Fatores psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença

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UNIVERSIDADE VEIG A DE ALM EIDA
M ESTRADO PRO FISSIO NAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SO CIEDADE
Leila Soares Jordano de Barros
FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO
DA DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO
Dissertação de Mestrado
RIO DE JANEIRO
2013
Leila Soares Jordano de Barros
FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA
DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO
Trabalho de dissertação apresentado ao Programa de Pósgraduação Stricto Sensu do Mestrado Profissional em
Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de
Almeida, como parte dos requisitos para obtenção do título
de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Área de
concentração: Psicanálise e Saúde.
ORIENTADORA: Drª. Fátima Gonçalves Cavalcante (UVA)
COORIENTADORA: Drª. Maria Cláudia Rodrigues Moreira (UFRJ)
RIO DE JANEIRO
2013
FOLHA DE APROVAÇÃO
Leila Soares Jordano de Barros
FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA
DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO
Defesa em 4 de outubro de 2013.
BANCA EXAMINADORA
Professora Drª. Fátima Gonçalves Cavalcante – Orientadora
Doutora e Pós-Doutora em Saúde Pública – ENSP/FIO CRUZ – RJ
Professora Drª. Maria Cláudia Rodrigues Moreira – Coorientadora
Doutora em Ciências Morfológicas – Instituto de Ciências Biomédicas – UFRJ
Professora Drª. Maria Helena Martinho – Avaliadora
Doutora em Psicanálise – UERJ – RJ
Professor Dr. Renato dos Santos Veloso – Avaliador
Doutor em Serviço Social – UERJ – RJ
Professor Dr. Luiz José Veríssimo – Suplente
Doutor em Psiquiatria, Psicanálise e Saúde Mental – UFRJ – RJ
Esta dissertação é dedicada aos sujeitos da pesquisa,
pela coragem de enfrentar o desafio do TCTH e a
todos que poderão se beneficiar dos conhecimentos
apresentados neste trabalho.
AGRADECIMENTOS
Às minhas orientadoras, Drª. Fátima Gonçalves Cavalcante e Drª. Maria Cláudia
Rodrigues Moreira, pela serenidade transmitida neste momento de tanta ansiedade, por todo
direcionamento de minha pesquisa e dos aprendizados que reuni ao longo do percurso.
Aos professores da banca de Mestrado, Drª. Maria Helena Martinho e Dr. Renato dos
Santos Veloso, pelas contribuições que enriqueceram este trabalho. Aos professores do
Curso de Mestrado Profissional em Psicanálise Saúde e Sociedade pelos ensinamentos que
levarei para o resto da vida.
Aos colegas do mestrado com quem partilhei momentos de alegria e tristeza neste
trajeto, especialmente Priscila Pradonoff e Telma Rosas.
Aos sujeitos desta pesquisa, pela disponibilidade que tanto me emocionou.
À minha amiga e enfermeira Selma Menezes, pelo incentivo e auxílio durante a
construção do meu anteprojeto de pesquisa.
À Dr. Lúcia Spitz (in memorian) pelos ensinamentos deixados.
À equipe do Serviço de Hematologia Clínica do HUCFF/UFRJ, pelo reconhecimento
do meu trabalho, em especial, Dr. Ângelo Maiolino, Berta Amado, Damasia Barbosa, Drª.
Kátia Petruccio, Drª. Marcia Garnica, Enfª. Marise Teixeira, Dr. Nelson Spector, Enf.
Roberto dos Reis, Dr. Roberto Magalhães, Enfª. Sara Klajmic e Dr. Wolmar Pulcheri.
À equipe de Serviço Social do HUCFF/UFRJ que compartilha as alegrias e as
angústias no cotidiano profissional, em especial Eliza Regina Ambrozio, Elizabeth Pinheiro
e Madalena Rocha.
A todas as acadêmicas de Serviço Social que estiveram sob minha supervisão e me
ajudaram direta ou indiretamente a concretizar este trabalho, simbolizadas pela atual aluna
Claudia Tavares e pela eterna Ione Bello.
À minha família, em especial meu pai, Adyr (in memoriam), e minha mãe, Isis, meus
filhos, Cristiane e Renan, por todo amor, carinho e apoio incondicional.
À meu irmão, Alexandre, minha irmã, Liliane, minha sobrinha, Alessandra, e aos
amigos João Paulo e Ana Carolina que me ajudaram no desenvolvimento deste trabalho.
A DEUS, por sua presença constante na minha vida e pelo auxílio nas minhas
escolhas.
A todos que direta ou indiretamente participaram da realização deste sonho.
Muito obrigada!
LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS
ABRALE – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia
BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social
CATNEP – Comissão de Avaliação e Terapia Nutricional Enteral e Parenteral
CF – Constituição Federal
CEMO – Centro de Transplante de Medula Óssea
CFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CNS – Conferência Nacional de Saúde
CEFESS – Conselho Federal de Serviço Social
CRESS – Conselho Regional de Serviço Social
DAA – Divisão de Apoio Assistencial
DECH – Doença Enxerto Contra Hospedeiro
EBESERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
FES – Ficha de Estudo Social
HUCFF – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho
HUs – Hospitais Universitários
INCA – Instituto Nacional de Câncer
INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social
MEC – Ministério da Educação
OMS – Organização Mundial de Saúde
QV – Qualidade de Vida
REDOME – Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea
RENACORD – Registro Nacional de Sangue de Cordão Umbilical
REREME – Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea
SBTMO – Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea
SMS – Secretaria Municipal de Saúde
SNT – Sistema Nacional de Transplantes
SUS – Sistema Único de Saúde
TCC – Trabalho de Conclusão de Curso
TCTH – Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas
TFD – Tratamento Fora do Domicílio
UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro
UTCTH – Unidade de Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas
LISTA DE ANEXOS
Anexo I: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Veiga de Almeida
Anexo II: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa
elaborado pelo HUCFF/UFRJ
Anexo III: Carta de Anuência do Chefe do Serviço de Hematologia do HUCFF/UFRJ
Anexo IV: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido
Anexo V: Declaração de Isenção de Custo
Anexo VI: Ficha de Estudo Social (FES)
Anexo VII: Questionário de qualidade de vida pós-transplante – FACT-BMT (versão 3)
Anexo VIII: Entrevista semiestruturada de história de vida
RESUMO
Este trabalho busca conhecer e compreender a vivência psicossocial de pacientes que
adquiram a doença enxerto contra o hospedeiro (DECH), uma doença secundária,
desencadeada após a realização do transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH)
alogênico. Ele tem como objetivo geral avaliar os fatores psicossociais que contribuem para
o enfrentamento da DECH, num diálogo entre Saúde e Psicanálise. Considero importante a
realização deste estudo, uma vez que a DECH impõe restrições ao ritmo de vida dos
sujeitos, implicando-lhes um sofrimento que compromete sua qualidade de vida. Inspirada
na fala de um sobrevivente, testo a hipótese de que um paciente tem a sua capacidade de
enfrentamento da doença aumentada, na medida em que apresente algumas das seguintes
atitudes: seja confiante no tratamento, tenha fé na vida, aceite a doença, tenha coragem para
enfrentar os desafios, acredite nos profissionais de saúde, siga à risca o tratamento, não
perca a alegria de viver, possua uma rede de apoio e tenha amor no coração. A metodologia
quantitativa e qualitativa foi realizada em três momentos: (1º) Estudo retrospectivo de
prontuário, através de dados contidos na Ficha de Estudo Social (FES); (2º) Estudo
prospectivo, para avaliação de qualidade de vida e situação funcional, através dos
instrumentos FACT-BMT; (3) Avaliação da perspectiva para futuro através de questionário
semiestruturado. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade
Veiga de Almeida e desenvolvido na Unidade de TCTH do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde
atuo como assistente social há quinze anos. Os resultados apontam a importância de se
conhecerem as implicações subjetivas e sociais que favorecem o enfrentamento da
DECH, de se acolherem as atitudes do sujeito e fortalecerem seus laços sociais no lidar com
a doença.
Palavras-chave: Câncer, TCTH e DECH, psicanálise, qualidade de vida e fatores
psicossociais.
ABSTRACT
This work seeks to know and understand the psychosocial experiences of patients who
acquire the graft-versus-host disease (GVHD), a secondary disease, triggered after the
completion of hematopoietic stem cell transplantation (HSCT) allogeneic. It aims at
evaluating the psychosocial factors that contribute to the coping of GVHD, a dialogue
between psychoanalysis and Health. Consider important to this study, since GVHD restricts
the pace of life of individuals, implying her suffering which compromises their quality of
life . Inspired by the talk of a survivor, I test the hypothesis that a patient has the ability to
cope with the disease increased, to the extent that present some of the following attitudes: be
confident in the treatment, have faith in life, accept the disease, have courage to meet the
challenges, believe the health professionals, strictly follow the treatment, do not miss the
joy of living, have a support network and have love in your heart. The quantitative and
qualitative methodology was conducted in three phases: (1) A retrospective study of medical
records through data in Sheet Social Study (FES), (2) prospective study to evaluate quality
of life and functional status , through FACT- BMT instruments, (3) assessment of prospects
for the future through semistructured questionnaire. The project was approved by the Ethics
Committee of the Universidade Veiga de Almeida and was developed in HSCT Unit,
University Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF) Federal University of Rio de Janeiro
(UFRJ), where I work as a social worker for 15 years. The results show the importance of
understanding the subjective and social implications that favor confrontation of GVHD, to
accommodate the subject's attitudes and strengthen their social ties in dealing with the
disease
Keywords : Cancer, HSCT and GVHD, psychoanalysis, quality of life and psychosocial
factors .
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO
12
CAPÍTULO 1: Contextualização de doenças que ameaçam a vida
1.1-Uma Abordagem Holística da Saúde
1.2- Câncer: Doença estigmatizante
1.3- Sobre a morte e o morrer em sobreviventes da DECH: Kubler Ross
1.4- Conceitos gerais das doenças onco-hematológicas, TCTH e DECH
1.5- História do TCTH no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ
19
22
25
33
37
CAPÍTUL O 2: Interlocução entre o Serviço Social e a Psicanálise
2.1- O Serviço Social e seu caráter interdisciplinar
2.2- Interação do Serviço Social e a Psicanálise
2.3- Desafio do assistente social na prática cotidiana: Questão da subjetividade
2.4- Atribuições do assistente social na UTCTH do HUCFF/UFRJ
2.5- Trajetória profissional com pacientes transplantados
41
44
47
51
53
CAPÍTULO 3: O sujeito acometido pela DECH à luz da teoria psicanalítica
3.1- O sujeito pulsional e o poder de enfrentamento da doença: FREUD
3.2- Relatos de sofrimento, angústia, medo e morte
3.3- Adaptação às novas condições, limites e possibilidades funcionais
3.4- Família, motivação, fé e planos futuros
3.5- Grupo de Pacientes: um relato de experiência
59
66
69
74
77
CAPÍTULO: 4 Triangulação de dados quantitativos e qualitativos
4.1 Perfil clínico dos sujeitos da pesquisa
4.2 Perfil socioeconômico e cultural de transplantados alogênicos
4.3 Análise da qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT)
4.4 Vinhetas Clínicas de Sobreviventes a DECH
4.5 Recomendações para a Equipe de Saúde
83
84
89
90
96
CONCLUSÃO
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
APÊNDICE - Produto da Dissertação
ANEXOS
98
104
108
116
12
INTRODUÇÃO
O presente estudo buscou conhecer e compreender os fatores psicossociais de sujeitos
que enfrentaram a Doença Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH) após terem realizado
transplante alogênico de células tronco hematopoéticas (TCTH), num hospital público do
Rio de Janeiro. A investigação de natureza quantitativa e qualitativa baseia--se num estudo
retrospectivo de prontuário, na aplicação de um questionário de qualidade de vida e em
entrevistas semiestruturadas. A análise triangula métodos e leva em conta a subjetividade e a
singularidade do sofrimento, numa abordagem da psicanálise e saúde que contribua para
entender os fatores associados à sobrevivência dos sujeitos. Este estudo cumpre exigência
para a conclusão do curso de Pós-Graduação Stricto Sensu no programa de Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida,
constituindo-se numa oportunidade para sistematizar minha prática profissional como
assistente social, com quinze anos de experiência com doenças onco-hematológicas, e
responsável pela Unidade de Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (UTCTH) do
Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de
Janeiro (UFRJ).
O reconhecimento e o estudo das questões psicossociais associadas com TCTH têm
história relativamente longa, sendo considerada uma área relevante de investigação.
Considerei importante iniciar o trabalho definindo o TCTH como um procedimento utilizado
na tentativa de cura ou aumento de sobrevida em pacientes, sendo indicado principalmente
em doenças onco-hematológicas. O transplante alogênico (TCTH) é considerado complexo
e visa restaurar a função da medula após altas doses de quimioterapia, associadas ou não à
radioterapia. A principal característica desse procedimento, e o que difere da maioria dos
transplantes de órgãos, é que no TCTH o receptor recebe, por via endovenosa, a infusão de
células-tronco (“stem cells”), ou células progenitoras hematopoéticas, que migram pelo
sangue até se fixarem na medula óssea do receptor e voltam a se multiplicar e cumprir suas
funções fisiológicas no hospedeiro.
Trata-se de um tratamento agressivo que acarreta severos efeitos colaterais, tensões e
fatores físicos e psicológicos vivenciados pelo paciente e sua família, além de outras
complicações. O sofrimento do paciente está vinculado a isolamento social, devido ao longo
processo de internação, medo da morte e de possíveis recaídas, angústia e desamparo.
Existem três tipos de TCTH: Alogênico, quando as células-tronco hematopoéticas
13
provêm de um doador previamente selecionado por testes de compatibilidade, normalmente
identificado entre os familiares ou em bancos de medula óssea; Autólogo, quando as célulastronco hematopoéticas provêm do próprio paciente; e Singênico, quando as células-tronco
hematopoéticas provêm de gêmeos idênticos (univitelinos).
No caso do transplante alogênico, existe a possibilidade de o paciente desenvolver a
DECH, mais conhecida pela abreviação em inglês GVHD (Graft Versus Host Disease). Ela
ocorre quando as células do doador (o enxerto) reagem contra o organismo do paciente (o
hospedeiro), mesmo que o doador seja um parente (transplante aparentado), podendo se
manifestar de forma aguda ou crônica e afetar diversas áreas do corpo, como a pele, o
fígado, os olhos e a boca.
Ser portador da DECH implica já ter vivenciado várias situações estressantes: primeiro
ser comunicado de uma má notícia, com o diagnóstico, prognóstico e o tratamento de uma
doença de base; depois, possivelmente ter realizado tratamento convencional, com
quimioterapia e/ou radioterapia, não tendo uma resposta clínica satisfatória; por fim, a
indicação de realizar o TCTH alogênico e a decisão de se submeter ao procedimento, que
confronta a incerteza dos resultados do tratamento com a possibilidade de morte, além da
busca por um possível doador. Tais situações podem esgotar as reservas psíquicas do
paciente, causando um sofrimento, que o impacta na sua qualidade de vida. Essas questões
fundam as perguntas que inspiram a realização deste trabalho: O que leva o ser humano a
vivenciar situações de sofrimento tão intensas e por vezes sobre-humanas e, ainda assim,
conseguir vivenciá-las integralmente e superá-las? O que leva a uns superar e outros
não?
Que fatores psicossociais contribuem efetivamente para o enfrentamento da
DECH?
Considero importante ressaltar, que a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1995)
conceitua Qualidade de Vida (QV) como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida,
no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Podemos avaliar a Qualidade de Vida sob
dois aspectos: objetivo e subjetivo. O aspecto objetivo é possível de ser aferido através das
condições de saúde física, remuneração, habitação, e também por meio daqueles indicadores
observáveis e mensuráveis. Já a subjetividade da qualidade de vida busca os sentimentos
humanos, as percepções qualitativas das experiências vividas.
Na medida em que proponho compreender os fatores psicossociais que influenciam o
comportamento humano, durante o processo do adoecer, entendo que é preciso cuidar dos
sujeitos como uma totalidade e ampliar o olhar sobre o sofrimento para além da dimensão
14
física, apontando para o cuidado integral. Assim, este trabalho se fundamentará à luz da
teoria psicanalítica, que caminha no sentido de compreender o campo da experiência
subjetiva de cada sujeito. Para a Psicanálise, o sofrimento humano deve ser abordado e
tratado levando em conta a particularidade de cada pessoa que sofre, ou seja, levando em
conta a relação entre um sofrimento específico e uma história de vida única. Desta forma,
não importa apenas a doença, mas, sobretudo, o sujeito que adoeceu.
Entendo que o homem1 sofre ao adoecer porque passa a perceber a sua finitude, o que
faz do sofrimento uma dimensão psíquica e existencial. A psicanálise nos apresenta um
conceito fundamental para abordar o presente tema, que será aprofundado ao longo da
dissertação: O conceito de Pulsão2. Freud em “As Pulsões e seus destinos” (1915) disse
que há um conflito inerente ao ser humano entre a pulsão de vida e a pulsão de morte. A
pulsão de vida tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade, o desejo de se
desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia humana para a busca
da autoconservação. Já a pulsão de morte estaria relacionada ao retorno à imobilidade, tendo
como representação a destrutividade, a agressividade e tudo aquilo que limitaria o progresso
da vida.
Neste trabalho trarei como conceitos centrais a pulsão de vida e a pulsão de morte,
que, para Freud, estão relacionados às tensões que surgem do impulso de autoconservação e
das tendências à imobilidade e ao inorgânico, na medida em que nos chama atenção o modo
como as pessoas lutam pela sobrevivência, o desejo pela cura da doença e,
consequentemente, a luta entre a vida e a morte e a vivência da sobrevida. Os sujeitos, ao
enfrentarem a DECH, conseguem buscar forças que vão além da dimensão física e, desta
forma, a pulsão de vida comparece, a fim de amenizar a dor e o sofrimento que às vezes
pode vir a ser intolerável; e, de outro lado, os efeitos secundários da DECH materializam
reações orgânicas de rejeição dos elementos que o organismo interpreta como “estranhos”,
que nos remetem às pulsões de morte e sua energia destrutiva. Para Freud, todos nós temos
uma força que nos impulsiona para a busca da expansão, isto é, o ser humano é
eminentemente vida – isto é pulsão de vida; de outro lado, o ser humano começa a morrer no
1 Usei o termo homem como sinônimo de humanidade, mas sei que a preocupação com a questão de gênero é
uma discussão que vem avançando.
2 Segundo Roudinesco – dicionário de psicanálise –, o termo surgiu na França em 1625, derivado do latim
pulsio, para designar o ato de impulsionar. Empregado por Sigmund Freud a partir de 1905, tornou--se um
grande conceito da doutrina psicanalítica, definido como a carga energética que se encontra na origem da
atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem.
15
dia em que nasce, ou seja, ele ganha novas funções e vai perdendo outras, enfim, ele
também é pulsão de morte. Isso nos leva a interrogar: como diante de sofrimentos
sucessivos, progressivos e graves o sujeito consegue encontrar dentro de si e em seu
entorno social uma capacidade de enfrentamento da doença e condições de cura?
O número de transplantes (TCTH) realizados no Brasil vem crescendo nos últimos
anos. De acordo com o Ministério da Saúde (2011), a expansão do Registro Brasileiro de
Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME), instalado no Instituto Nacional de
Câncer (INCA), é o principal motivo para o aumento no número de procedimentos.
Atualmente, o Brasil possui dois milhões de doadores cadastrados, o terceiro maior banco de
dados do gênero no mundo.
Hoje o Brasil tem 70 centros para transplantes de células tronco hematopoéticas e 20
para transplantes com doadores não aparentados, segundo o site do INCA.
(http://www.inca.gov.br - 2013). O tratamento de transplante é amparado pela Lei (Nº
9.434 de 04 de fevereiro de 1997) que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do
corpo humano, para fins de transplante, tratamento e dá outras providências. Dentre as
normas vigentes mais importantes para a atividade de TCTH, está a Portaria GM/MS n0 931
de 2 de maio de 2006, que aprova o regulamento técnico. Esta Portaria trata dos aspectos
relativos às indicações para a realização do procedimento, da seleção de doadores, dos
critérios para a seleção e busca de doadores não aparentados no registro nacional e nos
internacionais, das normas para autorização de equipes e serviços e das responsabilidades
dos diferentes órgãos envolvidos no sistema, dentre outros aspectos.
O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ é um dos quatro hospitais
do Rio de Janeiro, que realizam TCTH pelo Sistema Único de Saúde (SUS)3. É um centro de
excelência e tem como missão desenvolver ações de ensino e pesquisa em consonância com
a função social da Universidade, articulada à assistência, à saúde de alta complexidade e
integradas ao SUS, promovendo ao seu público atendimento de qualidade e de acordo com
os princípios éticos e humanísticos.
Diante da complexidade da DECH e do intenso sofrimento psicossocial que impacta a
vida dos usuários, este estudo investiga os fatores que contribuíram para o enfrentamento da
doença, abordando os problemas no retorno do pós-transplante à sua vida cotidiana. A
DECH impõe restrições ao ritmo de vida dos usuários, por vezes gerando angústia e
sofrimento, como a depressão, a fadiga, a insônia, a disfunção sexual, problemas no
3 Os hospitais do Rio de Janeiro, que realizam TCTH pelo SUS são: INCA, HUCFF, Hospital Universitário
Pedro Ernesto (HUPE) e a Fundação Pró-Instituto de Hematologia (Hemorio). 16
relacionamento conjugal, entre outros.
Há, no entanto, evidências de que o suporte
psicossocial prestado por familiares e por profissionais qualificados tem impacto positivo na
qualidade de vida de pacientes ou sobreviventes de câncer. Por isso, proponho estudar e
compreender esse impacto, entendendo que qualidade de vida é medida pela quantidade e/ou
qualidade de experiências positivas que experimentamos, além de estar ligada a valores
relacionados com o sentido de realização, reconhecimento, paz de espírito, perseverança e,
sobretudo, superação de desafios.
Segundo Minayo (2000), o termo qualidade de vida no âmbito da saúde, quando visto
no sentido ampliado, apoia-se na compreensão das necessidades humanas fundamentais,
materiais e espirituais, tendo no conceito de promoção da saúde seu foco mais relevante.
Desta forma, entendo que a qualidade de vida, no sentido amplo da expressão, somente é
compreendida se for captada nas suas múltiplas dimensões, como a vida no trabalho, a vida
familiar, a vida na sociedade. Ela tem relação direta com a pulsão de vida, a superação de
desafios e a capacidade de realização do ser humano.
Em síntese, vários motivos me levaram a realizar este estudo: a DECH impacta
diretamente a qualidade de vida, a autoestima e o retorno à vida social; pacientes acometidos
pela DECH necessitam fazer readaptações, enfrentar a doença, aceitar a nova condição, lidar
com a possibilidade da própria morte, entre tantas outras questões que permeiam as esferas
biológicas, sociais e psicológicas das suas vidas.
O objetivo geral do estudo é conhecer e compreender os fatores psicossociais que
contribuem para o enfrentamento do processo de adoecer pela doença enxerto (DECH), no
enfoque da psicanálise e saúde.
Há três objetivos específicos: 1- Descrever o perfil
socioeconômico e cultural dos sujeitos que realizaram TCTH alogênico no HUCFF,
tentando correlacionar alguns traços gerais entre os que sobreviveram e os que morreram em
virtude da doença; 2- Conhecer a qualidade de vida dos sobreviventes após o transplante,
tendo como eixos o bem-estar físico, social/familiar, emocional, funcional e preocupações
adicionais relacionadas à vida cotidiana e ao trabalho; 3- Analisar as condições psicossociais
em que se deu a superação dos pacientes sobreviventes e a perspectiva deles em relação ao
futuro.
Duas hipóteses norteiam o presente estudo: Primeira hipótese - Tomando como a
base a fala de um paciente sobrevivente, minha hipótese é que um “paciente positivo” – que
seja confiante no tratamento, que tenha fé, que aceite a doença, que tenha coragem para
enfrentar os desafios, que acredite nos profissionais de saúde, que goste da vida, que siga à
risca o tratamento, que não perca a alegria de viver, que possua uma rede de apoio e que
17
tenha amor no coração – aumente sua capacidade de enfrentamento da doença, pois ter
alguns ou vários desses fatores pode minimizar o sofrimento e contribuir para a recuperação
do indivíduo e o aprimoramento de sua qualidade de vida; Segunda hipótese - Acredito que
o sujeito, quando fortalece a razão pela qual vai enfrentar a doença (dando um significado
singular ao seu adoecer e à sua sobrevida), diminui a expressão do medo e traz à tona a
motivação e a firmeza, superando mais facilmente a adversidade.
A metodologia de pesquisa que embasa a presente dissertação irá triangular métodos
quantitativos e qualitativos, ao fazer uso de três técnicas: 1- Estudo retrospectivo da Ficha de
Estudo Social (FES) de pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ entre
os anos de 2000 e 2010; 2- Estudo prospectivo com entrevistas estruturadas, utilizando o
questionário FACT-BMT, uma Escala de Avaliação Funcional da Terapia de Câncer
específica para a realidade vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH; 3- Entrevistas
semiestruturadas com base na história oral com os usuários que desenvolveram a DECH,
buscando compreender o impacto psicossocial dessa síndrome em suas vidas. Esta
metodologia será detalhada no terceiro capítulo; a descrição dos dados e as análises finais
serão apresentadas no terceiro e no quarto capítulos.
Por trás da doença enxerto (DECH) há sofrimento, medo da morte, de possíveis
recaídas, mas há também o extraordinário milagre humano da vontade de viver e de
recomeçar onde a esperança parece morta. Esta investigação é relevante na medida em que
nos ajuda a compreender a experiência de pacientes que desenvolvem a DECH e apresentam
importante rompimento das suas atividades de vida cotidiana, implicando neles um
sofrimento pouco explorado e conhecido pela equipe de saúde. Os capítulos seguintes irão
refletir sobre a percepção dos pacientes acerca de sua sobrevida, circunstância que envolve
readaptações, enfrentamento da doença, aceitação da nova condição, o lidar com a
possibilidade da própria morte, o afastamento do convívio social, entre tantas outras
questões que permeiam as esferas biológicas, sociais e psicológicas das suas vidas.
O trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, farei uma breve
contextualização da saúde, no qual abordarei o estigma do câncer e o tema da morte, além de
conceituar doenças onco-hematológicas, o procedimento de TCTH e a DECH. Considerei
oportuno, também, explicitar a história do TCTH no HUCFF/UFRJ. No segundo capítulo,
abordarei o caráter interdisciplinar do Serviço Social, situando a sua interação com a
psicanálise, tratando a questão da subjetividade na prática profissional, além de citar minhas
atribuições nesse campo e trajetória profissional. No terceiro capítulo, falarei do sujeito
acometido pela DECH à luz da teoria psicanalítica, utilizando o discurso livre dos sujeitos,
18
que resultou da entrevista semiestruturada, na qual abordo a dimensão imaginária da DECH,
o processo de adaptação às novas condições, o poder de enfrentamento da doença, a
perspectiva de futuro e do desejo de cura. Considerei importante registrar a experiência de
grupo com esses pacientes. No quarto e último capítulo, mostrarei os resultados do trabalho
de campo, que teve como principal instrumento para coleta de dados a Ficha de Estudo
Social (FES) e o questionário de qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT). Por fim,
são apresentadas vinhetas clínicas dos sujeitos entrevistados e algumas recomendações para
as equipes de saúde que lidam com pacientes com possibilidade de morte iminente.
19
CAPÍTULO 1: Contextualização de doenças que ameaçam a vida
A alegria está na luta, na tentativa, no
sofrimento envolvido e não na vitória
propriamente dita.
Mahatma Gandhi
No presente capítulo, farei uma breve contextualização da saúde numa visão holística,
abordando, além do estigma do câncer, o tema da morte e o morrer em sobreviventes da
DECH. Também irei conceituar as doenças onco-hematológicas, o procedimento de TCTH e
a DECH. Serão introduzidos autores da psicanálise que levam em consideração o modo
como o sujeito experimenta subjetivamente o seu processo de adoecimento e a possibilidade
da própria morte. Por fim, considerei oportuno, explicitar a história do TCTH no
HUCFF/UFRJ.
1.1 - Uma abordagem holística da Saúde
As mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais, que ocorreram no mundo
desde o Século XIX, intensificadas no século passado com os avanços das tecnologias
médicas e ampliação da estimativa de vida, produziram alterações, aumento do desafio que é
sobreviver e dos impasses para a vida em sociedade. A saúde, sendo uma esfera da vida dos
homens em toda sua diversidade e singularidade, não permaneceu fora do desenrolar das
mudanças da sociedade nesse período. O processo de transformação da sociedade é também
o processo de transformação da saúde e dos problemas sanitários. (Brasil, 2006)
Nas últimas décadas, tornou-se extremamente importante cuidar da vida de modo que
se reduzisse a vulnerabilidade ao adoecer e as chances de que a doença seja produtora de
incapacidade, de sofrimento crônico e de morte prematura de indivíduos. Além disso, a
análise do processo de saúde-adoecimento evidenciou que a saúde é resultado dos modos de
organização da produção, do trabalho e da sociedade em determinado contexto histórico; e
também que o aparato biomédico não consegue modificar os condicionantes nem
determinantes mais amplos desse processo, operando um modelo de atenção e cuidado
marcado, na maior parte das vezes, pela centralidade dos sintomas. No Brasil, pensar outros
20
caminhos para garantir a saúde da população significou pensar a redemocratização do País e
a constituição de um sistema de saúde inclusivo. (BRASIL, 2006)
Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) tinha como tema “Democracia é
Saúde”, constituindo-se em fórum de luta pela descentralização do sistema de saúde e pela
implantação de políticas sociais que defendessem e cuidassem da vida. Era um momentochave do movimento da Reforma Sanitária Brasileira e da afirmação da indissociabilidade
entre a garantia da saúde como direito social irrevogável e a garantia dos demais direitos
humanos e de cidadania. A 8ª CNS lançou os fundamentos da proposta do SUS e divulgou o
seguinte conceito: "Saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação,
renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acessos
aos serviços de saúde, é assim antes de tudo, o resultado das formas de organização social".
(BAPTISTA, T. W. F., 2007 e MATTA, G. C., 2007)
Essa forma mais ampla de entender a saúde num paradigma social aponta para uma
mudança progressiva dos serviços, passando de um modelo assistencial, centrado na doença
e baseado no atendimento a quem o procura, para um modelo de atenção integral à saúde, no
qual haja incorporação progressiva de ações de promoção e de proteção, ao lado daquelas
propriamente ditas de recuperação. (MATTOS, R. A. , 2001)
A Constituição Federal de 1988 legitima o direito de todos, sem qualquer
discriminação, às ações de saúde, assim como explicita o dever do poder público em prover
pleno gozo desse direito. Trata-se de uma formulação política e organizacional para o
reordenamento dos serviços e ações de saúde, baseada em princípios doutrinários que dão
valor legal ao exercício de uma prática de saúde ética, que responda não a relações de
mercado, mas a direitos humanos: Universalidade – garantia de atenção à saúde a todo e
qualquer cidadão; Equidade – direito ao atendimento adequado às necessidades de cada
indivíduo e da coletividade; e Integralidade – a pessoa é um todo indivisível inserido numa
comunidade. Nela, o Estado Brasileiro assume como seus objetivos principais a redução das
desigualdades sociais e regionais, promoção do bem de todos e a construção de uma
sociedade solidária sem quaisquer formas de discriminação. Tais objetivos marcam o modo
de conceber os direitos de cidadania e os deveres do estado no País, entre os quais a saúde.
(BRASIL, 1988; BAPTISTA, T. W. F., 2007 e MATTA, G. C., 2007)
No SUS, a estratégia de promoção da saúde é retomada como uma possibilidade de
enfocar os aspectos que determinam o processo saúde-adoecimento em nosso País – como,
por exemplo: violência, desemprego, subemprego, falta de saneamento básico, habitação
inadequada e/ou ausente, dificuldade de acesso à educação, fome, urbanização desordenada,
21
qualidade do ar e da água ameaçada e deteriorada; além disso, potencializam formas mais
amplas de intervir em saúde. (BRASIL, 2006)
A promoção da saúde se faz por meio da educação, da adoção de estilos de vida
saudáveis, do desenvolvimento de aptidões e capacidades individuais, da produção de um
ambiente saudável. Está estreitamente vinculada, portanto, à eficácia da sociedade em
garantir a implantação de políticas públicas voltadas para a qualidade de vida e ao
desenvolvimento da capacidade de analisar criticamente a realidade e promover a
transformação positiva dos fatores determinantes da condição de saúde. (BRASIL, 2006;
MINAYO M. C., 2000).
Entre as ações de natureza eminentemente protetoras da saúde, encontram-se as
medidas de vigilância epidemiológica (identificação, registro e controle da ocorrência de
doenças), vacinações, saneamento básico, vigilância sanitária de alimentos, do meio
ambiente e de medicamentos, adequação do ambiente de trabalho e aconselhamentos
específicos, como os de cunho genético ou sexual. Protege-se a saúde realizando exames
médicos e odontológicos periódicos, conhecendo, a todo momento, o estado de saúde da
comunidade, desencadeando-se oportunamente medidas dirigidas à prevenção e ao controle
de agravos à saúde mediante a identificação de riscos potenciais. As medidas curativas e
assistenciais, voltadas para a recuperação da saúde individual, complementam a atenção
integral à saúde. (Brasil, 2006; MINAYO M. C., 2000)
Entendo que a saúde deve ser abordada de forma interdisciplinar e holística, uma vez
que a noção ampliada de saúde é determinada por um modo de ver o ser humano como uma
totalidade e consiste no estudo não só da doença individual, mas também das respostas das
pessoas a esta doença, sob os aspectos físico, psicológico e social. Portanto, uma estratégia
de tratamento deve levar em conta todas as facetas da doença, tais como os efeitos da mesma
nas relações pessoais, na família, no trabalho e no bem--estar emocional do paciente. O
tratamento holístico privilegia o encorajamento da capacidade do próprio paciente de se
curar.
Segundo Lawrence Leshan (1992), a medicina holística é um conjunto de conceitos,
não um conjunto de técnicas; fundamenta-se em quatro axiomas básicos, quatro ideias que,
unidas, formam um todo coeso: 1- O ser humano existe em muitos níveis (físicos,
psicológicos e espiritual), e todos são igualmente reais e importantes; 2 - Cada pessoa é
única; 3 - O paciente deve fazer parte da equipe de decisões; 4 - A pessoa possui habilidade
de autocura.
22
Com base na visão holística, a interdisciplinaridade surge como elemento necessário à
superação da fragmentação imposta pela medicina tradicional, fazendo-se necessária a
participação de profissionais de diferentes áreas do saber, entre eles o Assistente Social. O
tema da interdisciplinaridade e a participação do Serviço Social na equipe de saúde serão
abordados no capítulo 2.
1.2 - Câncer: Doença estigmatizante
Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2013), o câncer é o nome dado a um
conjunto de mais de cem doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células,
que invadem tecidos e órgãos. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito
agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores malignos, que podem
espalhar-se para outras regiões do corpo.
Entretanto, um tumor benigno, é considerado
como uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham
ao seu tecido original, raramente constituindo um risco de vida. Os tumores podem ter início
em diferentes tipos de células. Quando começam em tecidos epiteliais, como pele ou
mucosas, eles são denominados carcinomas. Se o ponto de partida são os tecidos
conjuntivos, como osso, músculo ou cartilagem, são chamados sarcomas. Outras
características que diferenciam os diversos tipos de câncer entre si são a velocidade de
multiplicação das células e a capacidade de invadir tecidos e órgãos vizinhos ou distantes
(metástases).
As causas de câncer são variadas, podendo ser externas ou internas ao organismo,
estando inter-relacionadas. As causas externas referem-se ao meio ambiente e aos hábitos ou
costumes próprios de uma sociedade. As causas internas são, na maioria das vezes,
geneticamente pré-determinadas, e estão ligadas à capacidade do organismo de se defender
das agressões externas. (INCA, 2013)
O tratamento do câncer pode ser feito através de cirurgia, quimioterapia, radioterapia
ou TCTH. Em muitos casos, é necessário combinar mais de uma modalidade, exigindo uma
equipe de saúde especializada, engajada no tratamento individual e holístico do paciente e da
sua família.
A quimioterapia antineoplásica consiste no emprego de substâncias químicas, isoladas
23
ou em combinação, com o objetivo de tratar as neoplasias malignas. É o tratamento de
escolha para doenças do sistema hematopoético e para os tumores sólidos, que apresentam
ou não metástases regionais ou à distância. Elas são aplicadas, em sua maioria, na veia,
podendo também ser dadas por via oral, intramuscular, subcutânea e tópica.
Os
medicamentos se misturam com o sangue e são levados a todas as partes do corpo,
destruindo as células doentes que estão formando o tumor e impedindo, também, que elas se
espalhem pelo corpo. (INCA, 2013)
Radioterapia é um tratamento no qual se utilizam radiações para destruir um tumor ou
impedir que suas células aumentem. Estas radiações não são vistas, e durante a aplicação o
paciente não sente nada. A radioterapia pode ser usada em combinação com a quimioterapia
ou outros recursos no tratamento dos tumores. (INCA, 2013)
O Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH), que será aprofundado
neste trabalho, é um tipo de tratamento proposto para algumas doenças que afetam as células
do sangue, como a leucemia e o linfoma. Consiste na substituição de uma medula óssea
doente, ou deficitária, por células normais de medula óssea, com o objetivo de reconstituição
de uma nova medula saudável.
O câncer apresenta em sua história um estranho paradoxo relacionado ao fato de que, à
medida que a medicina foi alargando os conhecimentos e desenvolvendo tecnologias cada
vez mais poderosas contra seus efeitos, o pavor das populações em relação a ele também se
ampliou. Durante muito tempo quase nada se sabia sobre a doença, e era nula a capacidade
dos médicos em evitar o sofrimento e as mortes que causava. No entanto, o câncer era pouco
percebido na sociedade, fazendo parte de um grande rol de mazelas que pregam sofrimento e
morte. Às suas vítimas, só restavam a agonia e, muitas vezes, a aversão social causada pelo
temor de sua contagiosidade. (TEIXEIRA, 2007)
Segundo Teixeira (2007), após meados do século XX, essa situação começou a se
transformar. Os promissores tratamentos surgidos, ainda no início do século, começaram a
se sofisticar, mostrando-se mais eficazes, ao mesmo tempo em que a prevenção pelo
diagnóstico precoce passou a ser prioridade da medicina. No entanto, o maior conhecimento
da doença e o surgimento de alguma esperança no tratamento dos acometidos também
ampliavam a compreensão da extensão do mal, de suas diversas fases e da limitada
capacidade da medicina em domá-lo, intensificando com isso o temor da sociedade.
Por isso, ao longo dos anos, lhe foi associada uma rede de significações vinculadas às
questões psicossociais e culturais. Em nossa sociedade, a pronúncia da palavra câncer traz
24
diferentes imagens e significados, sendo que muitos persistem até hoje na subjetividade das
pessoas, como a concepção de que o câncer é uma doença que se espalha pelo corpo ou é
uma doença do espírito. O significado da culpa também está presente nessas pessoas, pois
estar com o câncer tem sido relacionado a hábitos de vida não saudáveis e a comportamentos
desvalorizados em nossa sociedade. A incurabilidade é outra significação associada ao
câncer, pois ele ainda é visto como um ente que destrói, ele tem vida e tira a vida de quem o
tem, consubstanciando-se como uma doença monstruosa. (MARUYAMA, 2006)
A experiência do adoecimento pelo câncer é marcada por desafios e enfrentamentos,
tanto que o peso da palavra câncer pode ser percebido nos gestos, nas falas, nos olhares,
enfim, nos comportamentos que as pessoas têm ao se referirem a ela. O símbolo do câncer
como doença estigmatizante é antigo, apesar de os avanços no diagnóstico e tratamento
contribuírem para desconstrução desta imagem. O nome da enfermidade assusta. Até hoje,
muitos se recusam a pronunciá-la e trocam sua enunciação por “aquela doença”, “doença
ruim” ou qualquer outro eufemismo que soe diferente de câncer. O estigma que envolve a
doença não é uma essência ou uma coisa objetiva, mas um processo social no qual um
atributo, num determinado contexto social, é considerado indesejável, tendo o efeito de
depreciar a identidade daquele que o possui (GOFFMAN, 1988). Além disso, o diagnóstico
de câncer determina um marco na vida dos pacientes, caracterizado por uma série de
mudanças de ordem biológica, física, afetiva e psicossocial.
Os pacientes portadores de câncer precisam lidar com os desafios do diagnóstico e
com a nova repercussão que sua vida toma diante dos efeitos do tratamento e de sua
adaptação com a nova rotina. Ao início do tratamento oncológico, novos sentimentos
interferem na dinâmica familiar e especificamente invadem o mundo privado do paciente.
Este se vê em um mundo novo, onde um cenário de dor e angústia o fragiliza. O câncer,
além de ser estigmatizante, traz incertezas sobre a cura, sobrevivência e instabilidade do
paciente ao meio social.
Recentemente, a mídia tem mostrado algumas celebridades que tiveram que enfrentar
a doença. Ressalto a presidente do país, Dilma Rousseff, que enfrentou e superou um
linfoma; o ex-presidente, Lula, que hoje enfrenta o tratamento quimioterápico e
radioterápico para tratar de um câncer de laringe; e especialmente o ex-vice-presidente, José
Alencar, que ajudou o país a romper com o estigma do câncer. (VEJA, 2011)
Alencar teve postura firme na vida e na política, ao ser acometido por um câncer raro e
ter tornado públicas as diversas fases do seu tratamento, inaugurando um importante espaço
de diálogo e reflexão sobre a doença. Ele ensinou, com sua vida e sua morte, sobre a força
25
da fé, sobre a importância fundamental da família e dos amigos para o sucesso do
tratamento, além da coragem no enfrentamento da doença.
1.3 - Sobre a morte e o morrer em sobreviventes da DECH: Kübler Ross
A morte contraria os objetivos fundamentais propostos para a ciência, que é a
promoção da saúde e a manutenção da vida. Contudo, ela é a única certeza que temos na
vida, sendo o homem o único ser vivo que tem consciência de sua finitude. Por isso,
podemos perceber que a “grosso modo” a morte é um fenômeno natural que ocorre com
todos os seres vivos; e que ela representa a última etapa do ciclo da vida e é também
representada como o momento crucial em que se deixa para trás tudo o que se conquistou
durante toda vida.
Para abordar esse tema, não poderia deixar de citar Elisabeth Kübler-Ross,
uma psiquiatra que teve uma contribuição fundamental por refletir sobre a morte com
coragem e lucidez, além de demonstrar a importância da multidisciplinaridade no trabalho
de saúde. Kübler-Ross (1969) ajudava os outros a enfrentarem a morte e a constatarem que a
compaixão é uma arma imprescindível para cuidar dos que se encontram no fim da vida.
Autora do livro On Death and Dying (Sobre a morte e o morrer), um clássico da
tanatologia4, obra em que ela identifica fases nos períodos que antecedem a morte e cria
métodos para profissionais de saúde e familiares acompanharem e ajudarem um paciente
terminal. O seu trabalho neste livro é ímpar por duas razões. Por um lado, através do contato
direto com doentes em fim de vida, ela tenta compreender as suas necessidades. Por outro
lado, denuncia o estado em que se encontra a temática da morte na sociedade em geral e nos
cuidados de saúde em particular.
Ela descreve o livro como sendo
simplesmente um relato de uma nova e desafiadora oportunidade de focar no
paciente como ser humano para incluí-lo nos diálogos, para aprender com ele os
pontos fortes e fracos de nossa gestão hospitalar do paciente. Nós pedimos que
ele seja o nosso professor, para que possamos aprender mais sobre os estágios
finais da vida, com todas as ansiedades, medos e esperanças. Estou simplesmente
4 A palavra Tanatologia deriva do grego Thanatos (o deus grego da morte) e Logia que deriva do grego Logos
(ciência, estudo), tendo como significados o estudo da morte ou a ciência da morte.
26
contando as histórias de meus pacientes que compartilharam suas angústias, suas
expectativas e suas frustrações com a gente. (KÜBLER-ROSS, 1969: 11)
Kübler-Ross (1969), em seu livro On Death and Dying, mantém um discurso e
atitudes que denunciam a ocultação da temática da morte no contexto social, apelando para a
importância de nos aproximarmos dos que estão perto da morte e conhecermos as suas
necessidades, havendo ao mesmo tempo a firme expressão de uma crença pessoal num além,
que a autora caracteriza como uma paz e um amor inesgotáveis.
Em sua autobiografia intitulada, The Wheel of Life, a autora afirma a crença numa
vida para além da morte, fundamentada em experiências relatadas e baseando-se nos
testemunhos dos pacientes, nos quais identificou quatro fases do processo de morte, em
pessoas que tiveram experiências de “quase morte”, uma morte clínica temporária, com
retorno à vida após procedimentos médicos (KÜBLER-ROSS, 1997, p. 190-192):
1ª fase – a pessoa flutua fora do seu corpo;
2ª fase – depois de saírem dos corpos, muitos testemunhos falavam numa fase de espírito e
energia em que se encontravam com anjos da guarda que os consolavam com amor e os
guiavam junto de familiares já falecidos;
3ª fase – guiados pelos anjos da guarda, as pessoas relatavam a entrada num túnel com uma
luz intensa ao fundo;
4ª fase – segundo os testemunhos, nesta fase havia o encontro com uma Fonte suprema.
Entendo que no nosso universo racional, apesar da certeza da morte, a grande
maioria dos seres humanos a teme e, se pudesse, a adiaria. Quase sempre ela chega de
surpresa, mesmo nas situações quando a pessoa se encontra em adiantado estado de doença,
continuando, ainda assim, a manter uma luta pela vida, do mesmo modo que a família
continua a nutrir esperanças por sua recuperação.
Kübler-Ross (1969) refere que é a própria sociedade, com os seus modelos de
formação tecnicista e com uma certa visão de onipotência da evolução tecnológica, que
conduz o ser humano a acreditar na sua imortalidade ou, melhor, a negar a morte do seu
contexto diário. Ela defende a necessidade de refletirmos socialmente sobre a morte para
melhor encararmos a vida, e afirma que
embora cada homem vai tentar a sua maneira de adiar essas questões e problemas
até que ele é forçado a enfrentá-los, ele só será capaz de mudar as coisas, se ele
puder começar a conceber a sua própria morte [...] Cada um de nós, sente a
27
necessidade de evitar esse problema, mas cada um de nós tem que enfrentá-lo,
mais cedo ou mais tarde. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 31)
Acredito que a percepção da morte varia de acordo com a duração da vida; portanto,
ao abordar esse tema no cotidiano hospitalar, não podemos deixar de remetê-la à totalidade
social, ou seja, por trás de cada paciente que ingressa numa unidade de saúde existe uma
história de vida decorrente do meio em que ele está inserido. Assim, também é verdade que
por trás de cada profissional de saúde também existe uma história de vida que vai influenciar
nas suas reações diante da morte.
Além disso, é importante ressaltar que a dimensão social do sofrimento humano é
marcada pelo isolamento, criado justamente pela dificuldade de comunicação sentida no
processo de adoecer e morrer, tornando fundamental a presença solidária, seja do
profissional de saúde, seja dos familiares e amigos. Portanto, no leito hospitalar do que mais
o paciente precisa é alguém que o escute, que queira dividir com ele suas angústias e
aflições. Veja o que diz, Kübler-Ross sobre o assunto:
Quero garantir-vos que é uma bênção se sentar à beira do leito de um paciente
morrendo. Morrer não tem que ser um assunto triste e horrível. Em vez disso,
você pode experimentar muitas coisas maravilhosas e amorosas. O que você
aprendeu com pacientes morrendo você pode passar para seus filhos e seus
vizinhos e, talvez, o nosso mundo seria um paraíso novamente. Eu acredito que
agora é a hora de começar. (KÜBLER-ROSS, 1991, p.20)
Quanto aos profissionais de saúde que lidam com esse tipo de situação no seu
cotidiano, estes também sofrem, devido ao vínculo que se estabelece entre eles, os pacientes
e os familiares durante o período de tratamento e internação. Além disso, uma postura
neutra, fingindo objetividade, pode gerar conflitos íntimos que angustiam os profissionais
envolvidos diante da possibilidade da morte, sendo papel desses profissionais ultrapassar a
frieza técnica, promovendo contato empático e auxiliando no enfrentamento da perda.
Embora os profissionais de saúde também sofram junto com os pacientes terminais,
Kübler-Ross (1969) denuncia o fato de esses profissionais se encontrarem melhor
preparados tecnicamente, mas ainda muito pouco preparados psicológica e humanamente
para acolher o sofrimento do ser humano que está doente e no fim da vida. Nas suas palavras
“nós muitas vezes tomamos como certo que ‘não há nada que se possa fazer’ e
concentramos os nossos interesses no equipamento, ao invés das expressões faciais do
paciente, o que pode nos dizer coisas mais importantes do que a máquina mais eficiente”.
(KÜBLER-ROSS, 1969, p. 34)
28
Para a autora, além de uma maior consciencialização sobre a morte humana, os
profissionais de saúde, que inevitavelmente entrarão em contato com o morrer, deverão ter
mais formação no campo das relações interpessoais, para conseguirem prestar cuidados de
saúde mais humanos. Sobre isso, afirma: “Se pudéssemos ensinar aos nossos estudantes o
valor da ciência e tecnologia, simultaneamente, com o ato e ciência das relações interhumanas […] seria um progresso real”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 31)
Como já abordamos na introdução deste trabalho, o portador da DECH vivencia
situações de sofrimento tão intensas, que podem levar ao esgotamento das suas reservas
psíquicas, na medida em que confronta a incerteza dos resultados do tratamento com a
possibilidade da própria morte. Caminhando no sentido de compreender o processo do
adoecer e morrer dos pacientes, considerei importante ampliar o olhar sobre o sofrimento
para além da dimensão física e apontar para o cuidado integral com proposta de aliviar esse
sofrimento. Desta forma, optei por descrever as cinco fases identificadas por Kübler–Ross
(1991) nos períodos que antecedem a morte. São elas:
1- Negação e Isolamento – A primeira reação psicológica que Kübler-Ross (1969)
detectou nas entrevistas com doentes em fase terminal foi a negação. Essa fase ocorre
quando o paciente, confrontado com a notícia de que tinha uma doença potencialmente
mortal, reagia negando a própria verdade que lhe tinha sido comunicada. Kübler-Ross
(1969) constatou que o doente entrava num estado de choque inicial e, logo em seguida,
verbalizava a impossibilidade do acontecido. Segundo a autora, essa situação é proveniente
da comunicação abrupta e, às vezes, prematura ao paciente, por quem não o conhece bem. A
negação funciona como uma defesa temporária, sendo posteriormente substituída por uma
aceitação parcial. Tal fato faz com que, inicialmente, os pacientes comunicados da
possibilidade de sua morte iminente, recorram a outros médicos, exames, etc, para que sua
negação seja comprovada, levando-os muitas vezes à frustração ou a uma busca incessante
da cura para sua patologia. Kübler Ross (1991) afirma que, como todos nos consideramos
imortais em nosso inconsciente, é quase inconcebível que reconheçamos que também
enfrentaremos a morte. Diante de uma notícia tão difícil de aceitar, a primeira defesa é
negá-la, atitude que protege a pessoa. Mas ao sair da negação e entrar em contato com a
realidade, o sujeito começa a sentir diferentes sentimentos, tais como revolta, raiva, inveja e
ressentimento. O paciente se questiona por que ele se encontra vivenciando aquela doença.
Esse estágio é um dos mais difíceis de lidar com o paciente, tanto do ponto de vista da
equipe de saúde que o acompanha, quanto dos familiares, já que a raiva se propaga em todas
as direções sem razão plausível.
29
A Negação retira do indivíduo não só a percepção necessária para lidar com os
desafios externos, mas também a capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência
adequadas. Segundo a autora, quem se aproximar destes doentes nesta fase deverá não
interferir e deixar que sigam o seu curso de consciencialização da gravidade do seu estado.
Nesse contexto, o doente poderá numa fase posterior cair numa situação de isolamento
pessoal. Em suas palavras,
é muito mais tarde, normalmente, que o paciente em situação de isolamento pode,
então, falar sobre a sua morte e de sua doença, sua mortalidade e sua
imortalidade, como se fossem irmãos gêmeos autorizados a existir lado a lado,
enfrentando assim a morte e ainda manter a esperança.
(KUBLER-ROSS,
1969, p.54)
No seguimento do pensamento de Kübler-Ross (1969), a chave para cuidar dos
doentes nesta fase e nas fases seguintes é sempre, e sobretudo, a escuta e a presença amiga.
2- Raiva – Após um período inicial em que a negação está presente no discurso e na ação do
doente, este poderá enveredar por sentimentos de raiva e cólera,
intrinsecamente: “por que eu?”.
questionando--se
A autora (1969) refere que qualquer pessoa ficaria
desesperada se todas as suas atividades de vida fossem interrompidas tão prematuramente.
Esta fase é bastante difícil, tanto para a família, como para os profissionais de saúde.
O doente faz críticas agressivas contra os profissionais de saúde e inclusive contra a própria
família. Segundo Kübler-Ross (1969, p. 64), “as enfermeiras são frequentemente alvo de sua
raiva. O que quer que toque não está certo. No momento, em que eles deixam a sala, o sino
toca [...]. A visita da família é recebida com pouca alegria e expectativa, o que faz do
encontro um evento doloroso”. Para a autora, há que se promover a tolerância perante as
reações de raiva do doente. Ela sublinha que temos que aprender a escutar o doente e aceitar
os seus acessos de raiva, percebendo que ele se encontra com a necessidade de expressar
sentimentos hostis, o que lhe dará alívio.
3- Negociação – Ocorre quando o paciente oferece alguma coisa “em troca”, geralmente um
bom comportamento, para que lhe seja concebido algo (como a ruptura do tratamento para
vivenciar uma situação familiar, por exemplo, ou até mesmo o prolongamento da vida).
Segundo a autora, esse é um tipo de adiamento que inclui um prêmio oferecido, estabelece
também uma meta e inclui ainda uma promessa implícita de que o paciente não pedirá outro
adiamento, caso o primeiro seja concedido. Trata-se de um estágio curto.
Segundo Kübler-Ross (1969), esta fase é a menos conhecida, mas muito importante
30
para o doente durante um curto período de tempo. Nesta etapa, o doente abandona as reações
de raiva e adota a estratégia de negociar mais tempo de vida, prometendo normalmente a
entidades divinas mudanças de comportamento. Em suas palavras,
a maioria das barganhas são feitas com DEUS e são geralmente mantidos em
segredo ou mencionados nas entrelinhas ou no escritório particular de um
capelão. [...] Nós ficaremos impressionados com o número de pacientes que
prometem uma “vida dedicada a DEUS” ou “a vida a serviço da Igreja”, em troca
de algum tempo adicional. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 95)
Apesar da relativa frequência com que os doentes estabelecem promessas com
DEUS para adiar o seu fim, Kübler-Ross (1969) alerta para os indícios de culpa que esta
reação emocional esconderá na sua natureza. Em algumas circunstâncias, o doente poderá
estar a martirizar-se e a fazer mais promessas – ir mais vezes à igreja, tornar-se melhor mãe
ou pai, numa tentativa de remissão de erros que pensa ter cometido no seu passado. Nestas
circunstâncias, para Kübler-Ross (1969), a equipe de saúde deverá estar atenta aos sinais do
doente para ajudá-lo a superar esta culpa do passado e também a culpa por não conseguir
concretizar as promessas atuais. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 95)
4- Depressão – Essa fase ocorre quando já não é mais possível negar a doença, quando o
doente se encontra bastante debilitado e, mais uma vez, foi internado no hospital, podendo
ocorrer uma fase de depressão. Kübler-Ross (1969) define dois tipos de depressão
vivenciados pelos pacientes terminais e que merecem atuações diferentes por parte dos
profissionais de saúde e da própria família: uma é a depressão reativa e a outra é a depressão
preparatória.
Na primeira, o paciente fica deprimido por saber da sua morte iminente e não
conseguir encontrar soluções para as atividades que aparentemente só ele desenvolvia,
como, por exemplo, o fato de ser o cuidador de seu lar e possuir pessoas que dependam da
sua presença, como crianças ou idosos. Portanto, o doente poderá estar com uma depressão
reativa porque simplesmente está preocupado com os cuidados aos filhos pequenos que
estão em casa, a quem não pode ajudar por se encontrar hospitalizado.
Esse tipo de depressão se finda logo que sejam encontradas soluções para as suas
aflições. Já o segundo tipo, a depressão que se torna um instrumento na preparação da perda
iminente de todos os objetos amados, geralmente é silenciosa, em contraposição ao primeiro
que requer muita conversa e até intervenções ativas por parte dos outros em muitos assuntos,
e o paciente tem muito para comunicar. Nesta fase, há pouca ou nenhuma necessidade de
palavras, sendo o momento fundamental para aceitação pacífica da morte iminente. Nesta
31
etapa, o silêncio e a presença amiga são fundamentais na ajuda ao doente. Para a autora, “na
tristeza não existe necessidade de palavras. É muito mais um sentimento que pode ser
mutuamente expresso e, muitas vezes, é feito melhor com um toque de uma mão, um
acariciar do cabelo, ou apenas uma sessão em silêncio juntos”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p.
99-100)
Esta depressão pode ser necessária para o doente entrar numa fase de aceitação do
fim da sua vida. Em certas circunstâncias, ocorre uma dissociação entre a vontade da família
em desejar a vida do seu familiar e a vontade do doente em partir. Caberá aos profissionais
de saúde ajudar a família a compreender que aquilo que o doente mais precisa naquele
momento é de companhia, podendo os apelos ao ânimo e à coragem prejudicar a caminhada
do familiar para o desprendimento e para a aceitação do término da vida. (KÜBLER-ROSS,
1969, p. 100)
5- Aceitação – Esta fase representa o culminar de todas as reações emocionais do doente em
fase terminal. É o estágio final, um “baixar das armas”, uma rendição do doente perante a
iminência da morte. O paciente já terá passado por todos os estágios anteriores. Sentir-se-á
cansado, como se a dor tivesse esvaecido, a luta tivesse cessado e chegado o momento final.
Segundo Kübler Ross (1991), muitos doentes, quando ajudados, alcançarão esta fase,
apresentando uma necessidade de acompanhamento em que a comunicação verbal é quase
nula. Nesse estágio, a família precisará de ajuda, compreensão e apoio, mais do que o
próprio paciente, já que nesse momento os interesses deste pelo mundo exterior vão
gradativamente diminuindo com a aproximação da morte, quando ele não sente mais
vontade de conversar com ninguém.
A presença ao lado do doente em fase terminal é muito rica emocionalmente e
também significa o seu não abandono. Kübler-Ross diz que o estar ao lado do doente
conduzirá a pensar que “ele não é deixado sozinho, quando ele não quer mais falar e um
aperto de mão, um olhar, as costas apoiadas no travesseiro podem dizer mais do que muitas
palavras 'barulhentas'” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.124). Isso revela a convicção de KüblerRoss de que o doente em fase terminal, que foi ajudado, alcançará a aceitação e morrerá em
paz. Nas suas entrevistas, ela verificou que os doentes a quem foi possibilitado exteriorizar
os medos, a raiva e a ansiedade apresentam um percurso mais facilitado até à aceitação, e
que o cunho da esperança apresenta-se como traço comum que atravessa as várias fases
emocionais do doente.
Para além deste mecanismo de defesa, a manutenção da esperança do doente,
32
Kübler-Ross (1969) constatou que, quando os doentes deixavam de apresentar sinais de
esperança, encontravam-se preparados e, pouco tempo depois, morriam. Para além deste
fato, a autora também evidenciou dois tipos de esperança: a esperança inicial, que está
relacionada com a possibilidade de encontrar-se uma terapêutica curativa, e uma esperança
tardia, de curto prazo, que o doente sente quando se apercebe de que a terapêutica já não é
eficaz, e envereda, então, por uma esperança numa vida após a morte e/ou uma esperança
dirigida para as pessoas que irá abandonar em curto prazo. Kübler-Ross exemplifica: “Uma
jovem mãe que estava morrendo mudou sua esperança pouco antes de sua morte, com a
declaração: ‘Espero que meus filhos possam fazê-lo’. Outra mulher, que é religiosa, me
disse: ‘Eu espero que Deus vá me aceitar em seu jardim’". (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 158)
Ainda a propósito da esperança, Kübler-Ross (1969) refere alguma conflitualidade
que, por duas razões básicas, poderá ocorrer entre a pessoa doente e as pessoas que a
rodeiam: 1- Ocorre quando os técnicos de saúde e a família já não acreditam na cura e o
doente ainda precisa que lhe acalentem alguma esperança para continuar a viver e não se
sentir desamparado; 2- Ocorre quando a família se agarra a uma esperança férrea e é incapaz
de aceitar o fim do seu ente querido numa altura em que o próprio doente já não espera mais
nada, exceto o seu fim.
A experiência que, como profissional de Serviço Social, pude obter durante quinze
anos, permite-me confirmar estas afirmações de Kübler-Ross (1969, 1991). De fato, os
doentes graves, com possibilidade de morte iminente, desejam muito o contato humano e
temem o abandono. O estabelecimento de uma relação mais profunda com alguém é o ponto
de partida para a compreensão das necessidades do doente e a garantia de que a pessoa não é
abandonada.
Além disso, entendo que trabalhar com o sofrimento humano é difícil; manter uma
relação com um paciente grave também não é uma tarefa fácil.
Conversar com ele,
examiná-lo, responder aos seus questionamentos ou aos dos seus familiares são processos
que exigem preparo e maturidade do profissional. O primeiro passo importante para cada
profissional dar início ao aprendizado sobre o ato de adoecer e morrer é aceitar, de início,
que a consciência humana implica o reconhecimento da finitude da vida como um
acontecimento que não o exclui, o que o coloca de imediato na possibilidade de
compreensão e compartilhamento da morte do outro.
Desta forma, gostaria de encerrar resumindo o pensamento de Kübler-Ross, sobre a
vida e a morte:
33
A lição mais difícil de aprender é o amor incondicional. Morrer não é o medo. Ele
pode ser a experiência mais maravilhosa de sua vida. Tudo depende de como
você tem vivido. A morte é apenas uma transição desta vida para outra existência,
onde não há mais dor e angústia. Tudo é suportável quando há amor. O meu
desejo é que você tente dar às pessoas mais amor. A única coisa que permanece
eternamente é amor.
(Kübler-Ross, 1997, p.286)
1.4 - Conceitos gerais das doenças onco-hematológicas, TCTH e DECH.
A Hematologia é a especialidade médica que estuda as doenças que envolvem o
sistema hematopoético, ou seja, tecidos e órgãos responsáveis pela proliferação, maturação e
destruição das células do sangue (hemácias, leucócitos e plaquetas), além de estudar os
órgãos onde são produzidos, como a medula óssea, o linfonodo e o baço. Médicos
especializados
em
hematologia
são
conhecidos
como
hematologistas
e
muito
frequentemente fazem um estudo mais aprofundado em oncologia, o tratamento médico de
câncer. (ABRALE, 2012)
Portanto, a medula óssea é um órgão hematopoiético, conhecida popularmente como
tutano, um tecido líquido gelatinoso que ocupa o interior dos ossos. Na medula óssea são
produzidos os três componentes do sangue: 1- As hemácias (glóbulos vermelhos) –
transportam o oxigênio dos pulmões para as células de todo o nosso organismo, e o gás
carbônico das células para os pulmões, a fim de ser expirado. 2- Os leucócitos (glóbulos
brancos) – são os agentes mais importantes do sistema de defesa do nosso organismo. 3- As
plaquetas – correspondem a fragmentos celulares presentes no sangue, relacionados ao
processo de coagulação para evitar hemorragias. (ABRALE, 2012)
O Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH), segundo o site da
Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE, 2012), é uma modalidade
terapêutica utilizada no tratamento de algumas das doenças onco-hematológicas. O
fundamento lógico para o transplante de células-tronco está baseado no fato de que todas as
células maduras que circulam no sangue, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas,
provêm de uma única célula, contida na medula óssea,
denominada célula--tronco ou
“steam cell”. Tais células estão localizadas em adultos nos ossos chatos como a bacia,
34
esterno, costela e vértebras, podendo ser obtidas basicamente de três fontes: 1- Medula
óssea: por meio de um procedimento cirúrgico sob anestesia, com múltiplas punções
aspirativas no osso da bacia. 2- Sangue periférico: administra-se ao doador, por injeções
diárias por via subcutânea, um medicamento que aumenta o número das células-tronco e faz
com que parte delas migre da medula óssea para o sangue, de onde podem ser coletadas da
veia, com facilidade e segurança, com o emprego de uma máquina apropriada, denominada
aférese. 3-Cordão umbilical: o sangue é coletado logo após o parto.
Para se obterem células progenitoras do sangue periférico, em número apropriado para
o transplante, utiliza-se um equipamento chamado máquina de leucaférese. O sangue é
separado e também as células progenitoras são separadas de acordo com o seu peso, e
armazenadas em um compartimento especial; as células progenitoras são infundidas na
corrente sanguínea, implantam-se na medula óssea, iniciando a reconstituição hematopoética
do paciente, após regime de condicionamento. O condicionamento é o uso de altas doses de
quimioterapia associadas ou não à radioterapia corporal para que o paciente seja tratado de
sua doença de base. (ABRALE, 2012)
Durante a internação pré-transplante, chamada de condicionamento, o paciente é
submetido a fortes doses de quimioterapia e, algumas vezes, até de radioterapia,
procedimentos que têm a finalidade de destruir todas as células doentes no organismo e de
destruir a medula óssea para que seja substituída por uma saudável. Após essa etapa, temos
a infusão das células-mãe da medula óssea, que se dá como uma transfusão de sangue, na
qual as células entrarão na corrente sanguínea e acharão o caminho até os ossos, ou seja, na
região onde há medula óssea. Por fim, há a “pega” e a recuperação medular, que se dá em
aproximadamente duas semanas, período em que a “fábrica de sangue” volta a produzir
hemácias, leucócitos e plaquetas normalmente. (Manual de orientação para paciente de
TCTH/ HUCFF, 2004)
O transplante alogênico (TCTH) tornou-se uma modalidade terapêutica utilizada de
maneira crescente.
É uma modalidade dispendiosa, complexa e associada à alta
mortalidade. No entanto, é um tratamento muito importante dentro da oncologia, na medida
em que consegue prolongar significativamente a vida do paciente; sua indicação depende do
tipo de patologia, do estágio da doença e da idade do paciente e, principalmente, da
exigência de o paciente estar em remissão (isto é com a doença controlada). Por essa razão,
não são todos os pacientes portadores de doenças hematológicas que têm indicação para
realização de transplante. Porém, podemos citar algumas patologias que possuem indicação
de transplante: leucemia mieloide aguda, leucemia mieloide crônica, leucemia linfoide
35
aguda, leucemia linfoide crônica, linfomas, mieloma múltiplo.
Existem três tipos de transplante:
1- Autólogo: Quando as células-tronco hematopoéticas provêm do próprio paciente.
2- Alogênico: Quando as células-tronco hematopoéticas provêm de um doador
previamente selecionado por testes de compatibilidade, normalmente identificado entre os
familiares (aparentado) ou em bancos de medula óssea (não aparentado). Os bancos de
medula óssea podem ter cadastrados doadores adultos ou bancos de cordão umbilical. Nesse
caso, é fundamental que o doador apresente o HLA idêntico ao do receptor.
3- Singênico: Quando as células-troco hematopoéticas provêm de gêmeos idênticos
(univitelinos).
Descrição das etapas do tratamento:
1- Coleta da medula óssea ou célula-tronco: Essa etapa pode ser realizada das
seguintes formas: cirúrgica, por meio de múltiplas punções aspirativas de medula
(preferencialmente em crista ilíaca posterior) em ambiente cirúrgico, sob anestesia geral;
através do sangue periférico (aférese de células mononucleares) e células de cordão
umbilical placentário que é muito rico em células progenitoras de medula óssea (células
denominadas de CD34+).
O material coletado é armazenado e congelado, podendo a
medula permanecer nesse estado por cerca de dez anos.
2- Condicionamento: Trata-se da quimioterapia de altas doses associada ou não à
radioterapia, administrada previamente à infusão da medula óssea; tem três objetivos:
erradicar a medula doente do receptor; erradicar o sistema imune do receptor para que as
células do doador sejam aceitas; e proporcionar “espaço” para a nova medula.
3- Infusão das células-mãe de medula óssea: é igual a uma transfusão de sangue. As
células entrarão na corrente sanguínea e acharão o caminho até os ossos, na região onde há
medula óssea.
4- Pega e recuperação medular: em aproximadamente duas semanas a “fábrica de
sangue” voltará a produzir hemácias, leucócitos e plaquetas normalmente. Denomina-se
“pega” medular o momento em que a contagem plaquetária é mantida acima de
20.000/mm3, por três dias consecutivos.
O TCTH acarreta um estado de comprometimento múltiplo de órgãos e tecidos que
inclui profunda depressão imunológica, em decorrência dos efeitos da quimioterapia /
radioterapia, levando à predisposição de infecções e outras complicações graves, sendo a
36
alternativa mais eficaz no campo da medicina para certos tipos de patologia, a fim de
impedir a evolução da doença. Além disso, o TCTH é considerado agressivo, por acarretar
severos efeitos colaterais, fatores de tensão físicos e psicológicos vivenciados pelo paciente
e sua família, além de outras complicações. A principal delas é a DECH, uma síndrome que
apresenta características semelhantes a um processo autoimune, sendo sua patogênese ainda
parcialmente conhecida, além de ser vista mais frequentemente nos casos em que o doador
de medula não está relacionado com o paciente; ou quando o doador está relacionado com o
paciente, mas não há uma correspondência perfeita, sendo uma das principais complicações
dos pacientes submetidos a TCTH alogênico. A prevenção da DECH se faz pelo uso de
drogas imunossupressoras. Sua classificação CID 10: Rejeição a transplante de medula
óssea - T86.0.
Formas de classificação da DECH:
1- A DECH aguda geralmente ocorre nos primeiros três meses após o transplante e
pode afetar pele, fígado, estômago e / ou intestinos. O primeiro sinal é geralmente uma
erupção na mão, pés e rosto, que pode se espalhar, e se parecem com uma queimadura solar.
Problemas graves com DECH aguda podem incluir bolhas na pele, diarreia aquosa ou
sanguinolenta com cólicas e icterícia (amarelamento da pele e dos olhos), refletindo
envolvimento hepático. (TABAK, 2006)
2- A DECH crônica ocorre tipicamente dois ou três meses após o transplante e
provoca sintomas semelhantes aos de desordens autoimunes, tais como lúpus e
esclerodermia. Os pacientes desenvolvem uma erupção cutânea seca, podendo também,
haver perda de cabelo e diminuição da transpiração na pele. Secura da boca é um sintoma
comum. Os olhos também podem estar envolvidos com secura, irritação e vermelhidão.
Praticamente qualquer órgão pode ser afetado pela DECH crônica. A incidência de DECH
crônica varia de 6 a 80% de acordo com a idade do paciente, tipo de doador, fonte de
células-tronco, manipulação do enxerto e uso de infusões de linfócitos após o transplante. A
primeira classificação da DECH crônica foi publicada em 1980, baseada na análise de vinte
pacientes. A heterogeneidade da síndrome torna difícil não apenas o diagnóstico, mas
também a avaliação da gravidade e os parâmetros de resposta (TABAK, 2006). No
tratamento da DECH crônica, principalmente na forma extensa, se exige necessária
imunossupressão sistêmica prolongada para reduzir a mortalidade e desenvolvimento de
sequelas incapacitantes comumente observadas na evolução desta doença.
A DECH implica situações de sofrimento intenso e está vinculada ao isolamento
social, ao medo da morte, à angústia, ao desamparo e ao sentimento de culpa. Para enfrentá 37
la, é imprescindível a participação familiar no processo de tratamento e uma equipe de saúde
humanizada, que facilite a comunicação entre os envolvidos no processo de adoecimento.
1.5 - História do TCTH no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ
“A vida de uma instituição depende de
muitas vidas que a ela se dedica.”
Professor Clementino Fraga Filho
O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) é um hospital de nível
terciário, vinculado ao Ministério da Educação e inserido no sistema de referência e
contrarreferência do Sistema Único de Saúde (SUS). Braço assistencial da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o HUCFF é vinculado ao SUS e atende a partir do
encaminhamento realizado através da Central de Regulação. O agendamento é feito
antecipadamente nos postos de saúde.
Sua missão é desenvolver ações de ensino e pesquisa em consonância com a função
social da universidade, articulada à assistência, à saúde de alta complexidade, integradas ao
SUS, promovendo ao seu público atendimento de qualidade e de acordo com os princípios
éticos e humanísticos.
Seus principais objetivos institucionais são: 1- Atuar como hospital de nível
terciário, inserido no sistema de referência e contrarreferência do SUS; 2- Operar de forma
articulada, atendendo às demandas técnico-científicas das unidades de saúde do SUS; 3Servir de campo de treinamento para o ensino de graduação das profissões de saúde no que
se refere à assistência de média e alta complexidade; 4- Propiciar a realização de cursos de
pós-graduação e de especialização das unidades docentes, enfatizando os programas de
Residência
Médica
e
Residência
Interdisciplinar,
atividades
educacionais
de
responsabilidade do HUCFF; 5- Treinar pessoal de nível médio e auxiliar com vistas ao
aprimoramento da qualidade dos próprios serviços e no Sistema de Saúde e à manutenção de
bons padrões de rotina de atendimento; 6- Propiciar um ambiente de estímulo à pesquisa,
dando ênfase à integração nos diversos setores de ciências da saúde; 7- Contribuir para a
formação da equipe de saúde, graças ao trabalho conjunto e à coparticipação nas
responsabilidades, dentro do respeito às normas do exercício profissional. (HUCFF, 2013)
38
O hospital não dispõe de orçamento próprio e depende da prestação de serviços ao
SUS. Nos últimos anos, vem passando por um processo de endividamento, que é
identificado através da falta de insumos básicos, da redução do número de leitos, do
fechamento de unidades, da suspensão de cirurgia, enfim, por um conjunto de estratégias
que ferem os princípios preconizados na Constituição Federal de 1988, especialmente no
artigo 196 que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante
políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e
ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e
recuperação”. Em consequência dessa crise, em 2010 foi implodida uma ala desativada do
hospital, conhecida como “perna seca” 5 , causando uma mutilação irreparável na sua
arquitetura. Atualmente a emergência do hospital encontra-se fechada, sem previsão de
retornar o funcionamento. Além disso, devido a um grande número de profissionais
aposentados e a não realização de concurso público, houve necessidade de contratação de
prestadores de serviço, o que estimulou a precarização nas relações de trabalho. Essa crise
instalada atingiu diretamente a Unidade de TCTH, que teve seus leitos reduzidos e a
suspensão de realização do TCTH alogênico em 2010, passando a realizar apenas o
transplante autólogo. Esses acontecimentos refletiram diretamente na assistência prestada ao
usuário e na desmotivação da equipe de saúde.
Entendo que essa crise se deve à implantação de um projeto neoliberal, pois o
capitalismo atual tem a característica de fragmentar todas as esferas sociais e concentrar nas
mãos do mercado tudo o que ofereça lucro. Um exemplo disso é que em dezembro de 2011
a presidente Dilma assinou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares
(EBSERH), através da Lei 12.550/2011, contrariando a decisão da 14ª Conferência Nacional
de Saúde que se posicionou contra a mesma. Há um ataque sem precedentes aos Hospitais
Universitários (HUs) Federais do país, quando o Governo Federal opta pela privatização dos
mesmos, abrindo espaço para o avanço do capital e da lógica do lucro sobre esse precioso
segmento da saúde pública brasileira. A EBSERH faz parte de uma política de governo
ratificada pelo Congresso Nacional de contrarreforma nas políticas sociais do Estado para
reestruturar os Hospitais Universitários Federais.
Retomando a história do TCTH, cabe lembrar que o primeiro procedimento realizado
pelo HUCFF ocorreu em 1994. Àquela época, a Unidade de TCTH dividia espaço físico
com o setor de convênios do hospital no 10º andar - Ala F, onde eram disponibilizados dois
5 Perna Seca foi o nome dado a uma área desativada do hospital, que sofreu um forte abalo estrutural, sendo
interditado pela defesa civil. 39
dos dez apartamentos de convênios, que tinham por finalidade internações clínicas e
cirúrgicas do sistema suplementar.
Em 1996, o setor 10 F passou a ser unicamente Unidade de TCTH, com cinco leitos,
sendo quatro de internação e um para coleta de medula óssea por aférese.
Em 1998, foi implantada uma unidade ambulatorial para acompanhamento dos
pacientes pré e pós-transplante. Desde então, a Unidade de TCTH passou a ter sua própria
equipe multiprofissional com profissionais especializados, entre os quais se inclui o
Assistente Social.
Em 2000, é destinada a área do 8º andar na Ala F para a construção da nova Unidade
de Hematologia Clínica e TCTH com verbas do Banco Nacional de Desenvolvimento
Econômico e Social (BNDES), que foi inaugurado em 2002, contando hoje com uma
infraestrutura dividida pelos seguintes setores:
1- Unidade Clínica: é a unidade responsável pela internação dos usuários candidatos
ao transplante e também para o tratamento de complicações relacionadas ao procedimento;
possui oito leitos em quartos com proteção ambiental;
2- Day Clinic: destina-se ao atendimento de usuários admitidos com indicação de
transplante, realizando também o acompanhamento dos usuários pós-transplante, tendo seis
poltronas, um leito para atendimento e dois consultórios multidisciplinares.
3- Unidade de aférese: unidade responsável pela coleta de células-tronco
hematopoéticas do sangue periférico para a realização de transplantes autólogos e
alogênicos. Conta com dois leitos e equipamento de aférese.
4- Unidade Laboratorial: nesta unidade são realizados os procedimentos de
criopreservação e cultura das células-tronco hematopoéticas.
A possibilidade de uma compreensão integral do ser humano e do processo saúde-doença, objeto do trabalho em saúde, passa necessariamente por uma abordagem
interdisciplinar e por uma prática multiprofissional, na medida em que se organiza o
processo de trabalho, considerando não só a complementaridade dos diversos saberes e
práticas profissionais, mas também buscando a integralidade do cuidado. Desta forma, para
efetivação do programa de TCTH no HUCFF/UFRJ, fez-se necessária a participação de uma
equipe multiprofissional, com profissionais especializados, dentre os quais se incluem o
Assistente Social, cuja atuação descreverei no próximo capítulo.
Seguindo essa perspectiva, a Unidade de TCTH do HUCFF/UFRJ presta um
40
atendimento multiprofissional não focado somente no aspecto biológico, tendo realizado até
o presente momento 643 transplantes – 509 autólogos, 134 alogênicos –, dos quais 132 são
aparentados, um não aparentado e um singênico (gêmeos univitelinos). Além disso, os
pacientes que se submetem ao procedimento contam com um Manual de Orientações
(VIEIRA, et al, 2004) que é disponibilizado pela equipe de saúde no momento de seu
primeiro atendimento.
Como instituição universitária, o compromisso da Unidade de TCTH não se limita à
assistência, tendo uma grande responsabilidade na formação de pessoal e na produção de
conhecimento. Na Unidade de TCTH são qualificados alunos de graduação, residentes
multiprofissionais, pós-graduandos, mestrandos e doutorandos de diversas áreas da saúde,
incluindo médicos, enfermeiros, farmacêuticos, biólogos, assistentes sociais, entre outros
profissionais.
No próximo capítulo, farei uma interlocução entre o Serviço Social e a Psicanálise,
abordando a questão da subjetividade na prática cotidiana. Além disso, irei descrever a
inserção do Serviço Social no Programa de TCTH do HUCFF/UFRJ, bem como detalhar
seus desafios e contribuições.
41
CAPÍTULO 2: Interlocução entre o Serviço Social e a Psicanálise
“A lei básica do universo não é a
competição que divide e exclui, mas a
cooperação que soma e inclui.”
Leonardo Boff
Neste capítulo, falarei do caráter interdisciplinar do Serviço Social, abordando tanto a
interação da profissão com a psicanálise quanto a questão da subjetividade, que é um grande
desafio na prática cotidiana dos profissionais de saúde. Além disso, vou descrever as
atribuições do profissional de Serviço Social na Unidade de Transplante (TCTH) e relatar
minha trajetória profissional com pacientes transplantados.
2.1- O Serviço Social e seu caráter interdisciplinar.
O Serviço Social é uma profissão de nível superior, que pode ser exercida somente por
profissionais diplomados em instituições de ensino, reconhecidas pelo Ministério da
Educação (MEC), e devidamente registrados no Conselho Regional de Serviço Social
(CRESS) do estado onde pretendem atuar profissionalmente. Cabe destacar a existência de
24 CRESS, três delegacias de base estadual e o Conselho Federal de Serviço Social
(CFESS), órgão de fiscalização do exercício profissional no país, dando cobertura a todos os
estados. (CRESS, 2013)
A pessoa que se forma no curso de Serviço Social é denominada assistente social,
devendo orientar-se a legislação básica que norteia à ação profissional do assistente social
pela lei que regulamenta a profissão (LEI 8662, de 07 de junho de 1993, que dispõe sobre a
profissão e dá outras providências) e pelo Código de Ética Profissional. É imprescindível
ainda o conhecimento da legislação social em vigor, de acordo com o campo de atuação do
profissional (Saúde, Assistência Social, Previdência, Habitação, Educação, etc.).
Os assistentes sociais são habilitados para atuar no campo das políticas públicas:
saúde, educação, habitação, assistência social, seguridade social, esporte e lazer, sistema
42
sociojurídico, meio ambiente, setor agrário, segurança pública, turismo, pesquisa,
planejamento, assessoria e consultoria, capacitação, treinamento, gerenciamento de recursos
e projetos sociais. (FRAGA, C. K., 2010)
O profissional tem com o objetivo primordial viabilizar os direitos da população,
sendo que o maior campo de atuação do Serviço Social é a saúde – minha área de atuação e
sobre a qual irei me aprofundar a seguir.
Segundo o CFESS, os assistentes sociais na saúde atuam em quatro grandes eixos:
atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e controle social; investigação,
planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profissional. (CFESS, 2010,
p.39)
Ao falar do Serviço Social na área da saúde, torna-se indispensável citar a resolução
do Conselho Nacional de Saúde (CNS, Nº 218, de 06 de março de 1997), que reconhece a
categoria de assistentes sociais como profissionais de saúde, e a Resolução do CFESS
(CFESS Nº 383, de 29 de março de 1999), que caracteriza o assistente social como
profissional de saúde. Além, é claro, dos “Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais
na Saúde” (CFESS, 2010), documento que tem como finalidade referenciar a intervenção
dos profissionais de Serviço Social na área da saúde.
Entendo que o assistente social é fundamental no tratamento de saúde, tanto ao
fornecer informações aos usuários sobre os seus direitos, quanto ao coletar as informações
de sua história de vida, que serão fornecidas para a equipe de saúde. A qualidade de um
relato e de uma escuta sensível ao paciente e sua família possibilita um entendimento mais
holístico da doença do ponto de vista subjetivo, cultural e social. Esta contribuição facilitará
para que o paciente seja tratado em sua totalidade.
Além disso, o trabalho do assistente social na saúde deve ter como essência a busca
criativa e incessante da incorporação dos novos conhecimentos à profissão, articulados aos
princípios dos projetos da reforma sanitária, ético-político do Serviço Social e o parâmetro
para atuação do assistente social na Saúde (BRAVO, 1996). Acredito que pensar e realizar
uma atuação competente e crítica do Serviço Social na área da saúde consiste em buscar a
necessária atuação em equipe, tendo em vista a interdisciplinaridade da atenção à saúde.
(IAMAMOTO, 2002)
Sendo o Serviço Social uma profissão que se utiliza de instrumental científico
interdisciplinar das ciências humanas e sociais para análise e intervenção das diversas
refrações da questão social, ele vem se redefinindo, considerando sua inserção na realidade
43
social do Brasil, levando em conta as desigualdades sociais e econômicas, objeto da atuação
profissional, manifestadas na pobreza, na violência, no desamparo, na fome, no desemprego,
nas carências materiais e existenciais, dentre outros.
O termo interdisciplinaridade é difícil de ser conceituado, pois não possui um sentido
único e estável. Trata-se de um conceito que varia, não somente no nome, mas também no
seu significado. O vocábulo interdisciplinaridade foi e ainda é muito discutido no Serviço
Social, na medida em que existem várias definições para ele, pois depende do ponto de vista
e da vivência de cada um (NICÁCIO, 2008). Contudo, o Serviço Social apresenta uma área
fértil para a propagação da prática interdisciplinar, uma vez que seu caráter se faz presente
inclusive no processo de formação e produção de conhecimento do assistente social.
A prática interdisciplinar é incentivada pelo Código de Ética do Assistente Social
(1993), no capítulo III, artigo 10, alínea d, no qual a participação em equipes
interdisciplinares é apresentada como um dever profissional, a ser cumprido sempre que se
apresentarem possibilidades. Esse dever relaciona-se com um dos princípios fundamentais
desse código, referente ao compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população
e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional.
Desta forma, considerei oportuno, para fins de esclarecimento, trazer a definição de
interdisciplinaridade entendida por Vasconcelos (2007), que em síntese, define as práticas
interdisciplinares como a interação entre diversas fronteiras de saber. Em suas palavras:
As práticas interdisciplinares são entendidas como promovendo mudanças
estruturais, gerando reciprocidade, enriquecimento mútuo, com uma tendência à
horizontalização das relações de poder entre os campos implicados. Exigem a
identificação de uma problemática comum, com levantamento de uma axomática
teórica e/ou política básica e de uma plataforma de trabalho conjunto, colocando
em comum os princípios e conceitos fundamentais de cada campo original, em
um esforço de decodificação em linguagem mais acessível dos próprios campos
originais e de tradução
de sua significação
para o
senso
comum.
(VASCONCELOS, 2007, p. 113-114)
Outro autor importante, Japiassu (1976), relata a característica central da
interdisciplinaridade, apontando que ela incorpora os resultados de várias disciplinas. Em
suas palavras, “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os
especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto
de pesquisa”. (JAPIASSU, 1976, p. 74)
Articulando a definição de Vasconcelos (2007) com a característica central
44
defendida por Japiassu (1976), acredito que a interdisciplinaridade implica a existência de
um conjunto de disciplinas interligadas e com relações definidas, que evitam desenvolver as
suas atividades de forma isolada, sendo graças à interdisciplinaridade que o objeto
de estudo é abordado de forma integral. Além disso, ela estimula a elaboração de novos
enfoques metodológicos para a resolução de problemas.
Esta prática é priorizada no planejamento e operacionalização do assistente social
na área da saúde. No setor público, tal prática se associa à gratuidade do atendimento e à
concepção de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Contudo, a atuação do
assistente social deve facilitar a participação dos usuários nas decisões que envolvem seu
tratamento, possibilitando o acesso às informações relativas aos seus direitos, dando
destaque especial às ações de caráter coletivo.
Visando à interdisciplinaridade na área da saúde, o profissional de Serviço Social
pode ser um interlocutor entre os usuários e a equipe de saúde, com relação a questões
sociais e culturais, visto que pela sua própria formação há o respeito pela diversidade. Cabe
ao assistente social fazer uma abordagem socioeducativa com a família e/ou usuário e
socializar as informações em relação aos recursos, viabilizando os encaminhamentos
necessários. Os assistentes sociais devem esclarecer as suas atribuições e competências,
elaborando junto com a equipe de saúde propostas de trabalho que reúnam as ações dos
diversos profissionais.
A interdisciplina é uma ferramenta para o fortalecimento de cada disciplina. Cabe
salientar, porém, que cada profissional tem sua competência, responsabilidade e atribuição;
além disso, é a formação de cada um que reforça a importância do trabalho interdisciplinar.
Desta forma, destaco o quanto é importante levar a sério o caráter interdisciplinar da
profissão, através de um diálogo com outros discursos e apresento, a seguir, as interlocuções
do Serviço Social com a Psicanálise.
2.2 - Interação entre o Serviço Social e a Psicanálise.
A formação profissional do assistente social é de cunho humanista, portanto,
comprometida com valores que dignificam e respeitam as pessoas em suas diferenças e
potencialidades, sem discriminação de qualquer natureza, tendo construído como projeto
45
ético/político e profissional, referendado em seu Código de Ética Profissional, o
compromisso com a liberdade, a justiça e a Democracia. Para tal, o assistente social deve
desenvolver como postura profissional a capacidade crítica e reflexiva para compreender a
problemática e as pessoas com as quais lida, exigindo-se habilidade para comunicação e
expressão oral e escrita, articulação política para proceder a encaminhamentos técnicooperacionais, sensibilidade no trato com as pessoas, conhecimento teórico, capacidade para
mobilização e organização (IAMAMOTO, 2002). Essa formação permite apreender as
questões sociais e psicossociais com uma base teórico-metodológica direcionada à
compreensão dos processos relacionados à economia e política da realidade brasileira,
contexto no qual se gestam as políticas sociais para atendimento das mazelas da sociedade.
Levando-se em conta que o Serviço Social tem um caráter interdisciplinar e que a
formação do assistente social permite uma apreensão das questões sociais e psicossociais no
atendimento aos usuários, pretendo fazer uma articulação da profissão com a psicanálise,
pois entendo que e psicanálise vem a ser um instrumento importante para análise e
compreensão de fenômenos sociais relevantes.
Para tanto, cabe caracterizar a teoria psicanalítica por um conjunto de conhecimentos
sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. O seu método de investigação é
interpretativo, na medida em que busca o significado oculto daquilo que é manifestado por
meio de ações e palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, as
associações livres e os atos falhos. Além disso, a psicanálise possui quatro conceitos
fundamentais: o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão.
Neste trabalho darei ênfase ao conceito de pulsão, termo derivado do latim “pulsio”,
para designar o ato de impulsionar, na medida em que está relacionado à autoconservação e
poderá trazer uma compreensão da luta pela sobrevivência dos pacientes que adquiriram a
DECH e o desejo pela cura da doença. Empregado por FREUD a partir de 1905, em Três
ensaios da teoria da sexualidade, tornou-se um grande conceito da psicanálise, definido
como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do
funcionamento psíquico inconsciente do homem. Esse tema será aprofundado no terceiro
capítulo, onde falarei do sujeito acometido pela DECH, à luz da teoria psicanalítica.
Entretanto, fazendo uma interlocução entre as duas profissões, não poderia deixar de
citar o conceito de transferência, pois – embora o Serviço Social ao longo de sua história
tenha encontrado resistência para se apropriar dos saberes da psicanálise – ele reconhece que
sofreu influência direta da mesma, especialmente através do conceito de transferência, que
se refere não só à ligação afetiva que o analisante estabelece com seu analista e se expressa
46
na confiança que o paciente passa a ter por ele, mas também em associações de pensamentos
e sentimentos que são projetados na relação com o analista. Trata-se de um vínculo que se
estabelece exclusivamente nas relações humanas (FREUD, 1912). A transferência remete à
estrutura de funcionamento do sujeito, como ele se relaciona com os outros.
A transferência é executada pelo nosso inconsciente e, segundo a teoria freudiana, é
fundamental para o processo de cura. É considerado como um fenômeno que ocorre na
relação entre o paciente e o terapeuta, quando o desejo do paciente irá se apresentar
atualizado, com uma repetição dos modelos infantis, as figuras parentais e seus substitutos
serão transpostas para o analista; e, assim, sentimentos, desejos, impressões dos primeiros
vínculos afetivos serão vivenciados e sentidos na atualidade. (FREUD, 1912)
O Serviço Social entende o conceito de transferência como os aspectos afetivos
constitutivos das relações significativas do usuário, que se projetariam nos profissionais da
saúde, com quem o paciente estabelece um vínculo de confiança. Estas projeções
inconscientes são acompanhadas de fantasias, medos e desejos do paciente, e esse conteúdo
atravessa a relação que o usuário estabelece com o assistente social (Nicácio, 2008). Tal
fenômeno afetivo pode, em contrapartida, gerar uma reação no profissional que também
projetaria, como resposta ao conteúdo afetivo recebido – positivo ou negativo –, respostas ao
usuário, como um retorno das expectativas e desejos dele, o que Freud (1912) denominou de
contratransferência. Esse conceito sofreu críticas, que serão vistas a seguir, e que foram
elaboradas ao longo do processo de renovação do Serviço Social.
Ainda fazendo uma interlocução do Serviço Social com a psicanálise, cabe citar
Nicácio (2008), ao referir a corrente psicanalista americana, autodenominada psicologia do
ego6, como sendo a responsável pelo fundamento teórico para o Serviço Social de casos. Em
suas palavras,
esta corrente psicanalítica advogava o fortalecimento do ego para que ele fosse
capaz de dominar suas pulsões e, assim, se adaptar melhor a seu ambiente social.
O ideal de cura para esses analistas era o adulto bem sucedido na sua vida
produtiva, vivendo em harmonia na sua família e no seu casamento. Em suma,
um cidadão bem adaptado. (NICÁCIO, 2008, p. 3)
Nicácio (2008), embora entenda que a psicanálise tem contribuições a dar para a
análise de certos aspectos da vida social, descreve dois efeitos que têm servido de obstáculo
6 A psicologia do ego neste caso foi absorvida de forma reducionista. Freud propõe uma dualidade pulsional
inconsciente, indomável e acéfa-la. 47
à inclusão das dimensões psíquicas e culturais das expressões da questão social: 1- A recusa
dos saberes psicológicos que conduziu à denegação da dimensão do psíquico, como se ela
não fizesse parte da realidade, ou como se fosse algo secundário. 2- O tecnicismo, entendido
como a crença de que a hipervalorização dos aspectos técnicos é suficiente para uma ação
profissional qualificada. Em suas palavras: “Por um lado, a crítica ao psicologismo conduziu
à recusa da interlocução com os saberes psicológicos e, por outro, a crítica ao tecnicismo
teve como efeito colateral a depreciação da prática profissional”. (NICÁCIO, 2008, p. 52)
Esse combate ao psicologismo do serviço social conservador, que conduziu à recusa
da dimensão do psíquico, como se ela não fizesse parte da realidade, foi abordado também
por Vasconcelos (2000) através da noção de recalque, como se pode perceber nas palavras
do autor: “O processo de renovação reproduziu dentro da profissão, um recalcamento da
temática da subjetividade, sobretudo de seus aspectos relacionados ao inconsciente, à
personalidade e ao campo das emoções”. (VASCONCELOS, 2000, p. 198)
Embora o Serviço Social tenha encontrado resistência para se apropriar dos saberes da
psicanálise, observa-se, com a comunicação escrita por diversos autores, que o objeto da
psicanálise sempre esteve presente no campo do Serviço Social, mesmo sendo um campo
minado por críticas e discussões a respeito do tema, principalmente pela questão da
subjetividade, que abordarei a seguir.
2.3 - Desafio do assistente social na prática cotidiana: Questão da subjetividade.
Gostaria de iniciar a discussão do tema, alertando para o fato de que a noção de
subjetividade pode apresentar diferentes sentidos, pois se trata do resultado do nosso
desenvolvimento pessoal, de uma característica adquirida no decorrer da nossa história,
através da soma de aprendizados, o que inclui pensamentos, emoções conscientes e
inconscientes e sentimentos, além de mudanças internas ocorridas a partir da interação com
o outro, o que nos leva a repensar nossa maneira de enxergar o mundo, as nossas atitudes
diante de determinados fatos ou diante da própria vida, fatos estes que contribuem para a
formação e consolidação da nossa identidade.
48
Como já abordei anteriormente, o Serviço Social é uma profissão com caráter
interdisciplinar, cujo maior campo de atuação é a saúde, sendo a intervenção do assistente
social nesta área referenciada pelos “Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na
Saúde” (2009). Cabe destacar, neste momento, que o exercício profissional do assistente
social não deve desconsiderar as dimensões subjetivas vividas pelo usuário; e também que
essas dimensões subjetivas devem ser analisadas à luz das condições de vida e trabalho, ou
seja, a partir dos determinantes sociais do processo saúde-doença.
Amparada pelos “Parâmetros” (2009), acredito que as expressões da questão social se
encarnam em manifestações reais de sofrimento e os efeitos das desigualdades sociais e das
fragilidades de vida atingem os sujeitos no seu corpo, no seu psiquismo e nas suas relações
sociais cotidianas. Considero que a aproximação com a realidade da prática profissional
revela que o assistente social está confrontado com problemas que concernem à questão da
subjetividade a todo instante. Contudo, será importante falar do surgimento do tema da
subjetividade no campo do Serviço Social, tema que é visto como polêmico, bem como dos
obstáculos que foram encontrados pela profissão ao incluí-lo no debate profissional.
O tema da subjetividade surgiu desde os primórdios do Serviço Social, que, na
ocasião, buscou nas teorias da psicanálise e da psicologia, sobretudo nas noções de
“relacionamento” e “relações humanas”, subsídios para compreensão das demandas da
clientela. Esta busca levou ao psicologismo excessivo da profissão, cujo eixo se dava
através das relações interpessoais, concretizada por uma prática profissional desistoricizada
e despolitizada, em que se buscava a adaptação desses indivíduos, já que se trabalhava a
partir da resolução de conflitos com foco na culpabilização dos mesmos. (Nicácio, 2008)
Para romper com essa perspectiva, a categoria optou por abandonar teoricamente a
subjetividade, porque a mesma fazia parte essencial da herança do Serviço Social tradicional
e das práticas terapêuticas. Desde então, as questões da subjetividade no campo do Serviço
Social vêm encontrando obstáculos à inclusão no debate profissional, que, segundo Nicácio
(2008), são os efeitos colaterais de algumas críticas ao serviço social conservador. Além
disso, o autor, em seu livro Serviço Social e subjetividade, refere dois obstáculos à inclusão
das dimensões psíquicas e culturais das expressões da questão social, que já foram
abordados anteriormente:
uma recusa de interlocução com os saberes psicológicos
associada à crítica ao psicologismo e uma depreciação da prática profissional marcada pela
hipervalorização da dimensão técnica.
49
Outro autor que abordou a questão da subjetividade foi Vasconcelos (2000), através
da metáfora do recalque. Ele demonstra como a área do Serviço Social tem tido dificuldade
para integrar e articular em sua prática profissional dimensões subjetivas, e, especialmente,
as dimensões inconscientes que são apresentadas pela psicanálise. Segundo o autor,
o processo de reconceituação reproduziu dentro da profissão um recalcamento da
temática da subjetividade, sobretudo de seus aspectos relacionados ao
inconsciente, à personalidade e ao campo das emoções.[...] Além disso, a
temática da subjetividade sofreu um processo de empobrecimento, tendendo a ser
associada apenas ao campo do indivíduo, em detrimento dos seus diversos
aspectos institucionais e coletivos, associados às temáticas da ideologia e dos
processos políticos, culturais e de gênero. (VASCONCELOS, 2002, p. 198-199)
Nicácio (2008) refere que o processo de renovação do serviço social, ao combater a
psicologização dos problemas sociais, opôs-se a toda reflexão sobre a experiência subjetiva
dos atores sociais, tendo o combate ao psicologismo do serviço social conservador
conduzido à denegação da dimensão do psíquico, como se ela não fizesse parte da realidade,
ou como se fosse algo secundário e, por conseguinte, menos importante. O autor defende a
questão da subjetividade e, ao abordar uma aproximação com a realidade da prática
profissional, mostra que o assistente social não lida apenas com indicadores sociais,
procedimentos formais e rotinas. Lembra ainda de um fato fundamental ao dizer:
Não é a “questão social” que procura o assistente social, mas “indivíduos reais”
submetidos a alguma situação de sofrimento ou fragilidade.
As demandas
endereçadas ao assistente social surgem para ele, no cotidiano, concretizadas nas
queixas, reivindicações e solicitações de sujeitos que se situam num determinado
contexto social. (NICÁCIO, 2008, p.61)
Nicácio (2008) refere-se, ainda, ao desafio de constatar que o assistente social, na
sua prática cotidiana, está confrontado com problemas que exigem que o profissional leve
em consideração não só os condicionantes macroestruturais da questão social, mas também
suas dimensões subjetivas. O autor acredita que é possível o profissional levar a sério as
dimensões subjetivas e psíquicas da questão social sem cair no psicologismo. Refere que o
sujeito que procura o assistente social não tem uma relação objetiva, transparente e simples
com a situação da vida, tampouco com a sua demanda. O usuário chega ao Serviço Social
numa situação de sofrimento, em função de alguma fragilidade e ele enfrenta essa
fragilidade com seu sintoma, medos e fantasias; ainda segundo o autor, não cabe ao
50
assistente social tratar desses sintomas no sentido da psicoterapia, mas é necessário que o
profissional possa desenvolver uma escuta, a fim de captar as dificuldades que estão postas
na vida dos usuários.
Entendo que o assistente social lida no seu cotidiano com sujeitos reais e concretos,
que sentem, pensam, agem e sofrem os efeitos da desigualdade social, expressões da questão
social, do sucateamento das políticas sociais e das redes de proteção social operadas pelo
Estado. E quando lidamos com uma dimensão que não se limita às ações burocráticas, seja
individualmente, seja em grupo, somos afetados nessa relação de intersubjetividades.
Acredito que não se pode manter a neutralidade científica, o distanciamento da racionalidade
técnica ou recalcar todos os sentimentos, impulsos e emoções que são imanentes na relação
com o usuário. Ao contrário, essa relação é constituída de afetos, sendo ela uma dimensão
concreta e social que é a subjetividade humana.
Portanto, o sofrimento e o adoecimento não são entidades abstratas, e elas se
materializam por intermédio dos sujeitos reais. É por essa razão que, segundo dados
colhidos sobre saúde mental e saúde do trabalhador, o profissional de Serviço Social é a
categoria de trabalhadores que mais sofre na relação de trabalho, no conjunto de outras
categorias profissionais, no campo social e da saúde. (Nicácio, 2008)
Contudo, acredito que a prática do Assistente Social pode se enriquecer na medida em
que ele puder problematizar as dimensões culturais e subjetivas dos usuários, com o olhar
voltado para a vivência subjetiva que os usuários têm de sua situação social. Mas esta tarefa
não pode prescindir da exigência ética de que se criem condições para que os sujeitos com
os quais lidamos venham a tomar a palavra para que, a partir daí, possam refletir e agir de
forma transformadora na sua realidade.
Refletindo sobre a questão da subjetividade humana, destaco algumas questões
específicas que motivaram a realização desta pesquisa: Como o paciente atendido no
programa de TCTH percebe sua própria situação social e que estratégias utiliza para
enfrentá-la? Como ele é percebido pela sociedade (estigmatização) e quais as consequências
disso para a sua vida? Como ele se relaciona com a equipe de saúde e quais os impasses
que surgem nessa relação? Esses questionamentos serão abordados no próximo capítulo.
51
2.4 - Atribuições do Assistente Social na Unidade de TCTH do HUCFF/UFRJ.
O Serviço Social do HUCFF/UFRJ foi implementado em 1978, ano da inauguração da
instituição. Nos primeiros anos, o Serviço Social desenvolvia ações principalmente de
caráter assistencial e, a partir da década de 1990, com exigência do Ministério da Saúde em
organizar a assistência à saúde através da implementação de programas, os assistentes
sociais do HUCFF passaram a integrar as equipes de saúde constituídas para tais fins,
mantendo, na ocasião, atividade assistencial.
Este Serviço está vinculado diretamente à Divisão de Apoio Assistencial (DAA), que
foi gerenciado por uma assistente social por mais de dez anos; a DDA, por sua vez, vinculase diretamente ao Diretor Geral do hospital. A DAA possui sete serviços: Serviço Social,
Serviço de Nutrição e Dietética, Serviço de Documentação Médica, Serviço de Farmácia,
Serviço de Fisioterapia, Serviço de Fonoaudiologia e a Comissão de Avaliação e Terapia
Nutricional Enteral e Parenteral (CATNEP).
O Serviço Social possui quatro subdivisões: Chefia de Serviço, Sessão de
Planejamento, Sessão de Pacientes Internos e Sessão de Pacientes Externos. O Serviço está
presente nas especialidades clínicas e cirúrgicas divididas pelos andares da unidade (5º, 6º,
7º, 8º, 9º, 10º, 11º e CTI), atuando ainda nos diversos programas, nas comissões, no serviço
de ambulatório, na radioterapia, e também no Serviço de Emergência, que no momento
encontra-se fechado.
O Serviço Social do HUCFF tem por finalidade prestar ao usuário do hospital
atendimento de Serviço Social integral e continuado de maneira sistematizada; elaborar e
participar de projetos de pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento, utilizando o
referencial teórico de Serviço Social, articulando-os com os vários segmentos da
comunidade hospitalar e da sociedade civil a partir das diretrizes da política de saúde;
elaborar e participar de programas de ensino de graduação e pós-graduação das diferentes
áreas de conhecimento utilizando referencial teórico do Serviço Social; promover pesquisas
sociais e programas de educação continuada no campo de suas atividades; promover a
articulação do hospital com outros Serviços Sociais e unidades representativas da
comunidade e participar na execução das atividades didáticas das Unidades de Ensino que
utilizam o hospital como campo de treinamento profissional.
Em 1998, ocorreu a inserção do Serviço Social na Unidade de Transplante de CélulasTronco Hematopoéticas, cenário deste estudo, quando iniciei atividades como assistente
52
social, imprimindo sobre minha prática estratégias para sistematização das demandas dos
usuários e para a intervenção a partir da realidade por eles apresentadas. Atualmente, o
Serviço Social da Unidade conta com o apoio de uma acadêmica de Serviço Social.
As atribuições do assistente social na unidade de TCTH se dividem no tripé ensino,
pesquisa e assistência, promovendo aos usuários atendimento de qualidade de acordo com os
princípios éticos e humanísticos, a saber: No ensino – supervisionar alunos de graduação em
Serviço Social; promover e participar de eventos científicos, visando à socialização do
conhecimento e participar de supervisão integrada com aluno/supervisor/professor da escola
de Serviço Social (UFRJ). Na pesquisa – incentivar linhas diretivas de pesquisa, a partir das
situações problematizadas na unidade; identificar o perfil socioeconômico e cultural dos
usuários e/ou familiares, e apresentar trabalhos em congresso. Na assistência – orientar os
usuários e/ou familiares quanto aos direitos trabalhistas, previdenciários e de cidadania;
socializar para os usuários as informações impressas sobre recursos e direitos sociais,
referentes à sua patologia específica; propor ações e adotar procedimentos que garantam a
adesão ao tratamento; realizar grupos com usuários, familiares e equipe de saúde; realizar
campanha voluntária para captação de sangue; estabelecer parceria e encaminhar os usuários
para os recursos da comunidade; esclarecer sobre as normas e rotinas institucionais;
participar da equipe multiprofissional para discussão de casos; realizar visitas domiciliares
ao usuário e/ou familiares, conforme a necessidade do caso social; autorizar, em caso de
necessidade, visitas fora do horário regulamentado; orientar quanto ao auxílio econômico
para pagamento de despesas com passagens, diária e de alimentação para pacientes e
acompanhantes que fazem tratamento fora do domicílio (TFD); e, principalmente, facilitar a
inserção do paciente no processo de tratamento, enfatizando a importância do
acompanhamento familiar.
A ação do Serviço Social na Unidade de TCTH se inicia desde o primeiro contato
com o paciente e continua durante todas as fases do procedimento, na tentativa de facilitar a
sua inserção no processo de tratamento e minimizar o impacto causado pela doença. Cabe ao
assistente social compreender as questões que envolvem a doença, como a perda da força de
trabalho, a desestruturação familiar e o enfrentamento de preconceitos sociais.
A
intervenção do assistente social se faz necessária para amenizar esse sofrimento, criando um
mecanismo de participação dos usuários e sua rede de apoio. Entendo ser de fundamental
importância o fortalecimento de ações em rede em prol do usuário e de sua família, em
momento tão doloroso e tão difícil para todos. O apoio psicossocial dado ao paciente e à
família, a qual participa efetivamente do processo de tratamento e assume uma importância
53
crucial que o presente estudo irá aprofundar adiante. Nessa fase tão crítica de uma doença
que é secundária a um câncer, observa-se que o usuário ou sua família dificilmente
encontram apoio para si e, por isso, o Serviço Social assume alta relevância por seu
acolhimento cotidiano e persistente.
O assistente social entrevista o paciente que relata o seu modo de vida, seu cotidiano
social, suas crenças, suas relações com a família e o mundo. A entrevista social é voltada
para uma relação de horizontalidade entre paciente e profissional. Respeitando o princípio
de liberdade e livre arbítrio, seguimos uma rotina de nos apresentar e esclarecer o papel do
assistente social no programa. O objetivo da entrevista é identificar os problemas que
podem prejudicar o tratamento e reportá-la à equipe de saúde, com vistas a garantir completa
adesão do paciente ao tratamento proposto.
Sabendo-se que o TCTH é uma experiência que exige muita energia do paciente, tanto
física quanto emocional, e procurando garantir os direitos do cidadão, a ação do Serviço
Social se faz necessária, a fim de estabelecer uma interface entre os usuários, familiares,
equipe de saúde e comunidade, visando articular interesse e necessidades da população
atendida. A seguir, descreverei minha trajetória profissional na Unidade de TCTH do
HUCFF/UFRJ.
2.5 - Trajetória profissional com pacientes transplantados
Em 1988 passei a compor o quadro dos técnicos administrativos da UFRJ. Em 1991,
já formada em Serviço Social, passei ao quadro de assistente sociais do HUCFF, onde
permaneço até hoje. Atualmente, trabalho em regime estatutário, exercendo a função de
assistente social, tendo como responsabilidade desenvolver ações de ensino e pesquisa em
consonância com a função social da universidade, articuladas à saúde de alta complexidade e
integradas ao SUS, promovendo ao público atendimento de qualidade de acordo com os
princípios éticos e humanísticos.
Sou graduada em Serviço Social pela Faculdade de Ensino Superior Augusto Motta
(1986) e comprometida com minha prática cotidiana, estando lotada na Unidade de
Internação do 8º andar, onde se encontram as enfermarias do Serviço de Cardiologia,
Cirurgia Cardíaca, Cirurgia Plástica, Ginecologia, Cirurgia Vascular e Oncologia. Procuro
54
concentrar minha atuação no Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de CélulasTronco Hematopoéticas, o que me levou a realizar o curso de Especialização em
Hematologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007).
Em 1998 implantei o Serviço Social na Unidade de Transplante de
Células--
Tronco Hematopoética do HUCFF, resultando minha ação profissional na criação de um
protocolo único de atendimento social para os candidatos ao TCTH; na elaboração de
projetos de parceria com a sociedade civil organizada, buscando suprir as necessidades e
criando mecanismos em prol dos usuários; na colaboração da criação do Núcleo de
Cidadania em Saúde (trabalho voluntário do HUCFF/UFRJ); na elaboração do manual de
orientação de pacientes do TCTH do HUCFF/UFRJ, sinalizando, neste material educativo,
os direitos sociais assegurados aos portadores de câncer; e na elaboração de um folder sobre
doação voluntária de sangue no HUCFF/UFRJ. Além disso, tive a oportunidade de
participar da organização da IX Jornada de Intercâmbio de Trabalhos em Serviço Social na
Área da Saúde do Estado do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ); participei da organização do
evento comemorativo dos dez anos do programa de TCTH do HUCFF/UFRJ; fui
conferencista no curso de capacitação interna do Serviço Social do HUCFF/UFRJ, bem
como do Congresso Brasileiro de Hematologia e Hemoterapia (2005); fui palestrante na III
Jornada de Serviço Social do Instituto Nacional do Câncer (2011), que tinha como tema:
“Políticas Públicas e seus Desafios: a Intervenção do Assistente Social no Transplante de
Medula Óssea”; participei da comissão científica da equipe multiprofissional do XV
Congresso da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO), em 2011 e
fui moderadora durante o XV Congresso da SBTMO do Painel – “O Contexto psicossocial
interfere na realização do transplante? E na Qualidade de vida? Questões socioeconômicas,
habitacionais e psicológicas”.
Desde 1990 supervisiono alunos de graduação em Serviço Social e fui responsável
pela supervisão e orientação de dois trabalhos de conclusão de curso (TCC), com o tema
central “Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH)”. Cabe destacar o trabalho
“O sofrimento dos profissionais na Unidade de Hematologia e TCTH/HUCFF ao lidar
intimamente com o processo de adoecer e morrer dos pacientes: Os rebatimentos na vida
pessoal”, que foi apresentado aos sujeitos da pesquisa e a toda equipe de Serviço Social do
HUCFF, a fim de apreender a contribuição do mesmo e os mecanismos que poderiam ser
criados para que a discussão da temática fosse levada adiante. Posteriormente, o trabalho foi
levado ao conhecimento da diretoria do hospital para obtenção de investimento necessário à
melhoria da saúde dos trabalhadores.
55
Em 2004, devido ao aumento progressivo do número de pacientes encaminhados ao
programa de transplante, iniciei juntamente com a equipe médica e de enfermagem,
atendimento grupal com pacientes pré e pós-TCTH (imediato e tardio) e seus respectivos
familiares, tendo como objetivo primordial propiciar um espaço para reflexão a respeito das
repercussões da doença na vida de cada um, permitindo que os pacientes compartilhassem as
maneiras peculiares com que enfrentavam a crise vital provocada pela doença e seus
respectivos tratamentos. Essa experiência será relatada no capítulo 3.
Além disso, os pacientes que se submetem ao procedimento contam com um Manual
de Orientações (VIEIRA, et al, 2004) que é disponibilizado pela equipe de saúde no
momento de seu primeiro atendimento. Cabe ressaltar que tive a oportunidade de participar
da elaboração desse material educativo, juntamente com três enfermeiras e uma médica,
ouvindo as demandas dos usuários e as sistematizando. O Serviço Social inseriu nesse
manual os direitos especiais, assegurados aos portadores de câncer (neoplasia maligna), na
intenção de fazer com que os pacientes exijam seus direitos por si ou por seus dependentes,
num exercício de cidadania básico que contribui para a melhoria das condições de vida de
todos nós. Ele se encontra disponível no site do HUCFF (www.hucff.ufrj.br).
Em 2007, apresentei um trabalho no Congresso da Sociedade Brasileira de
Transplante de Medula Óssea (SBTMO), juntamente com as assistentes sociais do Centro de
Transplante de Medula Óssea (CEMO), do Instituto Nacional do Câncer (INCA), intitulado:
“Questão Social: Desafios e contribuições de uma categoria profissional no TCTH”, que
tinha como objetivo primordial mostrar o tipo de contribuição do Serviço Social ao TCTH e
da equipe de saúde. O resultado do trabalho foi bastante interessante, embora a realidade das
duas instituições de saúde sejam completamente diferenciadas.
Considero que a minha trajetória profissional com os pacientes de TCTH foi de
grande valia, embora marcada por uma sensação de impotência, pois o assistente social é um
profissional que visa na sua ação garantir os direitos de cidadania, embora em seu cotidiano
participe da angústia de indivíduos que precisam de auxílio para garantir a adesão ao
tratamento, e da precariedade e descontinuidade das políticas de saúde pública no país, que
nem sempre lhe garante essa adesão, colaborando, ao contrário, para que haja sucessivas
interrupções em seus tratamentos, resultando em piora de suas condições clínicas, no
agravamento da doença e, por vezes, no óbito. Contudo, amo minha profissão e tenho
certeza de que dei o melhor de mim para transformar essa realidade. Além disso, a troca de
experiência com os profissionais de saúde, os residentes multiprofissionais, os alunos de
56
Serviço Social, os pacientes e seus familiares foi um aprendizado que levarei para o resto da
vida.
No próximo capítulo, falarei do sujeito acometido pela DECH à luz da teoria
psicanalítica, utilizando o discurso livre dos sujeitos, que resultou da entrevista
semiestruturada, na qual abordo a dimensão imaginária da DECH, sinalizando o impacto
psicossocial dessa síndrome em suas vidas e abordando o processo de adaptação às novas
condições e da perspectiva de futuro.
57
CAPÍTULO 3: O sujeito acometido pela DECH à luz da teoria psicanalítica
“O câncer não é uma sentença, é
simplesmente uma palavra. O câncer
não mata, as pessoas é que se matam
quando pensam negativamente”.
Branco
Neste capítulo, detalharei as metodologias qualitativa e quantitativa que embasam os
dois últimos capítulos desta dissertação, tendo como foco central o estudo qualitativo,
quando apresento e discuto os resultados das entrevistas semiestruturadas, realizadas com os
sujeitos acometidos pela DECH. A análise terá como base o enfoque teórico no campo da
saúde e da psicanálise, levando-se em conta categorias de relevância e conteúdos
relacionados aos conceitos de pulsão de vida e pulsão de morte, norteadores deste trabalho.
Inicialmente introduzo o conceito de sujeito pulsional e aprofundo o conceito de pulsão,
articulando-o às energias vitais que favorecem o enfrentamento da doença. Descrevo relatos
de sofrimento, angústia, medo e morte, além de enunciados que apontam uma dinâmica de
adaptação às novas condições e situam os limites e possibilidades funcionais dos sujeitos,
reunindo falas eloquentes e esclarecedoras do tema. Ao final, darei destaque a motivações e
sublimações que estão associadas à superação da doença, e nos dão ideia da importância da
família no processo de tratamento, da fé e da perspectiva para o futuro.
Um caminho de pesquisa quantitativo e qualitativo – parte I
A pesquisa foi desenvolvida após autorização do Chefe do Serviço de Hematologia
do HUCFF/UFRJ (Anexo III) e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da
Universidade Veiga de Almeida, através do Plataforma Brasil (Anexo VII). A participação
dos sujeitos da pesquisa envolveu sua prévia autorização e a Assinatura do Termo de
Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I).
Um estudo quantitativo envolveu dois procedimentos distintos: 1- Foi feito um
estudo retrospectivo do prontuário, através da Ficha de Estudo Social (FES) (Anexo IV), de
pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ, entre os anos de 2000 e 2010,
num total de 133 casos. A FES contém dados de identificação dos usuários, configuração
familiar, situação de trabalho, situação previdenciária, além de dados complementares, com
parecer social. Foi possível correlacionar alguns traços entre os que sobreviveram e os que
58
morreram em virtude da doença, o que me permitiu sistematizar informações, codificar
dados, tabular as respostas de maior relevância e compreender o impacto das respostas que
mais chamaram a atenção; 2- Foi feito um estudo prospectivo com entrevistas estruturadas,
utilizando-se o questionário FACT--BMT (Anexo V), com 28 pacientes. Trata-se de uma
Escala de Avaliação Funcional da Terapia de Câncer específica para a realidade vivenciada
pelo paciente submetido ao TCTH. Tal escala, está na sua terceira versão (Mc-Quellon &
cols., 1997) e foi validada em português. Os dados quantitativos serão apresentados e
analisados no próximo capítulo.
Também foi feito um estudo qualitativo: 3- um estudo baseado em história oral
aplicado a cinco pacientes que fizeram o transplante alogênico de medula óssea (três homens
e duas mulheres) e que desenvolveram a DECH (exceto um caso), através de um roteiro de
entrevista semiestruturada, buscando compreender o impacto psicossocial dessa síndrome
em suas vidas e abordando suas expectativas em relação ao futuro. Os pacientes tinham em
média oito anos pós-transplante (TCTH), dois deles ainda apresentam sequelas da DECH e
já aprenderam a conviver com suas limitações. O critério de escolha foi o tempo de
sobrevivência ampliado e a escolha de pacientes mais falantes, mais disponíveis e que
demonstraram um forte desejo de participar da pesquisa. As entrevistas foram feitas em
espaço físico que garantiu sigilo profissional, sendo todas gravadas e transcritas,
assegurando a fidedignidade dos relatos.
A entrevista semiestruturada (Anexo VI) situa a escolaridade, o estado civil, a
situação de trabalho e a renda familiar atual, contextualizando o padrão de vida pessoal,
familiar e social do paciente. Ela também procura compreender se houve modificações nesse
padrão pessoal, familiar e social, após o transplante, pedindo ao paciente para esclarecer o
que mudou e como essas modificações o impactaram. O roteiro de entrevista também aborda
como foi para o paciente receber a notícia do diagnóstico e do tratamento; se o início da
doença foi relacionado a algum fato traumático; se houve algo que motivou o paciente a
enfrentar a doença. Além disso, buscou-se compreender como foi para o paciente vivenciar
as diferentes etapas do tratamento, a busca de um doador e a realização do transplante. Por
fim, indaga-se como ficou a vida depois do transplante; como o paciente encara a vida hoje;
quais são as suas expectativas e planos para o futuro.
Para preservar a identidade, substituí os nomes por cores, do seguinte modo: Branco
é um homem com 68 anos, que não teve DECH, estando com doze anos pós-TCTH e
com remissão completa da doença; Azul é um homem com 45 anos, desenvolveu DECH,
estando dez anos pós-TCTH e com remissão completa da doença; Verde é um homem com
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33 anos que ainda convive com sequelas da DECH (no olho), estando seis anos pós-TCTH;
Lilás é uma mulher com 50 anos que ainda convive com sequelas da DECH (na boca),
estando nove anos pós-TCTH; Rosa é uma mulher com 51 anos, desenvolveu DECH,
estando dez anos pós-TCTH e com remissão completa da doença.
Tendo em vista que a presente dissertação enfatiza as contribuições da psicanálise,
este capítulo articula conceitos psicanalíticos e os relatos dos pacientes, que serão aqui
interpretados à luz da psicanálise freudiana. Estarei fazendo o uso de alguns cuidados éticos,
como a substituição dos nomes dos pacientes por nomes de cores, de modo a preservar suas
identidades e poder trabalhar na análise de suas narrativas.
3.1- O sujeito pulsional e o poder de enfrentamento da doença: Freud
Descreverei relatos dos sujeitos acometidos pela DECH à luz da teoria psicanalítica,
sabendo-se que nessa abordagem o sujeito não apenas nasce, ou se desenvolve, mas se
constitui através da linguagem e só pode se definir a partir de sua relação com os pais, sendo
um produto da relação de amor e de identificação com os mesmos. O estudo do sujeito sob o
enfoque psicanalítico retrata que a criança ao nascer é portadora de necessidades que estão
muito além daquela inicialmente suposta de obter alimento e se manter aquecido. O contato
corporal direto com a mãe proporciona o encontro da criança com a palavra materna e,
através da palavra, o encontro com o afeto, elemento indispensável para a nossa
sobrevivência. O que a mãe transmite para a criança através da palavra é um conjunto de
marcas simbólicas que suscitam no corpo do recém-nascido um ato de resposta. É esse ato
de resposta que caracteriza o sujeito pulsional, o sujeito dotado de uma força constante que o
impele à satisfação.
Compreender como o sujeito se constitui através da linguagem requer a apreensão do
conceito de pulsão, pois é exatamente por ser pulsional que o sujeito, diferentemente dos
animais, precisa da linguagem para sobreviver e não apenas da satisfação das necessidades
básicas. Como já descrevi anteriormente, o termo pulsão “Trieb” foi empregado por Freud a
partir de 1905 e se tornou um grande conceito da psicanálise, definido como a carga
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energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento
psíquico inconsciente do homem. (Freud, 1905)
Foi na obra Três ensaios da teoria da sexualidade (1905) que Freud se referiu pela
primeira vez ao termo pulsão, e na qual ele desenvolveu a ideia de que o sistema psi está
exposto a quantidades de excitação provenientes do interior do corpo (os estímulos
endógenos), e nisto se encontra a mola pulsional “Triebfeder” do mecanismo psíquico.
Além disso, o autor refere à vontade “Wille” como sendo um derivado das pulsões e
exemplifica sua ideia:
O ato da criança que chupa é determinado pela busca de um prazer já vivenciado
e agora relembrado. No caso mais simples, portanto, a satisfação é encontrada
mediante a sucção rítmica de alguma parte da pele ou da mucosa (...). A primeira
e mais vital das atividades da criança – mamar no seio da mãe (ou em seus
substitutos) – há de tê-la familiarizado com esse prazer. Diríamos que os lábios
da criança comportam-se como uma zona erógena e a estimulação pelo fluxo
cálido de leite foi sem dúvida a origem da sensação prazerosa. A princípio a
satisfação da zona erógena deve ter-se associado com a necessidade de alimento.
A atividade sexual apoia-se primeiramente numa das funções que servem a
preservação da vida, e só depois torna-se independente delas. (Freud, 1905, p.
170)
Essa é a primeira teoria proposta por Freud, em que a pulsão só pode gerar desejo e
não repulsa. Os principais aspectos dessas descobertas são: 1- A função sexual existe desde
o princípio da vida, logo após o nascimento. 2- O período da sexualidade é longo e
complexo até chegar à sexualidade adulta, na qual as funções de reprodução e de obtenção
de prazer podem estar associadas, tanto no homem como na mulher. 3- A libido, nas
palavras de Freud, é a “energia dos instintos sexuais e só deles” (FREUD, 1905). Portanto,
a pulsão, cuja energia é a libido, se traduz como uma exigência de trabalho imposta ao
psiquismo em função de sua relação com o corpo, sendo a inscrição do psiquismo no
registro do corpo.
Ainda nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905), partindo da
análise das inversões e das perversões, mostra como o objeto da pulsão sexual é contingente
e como seus alvos são vários. A pulsão sexual, portanto, se compõe de várias pulsões
parciais e estas se definem por suas fontes e seus alvos e incluem não só as pulsões oral, anal
e fálica, mas também a pulsão de ver e a pulsão sádica.
Desde essa época, Freud
considerava a dor como uma possível fonte de excitação sexual.
61
Em 1915, Freud publica A pulsão e seus destinos, o primeiro de seus cinco ensaios
metapsicológicos, no qual situa o conceito de pulsão como um conceito de fronteira entre o
psíquico e o somático, ou seja, como representante psíquico dos estímulos que provêm do
interior do corpo e alcançam a mente. O autor, naquele trabalho, propõe-se a fazer uma
recapitulação do conceito de pulsão, buscando-a inicialmente na ideia de estímulo, fornecida
pela fisiologia, e no esquema do arco reflexo. A princípio, pensa na pulsão como um
estímulo para o psíquico, mas logo percebe que existem estímulos para o psíquico que não
podem ser chamados de pulsão.
Na ocasião, Freud usa o modelo termodinâmico para falar do aparelho psíquico, um
sistema de transformação de energia, que produz trabalho e perdas. O aparelho psíquico,
segundo ele, é constituído para lidar com excitações, com intensidades. Freud (1915) parte
de uma premissa biológica, que trabalha com o conceito de tendência e se enuncia do
seguinte modo: “O sistema nervoso é um aparelho ao qual foi conferida a função de livrar-se
dos estímulos que lhe chegam, de reduzi-los a um nível tão baixo quanto possível, ou, se
fosse possível, de manter-se absolutamente livre dos estímulos” (p. 147).
Freud (1915) define quatro conceitos auxiliares, que servem para caracterizar esse
conceito de pulsão: 1- A fonte “Quelle”, que é o processo somático que dá origem à pulsão.
Trata-se de uma excitação proveniente do corpo e manifesta-se no aparelho psíquico como
uma pressão que busca descarga, o que leva a investir a representação de um objeto e a
percebê-lo, para poder realizar, junto a este objeto, o alvo que proporcionará uma satisfação;
2- O Alvo “Ziel” traduzido como fim, objetivo ou meta; 3- O objeto “object” é o que há de
mais variável na pulsão, uma quantidade variável de objetos é capaz de apaziguar a pulsão,
sendo aquilo que junto à pulsão pode atingir seu alvo, podendo ser um objeto externo, uma
parte do próprio corpo ou representações forjadas pela fantasia; 4- Pressão “Drang”,
considerada o fator motor da pulsão, a soma da força ou a medida de exigência de trabalho
que ela representa.
Na época, Freud (1915) reuniu as pulsões em dois grupos: as pulsões de
autoconservação (ou pulsões do eu) e as pulsões sexuais. As pulsões sexuais são numerosas,
surgem de diversas fontes orgânicas e atuam a princípio independentemente umas das
outras. Seu alvo é o prazer do órgão “organlust”. Descreve que uma parte das pulsões
sexuais está ligada às pulsões de autoconservação, dando-lhes componentes libidinais. Isso
ocorre quando uma pessoa come, levando-nos a, desta forma, distinguir conceitualmente a
pulsão alimentar (autoconservação), cujo alvo é a ingestão de alimento, e a pulsão sexual
(oral), cujo alvo é o prazer da zona erógena oral.
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Além disso, Freud (1915) usa a expressão pulsões de conservação do eu “Triebe der
Icharhaltung”
como
equivalente
das
expressões
pulsões
de
autoconservação
“Selbsterhaltungstriebe”, visando ambas à conservação de si mesmas, e não à reprodução. Já
as pulsões sexuais visam à conservação da espécie.
O segundo conceito de pulsão escrito por Freud surge a partir de Mais além do
princípio do prazer (1920), em que o autor retrata que as pulsões de vida (Eros) e de morte
(Tanatos) passam a ser princípios gerais que regem o funcionamento da vida psíquica e de
toda a vida orgânica existentes (animais, vegetais e organismos unicelulares). Trata-se de
um conceito mais amplo, no qual a pulsão de vida é conhecida como tendência à
aproximação, unificação entre os seres vivos, ao contrário da pulsão de morte, que é vista
como tendência à separação e à destruição. Esclarece o autor que o objetivo das pulsões de
vida é estabelecer unidades cada vez maiores e assim preservá--las. Já as pulsões de morte
visam restabelecer a vida ao estado inorgânico e explicam as tendências agressivas que
levam o homem a propagar o sofrimento a si próprio.
A observação de fenômenos como o da compulsão à repetição, encontrada nas
brincadeiras infantis, na neurose de transferência e nas neuroses de guerra; da ambivalência,
das manifestações da agressividade, do sadismo, do masoquismo, do ódio fazem Freud
(1920) teorizar a respeito da existência do que chamou de uma “força demoníaca” no
interior da vida, algo que se opunha ao princípio do prazer. Em função disso, a compulsão à
repetição vai se apresentando para ele como fazendo parte da essência pulsional, uma força
que pode suspender, mesmo que temporariamente, a ideia de que o princípio do prazer
domina totalmente o aparelho psíquico. A repetição o leva a observar o aspecto regressivo e
conservador da pulsão e o faz pensar na pulsão de morte como a pulsão por excelência.
As teorias freudianas sempre vão falar de um dualismo psíquico, pois não existe
aparelho psíquico sem dualidade. Desta forma, ambas as teorias da pulsão propostas por
Freud são dualistas – na primeira, a oposição central é entre pulsões sexuais e do eu; na
segunda, entre pulsões de vida, que englobam as duas categorias citadas na primeira, e
pulsão de morte.
Para Freud (1915), as pulsões são numerosas, provêm de inúmeras fontes orgânicas,
exercem de início sua atividade independentemente uma das outras e só bem mais tarde são
unidas em uma síntese. Elas podem ter quatro destinos: 1- A transformação no contrário:
este destino implica dois movimentos diferentes, porém complementares da pulsão, o
deslocamento da atividade para a passividade e a mudança de conteúdo. Os melhores
exemplos são os opostos: sadismo / masoquismo e exibicionismo / voyeurismo. Freud traz a
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ideia de que a pulsão se conjuga em três vozes gramaticais: Ativa, eu bato; a reflexiva, eu
me bato; e a passiva, eu sou batido. 2- Retorno ao próprio eu é o objetivo final de toda
pulsão: retornar ao próprio eu. 3- Sublimação: Freud conceituou o termo em 1905 para dar
conta de um tipo particular de atividade humana (criação artística, literária, intelectual) que
não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão
sexual, na medida em que esta se desloca para um alvo não sexual, investindo objetos
socialmente valorizados. 4- Recalque: processo que tem por objetivo manter no inconsciente
todas as ideias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer a
uma instância psíquica, provocaria desprazer a outra. Freud considera que o recalque
primário funda o inconsciente, mas a ele não temos acesso, só aos secundários, que ele
chama de recalque propriamente dito.
Após descrever o conceito de pulsão e analisar os relatos dos sujeitos entrevistados,
observei que a pulsão de vida – que tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade,
o desejo de se desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia
humana para a busca da autoconservação – se fez presente na fala desses sujeitos que
enfrentaram o desafio do tratamento, lutaram pela possibilidade de cura da doença e
sobreviveram ao TCTH e a DECH. Assim, na tentativa de responder ao objetivo primordial
desse trabalho, trago breves relatos dos sobreviventes, nos quais a pulsão de vida aparece
desde a descoberta da doença, ao tomar ciência do diagnóstico, caracterizando-se como um
dos fatores que contribuíram para o enfretamento da doença:
“...em verdade, ninguém recebe a notícia do diagnóstico de câncer dizendo que
recebeu um prêmio, mas assim que eu recebi a notícia, eu fiquei triste como
qualquer ser humano ficaria, mas na mesma hora me veio à cabeça, espera aí, se
eu estiver com câncer mesmo e a vida vai encurtar, então eu vou tentar viver da
melhor forma possível. Em nenhum momento eu me deixei vencer! Apesar de
ter chegado a 32 Kg de peso, eu achava que eu ia vencer a doença, como venci!”.
(Branco)
“Quando eu descobri a leucemia, o médico tentou não me dá a notícia naquela
hora e eu disse Dr., pelo amor de DEUS, não sou criança e eu acho que o meu
nível cultural e social não é diferente do seu, eu sei que o Sr. está tentando me
dizer alguma coisa, está dando volta e eu gosto de ter certeza do que tenho. O que
eu tenho é grave? É um câncer? E ele me respondeu que eu estava sendo
precipitado e me perguntou: E se for um câncer, como você agiria? Eu respondi:
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Dr. O Sr. Já me deu o diagnóstico. Eu estou com câncer e não sei se é curável
ou incurável, mas se for curável eu vou tratar”. (Branco)
“Eu sempre fui positivo. Sempre acreditei no transplante. Sempre achei que ia
dar certo. A primeira consulta que tive com o médico, eu perguntei: Quais são
minhas chances com o transplante?... e eu falei então vamos cair dentro! Eu
sempre acreditei e nunca pensei no lado do contra. Eu me preparei
psicologicamente para enfrentar o transplante e tive muita motivação”. (Azul)
“Eu vou encarar até o fim... se a minha oportunidade for um por cento, eu vou
me agarrar nesse um por cento. A minha porcentagem de sobrevida era muito
pequena, eu arrisquei e não me arrependo. Eu aconselho que todas as pessoas
façam a mesma coisa”. (Branco).
“Não vou desistir nunca, eu tô aí pra lutar”. (Rosa).
“A gente não tem que se abater com nada. Eu acho que para tudo tem um jeito na
vida. A gente tem que acreditar e seguir em frente. Para mim eu penso em
melhorar cada vez mais”. (Verde)
“Acho que é a maior covardia a pessoa fugir daquilo que vem pela frente”.
(Azul)
“Antes do transplante eu tinha muitos sonhos e eu acreditava que poderia fazer
muitas coisas, sabe? Isso tem que ser feito eu sou capaz e vou fazer! Eu sempre
quis fazer as coisas e as pessoas diziam para mim, isso não tem sentido! você não
vai conseguir fazer isso! E eu falava... Eu vou conseguir! E eu também sou do
signo de touro, sou determinada, eu bato na mesma tecla... eu fico falando, eu
vou fazer, eu vou fazer, eu vou fazer, até fazer. Meu filho falava que eu sou
muito bruxa, porque tudo o que eu dizia que vou fazer, vou fazer mesmo!”.
(Lilás)
Ficou evidente na fala dos sujeitos que a pulsão de vida se fez presente, ajudando na
recuperação e no enfrentamento da doença. Outro fato que considerei relevante foi a noção
de hereditariedade e o senso de realidade na fala dos sobreviventes. Em suas palavras:
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“Não relaciono a doença a nenhum fato traumático vivenciado. Eu me surpreendi
quando eu tive a notícia da doença, mas não me assustei, porque eu na verdade
nunca tinha sentido nem dor de dente, nem dor de cabeça eu sentia. Eu sempre fui
muito bem humorado, estou sempre sorrindo, brincando, mas eu não atribuo à
doença ou a problema psicológico. Eu acho que isso deve ser porque minha mãe
faleceu de câncer, minha avó de câncer, meu irmão de câncer, a família toda
morreu de câncer. E em bananeira não dá coco, vai dar banana e eu acho que
herdei essa parte – o câncer”. (Branco).
Um dos sujeitos entrevistados refere à relevância do fator econômico, social e afetivo
no enfrentamento da doença, abordando a questão da alimentação e da higiene, deixando
caracterizado o modelo de atenção integral à saúde proposto na 8ª Conferência Nacional de
Saúde, conforme abordei no primeiro capítulo. Ele destaca o papel das condições de vida,
dos fatores socioeconômicos e do amparo global durante o adoecimento. Além disso, afirma
a importância da família no processo de tratamento, a força do pensamento e principalmente
a vontade de viver que ajuda a superar os desafios do TCTH. Suas palavras:
“Eu acho que o fator econômico ajuda a vencer a doença. Isso não é uma
doença para pobre não, porque o tratamento é caro, você depende de uma
alimentação balanceada, o setor de higiene adequado, precisa de ter pessoas
para lhe dar uma retaguarda e o carinho. Isso eu sempre tive na minha casa,
muito carinho. Para se viver é preciso ter vontade de viver, nunca fazer o mal, ter
o dom da piedade, da fortaleza, do perdão, eu acho que isso ajuda a viver. Eu
acredito muito que é a força da nossa mente que ajuda a superar uma série de
coisas. Ora, se eu me levanto bem humorado, se eu não me deixo abater por tão
pouco, se eu não tenho medo das coisas, meu corpo vai se manter estável. A
doença dá dor, dá mal estar, mas espera aí, o que eu posso fazer para melhorar?”.
(Branco).
Nos relatos apresentados dos sobreviventes ao TCTH e a DECH, fica evidente que a
doença é um processo extremamente difícil e doloroso, mas é um desafio possível de ser
enfrentado e superado.
A pulsão de vida se fez presente na fala dos sujeitos, que
demonstraram positividade, fé, coragem no enfrentamento da doença e, acima de tudo,
vontade de viver. Outra questão abordada foi a importância da família e dos amigos para o
sucesso do tratamento, ressaltando que em momento algum os sujeitos fugiram da realidade.
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3.2- Relatos de sofrimento, angústia, dor, medo e morte
Como já falei anteriormente, o TCTH e a DECH estão diretamente relacionados ao
sofrimento humano e, desta forma, não poderia deixar de citar Freud, em O Mal- -estar
da civilização (1929), quando afirma que a vida é árdua demais para nós, que ela nos
proporciona muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. Além disso, Freud diz que
o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à
decadência e à dissolução; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de
destruição esmagadoras e impiedosas; e de nossos relacionamentos com os outros homens.
Ao realizar o TCTH e ser acometido pela DECH, o paciente passa por um sofrimento
imenso, que vai além da dimensão física e que provém das três dimensões relatadas por
Freud. Para exemplificar, apresentarei relatos dos sujeitos que sobreviveram à DECH e que
demonstraram o seu sofrimento. O primeiro relata uma angústia imensa, que ele próprio não
sabe identificar de onde vinha. Em suas palavras:
“Quando você descobre que está doente... é difícil falar, por que a gente acaba
adquirindo traumas, porque agente passa por momentos difíceis, a gente vê
pessoas da nossa família sofrendo, a gente não sabe se vai sobreviver, o que vai
acontecer amanhã, a gente fica ansioso, entendeu? Então, a gente acaba
adquirindo uma preocupação a mais e quando eu estava
doente, fazendo
quimioterapia, eu senti muita angústia, muita tristeza, sabe eu não sei de onde
vinha. Muita angústia mesmo! E eu não sei se a angústia era por saber que eu
estava a um passo de morrer, sabe?
Então, a gente quando passa por um
momento difícil, grave, eu posso dizer com minha experiência quando me vi
diante da morte, é uma angústia enorme, é um medo enorme e se você ficar
sozinho é pior ainda. Isso só alivia quando você está com alguém próximo, ou
quando você chora, fala, desabafa....”. (Verde)
Ficam caracterizadas nessa fala a questão do desamparo fundamental 7 e a
necessidade de o sujeito ter ao seu lado um familiar, um amigo, ou até mesmo um
profissional de saúde, pois ele entende que a sua dor e o seu sofrimento só se amenizam na
presença do outro, com o qual ele poderá falar sobre os seus sentimento e desabafar.
Tendo em vista que objetivo desta pesquisa visa compreender o processo do adoecer e
7 Termo denominado por Freud (1929) ao dizer que o ser humano não pode se manter vivo sem a ordem
familiar e social, o que decorre da própria condição de seu nascimento. O bebê humano precisa de alguém, um
Outro que perpetre a ação específica necessária à sua sobrevivência.
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morrer dos pacientes que enfrentaram a DECH, considerei importante no primeiro capítulo
deste trabalho descrever as cinco fases identificadas por Kübler–Ross (1991) nos períodos
que antecedem a morte8. Após ter realizado entrevistas semiestruturadas da história de vida,
vou citar algumas falas desses sujeitos que enfrentaram o processo de adoecer e vivenciaram
a possibilidade de morte iminente.
A fase identificada por Kübler Ross (1991) – que ficou representada na fala dos
sujeitos entrevistados – foi a aceitação, que se deu na medida em que os pacientes já
passaram por todos os estágios anteriores. Segundo a autora, essa fase representa o culminar
de todas as reações emocionais do doente. Descrevo, abaixo, o relato de uma paciente que,
ao falar de seu sofrimento durante o processo de tratamento, refere que a dor física não
existe, retratando medo e incerteza quanto ao seu futuro e a aceitação da própria morte:
“Aí no hospital eu tive oportunidade de tomar morfina, aí a dor passa. A gente
perde o medo da dor física. A dor física não existe! O que é a dor física? Hoje
existem medicamentos para qualquer tipo de dor, mesmo que seja uma dose
muito forte. A dor física, no meu ponto de vista, após o uso da medicação, deixa
de existir. O medo que começa a existir é a incerteza. O que vai ser de mim? O
que vai acontecer? O que é a vida? O que é a morte? O que fica é a experiência
que eu tive de estar morrendo... eu lembro da minha irmã chorando, se
despedindo de mim e a médica informando que eu estava morrendo e eu dizia:
Gente eu estou aqui! Ninguém me via... Eu dizia... eu estou aqui, eu estou bem,
então a sensação que me dá é a de aceitar a morte. Mas eu não sei se vai existir
céu, ou se vai existir inferno, então eu quero estar preparada para essa hora,
porque eu sei que essa hora vai acontecer”. (Lilás)
“Eu não tenho medo de morrer... eu tenho medo de morrer e saber que as
pessoas que amo vão sofrer, isso passa na minha cabeça”. (Verde)
“A vida tá difícil! Não é fácil ser transplantada, mas eu estou aceitando. A pessoa
que convive com a doença durante muitos anos, ela já passou por tanto
sofrimento, por tantos momentos difíceis, ela já viu tanto sofrimento, que aí
agente diz que a morte vai apenas acabar com o sofrimento. E quando agente
olha para traz, diz, eu já tive um corpo de bebê, eu já tive um corpo de criança,
corpinho de adolescente, hoje eu tenho um corpo de idade adulta e daqui a pouco
8 Fases: negação e isolamento, raiva, negociação, depressão e aceitação. 68
vou ter um corpo da terceira idade. É um processo que tá sempre mudando. O que
é isso, que tá além do corpo? O que tá além da morte? Tem que ter alguma
coisa que transcende isso tudo! Eu acho que a gente vai perdendo o medo da
morte. Uma pessoa que tá sofrendo muito... começa a pensar, se eu morrer hoje,
minha mãe não precisa mais vir ao hospital, não precisa mais passar por aquilo
tudo. A pessoa não tem que viver em função dos outros. E quando a gente tá no
hospital, a gente vive dependendo do outro, então tem uma hora que isso tem que
acabar”. (Rosa)
“O problema para mim não é morrer, porque morrer todos nós vamos morrer. O
problema é o estar morrendo, é senti que está morrendo. Isso que é um
processo doloroso, mas no meu ponto de vista, é um processo que enriquece
agente. A gente começa a ver que é só o corpo que está morrendo. Aí agente vai
se preparando para isso, a gente vai se desapegando”. (Lilás)
“Não tenho medo da morte, eu encaro a morte como um caminho para outro
mundo, não sei se existe um mundo depois desse, mas acho que todos nós
estamos aqui para contemplar esse planeta e quando for determinado por DEUS e
chegar minha hora eu vou embora. Eu tive a beira da morte e é um processo
doloroso, é ruim, mas e o pior de tudo não é o que a gente tá sentido ali. O pior
de tudo, se você quer mesmo saber, é vê as pessoas morrerem na nossa frente”.
(Branco)
“Desde pequenininho a gente aprende que a vida não é só isso, mas a gente acha
então é o que mais? Ninguém sabe! Ninguém morreu! Então quando a gente faz
um transplante e tem aquela sensação, morri, não morri, tô morrendo, não tô
morrendo, a sensação que dá, é que o corpo vai morrer , mas eu não vou
morrer. O que nasce é o corpo, o que morre é o corpo. O eu sou a vida e a vida
vai continuar. E as vezes é isso que me desesperava, quando eu sentia isso no
transplante, era imaginar que eu ia tá ali. Ia ver meu filho, mas não ia ter meu
corpo pra chegar e falar assim... meu filho não faça essa bobagem... meu filho
você tá com fome?... aí eu ia ver, mas não ia ter meu corpo para interagir”. (Lilás)
Nesses relatos, além da aceitação da própria morte, três fatos me chamaram atenção:
a preocupação com entes queridos que possam vir a sofrer com sua ausência e o receio em
ser um peso para os familiares; o apego a DEUS, como caminho para outro mundo; e,
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principalmente, o processo de adoecimento como um processo enriquecedor. A principal
categoria de relevância que é comum a quase todas as narrativas anteriores é a “experiência
de estar morrendo”. Esta experiência é descrita de um modo diferente por cada sujeito: um
aponta a insegurança e fica reflexivo, pergunta-se sobre o que é viver e o que é morrer; outro
diz que o pior é ver outra pessoa morrer, já que é inimaginável testemunhar a própria morte;
outra pessoa descobre uma continuidade na existência e percebe a mutação dos corpos da
infância à velhice, o que o leva a interrogar sobre a “transcendência do corpo”, deixando
implícita a noção de que é possível existir para além do corpo; essa suspeita da continuidade
da existência reaparece na última narrativa, quando uma pessoa diz “eu sou a vida e a vida
vai continuar”. Tal suposição de continuidade da vida coloca o estudo numa fronteira com as
religiões que cuidam da ideia de vida após a morte, tema que foge ao escopo deste trabalho.
Entretanto é contundente a sensação de alguns de que são uma essência que está além do
corpo. A seguir, apresentarei relatos de experiências dos pacientes, tentando mostrar seus
limites funcionais e o processo de adaptação às novas condições impostas pela doença.
3.3- Adaptação a novas condições, limites e possibilidades funcionais
O TCTH é uma experiência individual, em que cada paciente terá sua própria
trajetória da doença e de recuperação de acordo com sua história clínica, seus recursos
econômicos e suporte social. Entretanto, as limitações vivenciadas no pós-TCTH imediato
representam um grande desafio para todos, especialmente quando diagnosticada a DECH.
Nessa fase as consultas são frequentes e as recomendações são muitas, como permanecer em
ambiente limpo, não dirigir, não comer comidas cruas, só tomar água fervida, não frequentar
igrejas, shopping ou qualquer outro lugar fechado com aglomeração de pessoas, não se
expor ao sol, não manter contato com animais, dentre outras que acabam limitando a
obtenção de um bem-estar.
Cabe ressaltar, entretanto, que os pacientes entrevistados neste estudo, possuem em
média oito anos pós-transplante. Desta forma, já enfrentaram um longo tempo de luta contra
a doença e de seus efeitos adversos. Todos tiveram boa adesão ao tratamento, enfrentaram e
sobreviveram à DECH. O que me chama atenção é a capacidade de esses sujeitos
encontrarem um sentido positivo para além do diagnóstico e de perceberem ganhos no
processo de adoecimento, tais como: ter maior apreço pela vida; renovar sua fé, fazendo
70
sentir-se mais perto de DEUS; aumentar sua força interior; melhorar as relações familiares e
sociais e adquirir uma sensação de gratidão para com a equipe de saúde.
Esse fato confirma a ideia de Canguilhem (1990, p.149) ao dizer que “a doença não é
uma variação da dimensão da saúde; ela é uma nova dimensão da vida”. Portanto, é
necessário, em qualquer interpretação de sintomas patológicos, levar em consideração o
aspecto negativo e o aspecto positivo que é atribuído à doença e a seus efeitos. A seguir,
exemplificarei o que o adoecer e o transplante trouxeram como aprendizagem na vida, a
partir dos relatos dos próprios pacientes:
“Eu era menos tolerante, era extremamente vaidoso... fiz coisas erradas, mas um
erro a gente não conserta, apaga. Hoje sou divorciado, mas na realidade eu nunca
me separei dela. Só que quando ela me desafiou, você vê como é a burrice e a
intolerância... ela tinha razão, mas nós nos gostamos e divorciados as brigas
diminuíram. Eu passei a ter muito mais tolerância e a entender que também nos
momentos difíceis da minha vida ela se fez presente, me deu amparo, me deu
ajuda, me deu força. Eu sou meio careta e nos momentos de maior aflição eu
procuro escrever aquilo que eu penso. “Um apelo a DEUS, faça de mim um
homem bom e me dê sabedoria para continuar”. (Branco)
“Eu acho que tudo o que o transplante deixou bem claro na minha vida, é
assim como se eu tivesse subido um degrau... uma consciência. É uma coisa,
assim muito, muito sutil, muito difícil de falar.
Entendeu?
É muito difícil
expressar isso, mas eu acho que agente nasce sabendo que um dia vai morrer, mas
a gente vive como se agente esquecesse essa verdade. Eu aprendi a dar mais
valor a vida. A gente vive valorizando pequenas coisas... minha caneta, meu
lápis. Quando a gente chega perto da morte, a gente fala, não, olha, ela existe
mesmo, é verdade! E quando a gente chega muito perto da morte, que é no caso
do transplante, porque eu acho que no transplante de medula, agente morre
para reviver mesmo. A gente morre de certa forma, então dá uma noção
diferente, dá uma noção que com o transplante eu aprendi que eu sou a vida, se eu
morrer, eu vou continuar de alguma forma. Então, agente começa a se desapegar
um pouco mais das coisas materiais, e ter uma visão mais de além. (Lilás)
“E o que eu atribuo de melhor na minha vida, com essa doença, foi ter parado
aqui no Fundão. Aqui eu encontrei não foi médico, não foi enfermeiro, não foi
71
assistente social, eu até me emociono, porque na realidade eu encontrei foi
“anjos”. Pessoas que se dedicam realmente a isso aqui dá muito carinho, dá
muita assistência”. (Branco)
As narrativas anteriores destacam a vivência de crescimento e a tomada de
consciência de como as situações limites impostas pela doença, o risco de morte e o
transplante podem ser experimentados como transformadoras do sujeito. Uma nova
perspectiva da própria vida surge quando se está diante do risco de perdê-la; e, de outro
lado, o transplante é representado como uma segunda chance. Em certa medida, o
transplante opera uma “morte” simbólica de um sujeito, que se percebe outro, diferente,
modificado, como se tivesse subido um degrau na escala de maturidade e lhe fizesse dar
mais valor à vida. Por fim, o último relato reúne a vivência de gratidão que atravessa um
sujeito que se sentiu efetivamente cuidado.
Surgem limitações que são decorrentes do transplante e que aparecem nos relatos dos
sobreviventes, desde uma simples rotina doméstica, que pode ser interpretada de forma
subjetiva, até um processo de aposentadoria por invalidez. O que está em jogo em ambos os
casos é ter que lidar com a redução da funcionalidade, descobrir-se em condições de vida
mais limitadas, deixar de poder fazer tarefas simples, deixar de poder dar continuidade a
uma rotina de trabalho, todas elas vivenciadas como perdas pessoais e sociais. Vejamos os
relatos:
“Uma vez eu tinha uma pilha de roupas para lavar, eu não tinha energia para lavar
e a roupa foi acumulando. Aí eu fui fazer orçamento para lavar e era equivalente
a 50% do valor da máquina. Então, um dia eu acordei chorando, com uma tristeza
muito grande e falei para a doutora, que eu estava muito triste porque eu não
conseguia estender roupas e ela me perguntou se eu me incomodava com isso,
pois ela não estendia roupa e isso não era importante para ela. Eu respondi que
precisava fazer para me sentir feliz. Então ela me encaminhou para o psiquiatra e
em consulta eu comecei a entender que o meu problema não era a máquina
quebrada... o meu problema não era o dinheiro... Que existem problemas que
nem eu mesma consigo ver, então a gente precisa de ajuda profissional”.
(Lilás)
72
“Logo que eu tive o diagnóstico da doença, isso me deu muita raiva9. Eu dizia, eu
não estou inválida... eu estou em processo de recuperação, mas ao mesmo tempo
tinha que respeitar o que os médicos falavam. Então eu fiquei muito triste, e por
intercorrência do transplante, devido à DECH, eu entrei no processo de
aposentadoria por invalidez”. (Lilás)
Outra questão que se fez presente nos relatos dos sobreviventes ao tentar se adaptar
às novas condições impostas pela fragilidade física foi o tempo. Percebi que eles viram a
necessidade de viver dia após dia e, para alcançar seus objetivos, fazem planos em curto
prazo e aceitam os seus limites funcionais, como mostram os relatos:
“Depois que eu fiquei doente eu parei tudo, mas agora eu acredito que eu vou
conseguir planejar o que eu planejava antes de ficar doente, mas eu sei que é
algo mais lento, né?”. (Azul)
“Sou pós-graduada e assisto aulas de mestrado como ouvinte, mas não faço a
prova do mestrado, porque sei que terei tempo para concluir. Eu não tenho
condições de manter aquele ritmo de estresse. Dessa forma, Já estou há quatro
anos como ouvinte e pretendo ficar o quanto quiser, o quanto for interessante para
mim. Para mim, é prazerosa aquela coisa de estar participando, eu faço matéria
apenas uma vez por semana, só nas segundas feiras, onde pego os textos e vou
lendo no meu tempo. Os textos são em inglês e eu tenho dificuldade de
entender, minha vista fica cansada, então eu leio uma página hoje, descanso,
boto colírio, e assim vou, no meu tempo. Então, dá pra sonhar? vamos sonhar!
Quero viver cada dia. Porque também se eu entro na responsabilidade de fazer o
mestrado, eu vou ficar estressada e fica difícil conciliar tudo. Meu objetivo é
acrescentar conhecimento. Eu queria terminar esse mestrado, mas ao mesmo
tempo eu aceito se isso não acontecer”. (Lilás)
Outra limitação encontrada pelos pacientes é a de encontrar um doador. Lembramos
que a DECH só é adquirida no pós-transplante alogênico e este é realizado através da doação
de medula óssea, podendo ser de doador aparentado ou de banco de medula óssea. Além
disso, a doação é voluntária, não podendo ser comercializada. Desta forma, o paciente fica
9 Segunda fases identificadas por Kübler–Ross (1991) nos períodos que antecedem a morte.
73
na expectativa de encontrar um possível doador, gerando uma sensação de impotência,
fragilidade e até de aceitação da própria morte. Isso fica claro no relato a seguir:
“Antes do transplante eu achava que gastar dinheiro com farmácia dava muita
tristeza. Dizia que era bem melhor gastar R$ 200,00 num restaurante, porque
agente gasta com prazer. Então eu me deparei numa fila de transplante e se o
transplante custasse R$ 200.000,00 eu ia dizer: Oba! Compra! Quanto custa?
Quanto é para fazer? Não custa! Não existe a venda! Aí você diz assim, puxa é
melhor ter uma doença que você tenha dinheiro para pagar. Hoje eu entendo que
quando a gente fica no leito de um hospital, dependendo de uma doação, então
agente fala assim, e agora? Eu não faço nada e tudo acontece ao meu redor... aí
eu começo a entender que as coisas não dependem tanto de mim. Lógico que eu
cultivo a mesma visão... quando eu quero colher uma coisa eu vou lá semear,
mas entendo que cabe a mim plantar, semear, mas colher não. Por mais que eu
queira um doador, por mais que eu tenha fé e acredite, não depende de mim.
Tinha momentos em que eu falava assim, se eu morrer vai ser melhor para o
meu filho, se eu morrer vai ser melhor para minha mãe, se eu morrer vai ser
melhor para minha família e eu tinha muita saudade do meu marido que tinha
acabado de morrer”. (Lilás)
Cabe ressaltar que “Lilás” relata ter conhecido outros pacientes com
indicação de realizar o transplante alogênico de células tronco hematopoéticas, que tinham
fé e acreditavam no procedimento, mas que não conseguiram um doador e faleceram em
virtude da doença. Essa paciente que sobreviveu se lembra da fala de um jovem que queria
servir no exército e que optou por colocar o cateter na virilha para ninguém saber que ele era
transplantado; e de uma jovem que tinha sonhos de terminar a faculdade, ambos tinham uma
vontade enorme de viver e não sobreviveram.
Com esse relato sinto a necessidade de registrar a importância da doação
de medula óssea, que é organizada pelo Registro de Doadores Voluntários de Medula Óssea
(REDOME), cuja função é cadastrar pessoas dispostas a doar. A seguir, abordarei qual foi a
maior motivação dos pacientes ao enfrentar a doença e quais os seus planos para o futuro.
74
3.4- Família, motivação, fé e planos futuros
Segundo Groeninga (2003, p. 125), a família pode ser definida como “um
caleidoscópio de relações que muda no tempo de sua constituição e consolidação em cada
geração, que se transforma com a evolução da cultura, de geração para geração”. É a célulamater da sociedade. Trata-se de um sistema de relações que se traduz em conceitos e
preconceitos, ideias e ideais, sonhos e realizações. Cada família se estrutura de forma
original, havendo uma divisão de tarefas, responsabilidades e poderes. Tem por finalidade a
proteção física e psíquica, dada pela qualidade de desamparo inerente ao ser humano e, desta
forma, embora sofra variações históricas, mantém-se essencialmente como instituição
estruturante do indivíduo, em função das diferenças entre os elementos que a compõem e
que determinam lugares que este ocupa. A família exerce funções diferentes, de acordo
como o ciclo vital, dentro do contexto histórico, social e cultural onde vive.
Ao entrevistar os sujeitos desta pesquisa, ficou evidente que a participação da família
no processo de tratamento é fundamental, além de ser ela a mola propulsora de motivação
para recuperação da saúde. Essas entrevistas me fizeram acreditar que, quando existe uma
razão maior para o enfrentamento do processo de adoecimento, seja através da fé, seja de
uma responsabilidade (trabalho/família), o medo tende a diminuir, levando o paciente a mais
facilmente superar as adversidades. Todos os pacientes entrevistados tiveram apoio familiar
e alguns relataram que em certos momentos a família sofre mais do que eles próprios. Desta
forma, cabe lembrar que o apoio psicossocial deve ser dado não só ao paciente, mas também
à família que participa efetivamente do processo de tratamento, pois se observa que, no
cotidiano, essas famílias – que vivenciam momentos tão difíceis – raramente encontram
apoio para si. De outro lado, vimos que alguns pacientes projetaram uma nova vida após o
transplante, considerando a vivência de que nasceram de novo e o fato de que todos
alimentam planos futuros, como veremos nos relatos a seguir:
“Minha motivação para superar a DECH, sem dúvida nenhuma, foi a
necessidade de educar meu filho. Eu olhava assim e dizia, ele é minha
responsabilidade, então eu pedia a DEUS sempre para eu estar ali...
acompanhando”. (Lilás)
“Antes do transplante eu pensava em crescer profissionalmente e agora estou
retornando e com uma grande perspectiva profissional. Eu quero melhorar a
75
qualidade de vida minha e da minha família. Quero estar ao lado do meu filho,
que hoje já está com 20 anos, quero ver o crescimento dele nos estudos e na
profissão. Penso em dias melhores para mim e para minha família. (Azul)
“Se DEUS me permiti, eu tenho um neto de 19 anos e se eu puder vê-lo casado e
com filho esse é o futuro que eu penso. Penso em continuar dando para a minha
família o melhor de mim e o conforto que eu sempre pude dar. Meu futuro está
galgado nos meus netos, pois eles na separação dos pais, não quiseram ficar nem
com o pai e nem com a mãe e sim comigo. Meus netos me fazem sentir uma
pessoa interessante”. (Branco)
“A minha maior motivação foram as pessoas que estavam em volta de mim,
meus amigos, meus familiares, aqui no hospital... toda a equipe que encontrei e
a DEUS que me deu muita força para enfrentar esse desafio”. (Azul)
“Eu mesmo no transplante não me deixei ter medo da doença e sempre achei que
o trabalho ia me ajudar a vencer essa barreira e realmente me ajudou”. (Verde)
“Claro que tenho planos para o futuro! No próximo dia 06/04 eu estarei
embarcando numa viagem para a Índia. Eu faço planos, mas eu não tenho apego
nos planos. Pode ser que aconteça alguma coisa e eu não consiga viajar. Eu
planejo as coisa, porque eu quero as coisas, eu faço a minha parte, mas não sei se
vou conseguir. Eu estou plantando, tudo o que eu quero eu estou plantando, mas
será que isso vai germinar? Será que eu vou colher esses frutos? Eu já paguei
minha viagem, já programei um monte de coisas, mas só DEUS sabe se agente
consegue, mas eu continuo acreditando”. (Lilás)
“O que me motivou foi a vontade de continuar ao lado dos meus filhos e minha
vontade de viver. Eu sempre entreguei a DEUS para que fosse feito o melhor.
Viver dependente da minha mãe no leito do hospital, porque também não podia
ficar sem acompanhamento era muito difícil. Especialmente para quem tá
acompanhando, especialmente para quem tá de fora. Eu acho que tem certos
momento em que a família sofre mais do que o próprio paciente”. (Rosa)
“A maior motivação é eu estar com a minha família, porque quando eu fiquei
doente eu comecei a enxergar coisas que eu não enxergava antes... comecei a dar
76
valor às coisas simples da vida, por exemplo, um momento simples de estar
almoçando com minha mãe. Além disso, acredito que foi DEUS que me fez
superar, mas a vida é difícil, a gente tem que encarar e sempre procurar dar a
volta por cima, apesar de qualquer problema e se superar”. (Verde)
“Eu sou um cara tão de bem com a vida e tão de bem com DEUS... que ou ELE
gosta muito de mim ou está me castigando para viver mais... se o castigo é viver
eu estou sendo castigado, mas estou gostando do castigo. ELE me deu a
oportunidade para fazer o transplante, onde as pessoas encontram dificuldade em
ter uma medula compatível, eu tive seis irmãos e três eram compatíveis comigo.
Inclusive meu irmão que era compatível comigo, morreu de câncer e eu não pude
doar nada para ele. Essa é a história que eu tenho a contar, feliz da vida... 11 anos
após o transplante e não sei quanto tempo mais vou viver, mas já foi gratificante
o que eu vivi”. (Branco)
O motivo para se viver, para se continuar vivendo depois do transplante, é
diversificado. Há quem se agarre à ideia de continuar a educação de um filho ou de um neto,
há quem se gratifique por receber ajuda de pessoas, há quem busque retomar o
aperfeiçoamento da vida profissional ou ainda fazer uma viagem dos sonhos, há quem se
gratifique pelos pequenos momentos cotidianos com a família e ainda há quem interrogue o
que o fez merecedor de viver ainda mais dez anos, apresentando a dualidade da vida: isso
seria prêmio ou castigo de Deus? Nas narrativas anteriores, vemos sujeitos altamente
desejantes, com uma grande capacidade de se gratificar com a vida e a existência, tendo
superado intensas tormentas, tendo sido testados em situações limites que oscilam entre as
pulsões de vida e as pulsões de morte. O que os aproxima é a capacidade de sobreviver e
reviver, quando muitos não resistiram e morreram.
Após apresentar os relatos desses pacientes, caracterizando a família, a fé e o
trabalho como motivadores para a recuperação dos sujeitos, apresentarei a seguir um relato
de experiência em grupo de pacientes pré, trans e pós-TCTH. Minha vivência profissional e
o mergulho na escuta de grupos preparatórios para o transplante e de transplantados será
agora retomada, nesse momento do trabalho. Essa é uma oportunidade para revisitar uma
prática que está registrada em arquivos de prontuário e reexaminá-la à luz da atual reflexão
crítica.
77
3.5- Grupo de Pacientes: um relato de experiência
Como já abordei no segundo capítulo deste trabalho, em março de 2004, com o
aumento progressivo do número de pacientes encaminhados ao programa de transplante, a
equipe de saúde sentiu a necessidade de oferecer um atendimento grupal a pacientes pré e
pós-TCTH (imediato e tardio) e seus respectivos familiares, tendo como objetivo primordial
propiciar um espaço para reflexão a respeito das repercussões da doença na vida de cada um,
permitindo que os pacientes compartilhassem as maneiras peculiares com que enfrentavam a
crise vital provocada pela doença e seus respectivos tratamentos.
O grupo proporcionava aos pacientes o desenvolvimento de novas maneiras de lidar
com a realização do TCTH, ampliando a rede de suporte social e reduzindo o impacto
emocional causado pela doença, tratamento e complicações, aumentando, dessa forma, sua
autoestima. O grupo foi criado como um mecanismo de participação dos usuários no
processo de tratamento e ele trazia a oportunidade tanto para a equipe técnica como para os
usuários, de socializarem o saber. Utilizávamos o instrumental técnico-operativo da
educação para a saúde, na medida em que esse processo de intervenção possibilita a
veiculação dos momentos e reflexões conscientes, proporcionando troca de informação e
experiências entre profissionais e usuários, estimulando questionamentos e produzindo
conhecimentos numa perspectiva de melhoria dos padrões de saúde.
O trabalho em grupo enfatizava a importância da abordagem interdisciplinar em
pacientes submetidos ao TCTH. Além da riqueza da troca de experiências entre pacientes, o
grupo propiciava o esclarecimento de informações capazes de serem compreendidas,
favorecendo uma expectativa mais “realista” da experiência do transplante nas suas diversas
etapas. Nossa proposta era gerada numa perspectiva democrática, respeitando o princípio de
liberdade e livre arbítrio, em que seguíamos uma rotina de nos apresentar e deixávamos que
os usuários falassem livremente e abertamente, tornando esse processo o mais tranquilo
possível. Experiências similares eram divididas, possibilitando a manutenção da esperança,
na medida em que os pacientes pós-transplante passavam a funcionar como “espelhos”
daqueles que aguardavam o procedimento. O medo da longa internação, da morte, de
possíveis recaídas, ansiedade e fantasias com relação ao transplante e suas consequências
eram temas recorrentes em nossas reuniões. O grupo também permitia a identificação
daqueles pacientes que demandavam atendimento psicológico/psiquiátrico individualizado e
o seu necessário encaminhamento.
78
Sendo extremamente politizados e conscientes dos seus direitos, em 2007 os usuários
do programa de TCTH, durante uma reunião em grupo, se uniram e comentaram a
dificuldade de obter medicação após alta hospitalar e, consequentemente, garantir uma
completa adesão ao tratamento de saúde.
Também se referiram ao TCTH como um
procedimento de alta complexidade e compararam o HUCFF com outras unidades de saúde
que realizavam esse procedimento pelo SUS no Rio de janeiro e que garantiam o
medicamento pré, trans e pós-transplante. Na ocasião, eles elaboraram um documento e
elegeram um representante. Esse documento foi encaminhado à Comissão de Direitos dos
Pacientes (CDP) e a Direção Geral do HUCFF/UFRJ, mas não tivemos resultado favorável,
pois esbarramos nos limites institucionais e nas carências das políticas públicas.
Os depoimentos que seguem são de pacientes que participaram do grupo e
desenvolveram uma transferência positiva, marcada por sentimentos ternos.
“O espírito que permeia o grupo é visível e faz parte do tratamento, onde a
presença do cuidador é de fundamental importância. O grupo socializa,
coletiviza, ajuda o paciente a ter uma leitura da real situação. Dá mais conforto e
segurança para os doentes, que acabam por se tornar amigos.” T.C.A.
“A reunião em grupo vale de muita ajuda e incentivo a nós que participamos,
pois pacientes pré-transplante, que se encontravam temerosos, ganharam
confiança por meio dos encontros; outros que pensavam em desistir mudaram de
ideia após ouvir testemunhos de incentivo para continuar o tratamento.” L.M.S.
“Participar das reuniões em grupo tem sido uma experiência notável, pois posso
falar para inúmeros pacientes, pré e pós-TCTH, o maior testemunho da minha
vida, vivido nesta unidade hospitalar. Observo a utilidade do grupo na vida das
pessoas e posso ver com meus olhos a reação positiva que acontece em suas
vidas. E também aprendo muito, com a troca de experiências com os pacientes, e
recebo carinho muito especial dos profissionais responsáveis por estas reuniões.
Isso melhora minha qualidade de vida e me faz sentir útil.” A.J.M.
“São muito importantes as reuniões, pois quando a gente chega para o transplante
existem muitas dúvidas e medo e, através das reuniões, os depoimentos vão te
deixando mais tranquila e tirando as dúvidas. Foi e continua sendo muito
interessante para mim.” M.J.T.
79
Lamentavelmente, o grupo se desfez, devido a vários fatores, cabendo destacar a
crise instalada no HUCFF e a morte da sua idealizadora, uma psiquiatra que acompanhava
as reuniões, sendo ela considerada a “alma do grupo”. Ela tinha o cuidado de dar a palavra a
todos os presentes, administrava o tempo de fala de cada um e identificava aqueles que
potencialmente necessitavam de um atendimento individualizado. Tinha uma preocupação
exagerada com o horário e, ao dar por encerrada as reuniões, dizia sempre que era bom
terminar com “esse gostinho de quero mais”. Sendo portadora de câncer, ela se apresentava
discreta e reservada, não queria falar e nem demonstrar sua fragilidade, sua doença. Um dia,
me falou sobre o tratamento quimioterápico que estava fazendo em um hospital particular e
disse que durante as sessões não tinha como dividir suas angústias com outras pessoas e
referia que um grupo dessa natureza alivia muito o sofrimento dos pacientes. Eu me
perguntava como ela conseguia ouvir as angústias, os medos e as ansiedades de pacientes
que estavam passando pelo mesmo processo de adoecer que ela e, ainda assim, dar força,
ânimo. Ela era impressionante... Tinha uma visão da morte, que me assustava. Lembro--me
de uma paciente jovem que faleceu por toxicidade no transplante e ela disse que a paciente
teve uma morte bonita, pois morreu fazendo aquilo que ela mais queria – TCTH. Eu tinha
dificuldade de entender o que era uma morte bonita. Lembro-me também de uma paciente
que, após várias recaídas, internou-se fora de possibilidade terapêutica e, sabendo que a
morte era inevitável e estava próxima, na beira do leito, lamentou a ausência da doutora e
me disse que ela seria a única pessoa que poderia lhe dar algum conforto naquele momento.
Foi trabalhando no nosso cotidiano com o processo de adoecer e morrer dos pacientes que
ela me indicou o livro A morte e o morrer de Elizabeth Kübler-Ross. Foi então que
entendi um pouco mais sobre este processo.
Tenho lembranças de momentos alegres que passamos juntas e gostaria de citar um
deles, quando fizemos uma pequena confraternização de Natal com os pacientes, seus
familiares e a equipe de saúde, durante a qual realizamos uma dinâmica em grupo chamada
“remédio para o coração”, que tinha como objetivo aprofundar relacionamentos, possibilitar
a autoajuda, companheirismo e, principalmente, celebração.
As cápsulas de remédio
distribuídas aos participantes continham mensagem de otimismo, fé, esperança, confiança,
luta, solidariedade e superação. Estas mensagens foram retiradas do site da ABRALE e
foram escritas por pacientes com doenças onco--hematológicas que superaram a doença,
havendo, portanto, uma identificação imediata dos participantes.
80
Enfim, ela era uma pessoa que conseguia dar o melhor de si, em momentos no qual
não se sentia particularmente preparada para isso, e se esforçava para que todos encarassem
a doença como um obstáculo possível de ser superado. Era uma médica notável, pois
sabia incluir esperança na receita de seus pacientes, sem, no entanto, fugir da
realidade. Deixou o exemplo para os profissionais de saúde que lidam com pacientes
graves, com a possibilidade de morte iminente.
No próximo capítulo, mostrarei os resultados do trabalho de campo, que teve como
principais instrumentos para coleta de dados a Ficha de Estudo Social (FES) e o questionário
de qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT). Além disso, apresento vinhetas clínicas
dos sujeitos entrevistados; e, por fim, situo algumas recomendações para a equipe de saúde.
81
CAPÍTULO: 4 Triangulação de dados quantitativos e qualitativos
“O homem enérgico e que é bem sucedido
é o que consegue transformar em
realidades as fantasias do desejo.”
Sigmund Freud
Diante da complexidade de fatores psicossociais que influenciam o enfretamento da
DECH, descrevo agora em maiores detalhes a metodologia quantitativa e dou um
fechamento ao método qualitativo, contrastando informações entre as abordagens, de modo
a compreender esta realidade estudada de vários ângulos. Enfoques teóricos no campo da
saúde e da psicanálise ajudam a nortear os conteúdos organizados através de uma
triangulação de métodos. No capítulo anterior, detalhei as entrevistas semiestruturadas e a
partir de agora vou apresentar o resultado do estudo retrospectivo de prontuários e do estudo
prospectivo com entrevistas estruturadas. Encerro o estudo com três vinhetas clínicas,
fazendo uma análise contextualizada de casos já apresentados no capítulo anterior. O
contraste final entre dados quantitativos e qualitativos permite um aprofundamento da
análise e articulação de resultados.
Um caminho de pesquisa quantitativo e qualitativo – parte II
1- Estudo retrospectivo da Ficha de Estudo Social (FES) - foi feito com 133 pacientes que
realizaram transplante alogênico (TCTH) no HUCFF/UFRJ, a totalidade de pacientes
acompanhados entre 2000 e 2010, tendo em vista que em 2010 o hospital deixou de realizar
esse tipo de transplante, passando a fazer apenas o transplante autólogo.
Procedimento: Ao longo de quinze anos, tive a oportunidade de acompanhar todos os casos
e, portanto, eu já havia entrevistado esses pacientes, atendidos durante a fase de tratamento e
de internação. De outro lado, o Serviço Social organizou o seu próprio banco de dados e as
entrevistas foram diretamente realizadas por mim ou foram feitas por alunas do Serviço
82
Social sob minha supervisão. Portanto, eu tive acesso a estes dados que representam uma
fonte segura e pude quantificá-los, dando-nos a dimensão do perfil clínico, socioeconômico
e cultural de toda a clientela atendida no HUCFF. Assim, nessa análise da totalidade da
amostra, teremos uma visão global dos pacientes submetidos ao transplante alogênico com
ou sem a DECH, que foram ou não a óbito, ao diagnóstico prévio e ao tipo de doador. A
visão global da totalidade de casos é uma estratégia de contextualização do estudo.
2- Estudo prospectivo com entrevistas estruturadas – utilizou-se o questionário FACT-BMT, uma Escala de Avaliação Funcional da Terapia de Câncer específica para a realidade
vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH (MC-QUELLON et al, 1997), com 28
pacientes que sobreviveram ao transplante alogênico.
Procedimento: O critério de escolha foi ser um sobrevivente (46). A exclusão de casos foi
motivada pelo fato de alguns morarem muito distante ou por não se ter conseguido fazer o
contato telefônico. A receptividade dos pacientes ao convite para a entrevista foi imediata;
afinal, tínhamos um forte vínculo construído e esse novo contato me emocionou bastante.
Assim, foi possível entrevistar 28 sobreviventes e constatar dados de dez pacientes que não
desenvolveram a DECH e dezoito pacientes que desenvolveram a DECH, de modo a refletir
sobre o impacto da DECH, um quadro clínico que prolonga o sofrimento do paciente e exige
dele uma adaptação a outras restrições funcionais. Aqui teremos uma visão sintética e
estratégica de fatores associados à qualidade de vida, tais como bem-estar físico, social,
familiar, emocional e funcional, satisfação sexual e preocupações adicionais.
3- Vinheta clínica - esta técnica faz uma contextualização do caso clínico na história de vida
do paciente, situando casos estudados no capítulo três, o que nos permite ampliar a
compreensão clínica e psicossocial do mesmo. Ela também nos ajuda a humanizar o
ancoramento de uma doença num sujeito singular em que sua relação pulsional com a vida e
com o seu corpo reflete a dinâmica entre a pulsão de morte e a pulsão de vida, o contraste
entre o desamparo e a capacidade de superação humana. Ela dá visibilidade a um ser
desejante, cuja travessia através da dor o fortaleceu, deixando ainda acesa a chama da vida,
marcada por uma incrível e inexplicável vontade de viver.
83
4.1- Perfil clínico dos sujeitos da pesquisa
O Programa de TCTH do HUCFF/UFRJ foi implantado em 1994 e, desde então,
realizou 643 transplantes, sendo 509 autólogos e 133 alogênicos. O primeiro transplante
alogênico foi realizado em 2000, dos quais 132 foram aparentados (doadores irmãos/ãs), um
não aparentado e um haploidêntico (ocorre quando a compatibilidade entre doador e
paciente é de apenas 50%, como ocorre quando o doador é um dos progenitores, por
exemplo).
Em 2009, devido à crise instalada na saúde pública do país, em especial nos hospitais
universitários, o HUCFF deixou de realizar TCTH alogênico, passando então a realizar
apenas o transplante autólogo.
Como disse anteriormente, todos os 133 pacientes que compuseram a amostra foram
entrevistados pelo Serviço Social durante o processo de tratamento, e os dados que
resultaram nessa análise estavam contidos na Ficha de Estudo Social (FES) que compõe o
prontuário. A FES contém dados de identificação dos sujeitos, sua configuração familiar,
situação de trabalho e previdenciária e os dados complementares com parecer social.
Além da análise global, vou correlacionar alguns traços entre os que sobreviveram e
os que morreram em virtude da doença, a fim de sistematizar as informações, codificando os
dados, tabulando as respostas de maior relevância e buscando compreender o impacto das
respostas que mais chamaram a atenção. Na tabela 1, descrita abaixo, identificou-se que dos
133 transplantes alogênicos realizados, 116 tiveram diagnóstico de neoplasia maligna
(87%), sendo que apenas 17 pacientes tiveram doenças não neoplásicas (13%). Entre as
neoplasias, tivemos 48 leucemias mieloides crônicas, 29 leucemias mieloides agudas, 16
linfomas não hodgkin, 12 leucemias linfoides agudas, nove doenças de hodgkin, uma
leucemia linfoide crônica e uma mieloma múltipla. Das doenças não neoplásicas tivemos
dez aplasias medulares, cinco mielodisplasias e duas mielofibroses. Neste estudo
retrospectivo de uma década (2000-2010), constatamos que 87 desses sujeitos foram a óbito,
havendo 46 sobreviventes.
Em relação à DECH, observa-se que a maioria dos sujeitos adquiriu a doença – um
total de 81 sujeitos (61%), dos quais 52 foram a óbito e 29 sobreviveram. Fazendo uma
comparação com os que não apresentaram DECH tivemos 52 pacientes (39%), sendo que 35
84
faleceram e 17 estão vivos. Ou seja, houve entre 36% e 33% de sobreviventes, com ou sem a
DECH. Não foi possível codificar as causas dos óbitos, pois elas são multifatoriais.
Tabela1:(Perfil(Clínico(dos(Sujeitos
133
n=133
%Total
Doador
Aparentado
Não4Aparentado
Haploidentico
131
1
1
98%
1%
1%
Diagnóstico
Neoplasia
Não4Neoplasia
116
17
87%
13%
Situação4Atual
Óbito
Vivo
87
46
65%
35%
Tem
81
Não4tem
52
DECH
Óbito
Vivo
Óbito
Vivo
52
29
35
17
64%
36%
67%
33%
4.2- Perfil socioeconômico e cultural dos sujeitos
Com o objetivo de traçar o perfil socioeconômico e cultural dos sujeitos que
realizaram transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas no HUCFF, optei por
dividir os dados em três tabelas: a área geográfica de origem (tabela 2); o perfil
socioeconômico (tabela 3) e a situação trabalhista e previdenciária dos sujeitos (tabela 4).
Inicialmente farei uma análise geral e logo após mostrarei uma correlação entre as categorias
de relevância do número total de pacientes (133) e do número de sobreviventes (46).
Na área geográfica de origem (tabela 2), observa-se que o programa de TCTH
atendeu pacientes oriundos de todo o país, inclusive um internacional, mas a predominância
foi dos pacientes que residem em outros municípios do Rio de Janeiro (44%), sendo que
85
apenas 6% do total residem na área programática AP3.1.10 da Secretaria Municipal de Saúde
(SMS) do Rio de Janeiro, na qual o HUCFF está inserido.
Embora ciente de que a causa morte é multifacetada, busquei fazer uma análise entre
os pacientes que sobreviveram e os que morreram durante esse período. Não encontrei
resultado significativo em relação a área geográfica de origem ao comparar os dois grupos,
mas considerei importante atentar ao significativo número de pacientes que residem em
outros municípios/estados. Acredito que esses pacientes encontraram dificuldade por estar
fora do seu domicílio e longe da família, especialmente no que se refere a falta de recursos
de hospedagem e transporte, fatores sociais que possivelmente podem ter prejudicado a
adesão ao tratamento de saúde. Destaco que o HUCFF não dispõe desse tipo de apoio e se
encontra situado em uma área repleta de comunidades carentes, o chamado Complexo da
Maré. Os pacientes que vinham de outros municípios/estados contavam apenas com o apoio
do Tratamento Fora do Domicílio (TFD) da Secretaria Municipal/Estadual de Saúde da
cidade/estado de origem. Desta forma, fica caracterizado, a necessidade de se articular
políticas setoriais – saúde e assistência social, a fim de garantir a integralidade da atenção à
saúde.
Tabela&2:&Área&geográfica&de&origem&dos&sujeitos
%realizaram%TCTH%(n=133)
Area%programática%3.1
outros%bairros
outros%municípios
outros%estados
outro%país
8
46
58
20
1
6%
35%
44%
15%
1%
vivo%(n=46)
%%%%%%%%%%1
%%%%%%%%%19
%%%%%%%%%20
%%%%%%%%%%6
%%%%%%%@
13%
41%
34%
30%
0%
óbito%(n=87)
%%%%%%%%%%7
%%%%%%%%%27
%%%%%%%%%38
%%%%%%%%%14
%%%%%%%%%%1
88%
59%
66%
70%
100%
Na tabela 3 apresento o perfil socioeconômico dos pacientes, subdividido em
categorias. Temos 80 homens e 53 mulheres. A idade que prevaleceu foi entre 30 e 49 anos,
mas nos chama atenção que 28% dos pacientes eram constituídos de jovens adultos (sete a
29 anos). Em relação ao estado civil, a maioria encontrava-se vivendo na companhia do
cônjuge por ocasião da coleta de dados (47%). O grau de instrução ficou caracterizado por
um expressivo número de pacientes (58) tendo apenas o ensino fundamental, além de dois
semianalfabetos. A renda familiar que predominou foi de até três salários mínimos,
10 Área programática (AP3.1) da SMS do Rio de Janeiro – engloba os bairros de Bonsucesso, Penha, Olaria, Ramos e Ilha do Governador .
86
perfazendo um total de 44%, sem contar com os pacientes que trabalhavam no mercado
informal e não tinham renda fixa (5%). A religião predominante foi a católica (53%).
Tabela&3:&Perfil&socioeconômico&dos&sujeitos
4realizaram4TCTH4
(n=133)
vivo4(n=46)
óbito4(n=87)
Sexo
feminino
masculino
53
80
40%
60%
444444444420
444444444426
38%
33%
444444444433
444444444454
62%
68%
74à4294anos
304à4494anos
>44504anos
37
66
30
28%
50%
23%
444444444416
444444444423
444444444447
43%
35%
23%
444444444421
444444444443
444444444423
57%
65%
77%
solteiro4(a)
casado4(a)4ou4união4estável
divorciado4(a)4ou4separado4(a)
viúvo4(a)
51
63
13
6
38%
47%
10%
5%
444444444419
444444444419
444444444447
444444444441
37%
30%
54%
17%
444444444432
444444444444
444444444446
444444444445
63%
70%
46%
83%
semi4analfabeto
ens.fundamental
ens.médio
ens.superior
não4informado
2
58
41
30
2
2%
44%
31%
23%
2%
44444444R
444444444423
444444444413
444444444449
444444444441
0%
40%
32%
30%
33%
444444444442
444444444434
444444444428
444444444421
444444444442
100%
60%
68%
70%
67%
até414SM
entre414e434SM
entre434e464SM
entre464e494SM
acima4de494SM
sem4renda4fixa
não4informado
23
36
23
12
24
7
8
17%
27%
17%
9%
18%
5%
6%
444444444448
444444444412
444444444410
444444444446
444444444446
444444444441
444444444443
35%
33%
43%
50%
25%
14%
38%
444444444415
444444444424
444444444413
444444444446
444444444418
444444444446
444444444445
65%
67%
57%
50%
75%
86%
63%
católico
evangélico
espírita
sem4religião
outras
não4informado
70
44
5
7
5
2
53%
33%
4%
5%
4%
2%
444444444421
444444444419
444444444443
444444444442
444444444441
44444444R
30%
43%
60%
29%
20%
0%
444444444449
444444444425
444444444442
444444444445
444444444444
444444444442
70%
57%
40%
71%
80%
100%
Faixa&etária
Estado&civil
Escolaridade
Renda&Familiar
Religião
Ainda em relação à tabela 3, ao fazer uma relação entre o número total de sujeitos
que realizaram o TCTH (133) e os sobreviventes (46), algumas categorias chamaram a
atenção. Na questão de gênero, tendo em vista que a porcentagem de homens (80%) que
realizou o TCTH era maior do que das mulheres (40%), observa-se, entretanto, um maior
percentual de sobrevida entre mulheres (38%) do que entre homens (33%). Portanto, as
mulheres sobreviveram mais ao TCTH. Com relação à faixa etária, observa-se um
87
percentual expressivo de sujeitos (50%) entre 30 e 49 anos de idade; em contrapartida, a
sobrevida de maior relevância foi nos jovens adultos, com idade entre sete e 29 anos (43%).
Em relação ao estado civil, a predominância entre os sujeitos que realizaram o transplante
ficou entre os casados ou com união estável (47%); entretanto, a sobrevida predominou
entre os solteiros (37%). A escolaridade foi uma categoria que não apresentou mudanças
significativas entre o total de transplantes realizados e os sobreviventes. Com relação à
renda familiar, a predominância do total dos pacientes tinha renda de até três salários
mínimos (44%); entretanto, a predominância dos sobreviventes ficou com renda familiar
entre três e seis salários mínimos (43%). Com relação à religião, a predominância do total
de transplantes realizados foi de católicos (53%); em contrapartida, a sobrevida ficou
predominantemente representada por evangélicos (47%).
Em síntese, a ocorrência de transplantes alogênicos predomina em homens, mas as
mulheres sobrevivem mais; predomina em adultos (30 a 49 anos), mas a sobrevida é maior
entre jovens e jovens adultos (sete a 29 anos); predomina entre os casados, embora os
solteiros tenham maior sobrevida; observam-se todos os níveis de escolaridade entre os que
foram a óbito ou sobreviveram; em relação à renda, observou-se um predomínio de pessoas
de baixa renda (até três salários mínimos), embora a maior sobrevida esteja entre aqueles
com uma renda média (na faixa de três a seis salários mínimos). Neste caso, chama atenção
uma alta mortalidade entre aqueles com rendas maiores (acima de nove salários mínimos).
Por fim, embora predomine a religião católica, a sobrevida foi maior entre os evangélicos.
Pode-se concluir que os fatores protetores correspondem a ser mulher, jovem ou adulto
jovem, solteiro, dispor de uma renda média e ter religião.
A tabela 4, abaixo, apresenta a situação trabalhista e previdenciária dos sujeitos, dos
quais 68% são inseridos no mercado de trabalho, sendo 45% empregados no mercado
formal, 11% trabalham como prestadores de serviço, 10% são profissionais liberais e 2% são
empregadores. Somente 28% não estão inseridos no mercado de trabalho, sendo 13% do lar,
8% de estudantes e 7% de desempregados. Do total, 5% não tinham informações. O vínculo
previdenciário predominante foi o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), com
62%, sendo que nos chama atenção o índice de 23% dos sujeitos sem vínculo
previdenciário. A grande maioria dos sujeitos são os próprios segurados da previdência
social (59%); e o benefício predominante é o auxílio doença, com 41% do total.
88
Tabela&4:&Situação&trabalhista&e&previdenciária&dos&sujeitos
+realizaram+TCTH+
(n=133)
Atividade&profissional
empregado
++++++++++60
45%
autönomo
++++++++++13
10%
desempregado
+++++++++++9
7%
mercado+informal
++++++++++14
11%
estudante
++++++++++11
8%
do+lar
++++++++++17
13%
empregador
+++++++++++3
2%
não+informado
+++++++++++6
5%
Vinculo&previdenciário
sem+vínculo
++++++++++30
23%
vínculo+INSS
++++++++++83
62%
vínculo+outras+instituições ++++++++++14
11%
não+informado
+++++++++++6
5%
Tipo&de&vinculo
dependente
++++++++++19
14%
segurado
++++++++++78
59%
não+possui
++++++++++30
23%
não+informado
+++++++++++6
5%
Tipo&de&benefício
auxílio+doença
++++++++++54
41%
aposentado
++++++++++13
10%
não+possui
++++++++++44
33%
pensão/BPC/outros
++++++++++16
12%
não+informado
+++++++++++6
5%
vivo+(n=46)
óbito+(n=87)
++++++++++20
+++++++++++8
+++++++++++3
+++++++++++3
+++++++++++3
+++++++++++7
++++++++Q
+++++++++++2
33%
62%
33%
21%
27%
41%
0%
33%
++++++++++40
+++++++++++5
+++++++++++6
++++++++++11
+++++++++++8
++++++++++10
+++++++++++3
+++++++++++4
67%
38%
67%
79%
73%
59%
100%
67%
+++++++++++8
++++++++++30
+++++++++++6
+++++++++++2
27%
36%
43%
33%
++++++++++22
++++++++++53
+++++++++++8
+++++++++++4
73%
64%
57%
67%
+++++++++++7
++++++++++29
+++++++++++8
+++++++++++2
37%
37%
27%
33%
++++++++++12
++++++++++49
++++++++++22
+++++++++++4
63%
63%
73%
67%
++++++++++21
+++++++++++4
++++++++++13
+++++++++++6
+++++++++++2
39%
31%
30%
38%
33%
++++++++++33
+++++++++++9
++++++++++31
++++++++++10
+++++++++++4
61%
69%
70%
63%
67%
Na tabela 4, ao fazer uma comparação entre o total de pacientes transplantados (133)
e os sobreviventes (46), nos chama atenção que, embora o percentual de trabalhadores
empregados (45%) tenha prevalecido no montante de pacientes transplantados, a
predominância dos sobreviventes se deu nos trabalhadores autônomos (62%). As categorias
do vínculo, do tipo de vinculação e do tipo de benefício previdenciário não apresentaram
significância em relação ao número dos transplantados e os sobreviventes, sendo que em
todas elas a predominância foi o vínculo com o INSS, o próprio segurado e o benefício
auxílio-doença. Chama atenção o fato de o “trabalhador autônomo” ser aquele que necessita
produzir o seu próprio sustento e pagar a sua própria seguridade social, o que surge como
um fator protetor, uma vez que coloca esse profissional em maior prontidão para assegurar
suas condições de vida e de trabalho.
89
4.3- Análise da qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT)
Neste estudo foi utilizado o questionário FACT-BMT (Functional Assessment of
Cancer Therapy – Bone Marrow Transplantation) em 28 dos 46 sobreviventes ao TCTH
alogênico, dos quais dez não apresentaram DECH e 18 adquiriram a doença. Trata-se de
uma escala de avaliação funcional da terapia de câncer específica para a realidade
vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH. Tal escala, na sua terceira versão (MCQUELLON et al, 1997), foi validada em português, sendo composta por seis domínios:
bem-estar físico, bem-estar social e familiar, satisfação sexual, bem-estar emocional, bemestar funcional e preocupações adicionais.
Este questionário tem sido uma das medidas mais utilizadas para mensurar a
qualidade de vida dos pacientes submetidos ao TCTH, sendo um instrumento simples e
auto-administrável. Cabe ressaltar que acompanhei o preenchimento de todos os
questionários e que, em alguns casos, tive a necessidade de os ler. Isso se deu pelo baixo
nível de escolaridade de alguns pacientes e pela dificuldade que alguns encontraram de
interpretá-lo. Esta leitura informativa contribuiu para o entendimento do questionário,
ajudou a minimizar os limites socioculturais e favoreceu à fidedignidade dos resultados.
A escala oferece escores de 0-100 para cada domínio, sendo que, quanto mais
próximo de 100 mais preservada a qualidade de vida. É pontuado pelos seus domínios, pela
soma dos escores de suas questões. O formato Likert das respostas permite escores de zero a
quatro para cada questão, sendo considerado o escore reverso para as questões construídas
de forma negativa. (MASTROPIETRO AP, 2007: p. 262).
Para a comparação dos domínios da FACT-BMT entre os níveis da variável DECH
foi realizado um ‘teste t não pareado’, que define a probabilidade das duas amostras
apresentarem valores diferentes de bem-estar. Os resultados obtidos nos seis domínios e no
escore total não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes
com e sem a DECH. Esse resultado mostra que os níveis de bem-estar nos dois grupos são
os mesmos. Tal resultado pode ser devido ao fato de que ambos os grupos tenham uma
perda do bem-estar que independe da questão da DECH, mas cabe lembrar que o tempo
médio decorrido do TCTH dos sujeitos entrevistados foi de oito anos e desta forma, ambos
os grupos de pacientes podem ter recuperado o seu bem-estar. O fator tempo, neste caso,
contribuiu para a retomada da qualidade de vida entre os sobreviventes.
90
Entendo que o FACT-BMT, embora seja um método de pesquisa que está validado
no Brasil e é muito utilizado em território nacional, na presente pesquisa ele não ofereceu
uma relação conclusiva em relação ao bem-estar, quando comparados os dois grupos de
pacientes com e sem DECH, conforme apontam as tabelas abaixo. Pode-se inferir que esta
testagem será mais eficaz na fase inicial da DECH, quando as dificuldades adaptativas
vivenciadas pelos pacientes estarão bem mais acentuadas. A capacidade adaptativa
observada em longo prazo indica uma forte resiliência entre os sobreviventes e uma
sabedoria para manejar as pulsões de vida e de morte.
Tabela:5 Questionário FACT-BMT - Qualidade de vida pós-TCTH
Variáveis)do)FACT.BMT
Bem.estar)físico
Bem.estar)social/familiar
Satisfação)sexual
Bem.estar)emocional
Bem.estar)funcional
Preocupações)adcionais
Bem.estar)Total
Sem)DECH)(n=10)
Mean
3,70
17,00
2,60
5,80
23,30
24,40
76,80
Std. Deviation
2,63
4,62
1,65
2,35
4,64
5,68
13,09
Com)DECH)(n=18)
Median
4
18
3
5
24
24,5
79,5
Mean
6,22
18,39
2,61
6,22
21,94
22,06
77,44
Std. Deviation
6,55
4,41
1,58
3,28
5,23
4,08
9,19
Unpaired)t)test
Median
5
20
3
5,5
24
23
77,5
P value
0,26
0,44
0,97
0,72
0,5
0,22
0,88
4.4- Vinhetas Clínicas de Sobreviventes a DECH
Caso 1: Verde é um homem adulto, 33 anos, solteiro, ensino médio completo, natural do Rio
de Janeiro. É filho caçula (cinco irmãos e uma irmã) e órfão de pai desde os oito anos de
idade. Reside com sua mãe e um irmão que lhe prestam a devida assistência. Trabalhou
como operador de telemarketing estando em benefício auxílio-doença junto ao INSS, com
renda individual de um salário mínimo. Mora em apartamento próprio, com boas condições
91
de saneamento, localizado na AP3.1. Ele é portador de leucemia mieloide aguda, realizou
transplante alogênico de células-tronco hematopoética no HUCFF/UFRJ em 2007 e, nos
últimos seis anos, tem convivido com sequela da DECH crônica, que afetou a sua
capacidade de produzir secreções pelas glândulas lacrimais, resultando numa patologia
descrita como xeroftalmia ou "olho seco". Desta forma, tem que fazer uso frequente de
lubrificantes locais.
Verde diz ter passado por um problema traumático na adolescência por ser
homossexual e nega essa condição, considerando-a como uma doença da alma Ele
demonstra uma significativa dificuldade para falar sobre o assunto, na medida em que
considera difícil o ser humano e a sociedade entender. Aos 17 anos foi evangelizado e
passou a pedir a DEUS a cura, porque não se aceitava, mas isso não aconteceu e gerou mais
angústia. Após algum tempo, ele se afastou da igreja, pelo fato de que lá é pregado que um
relacionamento de homem com outro homem é pecado. Ele, então, ficou depressivo e se
isolou do mundo externo. Foi quando descobriu a leucemia, a qual relaciona a esse fato
traumático vivenciado, sua identidade homossexual que é mantida escondida de todos.
Nesse contexto de sofrimento e conflito interno e social, ele interpretou o diagnóstico como
uma “punição de DEUS” e, por essa razão, ele não imaginava que ia sobreviver ao
transplante (TCTH). O amor da família, em especial o amor de sua mãe, lhe deu força e
motivação para superar os desafios: “Minha família para mim é tudo. É a base para eu
querer lutar pela cura”. Hoje, ele já enxerga a vida de outra forma, aceita sua
homossexualidade e dá mais valor às pequenas coisas, embora ainda não tenha encontrado
coragem para comunicar aos familiares, com medo de ser rejeitado. Atualmente, ele faz
planos para o futuro, estuda e sonha em passar em concurso público.
Ser jovem e estar solteiro são dois fatores protetores associados ao caso. No entanto,
Verde, diante do conflito interno e social, tenta o caminho da sublimação, aderindo a um
processo religioso. Lá não encontra alívio e, ao contrário, há uma internalização de ideia de
culpa e de pecado. Freud (1905) nos fala do caminho da pulsão, como podendo se voltar
contra a própria pessoa, em três vozes gramaticais: ativa – “eu bato”, quando ele interpreta a
sua sexualidade como um erro a ser escondido; reflexiva – “eu me bato”, quando ele procura
na religião uma transformação; passiva – “eu sou batido”, quando ele descobre a leucemia e
a interpreta como castigo de Deus. Então, nesse caso, a morte seria tanto um castigo, quanto
uma condenação à pena de morte, e um alívio, pois ele seria retirado de tamanho sofrimento.
A pulsão de morte agia em seu ser. No entanto, a força do amor de sua mãe e a “morte
simbólica do transplante”, algo que morreu nele enquanto foi transplantado, parece reverter
92
o jogo de suas fantasias e representações. Ao invés de morrer, ele revive, ele renasce e vê,
perplexo, diante de si uma segunda chance. Embora ainda relutante para se mostrar para o
grande Outro, ele já consegue se aceitar em sua diferença, e essa aceitação de si lhe devolve
a vida, abre-lhe novas oportunidades e perspectivas. Em sua família ele se vê num enlace do
amor, atado à sua necessidade de se sentir amado e com medo de perder o amor e o respeito,
ainda em conflito; mas agora ele se sustenta num laço social marcado pela pulsão de vida.
Caso 2: Branco é um homem idoso com 68 anos, divorciado, com ensino superior completo,
advogado, natural do Rio de Janeiro. Possui um casal de filhos, dois netos e seis irmãs e
refere bom relacionamento familiar. Reside em apartamento próprio, com boas condições de
saneamento, localizado na zona sul do Rio de Janeiro. Trabalha como corretor de imóveis no
mercado informal e possui uma condição socioeconômica estável, com renda familiar acima
de vinte salários mínimos. Foi batizado na igreja católica, mas diz que sua religião é DEUS.
Ele é portador de leucemia mieloide crônica, em remissão completa da doença, tendo
realizado transplante alogênico de medula óssea no HUCFF/UFRJ em 2001, e não
apresentou DECH.
Branco não relaciona a doença a fato traumático vivenciado, relacionando apenas a
questão da hereditariedade, uma vez que essa doença já afetou vários familiares seus em
linhagem direta. Ele sempre foi bem humorado e otimista em relação à doença. Chegou aos
32 kg de peso, com uma porcentagem de sobrevida pequena, mas nunca se deixou vencer
pela doença. Refere que arriscou ao realizar o transplante e não se arrepende e aconselha a
todas as pessoas fazerem a mesma coisa. Segundo ele, “o câncer não é uma sentença, é
simplesmente uma palavra. O câncer não mata, as pessoas é que se matam quando pensam
negativamente”. Além desse otimismo fora do comum, ele também acredita que o fator
econômico o ajudou a vencer a doença, além da retaguarda familiar, do carinho dos mesmos
e, principalmente, da força da mente e de sua firme vontade de viver. Demonstra gratidão à
equipe de saúde, definindo os profissionais como anjos.
A doença o impactou no sentido reflexivo e lhe propiciou um novo modo de olhar a
vida. Com a experiência do transplante, passou a ser mais tolerante e se aproximou da
família. Ele vê sua perspectiva de futuro atrelada aos netos, pois estes, na separação dos
pais, preferiram morar com o avô, o que lhe deu mais motivação e interesse pela vida. Ele se
considera um vencedor, pois, dos seis irmãos, três tinham compatibilidade para doar a
medula óssea, além de ter doze anos pós-transplante e estar se sentindo bem.
93
O que chama atenção na história de Branco é sua incrível capacidade de olhar
positivamente a vida e as adversidades, ou seja, a sua aptidão por sublimar as pulsões
sexuais e destrutivas. Embora ele tenha vários fatores de risco – sexo masculino, idoso e
hereditariedade familiar –, ele revela uma capacidade privilegiada de ter fé na vida e de
acreditar e apostar na superação. O fato de ser um profissional liberal autônomo, um fator
protetor no grupo aqui estudado, e de ter conseguido retomar as suas atividades
profissionais, tudo isso o coloca de volta à condição de provedor, fato que sabemos ser de
fundamental importância para o gênero masculino. A importância da sua condição
econômica relaciona-se especialmente com o seu lugar de provedor e com a possibilidade de
cuidar dos netos. A escolha dos netos por morar com o avô, em seu próprio entendimento,
revela que ele tem uma capacidade de cuidar do outro, de um cuidado afetivo e material que
lhe traz novos motivos para continuar vivendo e para encontrar em si uma nova vitalidade.
Como diz Freud (1920), a pulsão de vida é vista como a tendência à aproximação e
unificação entre os seres; e, ao contrário, a pulsão de morte é a tendência a separar e a
destruir. Branco soube enfrentar as fases difíceis de sua vida e encontrou forças para reunir o
que havia de melhor – em vez de valorizar o peso da hereditariedade, ele valorizou o peso
dos doadores: ele reconheceu o privilégio raro de ter três doadores. Podemos supor que esta
vivência de “se sentir um privilegiado” talvez tenha colaborado para ele não desenvolver a
DECH, ou seja, o seu organismo não reagiu como se tivesse sido introduzido nele um
elemento estranho. Novamente, este segundo caso nos leva a pensar que a interação entre a
mente e o corpo é maior do que a ciência atual consegue demonstrar e vai ao encontro das
compreensões freudianas.
Caso 3: Lilás é uma mulher de 50 anos, católica, viúva, ensino superior completo, tendo
atuado como administradora de empresas, sendo natural de Pernambuco. Possui um único
filho e sua rede familiar é restrita, formada apenas por irmãos, embora tenha um bom
relacionamento. Reside em apartamento próprio, com boas condições de saneamento,
situado na zona sul do Rio de Janeiro. Trabalhava no mercado formal como administradora
de empresa, mas devido ao TCTH e à DECH se aposentou por invalidez. No momento atual,
é a única provedora do lar e possui dois benefícios do INSS, pensão por morte do cônjuge e
aposentadoria, que somam aproximadamente dez salários mínimos. Ela é portadora de
leucemia mieloide crônica, realizou transplante alogênico de medula óssea no HUCFF/UFRJ
em 2004, e há nove anos convive com sequela da DECH, que se manifesta pela destruição
94
das glândulas salivares com consequente incapacidade de produzir saliva, resultando numa
patologia descrita como xerostomia ou “boca seca”.
Lilás diz que o início da sua doença pode estar relacionado ao fato de seu cônjuge ter
sofrido um AVC no período em que ela estava amamentando o seu filho. Nesta ocasião, ela
teve que interromper a amamentação para acompanhá-lo no hospital, sendo um momento
extremamente difícil. Esse foi um período da vida estressante e difícil, uma vez que seu
marido ficou com sequelas, demandando cuidados, no mesmo momento em que ela estava
cuidando de seu filho bebê. De outro lado, durante a sua internação para o transplante, ela
ficou viúva, tendo sido liberada pela equipe para ir ao velório do marido. Nesse contexto de
perda e de risco de vida, entendemos como ela narra sua vivência do transplante de um
modo bem peculiar. Segundo ela, a experiência do transplante alogênico (TCTH) leva as
pessoas a morrer para reviver. Ela diz que, após o transplante, começou a se desapegar das
coisas materiais e a ter uma visão mais além: “O transplante foi como se eu tivesse subido
um degrau, uma consciência”. Sua maior motivação foi a necessidade de educar o filho,
dizendo ser sua responsabilidade. Então, pedia a DEUS para permanecer viva. É positiva e
determinada. Acredita que em certos momentos a família sofre mais do que o próprio
paciente. Atualmente, no pós--transplante, diz ser uma pessoa mais aberta. Faz planos para
o futuro, mas não se apega aos planos. Pensa em viver um dia após o outro. Descreve o
processo do estar morrendo como um processo doloroso, mas um processo que enriquece.
Acompanhar o marido com sequelas de um AVC no momento inicial em que se está
amamentando um bebê traz o desafio psicológico e social de ter que lidar com uma dupla
sobrecarga. No momento em que ela esperava ser amparada pelo marido, enquanto cuidava
de seu bebê, ela se vê num desamparo, quando precisa cuidar igualmente de um bebê e de
seu marido. A vivência de trauma pode se dar quando algo é experimentado como acima da
capacidade da pessoa suportar, como acima de seus recursos e possibilidades psicossociais.
Exatamente este fator traumático impõe um risco de não sobreviver, de não suportar, de não
ter forças suficientes para sustentar a si, ao bebê frágil, além de estar carente de cuidados e
dedicada ao marido em momento vulnerável e difícil. De outro lado, quando ela se interna
para fazer o transplante, seu marido falece, e, novamente, ela se vê só, sem o apoio do
marido e vivendo o seu próprio risco de vida. Então, a doença chega e adquire dois sentidos
paradoxais. De um lado, ela lhe tira as forças, inabilita-a para continuar trabalhando,
mantendo-a numa funcionalidade restrita, dependente da aposentadoria do marido e do
INSS. De outro lado, ela vive o transplante como se tivesse vivido a própria morte, e diz ter
retornado modificada, com uma consciência a mais, com uma vontade a mais e com um
95
senso de responsabilidade, a necessidade de continuar a viver, de continuar a existir para
cuidar de seu filho.
Na história de Lilás, vemos as pulsões de morte e de vida em confronto, um
“processo de estar morrendo” tal qual esteve o marido ao se retirar da vida quando ela se
internava para o transplante, deixando-a só e desamparada. Entre o risco de morrer e uma
vontade de viver, de ter alguém que pudesse continuar cuidando de seu filho, predominou a
vontade de viver. Assim, ela pede a Deus para permanecer viva. Segundo Freud (1925), o
desamparo tanto coloca o sujeito na condição de lutar, de buscar o crescimento, quanto, de
outro lado, o sujeito pode paralisar e enfraquecer seus recursos internos. Situações que
colocam em xeque nossa relação com o mundo podem nos desafiar. Aqui, foi possível
transformar as forças destruidoras da pulsão de morte em forças revitalizadoras da pulsão de
vida.
As três vinhetas clínicas descritas anteriormente analisaram histórias de pacientes
que realizaram o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas e que sobreviveram
ao procedimento, nos últimos seis a doze anos. Embora os casos sejam poucos para que se
faça uma generalização, eles apontam a pertinência das duas hipóteses apresentadas neste
estudo: de que um “paciente positivo” – com fé, que aceite a doença, tenha coragem, goste
da vida, se arrisque no tratamento, e acredite nos seus cuidadores (profissionais e familiares)
– aumenta sua capacidade de enfrentamento da doença, consegue minimizar o seu
sofrimento e aprimorar a sua qualidade da vida; de outro lado, alcançar um significado
singular para o seu adoecer e a sua sobrevida reduz o medo e amplia a firmeza para enfrentar
as adversidades. A psicanálise, ao apontar a importância do singular, caminha na direção
contrária da ciência, que precisa encontrar padrões comuns em totalidades numericamente
significativas, mas que perde o específico e o único de cada caso. Assim, a análise final e
emblemática de três casos nos permite verificar os efeitos paradoxais, subjetivos e
inconscientes dos percursos humanos.
Do ponto de vista qualitativo, escolhi um homem jovem, um homem idoso e uma
mulher de meia idade como pessoas representativas da totalidade de nossa amostra (46
sobreviventes), buscando dar visibilidade ao singular de cada caso. Enquanto Verde,
sobreviveu quando tinha a “certeza fantasiada” (convicção) de que iria morrer, e receberia a
“merecida punição”, viu-se diante de evidências demolidoras (de suas fantasias e convicções
cheias de pulsão de morte). Ao se redescobrir vivo após o transplante, pôde abrir espaço
para a vida se firmar e se aceitar como alguém diferente (homossexual). Branco,
diferentemente, vivenciou outra “certeza fantasiada”, a convicção de que o câncer é apenas
96
uma palavra, um signo, cujo significante (sentido atribuído) pode ser desafiado. Diz ele: “O
câncer não mata, as pessoas é que se matam quando pensam negativamente”. Indo na
contramão da hereditariedade, ele apostou no seu desejo de viver, seu organismo foi
receptivo e ele se mantém até hoje na completa remissão da doença. Lilás vincula o seu
adoecimento ao estresse por ela vivido como traumático, quando o seu marido sofreu um
AVC e seu filho ainda bebê estava sendo amamentado. Para ela, esta sobrecarga de cuidados
afetou-a e a fez experimentar um desamparo. De outro lado, perder o marido no mesmo
momento em que ela é internada para ser submetida a um transplante trouxe-lhe novo
desafio. O seu marido acaba de morrer e ela se vê também na iminência de perder a própria
vida. Nesse contexto de risco, paradoxalmente, ela vivenciou o transplante como um modo
de morrer e de renascer com uma consciência ampliada. Segundo ela, “o transplante foi
como se eu tivesse subido um degrau, uma consciência”. O seu pedido a Deus foi para
permanecer viva e poder cuidar de seu filho. No conjunto, os três casos tiveram vários
pontos em comum: senso de enfrentamento da realidade; boa adesão ao tratamento;
participação e o apoio familiar; positividade; fé em DEUS; vontade de viver, aceitação da
doença e da própria morte, culminando em superação.
4.5- Recomendações para a Equipe de Saúde
O atual modelo que orienta a grande parte das práticas de saúde é pautado no
diagnóstico e tratamento das doenças definidas pelo conhecimento científico, priorizando-se
as lesões corporais em detrimento dos sujeitos e suas necessidades psicossociais. Esse
modelo de assistência, ainda tão focado na doença, muitas vezes ignora a subjetividade e a
singularidade dos pacientes. Chamou minha atenção, certa vez, o relato de uma das
pacientes que se sentiu descriminada pela equipe de saúde, na medida em que ficou em
isolamento de contato devido a um herpes zoster. Segundo o seu depoimento, parte da
equipe a tocava, mas outra parte não a tocava, não falava, usava máscara, olhava de longe e,
dessa forma, ela se sentiu profundamente rejeitada. Com esse exemplo do cotidiano
hospitalar, aponto que a equipe de saúde não deve banalizar as falas, as queixas e as
colocações dos pacientes, devendo, sempre que possível, abrir espaço para a escuta dos
sujeitos e seus sofrimentos, para o acolhimento e para a atenção e cuidado integral à saúde.
97
Outro fato que me chamou atenção foi de um paciente que não sentiu liberdade em
falar sua história de vida para seu médico, mesmo tratando-se com ele há vários anos e tendo
uma relação de confiança muito bem estabelecida com o mesmo. No relato do paciente, ele
concluiu que, como o médico, tem muitos afazeres, então, ele nunca dispõe de tempo para
ouvir. Desta forma, reforço a importância do profissional de saúde ter um espaço de escuta,
que garanta o sigilo profissional e o tempo necessário para um atendimento de qualidade.
Abordando o tema da morte, cabe dizer que manter uma relação com um paciente
que tenha possibilidade de morte iminente não é uma tarefa fácil. Conversar com ele,
examiná-lo, responder aos seus questionamentos ou dos seus familiares é um processo que
exige preparo e maturidade profissional. Se pudéssemos aperfeiçoar a maneira de lidar com
as situações de crise encadeadas pela morte, haveria um melhor desempenho profissional e
pessoal. Isso daria maior bem-estar ao profissional e melhor qualidade na assistência aos
que adoecem.
Acredito que a troca de experiências profissionais, no âmbito interdisciplinar, e a
reflexão feita a partir do aprofundamento de estudos de caso, focados no tema da morte e do
morrer, gerariam uma maior compreensão das relações entre profissionais e profissionais,
entre profissionais e pacientes e entre profissionais e familiares.
O primeiro passo importante para cada profissional dar início ao aprendizado sobre o
ato de morrer é aceitar, de início, que a consciência humana implica o reconhecimento da
finitude como um acontecimento que faz parte da vida. Essa atitude coloca de imediato a
possibilidade de compreensão e compartilhamento da morte do outro.
O desafio que permanece é sempre o de aliar competência técnica com o ato de
cuidar com ternura pela vida e pela sensibilidade ética. Além disso, devemos nos perceber
humanos. Entendo que uma das coisas que nos dá a condição de humanos é expressar o que
sentimos e nos disponibilizar para ouvir o que os outros sentem. Nós, profissionais de saúde,
temos no nosso ofício o dever e a missão de ouvir histórias de outras pessoas. Esse trabalho
de estar inteiro diante do outro, em sua alteridade, e de escutá-la efetivamente é uma
experiência extremamente enriquecedora, que deve ser multiplicada entre os profissionais da
saúde.
98
CONCLUSÃO
Desenvolver esta dissertação de mestrado me permitiu registrar minha experiência profissional como assistente social responsável pela Unidade de TCTH do HUCFF/UFRJ, além de compreender como o ser humano consegue vivenciar integralmente situações de sofrimento tão intensas e, ainda assim, superá-­‐las. Na qualidade de assistente social e profissional integrante da Unidade, tive a oportunidade de entrevistar todos os pacientes e/ou familiares por ocasião da realização do transplante, fato que facilitou o processo aqui estudado. Nesta investigação, me apresentei com outra identidade – a de pesquisadora. Para tal, apresentei o projeto, os cuidados e riscos para proteger os sujeitos da pesquisa, assim como os benefícios esperados para o estudo, de modo que os sujeitos puderam compreender que o momento era outro – de se fazer uma pesquisa, e de que minha atuação por um tempo foi outra: de pesquisadora. Fiz, portanto, um distanciamento dessa prática, para sistematizá-­‐la, construir um olhar reflexivo e crítico e buscar compreendê-­‐la. Iniciei este estudo com três perguntas: uma, que vem a ser fruto da minha inquietação, indagando sobre o que leva um ser humano a vivenciar situações de sofrimento tão intensas e, por vezes sobre-­‐humanas, e, ainda assim, conseguir vivenciá-­‐las integralmente e superá-­‐las; outra, buscando entender o que leva uns a superá-­‐las e outros não; e, por fim, se fatores psicossociais contribuem efetivamente para o enfrentamento da DECH. Embora tais perguntas tenham sido respondidas ao longo da dissertação, devo dizer que este estudo teórico de natureza reflexiva, além de permitir o diálogo entre psicanálise e saúde, me fez percorrer um caminho de profunda transformação pessoal e profissional. O presente estudo teve como objetivo primordial conhecer e compreender os fatores psicossociais que contribuíram para o enfrentamento do processo de adoecer pela doença enxerto (DECH), no enfoque da psicanálise e da saúde. Cabe ressaltar, que a triangulação de métodos quantitativo e qualitativo utilizada proporcionou uma maior visibilidade aos resultados, na medida em que foi possível descrever os dados sócios demográficos e culturais, comparar indicadores quantitativos por amostragens e analisar individualmente os casos, através de categorias de relevância e de vinhetas clínicas. Os objetivos (geral e específicos) da presente investigação foram atingidos, uma vez que se compreendeu os modos de enfrentamento da doença enxerto (DECH), 99
se conheceu o perfil dos pacientes com e sem DECH, se estudou fatores associados à qualidade de vida e se analisou as condições psicossociais em que se deu a superação dos pacientes sobreviventes e suas perspectivas de futuro. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida, com anuência do Serviço de Hematologia do HUCFF/UFRJ e buscou instigar um novo olhar sobre as implicações subjetivas e sociais que favorecem o enfrentamento da DECH, enfatizando a constituição do sujeito e de laços sociais no lidar com a doença à luz da psicanálise. O impacto desta pesquisa nos sujeitos entrevistados pode ser aqui analisado através do conceito de transferência. A transferência, um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise segundo Freud, é um vínculo que se estabelece exclusivamente nas relações humanas, sendo fundamental para o processo de cura, Embora este conceito não tenha sido aprofundado nesse estudo, ele aparece na fala dos sujeitos em forma de gratidão para com a equipe de saúde, o que é identificado na fala de um paciente ao referir a equipe como “anjos”. Desta forma, gostaria de sinalizar a disponibilidade dos pacientes, que demonstraram uma gratidão eterna a todos os profissionais de saúde, querendo contribuir mais e mais para a pesquisa. Os poucos que não puderam comparecer à entrevista tiveram o cuidado de justificar sua falta, todas relacionadas a problemas de saúde. Um dos métodos utilizados foi o estudo retrospectivo de prontuários, referente aos 133 pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ no período de 2000 a 2010, realizado através de dados contidos na Ficha de Estudo Social (FES) e que foram analisados quantitativamente. Nos resultados verifiquei uma sobrevida maior em mulheres, solteiras, evangélicas, jovens, com ensino fundamental e renda familiar entre três e seis salários mínimos. Nesse estudo, chama atenção a questão de gênero, tendo em vista que no universo estudado a maioria dos sujeitos que realizaram o TCTH eram homens. Entretanto ao estudar os sobreviventes, observa-­‐se uma sobrevida maior em mulheres. Isso talvez se deva ao fato das mulheres se preocuparem mais com o seu corpo e sua saúde. Outro fato que chama atenção é a renda familiar, uma vez que a maioria do universo estudado possuía renda de zero à três salários mínimos, fator que foi limitante para lidar com uma doença grave, crônica e debilitante. Observou-­‐se uma sobrevida maior entre os que possuem uma renda familiar entre três e seis salários mínimos, o que confirma a relevância do fator econômico. 100
Com relação à situação trabalhista e previdenciária, os dados mostraram uma sobrevida em trabalhadores autônomos, vinculados ao INSS e em benefício auxílio-­‐
doença. Isso nos remete a uma reflexão a respeito do “trabalhador autônomo”, tendo em vista que essa categoria profissional necessita produzir o seu próprio sustento e pagar a sua própria seguridade social, o que surge como um fator protetor para recuperação da saúde, uma vez que coloca esse sujeito em maior prontidão para assegurar suas condições de vida e trabalho. O segundo método de pesquisa utilizado foi o estudo prospectivo com entrevistas estruturadas para avaliação de qualidade de vida através dos instrumentos FACT-­‐BMT, que foi aplicado em 28 dos 46 sobreviventes. Os resultados indicam que não houve diferença significativa na qualidade de vida dos sujeitos, quando comparados os que adquiriram e os que não adquiriram a DECH. Esse resultado pode ser devido ao fato de que ambos os grupos tenham uma perda do bem-­‐estar que independe da DECH. No entanto, não posso deixar de considerar que o tempo médio pós TCTH foi de oito anos, o que me leva a concluir que ambos os grupos podem ter recuperado o seu bem-­‐estar ao longo desse tempo. Além disso, não posso deixar de mensurar a realidade do Brasil, inclusive dessa amostra estudada, no que se refere ao baixo nível de escolaridade, o que dificultou a compreensão desse instrumento. O terceiro método utilizado foi de entrevistas semiestruturadas com base na história oral, quando descrevo os relatos dos sujeitos acometidos pela DECH, organizando suas respostas em categorias de relevância e analisando-­‐as à luz da psicanálise. Esta teoria tão difundida nas áreas humanas e sociais se caracteriza por um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. O seu método de investigação é interpretativo, na medida em que busca o significado oculto daquilo que é manifestado por meio de ações e palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, a associações livres e os atos falhos. As entrevistas seguiram um roteiro que foi aplicado a cinco sobreviventes, quando foi possível descrever e analisar dinâmicas psicossociais caracterizadas pelo confronto entre as pulsões de morte e de vida, com a prevalência da pulsão de vida e sua associação ao enfrentamento da doença, o desafio do tratamento, a luta pela possibilidade de cura e a experiência de sobreviver ao TCTH e a DECH. Lembrando que Freud refere que esta dualidade pulsional vem do nosso inconsciente, sendo ela 101
incontrolável e acéfa-­‐la, numa dinâmica que é singular a cada sujeito e que, neste estudo, teve a marca da superação e da sobrevida. Nos relatos apresentados dos sobreviventes ao TCTH e a DECH, fica evidente que a doença é um processo extremamente difícil e doloroso, mas é um desafio possível de ser enfrentado e superado. A pulsão de vida se fez presente na fala dos sujeitos, que demonstraram positividade, fé, coragem no enfrentamento da doença e, acima de tudo, vontade de viver. Outra questão abordada foi a importância da família e dos amigos para o sucesso do tratamento, ressaltando como os sujeitos foram se fortalecendo no enfrentamento da realidade. Ao transcrever os relatos de sofrimento, angústia, medo e morte vivenciados pelos pacientes, ficou evidente a questão do desamparo fundamental, termo denominado por Freud (1929) ao dizer que o ser humano não pode se manter vivo sem a ordem familiar e social, o que decorre da própria condição de seu nascimento. Além disso, evidenciou-­‐se que a família, o trabalho e a fé foram as três molas propulsoras de motivação para recuperação da saúde desses sujeitos. O TCTH e a DECH estão relacionados a situações de sofrimento intensa e com a possibilidade e de morte iminente. Desta forma, abordei nesse trabalho as cinco fases que antecedem a morte, identificadas por Kübler Ross (1969) e a que mais apareceu nas entrevistas semiestruturadas foi a aceitação, entendida pela autora como um “baixar de armas”, um estágio avançado, onde o paciente já teria passado pelos estágios anteriores – negação, raiva, negociação e depressão. Além disso, houve relatos de experiências do TCTH como um processo de estar morrendo, onde ficou claro que trata-­‐se de um processo doloroso, contudo, um processo que enriquece a pessoa. Desta forma, considerei que o transplante opera como uma “morte simbólica” do sujeito, na medida em que ele se percebe outro, diferente, modificado, como se tivesse subido um degrau na escala de maturidade e lhe fizesse dar mais valor à vida. Em relação às adaptações as novas condições impostas pela fragilidade física, a questão do tempo foi citada, onde os pacientes viram a necessidade de viver dia após dia e para alcançar seus objetivos, passaram a fazer planos em curto prazo e aceitando seus limites funcionais impostos pelo processo de adoecimento. Outra questão que chamou a atenção nas entrevistas é o fato da doação de medula óssea ser voluntária e não poder ser comercializada, o que pode gerar uma sensação de impotência, 102
fragilidade e até de aceitação da própria morte, quando não encontrado um doador compatível. Concluo que as duas hipóteses desta investigação foram comprovadas, embora a amostra ainda seja pequena para permitir generalizações. O estudo mostrou que um “paciente positivo” – que seja confiante no tratamento, que tenha fé, que aceita a doença, que tenha coragem para enfrentar os desafios, que acredita nos profissionais de saúde, que gosta da vida, que segue à risca o tratamento, que não perde a alegria de viver, que possui uma rede de apoio e que tenha amor no coração – aumenta sua capacidade de enfrentamento da doença, pois ter alguns ou vários desses fatores ajuda a minimizar o sofrimento e contribui para a recuperação do indivíduo e para o aprimoramento de sua qualidade de vida. Além disso, o estudo me fez acreditar que quando existe uma razão maior para o enfrentamento do processo de adoecimento, seja através da fé, seja de uma responsabilidade (trabalho/família), o medo tende a diminuir, levando o paciente mais facilmente superar as adversidades. O que mais me chamou atenção nas entrevistas foi a capacidade dos sujeitos encontrarem um sentido positivo para além do adoecimento e de perceberem ganhos nesse processo, tais como: ter maior apreço pela vida, renovar sua fé, fazendo sentir-­‐se mais perto de DEUS, aumentar sua força interior; melhorar as relações familiares e sociais e adquirir uma sensação de gratidão para com os profissionais de saúde. Esse fato, reforça a ideia de Canguilhem de que a doença não é uma variação da dimensão da saúde, ela é uma nova dimensão da vida. Nas narrativas identifiquei sujeitos altamente desejantes, com uma grande capacidade de se gratificar com a vida e a existência, tendo sido testados em situações limites que oscilavam entre as pulsões de vida e as pulsões de morte. Entre as categorias de relevâncias identificadas nas entrevistas semiestruturadas, cabe citar: a importância da família e da rede social no processo de recuperação; o fator econômico e social; a positividade; o senso de realidade; a aceitação da doença e da própria morte; preocupação com entes queridos que possam vir a sofrer com sua ausência; receio de seu um peso para os familiares; apego a DEUS, como caminho para outro mundo; o processo de adoecimento como um processo enriquecedor e a valorização do tempo que resta. Ao final apresentei três vinhetas clínicas, nomeando os sujeitos por cores, respectivamente, Verde, Branco e Lilás, quando verifiquei os efeitos paradoxais, 103
subjetivos e inconscientes dos percursos humanos. Encontrei pontos em comum: senso de enfrentamento da realidade; boa adesão ao tratamento; participação e apoio familiar; fé em DEUS; vontade de viver; aceitação da doença e da própria morte, culminando em superação. Este trabalho reforça a importância do tratamento holístico e, sendo uma assistente social que acredita na interdisciplinaridade, deixo algumas recomendações para nós, profissionais de saúde: vamos nos perceber humanos, expressar o que sentimos e ouvir o que os outros sentem; vamos trabalhar com o coração e a alma; vamos levar em conta a opinião do paciente, sem julgá-­‐lo; vamos oferecer aos pacientes informação honesta e aberta; vamos abrir espaço para a escuta dos sujeitos, garantindo o sigilo profissional e o tempo necessário para um atendimento de qualidade; vamos cuidar de quem cuida – nós próprios e a família; vamos trocar experiências profissionais e fazer uma reflexão acerca do tema da morte e do morrer. Acredito que só assim nosso trabalho se tornará extremamente enriquecedor, subjetivamente, afetivamente e socialmente. Por fim, gostaria de encerrar com a fala eloquente de um dos pacientes, que muito nos ensina ao dizer: “O câncer não é uma sentença, é simplesmente uma palavra, o câncer não mata, as pessoas é que se matam quando pensam negativamente”. 104
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TEIXEIRA, L. A. De Doença desconhecida a problema de saúde pública: o INCA e o
controle do Câncer no Brasil. Rio de Janeiro : Ministério da Saúde, 2007.
VASCONCELOS, E. M. Complexidade e pesquisa interdisciplinar – Epistemologia e
metodologia operatia – 3. Edição. Petrópolis (RJ): Vozes, 2007, p: 111/114.
________. Da hiperpsicologização normalizadora ao recalcamento da subjetividade:
notas históricas sobre serviceo social, subjetividade e saúde mental no Brasil e no
Rio de Janeiro. In: Vasconcelos, E. M. (org) Serviço social e saúde mental. São
Paulo: Cortez, 2000.
VIEIRA, A. L. N. Manual de Orientação para Pacientes de Transplante de Medula
Óssea. Rio de Janeiro, HUCFF / UFRJ, 2004. Disponível no site: www.hucff.ufrj.br.
108
Apêndice – PRODUTO da Dissertação
Grupo de Aprendizagem sobre a Morte
Leila Soares Jordano de Barros
Objetivo: Capacitar profissionais de saúde para lidar com o processo de adoecimento e
finitude.
Público-alvo: Residentes multiprofissionais do HUCFF/UFRJ
I- INTRODUÇÃO
Esse produto que reúne estratégias de educação permanente sob a forma de grupos de
aprendizagem é direcionado para os residentes das diversas áreas de saúde e seu principal
objetivo é aperfeiçoar o sistema de capacitação profissional na residência, gerando preparo e
maturidade profissional para lidar com o processo de adoecimento e finitude.
O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / HUCFF da Universidade Federal
do Rio de Janeiro / UFRJ recebe anualmente turmas de residentes multiprofissionais,
composta por profissionais das áreas de enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia,
medicina, nutrição, psicologia, serviço social e terapia ocupacional. Inicialmente os
residentes são recepcionados e passam por um treinamento, onde diferentes atividades são
desenvolvidas, cabendo destacar o acesso ao acervo documental da instituição, participação
em seminários, aulas, palestras, dinâmicas e ainda o conhecimento espacial da área do
hospital e seus setores (OLIVEIRA, 2010).
Essas atividades que visam qualificar a equipe constituem espaços para fomentar a
reflexão e estimular o debate sobre temas, gerais e específicos, importantes para a
articulação da ação profissional. A presente proposta pode ser incorporada a esse processo
de capacitação.
109
II – JUSTIFICATIVA
Os profissionais de saúde, em seu cotidiano, lidam com situações de sofrimento e dor, tendo
a morte como elemento constante e presente, contudo, muitos encontram dificuldade de lidar
com essas situações.
concretas,
Isso se deve ao fato dos hospitais, enquanto campo de práticas
terem a tecnificação do tratamento desarticulada de uma formação que
habilitasse os profissionais para lidar com a morte, o que culmina com o despreparo desses
profissionais e consequentemente a desumanização do atendimento prestado.
A formação dos profissionais de saúde é voltada predominantemente para o aspecto
técnico do manejo das doenças, não levando em conta o sujeito e estando relacionada com a
tarefa de salvar vidas. Nesse processo de formação, encontramos a ausência de disciplinas
que discutam os aspectos cognitivos e afetivos relacionados ao processo da morte e do
morrer.
KÜBLER-ROSS (1969), em seu livro sobre a morte e o morrer, identifica cinco
fases nos períodos que antecedem a morte e cria métodos para profissionais de saúde e
familiares acompanharem e ajudarem um paciente em fase terminal. Além disso, a autora
sugere que os profissionais reflitam sobre sua própria morte como aspecto componente e
central da vida, auxiliando assim a transmissão de valores humanos aos alunos e facilitando
a lida com os pacientes e seus familiares.
Tendo em vista, a ausência de uma formação que habilite o profissional de saúde a
lidar com a morte, além dos ensinamentos deixados por KÜBLER-ROSS, se fez necessário
criar espaços de capacitação profissional, com troca de experiências e a reflexão
compatibilizada a estudos aprofundados acerca do tema da morte e do morrer, em um
âmbito multidisciplinar, a fim de gerar uma maior compreensão das relações entre
profissionais e profissionais, entre profissionais e pacientes e entre profissionais e familiares.
Acredito que a vida e a morte estão sempre ligadas, porque ambas são faces da
existência humana, uma não existe sem a outra e cada uma dá sentido à outra.
Se
pudéssemos aperfeiçoar a maneira de lidar com as situações de crise desencadeadas pela
morte, se teria melhor desempenho profissional e pessoal. Essa proposta reflexiva dará
também maior bem estar para o profissional e melhor qualidade na assistência aos que
adoecem. Além disso, a recusa do sentido da morte para quem está vivo ou se percebe
morrendo faz com que os profissionais se detenham pouco ou não se debrucem sobre ela,
deixando muitas vezes de prestar uma necessária orientação aos pacientes e familiares e
focando as ações finais em iniciativas burocráticas.
II- OBJETIVOS
110
Os grupos de aprendizagem direcionados aos residentes multiprofissionais serão
desenvolvidos com os seguintes objetivos:
• Aperfeiçoar o sistema de capacitação profissional na residência, gerando preparo e
maturidade profissional para lidar com o processo de adoecimento e finitude.
•
Refletir sobre a prática profissional reforçando a necessidade de se abrir espaço para
escuta dos sujeitos, para o acolhimento, para atenção e cuidado integral à saúde.
• Abrir espaço de reflexão e diálogo sobre a morte e o morrer, aperfeiçoando a maneira
de lidar com as situações de crise encadeadas nesse processo.
• Aprimorar a qualidade da assistência aos que adoecem e a qualidade de vida dos
profissionais encarregados dessa assistência.
• Estimular os residentes a ultrapassar a frieza técnica promovendo contato empático,
auxiliando no enfrentamento da perda.
• Promover o crescimento profissional e pessoal dos residentes.
IV- METODOLOGIA
Organização no espaço-tempo
O aperfeiçoamento do sistema de capacitação profissional na residência
multiprofissional será realizado no próprio HUCFF/UFRJ, por um profissional da saúde,
através de palestras e estudos de caso, a fim de abrir espaço de reflexão e diálogo sobre a
morte e o morrer, aperfeiçoando a maneira de lidar com as situações de crise encadeadas
nesse processo.
É necessário levar em conta o tempo disponível dos residentes, o tempo que será
dedicado a cada encontro, a relevância das palestras, a participação de todos e o incentivo
para a permanência dos mesmos nos encontros.
Os encontros poderão ser realizados durante o ano, com frequência mensais,
preferencialmente com duração de duas horas, dependendo do tempo disponível dos
envolvidos. As reuniões serão realizadas em sala ampla, arejada, com boa iluminação, para
que todos possam ficar confortáveis.
Podem ser utilizados recursos como: data show, notebook, filmes, documentários
dentre outros para exposição de casos ou realização de dinâmicas de grupo.
111
Estratégias e procedimentos
Este produto poderá ser desenvolvido por um profissional de nível superior
qualificado, com vasta experiência na assistência prestada aos pacientes com doenças graves
e possibilidade de morte iminente. O profissional deverá ser comprometido com essa prática
e ter um olhar subjetivo sobre o processo de adoecimento e morte.
Proposta de educação permanente através de grupos de aprendizagem:
Atividade: troca de experiência entre profissionais de saúde e residentes das diversas áreas
sobre o tema da morte.
Público-alvo: residentes multiprofissionais da área da saúde.
Local de reuniões: sala arejada e iluminada com recursos audiovisuais.
Procedimentos: encontros mensais com duração de duas horas, ao longo do ano letivo.
Estratégias: discussão de casos e temas relacionados à morte e o morrer, feitas através da
troca de experiência entre os profissionais e os residentes multiprofissionais.
Temas que poderão ser trabalhados:
•
O hospital, enquanto campo de práticas concretas e os aspectos relativos à questão da
morte e do morrer.
•
Modelo de assistência que crie espaço para a escuta dos sujeitos e seus sofrimentos,
para o acolhimento e para a atenção e cuidado integral à saúde.
•
O ser humano profissional da saúde que lida com paciente com possibilidade de
morte iminente: a questão da subjetividade e singularidade do adoecer e do morrer.
•
A morte remetida à totalidade social, diferenças culturais e a multiplicidade de
fatores.
•
As cinco fases que antecedem a morte: negação e isolamento; raiva; negociação;
depressão e aceitação (KÜBLER ROSS, 1969).
•
O medo da morte: simbolismo e transcendência.
•
Reflexões legais e éticas sobre o final da vida
•
Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: a eutanásia.
Benefícios esperados
• Troca de experiências profissionais, no âmbito multidisciplinar.
112
• Gerar uma maior compreensão das relações entre profissionais e profissionais, entre
profissionais e pacientes e entre profissionais e familiares.
• Os profissionais de saúde aceitarem que a consciência humana implica o
reconhecimento da finitude como um acontecimento que faz parte da vida.
• Este produto de natureza reflexiva, além de permitir o diálogo entre os residentes
multiprofissionais, poderá percorrer um caminho de profunda transformação pessoal
e profissional dos envolvidos.
•
Obstáculos previstos
Os residentes multiprofissionais cumprem dois anos de prática em instituições
hospitalares de ensino e a maioria deles não receberam preparo para lidar com o sofrimento
humano e a morte. Além disso, ao abordar a questão da morte no cotidiano hospitalar não
podemos deixar de remetê-la à totalidade social, ou seja, por trás de cada “paciente” que
ingressa numa unidade de saúde existe uma história de vida decorrente do meio em que ele
está inserido. Assim, também é verdade, que por trás de cada “profissional de saúde”
também existe uma história de vida que vai influenciar nas suas reações diante da morte.
Portanto, as atitudes, emoções e sentimentos face à morte são diferentes de pessoa para
pessoa, de cultura para cultura, o que nos leva a concluir que a forma como se reage à morte
depende de uma multiplicidade de fatores que se conjugam diferentemente entre si, o que
pode dificultar o discurso entre as partes envolvidas no processo. Por isso, a importância de
se respeitar, de modo especial, as crenças e os valores de cada grupo familiar e de cada
profissional.
Um dos problemas que ocorrem neste processo é a necessidade do entendimento de
que as práticas multidisciplinares exigem, sobretudo, o esforço de troca e diálogo. Contudo,
elas não são isentas do conflito de saber, do poder, da disputa e do status das profissões.
Outro potencial obstáculo previsto é o fato dos hospitais de ensino no país estarem sob
o risco da entrada da EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que possui
uma lógica gerencial de mercado e uma inclinação para mensurar procedimentos da
assistência em saúde, desconsiderando a vocação de ensino, pesquisa e extensão dos
Hospitais Universitários.
113
Recomendações para a Equipe de Saúde
O atual modelo que orienta a grande parte das práticas de saúde é pautado no
diagnóstico e tratamento das doenças definidas pelo conhecimento científico, priorizando-se
as lesões corporais em detrimento dos sujeitos e suas necessidades psicossociais. Esse
modelo de assistência, ainda tão focado na doença, muitas vezes ignora a subjetividade e a
singularidade dos pacientes.
Na tentativa de modificar esse modelo, aponto que os profissionais de saúde não
devem banalizar as falas, as queixas e as colocações dos pacientes, devendo, sempre que
possível, abrir espaço para a escuta dos sujeitos e seus sofrimentos, para o acolhimento e
para a atenção e cuidado integral à saúde. Além disso, reforço a importância do profissional
de saúde ter um espaço de escuta, que garanta o sigilo profissional e o tempo necessário para
um atendimento de qualidade (BARROS, 2013).
O primeiro passo importante para cada profissional dar início ao aprendizado sobre o
ato de morrer é aceitar, de início, que a consciência humana implica o reconhecimento da
finitude como um acontecimento que faz parte da vida. Essa atitude coloca de imediato a
possibilidade de compreensão e compartilhamento da morte do outro.
O desafio que
permanece é sempre o de aliar a competência técnica com o ato de cuidar com ternura pela
vida e pela sensibilidade ética.
Este produto reforça a importância do tratamento holístico, desta forma, deixo algumas
recomendações para os profissionais de saúde: vamos nos perceber humanos, expressar o
que sentimos e ouvir o que os outros sentem; vamos trabalhar com o coração e a alma;
vamos levar em conta a opinião do paciente, sem julgá-lo; vamos oferecer aos pacientes
informação honesta e aberta; vamos abrir espaço para a escuta dos sujeitos, garantindo o
sigilo profissional e o tempo necessário para um atendimento de qualidade; vamos cuidar de
quem cuida – nós próprios e a família; vamos trocar experiências profissionais e fazer uma
reflexão acerca do tema da morte e do morrer. Acredito que só assim nosso trabalho se
tornará extremamente enriquecedor, subjetivamente, afetivamente e socialmente (BARROS,
2013).
114
V – REFERÊNCIAS:
BARROS, LSJ – Fatores psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença
enxerto contra hospedeiro. [Dissertação] Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Rio
de Janeiro: UVA, 2013.
KAPPAUN, Nádia Roberta Chaves; GOMEZ, Carlos Minayo. O trabalho de cuidar de
pacientes terminais com câncer. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n.
9, set. 2013
KÜBLER-ROSS, Elisabeth (1969). On death and dying. New York: Touchstone, 1997.
___________ A morte – um amanhecer. Editora Pensamento Cultrix Ltda. São Paulo, SP,
1991.
Lei No 11.129, de 30 de junho de 2005, que instituiu a Residência em Área Profissional
da Saúde. Portaria Interministerial No 1.077, de 12 de novembro de 2009.
KOVÁCS, Maria Júlia. Educação para a morte - Desafio na formação de profissionais
de saúde e educação. Editora Casa do Psicólogo. São Paulo. 2. Edição, 2003.
MINAYO, Maria Cecília de Souza. Cuidar do processo de morrer e do luto. Ciênc. saúde
coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 9, set. 2013.
MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E MINISTÉRIO DA SAÚDE - Comissão Nacional de
Residência Multiprofissional em Saúde/CNRMS. Relatório de Atividades da Comissão
Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde. Exercício 2007/2009. Brasília/DF.
Outubro de 2009.
OLIVEIRA, Vania dias. Estágio Supervisionado e a contribuição do campo de prática à
formação profissional do aluno de Serviço Social: uma questão de debate. RJ. Projeto de
pesquisa, dezembro/ 2010, mimeo.
PEREIRA, José Carlos. Procedimentos para lidar com o tabu da morte. Ciênc. saúde
coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 9, set. 2013 .
115
Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do HUCFF/UFRJ. Rio
de Janeiro, 2010.
SANTOS, Luís Roberto Gonçalves dos; MENEZES, Mariana Pires; GRADVOHL, Silvia
Mayumi Obana. Conhecimento, envolvimento e sentimentos de concluintes dos cursos
de medicina, enfermagem e psicologia sobre ortotanásia. Ciênc. saúde coletiva, Rio de
Janeiro, v. 18, n. 9, set. 2013 .
SANTOS, Manoel Antônio dos; HORMANEZ, Marília. Atitude frente à morte em
profissionais e estudantes de enfermagem: revisão da produção científica da última
década. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 9, set. 2013
116
ANEXO I: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa
da Universidade Veiga de Almeida
UNIVERSIDADE VEIGA DE
ALMEIDA / UVA
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Título da Pesquisa: FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA
ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO
Pesquisador: Leila Soares Jordano de Barros
Área Temática:
Versão: 1
CAAE: 09957312.8.0000.5291
Instituição Proponente: ANTARES EDUCACIONAL S.A. (Universidade Veiga de Almeida)
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 203.394
Data da Relatoria: 24/01/2013
Apresentação do Projeto:
De acordo com as normas exigidas e de grande valia no sentido interdisciplinar, no tocante à área da saúde.
Objetivo da Pesquisa:
Identificar os fatores psicossociais que contribuem para o enfrentamento do processo do adoecer pela
doença enxerto (DECH), no enfoque da psicanálise e da saúde.
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
Os benefícios superam na inteireza os riscos da pesquisa pois visa dá o aporte total ao paciente, quer no
sentido psicológico, emocional e físico.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
De expressivo significado para a saúde, pois busca tratar da qualidade de vida dos pacientes que
sobrevivem ao transplante, tendo como eixos o bem estar físico, social/fmiliar, emocional e funcional em
relação à sua vida cotidiana.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
De acordo com o necessário e o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa.
Recomendações:
Bem apreciado o valor da pesquisa que quer fortalecer e amparar a possibilidade de o paciente enfrentar a
doença.
Endereço: Rua Ibituruna nº 108, Bloco B, 5º andar
Bairro: Tijuca
CEP: 20.271-020
UF: RJ
Município: RIO DE JANEIRO
Telefone: (21)1574-8800
Fax: (21)1574-8800
E-mail: [email protected]
117
UNIVERSIDADE VEIGA DE
ALMEIDA / UVA
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Não há pendências.
Situação do Parecer:
Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP:
Não
Considerações Finais a critério do CEP:
RIO DE JANEIRO, 22 de Fevereiro de 2013
Assinador por:
Alexandre Felip Silva Corrêa
(Coordenador)
Endereço: Rua Ibituruna nº 108, Bloco B, 5º andar
Bairro: Tijuca
CEP: 20.271-020
UF: RJ
Município: RIO DE JANEIRO
Telefone: (21)1574-8800
Fax: (21)1574-8800
E-mail: [email protected]
118
Anexo II: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa
elaborado pelo HUCFF/UFRJ
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
CLEMENTINO FRAGA FILHO
((HUCFF/ UFRJ))
PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP
Elaborado pela Instituição Coparticipante
DADOS DO PROJETO DE PESQUISA
Título da Pesquisa: FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA
ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO
Pesquisador: Leila Soares Jordano de Barros
Área Temática:
Versão: 1
CAAE: 09957312.8.0000.5291
Instituição Proponente: ANTARES EDUCACIONAL S.A. (Universidade Veiga de Almeida)
Patrocinador Principal: Financiamento Próprio
DADOS DO PARECER
Número do Parecer: 213.659
Data da Relatoria: 07/03/2013
Apresentação do Projeto:
Protocolo 040-13 do grupo III, recebido em 22.2.2013
HUCFF é coparticipante.
Constam os seguintes documentos:
(1) Projeto de Pesquisa, postagem em 07.2.2013;
(2) Projeto consubstanciado da instituição proponente, postagem em 22.2.2013;
(4) Folha de Rosto, postagem em 07.2.2013;
(5) Anexo I, TCLE, postagem em 07.02.2013;
(6) Anexo II, isenção de custo, postagem em 07.02.2013;
(7) Anexo III, carta de anuência, postagem em 07.02.2013;
(8) Anexo IV, FES, postagem em 07.02.2013;
(9) Anexo V, FACT - BMT, postagem em 07.02.2013;
(10) Anexo VI, História de vida, postagem em 07.02.2013.
Objetivo da Pesquisa:
Objetivo Primário:
¿ Identificar os fatores psicossociais que contribuíram para o enfrentamento do processo de adoecer pela
doença enxerto (DECH), no enfoque da psicanálise e saúde.
Objetivo Secundário:
Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46
Bairro: Cidade Universitária
CEP: 21.941-913
UF: RJ
Município: RIO DE JANEIRO
Telefone: (21)2562-2480
Fax: (21)2562-2481
E-mail: [email protected]
119
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
CLEMENTINO FRAGA FILHO
((HUCFF/ UFRJ))
1- Conhecer a qualidade de vida dos sobreviventes após o transplante, tendo como eixos o bem estar físico,
social/familiar, emocional, funcional e preocupações adicionais relacionadas à vida cotidiana e ao trabalho. 2
- Analisar as condições psicossociais em que se deu a superação dos pacientes sobreviventes e a
perspectiva deles em relação ao futuro. 3- Descrever o perfil socioeconômico e cultural dos sujeitos que
realizaram TCTH alogênico, tentando correlacionar alguns traços gerais entre os que sobreviveram e os que
morreram em virtude da doença.
Avaliação dos Riscos e Benefícios:
Riscos:
Não existe.
Benefícios:
Produzir conhecimento científico sobre a contribuição dos fatores psicossociais associados ao
enfrentamento da DECH. Produzir uma reflexão que aproxime o conceito da saúde e psicanálise e traga
contribuições inovadoras para entender o sujeito no processo de adoecimento e finitude.
Comentários e Considerações sobre a Pesquisa:
Introdução:
A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitoria propriamente dita.Mahatma
GandhiO presente estudo cumpre exigência para a conclusão do curso de Graduação Strictu Sensu no
programa de Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, constituindose numa oportunidade para sistematizar minha prática profissional como assistente social, com 14 anos de
experiência com doenças onco-hematológicas e responsável pela Unidade de Transplante de Células
Tronco Hematopoéticas (TCTH) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade
Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse projeto pretende avaliar os fatores psíquicos e sociais que
contribuem para o enfrentamento da Doença Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH), num diálogo entre
Saúde e Psicanálise.O reconhecimento e estudo das questões psicossociais associadas com TCTH tem
história relativamente longa, sendo considerada uma área importante de investigação.
Considerei importante iniciar o trabalho definindo TCTH como um procedimento utilizado na tentativa de
cura ou aumento de sobrevida em pacientes, sendo indicado principalmente em doenças oncohematológicas. É considerado complexo e visa restaurar a função da medula após altas doses de
quimioterapia, associadas ou não à radioterapia. A principal característica desse procedimento e o que
difere da maioria dos transplantes de órgãos é que no TCTH o receptor recebe por via endovenosa, a
infusão de células-tronco (¿stem cells¿) ou células progenitoras hematopoéticas e essas células migram
pelo sangue até se fixarem na medula óssea do receptor e voltam a se multiplicar e cumprir suas funções
fisiológicas no hospedeiro. Trata-se de um
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120
HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
CLEMENTINO FRAGA FILHO
((HUCFF/ UFRJ))
tratamento agressivo e que acarreta severos efeitos colaterais, fatores de tensão físicos e psicológicos
vivenciados pelo paciente e sua família, além de outras complicações. O sofrimento do paciente está
vinculado a isolamento social, devido ao longo processo de internação, medo da morte e de possíveis
recaídas, angústia e desamparo. Existem três tipos de TCTH: Alogênico, quando as células-tronco
hematopoéticas provêm de um doador previamente selecionado por testes de compatibilidade, normalmente
identificado entre os familiares ou em bancos de medula óssea; Autólogo, quando as células-tronco
hematopoéticas provêm do próprio paciente e Singênico (haploidêntico), quando as células-tronco
hematopoéticas provêm de gêmeos idênticos (univitelinos). No caso do transplante alogênico, existe a
possibilidade do paciente desenvolver a DECH, mais conhecida pela abreviação em inglês GVHD (Graft
Versus Host Disease). Ela ocorre quando as células do doador (o enxerto) reagem contra o organismo do
paciente (o hospedeiro), mesmo que o doador seja um parente (transplante aparentado), podendo se
manifestar de forma aguda ou crônica e afetar diversas áreas do corpo, como a pele, o fígado, os olhos e a
boca, além disso, é responsável por mais de 15% das causas de morte nesse tipo de transplante (Dóro,
2000).Ser portador da DECH, implica em já ter vivenciado várias situações estressantes: Primeiro ser
comunicado de uma má notícia, com o diagnóstico, prognóstico e o tratamento de uma doença de base
(câncer); depois, possivelmente ter realizado tratamento convencional, com quimioterapia e/ou radioterapia,
não tendo uma resposta clínica satisfatória; por fim, a indicação de realizar o TCTH alogênico e a decisão de
se submeter ao procedimento, que confronta a incerteza dos resultados do tratamento com a possibilidade
de morte, além da busca por um possível doador. Essas situações podem esgotar as reservas psíquicas do
paciente, causando um sofrimento, que impacta na sua qualidade de vida. Essas questões fundam as
perguntas que inspiram a realização deste trabalho: O que leva o ser humano a vivenciar situações de
sofrimento tão intensas e por vezes sobre-humanas e ainda assim, conseguir vivenciá-las integralmente e
superá-las? O que leva a uns superar e outros não? Que fatores psíquicos e sociais contribuem
efetivamente para o enfrentamento da DECH?Considero importante ressaltar, que o conceito de qualidade
de Vida (QV) é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a percepção do indivíduo de sua
posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus
objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Podemos avaliar a Qualidade de Vida sob dois aspectos:
objetivo e subjetivo. O aspecto objetivo é possível de ser aferido, através das condições de saúde física,
remuneração, habitação, e também, por meio daqueles indicadores observáveis e mensuráveis. Já a
subjetividade da qualidade de vida busca os sentimentos humanos, as percepções qualitativas das
experiências vividas.Na medida em que proponho compreender os fatores psicossociais que influenciam o
comportamento humano, durante o processo do adoecer, entendo que é preciso cuidar dos sujeitos como
uma totalidade e ampliar o
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HOSPITAL UNIVERSITÁRIO
CLEMENTINO FRAGA FILHO
((HUCFF/ UFRJ))
olhar sobre o sofrimento para além da dimensão física, apontando para o cuidado integral. Desta forma,
esse trabalho se fundamentará à luz da teoria psicanalítica, que caminha no sentido de compreender o
campo da experiência subjetiva de cada sujeito. Para a Psicanálise, o sofrimento humano deve ser
abordado e tratado levando em conta a particularidade de cada pessoa que sofre, ou seja, levando em
conta a relação entre um sofrimento específico e uma história de vida única. Assim, não importa apenas a
doença, mas sobretudo, o sujeito que adoeceu.Freud (1896) propõe que toda ação ou comportamento é
determinado por um instinto (libido) biológico interno, cuja finalidade específica é a fuga ao desprazer. Esse
comportamento é provocado pela atuação do estímulo, entendido como o fator responsável pela elevação
do nível de tensão interna. Trata-se da Teoria da motivação humana, um fenômeno bastante complexo, que
trás uma concepção de homem como um ser de natureza essencialmente biológica que pode ser
influenciado, numa relação direta, pelo ambiente externo. Essa teoria retrata que o comportamento humano
é determinado pela motivação inconsciente e pelos impulsos instintivos. Isso nos leva a interrogar: como
diante de sofrimentos sucessivos, progressivos e graves o sujeito consegue encontrar dentro de si e em seu
entorno social uma capacidade de enfrentamento da doença e condições de cura? O homem sofre ao
adoecer porque passa a perceber a sua finitude, o que faz do sofrimento uma dimensão psíquica e
existencial. A psicanálise nos apresente conceitos fundamentais para abordar o presente tema e que serão
aprofundados ao longo da dissertação: Pulsão de vida e Pulsão de morte; Angústia; Morte e Finitude;
Sublimação. Freud (1923) disse que há um conflito inerente ao ser humano entre a pulsão de vida e a
pulsão de morte. A pulsão de vida tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade, o desejo de se
desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia humana para a busca da autoconservação. Já a pulsão de morte estaria relacionada ao retorno à imobilidade, tendo como representação
a destrutividade, a agressividade e tudo aquilo que limitaria o progresso da vida. Nesse trabalho daremos
ênfase à pulsão de vida, que para Freud, está relacionada à auto-conservação, na medida em que nos
chama atenção constatar a luta pela sobrevivência, o desejo pela cura da doença e consequentemente pela
vida. Os sujeitos ao enfrentar a DECH, conseguem buscar forças que vão além da dimensão física e desta
forma, a pulsão de vida comparece, a fim de amenizar a dor e o sofrimento que vezes pode vir a ser
intolerável. Para Freud, todos nós temos uma força que nos impulsiona para a busca da expansão, isto é, o
ser humano é eminentemente vida, isto é pulsão de vida!Por trás da DECH há sofrimento, medo da morte,
de possíveis recaídas, mas há também o extraordinário milagre humano da vontade de ser feliz e de
recomeçar onde a esperança parece morta. Desta forma, considero relevante a realização deste estudo,
uma vez que, os pacientes que desenvolvem a DECH apresentam importante rompimento das suas
atividades de sua vida cotidiana, implicando-lhe um sofrimento pouco explorado pela equipe
multiprofissional. Desta forma, se faz necessário
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pensar sobre a percepção dos pacientes, que envolve readaptações, enfrentamento da doença, aceitação
da nova condição, o lidar com a possibilidade da própria morte, o afastamento do convívio social, entre
tantas outras questões que permeiam as esferas biológicas, sociais e psicológicas das suas vidas.
Resumo:
Pretendo neste trabalho sistematizar minha prática profissional como assistente social, com 14 anos de
experiência com doenças oncohematológicas e responsável pela Unidade de Transplante de Células Tronco
Hematopoéticas (TCTH) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal
do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele tem como objetivo geral avaliar os fatores psicossociais que contribuem para
o enfrentamento da Doença Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH), num diálogo entre Saúde e Psicanálise.
Trata-se de uma doença, que se desenvolve após a realização do transplante alogênico de células tronco
hematopoéticas e, em geral, está vinculada ao isolamento social, medo da morte, angústia, além de outras
complicações e baixa sobrevida. Considero importante a realização deste estudo, uma vez que a DECH
impõe restrições ao ritmo de vida dos sujeitos, implicando-lhe um sofrimento ainda pouco explorado pela
equipe multiprofissional e comprometendo sua qualidade de vida. Inspirada na fala de um sobrevivente,
testo a hipótese de que um paciente tem a sua capacidade de enfrentamento da doença aumentada, na
medida em que apresente algumas das seguintes atitudes: seja confiante no tratamento, tenha fé na vida,
aceite a doença, tenha coragem para enfrentar os desafios, acredite nos profissionais de saúde, siga a risca
o tratamento, não perca a alegria de viver, possua uma rede de apoio e tenha amor no coração, pois esses
fatores podem minimizar o sofrimento e contribuir para a recuperação e o aprimoramento de sua qualidade
de vida. A metodologia quantitativa e qualitativa é baseada em escalas de avaliação de qualidade de vida e
em análise de prontuário, realizada em dois momentos: 1º- Estudo retrospectivo de prontuário, através de
dados contidos na Ficha de Estudo Social (FES); 2º- Estudo prospectivo, para avaliação de qualidade de
vida e situação funcional, através dos instrumentos FACT-BMT e avaliação da perspectiva para futuro com
questionário semi-estruturado. O projeto será desenvolvido após aprovação junto ao Comitê de Ética em
Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida. Pretende-se com esse trabalho, instigar um novo olhar sobre
as implicações subjetivas e sociais que favorecem o enfrentamento da DECH, enfatizando a constituição do
sujeito e de laços sociais no lidar com a doença à luz da psicanálise.
Hipótese:
Duas hipóteses norteiam o presente estudo: 1- Tomando como a base a fala de um paciente
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sobrevivente, minha hipótese é que - um paciente positivo, que seja confiante no tratamento, que tenha fé,
que aceita a doença, que tenha coragem para enfrentar os desafios, que acredita nos profissionais de
saúde, que gosta da vida, que segue a risca o tratamento, que não perde a alegria de viver, que possui uma
rede de apoio e que tenha amor no coração - aumente sua capacidade de enfrentamento da doença, pois
ter alguns ou vários desses fatores pode minimizar o sofrimento e contribuir na recuperação do indivíduo e
no aprimoramento de sua qualidade de vida. 2- Acredito que o sujeito quando fortalece a razão pela qual vai
enfrentar a doença, ele diminui a expressão do medo e trás à tona a motivação e a firmeza, superando mais
facilmente a adversidade.
Levando em conta observações empíricas, estou aqui inferindo que o retorno às atividades da vida
cotidiana, em especial ao trabalho, é o que imprimi aos pacientes a segurança de que estão recuperando a
saúde.
Metodologia Proposta:
Diante da complexidade de fatores psicossociais que influenciam o enfrentamento da DECH, apresento uma
proposta metodológica quantitativa e qualitativa que ajuda a compreender esta realidade de vários ângulos.
Enfoques teóricos no campo da saúde e da psicanálise irão nortear os conteúdos organizados através de
uma triangulação de métodos. Detalharei a seguir a multiplicidade de métodos que serão empregados e
analisados: estudo retrospectivo de prontuários; estudo prospectivo com entrevistas estruturadas;
entrevistas semiestruturadas. Métodos utilizados 1- Estudo retrospectivo da Ficha de Estudo Social (FES):
optei estudar todos os pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ, entre os anos de 2000 e
2010, que somaram um total de 132. A FES contém dados de identificação dos usuários, configuração
familiar, situação de trabalho, situação previdenciária e dados complementares, com parecer social.
Pretendo correlacionar alguns traços entre os que sobreviveram e os que morreram em virtude da doença, a
fim de sistematizar as informações, codificando os dados, tabulando as respostas de maior relevância,
buscando compreender o impacto das respostas que mais chamaram a atenção. 2- Estudo prospectivo com
entrevistas estruturadas: utilização do questionário FACT-BMT. Trata-se de uma Escala de Avaliação
Funcional da Terapia de Câncer específica para a realidade vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH.
Tal escala, na sua terceira versão (Mc- Quellon & cols., 1997), foi validade em português; 3- Entrevistas
semiestruturadas: encontro com os usuários para entrevista da história oral, com os sujeitos que
desenvolveram a DECH, buscando compreender o impacto psicossocial dessa síndrome em suas vidas e
abordando as expectativas deles em relação ao futuro. Unidade de saúde e sujeitos pesquisados. O Cenário
do estudo será a unidade ambulatorial de atendimento a pacientes de pré e pós TCTH (Day Clinic), que fica
situada no 8º andar do HUCFF da UFRJ, na Ala F e possui seis poltronas e um leito para
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atendimento, além de dois consultórios multidisciplinares. Cabe ressaltar que essa instituição concentra os
elementos essenciais à promoção e ao desenvolvimento da saúde pública: assistência à população, ensino
qualificado e pesquisa científica. Tem como principal objetivo atuar como hospital de nível terciário, inserido
no sistema de referência e contra-referência do Sistema Único de Saúde (SUS).Os sujeitos deste estudo
são os 132 pacientes submetidos ao TCTH no HUCFF/UFRJ, no período de 2000 até 2010.A pesquisa será
a encaminhado ao Plataforma Brasil e apreciada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Veiga de
Almeida, tendo como coparticipante o HUCFF/UFRJ. Pensando no respeito à dignidade humana e conforme
a resolução nº196/96 do Ministério da Saúde, a coleta de dados dessa pesquisa se processará levando em
conta autorização institucional para estudo de prontuário e assinatura do termo de consentimento livre e
esclarecido (TCLE) pelos sujeitos que manifestem a sua anuência à participação na pesquisa.
Critério de Inclusão:
1- Estudar dados de prontuário (FES) de usuários que se submeteram ao TCTH alogênico, realizado no
HUCFF/UFRJ, entre o período de 2000 à 2010.
2- 2- Entrevistar usuários que sobreviveram ao TCTH alogênico, realizado no HUCFF/UFRJ, entre o período
de 2000 à 2010.
Metodologia de Análise de Dados:
A organização e análise de dados serão feitas em três etapas: 1- Sistematização matemática, por
percentual, dos dados contidos na FES, construindo tabelas para análises comparativas dos resultados por
sexo, faixa etária, diagnóstico, dados socioeconômicos, renda familiar, situação trabalhista e previdenciária;
2- Sistematização matemática, por percentual, dos dados obtidos através do questionário FACT-BMT, dos
itens que se distribuem em cada domínio analisado (bem-estar físico, bem-estar social e familiar, bem-estar
emocional, bem-estar funcional e preocupações
adicionais), comparando os resultados entre os sujeitos. 3- Leitura horizontal das entrevistas
semiestruturadas que foram transcritas, buscando as categorias de relevância que saltam nessa primeira
leitura. Análise dos conteúdos mais relevantes no conjunto global de entrevistas. Ao final, vou sistematizar
as informações, comparando os dados codificados dos questionários, contrastando as respostas tabuladas
de maior relevância, buscando compreender o impacto das respostas e narrativas que mais chamaram a
atenção. Por fim, farei uma análise contextualizada e triangulada de todos dados obtidos, contrastando-os
com conceitos e temas apontados pela literatura
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Desfecho Primário:
Revisão bibliográfica, elaboração do projeto e apresentar no CEP.
Desfecho Secundário:
Elaboração do capítulo 1 e 2. Processo de Qualificação, estudo retrospectivo de prontuários, entrevistas,
análise de dados, introdução e conclusão, defesa de Dissertação e artigo Científico a ser publicado.
Desenho:
Identificar os fatores psicossociais de sujeitos que enfrentaram a DECH, após terem realizado transplante
alogênico, num hospital público do Rio de Janeiro, onde será feito um estudo retrospectivo de prontuário,
será aplicado um questionário de qualidade de vida e entrevista semiestruturada, levando em conta a
subjetividade e a singularidade do sofrimento, numa abordagem da psicanálise e saúde que contribua para
entender os fatores associados à sobrevivência e ao aumento da sobrevida.
Unidade de saúde e sujeitos pesquisados. O Cenário do estudo será a unidade ambulatorial de atendimento
a pacientes de pré e pós TCTH (Day Clinic), que fica situada no 8º andar do HUCFF da UFRJ, na Ala F e
possui seis poltronas e um leito para atendimento, além de dois consultórios multidisciplinares. Cabe
ressaltar que essa instituição concentra os elementos essenciais à promoção e ao desenvolvimento da
saúde pública: assistência à população, ensino qualificado e pesquisa científica. Tem como principal objetivo
atuar como hospital de nível terciário, inserido no sistema de referência e contra-referência do Sistema
Único de Saúde (SUS).
Os sujeitos deste estudo são os 132 pacientes submetidos ao TCTH no HUCFF/UFRJ, no período de 2000
até 2010.
A pesquisa será a encaminhado a Plataforma Brasil e apreciada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da
Universidade Veiga de Almeida, tendo como coparticipante o HUCFF/UFRJ. Pensando no respeito à
dignidade humana e conforme a resolução nº196/96 do Ministério da Saúde, a coleta de dados dessa
pesquisa se processará levando em conta autorização institucional para estudo de prontuário e assinatura
do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) pelos sujeitos que manifestem a sua anuência à
participação na pesquisa.
Tamanho da Amostra no Brasil: 132 - Estudo retrospectivo de prontuários e estudo prospectivo com
entrevistas estruturadas e semi estruturadas.
Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória:
1. Há carta de anuência do protocolo com a assinatura da pesquisadora responsável;
2. Há Orçamento e Cronograma.
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3. Há declaração da publicação dos resultados
4. No TCLE constam:
a) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa,
sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado;
b) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa;
c) Menção a ausência de riscos e aos benefícios esperados;
d) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia;
e) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos
na pesquisa.
Recomendações:
Nenhuma
Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações:
Conforme carta circular da CONEP/CNS nº 122/2012, item (f), a instituição coparticipante tem a prerrogativa
de analisar e aprovar, ou não, o estudo, tal qual ele foi aprovado pela instituição proponente, mas não deve
emitir pendências.
Situação do Parecer:
Aprovado
Necessita Apreciação da CONEP:
Não
Considerações Finais a critério do CEP:
1) De acordo com o item VII.13.d, da Resolução CNS n.º 196/96, o pesquisador deverá apresentar relatórios
anuais (parciais ou finais, em função da duração da pesquisa). Nos trabalhos sobre ¿Fármacos,
medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos ou não registrados no país¿, os relatórios deverão ser
semestrais (Resolução CNS n.º 251/97, item V.1.c).
2) Eventuais emendas (modificações) ao protocolo devem ser apresentadas, com justificativa, ao CEP de
forma clara e sucinta, identificando a parte do protocolo a ser modificada.
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RIO DE JANEIRO, 07 de Março de 2013
Assinador por:
Carlos Alberto Guimarães
(Coordenador)
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UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA – UVA COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP ANEXO IV – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Caro(a) Senhor(a)
Eu, Leila Soares Jordano de Barros, Assistente Social do Hospital Universitário
Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro e aluna do Mestrado
Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, telefone
de contato é (21) 25622806, vou desenvolver uma pesquisa cujo título é: “Fatores
psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro”.
Este estudo tem como objetivos: Avaliar os fatores psicossociais que contribuem
para o enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro (DECH); conhecer a percepção
dos sujeitos diante das mudanças em suas vidas após o transplante, tendo como eixos
principais o bem estar físico, social/familiar, emocional, funcional e preocupações adicionais
relacionadas à vida cotidiana e ao trabalho; compreender as dificuldades vivenciadas ao
longo da doença, visando a melhoria do tratamento.
Necessito que o Sr.(a). autorize a realização de uma entrevista para avaliar a
qualidade de vida ao longo do enfrentamento da doença. Essa entrevista é fácil de ser
compreendida e é autopreenchida. Peço também a sua autorização para fazer algumas
perguntas que poderão suscitar respostas espontâneas. Fique à vontade para responder ou
não a conteúdos apresentados, conforme for de seu entendimento e interesse. O momento da
entrevista oral poderá vir a ser gravado em MP4, se houver o seu consentimento, como meio
de favorecer a precisão do conteúdo informado e que será posteriormente transcrito.
A sua participação nesta pesquisa é voluntária e a realização das entrevistas não
determinará qualquer risco, nem trará desconfortos, pelos cuidados que teremos no manejo
da entrevista. Além disso, sua participação é importante para o aumento do conhecimento a
respeito dos aspectos psicossociais que facilitam o enfrentamento da doença.
Informo que o Sr(a). tem a garantia de acesso, em qualquer etapa do estudo, sobre qualquer
esclarecimento de eventuais dúvidas. Se tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética
da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade
Veiga de Almeida, situado na Rua Ibituruna 108 – Tijuca, fone (21) 2574-8871 e 2574-8849
e comunique-se com o Prof. Dr. Alexandre Felip S. Corrêa.
Também é garantida a liberdade da retirada de consentimento a qualquer
momento e deixar de participar do estudo.
Garanto que as informações obtidas serão analisadas em conjunto com os
orientadores dessa pesquisa, não sendo divulgado a identificação de nenhum dos
participantes.
O Sr(a). tem o direito de ser mantido atualizado sobre os resultados parciais
das pesquisas e caso seja solicitado, darei todas as informações que solicitar.
Não existirão despesas ou compensações pessoais para o participante em
qualquer fase do estudo, incluindo exames e consultas. Também não há compensação
financeira relacionada à sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será
absorvida pelo orçamento da pesquisa.
Eu me comprometo a utilizar os dados coletados somente para pesquisa e os
resultados serão veiculados através de artigos científicos em revistas especializadas e/ou
em encontros científicos e congressos, sem nunca tornar possível a sua identificação.
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP/UVA
Vila Universitária, Casa 3 - Sala 202 Campus Tijuca - (21) 2574-8800 / Ramal 307
E-mail: [email protected]
130
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA – UVA COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP ANEXO IV - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO
Acredito ter sido suficientemente informado à respeito do estudo “Fatores
psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro”. Ficaram
claros quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, as garantias
de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes.
Ficou claro também que a minha participação é isenta de despesas e que tenho
garantia do acesso aos resultados e de esclarecer minhas dúvidas a qualquer tempo.
Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento
a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidade ou prejuízo ou perda de
qualquer benefício que eu possa ter adquirido.
_____________________________________ Data_______/______/______ Assinatura do informante Nome: Endereço: RG. Fone: ( ) ______________________________________ Data _______/______/______ Assinatura do(a) pesquisador(a) COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP/UVA
Vila Universitária, Casa 3 - Sala 202 Campus Tijuca - (21) 2574-8800 / Ramal 307
E-mail: [email protected]
131
UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA – UVA
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP
ANEXO V - DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE CUSTO
Eu, Leila Soares Jordano de Barros, declaro para os devidos, que a pesquisa intitulada:
“Fatores psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro”,
sob minha responsabilidade, não irá gerar custo de qualquer natureza para a instituição
envolvida, nem tampouco a qualquer participante.
Rio de Janeiro, _____ de ________________ de 2012
_______________________________________
LEILA SOARES JORDANO DE BARROS
CRESS-RJ 8838
COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP/UVA
Vila Universitária, Casa 3 - Sala 202 Campus Tijuca - (21) 2574-8800 / Ramal 307
E-mail: [email protected]
132
ANEXO VI – FICHA DE ESTUDO SOCIAL
133
!
134
ANEXO VII - QUESTIONÁRIO QUALIDADE DE VIDA PÓS TRANSPLANTE FACT-BMT
FUNCTIONAL ASSESSMENT CANCER THERAPY – BONE MARROW TRANSPLANTATION
(VERSÃO 3)
NOME:
DATA:
/
/
:
Início: _______h________ min TÉRMINO: _______h________ min.
Abaixo você encontrará uma lista de declarações que outras pessoas com a sua doença disseram ser
importantes. Fazendo um círculo em um número por linha, favor indicar até que ponto cada declaração foi
verdadeira para você durante os últimos sete dias.
BEM-ESTAR FÍSICO
Nem
um
pouco
Um
pouco
Mais ou
menos
Bastante
Muito
1.
Estou sem energia
0
1
2
3
4
2.
Fico enjoado (a)
0
1
2
3
4
3.
Por causa da minha condição física, tenho dificuldade
em atender às necessidades da minha família
0
1
2
3
4
4.
Tenho dores
0
1
2
3
4
5.
Os efeitos colaterais do tratamento me incomodam
0
1
2
3
4
6.
Sinto-me doente
0
1
2
3
4
7.
Tenho que me deitar durante o dia
0
1
2
3
4
Nem
um
pouco
Um
pouco
Mais ou
menos
Bastante
Muito
BEM-ESTAR SOCIAL /FAMILIAR:
8.
Sinto-me próximo de meus amigos
0
1
2
3
4
9.
10.
Recebo apoio emocional da minha família
Recebo apoio de meus amigos
0
0
1
1
2
2
3
3
4
4
11.
12.
A minha família aceita a minha doença
Estou insatisfeito(a) com a comunicação da família
sobre a minha doença
Sinto-me próximo(a) do(a) meu(minha) parceiro(a)
(ou pessoa que me dá maior apoio)
0
0
1
1
2
2
3
3
4
4
0
1
2
3
4
13.
Independente do seu nível atual de atividade sexual, favor responder a pergunta a seguir. Se preferir não
responder, assinale o quadrículo o e passe para a próxima sessão.
_________________________________________________________________________________________
14.
Estou satisfeito com minha viada sexual
0
1
2
3
4
135
BEM-ESTAR EMOCIONAL
Nem
um
pouco
0
Um
pouco
Mais ou
menos
Bastante
Muito
1
2
3
4
15.
Sinto-me triste
16.
Estou satisfeito(a) com a maneira com que enfrento a
minha doença
0
1
2
3
4
17.
Estou perdendo a esperança na luta contra a minha
doença
0
1
2
3
4
18.
Sinto-me nervoso
0
1
2
3
4
19.
Estou preocupado(a) com a idéia de morrer
0
1
2
3
4
20.
Estou preocupado(a) que minha condição venha a
piorar
0
1
2
3
4
Por favor, faça um círculo em torno do numero que melhor corresponde ao seu estado durante os última
semana:
BEM-ESTAR FUNCIONAL:
Nem
um
pouco
0
Um
pouco
Mais ou
menos
Bastante
Muito
1
2
3
4
21.
Sou capaz de trabalhar (inclusive em casa)
22.
0
1
2
3
4
23.
Sinto-me realizado(a) com meu trabalho (inclusive em
casa)
Sou capaz de sentir prazer em viver
0
1
2
3
4
24.
Aceito minha doença
0
1
2
3
4
25.
26.
Durmo bem
Gosto das coisas que normalmente faço para me
divertir
Estou satisfeito(a) com a qualidade da minha vida
neste momento
0
0
1
1
2
2
3
3
4
0
1
2
3
4
4
Nem
um
pouco
Um
pouco
Mais ou
menos
Bastante
Muito
0
0
1
1
2
2
3
3
4
4
0
0
1
1
2
2
3
3
4
4
32.
Tenho medo que o transplante não irá funcionar
Os efeitos do tratamento são piores do que eu tinha
imaginado
Tenho bom apetite
0
1
2
3
4
33.
34.
Gosto da aparência do meu corpo
Sou capaz de fazer as coisas que estão ao meu redor
0
0
1
1
2
2
3
3
4
4
35.
36.
37.
Fico cansado(a) fácil
Tenho interesse em ter relação sexual
Tenho confiança em minha(s) enfermeira(s)
0
0
0
1
1
1
2
2
2
3
3
3
4
4
4
27.
PREOCUPAÇÕES ADICIONAIS:
28.
29.
30.
31.
Tenho pensado em retomar meu trabalho (inclusive
em casa)
Sinto-me distante de outras pessoas
136
ANEXO VIII - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA DE HISTÓRIA DE VIDA
Essa entrevista será oral, será feita com a sua permissão, e poderá ser gravada, se
você me autorizar.
Tomando como base a sua vida antes e depois do transplante, me responda as
perguntas a seguir:
1. Qual seu estado civil ? Alguma modificação antes ou depois do transplante?
2.Qual o seu grau de escolaridade? Alguma expectativa a ser destacada?
3.Qual a sua situação de trabalho atual? E anteriormente?
4.Qual a sua renda familiar mensal atual ? Ela foi alterada? Como?
5. Você relaciona o início da sua doença a algum fato traumático vivenciado?
6. Qual foi sua maior motivação para enfrentar e superar o tratamento?
7.Como você via a vida antes do transplante? Como você encara a vida hoje?
8.Como você via o futuro antes do transplante? Como hoje você vê os planos para o futuro?
Detalhe.
Ajude-nos a manter contato com você. Por favor, dê um nome, endereço e telefone de
outra pessoa que sempre saiba onde você está e que seja fácil de contatarmos caso tenhamos
dificuldade em encontrá-lo (por exemplo, pai/mãe, filhos ou um amigo próximo que não
viva junto com você). Por favor, certifique-se que esta pessoa dê permissão para que
possamos contatá-la por este motivo.
Nome: _____________________________________________________________
Endereço:___________________________________________________________
Telefone: ___________________________________________________________
Grau de parentesco: __________________________________________________
Agradecemos sua participação neste estudo.
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