciso I). Estabelecia parâmetros para os acordos e convênios com Estados e municípios, bem como com entidades públicas ou privadas (art. 14). Foi orientadora nacional para a instituição de Fundações Estaduais33 de mesmo caráter (FEBEM´s). A noção de ressocialização utilizada pela FUNABEM, tinha por objetivos: a humanização da passagem na instituição com a visão de que não bastava 31 Assim denominado à época. A FUNABEM Foi criada pela Lei Federal 4513 de 01/12/1964, substituta do Serviço de Assistência ao Menor - SAM antes instituído pelo Decreto Lei no. 3.779 de 1941, vinculada ao Ministério da Justiça; fundação pública de direito privado, autônoma administrativa e financeiramente (art.2º), sendo alterada pela LEI 4.884 - 09/12/1965, altera os art. 18; 23 E 26 e revoga o parágrafo. unico do art. 17, LEI 5.594 - 21/07/1970: altera arts. 12 E 23,LEI 8.029 12/04/1990: revoga art. 5 e altera denominacão p/ FCBIA, lei revogada pela Lei 8069 LEI 8.069, de 13/07/1990 (ECA). Conviveram dois órgãos centrais (LBA e FUNABEM) responsáveis pela formulação e execução da política federal da assistência social até sua extinção em 1995, porém gestados de forma centralizada e superposta, isolados entre si. Essa convivência paralela foi intercalada por momentos de aproximação e distanciamento entre os dois órgãos federais. Ao passo que a LBA se manteve vinculada durante 25 anos a um mesmo órgão superior (o Departamento Nacional da Criança, do Ministério da Saúde, entre 1942 e 1967), transitou por 4 diferentes ministérios no período de 1967 a 1989. Depois desse período histórico, mantêm-se vinculados ao Ministério da Ação Social, renomeado posteriormente como Ministério do Bem-Estar Social, até a extinção de ambos em 1995 (GOMES, 2008, p.28). 32 33 1) A FEBEM de SP foi estruturada em 1976, pelo então presidente da FUNABEM, Dr. Mario Altenfelder a convite do Governador Paulo Egídio, colocando efetivamente em prática pela Secretaria de Promoção Social do Estado. Seu primeiro presidente foi o Dr. João Benedito de Azevedo Marques. A centralização dos programas de atendimento ao adolescente infrator reconhece definitivamente que o “problema do menor” é uma questão de Estado (QUEIROZ, 1987, p.32-33). 2) O percurso da FUNABEM como fundação pública de direito privado nos idos de 1964, deu origem a inúmeras outras fundações que são ativas até nossos dias. O município de Santo André/SP, nosso território de trabalho de campo neste trabalho, instituiu no mesmo caráter a Fundação de Promoção Social –PROSSAN -, com a competência de planejar, executar, fiscalizar a política de assistência social e do bem estar de crianças e adolescentes até 1997, quando criou a Secretaria Municipal de Cidadania e Ação Social (dentro do que preceitua a LOAS). 58 castigar o individuo, mas, orientá-lo para que ele pudesse ser reintegrado à sociedade de maneira efetiva, evitando com isso a reincidência; orientar quanto ao cumprimento e a execução da medida de maneira tal que pudesse conferirlhe alguma utilidade; manter projetos de educação e profissionalização orientada pelo princípio de que o preparo profissional e a qualificação eram condicionantes para o combate à marginalização. Estes programas se mostraram ineficazes diante da orientação e prática repressiva e assistencialista, aumento da demanda observada pelo aumento do surgimento de unidades de internação de varias matizes, pela superlotação nos formatos institucionais de atendimento (de gestão direta ou conveniada) de recepção, triagem e educação destas unidades de internação. Em suma, este processo “não significou solução ou mesmo controle do problema do menor infrator” (QUEIROZ, 1987), mas deixou como resultado a especialização técnica de recursos humanos voltados ao atendimento do “menor”, a modernização do atendimento nas unidades institucionalizadas, o aprimoramento da gestão do Estado com adoção de técnicas sofisticadas de gerenciamento. O discurso competente da institucionalização não correspondeu à verdade, pois não foi suprimido o caráter repressivo e de punição, instado na disciplina e na ordem. Não garantiu o processo de ressocialização dos “menores”, nem sua reintegração à sociedade. A inserção na dinâmica do sistema produtivo da grande parcela da população mais empobrecida da sociedade, de 20 anos ou mais, e a qualificação profissional oferecida pelas unidades de internação ou mesmo a condição de desqualificação profissional da sua força de trabalho, pouco interferiria em seu aproveitamento no processo produtivo. Segundo Queiroz (1987, p.34), “o problema do ‟menor‟ era um problema de classe. Para a classe dominante um problema insurgente (...) para as classes subalternas, (...)um perigo que lhe ameaça o cotidiano”. A Lei 4513, que instituiu a FUNABEM foi totalmente revogada pela Lei 8069/1990, que instituiu o Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, marco regulatório do novo ordenamento jurídico que tem por base a proteção integral de crianças e adolescente em conflito com a lei. O ECA, ao afirmar a natureza pedagógica das medidas socioeducativas (MSE), traz a necessidade de se constituir parâmetros mais objetivos e 59 procedimentos mais justos, a fim de evitar a discricionariedade na aplicação das medidas socioeducativas dirigidas aos adolescentes em ato infracional, inspirado nos acordos internacionais de defesa dos direitos humanos de crianças e adolescentes dos quais o Brasil é signatário, As medidas socioeducativas constituem parte do sistema de responsabilização jurídica especial, que apresenta perspectivas diferenciadas do sistema criminal adulto, fundamentado na ideia de pena. É aplicada aos adolescentes sobre os quais se verificou a prática de ato infracional. Nelas estão presentes dois elementos que traduzem a sua finalidade: defesa social e intervenção educativa. Isto significa dizer que, as medidas socioeducativas possuem uma natureza sociopedagógica condicionada à garantia de direitos fundamentais e ao desenvolvimento de ações que visem à formação para o exercício da cidadania (SOUZA, 2007, p. 25). O ECA (Título III, Capítulo I), considera “ato infracional a conduta descrita como crime ou contravenção penal”, descritas como afronta ao direito, mas com as garantias do próprio estado de direito. “São inimputáveis os menores de dezoito anos, sujeitos às medidas previstas nesta Lei” (ECA, art. 104) e para efeitos desta lei, considera-se a idade do adolescente à data do fato ou ato ocorrido. Durante décadas a intenção da redução do limite da imputabilidade para dezesseis anos e do aumento da consciência da responsabilidade social do adolescente deveria crescer na razão direta do medo da punição, coincidindo com a maturidade dos aspectos de desenvolvimento biológico e intelectual. Ainda em 2010, comemorando 20 anos do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), são vários os projetos de lei que têm buscado alterar esta normativa, com justificativas antigas em discurso novo. (...) a doutrina da situação irregular não permitiu que as convenções internacionais tivessem qualquer ascendência sobre o Código Mello Matos (1927), embora a Convenção de Genebra de 1924, já trouxesse princípios de direitos humanos, depois, o Código de Menores de 1979 passou desapercebido da ‟Declaração Universal dos Direitos Humanos‟ (1948), e o mesmo aconteceu com a ‟Declaração Americana dos Direitos e Deveres do Homem‟ e o „Pacto de San José‟ (1969), ratificado pelo Brasil em 1992. Com isso a doutrina menorista dialogava com o contexto internacional. (CARDOSO, 2010, p. 38). 60 O Código de Menores (1979)34 previa medidas de responsabilização dos adolescentes, à época, definidos como “menores infratores”, de acordo com o paradigma da doutrina “menorista” descrita a seguir. São medidas aplicáveis ao menor pela autoridade judiciária: I- advertência; II - entrega aos pais ou responsável, ou a pessoa idônea, mediante termo de responsabilidade; III- colocação em lar substituto; IV- imposição do regime de liberdade assistida; V - colocação em casa de semiliberdade; VI- internação em estabelecimento educacional, ocupacional, psicopedagógico, hospitalar, psiquiátrico ou outro adequado (CODIGO DE MENORES, art. 14). A autoridade judiciária poderá, a qualquer tempo e no que couber, de ofício ou mediante provocação fundamentada dos pais ou responsável, da autoridade administrativa competente ou do Ministério Público, cumular ou substituir as medidas de que trata este Capítulo (CÓDIGO DE MENORES, Art. 15º.) Naquele contexto histórico, quem era tido como “menor infrator”? Crianças e adolescentes vistos como uma ameaça à propriedade, uma pessoa marginalizada, vítima da desagregação familiar, avesso à normalidade do viver em sociedade, deformado, perigoso, antissocial, uma representação que o Estado e o Direito faziam e que se refletia na consciência e senso comum da sociedade naquele momento histórico prezando pela disciplina, vigilância, tutela do adolescente. A utilização do termo “menor”, vinha atrelado a uma ideia de tutela, controle, pessoas pauperizadas, em situação irregular, um sentido de proteger a sociedade do menor infrator, termo em desuso a partir da construção social do paradigma de proteção integral protagonizada pelo ECA que reconhece crianças e adolescentes como cidadãos de direitos. 34 Código Mello Mattos, foi criado pela Lei em 1927, alterado pela Lei 6697/79 - o Código de Menores, que trata da proteção e vigilância aos menores de dezoito anos em situação irregular. 61 A Constituição Federal - CF/88, traz no corpo dos artigos 227 e 228, o novo paradigma de Proteção Integral a Crianças e Adolescentes. “Proteção integral” pela peculiaridade da condição de sujeitos em desenvolvimento e “prioridade absoluta” porque efetivam direitos, materializado por meio das políticas públicas implementado pela articulação entre Municípios, Estados, Distrito Federal e na União. Proteção Integral é assegurar a todas as crianças e adolescentes, sem exceção alguma, a sobrevivência, o desenvolvimento pessoal e social e a integridade física, psicológica e moral, além de prover medidas especiais de proteção aos que se encontrem em circunstâncias particularmente difíceis. Para isso, fazem-se necessárias a complementaridade e a convergência das ações nas políticas sociais básicas, na assistência social, na proteção especial e 35 nas políticas de garantias de direitos (COSTA, 2006, p.25 ). O Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA torna-se o marco legal da história brasileira e um divisor de águas na defesa dos direitos considerando criança para efeitos da lei a pessoa até doze anos incompletos e o adolescente aquela entre doze e dezoito anos de idade, aplicando-se, excepcionalmente, tal estatuto às pessoas entre dezoito e vinte e um anos de idade, especialmente no que se refere aos direitos daqueles que se encontrem em conflito com a lei. O ECA incorpora, a partir de 1990, um catálogo de direitos e garantias correspondentes, reconhece na criança e no adolescente não só uma titularidade de direitos, mas também uma titularidade de responsabilidades. No artigo 103, quando considera o ato infracional “como a conduta descrita como crime ou contravenção penal atribuída à criança ou adolescente” traz ao mundo jurídico um novo olhar e fazer jurídico, que se refere às garantias que possibilitem e assegurem ao adolescente respeito aos seus direitos, como pessoa e cidadão na “condição peculiar de desenvolvimento” e em estágio de transformação física, psíquica, emocional e espiritual, dentre outras, quando da aplicação e administração das medidas socioeducativas pertinentes. Este novo ordenamento jurídico reafirma o que foi disposto e pactuado pela Declaração dos Direitos do Homem de 1948, na Declaração dos Direitos da Criança de 1959, pela Convenção dos Direitos da Criança de 1989, pela 35 COSTA, Antonio Carlos Gomes da. Socioeducação Estrutura e Funcionamento da Comunidade Educativa. Brasília, SEDH. 2006. Kit Socioeducativo. 62 Convenção Internacional dos Direitos da Criança e do Adolescente realizado pelo Assembléia Geral das Nações Unidas. O Brasil, signatário das Regras Mínimas das Nações Unidas para a Administração da Justiça de Menores (Regras de Beijing), na sua Resolução 40/33 de 29 de novembro de 1985, fez aprovar o texto em sua totalidade, pelo Decreto Federal 99.710 de 21.11.1990, termo ratificado pelo Congresso Nacional (Decreto Legislativo 28, de 14 de Setembro de 1990), sintetizadas no quadro 3, a seguir. O percurso histórico e legal teve seus princípios e diretrizes discutidos em fóruns nacionais e internacionais e contou com a participação e mobilização social de diversos segmentos sociais, liderados por pessoas e instituições compromissadas com valores democráticos, como a liberdade, a justiça, a solidariedade, a ética. Assim o ECA, no Título III (que trata do ato infracional) traduz um avanço do ordenamento jurídico brasileiro no trato do ato infracional cometido por adolescentes. Estabelece que este receberá medidas aplicáveis levando-se em conta a proporcionalidade do ato infracional, as circunstâncias, e a situação pessoal, familiar, social, econômica, e cultural do adolescente autor no ato. Do ponto de vista normativo, os mecanismos de proteção e defesa dos direitos de crianças e adolescentes são complementares, fundamenta-se na doutrina jurídica da proteção integral prevista na Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança e do Adolescente e demais legislações modernas. Não substituindo os demais mecanismos de defesa dos direitos da pessoa humana, a normativa do Estatuto é parte integrante da doutrina dos direitos humanos aplicado no país. O adolescente autor de ato infracional encontra-se em circunstâncias especialmente difíceis, ou seja, em situação de risco pessoal e social. Por isso, os programas que implementam as medidas socioeducativas são considerados programas de proteção especial. No campo do atendimento ao adolescente autor de ato infracional, o grande avanço da Doutrina da Proteção Integral, em relação à Doutrina da Situação Irregular, foi introduzir na Justiça da Infância e da Juventude os princípios universais do direito. Segundo Emílio García Méndez, isso equivaleria a dizer que a Revolução Francesa chegou à área da infância com duzentos anos de atraso. (COSTA, 2006, p.26). 63 Quadro 3- Instrumentos Legais Internacionais sobre a criança e adolescente Instrumento Legal Declaração de Genebra (1924) – Adotada pela “Liga das Nações” Declaração Universal dos Direitos do Homem. Adotada e proclamada pela Resolução nº 217-a (III) da Assembléia Geral das Nações Unidas (ONU), em 10/12/1948 Finalidade Reconhece o dever da humanidade em relação à infância a quem cabe “protegê-la acima de qualquer consideração de raça, nacionalidade ou crença”. Fixa princípios de proteção à família e a seus membros declarando, expressamente, no seu art. 25, item 2, que “a maternidade e a infância têm direito a cuidados e assistência especiais. Todas as crianças, nascidas dentro ou fora do matrimônio gozarão da mesma proteção social”. Declaração Universal dos Direitos da Criança – Aprovada pela Assembléia Geral das Nações Unidas em 10/11/1959, por meio da Resolução nº 1.386 (XIV) da qual o Brasil é um signatário Prevê que a criança tenha uma infância feliz e goze, em seu próprio benefício e no da sociedade, dos direitos e das liberdades nela enunciados. Apela que os pais, os homens em sua qualidade de indivíduos, as organizações voluntárias, as autoridades locais e os Governos nacionais reconheçam este direitos e se empenhem pela sua observância mediante medidas legislativas e de outra natureza, progressivamente instituídas. Tem efeito recomendatório para os Estados, não como um instrumento obrigatório e significou, por mais de trinta anos (até a aprovação da Convenção sobre os Direitos da Criança – CDC), a base de um autêntico direito consuetudinário. É também conhecida como “Pacto de San José” e possui normas específicas de proteção à família e à infância, declarando, expressamente no art. 19, que “toda criança tem direito às medidas de proteção que a sua condição de menor e requer por parte de sua família, da sociedade e do Estado”. Promulgada pelo Decreto 678 de 06/11/92. Convenção Interamericana de Direitos Humanos (OEA 1969). Ratificado pelo Brasil em 06/11/1992, Decreto nº 678 Regras de Beijing ou Regras mínimas da ONU para a administração da Justiça de Menores (1985). Resolução nº 40/33, de 29/11/1985 Convenção sobre os Direitos da Criança (CDC) da ONU Resolução 44/25 da ONU, de 20/11/1989. Ratificada pelo Brasil pelo Decreto nº 99.710, de 21/ 09/1990 Representa um conjunto de normas que refletem as condições mínimas aceitáveis pela ONU para o tratamento de menores de 18 anos infratores, não importa o sistema jurídico que pertençam. Recomenda que, em cada jurisdição nacional, procurar-se-á promulgar um conjunto de leis aplicáveis especialmente aos jovens infratores, assim como aos órgãos e instituições encarregadas das funções de administração da Justiça especializada. A principal preocupação da CDC é com o interesse superior da criança,significa que devem ser adotadas as medidas que melhor contribuam para o desenvolvimento sadio de crianças e adolescentes. Assim, todas as medidas prescritas na Convenção tomam este princípio como ponto de partida. A CDC é um tratado e, como tal, cria obrigações legais aos Estados-membros para assegurar que seus dispositivos sejam implementados em sua totalidade em nível nacional. A CDC faz com que os Estados-partes (art.33 a 36), tomem medidas que combatam a violência, a negligência e a exploração para com as crianças. As medidas que podem ser tomadas (mas não se limitam a elas) a adaptação da legislação vigente pertinente à criança ou a adoção de uma nova legislação nos termos dos dispositivos estabelecidos na Convenção. Define nos artigos 37 e 40 as razões e os direitos que devem ser observado pelos estados partes em relação às crianças privadas de liberdade destacado que esta 64 Diretrizes de Ryad para a prevenção da delinquência juvenil. Resolução nº 45/112, de 14/12/1990- ONU Regras Mínimas das Nações Unidas para a proteção de jovens privados de Liberdade. Resolução nº 45/113, de 14/12/1990- ONU deve ser uma medida excepcional, como último recurso, e durante o mais breve período de tempo que for apropriado. Esta normativa é primordial na administração da justiça juvenil, propiciando uma ampla série de medidas que visam proteger os interesses diretos da criança e buscam, entre outros, evitar que ela entre em contato com o sistema de justiça em razão do ato infracional Determinam que a prevenção da delinquência juvenil é fundamental para prevenir o crime na sociedade e que os jovens podem e devem desenvolver atividades não criminais. Determinam também que devem ser estabelecidos serviços e programas de caráter comunitário que respondam às necessidades dos jovens e ofereçam a eles e às suas famílias, assessoria e orientação adequadas. Estabelece que, somente em último caso, deverão os jovens ser internados em instituições e pelo menor tempo necessário. Concentram-se na prevenção da delinquência juvenil mediante a participação de todas as camadas da sociedade e a adoção de uma abordagem voltada à criança. No sentido de fomentar ações de prevenção da delinquência o instrumento define o papel da família, da educação, da comunidade e da mídia para as massas, e ainda estabelece o papel e a responsabilidade da política social, da legislação, da administração da justiça juvenil, da pesquisa e desenvolvimento e coordenação de políticas. As diretrizes exortam os Estados a elaborar e implementar planos abrangentes, em todos os níveis de Governo, para a prevenção da delinquência juvenil, com pessoal especializado em todos os níveis. Têm por objetivo estabelecer normas mínimas para proteção dos privados de liberdade em todo o mundo, devendo ser garantido o direito de desfrutar de atividades e programas úteis que sirvam para fomentar o desenvolvimento saudável e com dignidade, promovendo seu sentido de responsabilidade. É um instrumento elaborado para assegurar que as crianças e adolescentes privados de sua liberdade sejam mantidos em instituições somente quando há necessidade absoluta de fazê-lo. As crianças e adolescentes custodiados devem ter atendimento humanizado, considerando sua condição de desenvolvimento, respeito total aos seus direitos humanos, pois, ao serem privados de sua liberdade, são altamente vulneráveis a abusos, vitimização e violações de seus direitos, sendo esta mais uma razão para que sua internação seja tomada em último caso. Fonte: SOUZA, 2007, p.22-25 reelaborado pela pesquisadora em 2010. O Estatuto, introduzindo os ditames dos instrumentos internacionais, indica que a autoridade judiciária deve se pautar não somente na existência de uma culpabilidade do adolescente pelo ato, mas na capacidade de cumprir a medida socioeducativa a ele atribuída, observada as circunstâncias, a gravidades da infração e as necessidades pedagógicas, psicológicas e sociais. As medidas socioeducativas são universalizadas a todos que estão sujeitos a 65 elas. O fato de ser inimputável, não é sinônimo de impunidade e irresponsabilidade, devendo, quando da aplicação das medidas socioeducativas (artigo 112), que podem ser isoladas ou cumulativas (art.99) e substituídas a qualquer tempo, ter presente que a responsabilização ao adolescente deve ser revestida pelo respeito à equidade, isto quer dizer, ter uma atenção adequada e individualizada que vise o fortalecimento dos vínculos familiares e comunitários (artigos 100) Verificada a prática de ato infracional, a autoridade competente poderá aplicar ao adolescente as seguintes medidas: I- advertência, II- obrigação de reparar o dano, III- prestação de serviços à comunidade, IV- liberdade assistida, V- inserção em regime de semiliberdade, VI- internação em estabelecimento educacional, VII- qualquer uma das previstas no art.101, I a VI. §1º A medida aplicada ao adolescente levará em conta a sua capacidade de cumpri-la, as circunstâncias e a gravidade da infração (ECA, art. 112). Legitimando o desejo de ver inibida a ação arbitrária do Estado e a garantia do respeito aos direitos constitucionais, o ECA, prevê que “nenhum adolescente será privado de sua liberdade sem o devido processo legal” (art.110). Não há razão para tratamento diferenciado entre cidadãos constitucionalmente iguais. Assim, prevista a materialidade, a existência e a comprovação de autoria do ato infracional para aplicação de medidas fica também previsto que o autor de ato infracional terá as garantias processuais asseguradas. Ninguém pode ser preso, ou privado de sua liberdade, ou ser-lhe imputado algo sem que tenha conhecimento devido do fato, a partir do devido processo legal (Titulo III, Capítulo II, art.110), que possa defender-se através de profissional técnico, ter pleno conhecimento da atribuição do ato (Titulo III, Capítulo II, art.111,inciso I), provendo provas sobre sua conduta e sua inocência. São asseguradas ao adolescente, entre outras, as seguintes garantias: 66 I- pleno e formal conhecimento da atribuição de ato infracional, mediante citação ou meio equivalente, II- igualdade na relação processual, podendo confrontar-se com vítimas e testemunhas e produzir todas as provas necessárias à sua defesa, III- defesa técnica por advogado, IV- assistência jurídica gratuita e integral aos necessitados, na forma da lei, V- direito de ser ouvido pessoalmente pela autoridade competente, VI- direito de solicitar a presença de seus pais ou responsável em qualquer fase do procedimento (ECA, art.111). Pouco utilizada e conhecida por familiares e os próprios adolescentes, a Remissão (Titulo III, Capítulo V), é prevista antes da submissão do processo à Justiça, inclusive com aplicação de medidas de forma consensualizada, atenua as medidas mais graves, articulando e integrando programas comunitários de orientação e supervisão temporária, com acesso do adolescente a programas sociais oficiais que tenham em sua ordem a concepção socioeducativa nas relações sociais trabalhadas, restituição e compensação das vítimas. Antes de iniciado o procedimento judicial para apuração de ato infracional, o representante do Ministério Público poderá conceder a remissão, como forma de exclusão do processo, atendendo às circunstâncias e consequências do fato, ao contexto social, bem como à personalidade do adolescente e sua maior ou menor participação no ato infracional. Parágrafo Único. Iniciado o procedimento, a concessão da remissão pela autoridade judiciária importará na suspensão ou extinção do processo (ECA, art.126). Se a materialidade dos fatos caminha para a aplicação de medida de internação ao adolescente autor de ato infracional (art.121), a medida mais drástica da doutrina da responsabilidade, que sempre será sujeita aos princípios da brevidade, excepcionalidade e respeito à condição de peculiar pessoa em desenvolvimento, o Estatuto prevê que seja garantida a oferta de assistência às necessidades sociais educacionais, profissionais, psicológicas, físicas, médicas, observando as especificidades de gênero, idade, personalidade e condição excepcional de maternidade, aleitamento, e saúde mental de seu autor/a. Resoluções do CONANDA indicam ainda que as unidades de internação, semiliberdade e internação provisória, devem obedecer parâmetros arquitetônicos e de gestão, garantir a participação da família no processo socioeducativo e na elaboração do Plano Individual do 67 Adolescente (PIA), atualizado regularmente e de conhecimento da autoridade judiciária. Atento aos instrumentos internacionais e ao pressuposto contido no ECA de que, “a internação constitui medida privativa de liberdade, sujeita aos princípios de brevidade, excepcionalidade e respeito à condição peculiar de pessoa em desenvolvimento” (ECA, art.121) é que o Estado brasileiro deveria então priorizar as medidas em meio aberto (prestação de serviço à comunidade e liberdade assistida) em detrimento das medidas restritivas da liberdade (semiliberdade e internação). Supomos que a tendência de internação de adolescente deixa à vista que o rigor da medida não representa melhoria dos indicadores de inclusão social e redução dos círculos de violência a que estão expostos os adolescentes, principalmente das classes sociais mais vulnerabilizadas. De um lado, o ECA indica que a política de atendimento deva ocorrer através de um conjunto articulado de ações governamentais e não governamentais, deixando explícita a ideia de um sistema, um todo organizado, dirigido a crianças e adolescentes, cujas linhas de ação passam pelas i) políticas sociais básicas; ii) políticas e programas de assistência social, para aqueles que dele necessitarem; iii) serviços especiais de proteção e atendimento psicossocial e médico a vitimas de todos os níveis de violência e opressão, iv) proteção jurídico-social por entidades de defesa de direitos (ECA, art.87). A incompletude institucional, direção revelada pelo ECA, caracteriza que “a política de aplicação das MSE não pode estar isolada das demais políticas públicas”. Os programas de execução das MSE devem estar articulados no âmbito dos municípios, com os demais serviços, programas, projetos e benefícios em rede com do Sistema de Proteção Social local, procurando assegurar aos adolescentes em conflito com a lei sua proteção integral. A concretude desta operacionalização em rede integrada é essencial para efetivar garantias dos direitos dos ACL´s e sua inclusão social, as redes de apoio nas comunidades, a regionalização dos programas de privação de liberdade, pode garantir o direito à convivência familiar e comunitária destes adolescentes, sob nova matiz. Consequentemente, o SINASE como um conjunto ordenado de princípios, regras e critérios, de caráter jurídico, político, pedagógico, financeiro 68 e administrativo envolve diversos agentes públicos e parceiros institucionais, desde o inicio do processo de apuração do ato infracional até a execução de medida socieducativa. Levando-se em conta este sistema nacional, os sistemas estaduais, distritais e municipais, bem como todas as políticas, planos e programas específicos de atenção, trazem para a base dos municípios a intervenção do atendimento, a intersetorialidade das políticas sociais e a coresponsabilidade da família, comunidade e do Estado. A direção dada pelo ECA para a municipalização do atendimento (art.88, inciso I), deixa explícito o significado de que tanto o atendimento inicial ao adolescente em conflito com a lei quanto a execução das MSE devem ser executadas no limite geográfico do município, de modo a fortalecer o contato, vínculo familiar e comunitário dos adolescentes atendidos. Tem conteúdo programático, sendo uma orientação para os atores na área da infância e da adolescência, funcionando como um objetivo a ser perseguido (...) e não se configurarem conflitos com outros princípios da doutrina da Proteção Integral, considerados de maior relevância no caso concreto (SINASE, 2006, p.29) a da especificidade dada a descentralização político-administrativa (art.88, Inciso III), das MSE. Descentralização se situa em duas searas: a) descentralização política supõe a distribuição de competências de formulação de políticas entre os entes federados (União, Estados, Distrito Federal e Município), cada ente federado desempenha atribuições próprias, sem necessariamente, dependerem dos demais entes. Esta autonomia política está prevista na CF/88 e sua resolutividade é garantida em leis, não autorizando que competências próprias de cada ente federado, sejam delegadas a particulares, por exemplo, “o monopólio da força física” exercida por seguranças privados em unidades de privação de liberdade de ACLs; 69 b) descentralização administrativa, refere-se ao modo como o Poder público exerce suas atribuições e competências, como administra, implementa as políticas públicas, Pode exercê-las de forma centralizada, quando suas ações são efetivadas de modo direto pelos agentes públicos e órgãos integrantes da administração públicas; e de forma descentralizada, quando exerce suas atribuições em cooperação com organizações não-governamentais (SINASE, 2006, p 30). Descentralizadas também são as atribuições de deliberação e controle das políticas da área da infância e da adolescência; assim, decisões que alterem o processo de atendimentos das MSE devem ser fruto de deliberações dos Conselhos de Direitos em cada esfera de poder. Deste modo, crianças e adolescentes deixam de ser “objetos de medidas judiciais e procedimentos policiais”, para serem sujeitos de direitos, credores de políticas sociais públicas que garantam acesso aos direitos sociais fundamentais à sua existência, sobrevivência e desenvolvimento, ao convívio familiar e comunitário, ao respeito e a dignidade. A prevenção às ameaças ou violações destes direitos impõe ao Estado, à sociedade e à família serem os guardiões e possibilitarem as garantias para sua preservação e condições de atendimento (ECA, art.70 a 73). Um grande desafio para a execução das medidas socioeducativa vêm do desconhecimento das normativas legais, por parte de adolescente e das famílias e de alguns operadores do sistema de proteção social, da reduzida reflexão e produção científica sobre a temática relatando experiências e postulando a construção de epistemologias sobre esta área social crítica em projeção, ou a baixa efetividade na implantação de políticas públicas que garantam o bem-estar social de adolescentes e suas famílias e da falta de compreensão dos operadores do Sistema de Garantia sobre o caráter pedagógico, educativo e garantista do Estatuto, um direito sobre os direitos. A implantação das medidas socieducativas como meio de responsabilização do adolescente, para ser aplicada, necessita que os programas socioeducativos para adolescentes sejam articulados em rede, integrados com a família, com a sociedade e na comunidade, assegurando 70 direitos e acessos a estes direitos. O acionamento de instrumentos de controle social e institucional através dos CMDCA e por parte do Ministério Público requisitando ao Estado e indicando à sociedade, a implantação de serviços, programas, projetos que atendam às necessidades dos adolescentes autores de ato infracional e de suas famílias são novos mecanismos de defesa dos direitos em vigor. Fortalecer o Sistema de Garantia de Direitos da Criança e do Adolescente é outro desafio prevalecendo a necessidade da articulação e integração das instâncias públicas governamentais e da sociedade civil, na aplicação de instrumentos normativos e no funcionamento dos mecanismos de promoção, defesa e controle para a efetivação dos direitos da criança e do adolescente, no âmbito das esferas Federal, Estadual, Distrital e Municipal. Após 20 anos de implantação do ECA, este sistema não se encontra integralmente institucionalizado, atuando de forma desarticulada, demandando ações de qualificação de seus operadores para implementação de políticas públicas que garantam os direitos assegurados pela legislação em vigor. O Sistema integrado de garantias de direitos deve prioritariamente se desenvolver sobre três bases : a) A Defesa dos Direitos Humanos: Os órgãos públicos judiciais; Ministério Público, especialmente as Promotorias de Justiça, as Procuradorias Gerais de Justiça; Defensorias Públicas; Advocacia Geral da União e as Procuradorias Gerais dos Estados; polícias; conselhos tutelares; ouvidorias e entidades de defesa de direitos humanos estarão incumbidas de prestar proteção jurídicosocial. b) A Promoção dos Direitos: Implementado por meio de política de atendimento de direitos humanos de crianças e adolescentes que operacionalize: serviços e programas, projetos e benefícios das políticas públicas, especialmente das políticas sociais, da execução de medidas de proteção de direitos humanos; da execução de medidas socioeducativas. c) O Controle e Efetivação do Direito Implementado através de instâncias públicas colegiadas próprias, ou seja dos conselhos dos direitos de crianças e adolescentes; conselhos setoriais de formulação e controle de políticas públicas; e dos órgãos e os poderes de controle interno e externo definidos 71 pela Constituição Federal; e pelo controle social exercido pela sociedade civil através de suas organizações, entidades e articulaçãoes representativas. O SGD é composto pelos sistemas que regem as políticas sociais públicas, dentre eles, o Sistema Único de Assistência Social - SUAS, (que responde pelas ações de proteção social básica e especial do campo da política de assistência social), o Sistema de Justiça, o Sistema de Segurança Pública. A consolidação deste sistema, através de iniciativas como a aprovação do Plano Nacional de Promoção, Proteção e Defesa do Direito de Crianças a Adolescentes à Convivência Familiar e Comunitária, efetuado pelo governo federal, vem dando mostras da significativa relevância do SGDCA e de sua importância e articulação devido à amplitude das ações e ao grande número de atores envolvidos com abrangência nacional. Outra necessidade também é a de estabelecer uma comunicação, proximidade e estabelecimento de fluxos, procedimentos, normativas, de atendimento ao adolescente em conflito com a lei do Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo - SINASE em seus âmbitos, com o sistema de proteção social para operar as proteções sociais devidas. Assim, políticas sociais públicas de caráter contributivo ou não, reconhecidos pelos bens e serviços produzidos socialmente dirigidos a todos na sociedade, serão destinados com prioridade às crianças e adolescentes por razão de sua vulnerabilidade temporária ou permanente - isto quer dizer que o atendimento às necessidades sociais de crianças e adolescentes como educação, saúde, habitação, alimentação, transporte, esporte, lazer, trabalho, o meio ambiente, a informação, a segurança pública, assistência social, estarão em primeiro lugar no elenco de políticas públicas resultado da articulação entre União, Estados e Municípios. A constatação ou iminência de violação de direito de crianças ou adolescentes em conflito com a lei, pressupõem a concessão de medidas de proteção previstas no ECA (art.98). Serão responsabilizados o Estado e a sociedade que tem por dever zelar pela prevenção, já que tem por obrigação assegurar a efetividade destes direitos. Os pais e ou responsáveis serão responsabilizados pelas violações de direitos, que por circunstância de sua falta (ausência), por sua omissão (ausência de ação ou inércia), abandono 72 (falta material, desamparo) negligência (desleixo, descuido, desatenção, abandono), por abuso (exceder nas atribuições do poder familiar, violência sexual, maus tratos), exponham a vida ou a saúde de quem esteja sob sua autoridade, guarda ou vigilância. Serão ainda responsabilizados por razão de sua conduta, as crianças e jovens que pelo seu comportamento de risco, ameaçam ou violem seus direitos e aos direitos de outrem, podendo ser tal conduta relacionada ao ato infracional. As mudanças do fazer jurídico e institucional por parte dos operadores do novo mandamento legal, ainda se revestem de muitos desafios, não requer somente bom senso e conhecimento. Para estas mudanças são necessárias a compreensão do exato sentido e significado das providências e respostas atribuídas à intervenção estatal quando instala os meios para o cumprimento das medidas socioeducativas previstas. A mudança de hábitos e posturas requer além da retórica e do discurso vazio, ações. 73 2.2 OS SUJEITOS SOCIAIS E OS OPERADORES DAS MEDIDAS SOCIOEDUCATIVAS EM MEIO ABERTO Art. 227 É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade, e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (Redação dada pela EC 65/10). 2.2.1. Quem são os adolescentes e jovens em conflito com a lei Para as reconhecidas etapas do ciclo de vida - a infância, a adolescência, o jovem36, o adulto, o idoso - as categorias aqui entendidas são as previstas no Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) para criança, pessoas de 0 a 12 anos incompletos e adolescente pessoas de 12 a 18 anos de idade completos, respeitada sua condição peculiar de desenvolvimento físico, psicológico e social, acrescido em caráter excepcional, das pessoas entre dezoito e vinte e um anos (art.2º, parágrafo único), para fins específicos de proteção integral, ao jovem em conflito com a lei Já o termo juventude37 passa a ser compreendido como uma categoria sociológica, que indicaria o processo de preparação de indivíduos, para assumirem o papel de adultos na sociedade, tanto no plano familiar quanto no 36 A CF/88 teve o artigo 227 acrescido pela EC65/2010 com a inclusão da categoria jovem como pessoas a quem a família o estado e a sociedade devam afiançar proteção integral. Fonte: http://www.stf.jus.br/portal/constituição/constituição.asp. Acesso em 13.12.2010. 37 Não há consenso em torno dos limites de idade que definem a juventude, pois esta é uma categoria em permanente construção social e histórica, variando no tempo, de uma cultura para a outra, e até mesmo no interior de uma mesma sociedade. Para operacionalizar o conceito analiticamente, adotou-se aqui o mesmo recorte etário com que trabalham a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ) e o Conselho Nacional de Juventude (CONJUVE) e que é adotado na proposta de Estatuto da Juventude, em discussão na Câmara dos Deputados: de 15 a 29 anos, com os subgrupos de 15 a 17 (jovem-adolescente), de 18 a 24 anos (jovem-jovem) e de 25 a 29 anos (jovem-adulto). A adoção deste recorte etário no âmbito das políticas públicas é bastante recente. Dois argumentos prevalecem na justificativa desta mudança: maior expectativa de vida para a população em geral e maior dificuldade desta geração em ganhar autonomia em função das mudanças no mundo do trabalho.(In Juventude e Políticas Sociais no Brasil, IPEA, 2009, p.30) 74 profissional. A Secretaria Nacional da Juventude38 reconhece que, no Brasil, desde 2005, vários esforços têm sido feitos no sentido de elaborar parâmetros e (...) fez apelos para que, os diferentes Ministérios, no planejamento e na execução das políticas setoriais, considerem as singularidades do público jovem, levando em conta, suas estratificações etárias de 15 a 17 anos, de 18 a 24 anos, e, de 25 a 29 anos; assim como tem buscado parcerias com instituições de pesquisa e planejamento para o tratamento e a desagregação das informações estatísticas oficiais, disponíveis, com o objetivo de ampliar o conhecimento sobre a juventude brasileira (REYES, 2009, p.21). A ampliação da agenda pública sobre os jovens, como sujeitos de direitos, evidenciam uma nítida interseção no qual se conjugam direitos de cidadania e direitos humanos. A Declaração Universal dos Direitos Humanos ganha concretude quando passa a englobar e contribuir para expandir os direitos de cidadania (Direitos Econômicos, Sociais, Culturais e Ambientais), fruto das pressões dos movimentos sociais, reflete diretamente sobre as transformações sociais na economia, na tecnologia, na comunicação e na política. Sob a lógica dos direitos humanos passam a funcionar instrumentos de enfrentamento às diferentes formas de preconceito, discriminação e violências que atingem os jovens, agregando as diversidades das demandas juvenis às diferentes gerações de direitos civis, sociais, políticos e difusos. Neste contexto, a expressão jovens como sujeitos de direitos está ancorada na compreensão da indivisibilidade dos direitos individuais e coletivos e expressa o grande desafio das democracias contemporâneas para articular igualdade e diversidade. Em síntese, quando se fala em Políticas Públicas para Juventude (PPJs), é preciso considerar que os problemas e as demandas relacionam-se tanto com questões (re)distributivas mais gerais da sociedade excludente quanto com questões de reconhecimento e valorização de sua diversidade e, ainda, evocam a dimensão participativa, de grande importância na fase da vida em que se passa da infância para a vida adulta e se busca emancipação (REYES, 2009, p.19 grifos do autor). 38 Em fevereiro de 2005 é criada a Secretaria Nacional de Juventude, vinculada à Presidência da República, com o objetivo de articular os programas e projetos, em âmbito federal, e fomentar a elaboração de políticas públicas para jovens. Assim, no espaço da Secretaria-Geral da Presidência da República (SGPR), em 2005, o governo brasileiro criou a Secretaria Nacional de Juventude (SNJ), o Conselho Nacional de Juventude e o Programa Nacional de Inclusão de Jovens – o ProJovem original, realizado em gestão compartilhada entre os Ministérios da Educação (MEC), do Trabalho e Emprego (MTE) e do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS), sob a coordenação da SNJ/SGPR 75 Nesse sentido, as demandas juvenis se transformam em direitos operados pelas Redes de Proteção Social. Segundo Reyes (2009) sua execução deve ancorar três direções: i) Caráter Universal: as políticas setoriais, consideradas estruturais e como direitos de cidadania (educação, trabalho e emprego, assistência social, saúde, cultura e as de combate à violência), operadas através de seus sistemas únicos dotados da devida institucionalidade e de financiamento, deve incorporar as “questões singulares da geração juvenil”; ii) Caráter Atrativo: com incidência voltada aos jovens, abrindo possibilidades e oportunidades específicas , aos moldes dos Pontos de Cultura e o Programa Juventudes Urbanas39, as regulações dos fluxos migratórios (fluxos itinerantes de jovens pelos diversos territórios da cidade, verdadeiros points de encontros e aglomerações , que mudam constantemente de regiões, bairros, cidades, locais), até nos espaços territoriais em que se encontram diferentes faixas etárias, mas que afetam os jovens como as políticas de seguranças e combate à violência; iii) Caráter Exclusivo: aquelas voltadas especificamente a faixa etária predefinida entre 15 e 29 anos, podendo ser programas e ações que provêem atenções a jovens em situação de vulnerabilidade e riscos sociais, até que cessem as situações que lhes deram origem, exemplo do ProJovem, presente na oferta dos serviços socioassistenciais da proteção social básica da política de assistência social. Em se tratando de políticas públicas que afetam a vida e os direitos, o desafio é combater resistências históricas de compartilhar, articular, coordenar programas e ações com objetivo de implantar políticas voltadas para este segmento etário. Uma estratégia para promover a transversalidade das políticas, dos programas e das ações setoriais, pode estar nos modelos de gestão integrada. Ainda são muitas as dificuldades para integrar programas e ações, assim como para garantir as previsões orçamentárias e o desenvolvimento de tecnologias sociais. Um exemplo foi com a questão da infância e seus avanços; em poucos anos, poderemos acordar parâmetros para 39 Iniciativa criada em 2004 o Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária- CENPEC inicia o Programa Jovens Urbanos destinado a jovens na faixa etária de 16 a 21 anos, residentes em regiões metropolitanas. Nascido da parceria do Itaú Social, articulado com órgãos governamentais, centros tecnológicos e ONGs fomenta a “inserção dos jovens em espaços e fatos urbanos desconhecidos propiciando a ampliação de repertórios culturais, o usufruto de direitos e acesso a saberes e culturas em movimentos nos cenários urbanos.” (Cadernos CENPEC, no. 05, 2008, p.p. 7) 76 integrar políticas e calcular os gastos/investimentos para a juventude, mas ainda com uma dificuldade: As políticas voltadas para a infância estão referidas à família e se caracterizam, sobretudo, pelo caráter de proteção, o que, de alguma forma, facilita a integração de programas e ações voltadas para a unidade familiar de referência, assim como o cálculo em termos de gasto público por família. No caso da juventude, para além da questão etária, a tensão entre proteção social/participação – emancipação/formação de uma nova família torna-se mais um complicador tanto para caracterizar este público-alvo – já que até um mesmo segmento social juvenil comporta diferenciadas trajetórias de vida – quanto (mais) para o cálculo do gasto público (REYES, 2009, p.20 grifos do autor). Segundo dados da Projeção Populacional do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) – Revisão 2008 aponta que em 2007 os jovens brasileiros com idade entre 15 e 29 anos somavam 50,2 milhões de pessoas, o que correspondia a 26,4% da população total de 189 milhões de habitantes do país. Este contingente é 45,9% maior do que aquele de 1980, quando havia no país 34,4 milhões de jovens; no entanto, ainda é menor do que os 51,3 milhões projetados para 2010. As projeções indicam, porém, que a tendência de crescimento da população jovem deverá se reverter, havendo redução progressiva no número absoluto de jovens no Brasil, que chegará a 2050 em torno de 49,5 milhões. O adolescente, parte integrante deste conjunto demográfico designado juventude, inseriu-se em uma das expressões e facetas na contemporaneidade a partir de duas abordagens. De um lado, pela via do “problema social”, como infrator, resultante de um comportamento de risco e da drogadição, dentre outros, que demandariam medidas de contenção e enfrentamento por parte da sociedade. De outro lado, a adolescência, também tradicionalmente vista como fase transitória para o exercício da vida adulta, demandaria da sociedade e dos núcleos familiares um esforço coletivo, na direção da formação, primordialmente escolar, para “preparar o jovem” para ser um adulto produtivo, socialmente ajustado, provedor financeiro, chefe de família. 77 Assim, finalizado o processo de aculturamento social, este jovem estaria pronto para o mundo adulto, incorrendo numa nova fase de vida estável para a sociedade; qualquer comportamento estranho a este padrão social, é considerado um desvio uma disfunção social vinculando-se a uma desordem social (AQUINO, 2009, p.25). Essa modalidade de avaliar o adolescente-jovem, e que permeia a sociedade durante anos, estruturou os sistemas de educação formal e profissional, formatou as relações intrafamiliares e pautou as relações no âmbito na vida em comunidade. Respeitada estas fases e cumpridas estas etapas, o jovem estaria preparado para a vida que tinha por fim a relação com o trabalho, principal foco de pertencimento social desejado por gerações de famílias trabalhadoras. As relação do trabalho e do mercado exercem forte pressão nos alicerces da perspectiva de pertencimento social de adolescente e sua família na comunidade, no seio da família, na sociedade. Os papéis sociais exercidos no contexto familiar por seus membros foram se reconfigurado, influenciado pelo processo de reestruturação produtiva do mercado e dos sucessivos momentos de crise. As idas e vindas da instabilização econômica influenciaram as modalidades de atividades produtivas não formais nas comunidades, cada vez mais carentes da presença do Estado. Famílias inteiras ficaram aos cuidados e atenções de suas próprias redes intrafamiliares e da comunidade organizada de seus territórios de moradia. Segundo Aquino (2009), o acesso ao mundo do trabalho ainda representa uma condição fundamental de sobrevivência. A inexistência do trabalho, do emprego formal, de uma atividade contínua produtiva e remunerada com garantias previdenciárias e trabalhistas expõe adolescentes (16-18anos) e jovens (18-24anos), a situações de empobrecimento crônico. Na busca da manutenção do então resgate do papel de provedor ou apoiador econômico familiar, estes adolescentes abandonam precocemente a escolarização. Envolvidos em atividades produtivas sem qualificação, com jornadas de trabalho exaustivas, baixa remuneração, impõe a um ciclo geracional, uma ausência de formação sócio-educacional e cultural e de qualificação profissional que afetará a longo prazo o desenvolvimento econômico do país. Segundo os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD-IBGE), 30,6% dos jovens são considerados pobres, cujas famílias 78 vivem com renda domiciliar per capita de até meio salário mínimo (SM). De outra parte, apenas 15,7% são de famílias com renda domiciliar per capita superior a dois SM´s e aproximadamente 53,7% pertencem ao extrato intermediário, com renda domiciliar per capita entre meio e dois SM´s. Note-se, ainda, que os jovens pobres são majoritariamente não brancos 40 (70,9%), enquanto os jovens brancos são 53,9% dos não pobres, embora a distribuição dos jovens brasileiros entre os grupos ( brancos e não branco) seja de 47,1% e 52,9%, respectivamente. Os dados refletem quanto a relação renda cor da pele aproxima nossos jovens da condição de ser pobre. Na faixa de 15 a 17 anos, que corresponde ao período em que se espera que o jovem esteja cursando o ensino médio, os brancos apresentam taxa de frequência líquida de 58,7%, contra 39,3% dos negros. Pode-se lembrar ainda o fato de que os jovens negros estão sobrerrepresentados no segmento de jovens que não trabalham nem estudam, além de sua inserção no mercado de trabalho estar caracterizada por condições de maior precariedade que a dos jovens brancos (AQUINO, 2009, p.33). Assim, por meio da informalidade e de outros mecanismos de relação de trabalho precarizados, é que durante anos, famílias desligadas do sistema produtivo foram convivendo precariamente com variáveis de pobreza e necessidades sociais não satisfeitas. Oriundos destas famílias, muitos adolescentes, com reduzido acesso às políticas de educação, principalmente, se envolvem em atos ou atividades ilícitas como meio e estratégia de satisfação de suas necessidades sociais. A estes, o olhar vigilante da sociedade acabou “(...) impondo a identificação dos jovens como o grupo prioritário sobre o qual deveriam recair as ações de controle social tutelar e repressivo, promovidas pela sociedade e pelo poder público” (AQUINO, 2009, p.33) Outros aspectos aqui já mencionados anteriormente fazem referências aos índices de mortalidade juvenil que acometem nossos jovens, dos índices de privação de liberdade para jovens-adolescentes cujas características de cor/raça, renda e escolaridade se apresentam como uma constante. 40 Entre os não brancos, 83,7% são pardos, 14,9% pretos, 0,9% amarelos e 0,6% indígenas. Esta distribuição foi obtida a partir da auto-declaração do entrevistado pela PNAD/IBGE 2008, sobre sua identificação étnico-racial e a dos membros do domicílio. 79 É importante observar também a iniciação precoce da sexualidade, não que seja necessariamente uma forma de passagem para a vida adulta; pode representar uma forma de “experimentar vivências do mundo adulto, sem assumi-lo completamente”. Daí que, as configurações de famílias de jovens casais vivendo sem casamento ou de jovens que moram com as namoradas ou criam seus filhos na casa dos pais, são fenômenos cada vez mais comuns que desorganizam a compreensão tradicional de transição para a vida adulta, evidenciando o exercício de vários ‟papéis adultos‟ por indivíduos que ainda se identificam como jovens (AQUINO, 2009, p.28 grifo do autor). Sem deixar de viver experiências de adultos mescladas com as vivências do mundo jovem, esta transitoriedade entre o mundo adulto e o mundo jovem acaba por ser uma característica de nossa contemporaneidade. Um exemplo destes cenários contemporâneos são as formas de sociabilidades que produzem efeitos de negação e até destruição da vida, como o envolvimento de jovens com o tráfico: Sem perspectivas de formação de vínculos sociais multiplicados que ofereçam sustentação ou aberturas renovadas para a organização de sua vida, jovens pobres são nas grandes cidades brasileiras recrutados pelo tráfico de armas e drogas ou por outras dinâmicas criminais (MUSSI e ANDRADE, 2008, p.24). As autoras abordam os caminhos desta forma de sociabilidade, os jovens, exercitam nesta experiência relacional, além do circuito do risco de vida e da criminalidade, processos de subjetivação e exercitam linguagens próprias ao mundo que experienciam nas dinâmicas criminais. A própria violência é expressão de uma linguagem. Talvez a dificuldade de desvinculação, de rompimentos com estas sociabilidades que desencadearam a produção de subjetividades destes jovens, possa representar o temor da perda de uma identidade que ainda transita para uma busca de significados O ato da fratura, necessariamente não produz outro modo de vida ou novos horizontes, é preciso ir além e desconstruir o sujeito que foi inventado nesta experiência. Para além destes caminhos que organizam suas vidas a partir da relação complexa com o tráfico, segundo as autoras, temos aqueles 80 caminhos que se organizam em sociabilidades esvaecidas, o que quer dizer que Diminuídas as possibilidades de exercer diferentes vínculos sociais, em função do baixo acesso, participação e inserção nas instituições sociais, econômicas, culturais, jovens brasileiros vagam invisíveis por um mundo restrito de significados e programas de vida futuros, (...) Jovens transitam numa faixa de vida desprovida de sentidos e valores, passíveis de serem comungados com outros, além de terem desfortalecidos os afetos por si (MUSSI e ANDRADE, 2008, p. 25). Demandar que a multiplicação de relações e as diferentes sociabilidades possam resultar em potentes forças vivas nos espaços públicos de lutas e transformações de nossos jovens, fará com que atuem como sementes das micropolíticas de resistências nos cenários das cidades. Diante de fatos, é preciso que as juventudes tenham garantias concretas de integração e pertencimento societários, como a integração com instituições de ensino; às instituições vinculadas ao mundo do trabalho; às instituições de saúde; às instituições políticoculturais disponíveis na sociedade democrática (idem, ibidem). A tênue fronteira que separa o mundo ilegítimo do crime, da contravenção, da transgressão, do considerado mundo legítimo reconhecido pelo ganho justo através do trabalho, expressa e trava uma particular relação dos adolescentes com os territórios em que habitam. Segundo Feltran (2008), a invisibilidade social, o despertencimento, as inúmeras iniciativas para atingir uma mobilidade social (trabalho-reconhecimento-respeito) resvalam nas condições concretas de possibilidades, oportunidades e ausências que suas famílias e setores da sociedade têm de estabelecer com estes dois mundos. Manter e reforçar redes internas e externas de convívio familiar e comunitário, em contraponto ao assédio e oferta consumista de bens de consumo pelo mercado, ainda é o grande desafio destas famílias e seus filhos. Saber estabelecer uma relação e compreender o “conjunto de códigos e sociabilidades que se estabelecem, no âmbito local, em torno dos negócios ilícitos do narcotráfico, de roubos e furtos” (FELTRAN, 2008, p.93) se tornou um referente na vida de pais e familiares, profissionais e gestores públicos, no enfretamento da dimensão da questão do ato infracional envolvendo adolescentes. 81 O trabalho que mobiliza estes jovens hoje não está revestido de uma utilidade social: o que, para que, por que; resultam na negação do mito do trabalho que compensa, e de que, este (o trabalho) confere respeito e aceitabilidade entre os indivíduos. Uma ausência de sentido do que representa o trabalho a esta nova geração de filhos de trabalhadores e o desejo do imediatismo consumista, refaz a própria questão do trabalho e cria um paradoxo, um verdadeiro hiato na relação da produção-consumo, ou seja, sou trabalhador, logo, sou consumidor. O status do consumo que faz criar um sentimento de ausência de limites a este prazer, não tornam igual os desiguais. A espetacularização das existências e dos reconhecimentos públicos, as imagens, as cenas que fazem as pessoas agirem como mercadoria, que se transforma em algo virtual, outro efeito deste processo midiático, espanta pelo número de sites de exposição do corpo nas redes de informação que é acessada por adolescentes nas lan houses e aparelhos de telefonia. Transitar pelos territórios e periferias urbanas das grandes cidades, em parte é visualizar os efeitos da destituição de um não lugar, espaços de não consumidores, dos não plenos cidadãos, não incluídos, contracenando com uma massa de personagens sem emprego, sem educação, sem trabalho, sem habitação, sem identidades sociais. O efeito do confinamento destes jovens nos espaços e territórios de seus bairros, em função das dificuldades de acesso e inserção social, faz da vivência do tempo sobrante, dado pela ausência do trabalho, o tempo livre que arrasta jovens para os espaços do ato infracional. O fato de circularem com uma roupa de marca legítima, pois não basta ter a marca, ela não pode ser comprada no camelô41, já cria aproximações de caráter universalista destes sujeitos. Parece fazer do imediatismo deste consumo o que basta para transpor as barreiras e fronteiras desta invisibilidade social. Muito interessante observar que no Brasil, nas décadas de 1970 e 1980, muitos de nossos jovens rompem as amarras e fronteiras para alcançar uma visibilidade social, mobilizando instrumentos sociais para buscar um pertencimento e visibilidade política, também de pertencimento social, mas um pertencimento social que desse conta das aspirações por ideais humanistas, 41 Camelô, tipologia de atividade comercial, informal, precarizada, sem regulação oficial que circula nos grandes centros e periferias das cidades. 82 revolucionários nos costumes, na moral empunhando bandeiras que tornavam os sujeitos sociais mais plenos. Hoje, 30 anos depois, nossos jovens também rompem amarras, saltam muros, para atingir esta visibilidade, mas por ideais consumistas, mercadológicos, motivos que dão uma representação menos segregadora nos contextos societários. 2.2.2 A família de adolescentes A pesquisa em tela fala de famílias de adolescentes que estão em cumprimento de medidas socioeducativas em meio aberto na modalidade liberdade assistida, sujeitos sociais que se encontram em situação de violação de seus direitos em diversas dimensões sociais. O trabalho realizou uma aproximação com as condições de vida de um grupo de adolescentes e suas famílias, buscando compreender nos limites desta abordagem o contexto do espaço das relações afetivas, socioculturais, éticas que proporcionam a construção, fortalecimento e estreitamento de laços de solidariedade, de carinho, de atenção. Certo é que a família, como qualquer tipo de formação e agregação é afetada sobremaneira pelo impacto do processo de desenvolvimento socioeconômico vigente, projetado pela ação do Estado através das políticas econômicas e sociais, e assim, demandam políticas públicas que enfrentem os desafios postos pela vulnerabilidade e condição de pobreza. A família é o primeiro sujeito que referencia e totaliza a proteção e a socialização dos indivíduos. Independente das múltiplas formas e desenhos que a família contemporânea apresente, ela se constitui num canal de iniciação e aprendizado dos afetos e das relações sociais. (...) Retomar a família como unidade de atenção das políticas públicas não é um retrocesso a velhos esquemas. É, sim, um desafio na busca de opções mais coletivas e eficazes na proteção de indivíduos de uma nação (BRANT, 1998, p.93). A constatação de que por detrás de uma criança ou adolescente cujos direitos foram violados, há uma família em situação de desproteção social é uma realidade em inúmeros lares brasileiros. As diferentes dimensões e papéis que desempenha a família na sociedade, ou seja, quanto à divisão sexual de 83 trabalho, o trabalho produtivo, improdutivo e reprodutivo, a condição de unidade de renda e consumo e de prestação de serviços são profundamente afetada pelas violações frequentes aos direitos humanos, aos direitos de cidadania, à sua sobrevivência enquanto suporte básico de provimento de proteção integral a seus membros. Um grande desafio é compreender a família como uma instituição que opera impactos no conjunto da sociedade, a partir da forte integração de seus sujeitos numa complexa rede de trocas, de solidariedade, que dão os sentidos dos pertencimentos, só rompidos pela situação de vulnerabilidade, podendo: “tornar este individuo temporária ou definitivamente incapaz de manter seu lugar no sistema regulado de trocas que asseguram o equilíbrio do grupo ao qual pertence” (CASTEL, 1995, p.50) Assim, Há risco de desfiliação quando o conjunto das relações de proximidade que um indivíduo mantém a partir de sua inscrição territorial, que é também sua inscrição familiar e social, é insuficiente para reproduzir sua existência e para assegurar sua proteção. (CASTEL,1995, p. 50-51). O forte impacto da ausência do Estado nos territórios mais vulnerabilizados onde moram famílias também vulnerabilizadas, a instabilidade do despertencimento, situações de desestabilização por sobrecargas de problemas como demissões, perdas de proteção advindas do trabalho, diferentes formas de abandonos, negligência, exploração e manifestação de violências são elementos que podem esgarçar a flexibilidade desta rede de sociabilidade. O apelo a suas comunidades tem poder de também reconfigurar estas relações rompidas. Agregando de novo estes indivíduos a partir de aportes econômicos no seio familiar e ou social, de forma ampliada ou extensa, garantem a solidariedade na comunidade assegurando assim as ações coletivas, cuidam dos mais vulnerabilizados através de uma assistência mínima, entendendo que o abandono total de seus membros pode abalar a coesão do seu grupo social. Afinal, “a precariedade da existência faz parte das condições de todos e não rompe o pertencimento comunitário” (CASTEL,1995, p.55), o que significa que a precariedade das condições socioeconômicas a que estão expostas 84 estas comunidades são comuns a todos e não esgarçam os laços afetivos e comunitários que se estabeleceram. Deste modo, falar de famílias em suas várias dimensões e particularidades e formações é um desafio. Não existe um modelo ideal, único e universal de família, mas um conjunto representativo de trajetórias coletivas, que afetam individualmente seus membros, de forma diferenciada, pela vinculação a atividades econômicas, sociais, políticas e culturais provenientes das macro e micro ações políticas a que estão afeitas. A Constituição Federal de 1988, regente dos direitos do cidadão consagra a família com novo status: A nova definição constitucional de família tornando-a mais inclusiva e sem preconceitos; a igualdade de direitos e deveres entre homens e mulheres na sociedade conjugal; a consagração do divórcio; a afirmação do planejamento familiar como livre decisão do casal; e a previsão da criação de mecanismos para coibir a violência no interior da família, são o resultado das lutas feministas junto aos legisladores constituintes (COSTA, 1998, p. 21). A dessacralização da família no ECA (COSTA, 1998), em parte produto da ação das lutas sociais dos movimento feministas e dos movimentos em defesa da criança e do adolescente, foi introduzindo o ideal da proteção legal de crianças e adolescentes contra até seus próprios familiares, revendo o instituto do poder familiar, a responsabilização masculina sobre seus filhos e ao mesmo tempo reiterando o paradigma da convivência familiar como um direito destes sujeitos. Abalando as visões conservadoras e idealizadoras de modelos de família, exige também em contrapartida entender que impactos estas mudanças e rupturas ensejaram nestes vinte e tantos anos na dinâmica de famílias, a reprodução dos papéis sexuais e a divisão sexual do trabalho no cotidiano das formações familiares em curso, rompendo visões fortemente vinculadas a julgamentos morais. A atual sobrecarga do papel de provedora atribuído à figura materna, principalmente às mulheres sozinhas, ou famílias chefiadas por mulheres, e ainda, as circunstâncias sociais protagonizadas pelo alcoolismo, violências e abandono, remetem as famílias a vulnerabilidades ainda maiores. 85 Elencamos dados já publicados pelo último Censo (IBGE, 2010)42 de indicadores que merecem aprofundamento de atenções para seu enfrentamento através de políticas públicas que alcancem patamares de apoios e proteções às atuais formações familiares em suas complexidades. Por exemplo, quanto aos dados apresentados para a Região Sudeste, apesar da discrepância entre os municípios, revela uma tendência nacional de que tais indicadores são expressivos em sua singularidade. Os formatos diferenciados de arranjos familiares, apontam modelos de formações familiares em três direções de composição de maior peso: i) as que se referem ao número de arranjos familiares sem filhos (aproximadamente 20% do total das famílias), ii) com filhos (aproximadamente 50% do total das famílias) e iii) os arranjos familiares com 20% de mulheres provedoras sem cônjuges que assumem as funções sociais de “pai-mãe” nas famílias. Quadro 4 Síntese dos Indicadores Sociais das Condições de Vida da População Indicadores Sociais Taxa Fecundidade (2009) Arranjos familiares Arranjos familiares- casal sem filhos Arranjos familiares casais com filhos Arranjos familiares- mulheres sem cônjuges No. de Municípios Região Sudeste MG SP RJ ES 1,67 1,78 1,63 1,88 6609 13608 5572 1.159 16,3 18,2 18,9 19,5 46,1 47,7 41,2 46,0 18,7 853 15,9 17,5 645 92 17,2 78 Fonte: IBGE, Estatísticas do Registro Civil, 1999/2008; IBGE, Pesquisa de Informações Básicas Municipais,2009;Pesquisa de Orçamentos Familiares, 2008-2009; IBGE, Pesquisa Nacional de Saúde do Escolar, 2009;Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, 2008-2009. Elaborado pela pesquisadora em 2010. Outro reflexo se refere à expectativa média de vida do brasileiro que na década de 1970 era de 52,4 anos e em 2007, segundo dados do IBGE (2008), alcançou 72,7 anos, enquanto no mesmo intervalo de tempo a taxa de fecundidade despencou de 5,76 para 1,9 filhos por mulher, e o número de 42 O IBGE tornou público dados ainda preliminares do Censo 2010, e aponta no Estudo Síntese dos Indicadores Sociais 2010 uma Análise das Condições de Vida da População Brasileira, dados primários sobre as regiões brasileiras, apurados por Estados, que dão um panorama geral da complexidade que as dinâmicas sócio-econômicas e culturais apontam às políticas públicas para as próximas décadas. Fonte: http://www.ibge.gov.br/cidade/topwindox.htm?1. Acesso em 08/12/2010 86 casamentos, no civil e religioso, caiu de 64,53% da população para 49,48%. Este envelhecimento da população aponta para a ampliação da responsabilidade do Estado e da sociedade de orientar políticas públicas para o jovem, sobretudo no tocante ao desenvolvimento social e aos aspectos da sua participação na proteção previdenciária e do crescimento demográfico. São setas indicativas de mudanças nas atenções sociais. O rompimento de laços e redes, e o círculo de violação a direitos individuais e coletivos de vários sujeitos que compõem as famílias se tornou o grande mote das políticas públicas em debate. Como então assegurar, defender e expandir o caráter protetivo da família e, em especial das famílias de adolescentes em conflito com a lei? Num primeiro momento, refletimos sobre a importância e o significado do vínculo; com interesse na contribuição da professora Cenise Vicente (1998) que discute a “dimensão política do vínculo”. Quando vemos que a capacidade das famílias e da comunidade de garantir padrões de dignidade, respeito e direitos estão ameaçados, estes devam ser assegurados pelo Estado, para que crianças e adolescentes usufruam de um bem social que esta dimensão afetiva pode assegurar. , “(...) para sua manutenção e desenvolvimento, necessita de proteção do Estado”, isto quer dizer que, o (...) “vínculo, por meio do direito à convivência, passa a fazer parte de um conjunto de pautas das políticas públicas” (VICENTE, 1998, p. 51). Em outro momento, fomos buscar a contribuição da professora Sawaia (2007), quanto a defesa de uma práxis ético-política, que adota a família e a afetividade, como lócus do protagonismo social, “(...) usando em lugar da disciplinarização, a liberdade; em lugar do isolamento, a abertura ao coletivo”: Em minha opinião, esta é a principal força que explica sua permanência na história da humanidade. Ela (a família), é o único grupo que promove, sem separação, a sobrevivência biológica e humana, isto é, a sobrevivência na concepção espinosana de movimento, ao mesmo tempo, de conservação e expansão. (...) sua eficiência depende da sensibilidade e da qualidade de vínculos efetivos, especialmente da “paixão pelo comum. (SAWAIA, 2007, p.43 grifo da autora). A autora justifica a escolha pela principal característica da família, o afeto. Apresentamos suas razões de caminhos para a geração “de uma 87 instância política baseada na ação sobre os afetos”. Elencamos alguns motivos: i) a necessidade de focar não somente nos riscos, desnudando a visão funcional de ver famílias fracassadas e incapazes de enfrentar seus desafios. Trabalhar afetos, não como apêndices, mas potencializando pessoas para enfrentar e combater o que lhe causa o sofrimento. “Olhar a família que sofre”. Sofrimento aqui entendido como uma “dor”, imposta por injustiças, preconceitos, falta de dignidade, respeito, decorrentes da condição social, cor, credo, gênero; que torna as pessoas impotentes, submissas, indignadas, com reflexos em sentimentos de desamparos, atitudes de reprodução de violência contra familiares no âmbito privado e ou “na passividade, rebeldia e criminalidade na vida pública”; ii) a partir do afeto, a impulsão de discernir sobre o que é bom ou não, o poder de afetar ou ser afetado, determinando nossa condição de liberdade. Defender a capacidade de agir per si e não pela submissão às vontades alheias, de romper a cristalização dos efeitos da exclusão social e da dominação e, “enfrentar a feudalização do planeta causada pelo princípio do mercado” e se propor a potencializar ações em defesa do viver e, por fim, iii) questionar sobre a qualidade da afetividade que une pessoas em família. Outro elemento sinalizador, conforme Costa (2006), refere-se ao nosso olhar para o trabalho de socioeducação com adolescente, que por “circunstâncias cometeu ato infracional” e não lidar ambiguamente com paradigmas sobre quem, o que e para que desenvolvermos nossa ação educadora e sim partirmos de pressupostos que promovam “acontecimentos estruturantes”, e capazes de gerar “influências edificantes” e construtivas sobre os adolescentes. Assim trabalhando Com adolescentes sobre a questão dos direitos e deveres, da identidade, da auto-estima, do projeto de vida, dos limites, da solidariedade, da democracia, da trabalhabilidade, do respeito, da cidadania, do novo mundo do trabalho, e muitos outros. Estamos diante de temas que vão ao encontro do jovem que queremos formar, porque sinalizam indicadores que podem contribuir para seu crescimento nos âmbitos da autonomia (...) da solidariedade (...) da competência (ter capacidade para ingressar, permanecer e crescer 43 no mundo do trabalho (COSTA, 2006, p. 56 ). 43 A Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República, por meio da Subsecretaria de Promoção dos Direitos da Criança e do Adolescente – SPDCA, apresenta uma coleção de guias elaborados pelo consultor Professor Antonio Carlos Gomes da Costa 88 A visão fragmentada sobre a problemática do abandono, da negligência, da violência, da dependência de substâncias psicoativas da população juvenil, per si, impede que seja aprofundada a compreensão da realidade familiar. O rompimento deste paradigma, certamente influenciará na perspectiva da implementação de programas que garantam retaguarda tanto às medidas protetivas, quanto às medidas socioeducativas44. A realidade social das famílias e seus membros nas várias fases geracionais, expostas às situações de risco social e pessoal em flagrante violação de seus direitos sociais, mostram a reduzida capacidade de acesso e inserção aos serviços públicos básicos como educação, saúde, transporte, cultura e lazer e habitação, revestindo as diversas dimensões da vida social familiar. A ausência de programas e serviços estruturados e especializados, que atentem às dimensões da família e respondam assertivamente às necessidades sociais como prepostos pela Constituição, ECA, PNAS, SINASE, ainda é uma lacuna nessas políticas. A PNAS (2004), ao assegurar sua centralidade no âmbito das ações da política de assistência social, reconhecendo as “pressões que os processos de exclusão sociocultural geram sobre as famílias brasileiras”, expõe com base no artigo 226 da CF/88, que “a família, base da sociedade, tem especial proteção do Estado”: (...) como espaço privilegiado e insubstituível de proteção e socialização primárias, provedora de cuidados aos seus membros, mas que precisa também ser cuidada e protegida. Esta correta percepção é condizente com a tradução da família na condução de sujeito de direitos, conforme estabelece a Constituição Federal de objetivando contribuir para a formação de operadores e gestores do sistema socioeducativo no Brasil. Esta citação se encontra no Guia As Bases Éticas da Ação Sócio educativa Referenciais Normativos e Princípios Norteadores. Coordenação técnica Antonio Carlos Gomes da Costa. Brasília : Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006. p.10 44 Socieducativo: Segundo o professor A.C.G.Costa,ocorreu no ato da redação da Lei(ECA), uma distorção de conteúdo e sentido do termo socioeducativo, inicialmente por intenção dos formuladores o conceito de trabalho social e educativo era o de cobrir com o termo toda “a gama de programas de atendimento fora do âmbito da família e da institucionalização”,ocorre que por sintaxe, e morfologia a forma socioeducativa acaba por designar no ECA o universo “aplicado das medidas aos adolescentes em conflito com a lei em razão do cometimento de ato infracional” (COSTA, Os Regimes de Atendimento no Estatuto da Criança e do Adolescente Perspectivas e Desafios. Coordenação técnica Antonio Carlos Gomes da Costa. Brasília: Secretaria Especial dos Direitos Humanos, 2006. p.46 89 1988, o Estatuto da Criança e do Adolescente, a Lei Orgânica de Assistência Social e o Estatuto do Idoso (PNAS, 2004, p. 35). Ao longo de sua trajetória de vida, as famílias vivenciam sequências de rupturas, ora pela alternância de emprego informal e desemprego, trabalhos precários, mudança de moradia, sucessivos rompimentos relacionais, ora pela desvinculação territorial e de redes informais de apoio. Acarretando desfiliações de seus membros de forma temporária ou permanente, afetando e enfraquecendo vínculos afetivos e comunitários. É preciso destacar, que embora riscos e contingências sociais afetem, ou possam afetar todos os cidadãos, as condições que caracterizam o padrão de vulnerabilidade social para enfrentá-los e superá-los, são diferenciadas entre esses cidadãos; por decorrência da sua condição de vida e da ocorrência da cidadania precária, que lhes retira condições de enfrentamento a tais riscos com seus próprios recursos. Assim, as sequelas da vivência desses riscos e as vulnerabilidades em enfrentá-los podem ser mais ampliadas para uns que para outros. (PNAS, 2004, p. 36 ). Famílias estabelecem vínculos afetivos entre seus pares, com laços de solidariedade nas relações de parentesco, de vizinhança, e comunitário. Estabelecem relações de trocas de afetividades entre seus membros, com os professores e amigos de seus filhos, os técnicos e profissionais de serviços socioassistenciais que lhes prestam atenções sociais. Estas redes formais e informais são seu substrato de existência e seu apoio nos momentos de insegurança, e maior vulnerabilidade. Os efeitos devastadores de uma situação de exposição pública no confronto do envolvimento com o ato infracional de seus adolescentes expõem todo o conjunto familiar a circunstâncias e constrangimento social que implicam num processo de despertencimento em sua comunidade/território induzindo seus membros ao isolamento social. Ao refletirmos com Guimarães (2002, p.127), entendemos como (...) os trabalhos [com famílias] têm demonstrado que, mesmo em face da vivência de conflitos acirrados e da violência instalada no seio da família, o grupo pode descortinar uma dimensão efetiva de fortalecimento e potencialização de seus integrantes tendo em vista recriar ou romper relações que impõem enfrentamentos ainda maiores. De acordo com a autora, desde a Constituição de 88, com a centralidade do foco dos programas sociais na família, a tarefa de revisitar a família como 90 agenda central das políticas públicas torna-se urgente embora difícil de se concretizar, “mas não inviável”, Por mais precarizada, vitimada, vulnerabilizada que se encontrem famílias em situação de exclusão, há certamente iniciativas resistência, há desejos de reconstituição ou de manutenção vínculos e envolvimentos efetivos, há enfim, esperança de garantir família o espaço de proteção (GUIMARÃES, 2002, p.130). as de de na Estes elementos são fundantes para a construção de componentes de caráter solidário e éticos e de garantir meios para que as famílias desenvolvam estratégias para descortinar a dimensão efetiva de fortalecimento e potencialização de seus integrantes, respeitando direitos individuais e fortalecendo os direitos coletivos de seu conjunto; refletir sobre os modelos e papéis sociais que desempenham no convívio e extrato familiar, as relações parentais e conjugais, e a dinâmica dos vínculos familiares (extra e intra familiares), além das violências que se reproduzem nos comportamentos e atitudes dentro do conjunto familiar e os efeitos da violência social de fora para dentro da família. 2.2.3. Os trabalhadores e gestores no contexto da execução das medidas socioeducativas em meio aberto A Constituição Federal de 1988 consolida uma nova partilha de responsabilidades no interior do Estado. As leis infraconstitucionais (LOAS, LDB, ECA) contribuíram para a expansão do debate sobre cidadania e direitos, combate as desigualdades sociais, proteção social devida aos cidadãos. A reconfiguração do mercado e do trabalho em escala mundial excluiu grandes parcelas da população das conquistas que a globalização produziu nas condições básicas de viver e acessar os bens civilizatórios direcionados para a melhoria da qualidade da vida humana. Nesta perspectiva, o emprego das políticas públicas em contexto de desigualdades sociais, pode propiciar indicadores sociais de qualidade e melhoria das condições de vida e de cidadania da população. Mas exige ainda a introdução de novas dimensões às políticas públicas para que os efeitos redistributivo e inclusivo sejam de fato instalado e apropriado por todos os cidadãos. 91 A CF/88 ao apontar a direção política do fortalecimento da autonomia dos municípios na condução, formulação, financiamento, gestão e execução, assumindo o papel central na condução de serviços sociais públicos básicos aos direitos das pessoas (saúde, educação, habitação, segurança, assistência social, desenvolvimento urbano, cultura, lazer, esporte, dentre outros), indica a gestão participativa e de implementação compartilhada entre governo e sociedade civil para as decisões e controle sociais sobre as políticas sociais em questão. A arquitetura da gestão pública vem mudando, desejando-se que a ação pública se fundamente na lógica da cidadania e seja promotora das ações articuladas e integradas em torno do cidadão e do território. Territórios estes, entendidos como o “chão concreto das políticas, a raiz dos números e a realidade da vida coletiva” (KOGA, 2003, p.33) noção que se constrói a partir das relações concretas que os sujeitos sociais criam da sua utilização, da sua apropriação, das intervenções, criações e significados que se processam na exclusão social, que também é territorial, e se ampliam para as dimensões dos estado-nações, das cidades, das regiões-sedes, o lugar ou não lugar de vida, de cidadãos, de famílias e neles, de adolescentes em conflito com a lei. O chão do território pode significar um novo aporte para este debate no campo das políticas públicas, no sentido de uma referência concreta, em que desigualdades de condição de vida não são sinônimas de especificidades a serem enfrentadas setorialmente, mas expressões reais e complexas do processo de exclusão/inclusão social em curso (KOGA, 2003, p.34). A dimensão da proteção social também faz parte do território, diz respeito às relações interpessoais que os sujeitos estabelecem onde moram, diz respeito ao debate sobre o combate à pobreza. Diz respeito ao reducionismo da lógica perversa de estabelecer a condição de pobreza, que segundo Koga (2003) não avança nos patamares de definir os padrões do que seria a não-pobreza ou o não-pobre. O país tem 5.564 municípios, que são heterogêneos. Na realidade, possuem disparidades e desigualdades que se expressam de forma diversificada. Os mesmos impactos que a política econômica produz em uma grande metrópole como São Paulo, interfere também na dinâmica de cidades com pouco mais de 20mil habitantes (73% dos municípios do país). Outro 92 exemplo é a crescente presença observada no desenvolvimento de políticas de proteção social de adolescente em conflito com a lei, que vocalizam as relações entre os jovens-adolescentes com a violência, o consumo, a precariedade educacional e a dinâmica do desemprego. Já apresentamos anteriormente o fenômeno da “interiorização da violência” que assola municípios fora dos grandes eixos Sul/Sudeste e das Capitais/Municípios, apontados pelo Levantamento Nacional do Atendimento de Medidas Socioeducativas de Privação de Liberdade e do Mapa da Violência nos Municípios. Segundo Brant (2008), considerar a ação pública de forma sinérgica, assegurando efetividade e equidade social em seus resultados, demanda novos arranjos de gestão e de desempenho inter e multisetoriais. O modo tradicional da gestão da política pública assentada em recortes setoriais e de especializações perde em eficácia e eficiência. Políticas, programas e serviços precisam ser pensados, desenhados e operados sob o prisma da multisetorialidade. A ação pública deve conformar nos microterritórios a que os sujeitos pertencem, democracia e descentralização. A dimensão de proteção social não se realiza sem uma forte gestão em redes inclusivas, envolvendo famílias, comunidade, serviços, benefícios, programas de políticas públicas. O conceito de rede sugere uma ideia-força de teias, de vínculos, de relações, de ações, de afetos entre sujeitos e organizações (família, Estado e sociedade), que se tecem e dissolvem, estão presentes no cotidiano das pessoas em suas relações de parentesco, de vizinhança, de proximidade. Os avanços do mundo contemporâneo, incorpora no seu uso, ferramentas tecnológicas, digitais e de linguagem multimídias que agilizem os processos de comunicação e de expansão das informações e potencializam a direção democratizante e inclusiva do atual conceito. Ainda assim, é fundamental aprimorar a gestão das iniciativas existentes, para resolver problemas como as superposições ou a ausência de coordenação e integração entre estas e garantir chances de maior efetividade. Ademais, faz-se necessário fomentar a incorporação do olhar atento às especificidades dos jovens na formulação e na execução das ações nas várias áreas, de modo que as estruturas de apoio, os serviços e os programas possam lidar com o público jovem de maneira adequada em suas rotinas. De outra parte, cumpre envolver, de maneira cada vez mais próxima, outras instituições e políticas na atuação integrada em torno das questões 93 da juventude; pois sua complexidade extrapola o âmbito meramente setorial e seu enfrentamento requer o respeito à concepção hodierna deste grupo social como sujeitos de direitos que se encontram em fase de experimentação de múltiplas possibilidades de inserção na vida social, política, econômica e cultural do país (AQUINO, 2009, p. 22 grifos do autor). Agir em redes multisetoriais na atual arquitetura da gestão pública,segundo Brant ( 2008), impõe algumas direções: i) derrubar as fronteiras das ações isoladas: incentivando a formatação de programas-redes para agregar diversos programas, projetos, sujeitos e organizações no âmbito do micro territórios; ii) autonomia aos serviços que atuam nas pontas: conjugando respostas assertivas e combinadas, de ampliação dos direitos, socializando o poder de negociar, flexibilizar, compartilhar, articular e integrar complementarmente atores e processos de ação no âmbito dos territórios de vida; iii) potencializar processos de circulação e expansão das informações e conhecimentos, assegurando velocidade das informações pelas ferramentas gerenciais e tecnológicas (TIC´s)45, interatividade, definindo fluxos inter serviços e programas. A dimensão de proteção integral a adolescentes preconizada pelo ECA, em especial, aos adolescentes em conflito com a lei reconhece na ação orgânica das diferentes políticas sociais, a interdependência, isto é, as ações públicas não tomadas apenas pelo setor e pelas peculiaridades a elas inerentes, mas articulada e aliançada multisetorialmente, alicerçada em um compromisso com uma mudança cultural política de fundo, para sustentar esta nova arquitetura. A participação dos conselhos de direitos, de políticas, tem um importante papel nesta seara, na construção de um projeto coletivo, sem concorrência entre os sujeitos envolvidos. Assim, municipalizar ações públicas não é prefeiturizar o fazer político, mas no campo do município-território é relacionar-se, pois esta relação é em si 45 As Tecnologias de Informação e Comunicação – TIC´s estão presentes nos atuais fazeres profissionais, iniciativas governamentais em sua expansão tem arregimentado significativos investimentos de recursos,ora no desenvolvimento de ferramentas de caráter nacional, ora na expansão de equipamentos para que os municípios nos mais recantos lugares do país possam acessar informações em tempo real via internet, cabo, satélite. A revolução informacional a serviço das proteções sociais nos locais de execução das políticas públicas. Os procedimentos de Sistemas de Informações Integradas como os dos SIPIA (SEDH), Cadastro Únicos de Programas de Transferência de Renda (MDS e SEADS), ou BDC (PSA-Santo André), são exemplo destes instrumentos ferramentais. 94 condição protetiva. O trabalho político e social necessita processar conhecimento e disseminar comunicação. De outro lado, o trabalho profissional demanda enraizamento nos territórios, uma gestão integrada idealizada como sistema, daí as articulações do SINASE, SUAS com os atores do SGD: Judiciário, Ministério Público, Defensoria Pública e Segurança Pública, de preferência num mesmo local, possibilitando a agilização do atendimento ao adolescente em cometimento do ato infracional. Esta necessidade de construção de redes de atendimento, em sua gênese, é complexa: o envolvimento destes diferentes atores, segundo Brant (2008), que pertencem a “territórios distintos”, (cada um dominando um território de saber e excelência) “(...) Enfrentam igualmente a setorização e padronização observadas nos programas e serviços das políticas sociais (Brant,2008, p.122) demanda compreensão e significados dos conteúdos e processos afetos à aplicação, execução e acompanhamento das MSE em meio aberto. Porém, Os gestores do projeto municipal podem identificar/quantificar/qualificar as demandas e necessidades dos adolescentes; as dificuldades de inserção do adolescente em programas sociais; as famílias com dificuldade de subsistência; de aceitação do adolescente; adolescentes envolvidos com as drogas, com o tráfico, com gangues, influências que transcendem a esfera municipal; o excesso ou a ausência de documentação, os prazos processuais, as dificuldades do adolescente no cumprimento das medidas; as dificuldades de diálogo, negociação e pactuação com os demais gestores; as informações que não circulam e deveriam circular entre os gestores sobre o conjunto das medidas socioeducativas aplicadas no município (BRANT, 2008, p.123). Esta malha de informações e conhecimentos pode demandar espaços de debate consistente; embora cada gestor tenha em sua instância informações, quase sempre dispersas, manuais, que não circulam, não passam por processamentos dos dados. Os registros administrativos tão comuns e abundantes neste campo podem atuar como fonte primária das mais completas e significativas para a gestão das MSE´s, podem embasar fluxos, padrões e indicadores de qualidade, para a melhoria e ampliação do leque de ofertas de atendimento aos ACL em programas socioeducativas, mas há muito a avançar neste campo para a gestão dos programas socioeducativos. Há aspectos relevantes a serem observados quanto à gestão: i) o primeiro é aceitar que os desafios são problemas a serem resolvidos, por isso, identificar onde, como, quando, e de onde são, já é um bom começo; ii) segundo, as mediações, 95 pactos e protocolos intergestores possibilita elementos para compartilhar a gestão, a saber: a) agenda local de debates e trocas de informações; b) estabelecimento e análise de fluxos, procedimentos, encaminhamentos a partir das demandas consideradas prioritárias e urgentes; c) pactuar estratégias de intervenção, ou seja, a partir das prioridades, estabelecer papéis, competências e recursos que os diferente sujeitos aportarão para a ação e, d) implantar sistemas de informações com bancos de dados, sistematizando experiências, avaliando e monitorando a aplicação das medidas e a execução dos programas afetos. Por essa via, é que a gestão da municipalização das MSE a partir das diretrizes especificadas no art.88 do ECA, reconduzida pelo SINASE na proposta articulada como sistema participativo, democrático, descentralizado, para alcançar êxito precisa de um novo arranjo marcado pela interatividade de seus sujeitos. Afinal os gestores desta emaranhada teia, que vai tecendo a política de proteção integral de ACL, tem em comum a interinstitucionalidade da MSE, cada um com suas competências distintas, mas convergentes em seu objeto. O contraponto proposto pelos estatutos infraconstitucionais exige participação de todos neste processo de gestão, que é educativo, sob pena de pela “ação ou inação isolada ou de todos, rebater sobre o conjunto e sobre cada um” (Brant, 2008, p.13) e aprofundar o circuito de desproteção a que estão sujeitos nossos adolescentes em conflito com a lei e suas famílias. 96 3 METODOLOGIA 3.1 PROCEDIMENTO E PERCURSO METODOLÓGICO DA PESQUISA É dever da família, da comunidade, da sociedade em geral e do poder público assegurar, com absoluta prioridade, a efetivação dos direitos referentes à vida, à saúde, à alimentação, educação, ao esporte, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária (ECA, 1990, art.4º). A partir do disposto no ECA, nosso objeto de pesquisa vai discutir a capacidade protetiva que vem desempenhando as famílias dos adolescentes em conflito com a lei, correlacionando-a à implementação da municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto e a consequente implementação de políticas públicas em territórios vulneráveis, com vista ao aumento do acesso a bens materiais e imateriais, de serviços e dos direitos sociais destes sujeitos. No presente estudo, partimos da experiência de municipalização das medidas socioeducativas (MSE) na modalidade de liberdade assistida (LA), desenvolvida no município de Santo André, município situado no Estado de São Paulo, na Região do Grande ABCDMRR. Analisamos os dados apurados junto a 07 (sete) adolescentes em cumprimento de medidas socioeducativas, moradores no território do Jardim Santo André, bairro deste município, no período de janeiro a julho de 2010, uma vez que configuram um conjunto de jovens que tem em comum a reincidência no ato infracional e a coincidência de moradias no mesmo território. O caminho metodológico percorrido focou o olhar no isolamento e na particularização, entendendo que este modo de tratar os objetos é um procedimento legítimo, pois (...) em todo o resultado particularizado, a expressão do modo como o todo se deixa fracionar e se torna aparente na singularidade, de modo que ao se analisar se estará considerando o todo composto pelas partes isoladas, e ao refazer o composto, a partir dos elementos que dissociou, atentará sempre para o valor significativo de cada parte isolada (PINTO,1979, p.210). A partir dos elementos particularizados da pesquisa, até então desapercebidos, refletimos o quanto eles foram recorrentes nos dados que o 97 trabalho colheu. Entendemos na singularidade das falas dos sujeitos um ponto crucial do método, as possibilidades do apurar, de conectar linhas de raciocínio até então abandonadas ou não significantes para a compreensão da dimensão e da problemática social do adolescente em ato infracional. À pesquisa documental e bibliográfica se somou a proposta da pesquisa de campo com gestores e técnicos do trabalho na execução dos programas de medidas socioeducativas de Liberdade Assistida (LA) e Prestação de Serviços à Comunidade (PSC), além do levantamento de informações sobre o cenário do território em que vivem famílias e adolescentes. Para a pesquisa, o foco centrou-se na região do Jardim Santo André, bairro de abrangência do Centro de Referência de Assistência Social (CRAS) de Vila Luzita, lócus da referência46 e contrarreferência47 no território das famílias dos adolescentes em conflito com a lei em cumprimento das medidas socioeducativas. Foi identificada uma variável que deu origem ao presente estudo, ou seja, desde a fase inicial da implantação, em 2008, da municipalização das medidas socioeducativas na cidade, vem se apresentando uma elevada concentração de adolescentes, moradores no território do bairro Jardim Santo André. Buscamos na Prefeitura de Santo André documentos e informações sobre o processo que culminou na municipalização das medidas socioeducativas em meio aberto, desde a fase de transição da gestão do Governo do Estado, por meio da transferência de responsabilidade de competência da Fundação CASA, até a municipalização propriamente dita. Passamos pelo levantamento conceitual e documental do tema, com leitura de teses, artigos, publicações, participação em seminários e atividades que balizaram conceitos fundamentais tais como: família, Estado, Gestão Pública, Sistemas Únicos, direitos humanos, intersetorialidade, violência, 46 Referência: “A função da referência se materializa quando a equipe processa, no âmbito do Suas, as demandas oriundas das situações de vulnerabilidades e risco social detectadas no território, de forma a garantir ao usuário o acesso à renda, serviços, programas, projetos, conforme a complexidade da demanda. O acesso pode se dar pela inserção do usuário em serviço ofertado pelo CRAS ou na rede socioassistencial a ele referenciada, ou por meio de encaminhamento do usuário ao CREAS, ou para o responsável pela proteção especial no município (onde não houver CREAS)”. (BRASIL, MDS, 2009 p. 10) Caderno de Orientação Técnica do Centro de Referência de Assistência Social- CRAS. 47 Contrarreferência: “A contrarreferência é exercida sempre que a equipe do CRAS recebe encaminhamento do nível de maior complexidade (proteção social especial) e garante a proteção básica, inserindo o usuário em serviço, benefício, programa, e/ou projeto de proteção básica)”. (BRASIL, MDS, 2009 p.10) Caderno de Orientação Técnica do Centro de Referência de Assistência Social- CRAS. 98 adolescência, juventude, territórios, municipalização de medidas socioeducativas em meio aberto, responsabilização juvenil. Outro procedimento adotado foi a realização das estratégias de coleta de dados diretamente vinculadas aos sujeitos da pesquisa, a saber: a) entrevistas semiestruturadas realizadas com os adolescentes em cumprimento de medida e suas famílias moradores do Jardim Santo André; b) os questionários para coleta de dados com os trabalhadores das equipes multiprofissionais, que têm relação direta com o atendimento dos adolescentes no Serviço de Medida Socioeducativa em Meio Aberto vinculado ao CREAS Infância e Adolescência; c) os questionários encaminhados aos gestores públicos governamentais e não governamentais responsáveis pelas MSE. O objetivo geral, que orienta este trabalho é discutir as estratégias que fortalecem o caráter protetivo das famílias de adolescente em conflito com a lei, compreendendo a partir do espaço macro e micro territorial os níveis de pertencimento social (vínculos intrafamiliares e relacionais, acessos e inclusão social e alcance da participação familiar no caráter protetivo à cidadania de seus membros adolescentes-jovens). O objetivo específico é aprofundar o conhecimento sobre o papel do Sistema de Garantia de Direitos (SGD) na defesa dos direitos dos adolescentes envolvidos em atos infracionais e as interfaces dos sistemas de proteção social na construção de estratégias de enfrentamento às situações de violência e vulnerabilidade social. A etapa inicial da presente pesquisa começou no período de outubro a dezembro de 2009 e consistiu nos levantamentos de materiais bibliográficos e documentais tais como artigos, periódicos, teses, livros, e estudo sobre o tema Adolescente em Conflito com a Lei. Todo esse material compôs um banco de dados e fichamento textual para a elaboração da dissertação. Uma fonte considerável de pesquisa para o levantamento de publicações acerca da temática é o Banco de Teses e Dissertações da Coordenação de Aperfeiçoamento do Pessoal de Nível Superior (CAPES), complementado pelo acesso aos sítios eletrônicos. A segunda etapa compreendeu o reconhecimento do território e preparação dos questionários e entrevista que ocorreu de dezembro de 2009 a fevereiro de 2010. Isto exigiu a montagem da documentação necessária à 99 Comissão de Ética Institucional, a exemplo dos Termos de Consentimento dos responsáveis pelos adolescentes. A identificação dos órgãos e instituições públicas e privadas que compõem o Sistema de Garantia de Direitos no município de Santo André compõem o contexto social para o desenvolvimento da pesquisa qualitativa, elementos necessários à análise do Sistema de Proteção Integral deste município. A terceira etapa ocorreu em Abril de 2010, quando foi realizada a Banca de Exame de Qualificação do Mestrado. Neste mês, encaminhamos documentação para apreciação da Comissão de Ética Institucional para darmos início às entrevistas com os sujeitos sociais da pesquisa, o que foi aprovado. Realizamos as visitas em campo/território e buscamos apoio da equipe técnica do CRAS Vila Luzita, espaço de referência técnica para a realização da entrevista semiestruturada com os/as adolescentes em MSE e suas respectivas famílias moradoras no território do Jardim Santo André em Santo André. Na quarta etapa da pesquisa, de maio a junho de 2010, tivemos que adotar procedimentos para nova autorização de realização da pesquisa no município de Santo André, em função da substituição do Secretário Municipal e de parcela da equipe de gestão e apoio da Secretaria de Inclusão Social, lócus administrativo das ações das medidas socioeducativas em meio aberto. Consequentemente, em julho/2010, munida das devidas autorizações, aplicamos o questionário junto aos gestores públicos (Secretário, Diretores técnicos do CREAS e técnicos do CRAS e técnicos das MSE e também realizamos as entrevistas com as famílias e adolescentes, sujeitos deste estudo). Em meados de junho de 2010, estabelecemos uma agenda de contatos com os 04 (quatro) Gestores dos Departamentos de Proteção Social Básica e de Proteção Especial (02 diretores, 02 supervisoras técnicas), para esclarecimentos sobre a presente pesquisa, seus objetivos e procedimentos, abrindo espaço para a apresentação da proposta de trabalho junto às equipes técnicas da administração direta e indireta executora dos respectivos serviços. Durante o mês realizamos reuniões no CRAS Vila Luzita com a equipe técnica composta por 05 (cinco) profissionais (02 assistentes sociais, 02 psicólogos, 01 coordenação), com 06 (seis) profissionais do CREAS Infância e Juventude (01 100 coordenação, 03 assistentes sociais, 02 psicólogos), com 07 (sete) profissionais da equipe técnica do CREAS - Espaço Adolescente, onde a Organização Social Instituto Monsenhor Antunes opera em parceria as MSE´s (01 coordenação, 02 psicólogos, 01 assistente social, 01 pedagogo, 01 atriz, 01profissional de Letras). Após a apresentação da pesquisa, foram entregues os 22 (vinte e dois) formulários dos questionários aos trabalhadores e gestores, esclarecendo as questões pertinentes e estabelecendo o prazo para sua devolução. Em julho de 2010, em reunião com a equipe técnica do CREAS - Espaço Adolescente onde se opera as MSE definimos os critérios, perfis, agendamento das entrevistas com adolescentes e seus familiares. A seleção dos casos ficou a cargo da equipe técnica, considerando adolescentes que deveriam: a) morar no Jardim Santo André, devido à variável de incidência de adolescentes desta região cumprindo MSE em meio aberto; b) estar efetivamente ativo, isto é, estar cumprindo regularmente a MSE-LA; c) de ambos os sexos, apesar de a maioria ser do gênero masculino, entendemos ser interessante entrevistar adolescentes do gênero feminino; d) comparecer acompanhado por seus familiares; e) comparecer em horário distinto das atividades das MSE. Cabe esclarecer que o projeto original de pesquisa previa a realização de 12 entrevistas com adolescentes e suas famílias que estivessem ativos no cumprimento de medida socieducativa, na modalidade liberdade assistida, no período de janeiro a dezembro de 2009, e fossem moradores do Jardim Santo André. Tivemos que rever e alterar a temporalidade do período da pesquisa para o período de janeiro de 2010 a julho de 2010 porque ocorreu a alteração nos perfis dos adolescentes a serem entrevistados, em parte, pelo término do cumprimento da medida quando da aplicação da entrevista, em parte, pela reincidência em ato infracional culminando com a saída de adolescentes do meio aberto para o meio fechado. Deste modo, o presente trabalho considerará as entrevistas realizadas com 07 (sete) adolescentes e seus 07 (sete) respectivos responsáveis. Durante o período do trabalho de campo, foram mantidos contatos constantes entre a equipe técnica e a pesquisadora, reforçando o convite aos familiares e seus adolescentes. As entrevistas transcorreram no período de 20 a 31 de julho de 2010. 101 Finalizando esta quarta etapa da pesquisa, constatamos que das 46 (quarenta e seis pessoas) previstas inicialmente no projeto de pesquisa, obtivemos a participação de 40 (quarenta) pessoas, ou seja, 86% do total. Consideraremos como resultado final do trabalho de campo, os seguintes dados: a) dos 22 (vinte e dois) questionários entregues, recebemos (por meio eletrônico ou pessoalmente) 13 (treze), ou seja, 60% dos questionários respondidos e entregues, parte integrante da análise crítica deste trabalho, b) dos 26 (vinte e seis) indivíduos entrevistados para efeito deste estudo, analisaremos somente as entrevistas de 07 (sete) adolescentes e seus respectivos responsáveis moradores do Jardim Santo André, totalizando 14 sujeitos (quatorze), ou seja, 52% do total, posto que concentram os perfis e critérios previamente estabelecidos para esta pesquisa com a equipe de execução das MSE´s. O produto das demais 12 (doze) entrevistas48 será objeto de análise crítica em futuro próximo. Na quinta e última etapa, de agosto a novembro de 2010, procedemos à leitura crítica das entrevistas e questionários, e à análise com previsão da Banca Defesa para fevereiro de 2011. Deste modo, temos a considerar para efeitos de resultado deste trabalho, o correspondente a 07 (sete) representantes de famílias e 07 (sete) adolescentes que estão em cumprimento de medida socioeducativa – modalidade liberdade assistida, totalizando 14 (quatorze) sujeitos, moradores do Jardim Santo André. E 13 (treze) trabalhadores e gestores envolvidos na 48 Temos bons resultados a considerar: i) o número de participantes. Foram entrevistados 26 sujeitos, a saber: 14 (quatorze) familiares, destes 07 (sete) famílias ficaram de fora da nossa análise porque: a) Seus filhos adolescentes não aceitaram participar da pesquisa, b) seus adolescentes no período, reincidiram em ato infracional e estavam em cumprimento de MSE de internação em unidades da Fundação CASA, c) eram moradores de outras regiões da cidade. E entrevistados 12 (doze) adolescentes, destes 05 (cinco) ficaram fora de nossa análise porque: a) os adolescentes eram moradores do Jardim Santo André, mas seus familiares não compareceram ou autorizaram a entrevista; b) os adolescente eram de outras regiões da cidades. Toda a coleta de dados proveniente destas entrevistas que não estão no cômputo deste estudo, será objeto de outros estudos sobre o tema; ii) a participação de todos os envolvidos ocorreu em horário e dias inversos aos dias de seu comparecimento nas atividades regulares das MSE´s, demonstrando o nível de envolvimento tanto dos adolescentes quanto dos familiares com a equipe técnica de referência e com o CREAS-Espaço Adolescente onde acontecem as atividades de cumprimento das medidas socioeducativas. O resultado da participação de familiares e adolescentes surpreendeu, em parte pelo tempo reduzido de convite e sensibilização, em parte, pela iniciativa e desejo de participação nas entrevistas com o propósito de nosso objeto: fortalecer a capacidade protetiva das famílias. 102 execução das medidas socioeducativas em meio aberto do município de Santo André-SP. Cabe ressaltar que as falas dos entrevistados estão expostas em escrita itálica. O processo de aplicação das entrevistas não foi conjunto, os sujeitos compareceram em dias e horários diversos. A sistematização dos dados a seguir divide-se em dois blocos. A primeira parte expõe os níveis de pertencimento, inclusão social, aspirações e perspectivas no território e para a vida, na fala dos adolescentes e seus respectivos responsáveis. Na segunda parte, expomos a experiência e práticas profissionais de trabalhadores e gestores operadores das MSE em meio aberto do município de Santo André. A partir do resultado fomos delineando o objeto do nosso estudo, no que se refere ao fortalecimento do caráter protetivo das famílias, em especial, de adolescentes em conflito com a lei. 103 3.2 TERRITÓRIO DE PESQUISA Julgamos procedente trazer um olhar sobre a cidade e o território de moradia destes adolescentes. Fomos buscar uma compreensão sobre os territórios em que vivem com suas famílias, entendendo que foi fundamental “ler” a partir da fala dos sujeitos envolvidos neste estudo a composição e as análises diagnósticas destes territórios. Assim, partindo do pressuposto de que O território é também o terreno das políticas públicas, onde se concretizam as manifestações da questão social em suas múltiplas dimensões, e onde se processam os tensionamentos e as possibilidades para seu enfrentamento. A compreensão que incorpora a dimensão territorial nas políticas públicas remete ao reconhecimento da presença de múltiplos fatores sociais, econômicos, culturais, nos diversos territórios, que levam os indivíduos e as famílias a situações de vulnerabilidade e risco social (RAICHELIS, 2008, p.211). Tomamos o município de Santo André e nele fomos conhecer o território do Jardim Santo André, considerando que um de nossos objetivos foi avaliar como as famílias e seus adolescentes em conflito com a lei acessam e são inseridos em serviços governamentais e/ou não governamentais que possibilitem a garantia de direitos sociais fundamentais ao seu bem-estar. Saber se propiciam ou não condições de fortalecer o caráter protetivo familiar ao conhecer alguns indicadores sociais de âmbito nacional e como eles se processam no âmbito do município e dos territórios de vida dos adolescentes em cumprimento de medida socioeducativa em meio aberto foi uma das nossas estratégias de reflexão. O município de Santo André está localizado no Grande ABC, na porção Sudoeste da Região Metropolitana de São Paulo, é um dos mais antigos municípios do Brasil. A Vila de Santo André da Borda do Campo, fundada por João Ramalho na primeira metade do século XVI, teve parte de seu povoado transferido para São Paulo em 1560 por decisão do então Governador do Brasil, Mem de Sá, como medida para pôr fim nos conflitos entre indígenas e jesuítas. Três séculos depois, na segunda metade do século XIX, a vila foi retomada e começou a se configurar como cidade, a partir do desenvolvimento surgido com a implantação da ferrovia São Paulo Railway, instalada pelos ingleses em 1867. Aproveitando as planícies do Vale do Rio Tamanduathey, a ferrovia ligava a região litorânea, o porto de Santos, à cidade de São Paulo e 104 permitia acesso ao interior do estado, na época grande produtor de café. Assim, tendo como referência as estações da linha férrea, teve início a expansão da malha urbana e das atividades industriais, em ambos os lados do vale do Tamanduathey. É um dos 39 municípios que compõem a Rede Metropolitana de São Paulo. A cidade de Santo André tem área total de 174,38 km², sendo que a zona urbana é de 66,45km² e zona de proteção ambiental conta com cerca de 107,93 km². É nesta zona especial de proteção ambiental onde se localiza o Bairro do Jardim Santo André, lócus de moradias dos adolescentes em medidas socioeducativas e suas famílias, sujeitos desta pesquisa. Mapa 1 - O território da pesquisa Fonte: Sumário de Dados da Prefeitura de Santo André, 2006. Secretaria de Inclusão Social de Santo André, 2008. Para analisar seu comportamento no município e nas famílias dos adolescentes no bairro do Jardim Santo André, localizamos a expressão da situação de vulnerabilidade e exclusão que demandam a necessidade de investimento em políticas sociais setoriais e transversais de raça, gênero e geração, com vistas à diminuição dos níveis de exclusão social, dada a importância que o rendimento e acesso ao trabalho desempenham no cotidiano das famílias entrevistadas. 105 O Mapa 1 identifica um dos elementos do efeito da segregação urbana em Santo André, resultado da combinação de acesso aos bens de consumo coletivos (equipamentos e serviços públicos) e de renda (trabalho ou outras fontes), identifica a população mais vulnerável economicamente sendo expulsa das regiões mais equipadas, adensando as favelas, loteamentos irregulares ou em situação precárias com escassa oferta de infraestrutura urbana. É claro que na cidade toda encontramos índices de exclusão social e precariedade das condições de vida, mas é na região sul e sudeste que estes fatores mais se expressam. A proporção de indivíduos vivendo abaixo da linha da pobreza com renda per capita familiar inferior a ¼ salário mínimo e na linha de pobreza com renda per capita situada abaixo de ½ salário mínimo, segundo IBGE em 2000 para Santo André, era de 17 mil famílias, o que representava 10% da população total da cidade em situação de vulnerabilidade social. A distribuição desta população vulnerável por territórios, novamente se apresenta em regiões bem definidas, e o Jardim Santo André (Rede 38 e 42) está dentre eles. O contingente de crianças e adolescentes (0 a 19 anos) de Santo André é de 217.749 pessoas, dentre os quais 30,33 % têm idade entre 15 e 19 anos. Estes adolescentes estão distribuídos por igual nas diversas regiões da cidade. Quando salientamos a situação de pobreza das famílias, verificamos que os adolescentes (15 a 19 anos) mais pobres encontram-se no território de intervenção da pesquisa. Segundo a Prefeitura de Santo André (SUMÁRIO, 2008) o índice de analfabetismo adulto em Santo André é de 5,3% e a frequência à escola das crianças e adolescentes entre 7 e 14 anos é de 97,5%. Quando se analisou a situação da juventude (Censo 2000), verificou-se que 49% não frequentavam a escola e 1% nunca havia frequentado. Dentre os 50% que frequentavam a escola, 17% estavam na rede privada e 33% na rede pública (municipal e estadual); 69,9% destes jovens foram identificados fazendo parte da PEA – População Economicamente Ativa, todavia, 32,6% deles encontravam-se desempregados49 quando da aplicação das entrevistas. 49 Na região do ABC e em Santo André, de fato, na segunda metade da década de 1990, houve uma estagnação e posterior diminuição na oferta de emprego. Além disso, a oferta de emprego agora se desloca das antigas indústrias para o setor de comércio e serviços. Não só os setores, mas também, os lócus de trabalho agora são outros, uma vez que, não são mais os espaços de trabalho onde os trabalhadores se encontravam – suas inserções agora são mais 106 Segundo dados fornecidos pela recém criada Secretaria de Segurança Pública do município, utilizando-se dos dados obtidos pelo INFOCRIM, e em 2000, 95,6% de cada 100 mil homens nesta faixa de idade morreram vítimas de homicídio e, destes, 71,7% em cada 100 mil (ou seja, 75%) mortos com armas de fogo (IBGE, 2000). No Mapa da Violência dos Municípios Brasileiros 2008, Santo André ocupa o 67º lugar, no ranking dos 200 municípios com maior número de homicídios na população jovem em 2006. Os índices gerais de violência e criminalidade apontam homens jovens entre 15 e 24 anos como os mais afetados. Em relação aos índices de criminalidade do município, de acordo com a análise dos dados obtidos através do INFOCRIM – Sistema de Informações Criminais da Secretaria de Segurança Pública do Estado de São Paulo, verificamos que houve uma sensível queda nos índices de criminalidade em Santo André, porém, os números de ocorrências continuam sendo expressivos. Segundo os dados, os principais problemas do município de Santo André são de roubo e furtos de veículos e vitimização de pedestres, com reflexos econômicos e sociais, seja na sensação de insegurança ou até mesmo no valor dos seguros dos automóveis. Uma das razões pode ser o fato da região do Grande ABC possuir renda per capita superior à média do Estado, o que remete à ideia de concentração de riquezas. Quanto aos índices de criminalidade da região de intervenção do Jardim Santo André, a região concentra o maior número de crimes contra a pessoa. Em 2006, foi responsável por 11,5% dos homicídios dolosos e 7,8% dos casos de lesão corporal dolosa, enquanto que em relação aos crimes contra o dispersas no território do município, da região do Grande ABC, e na cidade de São Paulo – o que compromete também sua identidade como trabalhador e suas formas de luta social. Ademais, os seus contratos de trabalho agora são mais flexíveis na regulação das regras do trabalho, têm impactos sobre as condições, sobre os níveis de remuneração dos trabalhadores e sobre as seguranças, direitos trabalhistas e previdenciários. A insegurança se acentua, (...) mas também porque a condição de empregado/desempregado se torna comum na vida dos trabalhadores, levando as famílias a reorganizar estratégias e modos de vida que permitam enfrentar as condições de vida, agora cada vez mais inseguras (CYWINSKI, 2008, p. 61). 107 patrimônio, foi responsável por 3,4% do total de roubo de veículos e 1,7% de furto de veículos (Sistema Infocrim, 2006, SSP-SP). Este panorama de necessidade, a realização de intervenção do poder público neste espaço territorial, que ofereça maiores oportunidades de acesso e inserção nas políticas do município, são necessárias, sejam elas de segurança, cultura, lazer, esporte, geração de trabalho e renda, educação, saúde e habitação, distribuindo de forma mais equânime o direito à cidadania no município. Foram compartilhados com o Ministério da Justiça esses dados, o que possibilitou o convênio com o PRONASCI (Programa Nacional de Segurança Pública com Cidadania) O PRONASCI implantado em Santo André, em outubro de 2009, veio incrementar ações do poder público neste território com projetos sociais como PROTEJO, um projeto de proteção dos jovens em Território vulnerável que presta assistência por meio de programas de formação e inclusão social a jovens adolescentes expostos à violência doméstica urbana ou que vivam nas ruas. O trabalho tem como foco a formação da cidadania desses jovens por meio de atividades culturais, esportivas e educacionais de forma que eles sejam posteriormente disseminadores da cultura de paz em suas comunidades. Apesar de este projeto ser destinado a adolescentes em conflito com a lei ou egressos das MSE de internação, não foi levantada por nenhum dos entrevistados a participação no referido projeto. 108 3.3. ADOLESCENTES E FAMÍLIAS: RESULTADOS Na primeira parte, apresentamos as 07 (sete) representantes das famílias e seus respectivos adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida entrevistados. Para efeito de análise, unimos os instrumentais de pesquisa e, a partir deles, desencadeamos nosso estudo. O instrumental de entrevista foi composto por 10 (dez) questões sendo 04 (quatro) questões abertas e 06 (seis) questões fechadas, divididas em quatro blocos de interesse. No primeiro bloco de questões, identificamos o perfil dos entrevistados (Vide apêndices C e D). No segundo bloco de questões, identificamos as redes comunitárias e sociais que a família possui, para avaliar fortalezas e fragilidades no seu papel protetivo. No terceiro bloco de questões, analisamos como estas famílias reconhecem o que as apoiaria em suas dificuldades. O quarto bloco diz respeito à percepção das famílias sobre a figura do Estado fortalecendo este papel protetivo. Respeitada as peculiaridades destes sujeitos, identificamo-los conforme quadros 5 e 6: Quadro 5 – Perfil do responsável pelo adolescente entrevistado Responsável Moradia bairro/ anos Região de Origem Idade Cônjuge / anos Sexo Ensino Cor/ra funda ça mental Vínculo familiar Renda/ salário mínimo Transferênci a de renda Família Esperança 5 NE N/D não fem branca 2a.serie tia 1 Não 3 NE 73 não fem parda Alfabetiza da avó 1 Não 20 SE 54 sim fem preta 6a.serie mãe de 01 a 03 Não 22 NE 55 sim masc preta Alfabetiza do pai de 01 a 03 Sim 28 SE 52 sim fem branca 7a.série mãe de 01 a 03 Não 15 NE 32 não fem preta 2a.série mãe 1 Não 14 SE 36 sim fem preta 7a.série mãe 1 Não Família Moreira Família do Carvalho Família Do Cipreste Família Das Roseiras Família dos Amores Família da Guia 109 Quadro 6 – Perfil dos adolescentes entrevistados Cor/raça Série Escolar Estuda masc masc masc masc branca negra negra parda 8ª.série 8ª.série 8ª.série 7ª.série sim sim não não masc masc masc branca parda negra 2º.médio 7ª.série 5ª.série sim não não Adolescente MSE Idade Sexo Esperança Moreira Carvalho Cipreste Das Roseiras Dos Amores Da Guia LA LA/PSC LA LA 15 16 17 17 LA LA LA 18 15 14 A base sobre a qual iremos proceder nossa análise crítica contêm: o diálogo dos dados coletados com indicadores sociais municipais, que nas constâncias se processam no cotidiano dos territórios de vida destas famílias, já que exemplares de desproteção permeiam estes lares. Para isto, trouxemos 04 variáveis que atuam sobremaneira na capacidade protetiva das famílias dos adolescentes. São eles: a) a variável territórios e domicílios, b) a variável trabalho e renda, c) a variável formação familiar, d) a variável educação e escolarização. Esclarecemos que estas variáveis são resultado das observações contidas nas respostas às questões formuladas aos entrevistados que ocorreram em tempos diferentes, mas para efeitos deste estudo foram reunidas para dar um formato de conjunto. Condensamos suas impressões sobre três eixos, a saber: Eixo 01: Como famílias e adolescentes enfrentaram o fato, propriamente dito, do ato infracional; que impactos reproduziram nas relações pessoais, nas relações familiares e sociais. - Eixo 02: Qual o envolvimento e o nível de compreensão das famílias e dos adolescentes sobre o PIA-Plano Individual do Adolescente, sobre a percepção de ambos os sujeitos da responsabilização do adolescente no cumprimento da MSE, seu envolvimento com as atividades socioeducativas, e, principalmente, como os familiares avaliam os resultados destas MSE no cotidiano dos adolescentes. 110 - Eixo 03: Como as famílias se apercebem como sujeitos deste processo, qual sua trajetória histórica, suas fragilidades e suas fortalezas, com que apoios podem contar em situações de maior vulnerabilidade, suas relações intrafamiliares, e como avaliam o que, com o que, e com quem podem se apoiar para enfrentar as dificuldades e superar as necessidades sociais frente à situação concreta da responsabilização do ato infracional de seus filhos. 3.3.1 A variável território e domicílio A cidadania das pessoas se exprime no cotidiano, por meio da sensação de segurança, pertencimento social e acessos, a relação de morar e conviver com o seu entorno, eleva o conceito de territórios vivos discutido por Milton Santos como um exemplar desta sensação. Este sentimento de “pertença social” está intimamente ligado ao exercício dos direitos, expresso na existência de serviços públicos como os da saúde, saneamento básico, esgotamento sanitário, água, luz, limpeza pública, coleta domiciliar de lixo, endereço para correspondência, escolas, creches, praças, feiras, moradias dignas, controle de enchentes e posse da terra. No perfil traçado de nossas famílias entrevistadas, identificamos uma variável interessante. O tempo de moradia no território do Jardim Santo André demonstra um vínculo muito forte com este território, em parte provocada pela concentração populacional nas periferias das cidades ocorridas na década de 70. O auge das ocupações fabris na cidade e a busca de terrenos para moradia ocasionaram uma ocupação desregulada das áreas de mananciais em precárias condições de saneamento, habitabilidade e qualidade de vida. 111 Predomina um tempo médio de uma a duas décadas de moradia em um bairro que possibilita rearranjar vínculos comunitários e sociais. Outro dado observado foi a região de origem: 57% das entrevistadas são oriundas da Região Nordeste (Bahia, Pernambuco) e 43% da região Sudeste (MG, São Paulo). Este multiculturalismo traz aspectos interessantes, que são referidos nas falas de adolescentes e familiares quanto à importância de vínculos e parentescos. As visitas aos parentes, o constrangimento de ter “um filho com problemas na justiça”, a desculpa de viagem ou moradia com outros membros da família para justificar a ausência do adolescente no convívio familiar, tornam-se meios e estratégias para resguardar laços e união entre seus membros internos e externos. A avaliação das condições de moradia dos entrevistados foi outro dado importante. Apesar de todos os avanços tecnológicos, de investimentos e conhecimentos acumulado através de experiências inovadoras, no trato das condições de abastecimento de água, esgotamento sanitário, coleta de lixo porta a porta, de coletores comunitários, urbanização de favelas, controle de áreas de risco ambiental, não houve resultado na melhoria das condições de vida da população. O efeito da segregação urbana em Santo André, resultado da combinação de acesso aos bens de consumo coletivos (equipamentos e serviços públicos) e renda (trabalho ou outras fontes), identifica a população mais vulnerável economicamente sendo expulsa das regiões mais equipadas, adensando as favelas, loteamentos irregulares ou em situação precária com escassa oferta de infraestrutura urbana espalhados pela cidade. Encontramos índices de exclusão social e precariedade das condições de vida, mas é na região sul e sudeste, local de moradia de nossos sujeitos entrevistados, que estes fatores mais se expressam. As famílias dos adolescentes entrevistados registram os seguintes dados como reflexo destas manifestações da multidimensionalidade das desigualdades sociais, em territórios de alta vulnerabilidade social: i) A família Esperança já morou em núcleo habitacional e foi contemplada com um apartamento de 45m², nos prédios da Companhia de Desenvolvimento Habitacional Urbano (CDHU) do Governo de São Paulo. 112 ii) As famílias Moreira, Carvalho Cipreste, das Roseiras, residem em núcleo habitacional; o tempo de moradia transita entre 15 e 28 anos nestas condições, portanto uma situação cristalizada. As mudanças e melhorias nas habitações foram se dando a partir do momento em que os filhos mais velhos foram iniciando sua trajetória de trabalho iii) A família dos Amores reside no alojamento público municipal removida de uma área de risco de desabamento. Ocupa um quarto com banheiro de 25m² para 06 pessoas, aguarda a mudança para moradia definitiva proveniente do Convênio da Prefeitura com a CDHU que, no prazo de dois anos,entregará as unidades fixas. iv) A família Da Guia mora em casa de aluguel, núcleo familiar complementado pelo marido de 79 anos, as duas filhas e o adolescente entrevistado. Uma das questões apresentadas na pesquisa se refere à impressão que os entrevistados tinham sobre a região onde moravam e algumas evidências foram apresentadas: 90% das entrevistadas mencionam se sentirem seguras em morar no bairro e na região, e não ter medo, contarem com amigos, parentes e vizinhos na região. Somente 10% dos entrevistados demonstram receio e medo do local de moradia, isto porque temem a violência contra seu parente adolescente devido ao comércio de drogas na região de moradia. A totalidade afirma que frequenta cultos ou espaços religiosos. O entrevistado da família Cipreste chegou a se manifestar: “Não tenho nenhum inimigo. É o sangue”, ele é morador no bairro há 22 anos, veio do Ceará, conhece e é amigo de todos, segundo ele. Indagados sobre as atividades que poderia ter no bairro como espaço de convivência, convívio e formação, os adolescentes manifestaram que as melhorias para seu território de moradia são: a ampliação de quadras de esportes (80%), a abertura de turmas de dança de salão, hip hop, dança de rua, dentre outras (90%). Os adolescentes das famílias Dos Amores e Carvalho sugeriu “pôr uma piscina, uma pista de skate, quadras de basquete”. As respostas sugerem que prevalece o reconhecimento das atividades ao ar livre como possibilitadoras do convívio social, que suplantam a preferência ou maior expectativa por equipamentos sociais. Indagados a respeito do Centro Educacional existente na região, afirmam que não frequentam pelo fato de 113 suas atividades serem desinteressantes, com horários inadequados, bem como a periodicidade cíclica das atividades. Por sua vez, todos os familiares responsáveis sugeriram a inclusão de cursos profissionalizantes, técnicos e laboratórios de informática para preparação dos filhos ao mundo do trabalho. Esta sugestão também foi indicada por 40% dos adolescentes entrevistados. Esta indagação possibilitou aferir interesses e oportunidades futuras, para a ampliação de acessos a bens e serviços culturais e, principalmente, as respostas denotaram a necessidade de ampliação dos espaços de convivência social, oportunizando meios para preparação ao mundo do trabalho. Deixou clara ainda a necessidade de se ampliar o debate sobre o leque de atividades e programações com os usuários dos serviços, por parte dos gestores municipais. Uma segunda questão colocada aos dois públicos se propôs a identificar o nível de inserção e inclusão na Rede de Proteção Social da cidade, da região e no território de moradia. A intencionalidade era aferir os acessos e o conhecimento que estes sujeitos têm de serviços, programas, projetos das diversas políticas públicas. Identificar se o entrevistado utiliza o serviço eventualmente, atendendo a uma necessidade imediata, não cotidiana, ou se o entrevistado está incluído (entendendo incluído como uma participação efetiva, de caráter contínuo em um serviço, programa, benefício demandado pela política social). i) Na Política de Assistência Social, 100% das famílias entrevistadas acessam serviços tais como: atividades socioeducativas e de convivência fora do horário escolar para os demais filhos da composição familiar, 90% das famílias entrevistadas estão inseridas em programas de transferência de renda, predominando o Programa Bolsa Família, mas com o benefício suspenso em função da situação do descumprimento da condicionalidade de frequência escolar do adolescente em MSE. Somente 10% das famílias acessam o benefício normalmente. Observamos que os adolescentes em MSE entrevistados, não acessam ainda os Programas voltados para o JovemAdolescente (ProJovem Adolescente, Pronasci/Protejo, Ação Jovem), cujo critério de seleção contempla adolescente em situação de risco social, egresso de MSE de internação, dentre outros. Significante o acesso dos adolescentes e 114 famílias na Rede de Proteção, preferencialmente nos serviços e programas da Política de Assistência Social, mostra que diante das vulnerabilidades e riscos sociais, esta é a política social que mais se aproxima e é acessada pelas famílias dos adolescentes em conflito com a lei. Os resultados apontados para a política de assistência social indicam, também, que os adolescentes não diferenciam as finalidades de sua participação nas atividades do Serviço de Convivência e Fortalecimento de Vínculos, mais conhecido como o “contraturno escolar”, com a sua participação nas atividades socioeducativas do cumprimento da MSE em meio aberto. O mesmo não ocorre com os familiares: compreendem que o referido “contraturno escolar” tem suas ações desenvolvidas no espaço das organizações sociais conveniadas com a Prefeitura e no território do bairro e estão vinculadas ao CRAS Vila Luzita tendo uma função diferenciada daquelas próprias do cumprimento da medida socioeducativa. ii) Quanto à Política de Saúde: 100% das famílias e seus adolescentes entrevistados acessam as Unidades Básicas de Saúde, para si e seus filhos, com destaque à família Da Guia (responsável e adolescente), que usa os serviços do Centro de Apoio Psicossocial de Saúde Mental - CAPS para tratamento de dependência química. O acompanhamento regular em serviços médicos só foi observado junto a família Esperança, cuja moradia está coberta pelo programa Saúde da Família. iii) No que se refere à Política de Educação e Formação Profissional, 40% dos adolescentes entrevistados acessam unidades escolares. Nenhum (100%) responsável e filhos maiores de 18 anos estudam e quanto aos filhos de 07 a 12 anos (80%) frequentam regularmente o ensino fundamental, mais especificamente os adolescentes entrevistados das famílias Carvalho, Cipreste, Dos Amores e Da Guia. A distorção idade/série, acompanhada pela desvinculação do ambiente escolar destes adolescentes em MSE fora da escola, aprofunda ainda mais o despertencimento social que estes adolescentes vivenciam. iv) O sistema de transporte público é acessado por 100% dos responsáveis para trabalho e atividades diversas: 50% dos adolescentes usam-no para 115 atividades vinculadas ao trabalho e 20% utiliza para passeio, 30% não usa para nenhuma atividade regular. No quesito política de cultura e lazer, os resultados demonstram que esta é um política que tem margens expressivas de ausência de acessos junto aos adolescentes. Somente 02 adolescentes responderam que vão ao cinema, os demais 80% dos adolescentes não mencionaram acessarem este quesito Mas os sete adolescentes responderam que jogam bola com os amigos, (10%) mencionou frequentar o CESA (Centro Educacional e de Lazer) do bairro. Ainda neste quesito, interessante foi observar que as famílias recorrem a serviços ofertados pela sua comunidade, por meio das Igrejas, cultos e grupos de estudos religiosos, ou grupos de reflexão de temáticas diversas. No Gráfico 1 e Quadro 7, registramos a quantidade de acesso que foi identificado pelos responsáveis para si, para os demais membros da família e pelos próprios adolescentes em suas respostas. Gráfico 1- Acesso aos serviços públicos 14 12 10 Saúde Transporte 8 Esporte 6 Educação 4 2 Es pe ra n M ça or C ei ra ar va l D Cip ho as re R st D ose e os i r Am a s or D es a G ui a To ta l 0 Cultura e Lazer Rede Comunitária 116 Quadro 7- Acessos das Famílias à Rede de Proteção Local Assistência Social Família Saúde Transporte Esporte Educação Cultura e Lazer Rede Comunitária Esperança 2 3 1 1 2 0 1 Moreira 2 1 1 1 1 1 1 Carvalho 1 2 0 1 2 0 0 Cipreste Das Roseiras Dos Amores Da Guia Total 3 1 1 1 2 0 0 2 1 1 1 1 1 0 1 3 14* 2 2 12 0 1 5 1 0 6 2 3 13 0 0 2 0 1 3 *Unidade de medida utilizada representa o número de membros da família que acessam os serviços da rede de proteção local. 3.3.2 A variável trabalho e renda Os indicadores relativos ao trabalho e rendimento servem para avaliar as condições de vida, acesso ao mercado de trabalho, desigualdades entre diferentes grupos sociais. No perfil das famílias entrevistadas apresentados no Quadro 5, os dados relativos à renda e escolaridade exposto no cotidiano das famílias do Jardim Santo André, traz à mostra a muldimensionalidade que a ausência de escolarização, qualificação e acesso ao trabalho formal impõe como impacto social relevante no que se refere às condições financeiras de renda e sustento das famílias. Apesar da relativa equivalência de renda mensal entre as famílias entrevistadas (um salário mínimo), um componente é significativo: 55% são famílias chefiadas por mulheres sem companheiro, com baixa escolaridade, 80% não completou o ensino fundamental e a atividade laborativa preodominante é como trabalhadora doméstica sem vínculo empregatício formal, desempenhado por tarefas esporádicas como diaristas, faxinas e outras. As famílias que percebem de 01 a 03 (três) salários mínimos, apresentam, apesar dos baixos salários, um componente de composição compartilhada de renda entre mulheres e seus companheiros e, nas atividades produtivas das mães, uma complementação econômica. A crescente participação das mulheres e a queda da participação dos idosos no mercado de trabalho têm indicado, na desagregação de dados, a necessidade da 117 elaboração de políticas públicas voltadas para a igualdade de gênero e o desenvolvimento social. Afinal porque trazer esta reflexão? Estamos diante de um fato concreto, a possível entrada tardia de jovens, hoje de 15-17 anos, do sexo masculino, com média escolar baixa, influenciada pelo seu atraso e evasão escolar, no mundo do trabalho. Segundo dados do IBGE/PNUD (2009), os indicadores sociais de caráter nacional apresentam alguns paradoxos destas desigualdades. A variável referente ao aumento de escolaridade também está contida no nível de desocupação tanto feminina quanto masculina, nos empregados sem carteira e para os trabalhadores domésticos com rendimento inferior a 1/2 salário mínimo per capita, sendo um recorte relevante na composição da massa salarial. O aumento do setor de serviços como reflexo do processo de urbanização e desenvolvimento local com oferta de empregos ainda instáveis, basicamente terceirizados, as condições salariais de mulheres que ainda ganham menos que os homens em atividades iguais (entre os setores sociais mais pobres, a diferença chega a ser de até 76% do rendimento dos homens) estão estampadas nas relações do campo de trabalho que nossos jovens estarão enfrentando. São indicadores que causam desesperança e desmotivação para a complementação dos estudos. Na contramão, ainda vemos que a procura por cursos técnicos e profissionalizantes é uma forma de competir por vagas de trabalho das quais predomina o telemarketing, disponibilizado para esta faixa etária. A relevância destes dados para analisar o comportamento no município e nas famílias dos adolescentes no bairro do Jardim Santo André foi uma opção considerada, dada a importância que o rendimento e acesso ao trabalho desempenham no cotidiano das famílias entrevistadas. Santo André tem indicadores de urbanização classificados entre as melhores cidades da Região Metropolitana de São Paulo. Segundo dados do IBGE (2010) apresenta um PIB de R$ 20.018,82, seu Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) é 0,8739, ocupando o 94º lugar entre os 5.564 municípios do país. No entanto, a cidade reproduz os contrastes marcantes entre riqueza e pobreza característicos do Brasil. Há uma significativa 118 heterogeneidade na esfera intraurbana, em razão da grande desigualdade socioterritorial existente na cidade. A proporção na cidade de indivíduos vivendo abaixo da linha da pobreza com renda per capita familiar inferior a ¼ do salário mínimo e na linha de pobreza com renda per capita situada abaixo de ½ salário mínimo (base IBGE 2000), era de 17 mil famílias, o que representa 10% da população total da cidade em situação de vulnerabilidade social. A distribuição desta população vulnerável no território, novamente se apresenta em regiões bem definidas e o Jardim Santo André está dentro delas. Isto pode ser constatado na amostragem parcial constante do Quadro 8, no qual apresentamos o valor da renda per capita de 05 (cinco) regiões da cidade, dispostos em ordem crescente. Esses dados, em 2006, foram fundamentais e possibilitaram reunir argumentos para o início do processo de reestruturação da Rede de Atenção da Política de Assistência Social conveniada à Secretaria Municipal de Inclusão Social. O debate com seus parceiros tinha por objetivo o redirecionamento da oferta de serviços socioassistenciais dirigidos a crianças e adolescentes, a serem instalados nas regiões da cidade que apresentavam maior índice de vulnerabilidade. A desconcentração e descentralização da oferta dos serviços socioassistenciais tinha como objeto, além do fortalecimento da política de assistência social por meio de programas de transferência de renda, aos moldes do Bolsa Família, inserir a lógica da atenção socioassistencial nos espaços urbanos de maior incidência de indicadores de exclusão e desigualdade social apresentados no município. Quadro 8 Renda per capita por região de Santo André Bairros Renda Per capita Jardim Santo André R$ 165,72 Jardim Santo André R$ 195,84 Bairro Cata Preta, Jardim Irene e Sítio dos Vianas Centreville, Jardim Marek e Parque Marajoara Bairro Casa Branca e Centro Média do município R$ 196,44 R$ 375,00 R$ 1.698,33 R$ 511,90 119 Fonte: Microdados da Amostra. Censo 2000 / IBGE. Elaboração: Coordenadoria Indicadores Socioeconômicos CIS / SOPP / PMSA.Reelaborado pela pesquisadora em 2010. Outro fato que ficou latente é a situação de dupla responsabilização do adolescente com relação ao acesso de toda a família a programas de transferência ou distribuição de renda como os Programas Bolsa Família (federal), Renda Cidadã (estadual) e Renda Mínima (municipal). Todos os programas, ao prever a condicionalidade da frequência escolar como garantia do acesso à escola, acabam por provocar nestas famílias outra condição de exclusão, pela característica de ter seus adolescentes em recorrente incidência em atos infracionais. O adolescente não estuda, está na composição familiar, se estiver em regime de internação, sua escolarização não é apurada para efeitos de condicionalidade, quando entra para o cumprimento das MSE em meio aberto em meados do ano, não encontra escola para se vincular. E, assim, a família fica durante o ano impedida de acessar este benefício da assistência social, reinstalando um círculo de apartação. 3..3.3 As formações familiares As mudanças nas formações familiares devido às transformações societárias, impostas pelo mundo industrializado, com rápidas alterações culturais, alterou as formas de organização das famílias e as relações de parentesco. Dados do PNAD (2004) apresentam como principais características: a redução do tamanho das famílias (devido à redução de índices de fecundidade e natalidade), o aumento de famílias chefiadas por mulheres, o aumento da expectativa de vida dos membros, o aumento gradativo de mulheres no mercado de trabalho. Esta mudança cultural significativa vem sendo notada no que se refere à nova identificação do titular, pessoas de referência e/ou responsável-provedor, autoridade moral e financeira cujo reconhecimento por seus membros, no seio do contexto familiar, exprime a formação familiar mais contemporânea. A pesquisa mostra a presença de estruturas familiares com 45,3% das famílias, na fase do ciclo inicial de formação, ou seja, filhos ainda pequenos, responsáveis mais jovens e maior adesão conjugal. A relação entre o tipo de estrutura familiar e o ciclo de vida (medido pela idade dos filhos), quer seja inicial, intermediário ou final, resulta em diferentes formatos de sobrevivência e 120 bem-estar de seus membros. A própria condição de entender que os “homenspais”, deveriam ter um papel mais forte, mais “de limites ao adolescente” traz, à cena contemporânea, as percepções sobre os papéis que foram construídos nesta relação de vivência e papéis conjugais entre pais e responsáveis, e que trazem das regiões de origem exemplares deste culturalismo afetado também pelos arranjos socioeconômicos que historicamente as regiões do país enfrentam. Serve como ilustração, o depoimento da representante da família Carvalho, ao entender que uma grande fragilidade da dinâmica familiar é o comportamento do esposo por não compreender a situação, visitar pouquíssimo o filho, “sempre foi um pai ausente, e não quer mudar, não conversa com o filho e quando faz xinga e está sem paciência”. O adolescente manifestou também, em seus depoimentos, esta ausência, “queria que meu pai viesse me visitar, mas entendo que eu errei”. As responsáveis pelos adolescentes (43%) apontados no perfil acima dos entrevistados, vivem sem companheiro, são pertencentes a famílias extensas (tia, avó), na maioria idosas. A maioridade também requer uma avaliação, o previsível choque geracional está tomando proporções singulares em lares brasileiros, as famílias estão convivendo cada vez mais com o envelhecimento de seus membros, que continuamente assumem os papéis de provedores, cuidadores e, simbolicamente, o papel de aglutinador familiar. Entendemos que o papel sexual que foi atribuído ao homem está frequentemente abalado, com a expectativa cultural de ser o provedor da família, minando sua autoconfiança e estima, afetado principalmente pelas dificuldades e circunstâncias de vínculos no sistema produtivo. Mesmo as mulheres que culpabilizam seus companheiros pelos encargos decorrentes da necessidade de elas buscarem trabalho, além dos seus afazeres domésticos e cuidados com os filhos, tendem a questionar qual seria a função dos homens neste círculo familiar, quando papéis tradicionalmente instituídos não são cumpridos. Assim, remetem à discussão sobre qual seria esta nova masculinidade exigida pelo momento contemporâneo que vivemos já que afetam referências intrafamiliares e de desenraizamento dos grupos familiares. No Quadro 05, as famílias Carvalho, Cipreste, Das Roseiras e Da Guia demonstram que o perfil das composições familiares se enquadram no tipo de 121 estrutura de famílias iniciais, com a presença de companheiros, cuja renda familiar gira em torno de R$ 1.200,00, sendo a família composta por filhos de uniões anteriores, exceção à família Dos Amores, integrada nestas características, mas que recentemente vive sem companheiro. As uniões estáveis consensuais e novos casamentos, que aqui não foram passíveis de mensuração, repercutem em acessos a direitos sociais e garantias previdenciárias, posse de bens e da terra, e no sentimento de segurança de mulheres e filhos diante das novas formações familiares nas quais a presença de filhos de outros parceiros acabam por compor oficialmente uma nova unidade familiar. Com certeza, as alterações legais da CF/88 e do atual Código Civil, importante instrumento de acesso ao direito de justiça às camadas mais empobrecidas, possibilitou o reconhecimento de direitos civis aos dois gêneros, impulsionando na decisão sobre novas uniões. 3.3.4 A educação e a escolarização A educação, direito social básico e fundamental, tem seu papel de relevância cada vez mais exigido na sociedade atual. Sua função social iniciada em casa e complementada nos espaços educacionais tem a tarefa de preparar a sociabilização de sujeitos sociais para o enfrentamento de um mundo globalizado cuja redução de empregos exige cada vez mais competências operativas, técnicas, informacionais e relacionais para uma vida salutar em comunidade. Mas será que temos acesso e escolas suficientes atuando em respostas a estas demandas contemporâneas? É certo que a redução dos índices de analfabetismo e o aumento da escolaridade da população, apresentam paradoxos. A cor/raça, a região de moradia, a renda familiar, os domicílios são elementos que ainda demandam atenção prioritária. Analfabetos funcionais, pessoas com 15 anos ou mais, com menos de 04 anos de estudos completos, ou seja, ¼ da população nesta idade não é familiarizada com a leitura, escrita e operações elementares, sendo que muitos de nossos obrigatoriedade legal adolescentes do ensino encontram-se fundamental nestes e indicadores. iniciativas de A sua 122 condicionalidade em programas sociais de transferência de renda como o Programa Bolsa Família tem apresentado resultados satisfatórios. No acesso ao ensino fundamental, ainda os adolescentes demandam maior atenção, e programas como o PROJOVEM e PRONASCI/PROTEJO estão longe ainda de representarem significância nestes dados, isto porque mantêm a condicionalidade da frequência escolar como critério de acesso ao benefício pelo adolescente em conflito com a lei, não lhe garante pertença ao programa pela sua desvinculação com o ambiente escolar. O acesso às creches, então, ausentes nos cenários dos territórios mais vulnerabilizados, se transforma em outro grande enfrentamento. Assim, o desafio acaba sendo não só sustentar indicadores de redução do analfabetismo e elevação da escolaridade, mas a “correção do fluxo escolar”, ou seja, combater a evasão e o atraso escolar em todo o sistema. Atingir a melhoria da qualidade de ensino e da formação dos profissionais da área e associar integração com programas sociais que permitam às famílias manterem suas crianças na escola e aos jovens a permanência nos estudos básicos, médios e/ou técnico ou superior. Alguns fatores abaixo apresentados se tornaram significantes e foram observados neste estudo das famílias, foco desta pesquisa. Segundo o IBGE (BRASIL, 2005) estes dados são acompanhados anualmente, e o são também pela municipalidade, assim buscamos relacionar com os dados obtidos das entrevistas realizadas com adolescentes de nossa pesquisa, a saber: i) Apesar da rede de ensino fundamental obrigatório (7-14 anos) manter a oferta de escolas, cobertura quase universal, independente de cor, sexo, renda, o acesso e a permanência não é garantido com a mesma relação de igualdade. Nas famílias entrevistadas, a maior dificuldade é encontrar escolas próximas de sua residência, as escolas instaladas nas áreas de grande contingente populacional, cujas famílias contam em sua composição familiar com crianças pequenas não ofertam período integral e atendem em horários intermediários para dar vazão a demanda. Este é o caso das famílias Da Guia e Cipreste, que há meses aguardam vaga para seus filhos em MSE. Inclui os ACL nas escolas, apesar de ser uma determinação judicial, é um problema regional, as famílias circulam de escola em escola, procuram a Delegacia de Ensino, buscam o 123 Conselho Tutelar e, ainda assim, não garantem a matrícula, principalmente se o adolescente tiver o término de sua MSE de internação após os meses de agosto a dezembro. ii) O mesmo ocorre com as creches e educação infantil, municipais ou conveniadas no bairro, pois a demanda reprimida por período integral equivale à duplicação das vagas disponíveis, a rede é acanhada e a procura é grande. Esta é uma necessidade demandada pela família Da Guia para suas duas filhas de 05 anos. A mãe não consegue se fixar numa atividade laboral pela ausência de suporte ou com quem “deixar suas gêmeas” em local seguro, educativo. iii) Na faixa etária de 15-17 anos, a questão é grave. Embora a taxa de frequência tenha crescido, as famílias Esperança, Moreira e Das Roseiras reforçam o apelo aos seus adolescentes para se manterem com vínculo e frequência escolar por entenderem que, para estes adolescentes, a ascensão social sem escolaridade se torna muito mais árdua. As escolas não são atrativas, a violência urbana é uma constante, o rótulo do ”garoto infrator” se torna um estigma a ser enfrentado junto aos colegas de classe, professores e direção. iv) O trabalho transita normalmente entre os grupos etários de 16-18 anos. Os adolescentes das famílias Cipreste e Carvalho não estudam, ou estão em busca de vaga de escola, ou entendem que há muito tempo para o término da 8a série do ensino fundamental. Preferem restabelecer os laços de confiança rompidos com o pai e demais membros da família por meio do trabalho como ajudante de pedreiro ora com o pai, ora com o vizinho ora com um parente próximo. v) No grupo entrevistado (07 adolescentes) a discrepância escolar não foi tão expressiva, mas entre os adolescentes a adequação série/idade do ensino fundamental para brancos e principalmente negros e pardos demandam ações emergenciais. O baixo nível de escolarização dificulta as relações, e até mesmo a convivência, pois adolescentes com a experiência de vida já acumulada pelas trajetórias dos atos infracionais, não se sentem à vontade em salas de aulas com garotos de 11-13 anos, o conflito relacional se instala e, deste modo, preferem abandonar os estudos. 124 Apesar dos atuais dados divulgados pela ONU (nov.2010), o Brasil tem o Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) de 73% lugar, mais próximo a países como Noruega do que a África do Sul, as alterações do critério de composição dos dados substituindo “anos estudados” por “expectativa de anos a estudar”, trarão um forte impacto ao governo, implicando no aumento de incentivos para o retorno à escolarização de pais e filhos, reduzindo desigualdades e criando oportunidades que, juntas, concorrem à elevação de padrões socioeconômicos. Passaremos agora para o segundo bloco do estudo, em que reproduzimos, a partir das manifestações dos entrevistados, suas impressões sobre três eixos, a saber: - Eixo 01: como famílias e adolescentes enfrentaram o fato, propriamente dito, do ato infracional, que impactos reproduziram nas relações pessoais, nas relações familiares e sociais, - Eixo 02: vamos analisar o envolvimento e o nível de compreensão que famílias e adolescentes têm sobre o PIA-Plano Individual do Adolescente, sobre a percepção de ambos os sujeitos sobre a responsabilização do adolescente no cumprimento da MSE, seu envolvimento com as atividades, e principalmente como os familiares avaliam os resultados desta fase no cotidiano dos adolescentes e, finalmente, - Eixo 03: como as famílias se apercebem, qual sua trajetória histórica, suas fragilidades e suas fortalezas, com que apoios podem contar em situações de maior vulnerabilidade, suas relações intra e ultrafamiliares e como avaliam, o que, com o que, e com quem podem se apoiar para enfrentar as dificuldades e superar as necessidades sociais frente a situação concreta da responsabilização do ato infracional de seus filhos. Para buscar os elementos para nossa análise e entender como famílias e adolescentes enfrentam o fato, propriamente dito, do ato infracional, que impactos reproduziram nas relações pessoais, nas relações familiares e sociais, partimos das seguintes questões, primeiramente apresentadas aos adolescentes, a saber: 125 Eixo 01 - Como famílias e adolescentes enfrentaram o fato, propriamente dito, do ato infracional; que impactos reproduziram nas relações pessoais, nas relações familiares e sociais. A) Como foi passar pelos momentos de apuração, defesa, entrevista com o/a juiz/a até a decisão da medida socioeducativa? Você teve apoio para enfrentar este momento? De quem? As respostas foram textualmente curtas, monossilábicas, na realidade. As expressões em voz baixa foram “ruim, muito ruim, difícil, suave, apreensivo”. Buscamos entender as uníssonas palavras, a significância delas dentro da realidade vivida por cada adolescente. Todos os 07 (sete) adolescentes entrevistados tiveram a experiência de terem sido acolhidos nas Unidades da Fundação Casa por um tempo relativo de 01 (hum) mês, 06 (seis) meses e 06 (seis) dias, até 10 (dez) meses, totalizando 24 meses e 25 dias. Assim se referiam aos momentos de apuração do ato infracional, entrevista com delegado, entrevista com defensor e entrevista com juiz. Tinha como expectativa de entrevistadora que os adolescentes fossem, no seu relato, fazer alguma alusão a uma das mencionadas fases do processo judicial. Ou mesmo, se entenderam ou não o processo de apuração do ato infracional ou trazer algum dado sobre os momentos que tenham sido mais relevantes e significativos para eles, e que relatassem como estavam vivenciando o momento do cumprimento da medida em meio aberto. Na realidade, os adolescentes focaram suas impressões sobre a experiência do meio fechado. Além do silêncio e do ar pensativo, o que obtivemos foi só uma palavra. E a resposta se referiu ao tempo passado, o tempo que foi passado em privação de sua liberdade, nas unidades de grande ou de pequenas proporções, das atividades que desenvolveram, dos sentimentos que este enclausuramento despertou. Das perdas, do tempo, das ausências, dos medos. Ao aprofundarmos a investigação para aferir sentido e significância às palavras, ruim, apreensivo,muito ruim, verificamos que, em sua maioria, a expressão foi de apreensão com relação ao medo do que poderia acontecer 126 com eles na Unidade da Fundação Casa, como seria o cotidiano, qual seria a rotina, como ficaria sua família, os sentimentos da família em relação a ele, da falta de notícias dos amigos, da namorada, dos acontecimentos da comunidade, da vida em geral. O sentimento de cerceamento de acesso à informação é o mais expressivo, sendo que outro sentimento diz respeito à falta do movimento: das pessoas, dos veículos, do tempo passando. A título de exemplo, trazemos alguns depoimentos dos adolescentes: “....vários pensamentos, vontade do tempo passar rápido, sair, troca ideias, saber das notícias de quem ficou lá fora, das coisas que aconteciam lá (Fundação Casa), estava isolado, sem saber de nada” (MOREIRA). O adolescente da família Carvalho, também questionado, disse que ficou na Fundação Casa Unidade Itaquera e UIP07, e quanto ao seu “ruim”, disse que,“não presta ficar trancado, sem ver barulho, carro, moto, pessoas conversando, barulhos de gente”. “(...) é o movimento rápido, como não ocorre estando lá preso”. O adolescente da família Dos Amores esteve interno na UIP7 por 01(hum) mês: ...lá tinha uns 450 meninos, era muita gente. Não senti medo. Ficou suave”. Lá tinha escola, aprendi a fazer muitas coisas, fiz um quadro legal, trouxe pra casa, mas na mudança do barraco para o alojamento ficou perdido. Já o adolescente da família Das Roseiras afirma “Foi lição de vida. Passei 07 meses na fundação da Vila Conceição. Serviu para ver o que eu quero da vida, pai e mãe morrendo de desgosto”. O adolescente da família Das Roseiras se manifesta quando perguntado se foi importante ter este apoio. “Sim. A família não desistiu de mim. Ela (a mãe) ia visitar, me aconselhou muito...ela deu força”. Em geral, as manifestações dos 07 (sete) adolescentes foram de satisfação por terem membros da família visitando-os, dando conselhos, sentindo-se protegidos, amados e compreendidos. Para as famílias, questionamos: B) Qual foi a reação da sua família diante da situação de ter um filho(a) envolvido em ato infracional? Os comentários dos familiares não foram somente de uma palavra, as expressões denotavam sentimentos fortes de incompreensão dos fatos. As 127 palavras mais usuais foram também “Terríveis, abalou muito a família, chocante, não acreditei, pensei que ficaria louco,desmoronou”. O depoimento da família Moreira elucida bem este momento de apreensão, sofrimento e desesperança. O pai do adolescente foi morto e a mãe não tem a tutela, a avó é quem acompanha o neto, apesar de se queixar da situação vexatória da revista, não deixou uma semana de visitá-lo: “O pai (quando vivo) e irmãos ficaram desacreditados, pensaram em abandonar o adolescente, acharam perda de tempo as visitas e as preocupações, e que não precisava visitar(o adolescente)”. A Família Carvalho responde que a decepção “Foi grande. São nove irmãos, quando souberam dos fatos, desmoronou”. Passaram em visitas à unidade de Itaquera por 06 meses e 09 dias “Superando, pedindo a Deus força”. A família é de evangélicos e se reunia em orações. Perguntamos ao representante da Família Cipreste se o fato de o adolescente não retornar ao estudo (ele não terminou a 8ª. série do ensino fundamental) não incomodava o pai. O pai afirmou que na FEBEM (Fundação CASA), ele fez um juramento de que pagaria todos os dias que esteve lá, e nunca mais o pai sofreria de novo. O pai crê que esta aproximação é sua forma de retribuir pelo sofrimento que ele (pai) passou. Não aguentei a primeira vez, fiquei louco e pedi para o policial me dê uma arma que eu me mato - quando vi ele algemado. A segunda vez não vi ele algemado, já estava na FEBEM (Fundação CASA). Visitava e dava muito conselho. Ele trabalha comigo, até dorme no emprego (FAMÍLIA CIPRESTE). A família Da Guia relata que, por alguns dias, ficou à procura do filho. Em outras oportunidades, ele já havia ficado por um mês desaparecido, mas sempre retornava, “sujo, com fome, mas voltava”. Quando soube da apreensão, a reação foi de choro. No dia da visita, “O povo falava que tava morto, fazendo coisa errada. Não conseguia olhar ele. A Unidade pode até ser pequena, mas é uma cadeia do mesmo jeito, cadeia de menor...” Assim, da mesma maneira que os adolescentes iniciaram a entrevista relatando os fatos do período do cumprimento de medida de internação e suas trajetórias, os familiares (mães, pai, avó) também se referiram mais ao período em que seu adolescente esteve em medida de internação. A demonstração de 128 que estes fatos foram um marco na vida das famílias resultou também em uma maior aproximação relacional entre seus membros, diante do impacto desafiante que se tornaram as visitas, as revistas constrangedoras, a mudança de rotina de todos os membros e a busca de apoio junto a órgãos públicos, vizinhos e até outros parentes. Eixo 02 - O envolvimento, avaliação e participação no cumprimento do PIA. Questionamos às famílias e aos adolescentes sobre como observavam seu envolvimento, as atividades, o que mais apreciavam, as sugestões. As questões apresentadas para avaliar o envolvimento das famílias e dos adolescentes na elaboração, acompanhamento, monitoramento, e avaliação do PIA, para os adolescentes foram: C) Quais são seus projetos para o futuro? O que pode apoiar ou facilitar seus projetos para o futuro? Gráfico 2 Adolescentes e projetos M e us pr oj e t os pa r a o Fut ur os 71% T r abal har 1 60% t er E s pos a e Fi l hos E s t udar 71% 50% 55% 60% 65% 70% 75% Os adolescentes entrevistados nas referidas questões demonstraram uma certa cautela ao responder a questão, refletiram sobre a pergunta e quando foi recolocada a pergunta, sem muitos rodeios, obtivemos como respostas que 71% dos adolescentes tem projeções de continuar os estudos e se vincular ao emprego formal, alguns manifestaram o interesse por cursos técnicos e profissões técnicas, mas entendem que para atingir tais objetivos, 129 necessitam elevar sua escolaridade; um grande desafio para quem esteve por muito tempo desvinculado dos bancos escolares. O adolescente da família Esperança, depois de muito pensar, sorriu e disse “quero ser médico e auxiliar de administração”. Perguntado o que faria para concretizar este sonho, respondeu que “estudar e não fazer mais coisas erradas”. Foi interessante observar como os adolescentes têm consciência dos fatos e de seu envolvimento com os atos infracionais. Pudemos observar, nas manifestações de pais e filhos, as concordâncias sobre as consequências e responsabilização sobre o ato infracional. As tentativas de vincularem rapidamente o adolescente a uma atividade laboral, já que a escola ainda apresenta dificuldade de vinculação, de acordo com o período do ano e da série escolar, uma demanda constante a ser equacionada nas parcerias e integração com a política de educação, principalmente a estatal. . Questionado como atingir estes objetivos, o foco se dirigiu aos estudos regulares e profissionalizante, à vontade própria, “querer”, “correr atrás”, “estudar muito”, “ ter apoio da família Gráfico 03- O que Apoiaria os adolescentes em seus projeto. O que apoiaria m eus Projetos 30% Fazer cursos 71% Estudar 71% Trabalhar % Não reincidir 30% 0% 50% 100% Á compreensão dos adolescentes de que “erraram, fizeram coisas erradas”, chegamos a perguntar sobre qual era sua impressão sobre o envolvimento com o trabalho do tráfico de drogas, e ele respondeu “isto não é trabalho, é coisa ilícita, é ilegal, só entramos nessa vida para comprar roupas, ir nas baladas, ter as coisas que tudo mundo tem” (CIPRESTE). ” 130 Uma perspectiva de projeto para 03 (71%) dos adolescentes entrevistados foi a constituição de uma família, ter uma esposa, filhos, trabalhar, estudar, “mudar de vida”. Poucos têm o sonho de uma profissão, mas dentre os que manifestaram interesse, as formações foram nas áreas da medicina, engenharia, administração geral, tecnólogos, metalurgia O adolescente da família Das Roseiras chegou a sugerir em seu depoimento Meus objetivos? Ter uma família (esposa e filhos), dar orgulho para minha família, trabalhar... é para as pessoas que falam mal da gente. (E como conseguir?)Ter oportunidades, mais porta de emprego, senão a cabeça revolta... é os pais de famílias que não pode conseguir, e vê os filhos passando fome, e vai para o crime. Para efeitos didáticos, unificamos as questões apresentadas ao adolescentes e aos familiares, a saber: D) Qual atividade você mais se envolve no cumprimento da MSE-LA? O trabalho que é desenvolvido no cumprimento da MSE no Espaço do CREAS Adolescente têm fortalecido o adolescente? Ajuda-o na busca de outros projetos para sua vida? Você tem condições para avaliar? O objetivo foi identificar com quais atividades os adolescentes mais se envolvem e suas observações a respeito, também avaliar com os familiares, que impactos esta fase do cumprimento das medidas com ações socioeducativas tem processado no cotidiano dos adolescentes. A avaliação de rompimentos com antigas práticas vinculadas só ao registro da presença diante do orientador, conhecida como “assinatura da carteirinha”, foram avaliadas como positivas. Esta compreensão de que as ações socioeducativas em meio aberto estão propiciando reflexão, inserções sociais em políticas sociais, programas e projetos, e que a responsabilização pelo cumprimento do ato cometido está no foco das atividades, fica expresso nos depoimentos abaixo transcritos. Apesar de a questão ser fechada, com alternativas de respostas entre o sim e o não, os familiares quiseram tecer comentários sobre suas respostas, qualificando-as. Fato interessante e revelador. O quadro abaixo demonstra 131 que, entre os adolescentes, 80% dos entrevistados reconhece nas atividades socioeducativas em grupo, desenvolvidas pelas equipes técnicas de referência, como as preferidas, tal qual o adolescente e o responsável pela família Costa, tecendo seus comentários: Aqui (CREAS-Espaço Adolescente), todos eles dão conselhos, trocam ideias, coisas boas, é legal (ADOLESCENTE CIPRESTE). Aqui (CREAS-Espaço Adolescente) é melhor que na Fundação Casa, o filho era agressivo, está mais calmo, vem todos os dias agendados, sem falta (FAMILIA CIPRESTE). A avaliação positiva reflete o envolvimento no cumprimento da medida de LA. Mais uma vez, a constatação de que os adolescentes se inteiram de sua responsabilização e de que somente os adolescentes com maior envolvimento com as situações de risco em suas comunidades (tráfico, dependência química), acabam por reincidir em novos atos infracionais. Outro comentário satisfatório foi da família Da Guia ao dizer “ele tem a responsabilidade de vir todas as terças-feiras”. A totalidade das famílias considera que o trabalho socioeducativo ofertado em meio aberto tem apoiado o adolescente na busca de outras oportunidades, acessos sociais e reflexão sobre outras perspectivas e dimensões de sua vida. Outra avaliação positiva foi registrada por 90% das famílias quando consideram que o adolescente tem se fortalecido neste cumprimento de MSE em meio aberto, apresenta mudanças de comportamento, estando mais presente nas atividades familiares. Esta manifestação, expressada pelas famílias e pelos adolescentes foi também corroborada pela Juíza da Infância e Adolescência da Comarca de Santo André, quando verbalizou em suas visitas ao CREAS-Espaço Adolescente, sem hora e dia marcados, que tem observado uma redução na reincidência de atos infracionais dos adolescentes em cumprimento de MSE em LA e PSC, desde a municipalização das medidas na cidade. Convém esclarecer que dentre os 145 adolescentes ativos em cumprimento de MSE no mês de junho de 2010, um fato vem ocorrendo, por iniciativa da juíza local diante de situações de “quebra da medida”, ou atos infracionais de menor gravidade: a juíza vem aplicando o interposto da dupla medida, ou seja, adolescentes em LA (liberdade assistida) que também cumprem PSC 132 (prestação de serviços à comunidade) concomitantemente. Esta situação análoga é justificada como um procedimento adotado para evitar a medida mais drástica de internação e possibilitar o maior convívio familiar e comunitário do ACL. Para alguns adolescentes, o tempo e a modalidade da medida não impede que ele reincida no ato infracional, as circunstâncias e seu grau de envolvimento com as atividades ilícitas é que demandam seu comportamento infracional. Gráfico 04- Avaliação das Famílias sobre as MSE em meio aberto Avaliação de Famílias sobre as MSE 8 7 7 6 6 5 Fortalece o adolescente Ajuda a buscar novos projetos de vida 4 3 Polinômio (Fortalece o adolescente) 2 1 1 0 1 2 Introduzindo o Eixo 03, esclarecemos que as questões focalizam mais as famílias, identificando aspectos mais dirigidos à dinâmica familiar, aporte, apoios, fragilidades e fortalezas, até porque nosso foco está mais centrado nesta especificidade. As questões formuladas foram: e) Conte um pouco de sua trajetória de vida (sua comunidade, de onde veio, como vive com seus filhos, o que faz para sustentar sua família? Com quem você pode contar para te apoiar numa hora de dificuldade? Em sua opinião, qual é, na sua família, a maior fragilidade e a maior força? Nesta fase de avaliação, unimos as contribuições, impressões, sugestões, e ponderações que os familiares foram pontuando ao longo da 133 entrevista, por entender que durante toda a nossa exposição textual, algumas variáveis e hipóteses foram se desvelando nas falas destes sujeitos, importantes operadores deste Sistema, o SINASE. Deste modo, expomos estas considerações, que serão trabalhadas ao final de nossas considerações. Falando sobre a dinâmica familiar, a responsável pelo adolescente da família Esperança informou que trabalha muito a semana toda, os demais filhos ficam aos cuidados da irmã, os encontros da família se dão à noite ou aos domingos, mas tem reservado pouco tempo para o adolescente, pois a situação financeira exige muitas horas de trabalho. Em sua opinião o aspecto de maior fortalecimento da família é poder contar com a ajuda e o apoio de irmãos, cunhadas, amigos e colegas da igreja evangélica que moram nas proximidades. Ela diz que “são unidos, e têm uma vida tranquila”. Entende que o que deveria melhorar seriam “as condições financeiras e ter mais satisfação para as necessidades. Realizar seus sonhos. Quais? “Comprar coisas que precisam”. Não vê dificuldades no relacionamento com o adolescente, pois o “menino errou, mas se arrependeu”, gostaria de poder contar com apoio de programas que dessem oportunidades para o trabalho, apoio e orientação ao adolescente para evitar que os jovens fiquem na rua. A representante da Família Moreira é avó do adolescente, por dificuldades no contexto familiar, praticamente criou o neto. Percebeu que depois do processo de internação na Fundação Casa, o neto está muito diferente, melhor até, mais obediente, está cumprindo a MSE com rigor. No seu entendimento, o que falta é a ordem, disciplina, responsabilidade e respeito dos adolescentes para com seus pais e avós e responsáveis. Para ela, “...precisam de mais religião.Ter a palavra de Deus,ter desenvolvido a fé”. Ela entende que a abertura do Espaço Adolescente (CREAS-Adolescente) tem trazido boas oportunidades para o neto, “mas que só o tempo se encarregará de resolver as dores”. O adolescente espontaneamente desenhou todo o formulário da entrevista com flores, corações, folhas e galhos e deixou-nos uma mensagem: “quem inventou as grades não sabe a dor da saudade”. A representante da família Carvalho declara que vivem bem com a família, está buscando a guarda provisória de um bebê de 09 meses, e que este fato mudou o comportamento do filho, hoje ele é mais carinhoso, é quem mais cuida do bebê, sofreram muito durante o período de internação do 134 adolescente. Ela visitava sempre, entende que a maior riqueza e apoio foram as manifestações da família, irmãos e o pai “apoiando ao adolescente que cometeu o erro”. Mas compreende que uma grande fragilidade da dinâmica familiar é o comportamento do esposo por não compreender a situação, visitar pouquíssimo o filho: “sempre foi um pai ausente, e não quer mudar, não conversa com o filho e quando o faz xinga, e está sem paciência”. O adolescente manifestou também em seus depoimentos está ausência, “queria que meu pai viesse me visitar, mas entendo que eu errei”. A família de evangélicos tem na religião um suporte a mais para se fortalecer. O adolescente registrou espontaneamente seu agradecimento à equipe de técnicos do CREAS-Espaço Adolescente com o desenho de uma flor com 05 pontas e os seguintes dizeres: “Pesso obrigado a todos do espaço adolescente por ter midado forças na hora que mais presizei...Muito obrigado”. A entrevista com o representante da família Cipreste foi muito agregadora, primeiramente havíamos entrevistado o adolescente e este prontamente agendou o dia da visita de seu pai com os dizeres: ”Ele virá, ele me apoia muito”. A dinâmica desta família, segundo relato do pai, é de muita conversa, buscando resolver os problemas entre eles, considerando: “acho que a ordem e autoridade dos pais com conselhos ajudam os filhos”. Este comportamento no seu entendimento é a maior força de sua família, o controle dos filhos com muita conversa e diálogo. Os acontecimentos envolvendo o adolescente até a internação e a agressão física, foram para ele momentos de muito sofrimento. Como fragilidade ou dificuldades, compreende que as condições financeiras da família que demanda muitas despesas com pouca entrada de recursos proveniente da sua atividade de pedreiro, é um desafio. Falando sobre sua dinâmica familiar, a responsável pela família Dos Amores disse que quando casou, veio da Bahia, separou-se há 06 anos, recebe pensão do ex-marido, atualmente “faz bicos de faxinas”, tem bom relacionamento com os filhos, esteve em acompanhamento familiar pelo CREAS, pela situação de trabalho infantil do adolescente, e devido a sua ausência junto aos demais filhos. Queixa-se que “falta creche para as gêmeas”, que “perdeu os móveis com as chuvas quando foi para o alojamento da Prefeitura...no momento não posso trabalhar, ajudo como posso”, teve o Programa Bolsa Família bloqueado pela não frequência escolar do 135 adolescente. Sente que sua maior força são seus filhos: ”minha razão de viver” e que atualmente “a união entre ela e os filhos melhorou”. Como maior fragilidade e necessidade declara ser a “pouca renda e quem ficar com os filhos para poder trabalhar”. A representante da família Das Roseiras afirma ter passado por muitas dificuldades financeiras. Como quesito de fortaleza de sua família entende que é a integração, o bom relacionamento entre os membros, mas reconhece que ainda falta mais diálogo com o adolescente, e orientação, pois teme pela segurança dele no bairro. “Passei muitas dificuldade para criar os meus 02 primeiros filhos, depois que conheci o pai do adolescente melhorou um pouco mais, mesmo assim tenho que trabalhar em casa de família”. A entrevistada da família Da Guia declara que o relacionamento familiar é bom com as filhas que estudam, mas não tem uma boa relação com o esposo, de 79 anos, “ele é difícil pela idade, o relacionamento também, faço tudo para ele, queria separar mas acabo pensando nas crianças e desisto”, Afirma que sua maior força vem da relação com as filhas pela obediência e pelo apoio. Quanto às fragilidades, reconhece a relação com o esposo. Como planos relata: Primeiro, queria me ver livre deste casamento, e segundo a internação para o adolescente para tratar da dependência química. Ele está pegando as coisas em casa para comprar drogas, ele vinha no centro da cidade com uns meninos que batiam nele se ele não roubava, ele pega celulares e outras coisas pequenas, hoje ele vem ao Centro, desvia o caminho, não fica andando pelo centro da cidade, fica mais no bairro. Sai de manhã e só volta à noite, não sei o que faz e com quem anda, precisa de ajuda. Desde pequeno ele dá trabalho na escola, sempre deu, levei no psicólogo que falou que ele não tinha nada, mas acho que tem alguma coisa. Os depoimentos das sete famílias foram intensos, reveladores, demonstrando que os cuidados dos filhos ainda estão sob a responsabilidade da mulher-mãe, mulher-avó, mulher-tia, nas figuras ora de provedora, ora de co-participante da renda familiar, ora sem renda nenhuma. As relações de emprego são precárias, subalternas, informais, o nível de escolaridade e formação profissional é simplesmente inexistente. Exemplares máximo dos “supranumerários, desafiliados” como sugere Castel (1995). 136 A expressão das diversas dimensões da questão social ficou aqui retratada, quando familiares e adolescentes declaram em sua dinâmica relacional a reduzida capacidade de renda familiar, a violência física, psicológica, emocional, moral, urbana, intrafamiliar, a precariedade habitacional, as ausências de acessos a políticas públicas, a ausência de serviços públicos disponíveis em capacidade e qualidade necessárias para atender as necessidades de famílias jovens com problemáticas sociais antigas. Assim, arrolamos a seguir como estes sujeitos expressaram suas opiniões sobre como, quem e com que poderiam realizar o enfrentamento da questão do cometimento do ato infracional de seus adolescentes. Fizemos as seguintes perguntas: f) O que te apoiaria para superar as dificuldades com seu adolescente em medida socioeducativa? No seu entender, o que o poder público pode fazer pelos adolescentes prevenindo assim atos infracionais? Às sugestões apresentadas pelos sujeitos-famílias, cabe-nos destacar a oportuníssima fala de alguns dos entrevistados, elucidando o sentimento, aspiração e provocação legal apresentada. A questão central apresentada pelos familiares foi quanto à ampliação de oportunidades e vagas de trabalho para os adolescentes que ainda não completaram dezoito anos. Esta manifestação foi apresentada por 80% das famílias entrevistadas, entendendo que o acesso ao mundo do trabalho lhes garanta um futuro melhor do que o oferecido pelos familiares posto que, até o momento, não estão também incluídos em um mercado regular de trabalho com todas as garantias e proteções trabalhistas e previdenciárias cobertas. Outra demanda fortemente apresentada foi com relação ao acesso à escola, elevação da escolaridade, formação profissionalizante e profissional, um conjunto de direitos que segundo a CF/88 deveriam ser universais, segundo o ECA (1990) deveriam ser garantidos e estão sendo flagrantemente violados. O depoimento e sugestão do representante da Família Cipreste foi exemplar: Falei para a promotora ajudar a outros pais. Fazer a limpeza na favela, é de lá que faz as vítimas dessas coisas. Ajudar nós. Tendo a ajuda de quem tem posição e ordem, facilita as coisas. Tem muito 137 adolescente envolvido nesta situação (tráfico de drogas e roubo), e os pais sozinhos não dão conta.Precisam de apoio. Uma terceira demanda apresentada subliminarmente nas falas e depoimentos foram relacionadas às ações preventivas junto a escolas, junto à comunidade local sobre os efeitos, a responsabilização, orientação e os impactos que o ato infracional acarreta para os adolescentes, para a família e a comunidade. Novamente, a família Cipreste e também a família Das Roseiras apresentam-nos sugestão concretas destas ações, a saber: Ter uma pessoa para fazer reuniões. Aqui ele cumpre a ordem (cumprimento da MSE no Espaço Adolescente), o mesmo que tem aqui poderia ter nas reuniões na comunidade. Fazer reunião com famílias, além dos pais com os adolescentes daqui, com outros atendidos. A gente sozinho não pára esta situação (CIPRESTE). “(...)deveria ter em cada sala de aula 01 vez por semana ensino, palestra, cursos sobre os atos infracionais, orientando pais e adolescentes(DAS ROSEIRAS). E finalmente, outra sugestão concreta foi sobre iniciativas governamentais de ampliação de renda de famílias empobrecidas, como ação preventiva ao ato infracional, bem como outros tipos de violações de direitos. A perspectiva de se trabalhar o quesito do papel do homem na contemporaneidade, expressada nos relatos sobre a necessidade do diálogo entre pais e filhos, da reprodução de comportamentos violentos, agressivos e rudes por parte dos adolescentes, do debate sobre limites e responsabilidades. O envolvimento maior dos pais no acompanhamento dos adolescentes em ato infracional dividindo esta responsabilidade familiar entre o casal. A ampliação de outros serviços públicos como creches, habitação, segurança pública, apoio psicossocial, ações de combate ao tráfico e à violência urbana, são clamores de toda a sociedade, não exclusivos destes sujeitos, mas, novamente, expressado como exercício de cidadania. 3.3.5 - Trabalhadores e gestores: resultados O sistema de proteção social público nasce no século XIX, a partir de um dos efeitos da industrialização sobre a condição de assalariamento da população, tornando a insegurança (ausência de trabalho e salário) e 138 vulnerabilidade social e risco sociais (idade, doenças, morte, desemprego), uma carga não suportada pelas bases familiares e comunitárias de solidariedade. O risco social a que se seguiu impôs ao Estado a tarefa de garantir, através de mecanismos protetivos, renda e oferta de benefícios e serviços. Nos países ocidentais de primeiro mundo, tais ofertas protetivas associadas a um “sistema de obrigações jurídicas e de cotizações obrigatórias garantidas pelo Estado”, dão origem, na esfera pública, pressionados pelas lutas sociais, aos direitos sociais. O Brasil “só reconhece os direitos sociais e humanos no último quartil do século XX, após lutas sangrentas contra ditaduras militares” (SPOSATI, 2002, p.109), por exemplo, a educação pública (Constituição de 1946), após intensa luta de educadores , a saúde (Constituição de 1988), direitos difusos de gênero, raça, etnia, orientação sexual, de meio ambiente (CF/88), após intensa mobilização de movimento sociais, sem contudo, o que preserva a lei, tornarem-se direitos garantidos a todos e preservados nos orçamentos públicos. Algumas particularidades do então crescimento nos gastos sociais do orçamento público foram se caracterizando, em parte pelos planos de governo territorializando direitos, produtos de lutas locais de movimentos sociais, fragilidade na agenda pública de cumprimento destes direitos. Por isso, é necessário desenvolver conhecimentos, dados, metodologias de ação, enfim, um saber sobre riscos e vulnerabilidades sociais. Esse propósito, para ser atingido, precisa, antes de tudo, ter claros os riscos e as vulnerabilidades sociais que a proteção social não contributiva tem por responsabilidade cobrir e prevenir. Considerando-se o tamanho continental, as diferenças regionais e as grandes extensões do território brasileiro, os programas e as ações demandam sempre macro abrangência, coletivos de pessoas, ainda que nos territórios e nos locais de vida das pessoas – mesmo quando os programas visam públicos focais – exigem metodologias matriciais e participativas que permitam a interação e integração de ações decorrentes de várias áreas de políticas públicas e formas horizontais de gestão e de monitoramento (CYWINSKI, 2007, p.35). 139 Para planejar a política de proteção social não contributiva, tem sido utilizado o exame territorial de vulnerabilidade pela conjugação de alguns dados de precarização de famílias agregadas por domicílio. Para nossa pesquisa, consideramos importante arrolar três perfis de trabalhadores: primeiramente os trabalhadores/as sociais que atuam diretamente com os adolescentes em cumprimento da medida socioeducativa de liberdade assistida, e prestação de serviços a comunidade, não só pelo vínculo estabelecido pela ação profissional como também pela relevância da problemática. De outro lado, arrolamos trabalhadoras que atuam na referência e contrarreferência das famílias no CRAS Vila Luzita, espaço institucional que referencia para acompanhamento social, as famílias moradoras nos bairros de abrangência do Jardim Santo André, Vila Rica, Vila João Ramalho, Jardim Santa Cristina, Jardim Irene e, por último, o/as trabalhadores/as do CREAS, equipamento institucional, que se constituiu na “porta de entrada” para o encaminhamento das situações de violações de direitos para toda a Rede de Proteção Social do município, bem como exercem a função de supervisão e coordenação das medidas socioeducativas em meio aberto. O primeiro passo foi a entrega pessoal do instrumental do questionário às chefias e coordenações dos equipamentos institucionais do CRAS, CREAS e do Espaço Adolescentes (local de execução das medidas socioeducativas pelos adolescentes). O segundo passo foi a realização de encontros informativos com os/as trabalhadoras/es de cada equipamento, apresentando os objetivos da pesquisa, o formato dos questionários, o prazo e procedimentos para devolutiva dos respectivos questionários. Nesta etapa, foram totalizados 03 (três) encontros com as equipes e foram distribuídos os questionários totalizando 13 (treze) devolutivas, com saldo de 60% (sessenta) de retornos, Foram propostas 07 (sete) questões divididas entre 02 (duas) questões abertas e 05 (cinco) questões fechadas. No primeiro bloco, as questões traçam um perfil do trabalhador/a com: nome (que na pesquisa será ocultado), idade, vínculo empregatício, formato de contratação, função que desempenha, formação acadêmica, tempo de formação e tempo de trabalho no programa. No segundo bloco, levantamos as referências dos trabalhadores da área sobre o PIA dos adolescentes e suas famílias, quais as principais dificuldades, entraves e avanços apontados e impressões sobre a temática. 140 A caracterização do perfil dos trabalhadores indica uma predominância de jovens (30%), na faixa etária de 20-30 anos de idade, 38% adultos na faixa etária de 30-40 anos, e os demais 32% figuram na faixa etária de 50-60 anos. Esta peculiaridade que perpassa as três unidades distintas de serviço, demonstra a importância do quesito capacitação continuada e a necessidade de políticas de recursos humanos que propiciem formação de quadros técnicos e de conhecimento acumulado sobre a temática. Outro destaque é a predominância da representação feminina na composição da equipe técnica, 92% dos profissionais são do gênero feminino. As modalidades de vínculo de contratação mantém um equilíbrio entre as formas, mas há uma ambiguidade no desafio à gestão pública das MSES nos municípios: 46% dos profissionais são servidores públicos e 44% dos demais profissionais, são contratados celetistas da Organização Social parceirizada para o atendimento das MSE´s em meio aberto. Esta realidade, expressa na modalidade de gestão em parceria, vem do processo emergente de municipalização das medidas socieducativas impulsionado pelo Governo do Estado, em determinação ao disposto pelo ECA, e pelo SINASE. Este compartilhamento com organizações sociais da função pública encabeça alguns sinalizadores da fragilidade de gestão; ainda que a sociedade civil seja chamada a gerir a coisa pública, não são raros os casos que, pela incompatibilidade de objetivos da “missão institucional da organização”, interrompem contratos de parcerias, expondo trabalhadores e principalmente o público dos serviços em condição de instabilidade e fragilização do cumprimentos de seus direitos. Verificamos que as nomenclaturas dos cargos ou funções que os/as trabalhadores/as exercem se alteram, na proporção da sua relação de contrato de trabalho. A NOB/RH-SUAS, editada em 2006, preconiza a necessidade do estabelecimento do plano de carreira para os trabalhadores no âmbito da política de assistência social, mas apesar dos 04 anos de vigência, pouco ou nada se fez para que houvesse uma proximidade em termos de nomenclatura e salários entre os trabalhadores concursados do serviço público e os trabalhadores contratados pelas organizações sociais no desempenho das funções públicas. No caso observado por nossa pesquisa, não se apresenta a descaracterização do ponto de vista da referência da função profissional com a 141 atuação propriamente dita, ou seja, 53% dos profissionais, todos trabalhadores da ONG parceira, são contratados com a função de técnico social e, para acesso, todos detêm nível universitário. De outro lado, 47% dos demais trabalhadores são servidores distribuídos pela função de assistente social e psicólogo. A padronização das equipes mínimas proposta pela NOB/RH-SUAS, também neste quesito, é um desafio que os municípios vão desenvolvendo no curso para a efetivação da política de assistência local nos três níveis de gestão. A participação e envolvimento dos trabalhadores nesta pesquisa foi um destaque a parte, para além da devolutiva dos questionários, considerando que o processo de chamamento e sensibilização de adolescentes e famílias produziram um efeito desencadeador de participação e resultados positivos para o aprofundamento dos desafios que temos pela frente com a municipalização das MSE em meio aberto. O segundo bloco de questões visa estabelecer uma compreensão sobre a proximidade das diretrizes e procedimentos aprovados pelo CMDCA, em 2008 no Plano Municipal da Criança e do Adolescente para o Sistema Municipal de Atendimento as Medidas Socioeducativas - SIMASE, com proteções e seguranças previstas no atendimento do cumprimento da execução das MSES. A) Em sua opinião, que opções podem garantir adesão dos adolescentes ao cumprimento da medida socioeducativa em meio aberto? - 98% dos entrevistados consideram a construção do PIA definido com a participação dos adolescentes. Considerada a mais eficiente diretriz do SINASE, prevista como perspectiva e motivo que desencadeia maior envolvimento, participação e, consequentemente, maior resultado no cumprimento da medida por parte do adolescente. - 92% dos entrevistados entendem a Rede de Serviços Socioassistenciais e de outras políticas sociais como segunda possibilidade que apoia o adolescente na etapa do cumprimento da MSE, pois a complexidade das problemáticas sociais que envolvem o adolescente demandam uma rede de atenção 142 especializada e competente, com vistas a fortalecer emocional, psíquica e fisicamente o adolescente. Como bem lembrado pelo familiar de um adolescente em conflito com a Lei “o adolescente precisa de apoio pois, sozinho, é muito difícil enfrentar as coisas” (FAMÍLIA CIPRESTE). Deste modo, importa potencializar ações que garantam acessos, mas principalmente a permanência destes adolescentes usufruindo de serviços, programas e projetos, que fortaleçam seu PIA e os prepare para buscar seus projetos pessoais de forma autônoma e participativa. - 88% dos profissionais compreendem que ter envolvimento de familiares durante o período de cumprimento das medidas reduz a percepção da angústia e dá vazão à necessidade do afeto e da acolhida dos familiares para que o adolescente se sinta mais confiante. Esta foi também uma afirmativa que os adolescentes expuseram em suas falas, a importância da família neste momento impreciso, temeroso, mas que o faz se sentir fortalecido pois, “não esqueceram de mim”. - 76% dos entrevistados entendem que estar participando de oficinas, atividades culturais, ações socioeducativas, produz maior envolvimento com a perspectiva de cumprimento das MSE e repercute beneficamente na sociabilidade e no aprimoramento das relações sociais que este adolescente está (re)-construindo entre seus pares e consigo mesmo. Uma preocupação dos técnicos de referência está na incerteza do tempo de seu vínculo trabalhista, pela instabilidade dos contratos de parcerias que podem se transformar num entrave ao estabelecimento mais profundo deste envolvimento e vínculos, que demanda potências emocionais e relacionais resultados de um processo contínuo. - 70% dos técnicos creditam que ter um PIA da família definido e em acompanhamento é um dado novo e um desafio a ser enfrentado pelo Sistema de Atendimento de Medidas Socioeducativas, quer seja no meio fechado, quer seja no meio aberto. A família se movimenta nestes espaços como um agente de controle social. A partir de suas necessidades sociais que acarretam complexas relações com seu adolescente em conflito com a lei, ela demanda uma ação mais integrada, programada e articulada que possibilite inserções sociais junto à Rede de Proteção Social. 143 B) No seu entender, quais são os motivos que podem provocar o descumprimento da medida socioeducativa em meio aberto? - 98% das considerações remetem ao envolvimento com o cotidiano das tarefas do tráfico de entorpecentes. Esta possibilidade, predominante na opinião dos profissionais operadores das medidas, realça o envolvimento e a dinâmica que a equipe se permite ter no acompanhamento dos adolescentes, dividindo com eles os conflitos inerentes ao rompimento com padrões de comportamento e assédio presentes nos territórios onde vivem os adolescentes e suas relações pessoais e sociais. - 92% consideram outro limitador a dependência psicoativa (álcool, drogas). Aqui também o direto envolvimento com o mundo das drogas e a necessidade de manutenção do consumo exerce uma forte pressão junto aos adolescentes, a ausência de rede especializada além do Centro de Atendimento Psicossocial da Saúde Álcool e Drogas (CAPS/AD), serviço descentralizado de atendimento ambulatorial instalados em regiões estratégicas, não dão conta da demanda, da complexidade da dependência, da relação conflituosa com o mercado ilícito em que os adolescentes estão envolvidos. A responsável pela família Pereira levantou esta problemática, pedindo como projeto de vida que seu filho fosse internado para tratamento da dependência química, pois os dois anos que passou pelo CAPS pouco surtiu em efeito, tendo agora a situação se agravado. A necessidade de integração entre a Política de Assistência Social e Saúde é urgente, rompendo os muros do olhar segregador que a questão suscita, para enfrentamento de uma problemática de saúde pública que está largamente instalada nos bairros e centros urbanos da menor à maior cidade do país. - 88% da equipe técnica observa que atividades individuais ou grupais socioeducativas são sem atrativo; demanda um fazer profissional com competência e rigor, numa constante renovação e aprimoramento, e se transforma em um desafio e um sinalizador considerável, para dar condições ao adolescente de cumprir com sua responsabilização, acessando serviços de qualidade e efetividade. 144 - 80% das considerações observam a influência dos colegas para prática de novas infrações. Esta variante foi pontuada pela incidência, nos territórios violentos, do convívio, da rotina de outros atrativos mais significativos para a garantia de rendimentos provenientes do mercado ilícito. - 85% dos técnicos indicam a baixa percepção da gravidade do ato infracional, e descrédito dos ritos jurídicos e judiciais das medidas, devendo ser trabalhadas como variante para a melhor compreensão da etapa de responsabilização e o devido cumprimento das MSE´s. C) Neste bloco de questões, questionamos sobre as particularidades e incidências que podem: i) afetar o caráter protetivo de família As equipes técnicas (53%) em seus diferentes espaços de trabalho, entendem que a precariedade das condições de vida, focadas no baixo acesso a serviços sociais operacionalizados pelas políticas sociais, e a renda familiar um dos maiores fatores da baixa potência que as famílias dos adolescentes em conflito com a lei, apresentam. Um segundo fator de máxima relevância considerada por 31% dos entrevistados, diz respeito à fragilidade de vínculos relacionais entre pais e filhos, entre filhos e destes com outros entes da família, deixando à mostra que iniciativas no sentido do fortalecimento dos vínculos familiares são de fundamental importância no cenário desta problemática. E 23% dos entrevistados avaliam que as condições de violência ocorridas nos territórios e a dependência química são significativos no enfraquecimento das relações intrafamiliares e societárias. ii) Fortalecer o caráter protetivo das famílias Os técnicos entrevistados demonstraram um relativo equilíbrio nas respostas, dividindo-se em 25% dos técnicos compreendendo que a integração e fortalecimento dos laços afetivos, vínculos entre adolescentes e família podem 145 repercutir num processo de fortalecimento das competências protetivas, pela possibilidade que esta integração alcança no círculo familiar estreitando a rede de convívio e apoios. Uma segunda ponderação se refere à participação dos sujeitos em atividades culturais, sociais e grupais de caráter interativos, socioeducativo e, em terceira hipótese, a inserção em programas vinculados à elevação da renda familiar e de seus membros. D) Quais seriam os indicadores de fluxos entre as ações de CRAS e CREAS que potencializam a Rede de Proteção? As respostas a esta questão tiveram uma equivalência de significado para 32% dos entrevistados, a saber: a integração entre as equipes técnicas possibilitando atingir resultados no conjunto das ações foi a mais cotada. Seguida em 31% do entendimento que as atenções socioeducativas dirigidas ao ACL deveriam manter continuidade na esfera de atuação dos CRAS, inibindo a ruptura dos vínculos e potencializando os avanços atingidos no espaço reduzido que o cumprimento das MSE´s, permitem. Esta intervenção deveria ser pautada pela troca constante de informações (23% das respostas) e pelo aprofundamento e reflexão conjunta sobre a complexidade que algumas situações sociais apontam (23% das respostas), para que o acompanhamento do adolescente e sua família se processe a partir da concepção de direitos, abandonando a lógica residual das ações. 3.3.6. Os gestores das Medidas Socioeducativas: resultados a) Como se deu o processo de municipalização das MSE´s na cidade O processo de municipalização foi apresentado pelos 03 (três) gestores entrevistados expressando o que segue, O processo de municipalização da LA teve início em 2008, com a contratação de consultoria para diagnóstico da situação da Infância e Adolescência, para envolvimento da sociedade civil, técnicos dos CRAS e CREAS e CMDCA em debates e elaboração dos Planos Municipais de Atenção à Infância e Adolescência surgindo entre estes, o SIMASE. Na sequência a Secretaria (de Inclusão Social), 146 realizou contatos com a Fundação CASA; processo de contratação da Associação Cidadania e Vida ACV, para execução da medida em meio aberto LA e PSC Prestação de Serviço à Comunidade, em sistema de gestão compartilhada e o inicio das atividades passou a ser supervisionado pela Proteção Social Especial como serviços do CREAS. Desde então, adequações vêm sendo realizada à qualificação dos Trabalhos (GESTOR SARRACENO). b) Fale sobre a articulação do serviço junto ao Sistema de Garantia de Direitos É possível dizer que muito temos que caminhar em relação a este tema, por ex: a cidade ainda não conta com uma Defensoria Pública, o Conselho Tutelar em sua missão ainda apresenta muitos questionamentos e reflexões a serem aprofundadas assim como a articulação entre as diversas políticas públicas e de direitos como educação. Um desafio constante. Reflexões a parte, desde a municipalização passamos a contar com a presença do Ministério Público e Vara da Infância no serviço, por meio de visitas periódicas o que vem permitindo afinar procedimentos e conhecer as expectativas destes atores. Não é possível dizer que estamos horizontalizando a relação, mas a proximidade se mostra bastante positiva. Como acreditamos que mudanças são processuais e processos não são ações imediatas, estamos otimistas com este modelo, onde o município opera suas demandas e está sempre atento às mesmas, na possibilidade de repassar atuação e ação em relação a criança e ao adolescente (GESTOR SARRACENO). As duas manifestações do gestor quanto ao quesito articulação se complementam, na realidade destacam a importância do estreitamento das relações com o Poder Judiciário e a Promotoria Pública, um dado importante na execução das MSE´s, pois este envolvimento garante que as ponderações, sugestões e avaliações de direção das ações seja discutida entre seus agentes operados. Um destaque quanto às dificuldades de compreensão dos adolescentes e familiares sobre os ritos jurídicos, expressados também pelos trabalhadores, somado à ausência da Defensoria Pública no município poderia avançar na direção de maior entendimento do direito jurídico-social. Não estamos fazendo juízo de valor quanto às ações desenvolvidas pelo Convênio Fórum e a OAB (que executa as ações de acompanhamento, defesa técnica dos adolescentes), mas julgamos procedente que haja maior divulgação deste direito e procedimentos juntos aos reais interessados. 147 A execução das medidas, através do CREAS, tem ocorrido com estreita articulação com o Sistema de Garantia de Direitos, tendo o CREAS se constituído na referência para o encaminhamento de casos do Poder Judiciário e envio dos relatórios de atendimento dos adolescentes e suas famílias. A Juíza da Vara de Infância e Juventude tem realizado visitas periódicas ao serviço, tem apontado a importância dos relatórios técnicos sobre os adolescentes e suas famílias, para que possa ter mais informações sobre os encaminhamentos junto aos adolescentes. Neste momento também a equipe técnica e coordenação do serviço esclarece, dúvidas e estreitam as relações, e redefinem fluxos junto com o judiciário. Foi também estabelecido um estreitamento de relacionamento com o Ministério Público com visita semestral da Promotoria da Infância e Juventude ao serviço, tendo através desta aproximação dinamizado alguns procedimentos no processo de cumprimento da medida. Ainda falta no município uma Defensoria Pública, o que agilizaria a execução dos processos e qualificaria a atenção ao adolescente em cumprimento da medida. Permanece também o desafio de articular as demais políticas públicas na ampliação dos acessos dos adolescentes na garantia da proteção integral (GESTOR MENATO). c) A Política de Assistência Social através do SUAS está gerenciando as medidas socioeducativa em meio aberto (LA e PSC). No seu entender, quais são os principais desafios para sua execução? As respostas trazem desafios inerentes à complexidade em que a articulação intersetorial e a soma de propósitos na garantia de direitos se processam no interior dos sistemas de gestão. Nossa Constituição é muito recente, em 22 anos não logramos muitos êxitos nesta proposição e a grande tarefa que o campo da assistência social abraça no sentido de gerir as MSE´s, vem acompanhada da necessidade de rupturas de estigmas, pré-conceitos, e paradigmas que sempre foram vinculados a este público específico e a forma como operacionaliza na assistência social. Direitos Socioassistenciais, hoje, estão na nossa ordem do dia, para serem compreendidos, estudados, e afiançados. Garantir aspecto pedagógico como prioritário não caindo em modelos simplistas e decisões autoritárias. Conduzir de forma eficaz as articulações de políticas públicas como saúde, educação, profissionalização, recreação e integração sócio-familiar. (GESTOR SARRACENO). Referenciar as famílias dos adolescentes nos serviços da Proteção Social Básica desenvolvidos pelos CRAS, rompendo a fragmentação na oferta de serviços socioassistenciais às famílias em situação de vulnerabilidade. No caso de Santo André, realizar a execução das medidas com prestação de serviço governamental, com servidores públicos concursados, tornando-se um serviço público de referência 148 para a população. Garantir a capacitação continuada da equipe de CREAS de acordo ao preconizados pela NOB /RH/SUAS, dando suporte técnico necessário aos operadores do serviço. Articular a oferta de programas voltados a juventudes para inclusão dos adolescentes em cumprimento de medida (GESTOR MENATO). A exposição de argumentos dos gestores deixa à mostra o presente desafio que a política de assistência social tem no seu presente, e aponta seu futuro no tocante ao seu campo de proteção social específico e as atenções aos adolescente em conflito com alei. As responsabilidades e competências no âmbito do SUAS a esta atenção específica são, a nosso ver: a) tratar da gestão do trabalho, como uma questão estratégica, b) disponibilizar serviços de qualidade com estrutura, qualificação e valorização dos trabalhadores envolvidos, c) preservar o caráter público da prestação dos serviços socioassistenciais, d) instituir Planos de Carreira, Cargos e Salários em cada esfera de governo, aos trabalhadores da administração direta e indireta, eles devem ser únicos, ou seja, com isonomia, em cada esfera de governo para a fixação de profissionais na exata proporção da garantia do acesso e equidade da oferta de serviços à população, e) realizar concursos públicos, f) financiamento50 e g) manter o quadro de pessoal previsto pela Norma Operacional de Recursos Humanos do Suas (2006) para o CREAS, unidade de referência, que coordene, articule e execute as ações de proteção social especial de média complexidade, e nelas, as atenções ao adolescente em conflito com a lei , composto de: 01 coordenador, 02 assistentes sociais, 02 psicólogos, 01 advogado, 01 auxiliar administrativo, 04 outros profissionais de médio e nível superior. 50 Está em vias de aprovação pelo Congresso Nacional a PL que autoriza a utilização dos recursos disponibilizados para o co-financiamento de programas, projetos, serviços e gestão dos benefícios para serem utilizados na remuneração dos trabalhadores concursados do SUAS. 149 4 CONSIDERAÇÕES FINAIS A Constituição Federal de 1988, acolhendo princípios e valores da Declaração Universal dos Direitos Humanos, da Convenção Interamericana dos Direitos Humanos, da Convenção dos Direitos da Criança, transforma-se em um instrumento base do desejo da sociedade brasileira para as futuras gerações. Ao tratar das competências e responsabilidades com seus cidadãoscrianças e cidadãos-adolescentes, ratifica, no Estatuto da Criança e do Adolescente, os princípios básicos do que considera proteção integral a estes sujeitos em peculiar condição de desenvolvimento, sujeitos de direitos, promessa de continuidade da sociedade e de suas famílias. A CF/88 ratifica, pela Emenda Constitucional (EC) 065/2010, o Art. 227 reafirmando o primado do dever da família, da sociedade e do Estado de assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, na perspectiva de romper com formas variadas de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão e da garantia da cidadania. Podemos até considerar que essas mudanças no marco jurídico, ao lidar com a adolescência e juventude num mesmo arranjo jurídico, poderia significar para alguns o sequestro da condição peculiar de desenvolvimento destes sujeitos-adolescentes como prevê o ECA, e ressurgir com mais força o debate sobre a redução da maioridade penal dos adolescentes. Mas uma conclusão é certa. A violência no mundo moderno, explicada por diferentes saberes de base científica, construiu uma imagem de crianças e de adolescentes com representações e imagens sobre elas e sobre o adolescente autor de ato infracional, de serem ligados a imagens de incertezas. Jovens são vetores de mudanças em seu tempo, ouvem mais seus amigos que sua família, rompem com as convenções, são transgressores de seu tempo. Contrapor mitos e denunciar realidades a partir das narrativas sociais destes sujeitos pode produzir e disseminar outras imagens desses jovens- 150 adolescentes, reafirmando sua condição de sujeito de direitos, de que o marco legal os investiu. A transgressão, sendo uma construção social, e a adolescência sendo uma etapa de vida, do tempo e da aceleração do tempo, da mobilidade de transitar pelo virtual, numa interface de imagens (de si e dos outros), num espaço (territórios de vivência e convivência), alternam vínculos próximos e distantes entre os mundos legítimos e ilegítimos reconhecidos pela sociedade, em função das oportunidades e circunstâncias em que esta maleabilidade de trânsito se processa nestes espaços e que alteram suas identidades e sociabilidades. Cabe-nos questionar: a aceleração deste tempo de adolescência pode criar possibilidades para consolidar um projeto de vida? Que imagem tem de si mesmo e que expectativas de vida tem este jovem-adolescente autor de ato infracional hoje? Tomamos o depoimento do adolescente Cipreste, por nós entrevistado, para exemplificar um dos cenários que envolve nosso adolescente autor de ato infracional contemporâneo. O adolescente, ao se referir ao seu envolvimento no “mundo ilegítimo” do tráfico de drogas, afirma que “isto não é trabalho, é coisa ilícita, é ilegal, só entramos nessa vida para comprar roupas, ir nas baladas, ter as coisas que todo mundo tem”. De outro lado, a fala do adolescente Das Roseiras, também entrevistado por nós, já expressa uma ruptura neste trânsito de mobilidade entre os dois “mundos” e de etapa da adolescência, quando afirma que quer “ter oportunidades, mais porta de emprego, senão a cabeça revolta”. São sujeitos que conseguem absorver e compreender que serão responsabilizados por razão de sua conduta, pelo seu comportamento de risco, pela ameaça ou violação a seus direitos e aos direitos de outrem, e consideram tal conduta relacionada ao ato infracional. Nosso trabalho fala de responsabilidades e responsabilizações, cruciais ao desenvolvimento de competências e do aprimoramento de pessoas como sujeitos sociais, de instituições como poderes constituídos, do processo de envolvimento da questão do ato infracional no cotidiano de famílias. Família. Sujeito de uma dada sociedade, que totaliza o que se espera por proteção social e sociabilidades primárias dirigidas a seus membros. Suas formações, desenhos, formatos e arranjos contemporâneos não as eximem de sua competência como canal de comunicação, interação e espaço de 151 desenvolvimento de afetividades, vínculos e relações entre seus membros, e desta com a comunidade de seus territórios de vida. Afinal, a família, por si só, é uma rede. Tomar a família como unidade de atenção das políticas públicas é, antes de tudo, um compromisso com as futuras gerações, um espaço de produção de saberes e de conhecimentos. Um dever do Estado. A reflexão permitiu identificar algumas marcas importantes que caracterizam as famílias de adolescente autor de ato infracional: 1) identificamos a necessidade de ampliar mecanismos para garantir e ampliar a inclusão social da família, resgatando sua condição de cidadania e sua função protetiva na perspectiva da ampliação dos acessos de seus membros a direitos e atenções sociais, exigível das políticas públicas, entendendo este movimento como condição para fortalecê-los como sujeitos de direitos (individuais e coletivos). 2) identificamos o potencial de autonomia da família na gestão do desenvolvimento de suas relações, a partir do que consideram por território, (entendido estes territórios como o lócus onde se concretizam as relações sociais no contexto de seus vínculos e afetos). No contexto da gestão de sua capacidade de estabelecer relações de rede e interfaces com o mundo legítimo e ilegítimo nos territórios vulneráveis e com altos indicadores de violência. O trânsito que estas famílias também exercitam “entre estes dois mundos”, na busca de seus filhos nos pontos de comércio e uso de drogas, nas negociações com traficantes e policiais salvaguardando a vida de seus filhos e demais membros, no trânsito entre sua rede de apoio para sustentar relações e vínculos que proporcionem condições de “normalidade” em seu cotidiano nas atividades de trabalho, escolarização, e frequência a atividades sociais dos demais membros, impulsionam a criação de mecanismos de sobrevivência e de autonomias relacionadas ao desenvolvimento de potenciais de resiliência contínua. O aparato institucional vincado à temática do adolescente em conflito com a lei na agenda pública e sua atenção nos serviços operacionalizados na base dos municípios reúne condições de ampliar consideravelmente o escopo da proteção integral de adolescentes, de modo que estes possam se beneficiar com efetividade de uma Rede de Proteção Social e Socioassistencial. 152 Assim, vale reafirmar o quanto as políticas públicas podem representar e alterar as vias de acessos a direitos sociais básicos como educação, saúde, habitação, trabalho, assistência social e segurança seja nas esferas estaduais ou municipais. Uma revisão das políticas de combate e enfrentamento à violência, com a promoção de estratégias políticas que articulem esforços dos três níveis de gestão do Estado, pode impactar na redução da criminalidade e ampliar inclusões, alterando o quadro de exclusão e cristalização das vulnerabilidades a que estão sujeitos os adolescentes autores de ato infracional. Este trabalho trouxe também ponderações sobre o desafio de lidar com as medidas municipalizadas em meio aberto, com adolescentes reincidentes e os que já passaram pela experiência do cumprimento das medidas em meio fechado. O esforço para ver e tornar socialmente visíveis as necessidades destes adolescentes se torna imperativo para os operadores do sistema de atendimento às medidas socioeducativas municipalizadas. Alguns desafios são prementes nesta seara: a) aceleração da aprendizagem e redução das diferenças entre série e idade verificada na maioria de nossos adolescentes nas MSE´s; uma escola que estimule o desenvolvimento de suas habilidades, de modo que propicie sua inserção autônoma e com segurança nos diferentes espaços da vida social, do trabalho, da vida comunitária, da cena política, de cidadania. A Lei de Diretrizes e Bases da Educação (LDB) propõe meios e mecanismos diferenciados de projetos políticos pedagógicos que poderiam reduzir a incidência de adolescentes de perfil infrator que, aos 15 anos, ainda não sabem ler e escrever seu próprio nome, ou mesmo aqueles que aos 16 anos irão cursar a 5ª série do Ensino Fundamental em sala regular. b) programas de transferência de renda (PTR) à família e inserção em serviços e programas especializados que propiciem vivências grupais e socioeducativas, que favoreçam os sentidos dos pertencimentos e das vivências e vínculos; famílias que são ora desprovidas de condições socioeconômicas de sustentação financeira de sua prole, ora pelas condições vulneráveis que vínculos sociais, familiares e comunitários fragilizados impulsionaram para vivências de violência doméstica e urbana. Para aquelas famílias que são beneficiárias de PTR´s, a exemplo do programa Bolsa Família, 153 há de se considerar e reverter a situação pela qual são penalizados, no que se refere ao descumprimento da condicionalidade, por exemplo, da frequência escolar pelo adolescente em cumprimento de MSE. Certamente, a fragilização da potência protetiva do grupo familiar aumenta na proporção de sua exclusão do Programa, constatado o descumprimento da referida condicionalidade. c) a qualificação profissional, como frentes de atenção para favorecer a inserção dos pais e dos jovens de 16-21 anos no mercado de trabalho com as garantia das conquistas previdenciárias e sociais. Considerando a restrição de postos de trabalho no mercado formal, a reestruturação produtiva, há de se desenhar novas possibilidades quanto ao exercício do trabalho, principalmente naquelas atividades que ensejem o associativismo e produção cooperativada. Ambas as possibilidades implicam na preparação da força de trabalho. O (re)desenho de políticas públicas neste contexto pode diminuir os riscos e vulnerabilidades a que estão expostos estes sujeitos, inovando sempre numa aposta pela vigência de direitos, conquistados ou a conquistar, e respondam às incertezas de futuro para os/as jovens adolescentes. Afinal, trata-se de adolescentes-jovens e não somente de adolescentes em conflito com a lei, trata-se de famílias, que não têm em sua composição e formação familiar somente adolescentes em conflito com a lei, mas outros membros que também são detentores de direitos. d) romper a lógica da atuação fragmentada de cada órgão envolvido no SGD. O ponto de partida é buscar, identificar, qualificar os elementos e as singularidades e construir as estratégias multissetoriais de atuação e as iniciativas de diferentes órgãos com um único propósito: articulá-los horizontalmente, ampliando as possibilidades de êxito e resultados que configurem mudanças e rupturas e construa novos instrumentos de ações, fluxos operacionais, dinâmicas profissionais com competência na prestação dos serviços qualificados. Este redesenho deve permitir o debate entre dois campos de opinião que convivem no cotidiano: um que faz a defesa do ECA e do SINASE, outro na contramão dos direitos e que exige medidas mais drásticas de contenção dos adolescentes. No âmbito da gestão municipalizada das MSE desenvolvida 154 pelo CREAS, deve-se tornar clara qual a garantia de direitos que estes adolescentes-cidadãos têm assegurados na execução dos serviços. A consolidação do recente modelo de proteção social de caráter não contributivo, que compõe o tripé da seguridade social e no qual vem sendo operacionalizada as medidas socioeducativas em meio aberto, impõe mudanças, na medida em que não bastam que os instrumentos legais sejam de ampla completude, precisam estar no cotidiano da implementação da política de assistência social. As concepções de rupturas que o sistema propõe, o olhar, o vir a ser, da assistência social como uma política de direitos, fazem chegar à compreensão das famílias-cidadã, os significados dos direitos socioassistenciais afiançados por esta proteção. E como esta proteção pode consolidar e fortalecer o caráter protetivo que as famílias desempenham neste círculo vital de relações e direitos. Outra necessidade também observada foi a de estabelecer uma comunicação e o estabelecimento de fluxos, procedimentos, protocolos de atendimento ao adolescente em conflito com a lei e introduzir a lógica do SINASE- Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo, articulado com o sistema de proteção social para operar as proteções sociais devidas. Assim, políticas sociais públicas (de caráter contributivo ou não), reconhecidos pelos bens e serviços produzidos socialmente e dirigidos a todos na sociedade, serão destinados com prioridade à crianças e adolescentes, e ao ACL. Assim, o atendimento às necessidades sociais de crianças e adolescentes como educação, saúde, habitação, alimentação, transporte, esporte, lazer, trabalho, o meio ambiente, a informação, a segurança pública, assistência social, estarão em primeiro lugar no elenco de políticas públicas resultado da articulação entre União, Estados e Municípios. As mudanças do fazer jurídico e institucional por parte dos operadores do novo mandamento legal, ainda se revestem de muitos desafios, não requer somente bom senso e conhecimento. Para estas mudanças são necessárias a compreensão do exato sentido e significado das providências e respostas atribuídas à intervenção estatal quando instala os meios para o cumprimento das medidas socioeducativas previstas, bem como o fortalecimento e efetivo exercício do controle social ampliado. Ações como cobrar do próprio Estado sua baixa oferta de serviços, fiscalizar a ação dos operadores no sentido do 155 reparo quanto aos direitos suprimidos; apontar e indicar medidas de responsabilização aos operadores que por falta ou omissão não garantem condições de acesso e permanência às políticas sociais protetivas que famílias e adolescentes demandam. Finalmente, é preciso considerar que é necessário também construir um novo repertório de ações e instrumentos para levar a cabo uma política de promoção dos direitos das famílias, efetivamente conectada com seu tempo. Sabe-se, por exemplo, que os ACL precisam de uma escola de qualidade que os prepare para o mercado de trabalho, mas só isto não é suficiente. Elas (as famílias) precisam, sim, de condições que respeitem as suas especificidades, compatíveis com as outras dimensões da suas necessidades. Não basta romper como o círculo vicioso e “intergeracional da pobreza”, de reprodução das desigualdades e de fenômenos como: as altas taxas de evasão escolar, as escassas preparação e oportunidades no mundo do trabalho com as suas novas configurações, os índices alarmantes de vitimização letal que afeta nossos adolescentes e as várias facetas das inserções precárias, das condições de (des)pertencimento, que marcam a trajetória destas famílias e de seus adolescentes que só serão superados na medida em que a responsabilidade de afiançar direitos seja de fato expressa nos cotidianos dos diferentes “territórios” dos executores e da execução das MSE em meio aberto. É necessário também promover potências, observando as dimensões de gênero, idade, raça, características das relações de poder em família e papéis sexuais e reprodutivos que ocorrem no círculo familiar, as capacidades instaladas para sua superação Afinal, embora vivam sob a promessa da proteção social, ainda é dramática a situação de famílias, em especial as dos adolescentes em conflito com a lei, como o responsável pela Família Cipreste que argumenta “os pais sozinhos não dão conta”. Herdaram da sociedade uma dívida social. A realidade social das famílias e seus membros nas várias fases geracionais, expostas às situações de risco social e pessoal em flagrante violação de seus direitos sociais, mostraram a reduzida capacidade de acesso e inserção aos serviços públicos básicos como educação, saúde, assistência social, transporte, cultura e lazer e habitação, revestindo as diversas 156 dimensões da vida social familiar. A oferta efetiva de programas e serviços estruturados e especializados, que atentem às dimensões da família e respondam assertivamente às suas necessidades sociais como propostos pela Constituição, ECA, PNAS, SINASE, ainda é uma lacuna na destinação de recursos dos fundos públicos. Encerrando, reproduzimos na fala dos representantes familiares dos adolescentes entrevistados, o que se espera do Estado, das políticas públicas e dos operadores: envolvimento e responsabilização. Os depoimentos e sugestões dos representantes das famílias Cipreste e das Roseiras foram exemplares e relacionados aos anseios de ações preventivas como políticas de ampliação da renda das famílias, envolvimento maior no acompanhamento dos adolescentes em ato infracional, dividindo esta responsabilidade familiar entre o casal/responsáveis e ações socioeducativas junto a escolas, junto à comunidade local, sobre os efeitos, a responsabilização, orientação e os impactos que o ato infracional acarreta para os adolescentes, para a família e a comunidade. Falei para a promotora ajudar a outros pais. Ajudar nós. Tendo a ajuda de quem tem posição e ordem, facilita as coisas. Tem muito adolescente envolvido nesta situação (trafico de drogas e roubo), e os pais sozinhos não dão conta. Precisam de apoio (FAMILIA CIPRESTE). Ter uma pessoa para fazer reuniões. Aqui ele cumpre a ordem (cumprimento da MSE), o mesmo que tem aqui (conteúdos e ações socioeducativas) poderia ter nas reuniões na comunidade. Fazer reunião com famílias, além dos pais com os adolescentes daqui, com outros atendidos. A gente sozinho não pára esta situação (FAMÍLIA CIPRESTE). (... )deveria ter em cada sala de aula 01 vez por semana ensino, palestra, cursos sobre os atos infracionais, orientando pais e adolescentes (FAMÍLIA DAS ROSEIRAS). 157 REFERÊNCIAS ACOSTA, Ana Rojas; VITALE, Maria Amélia F. (orgs.).Família, redes, laços e Políticas Públicas.3.ed. São Paulo:Cortez, Instituto de Estudos Especiais:PUC/ SP-2007. 316p. AQUINO, Luseni. A Juventude como foco das políticas públicas (p.23-39) IN: CASTRO, Jorge Abrahão; AQUINO, Luseni Maria C; ANDRADE, Carla Coelho (Orgs). Juventude e políticas sociais no Brasil. Secretaria de Assuntos Estratégicos da Presidência da República. Brasília: IPEA, 2009. 330p. BEHRING, Elaine; BOSCHETTI, Ivanete. 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Responsabilidade do município na definição e execução da política pública e dos serviços dirigidos à criança e ao adolescente. (2008, p.0118) Acessado em 20.11. 2010 162 APÊNDICE A FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA FAMÍLIADO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Questionário com trabalhadores A .1.IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO(a) Nome Idade Vinculo Empregaticio : Função: Formação Acadêmica: Tempo de formação: È trabalhador da PSA/Organização Parceira: Tempo de trabalho no Programa Os PIA´s dos adolescentes e das famílias 1. 1- Qual sua atuação junto à Adolescentes em medida socioeducativa em meio aberto 2- Assinale se alguma destas alternativas influenciam para que adolescentes mantenham maior adesão ao cumprimento d da medida socioeducativa em meio aberto. ( ) ter um PIA definido com a participação dos adolescentes ( ) ter garantido o acesso de encaminhamentos às demais políticas públicas ( ) ter envolvimento de familiares durante o período de cumprimento das medidas. ( ) estar participando de oficinas, atividades culturais profissionalizantes,etc. ( ) ter um PIA da família definido e em acompanhamento técnico regular ( ) ter atendimentos de retaguarda para acompanhamentos psicossociais e terapêuticos e saúde mental etc ( ) ter vínculos fortalecido com o técnico de referência ( ) outra _________________________________________________ 3- No seu entender quais os motivos que podem apresentar baixa adesão do adolescente ao cumprimento das medidas S socioeducativas em meio aberto. 4- Qual é sua atuação junto às famílias dos adolescentes em liberdade assistida. 5- Assinale as alternativas que você considera que mais afetem a família do ACL : ( ) baixa renda familiar ( ) precárias condições de : ( ) habitação ( ) saúde ( ) educação ( ) trabalho ( ) ausência de vínculos e laços familiares com ( ) o adolescente ( )demais filhos ( )parentes ( ) violência doméstica cujo agressor é ( ) o pai ( ) a mãe ( ) os filhos adultos ( ) agregados ( ) presença de abuso ou exploração sexual no lar ( ) presença de dependentes químicos na família ( ) baixa presença de afetos e carinhos entre os membros da família 163 ( ( ( ( ) presença de um dos membros em privação de liberdade. ) reduzida capacidade de autonomia para solução de problemas ) reduzida capacidade para acessar e se vincular a serviços públicos. ) presença de relativa dependência com o crime organizado. A Gestão Matricial/intersetorializada da política pública 6- Quais as principais dificuldades de articulação com as demais políticas sociais no território do Jardim Santo André? ( ) ( ) ( ) integrada ( ) integrada. ( ) ( ) território ( ) ausência de uma cultura de trabalho intersetorial formação e capacitação dos vários agentes para a ação matricial/intersetorial disponibilidade dos profissionais da ação direta(ponta) para esta ação ausência de interlocutores da sociedade civil para construção da ação falta de tempo forte presença da violência urbana ( traficantes, gangues, grupos rivais) no outra ___________________________ 7- No seu entender Que programas/ serviços/ ações podem produzir condições de fortalecer o papel das famílias junto aos Adolescentes e permitam reduzir os atos infracionais.. . 8- Qual fluxo de atendimento deveria existir entre o CRAS e o CREAS no atendimento aos adolescentes em conflito com a e Lei com suas famílias Obs: Para fins de pesquisa científica os nome serão mantidos em sigilo. Este formulário pode ser enviado para o email [email protected] ou posso retira-lo em seu local de trabalho em Data preagendada. UNIBAN. 164 APÊNDICE B TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO TERMO DE CONSENTIMENTO Título da Pesquisa: “FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA FAMÍLIADO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI O Sra (Sr.) está sendo convidada(o) a participar desta pesquisa que tem como finalidade: apresentar propostas de ação que fortaleçam o papel protetivo das família , que defendam os direitos dos adolescentes envolvidos em atos infracionais e que fortaleçam o Sistema de Garantia de Direitos Ao participar deste estudo a Sra (Sr) permitirá que a pesquisadora possa colher dados e informações para seu estudo acadêmico. A Sra (Sr.) tem liberdade de se recusar a participar e ainda se recusar a continuar participando em qualquer fase da pesquisa, sem qualquer prejuízo para a Sra (Sr.) Sempre que quiser poderá pedir mais informações sobre a pesquisa através do telefone da pesquisadora do projeto e, se necessário através do telefone do Comitê de Ética em Pesquisa. Sobre os questionários eles conterão perguntas fechadas com mais de uma opção de escolha e com perguntas abertas para sua livre resposta, o tempo de duração será de até 30 minutos para respostas e serão enviados por sistema eletrônico, por carta ou entregues pessoalmente,o prazo de devolutiva é de 20 dias e será recolhido pela pesquisadora em data , local e horário de sua disponibilidade .. Quanto a Riscos e desconforto: a participação nesta pesquisa não traz complicações legais, riscos ou desconfortos. Os procedimentos adotados nesta pesquisa obedecem aos Critérios da Ética em Pesquisa com Seres Humanos conforme Resolução no. 196/96 do Conselho Nacional de Saúde. Nenhum dos procedimentos usados oferece riscos à sua dignidade. 165 Confidencialidade: todas as informações coletadas neste estudo são estritamente confidenciais. Somente a pesquisadora e a orientadora terão conhecimento dos dados. Benefícios: ao participar desta pesquisa a Sra(Sr.) não terá nenhum benefício direto. Entretanto, esperamos que este estudo traga informações importantes sobre os arranjos famíliares, os acessos à políticas públicas, os sonhos de futuros dos adolescentes, de forma que o conhecimento que será construído a partir desta pesquisa possa oferecer parâmetros para política públicas que fortaleçam as famílias em suas relações e vínculos sociais,comunitários e familiares, onde a pesquisadora se compromete a divulgar os resultados obtidos. Pagamento: a Sra(Sr.) não terá nenhum tipo de despesa para participar desta pesquisa, bem como nada será pago por sua participação. Após estes esclarecimentos, solicitamos o seu consentimento de forma livre para participar desta pesquisa. Portanto preencha, por favor, os itens que se seguem: Obs: Não assine esse termo se ainda tiver dúvida a respeito. Confirmo que recebi cópia deste termo de consentimento, e autorizo a execução do trabalho de pesquisa e a divulgação dos dados obtidos neste estudo. Tendo em vista os itens acima apresentados, eu, de forma livre e esclarecida, manifesto meu consentimento em participar da pesquisa __________________________________________ Nome e Assinatura do Participante da Pesquisa _________________________________________ Nome e Assinatura da Pesquisadora ___________________________________________ Nome e Assinatura da Orientadora Pesquisadora: Maria Inês da Costa. RG 10228633-4Tel. 4479.79.23 Orientadora: Maria do Rosário Correa de Salles Gomes, RG Telefone da Comissão de Ética: (11) 2972-9000 E-mail: [email protected] tel. 166 APÊNDICE C UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA COMISSÃO DE ÉTICA (Resolução CONSEPE-UNIBAN nº 17/06 de 11/02/2006) PROJETO DE PESQUISA FORTALECENDO A CAPACIDADE PROTETIVA DA FAMÍLIADO ADOLESCENTE EM CONFLITO COM A LEI Entrevista com Adolescentes O presente instrumental de entrevista é parte integrante do Projeto de Pesquisa do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, cujo tema é “Famílias, Territórios e a Gestão Matricial de Políticas Públicas de Atenção ao Adolescentes em Conflito com a Lei”. Para os Objetivos Específicos deste estudo buscaremos informações para compreender o lugar e os níveis de pertencimento social que você ocupa no território em que vive , os vínculos familiares e relacionais, os desafios que enfrenta para o cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto, avaliar a evolução dos Planos Individuais de Adolescente e de suas famílias E,,ainda, conhecer as principais ações e as estratégias de enfrentamento do poder público à violência nos território de alta vulnerabilidade social, e o grau de articulação, integração e vinculação que estas ações têm com os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos dos Adolescentes Obs.:Você Pode assinalar quantas opções forem necessárias. A.1.IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO Nome Estado civil ( ) c)companheira ( ) s)companheira ou raça Idade Cor ( )branca( ( ) amarela ( ) indígena Sexo ( ) Feminino ( ) Masculino )preta)( Escolaridade 1. O que você faz no seu tempo livre? 2-O que poderia ter para os (as) adolescentes no seu bairro? ( )atividades culturais de dança de rua, hiphop ,pagode,dança de salão,etc )parda 167 ( )cursos de esportes radicais ( ) cursos profissionalizantes ( ) cursos de teatro/música/fotografia/cinema ( ) espaço para cinema/teatro/sala de audição ( ) laboratório de informática ( ) ginásio / quadra / sala de educação física ( ) biblioteca / sala de leitura ( ) outros _____________________________ ACESSO À REDE DE SERVIÇOS DA ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO , SAÚDE, TRANSPORTE, HABITAÇÃO,CULTURA E LAZER . 3- Você utiliza ou está incluído (a) em algum destes serviços: Assistência social ( ) ação sócio-educativa e de convivência fora do horário escolar ( ) cursos profissionalizante ( ) atendimento psicossocial /terapêutico individual ou para família Saúde ( ) faz visita regular ao médico ( ) fez tratamento de dependência química ( ) frequenta CAPS - Centro de Atendimento Psicossocial ( ) faz tratamento médico Transporte ( ) usa carteirinha de estudante ( ) usa transporte para passeios e lazer ( ) usa transporte para o trabalho Cultura e Lazer ( ) frequenta o CESA-Centro Educacional e esportivo Sto Andre ( ) frequenta oficinas culturais ( ) frequenta oficinas de teatro ( ) joga bola ( ) bate papo com amigos ( ) vai ao cinema ou teatro Habitação ( )mora no núcleo habitacional ( ) mora nos prédios do CDHU 4-Qual atividade você se envolve com mais intensidade no programa da LA ( ) atividade grupais (..) atendimento individual ( ) passeios, palestras, visitações ( ) oficinas culturais , educativas,de saúde, etc ( ) oficinas para o mundo do trabalho ( ) nenhuma. 5. Como foi que você enfrentou todo o processo de , apuração entrevista com o juiz, até a decisão da medida socioeducativa. , defesa, 168 6. Teve apoios? 7- O que você faz para evitar um novo ato infracional. 8- Você tem sonhos? Quais. Para fins da pesquisa científica, a publicação do trabalho desta pesquisa não divulgará nome e endereço do entrevistado/a. Santo André, Fevereiro de 2010. Maria Inês da Costa Mestranda do Curso de Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei UNIBAN. Tel. 4479.79.23 ou 6448.55.56 . 169 APÊNDICE D UNIVERSIDADE BANDEIRANTE DE SÃO PAULO CONSELHO DA PÓS-GRADUAÇÃO E PESQUISA COMISSÃO DE ÉTICA (Resolução CONSEPE-UNIBAN nº 17/06 de 11/02/2006) ENTREVISTA COM FAMÍLIAS O presente instrumental de entrevista é parte integrante do Projeto de Pesquisa do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei, cujo tema é “Famílias, Territórios e a Gestão Matricial de Políticas Públicas de Atenção ao Adolescentes em Conflito com a Lei”. Para os Objetivos Específicos deste estudo buscaremos informações para compreender o lugar e os níveis de pertencimento social que você ocupa no território em que vive , os vínculos familiares e relacionais, os desafios que enfrenta para o cumprimento das medidas socioeducativas em meio aberto, avaliar a evolução dos Planos Individuais de Adolescente e de suas famílias E,,ainda, conhecer as principais ações e as estratégias de enfrentamento do poder público à violência nos território de alta vulnerabilidade social, e o grau de articulação, integração e vinculação que estas ações têm com os órgãos do Sistema de Garantia de Direitos dos Adolescentes Obs.:Você Pode assinalar quantas opções forem necessárias. A.1.IDENTIFICAÇÃO DO ENTREVISTADO Nome Idade Cor ou raça ( ) branca ( ) preta ( ) parda ( ) amarela ( ) indígena Quantidade de membros na Família : adultos ________ crianças ________ Adolescentes____ Agregados______ Vínculo com o adolescente: Nome do Adolescente: Estado civil ( )c/companheira(o) ( )s/companheira( 0) Em que UF nasceu?_______ Escolaridade Município que nasceu ______ Endereço Completo (rua,no., bairro,etc) Quanto tempo mora neste local.? Renda Familiar: Programa Social? Sim ( ) Não ( ) Qual ? 170 1-Com quem você pode contar para te apoiar numa hora de dificuldades? ( ) pai /mãe ( ) outros parentes ( ) irmãos (as) ( ) técnico de referência Qual __________________ ( ) Colega ou Amigo(a) ( ) Pastor,padre,religioso ( ) outro: especifíque ________________________ 2- Conte um pouco de sua trajetória de vida( seus amigos,sua família,sua comunidade, de onde veio, como vive com seus filhos,o que faz para sustentar a família) 3-O que poderia ter para os (as) adolescentes no bairro? ( )atividades culturais de dança de rua, hiphop ,pagode,dança de salão,etc ( ) cursos de esportes radicais ( ) cursos profissionalizantes ( ) cursos de teatro/música/fotografia/cinema ( ) espaço para cinema/teatro/sala de audição ( ) laboratório de informática ( ) ginásio / quadra / sala de educação física ( ) biblioteca / sala de leitura ( )mais escolas publicas ( ) mais serviços de saúde ( ) mais transporte público ( ) outros _____________________________ 4- Como você mora?(com quem, onde, em que condições) 5- Você considera violenta a região em que mora ?. Porque? ACESSO À REDE DE SERVIÇOS DA ASSISTÊNCIA, EDUCAÇÃO E SAÚDE 6 Você ou algum membro de sua família utiliza ou está incluído (a) em algum destes serviços ( ) CRAS - Centro de Referência da Assistência Social ( ) CREAS - Centro de Referência Especializada da Assistência Social ( ) ação sócio-educativa e de convivência fora do horário escolar ( ) cursos profissionalizante ( ) atendimento psicossocial /terapêutico individual ou para família ( ) prevenção contra drogas ( ) tratamento de dependência química. ( ) Posto de Saúde do SUS ( ) Programa Saúde da Família ( ) Grupo de reflexão com temáticas diversificadas. ( ) Ambulatório EsOpecializado em Saúde Mental ( ) Cursos de informática. ( ) Banco de Alimentos ( ) Viva Leite ( ) ajuda de igreja ( ) Projovem, ou PETI ( ) outros 7.Acompanha com frequência o trabalho que é desenvolvido no cumprimento da medida socioeducativa? Este trabalho : ( )tem fortalecido o adolescente ( ) não tem fortalecido 171 ( ) ajuda-o na busca de outros projetos para sua vida ( ) não ajuda ( ) outra avaliação:.............................................................. ( ) não sabe avaliar 8.Qual foi a reação da sua família diante da situação de um filho(a) em ato infracional. ? 9 O que ou quem pode te apoiar para superar as dificuldades com seu filho em cumprimento de medida socioeducativa. 10.Na sua opinião qual é na sua família: A) a maior fragilidade__________ B) maior fortaleza _______ 11- No seu entender como o poder público poderia apóia-la para fortalecer o papel da sua família prevenindo outros atos infracionais. Considerações do pesquisador Obs: Para fins de pesquisa científica os nomes serão mantidos em sigilo. Esta pesquisa será realizada em data,local e horário previamente agendado . Santo André, Fevereiro de 2010.. Maria Inês da Costa Mestranda do Mestrado Profissional Adolescente em Conflito com a Lei UNIBAN