UNIVERSIDADE VEIG A DE ALM EIDA M ESTRADO PRO FISSIO NAL EM PSICANÁLISE, SAÚDE E SO CIEDADE Leila Soares Jordano de Barros FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO Dissertação de Mestrado RIO DE JANEIRO 2013 Leila Soares Jordano de Barros FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO Trabalho de dissertação apresentado ao Programa de Pósgraduação Stricto Sensu do Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, como parte dos requisitos para obtenção do título de Mestre em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Área de concentração: Psicanálise e Saúde. ORIENTADORA: Drª. Fátima Gonçalves Cavalcante (UVA) COORIENTADORA: Drª. Maria Cláudia Rodrigues Moreira (UFRJ) RIO DE JANEIRO 2013 FOLHA DE APROVAÇÃO Leila Soares Jordano de Barros FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO Defesa em 4 de outubro de 2013. BANCA EXAMINADORA Professora Drª. Fátima Gonçalves Cavalcante – Orientadora Doutora e Pós-Doutora em Saúde Pública – ENSP/FIO CRUZ – RJ Professora Drª. Maria Cláudia Rodrigues Moreira – Coorientadora Doutora em Ciências Morfológicas – Instituto de Ciências Biomédicas – UFRJ Professora Drª. Maria Helena Martinho – Avaliadora Doutora em Psicanálise – UERJ – RJ Professor Dr. Renato dos Santos Veloso – Avaliador Doutor em Serviço Social – UERJ – RJ Professor Dr. Luiz José Veríssimo – Suplente Doutor em Psiquiatria, Psicanálise e Saúde Mental – UFRJ – RJ Esta dissertação é dedicada aos sujeitos da pesquisa, pela coragem de enfrentar o desafio do TCTH e a todos que poderão se beneficiar dos conhecimentos apresentados neste trabalho. AGRADECIMENTOS Às minhas orientadoras, Drª. Fátima Gonçalves Cavalcante e Drª. Maria Cláudia Rodrigues Moreira, pela serenidade transmitida neste momento de tanta ansiedade, por todo direcionamento de minha pesquisa e dos aprendizados que reuni ao longo do percurso. Aos professores da banca de Mestrado, Drª. Maria Helena Martinho e Dr. Renato dos Santos Veloso, pelas contribuições que enriqueceram este trabalho. Aos professores do Curso de Mestrado Profissional em Psicanálise Saúde e Sociedade pelos ensinamentos que levarei para o resto da vida. Aos colegas do mestrado com quem partilhei momentos de alegria e tristeza neste trajeto, especialmente Priscila Pradonoff e Telma Rosas. Aos sujeitos desta pesquisa, pela disponibilidade que tanto me emocionou. À minha amiga e enfermeira Selma Menezes, pelo incentivo e auxílio durante a construção do meu anteprojeto de pesquisa. À Dr. Lúcia Spitz (in memorian) pelos ensinamentos deixados. À equipe do Serviço de Hematologia Clínica do HUCFF/UFRJ, pelo reconhecimento do meu trabalho, em especial, Dr. Ângelo Maiolino, Berta Amado, Damasia Barbosa, Drª. Kátia Petruccio, Drª. Marcia Garnica, Enfª. Marise Teixeira, Dr. Nelson Spector, Enf. Roberto dos Reis, Dr. Roberto Magalhães, Enfª. Sara Klajmic e Dr. Wolmar Pulcheri. À equipe de Serviço Social do HUCFF/UFRJ que compartilha as alegrias e as angústias no cotidiano profissional, em especial Eliza Regina Ambrozio, Elizabeth Pinheiro e Madalena Rocha. A todas as acadêmicas de Serviço Social que estiveram sob minha supervisão e me ajudaram direta ou indiretamente a concretizar este trabalho, simbolizadas pela atual aluna Claudia Tavares e pela eterna Ione Bello. À minha família, em especial meu pai, Adyr (in memoriam), e minha mãe, Isis, meus filhos, Cristiane e Renan, por todo amor, carinho e apoio incondicional. À meu irmão, Alexandre, minha irmã, Liliane, minha sobrinha, Alessandra, e aos amigos João Paulo e Ana Carolina que me ajudaram no desenvolvimento deste trabalho. A DEUS, por sua presença constante na minha vida e pelo auxílio nas minhas escolhas. A todos que direta ou indiretamente participaram da realização deste sonho. Muito obrigada! LISTA DE SIGLAS E ABREVIATURAS ABRALE – Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia BNDES – Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social CATNEP – Comissão de Avaliação e Terapia Nutricional Enteral e Parenteral CF – Constituição Federal CEMO – Centro de Transplante de Medula Óssea CFESS – Conselho Federal de Serviço Social CNS – Conferência Nacional de Saúde CEFESS – Conselho Federal de Serviço Social CRESS – Conselho Regional de Serviço Social DAA – Divisão de Apoio Assistencial DECH – Doença Enxerto Contra Hospedeiro EBESERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares FES – Ficha de Estudo Social HUCFF – Hospital Universitário Clementino Fraga Filho HUs – Hospitais Universitários INCA – Instituto Nacional de Câncer INSS – Instituto Nacional de Seguridade Social MEC – Ministério da Educação OMS – Organização Mundial de Saúde QV – Qualidade de Vida REDOME – Registro Nacional de Doadores Voluntários de Medula Óssea RENACORD – Registro Nacional de Sangue de Cordão Umbilical REREME – Registro Nacional de Receptores de Medula Óssea SBTMO – Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea SMS – Secretaria Municipal de Saúde SNT – Sistema Nacional de Transplantes SUS – Sistema Único de Saúde TCC – Trabalho de Conclusão de Curso TCTH – Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas TFD – Tratamento Fora do Domicílio UFRJ – Universidade Federal do Rio de Janeiro UTCTH – Unidade de Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas LISTA DE ANEXOS Anexo I: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida Anexo II: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa elaborado pelo HUCFF/UFRJ Anexo III: Carta de Anuência do Chefe do Serviço de Hematologia do HUCFF/UFRJ Anexo IV: Termo de Consentimento Livre e Esclarecido Anexo V: Declaração de Isenção de Custo Anexo VI: Ficha de Estudo Social (FES) Anexo VII: Questionário de qualidade de vida pós-transplante – FACT-BMT (versão 3) Anexo VIII: Entrevista semiestruturada de história de vida RESUMO Este trabalho busca conhecer e compreender a vivência psicossocial de pacientes que adquiram a doença enxerto contra o hospedeiro (DECH), uma doença secundária, desencadeada após a realização do transplante de células-tronco hematopoéticas (TCTH) alogênico. Ele tem como objetivo geral avaliar os fatores psicossociais que contribuem para o enfrentamento da DECH, num diálogo entre Saúde e Psicanálise. Considero importante a realização deste estudo, uma vez que a DECH impõe restrições ao ritmo de vida dos sujeitos, implicando-lhes um sofrimento que compromete sua qualidade de vida. Inspirada na fala de um sobrevivente, testo a hipótese de que um paciente tem a sua capacidade de enfrentamento da doença aumentada, na medida em que apresente algumas das seguintes atitudes: seja confiante no tratamento, tenha fé na vida, aceite a doença, tenha coragem para enfrentar os desafios, acredite nos profissionais de saúde, siga à risca o tratamento, não perca a alegria de viver, possua uma rede de apoio e tenha amor no coração. A metodologia quantitativa e qualitativa foi realizada em três momentos: (1º) Estudo retrospectivo de prontuário, através de dados contidos na Ficha de Estudo Social (FES); (2º) Estudo prospectivo, para avaliação de qualidade de vida e situação funcional, através dos instrumentos FACT-BMT; (3) Avaliação da perspectiva para futuro através de questionário semiestruturado. O projeto foi aprovado no Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida e desenvolvido na Unidade de TCTH do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), onde atuo como assistente social há quinze anos. Os resultados apontam a importância de se conhecerem as implicações subjetivas e sociais que favorecem o enfrentamento da DECH, de se acolherem as atitudes do sujeito e fortalecerem seus laços sociais no lidar com a doença. Palavras-chave: Câncer, TCTH e DECH, psicanálise, qualidade de vida e fatores psicossociais. ABSTRACT This work seeks to know and understand the psychosocial experiences of patients who acquire the graft-versus-host disease (GVHD), a secondary disease, triggered after the completion of hematopoietic stem cell transplantation (HSCT) allogeneic. It aims at evaluating the psychosocial factors that contribute to the coping of GVHD, a dialogue between psychoanalysis and Health. Consider important to this study, since GVHD restricts the pace of life of individuals, implying her suffering which compromises their quality of life . Inspired by the talk of a survivor, I test the hypothesis that a patient has the ability to cope with the disease increased, to the extent that present some of the following attitudes: be confident in the treatment, have faith in life, accept the disease, have courage to meet the challenges, believe the health professionals, strictly follow the treatment, do not miss the joy of living, have a support network and have love in your heart. The quantitative and qualitative methodology was conducted in three phases: (1) A retrospective study of medical records through data in Sheet Social Study (FES), (2) prospective study to evaluate quality of life and functional status , through FACT- BMT instruments, (3) assessment of prospects for the future through semistructured questionnaire. The project was approved by the Ethics Committee of the Universidade Veiga de Almeida and was developed in HSCT Unit, University Hospital Clementino Fraga Filho (HUCFF) Federal University of Rio de Janeiro (UFRJ), where I work as a social worker for 15 years. The results show the importance of understanding the subjective and social implications that favor confrontation of GVHD, to accommodate the subject's attitudes and strengthen their social ties in dealing with the disease Keywords : Cancer, HSCT and GVHD, psychoanalysis, quality of life and psychosocial factors . SUMÁRIO INTRODUÇÃO 12 CAPÍTULO 1: Contextualização de doenças que ameaçam a vida 1.1-Uma Abordagem Holística da Saúde 1.2- Câncer: Doença estigmatizante 1.3- Sobre a morte e o morrer em sobreviventes da DECH: Kubler Ross 1.4- Conceitos gerais das doenças onco-hematológicas, TCTH e DECH 1.5- História do TCTH no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ 19 22 25 33 37 CAPÍTUL O 2: Interlocução entre o Serviço Social e a Psicanálise 2.1- O Serviço Social e seu caráter interdisciplinar 2.2- Interação do Serviço Social e a Psicanálise 2.3- Desafio do assistente social na prática cotidiana: Questão da subjetividade 2.4- Atribuições do assistente social na UTCTH do HUCFF/UFRJ 2.5- Trajetória profissional com pacientes transplantados 41 44 47 51 53 CAPÍTULO 3: O sujeito acometido pela DECH à luz da teoria psicanalítica 3.1- O sujeito pulsional e o poder de enfrentamento da doença: FREUD 3.2- Relatos de sofrimento, angústia, medo e morte 3.3- Adaptação às novas condições, limites e possibilidades funcionais 3.4- Família, motivação, fé e planos futuros 3.5- Grupo de Pacientes: um relato de experiência 59 66 69 74 77 CAPÍTULO: 4 Triangulação de dados quantitativos e qualitativos 4.1 Perfil clínico dos sujeitos da pesquisa 4.2 Perfil socioeconômico e cultural de transplantados alogênicos 4.3 Análise da qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT) 4.4 Vinhetas Clínicas de Sobreviventes a DECH 4.5 Recomendações para a Equipe de Saúde 83 84 89 90 96 CONCLUSÃO REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS APÊNDICE - Produto da Dissertação ANEXOS 98 104 108 116 12 INTRODUÇÃO O presente estudo buscou conhecer e compreender os fatores psicossociais de sujeitos que enfrentaram a Doença Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH) após terem realizado transplante alogênico de células tronco hematopoéticas (TCTH), num hospital público do Rio de Janeiro. A investigação de natureza quantitativa e qualitativa baseia--se num estudo retrospectivo de prontuário, na aplicação de um questionário de qualidade de vida e em entrevistas semiestruturadas. A análise triangula métodos e leva em conta a subjetividade e a singularidade do sofrimento, numa abordagem da psicanálise e saúde que contribua para entender os fatores associados à sobrevivência dos sujeitos. Este estudo cumpre exigência para a conclusão do curso de Pós-Graduação Stricto Sensu no programa de Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, constituindo-se numa oportunidade para sistematizar minha prática profissional como assistente social, com quinze anos de experiência com doenças onco-hematológicas, e responsável pela Unidade de Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (UTCTH) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). O reconhecimento e o estudo das questões psicossociais associadas com TCTH têm história relativamente longa, sendo considerada uma área relevante de investigação. Considerei importante iniciar o trabalho definindo o TCTH como um procedimento utilizado na tentativa de cura ou aumento de sobrevida em pacientes, sendo indicado principalmente em doenças onco-hematológicas. O transplante alogênico (TCTH) é considerado complexo e visa restaurar a função da medula após altas doses de quimioterapia, associadas ou não à radioterapia. A principal característica desse procedimento, e o que difere da maioria dos transplantes de órgãos, é que no TCTH o receptor recebe, por via endovenosa, a infusão de células-tronco (“stem cells”), ou células progenitoras hematopoéticas, que migram pelo sangue até se fixarem na medula óssea do receptor e voltam a se multiplicar e cumprir suas funções fisiológicas no hospedeiro. Trata-se de um tratamento agressivo que acarreta severos efeitos colaterais, tensões e fatores físicos e psicológicos vivenciados pelo paciente e sua família, além de outras complicações. O sofrimento do paciente está vinculado a isolamento social, devido ao longo processo de internação, medo da morte e de possíveis recaídas, angústia e desamparo. Existem três tipos de TCTH: Alogênico, quando as células-tronco hematopoéticas 13 provêm de um doador previamente selecionado por testes de compatibilidade, normalmente identificado entre os familiares ou em bancos de medula óssea; Autólogo, quando as célulastronco hematopoéticas provêm do próprio paciente; e Singênico, quando as células-tronco hematopoéticas provêm de gêmeos idênticos (univitelinos). No caso do transplante alogênico, existe a possibilidade de o paciente desenvolver a DECH, mais conhecida pela abreviação em inglês GVHD (Graft Versus Host Disease). Ela ocorre quando as células do doador (o enxerto) reagem contra o organismo do paciente (o hospedeiro), mesmo que o doador seja um parente (transplante aparentado), podendo se manifestar de forma aguda ou crônica e afetar diversas áreas do corpo, como a pele, o fígado, os olhos e a boca. Ser portador da DECH implica já ter vivenciado várias situações estressantes: primeiro ser comunicado de uma má notícia, com o diagnóstico, prognóstico e o tratamento de uma doença de base; depois, possivelmente ter realizado tratamento convencional, com quimioterapia e/ou radioterapia, não tendo uma resposta clínica satisfatória; por fim, a indicação de realizar o TCTH alogênico e a decisão de se submeter ao procedimento, que confronta a incerteza dos resultados do tratamento com a possibilidade de morte, além da busca por um possível doador. Tais situações podem esgotar as reservas psíquicas do paciente, causando um sofrimento, que o impacta na sua qualidade de vida. Essas questões fundam as perguntas que inspiram a realização deste trabalho: O que leva o ser humano a vivenciar situações de sofrimento tão intensas e por vezes sobre-humanas e, ainda assim, conseguir vivenciá-las integralmente e superá-las? O que leva a uns superar e outros não? Que fatores psicossociais contribuem efetivamente para o enfrentamento da DECH? Considero importante ressaltar, que a Organização Mundial de Saúde (OMS, 1995) conceitua Qualidade de Vida (QV) como “a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações”. Podemos avaliar a Qualidade de Vida sob dois aspectos: objetivo e subjetivo. O aspecto objetivo é possível de ser aferido através das condições de saúde física, remuneração, habitação, e também por meio daqueles indicadores observáveis e mensuráveis. Já a subjetividade da qualidade de vida busca os sentimentos humanos, as percepções qualitativas das experiências vividas. Na medida em que proponho compreender os fatores psicossociais que influenciam o comportamento humano, durante o processo do adoecer, entendo que é preciso cuidar dos sujeitos como uma totalidade e ampliar o olhar sobre o sofrimento para além da dimensão 14 física, apontando para o cuidado integral. Assim, este trabalho se fundamentará à luz da teoria psicanalítica, que caminha no sentido de compreender o campo da experiência subjetiva de cada sujeito. Para a Psicanálise, o sofrimento humano deve ser abordado e tratado levando em conta a particularidade de cada pessoa que sofre, ou seja, levando em conta a relação entre um sofrimento específico e uma história de vida única. Desta forma, não importa apenas a doença, mas, sobretudo, o sujeito que adoeceu. Entendo que o homem1 sofre ao adoecer porque passa a perceber a sua finitude, o que faz do sofrimento uma dimensão psíquica e existencial. A psicanálise nos apresenta um conceito fundamental para abordar o presente tema, que será aprofundado ao longo da dissertação: O conceito de Pulsão2. Freud em “As Pulsões e seus destinos” (1915) disse que há um conflito inerente ao ser humano entre a pulsão de vida e a pulsão de morte. A pulsão de vida tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade, o desejo de se desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia humana para a busca da autoconservação. Já a pulsão de morte estaria relacionada ao retorno à imobilidade, tendo como representação a destrutividade, a agressividade e tudo aquilo que limitaria o progresso da vida. Neste trabalho trarei como conceitos centrais a pulsão de vida e a pulsão de morte, que, para Freud, estão relacionados às tensões que surgem do impulso de autoconservação e das tendências à imobilidade e ao inorgânico, na medida em que nos chama atenção o modo como as pessoas lutam pela sobrevivência, o desejo pela cura da doença e, consequentemente, a luta entre a vida e a morte e a vivência da sobrevida. Os sujeitos, ao enfrentarem a DECH, conseguem buscar forças que vão além da dimensão física e, desta forma, a pulsão de vida comparece, a fim de amenizar a dor e o sofrimento que às vezes pode vir a ser intolerável; e, de outro lado, os efeitos secundários da DECH materializam reações orgânicas de rejeição dos elementos que o organismo interpreta como “estranhos”, que nos remetem às pulsões de morte e sua energia destrutiva. Para Freud, todos nós temos uma força que nos impulsiona para a busca da expansão, isto é, o ser humano é eminentemente vida – isto é pulsão de vida; de outro lado, o ser humano começa a morrer no 1 Usei o termo homem como sinônimo de humanidade, mas sei que a preocupação com a questão de gênero é uma discussão que vem avançando. 2 Segundo Roudinesco – dicionário de psicanálise –, o termo surgiu na França em 1625, derivado do latim pulsio, para designar o ato de impulsionar. Empregado por Sigmund Freud a partir de 1905, tornou--se um grande conceito da doutrina psicanalítica, definido como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem. 15 dia em que nasce, ou seja, ele ganha novas funções e vai perdendo outras, enfim, ele também é pulsão de morte. Isso nos leva a interrogar: como diante de sofrimentos sucessivos, progressivos e graves o sujeito consegue encontrar dentro de si e em seu entorno social uma capacidade de enfrentamento da doença e condições de cura? O número de transplantes (TCTH) realizados no Brasil vem crescendo nos últimos anos. De acordo com o Ministério da Saúde (2011), a expansão do Registro Brasileiro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME), instalado no Instituto Nacional de Câncer (INCA), é o principal motivo para o aumento no número de procedimentos. Atualmente, o Brasil possui dois milhões de doadores cadastrados, o terceiro maior banco de dados do gênero no mundo. Hoje o Brasil tem 70 centros para transplantes de células tronco hematopoéticas e 20 para transplantes com doadores não aparentados, segundo o site do INCA. (http://www.inca.gov.br - 2013). O tratamento de transplante é amparado pela Lei (Nº 9.434 de 04 de fevereiro de 1997) que dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano, para fins de transplante, tratamento e dá outras providências. Dentre as normas vigentes mais importantes para a atividade de TCTH, está a Portaria GM/MS n0 931 de 2 de maio de 2006, que aprova o regulamento técnico. Esta Portaria trata dos aspectos relativos às indicações para a realização do procedimento, da seleção de doadores, dos critérios para a seleção e busca de doadores não aparentados no registro nacional e nos internacionais, das normas para autorização de equipes e serviços e das responsabilidades dos diferentes órgãos envolvidos no sistema, dentre outros aspectos. O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da UFRJ é um dos quatro hospitais do Rio de Janeiro, que realizam TCTH pelo Sistema Único de Saúde (SUS)3. É um centro de excelência e tem como missão desenvolver ações de ensino e pesquisa em consonância com a função social da Universidade, articulada à assistência, à saúde de alta complexidade e integradas ao SUS, promovendo ao seu público atendimento de qualidade e de acordo com os princípios éticos e humanísticos. Diante da complexidade da DECH e do intenso sofrimento psicossocial que impacta a vida dos usuários, este estudo investiga os fatores que contribuíram para o enfrentamento da doença, abordando os problemas no retorno do pós-transplante à sua vida cotidiana. A DECH impõe restrições ao ritmo de vida dos usuários, por vezes gerando angústia e sofrimento, como a depressão, a fadiga, a insônia, a disfunção sexual, problemas no 3 Os hospitais do Rio de Janeiro, que realizam TCTH pelo SUS são: INCA, HUCFF, Hospital Universitário Pedro Ernesto (HUPE) e a Fundação Pró-Instituto de Hematologia (Hemorio). 16 relacionamento conjugal, entre outros. Há, no entanto, evidências de que o suporte psicossocial prestado por familiares e por profissionais qualificados tem impacto positivo na qualidade de vida de pacientes ou sobreviventes de câncer. Por isso, proponho estudar e compreender esse impacto, entendendo que qualidade de vida é medida pela quantidade e/ou qualidade de experiências positivas que experimentamos, além de estar ligada a valores relacionados com o sentido de realização, reconhecimento, paz de espírito, perseverança e, sobretudo, superação de desafios. Segundo Minayo (2000), o termo qualidade de vida no âmbito da saúde, quando visto no sentido ampliado, apoia-se na compreensão das necessidades humanas fundamentais, materiais e espirituais, tendo no conceito de promoção da saúde seu foco mais relevante. Desta forma, entendo que a qualidade de vida, no sentido amplo da expressão, somente é compreendida se for captada nas suas múltiplas dimensões, como a vida no trabalho, a vida familiar, a vida na sociedade. Ela tem relação direta com a pulsão de vida, a superação de desafios e a capacidade de realização do ser humano. Em síntese, vários motivos me levaram a realizar este estudo: a DECH impacta diretamente a qualidade de vida, a autoestima e o retorno à vida social; pacientes acometidos pela DECH necessitam fazer readaptações, enfrentar a doença, aceitar a nova condição, lidar com a possibilidade da própria morte, entre tantas outras questões que permeiam as esferas biológicas, sociais e psicológicas das suas vidas. O objetivo geral do estudo é conhecer e compreender os fatores psicossociais que contribuem para o enfrentamento do processo de adoecer pela doença enxerto (DECH), no enfoque da psicanálise e saúde. Há três objetivos específicos: 1- Descrever o perfil socioeconômico e cultural dos sujeitos que realizaram TCTH alogênico no HUCFF, tentando correlacionar alguns traços gerais entre os que sobreviveram e os que morreram em virtude da doença; 2- Conhecer a qualidade de vida dos sobreviventes após o transplante, tendo como eixos o bem-estar físico, social/familiar, emocional, funcional e preocupações adicionais relacionadas à vida cotidiana e ao trabalho; 3- Analisar as condições psicossociais em que se deu a superação dos pacientes sobreviventes e a perspectiva deles em relação ao futuro. Duas hipóteses norteiam o presente estudo: Primeira hipótese - Tomando como a base a fala de um paciente sobrevivente, minha hipótese é que um “paciente positivo” – que seja confiante no tratamento, que tenha fé, que aceite a doença, que tenha coragem para enfrentar os desafios, que acredite nos profissionais de saúde, que goste da vida, que siga à risca o tratamento, que não perca a alegria de viver, que possua uma rede de apoio e que 17 tenha amor no coração – aumente sua capacidade de enfrentamento da doença, pois ter alguns ou vários desses fatores pode minimizar o sofrimento e contribuir para a recuperação do indivíduo e o aprimoramento de sua qualidade de vida; Segunda hipótese - Acredito que o sujeito, quando fortalece a razão pela qual vai enfrentar a doença (dando um significado singular ao seu adoecer e à sua sobrevida), diminui a expressão do medo e traz à tona a motivação e a firmeza, superando mais facilmente a adversidade. A metodologia de pesquisa que embasa a presente dissertação irá triangular métodos quantitativos e qualitativos, ao fazer uso de três técnicas: 1- Estudo retrospectivo da Ficha de Estudo Social (FES) de pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ entre os anos de 2000 e 2010; 2- Estudo prospectivo com entrevistas estruturadas, utilizando o questionário FACT-BMT, uma Escala de Avaliação Funcional da Terapia de Câncer específica para a realidade vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH; 3- Entrevistas semiestruturadas com base na história oral com os usuários que desenvolveram a DECH, buscando compreender o impacto psicossocial dessa síndrome em suas vidas. Esta metodologia será detalhada no terceiro capítulo; a descrição dos dados e as análises finais serão apresentadas no terceiro e no quarto capítulos. Por trás da doença enxerto (DECH) há sofrimento, medo da morte, de possíveis recaídas, mas há também o extraordinário milagre humano da vontade de viver e de recomeçar onde a esperança parece morta. Esta investigação é relevante na medida em que nos ajuda a compreender a experiência de pacientes que desenvolvem a DECH e apresentam importante rompimento das suas atividades de vida cotidiana, implicando neles um sofrimento pouco explorado e conhecido pela equipe de saúde. Os capítulos seguintes irão refletir sobre a percepção dos pacientes acerca de sua sobrevida, circunstância que envolve readaptações, enfrentamento da doença, aceitação da nova condição, o lidar com a possibilidade da própria morte, o afastamento do convívio social, entre tantas outras questões que permeiam as esferas biológicas, sociais e psicológicas das suas vidas. O trabalho está dividido em quatro capítulos. No primeiro capítulo, farei uma breve contextualização da saúde, no qual abordarei o estigma do câncer e o tema da morte, além de conceituar doenças onco-hematológicas, o procedimento de TCTH e a DECH. Considerei oportuno, também, explicitar a história do TCTH no HUCFF/UFRJ. No segundo capítulo, abordarei o caráter interdisciplinar do Serviço Social, situando a sua interação com a psicanálise, tratando a questão da subjetividade na prática profissional, além de citar minhas atribuições nesse campo e trajetória profissional. No terceiro capítulo, falarei do sujeito acometido pela DECH à luz da teoria psicanalítica, utilizando o discurso livre dos sujeitos, 18 que resultou da entrevista semiestruturada, na qual abordo a dimensão imaginária da DECH, o processo de adaptação às novas condições, o poder de enfrentamento da doença, a perspectiva de futuro e do desejo de cura. Considerei importante registrar a experiência de grupo com esses pacientes. No quarto e último capítulo, mostrarei os resultados do trabalho de campo, que teve como principal instrumento para coleta de dados a Ficha de Estudo Social (FES) e o questionário de qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT). Por fim, são apresentadas vinhetas clínicas dos sujeitos entrevistados e algumas recomendações para as equipes de saúde que lidam com pacientes com possibilidade de morte iminente. 19 CAPÍTULO 1: Contextualização de doenças que ameaçam a vida A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitória propriamente dita. Mahatma Gandhi No presente capítulo, farei uma breve contextualização da saúde numa visão holística, abordando, além do estigma do câncer, o tema da morte e o morrer em sobreviventes da DECH. Também irei conceituar as doenças onco-hematológicas, o procedimento de TCTH e a DECH. Serão introduzidos autores da psicanálise que levam em consideração o modo como o sujeito experimenta subjetivamente o seu processo de adoecimento e a possibilidade da própria morte. Por fim, considerei oportuno, explicitar a história do TCTH no HUCFF/UFRJ. 1.1 - Uma abordagem holística da Saúde As mudanças econômicas, políticas, sociais e culturais, que ocorreram no mundo desde o Século XIX, intensificadas no século passado com os avanços das tecnologias médicas e ampliação da estimativa de vida, produziram alterações, aumento do desafio que é sobreviver e dos impasses para a vida em sociedade. A saúde, sendo uma esfera da vida dos homens em toda sua diversidade e singularidade, não permaneceu fora do desenrolar das mudanças da sociedade nesse período. O processo de transformação da sociedade é também o processo de transformação da saúde e dos problemas sanitários. (Brasil, 2006) Nas últimas décadas, tornou-se extremamente importante cuidar da vida de modo que se reduzisse a vulnerabilidade ao adoecer e as chances de que a doença seja produtora de incapacidade, de sofrimento crônico e de morte prematura de indivíduos. Além disso, a análise do processo de saúde-adoecimento evidenciou que a saúde é resultado dos modos de organização da produção, do trabalho e da sociedade em determinado contexto histórico; e também que o aparato biomédico não consegue modificar os condicionantes nem determinantes mais amplos desse processo, operando um modelo de atenção e cuidado marcado, na maior parte das vezes, pela centralidade dos sintomas. No Brasil, pensar outros 20 caminhos para garantir a saúde da população significou pensar a redemocratização do País e a constituição de um sistema de saúde inclusivo. (BRASIL, 2006) Em 1986, a 8ª Conferência Nacional de Saúde (CNS) tinha como tema “Democracia é Saúde”, constituindo-se em fórum de luta pela descentralização do sistema de saúde e pela implantação de políticas sociais que defendessem e cuidassem da vida. Era um momentochave do movimento da Reforma Sanitária Brasileira e da afirmação da indissociabilidade entre a garantia da saúde como direito social irrevogável e a garantia dos demais direitos humanos e de cidadania. A 8ª CNS lançou os fundamentos da proposta do SUS e divulgou o seguinte conceito: "Saúde é a resultante das condições de alimentação, habitação, educação, renda, meio ambiente, trabalho, emprego, lazer, liberdade, acesso e posse da terra e acessos aos serviços de saúde, é assim antes de tudo, o resultado das formas de organização social". (BAPTISTA, T. W. F., 2007 e MATTA, G. C., 2007) Essa forma mais ampla de entender a saúde num paradigma social aponta para uma mudança progressiva dos serviços, passando de um modelo assistencial, centrado na doença e baseado no atendimento a quem o procura, para um modelo de atenção integral à saúde, no qual haja incorporação progressiva de ações de promoção e de proteção, ao lado daquelas propriamente ditas de recuperação. (MATTOS, R. A. , 2001) A Constituição Federal de 1988 legitima o direito de todos, sem qualquer discriminação, às ações de saúde, assim como explicita o dever do poder público em prover pleno gozo desse direito. Trata-se de uma formulação política e organizacional para o reordenamento dos serviços e ações de saúde, baseada em princípios doutrinários que dão valor legal ao exercício de uma prática de saúde ética, que responda não a relações de mercado, mas a direitos humanos: Universalidade – garantia de atenção à saúde a todo e qualquer cidadão; Equidade – direito ao atendimento adequado às necessidades de cada indivíduo e da coletividade; e Integralidade – a pessoa é um todo indivisível inserido numa comunidade. Nela, o Estado Brasileiro assume como seus objetivos principais a redução das desigualdades sociais e regionais, promoção do bem de todos e a construção de uma sociedade solidária sem quaisquer formas de discriminação. Tais objetivos marcam o modo de conceber os direitos de cidadania e os deveres do estado no País, entre os quais a saúde. (BRASIL, 1988; BAPTISTA, T. W. F., 2007 e MATTA, G. C., 2007) No SUS, a estratégia de promoção da saúde é retomada como uma possibilidade de enfocar os aspectos que determinam o processo saúde-adoecimento em nosso País – como, por exemplo: violência, desemprego, subemprego, falta de saneamento básico, habitação inadequada e/ou ausente, dificuldade de acesso à educação, fome, urbanização desordenada, 21 qualidade do ar e da água ameaçada e deteriorada; além disso, potencializam formas mais amplas de intervir em saúde. (BRASIL, 2006) A promoção da saúde se faz por meio da educação, da adoção de estilos de vida saudáveis, do desenvolvimento de aptidões e capacidades individuais, da produção de um ambiente saudável. Está estreitamente vinculada, portanto, à eficácia da sociedade em garantir a implantação de políticas públicas voltadas para a qualidade de vida e ao desenvolvimento da capacidade de analisar criticamente a realidade e promover a transformação positiva dos fatores determinantes da condição de saúde. (BRASIL, 2006; MINAYO M. C., 2000). Entre as ações de natureza eminentemente protetoras da saúde, encontram-se as medidas de vigilância epidemiológica (identificação, registro e controle da ocorrência de doenças), vacinações, saneamento básico, vigilância sanitária de alimentos, do meio ambiente e de medicamentos, adequação do ambiente de trabalho e aconselhamentos específicos, como os de cunho genético ou sexual. Protege-se a saúde realizando exames médicos e odontológicos periódicos, conhecendo, a todo momento, o estado de saúde da comunidade, desencadeando-se oportunamente medidas dirigidas à prevenção e ao controle de agravos à saúde mediante a identificação de riscos potenciais. As medidas curativas e assistenciais, voltadas para a recuperação da saúde individual, complementam a atenção integral à saúde. (Brasil, 2006; MINAYO M. C., 2000) Entendo que a saúde deve ser abordada de forma interdisciplinar e holística, uma vez que a noção ampliada de saúde é determinada por um modo de ver o ser humano como uma totalidade e consiste no estudo não só da doença individual, mas também das respostas das pessoas a esta doença, sob os aspectos físico, psicológico e social. Portanto, uma estratégia de tratamento deve levar em conta todas as facetas da doença, tais como os efeitos da mesma nas relações pessoais, na família, no trabalho e no bem--estar emocional do paciente. O tratamento holístico privilegia o encorajamento da capacidade do próprio paciente de se curar. Segundo Lawrence Leshan (1992), a medicina holística é um conjunto de conceitos, não um conjunto de técnicas; fundamenta-se em quatro axiomas básicos, quatro ideias que, unidas, formam um todo coeso: 1- O ser humano existe em muitos níveis (físicos, psicológicos e espiritual), e todos são igualmente reais e importantes; 2 - Cada pessoa é única; 3 - O paciente deve fazer parte da equipe de decisões; 4 - A pessoa possui habilidade de autocura. 22 Com base na visão holística, a interdisciplinaridade surge como elemento necessário à superação da fragmentação imposta pela medicina tradicional, fazendo-se necessária a participação de profissionais de diferentes áreas do saber, entre eles o Assistente Social. O tema da interdisciplinaridade e a participação do Serviço Social na equipe de saúde serão abordados no capítulo 2. 1.2 - Câncer: Doença estigmatizante Segundo o Instituto Nacional de Câncer (INCA, 2013), o câncer é o nome dado a um conjunto de mais de cem doenças que têm em comum o crescimento desordenado de células, que invadem tecidos e órgãos. Dividindo-se rapidamente, estas células tendem a ser muito agressivas e incontroláveis, determinando a formação de tumores malignos, que podem espalhar-se para outras regiões do corpo. Entretanto, um tumor benigno, é considerado como uma massa localizada de células que se multiplicam vagarosamente e se assemelham ao seu tecido original, raramente constituindo um risco de vida. Os tumores podem ter início em diferentes tipos de células. Quando começam em tecidos epiteliais, como pele ou mucosas, eles são denominados carcinomas. Se o ponto de partida são os tecidos conjuntivos, como osso, músculo ou cartilagem, são chamados sarcomas. Outras características que diferenciam os diversos tipos de câncer entre si são a velocidade de multiplicação das células e a capacidade de invadir tecidos e órgãos vizinhos ou distantes (metástases). As causas de câncer são variadas, podendo ser externas ou internas ao organismo, estando inter-relacionadas. As causas externas referem-se ao meio ambiente e aos hábitos ou costumes próprios de uma sociedade. As causas internas são, na maioria das vezes, geneticamente pré-determinadas, e estão ligadas à capacidade do organismo de se defender das agressões externas. (INCA, 2013) O tratamento do câncer pode ser feito através de cirurgia, quimioterapia, radioterapia ou TCTH. Em muitos casos, é necessário combinar mais de uma modalidade, exigindo uma equipe de saúde especializada, engajada no tratamento individual e holístico do paciente e da sua família. A quimioterapia antineoplásica consiste no emprego de substâncias químicas, isoladas 23 ou em combinação, com o objetivo de tratar as neoplasias malignas. É o tratamento de escolha para doenças do sistema hematopoético e para os tumores sólidos, que apresentam ou não metástases regionais ou à distância. Elas são aplicadas, em sua maioria, na veia, podendo também ser dadas por via oral, intramuscular, subcutânea e tópica. Os medicamentos se misturam com o sangue e são levados a todas as partes do corpo, destruindo as células doentes que estão formando o tumor e impedindo, também, que elas se espalhem pelo corpo. (INCA, 2013) Radioterapia é um tratamento no qual se utilizam radiações para destruir um tumor ou impedir que suas células aumentem. Estas radiações não são vistas, e durante a aplicação o paciente não sente nada. A radioterapia pode ser usada em combinação com a quimioterapia ou outros recursos no tratamento dos tumores. (INCA, 2013) O Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH), que será aprofundado neste trabalho, é um tipo de tratamento proposto para algumas doenças que afetam as células do sangue, como a leucemia e o linfoma. Consiste na substituição de uma medula óssea doente, ou deficitária, por células normais de medula óssea, com o objetivo de reconstituição de uma nova medula saudável. O câncer apresenta em sua história um estranho paradoxo relacionado ao fato de que, à medida que a medicina foi alargando os conhecimentos e desenvolvendo tecnologias cada vez mais poderosas contra seus efeitos, o pavor das populações em relação a ele também se ampliou. Durante muito tempo quase nada se sabia sobre a doença, e era nula a capacidade dos médicos em evitar o sofrimento e as mortes que causava. No entanto, o câncer era pouco percebido na sociedade, fazendo parte de um grande rol de mazelas que pregam sofrimento e morte. Às suas vítimas, só restavam a agonia e, muitas vezes, a aversão social causada pelo temor de sua contagiosidade. (TEIXEIRA, 2007) Segundo Teixeira (2007), após meados do século XX, essa situação começou a se transformar. Os promissores tratamentos surgidos, ainda no início do século, começaram a se sofisticar, mostrando-se mais eficazes, ao mesmo tempo em que a prevenção pelo diagnóstico precoce passou a ser prioridade da medicina. No entanto, o maior conhecimento da doença e o surgimento de alguma esperança no tratamento dos acometidos também ampliavam a compreensão da extensão do mal, de suas diversas fases e da limitada capacidade da medicina em domá-lo, intensificando com isso o temor da sociedade. Por isso, ao longo dos anos, lhe foi associada uma rede de significações vinculadas às questões psicossociais e culturais. Em nossa sociedade, a pronúncia da palavra câncer traz 24 diferentes imagens e significados, sendo que muitos persistem até hoje na subjetividade das pessoas, como a concepção de que o câncer é uma doença que se espalha pelo corpo ou é uma doença do espírito. O significado da culpa também está presente nessas pessoas, pois estar com o câncer tem sido relacionado a hábitos de vida não saudáveis e a comportamentos desvalorizados em nossa sociedade. A incurabilidade é outra significação associada ao câncer, pois ele ainda é visto como um ente que destrói, ele tem vida e tira a vida de quem o tem, consubstanciando-se como uma doença monstruosa. (MARUYAMA, 2006) A experiência do adoecimento pelo câncer é marcada por desafios e enfrentamentos, tanto que o peso da palavra câncer pode ser percebido nos gestos, nas falas, nos olhares, enfim, nos comportamentos que as pessoas têm ao se referirem a ela. O símbolo do câncer como doença estigmatizante é antigo, apesar de os avanços no diagnóstico e tratamento contribuírem para desconstrução desta imagem. O nome da enfermidade assusta. Até hoje, muitos se recusam a pronunciá-la e trocam sua enunciação por “aquela doença”, “doença ruim” ou qualquer outro eufemismo que soe diferente de câncer. O estigma que envolve a doença não é uma essência ou uma coisa objetiva, mas um processo social no qual um atributo, num determinado contexto social, é considerado indesejável, tendo o efeito de depreciar a identidade daquele que o possui (GOFFMAN, 1988). Além disso, o diagnóstico de câncer determina um marco na vida dos pacientes, caracterizado por uma série de mudanças de ordem biológica, física, afetiva e psicossocial. Os pacientes portadores de câncer precisam lidar com os desafios do diagnóstico e com a nova repercussão que sua vida toma diante dos efeitos do tratamento e de sua adaptação com a nova rotina. Ao início do tratamento oncológico, novos sentimentos interferem na dinâmica familiar e especificamente invadem o mundo privado do paciente. Este se vê em um mundo novo, onde um cenário de dor e angústia o fragiliza. O câncer, além de ser estigmatizante, traz incertezas sobre a cura, sobrevivência e instabilidade do paciente ao meio social. Recentemente, a mídia tem mostrado algumas celebridades que tiveram que enfrentar a doença. Ressalto a presidente do país, Dilma Rousseff, que enfrentou e superou um linfoma; o ex-presidente, Lula, que hoje enfrenta o tratamento quimioterápico e radioterápico para tratar de um câncer de laringe; e especialmente o ex-vice-presidente, José Alencar, que ajudou o país a romper com o estigma do câncer. (VEJA, 2011) Alencar teve postura firme na vida e na política, ao ser acometido por um câncer raro e ter tornado públicas as diversas fases do seu tratamento, inaugurando um importante espaço de diálogo e reflexão sobre a doença. Ele ensinou, com sua vida e sua morte, sobre a força 25 da fé, sobre a importância fundamental da família e dos amigos para o sucesso do tratamento, além da coragem no enfrentamento da doença. 1.3 - Sobre a morte e o morrer em sobreviventes da DECH: Kübler Ross A morte contraria os objetivos fundamentais propostos para a ciência, que é a promoção da saúde e a manutenção da vida. Contudo, ela é a única certeza que temos na vida, sendo o homem o único ser vivo que tem consciência de sua finitude. Por isso, podemos perceber que a “grosso modo” a morte é um fenômeno natural que ocorre com todos os seres vivos; e que ela representa a última etapa do ciclo da vida e é também representada como o momento crucial em que se deixa para trás tudo o que se conquistou durante toda vida. Para abordar esse tema, não poderia deixar de citar Elisabeth Kübler-Ross, uma psiquiatra que teve uma contribuição fundamental por refletir sobre a morte com coragem e lucidez, além de demonstrar a importância da multidisciplinaridade no trabalho de saúde. Kübler-Ross (1969) ajudava os outros a enfrentarem a morte e a constatarem que a compaixão é uma arma imprescindível para cuidar dos que se encontram no fim da vida. Autora do livro On Death and Dying (Sobre a morte e o morrer), um clássico da tanatologia4, obra em que ela identifica fases nos períodos que antecedem a morte e cria métodos para profissionais de saúde e familiares acompanharem e ajudarem um paciente terminal. O seu trabalho neste livro é ímpar por duas razões. Por um lado, através do contato direto com doentes em fim de vida, ela tenta compreender as suas necessidades. Por outro lado, denuncia o estado em que se encontra a temática da morte na sociedade em geral e nos cuidados de saúde em particular. Ela descreve o livro como sendo simplesmente um relato de uma nova e desafiadora oportunidade de focar no paciente como ser humano para incluí-lo nos diálogos, para aprender com ele os pontos fortes e fracos de nossa gestão hospitalar do paciente. Nós pedimos que ele seja o nosso professor, para que possamos aprender mais sobre os estágios finais da vida, com todas as ansiedades, medos e esperanças. Estou simplesmente 4 A palavra Tanatologia deriva do grego Thanatos (o deus grego da morte) e Logia que deriva do grego Logos (ciência, estudo), tendo como significados o estudo da morte ou a ciência da morte. 26 contando as histórias de meus pacientes que compartilharam suas angústias, suas expectativas e suas frustrações com a gente. (KÜBLER-ROSS, 1969: 11) Kübler-Ross (1969), em seu livro On Death and Dying, mantém um discurso e atitudes que denunciam a ocultação da temática da morte no contexto social, apelando para a importância de nos aproximarmos dos que estão perto da morte e conhecermos as suas necessidades, havendo ao mesmo tempo a firme expressão de uma crença pessoal num além, que a autora caracteriza como uma paz e um amor inesgotáveis. Em sua autobiografia intitulada, The Wheel of Life, a autora afirma a crença numa vida para além da morte, fundamentada em experiências relatadas e baseando-se nos testemunhos dos pacientes, nos quais identificou quatro fases do processo de morte, em pessoas que tiveram experiências de “quase morte”, uma morte clínica temporária, com retorno à vida após procedimentos médicos (KÜBLER-ROSS, 1997, p. 190-192): 1ª fase – a pessoa flutua fora do seu corpo; 2ª fase – depois de saírem dos corpos, muitos testemunhos falavam numa fase de espírito e energia em que se encontravam com anjos da guarda que os consolavam com amor e os guiavam junto de familiares já falecidos; 3ª fase – guiados pelos anjos da guarda, as pessoas relatavam a entrada num túnel com uma luz intensa ao fundo; 4ª fase – segundo os testemunhos, nesta fase havia o encontro com uma Fonte suprema. Entendo que no nosso universo racional, apesar da certeza da morte, a grande maioria dos seres humanos a teme e, se pudesse, a adiaria. Quase sempre ela chega de surpresa, mesmo nas situações quando a pessoa se encontra em adiantado estado de doença, continuando, ainda assim, a manter uma luta pela vida, do mesmo modo que a família continua a nutrir esperanças por sua recuperação. Kübler-Ross (1969) refere que é a própria sociedade, com os seus modelos de formação tecnicista e com uma certa visão de onipotência da evolução tecnológica, que conduz o ser humano a acreditar na sua imortalidade ou, melhor, a negar a morte do seu contexto diário. Ela defende a necessidade de refletirmos socialmente sobre a morte para melhor encararmos a vida, e afirma que embora cada homem vai tentar a sua maneira de adiar essas questões e problemas até que ele é forçado a enfrentá-los, ele só será capaz de mudar as coisas, se ele puder começar a conceber a sua própria morte [...] Cada um de nós, sente a 27 necessidade de evitar esse problema, mas cada um de nós tem que enfrentá-lo, mais cedo ou mais tarde. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 31) Acredito que a percepção da morte varia de acordo com a duração da vida; portanto, ao abordar esse tema no cotidiano hospitalar, não podemos deixar de remetê-la à totalidade social, ou seja, por trás de cada paciente que ingressa numa unidade de saúde existe uma história de vida decorrente do meio em que ele está inserido. Assim, também é verdade que por trás de cada profissional de saúde também existe uma história de vida que vai influenciar nas suas reações diante da morte. Além disso, é importante ressaltar que a dimensão social do sofrimento humano é marcada pelo isolamento, criado justamente pela dificuldade de comunicação sentida no processo de adoecer e morrer, tornando fundamental a presença solidária, seja do profissional de saúde, seja dos familiares e amigos. Portanto, no leito hospitalar do que mais o paciente precisa é alguém que o escute, que queira dividir com ele suas angústias e aflições. Veja o que diz, Kübler-Ross sobre o assunto: Quero garantir-vos que é uma bênção se sentar à beira do leito de um paciente morrendo. Morrer não tem que ser um assunto triste e horrível. Em vez disso, você pode experimentar muitas coisas maravilhosas e amorosas. O que você aprendeu com pacientes morrendo você pode passar para seus filhos e seus vizinhos e, talvez, o nosso mundo seria um paraíso novamente. Eu acredito que agora é a hora de começar. (KÜBLER-ROSS, 1991, p.20) Quanto aos profissionais de saúde que lidam com esse tipo de situação no seu cotidiano, estes também sofrem, devido ao vínculo que se estabelece entre eles, os pacientes e os familiares durante o período de tratamento e internação. Além disso, uma postura neutra, fingindo objetividade, pode gerar conflitos íntimos que angustiam os profissionais envolvidos diante da possibilidade da morte, sendo papel desses profissionais ultrapassar a frieza técnica, promovendo contato empático e auxiliando no enfrentamento da perda. Embora os profissionais de saúde também sofram junto com os pacientes terminais, Kübler-Ross (1969) denuncia o fato de esses profissionais se encontrarem melhor preparados tecnicamente, mas ainda muito pouco preparados psicológica e humanamente para acolher o sofrimento do ser humano que está doente e no fim da vida. Nas suas palavras “nós muitas vezes tomamos como certo que ‘não há nada que se possa fazer’ e concentramos os nossos interesses no equipamento, ao invés das expressões faciais do paciente, o que pode nos dizer coisas mais importantes do que a máquina mais eficiente”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 34) 28 Para a autora, além de uma maior consciencialização sobre a morte humana, os profissionais de saúde, que inevitavelmente entrarão em contato com o morrer, deverão ter mais formação no campo das relações interpessoais, para conseguirem prestar cuidados de saúde mais humanos. Sobre isso, afirma: “Se pudéssemos ensinar aos nossos estudantes o valor da ciência e tecnologia, simultaneamente, com o ato e ciência das relações interhumanas […] seria um progresso real”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 31) Como já abordamos na introdução deste trabalho, o portador da DECH vivencia situações de sofrimento tão intensas, que podem levar ao esgotamento das suas reservas psíquicas, na medida em que confronta a incerteza dos resultados do tratamento com a possibilidade da própria morte. Caminhando no sentido de compreender o processo do adoecer e morrer dos pacientes, considerei importante ampliar o olhar sobre o sofrimento para além da dimensão física e apontar para o cuidado integral com proposta de aliviar esse sofrimento. Desta forma, optei por descrever as cinco fases identificadas por Kübler–Ross (1991) nos períodos que antecedem a morte. São elas: 1- Negação e Isolamento – A primeira reação psicológica que Kübler-Ross (1969) detectou nas entrevistas com doentes em fase terminal foi a negação. Essa fase ocorre quando o paciente, confrontado com a notícia de que tinha uma doença potencialmente mortal, reagia negando a própria verdade que lhe tinha sido comunicada. Kübler-Ross (1969) constatou que o doente entrava num estado de choque inicial e, logo em seguida, verbalizava a impossibilidade do acontecido. Segundo a autora, essa situação é proveniente da comunicação abrupta e, às vezes, prematura ao paciente, por quem não o conhece bem. A negação funciona como uma defesa temporária, sendo posteriormente substituída por uma aceitação parcial. Tal fato faz com que, inicialmente, os pacientes comunicados da possibilidade de sua morte iminente, recorram a outros médicos, exames, etc, para que sua negação seja comprovada, levando-os muitas vezes à frustração ou a uma busca incessante da cura para sua patologia. Kübler Ross (1991) afirma que, como todos nos consideramos imortais em nosso inconsciente, é quase inconcebível que reconheçamos que também enfrentaremos a morte. Diante de uma notícia tão difícil de aceitar, a primeira defesa é negá-la, atitude que protege a pessoa. Mas ao sair da negação e entrar em contato com a realidade, o sujeito começa a sentir diferentes sentimentos, tais como revolta, raiva, inveja e ressentimento. O paciente se questiona por que ele se encontra vivenciando aquela doença. Esse estágio é um dos mais difíceis de lidar com o paciente, tanto do ponto de vista da equipe de saúde que o acompanha, quanto dos familiares, já que a raiva se propaga em todas as direções sem razão plausível. 29 A Negação retira do indivíduo não só a percepção necessária para lidar com os desafios externos, mas também a capacidade de valer-se de estratégias de sobrevivência adequadas. Segundo a autora, quem se aproximar destes doentes nesta fase deverá não interferir e deixar que sigam o seu curso de consciencialização da gravidade do seu estado. Nesse contexto, o doente poderá numa fase posterior cair numa situação de isolamento pessoal. Em suas palavras, é muito mais tarde, normalmente, que o paciente em situação de isolamento pode, então, falar sobre a sua morte e de sua doença, sua mortalidade e sua imortalidade, como se fossem irmãos gêmeos autorizados a existir lado a lado, enfrentando assim a morte e ainda manter a esperança. (KUBLER-ROSS, 1969, p.54) No seguimento do pensamento de Kübler-Ross (1969), a chave para cuidar dos doentes nesta fase e nas fases seguintes é sempre, e sobretudo, a escuta e a presença amiga. 2- Raiva – Após um período inicial em que a negação está presente no discurso e na ação do doente, este poderá enveredar por sentimentos de raiva e cólera, intrinsecamente: “por que eu?”. questionando--se A autora (1969) refere que qualquer pessoa ficaria desesperada se todas as suas atividades de vida fossem interrompidas tão prematuramente. Esta fase é bastante difícil, tanto para a família, como para os profissionais de saúde. O doente faz críticas agressivas contra os profissionais de saúde e inclusive contra a própria família. Segundo Kübler-Ross (1969, p. 64), “as enfermeiras são frequentemente alvo de sua raiva. O que quer que toque não está certo. No momento, em que eles deixam a sala, o sino toca [...]. A visita da família é recebida com pouca alegria e expectativa, o que faz do encontro um evento doloroso”. Para a autora, há que se promover a tolerância perante as reações de raiva do doente. Ela sublinha que temos que aprender a escutar o doente e aceitar os seus acessos de raiva, percebendo que ele se encontra com a necessidade de expressar sentimentos hostis, o que lhe dará alívio. 3- Negociação – Ocorre quando o paciente oferece alguma coisa “em troca”, geralmente um bom comportamento, para que lhe seja concebido algo (como a ruptura do tratamento para vivenciar uma situação familiar, por exemplo, ou até mesmo o prolongamento da vida). Segundo a autora, esse é um tipo de adiamento que inclui um prêmio oferecido, estabelece também uma meta e inclui ainda uma promessa implícita de que o paciente não pedirá outro adiamento, caso o primeiro seja concedido. Trata-se de um estágio curto. Segundo Kübler-Ross (1969), esta fase é a menos conhecida, mas muito importante 30 para o doente durante um curto período de tempo. Nesta etapa, o doente abandona as reações de raiva e adota a estratégia de negociar mais tempo de vida, prometendo normalmente a entidades divinas mudanças de comportamento. Em suas palavras, a maioria das barganhas são feitas com DEUS e são geralmente mantidos em segredo ou mencionados nas entrelinhas ou no escritório particular de um capelão. [...] Nós ficaremos impressionados com o número de pacientes que prometem uma “vida dedicada a DEUS” ou “a vida a serviço da Igreja”, em troca de algum tempo adicional. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 95) Apesar da relativa frequência com que os doentes estabelecem promessas com DEUS para adiar o seu fim, Kübler-Ross (1969) alerta para os indícios de culpa que esta reação emocional esconderá na sua natureza. Em algumas circunstâncias, o doente poderá estar a martirizar-se e a fazer mais promessas – ir mais vezes à igreja, tornar-se melhor mãe ou pai, numa tentativa de remissão de erros que pensa ter cometido no seu passado. Nestas circunstâncias, para Kübler-Ross (1969), a equipe de saúde deverá estar atenta aos sinais do doente para ajudá-lo a superar esta culpa do passado e também a culpa por não conseguir concretizar as promessas atuais. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 95) 4- Depressão – Essa fase ocorre quando já não é mais possível negar a doença, quando o doente se encontra bastante debilitado e, mais uma vez, foi internado no hospital, podendo ocorrer uma fase de depressão. Kübler-Ross (1969) define dois tipos de depressão vivenciados pelos pacientes terminais e que merecem atuações diferentes por parte dos profissionais de saúde e da própria família: uma é a depressão reativa e a outra é a depressão preparatória. Na primeira, o paciente fica deprimido por saber da sua morte iminente e não conseguir encontrar soluções para as atividades que aparentemente só ele desenvolvia, como, por exemplo, o fato de ser o cuidador de seu lar e possuir pessoas que dependam da sua presença, como crianças ou idosos. Portanto, o doente poderá estar com uma depressão reativa porque simplesmente está preocupado com os cuidados aos filhos pequenos que estão em casa, a quem não pode ajudar por se encontrar hospitalizado. Esse tipo de depressão se finda logo que sejam encontradas soluções para as suas aflições. Já o segundo tipo, a depressão que se torna um instrumento na preparação da perda iminente de todos os objetos amados, geralmente é silenciosa, em contraposição ao primeiro que requer muita conversa e até intervenções ativas por parte dos outros em muitos assuntos, e o paciente tem muito para comunicar. Nesta fase, há pouca ou nenhuma necessidade de palavras, sendo o momento fundamental para aceitação pacífica da morte iminente. Nesta 31 etapa, o silêncio e a presença amiga são fundamentais na ajuda ao doente. Para a autora, “na tristeza não existe necessidade de palavras. É muito mais um sentimento que pode ser mutuamente expresso e, muitas vezes, é feito melhor com um toque de uma mão, um acariciar do cabelo, ou apenas uma sessão em silêncio juntos”. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 99-100) Esta depressão pode ser necessária para o doente entrar numa fase de aceitação do fim da sua vida. Em certas circunstâncias, ocorre uma dissociação entre a vontade da família em desejar a vida do seu familiar e a vontade do doente em partir. Caberá aos profissionais de saúde ajudar a família a compreender que aquilo que o doente mais precisa naquele momento é de companhia, podendo os apelos ao ânimo e à coragem prejudicar a caminhada do familiar para o desprendimento e para a aceitação do término da vida. (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 100) 5- Aceitação – Esta fase representa o culminar de todas as reações emocionais do doente em fase terminal. É o estágio final, um “baixar das armas”, uma rendição do doente perante a iminência da morte. O paciente já terá passado por todos os estágios anteriores. Sentir-se-á cansado, como se a dor tivesse esvaecido, a luta tivesse cessado e chegado o momento final. Segundo Kübler Ross (1991), muitos doentes, quando ajudados, alcançarão esta fase, apresentando uma necessidade de acompanhamento em que a comunicação verbal é quase nula. Nesse estágio, a família precisará de ajuda, compreensão e apoio, mais do que o próprio paciente, já que nesse momento os interesses deste pelo mundo exterior vão gradativamente diminuindo com a aproximação da morte, quando ele não sente mais vontade de conversar com ninguém. A presença ao lado do doente em fase terminal é muito rica emocionalmente e também significa o seu não abandono. Kübler-Ross diz que o estar ao lado do doente conduzirá a pensar que “ele não é deixado sozinho, quando ele não quer mais falar e um aperto de mão, um olhar, as costas apoiadas no travesseiro podem dizer mais do que muitas palavras 'barulhentas'” (KÜBLER-ROSS, 1969, p.124). Isso revela a convicção de KüblerRoss de que o doente em fase terminal, que foi ajudado, alcançará a aceitação e morrerá em paz. Nas suas entrevistas, ela verificou que os doentes a quem foi possibilitado exteriorizar os medos, a raiva e a ansiedade apresentam um percurso mais facilitado até à aceitação, e que o cunho da esperança apresenta-se como traço comum que atravessa as várias fases emocionais do doente. Para além deste mecanismo de defesa, a manutenção da esperança do doente, 32 Kübler-Ross (1969) constatou que, quando os doentes deixavam de apresentar sinais de esperança, encontravam-se preparados e, pouco tempo depois, morriam. Para além deste fato, a autora também evidenciou dois tipos de esperança: a esperança inicial, que está relacionada com a possibilidade de encontrar-se uma terapêutica curativa, e uma esperança tardia, de curto prazo, que o doente sente quando se apercebe de que a terapêutica já não é eficaz, e envereda, então, por uma esperança numa vida após a morte e/ou uma esperança dirigida para as pessoas que irá abandonar em curto prazo. Kübler-Ross exemplifica: “Uma jovem mãe que estava morrendo mudou sua esperança pouco antes de sua morte, com a declaração: ‘Espero que meus filhos possam fazê-lo’. Outra mulher, que é religiosa, me disse: ‘Eu espero que Deus vá me aceitar em seu jardim’". (KÜBLER-ROSS, 1969, p. 158) Ainda a propósito da esperança, Kübler-Ross (1969) refere alguma conflitualidade que, por duas razões básicas, poderá ocorrer entre a pessoa doente e as pessoas que a rodeiam: 1- Ocorre quando os técnicos de saúde e a família já não acreditam na cura e o doente ainda precisa que lhe acalentem alguma esperança para continuar a viver e não se sentir desamparado; 2- Ocorre quando a família se agarra a uma esperança férrea e é incapaz de aceitar o fim do seu ente querido numa altura em que o próprio doente já não espera mais nada, exceto o seu fim. A experiência que, como profissional de Serviço Social, pude obter durante quinze anos, permite-me confirmar estas afirmações de Kübler-Ross (1969, 1991). De fato, os doentes graves, com possibilidade de morte iminente, desejam muito o contato humano e temem o abandono. O estabelecimento de uma relação mais profunda com alguém é o ponto de partida para a compreensão das necessidades do doente e a garantia de que a pessoa não é abandonada. Além disso, entendo que trabalhar com o sofrimento humano é difícil; manter uma relação com um paciente grave também não é uma tarefa fácil. Conversar com ele, examiná-lo, responder aos seus questionamentos ou aos dos seus familiares são processos que exigem preparo e maturidade do profissional. O primeiro passo importante para cada profissional dar início ao aprendizado sobre o ato de adoecer e morrer é aceitar, de início, que a consciência humana implica o reconhecimento da finitude da vida como um acontecimento que não o exclui, o que o coloca de imediato na possibilidade de compreensão e compartilhamento da morte do outro. Desta forma, gostaria de encerrar resumindo o pensamento de Kübler-Ross, sobre a vida e a morte: 33 A lição mais difícil de aprender é o amor incondicional. Morrer não é o medo. Ele pode ser a experiência mais maravilhosa de sua vida. Tudo depende de como você tem vivido. A morte é apenas uma transição desta vida para outra existência, onde não há mais dor e angústia. Tudo é suportável quando há amor. O meu desejo é que você tente dar às pessoas mais amor. A única coisa que permanece eternamente é amor. (Kübler-Ross, 1997, p.286) 1.4 - Conceitos gerais das doenças onco-hematológicas, TCTH e DECH. A Hematologia é a especialidade médica que estuda as doenças que envolvem o sistema hematopoético, ou seja, tecidos e órgãos responsáveis pela proliferação, maturação e destruição das células do sangue (hemácias, leucócitos e plaquetas), além de estudar os órgãos onde são produzidos, como a medula óssea, o linfonodo e o baço. Médicos especializados em hematologia são conhecidos como hematologistas e muito frequentemente fazem um estudo mais aprofundado em oncologia, o tratamento médico de câncer. (ABRALE, 2012) Portanto, a medula óssea é um órgão hematopoiético, conhecida popularmente como tutano, um tecido líquido gelatinoso que ocupa o interior dos ossos. Na medula óssea são produzidos os três componentes do sangue: 1- As hemácias (glóbulos vermelhos) – transportam o oxigênio dos pulmões para as células de todo o nosso organismo, e o gás carbônico das células para os pulmões, a fim de ser expirado. 2- Os leucócitos (glóbulos brancos) – são os agentes mais importantes do sistema de defesa do nosso organismo. 3- As plaquetas – correspondem a fragmentos celulares presentes no sangue, relacionados ao processo de coagulação para evitar hemorragias. (ABRALE, 2012) O Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH), segundo o site da Associação Brasileira de Linfoma e Leucemia (ABRALE, 2012), é uma modalidade terapêutica utilizada no tratamento de algumas das doenças onco-hematológicas. O fundamento lógico para o transplante de células-tronco está baseado no fato de que todas as células maduras que circulam no sangue, glóbulos vermelhos, glóbulos brancos e plaquetas, provêm de uma única célula, contida na medula óssea, denominada célula--tronco ou “steam cell”. Tais células estão localizadas em adultos nos ossos chatos como a bacia, 34 esterno, costela e vértebras, podendo ser obtidas basicamente de três fontes: 1- Medula óssea: por meio de um procedimento cirúrgico sob anestesia, com múltiplas punções aspirativas no osso da bacia. 2- Sangue periférico: administra-se ao doador, por injeções diárias por via subcutânea, um medicamento que aumenta o número das células-tronco e faz com que parte delas migre da medula óssea para o sangue, de onde podem ser coletadas da veia, com facilidade e segurança, com o emprego de uma máquina apropriada, denominada aférese. 3-Cordão umbilical: o sangue é coletado logo após o parto. Para se obterem células progenitoras do sangue periférico, em número apropriado para o transplante, utiliza-se um equipamento chamado máquina de leucaférese. O sangue é separado e também as células progenitoras são separadas de acordo com o seu peso, e armazenadas em um compartimento especial; as células progenitoras são infundidas na corrente sanguínea, implantam-se na medula óssea, iniciando a reconstituição hematopoética do paciente, após regime de condicionamento. O condicionamento é o uso de altas doses de quimioterapia associadas ou não à radioterapia corporal para que o paciente seja tratado de sua doença de base. (ABRALE, 2012) Durante a internação pré-transplante, chamada de condicionamento, o paciente é submetido a fortes doses de quimioterapia e, algumas vezes, até de radioterapia, procedimentos que têm a finalidade de destruir todas as células doentes no organismo e de destruir a medula óssea para que seja substituída por uma saudável. Após essa etapa, temos a infusão das células-mãe da medula óssea, que se dá como uma transfusão de sangue, na qual as células entrarão na corrente sanguínea e acharão o caminho até os ossos, ou seja, na região onde há medula óssea. Por fim, há a “pega” e a recuperação medular, que se dá em aproximadamente duas semanas, período em que a “fábrica de sangue” volta a produzir hemácias, leucócitos e plaquetas normalmente. (Manual de orientação para paciente de TCTH/ HUCFF, 2004) O transplante alogênico (TCTH) tornou-se uma modalidade terapêutica utilizada de maneira crescente. É uma modalidade dispendiosa, complexa e associada à alta mortalidade. No entanto, é um tratamento muito importante dentro da oncologia, na medida em que consegue prolongar significativamente a vida do paciente; sua indicação depende do tipo de patologia, do estágio da doença e da idade do paciente e, principalmente, da exigência de o paciente estar em remissão (isto é com a doença controlada). Por essa razão, não são todos os pacientes portadores de doenças hematológicas que têm indicação para realização de transplante. Porém, podemos citar algumas patologias que possuem indicação de transplante: leucemia mieloide aguda, leucemia mieloide crônica, leucemia linfoide 35 aguda, leucemia linfoide crônica, linfomas, mieloma múltiplo. Existem três tipos de transplante: 1- Autólogo: Quando as células-tronco hematopoéticas provêm do próprio paciente. 2- Alogênico: Quando as células-tronco hematopoéticas provêm de um doador previamente selecionado por testes de compatibilidade, normalmente identificado entre os familiares (aparentado) ou em bancos de medula óssea (não aparentado). Os bancos de medula óssea podem ter cadastrados doadores adultos ou bancos de cordão umbilical. Nesse caso, é fundamental que o doador apresente o HLA idêntico ao do receptor. 3- Singênico: Quando as células-troco hematopoéticas provêm de gêmeos idênticos (univitelinos). Descrição das etapas do tratamento: 1- Coleta da medula óssea ou célula-tronco: Essa etapa pode ser realizada das seguintes formas: cirúrgica, por meio de múltiplas punções aspirativas de medula (preferencialmente em crista ilíaca posterior) em ambiente cirúrgico, sob anestesia geral; através do sangue periférico (aférese de células mononucleares) e células de cordão umbilical placentário que é muito rico em células progenitoras de medula óssea (células denominadas de CD34+). O material coletado é armazenado e congelado, podendo a medula permanecer nesse estado por cerca de dez anos. 2- Condicionamento: Trata-se da quimioterapia de altas doses associada ou não à radioterapia, administrada previamente à infusão da medula óssea; tem três objetivos: erradicar a medula doente do receptor; erradicar o sistema imune do receptor para que as células do doador sejam aceitas; e proporcionar “espaço” para a nova medula. 3- Infusão das células-mãe de medula óssea: é igual a uma transfusão de sangue. As células entrarão na corrente sanguínea e acharão o caminho até os ossos, na região onde há medula óssea. 4- Pega e recuperação medular: em aproximadamente duas semanas a “fábrica de sangue” voltará a produzir hemácias, leucócitos e plaquetas normalmente. Denomina-se “pega” medular o momento em que a contagem plaquetária é mantida acima de 20.000/mm3, por três dias consecutivos. O TCTH acarreta um estado de comprometimento múltiplo de órgãos e tecidos que inclui profunda depressão imunológica, em decorrência dos efeitos da quimioterapia / radioterapia, levando à predisposição de infecções e outras complicações graves, sendo a 36 alternativa mais eficaz no campo da medicina para certos tipos de patologia, a fim de impedir a evolução da doença. Além disso, o TCTH é considerado agressivo, por acarretar severos efeitos colaterais, fatores de tensão físicos e psicológicos vivenciados pelo paciente e sua família, além de outras complicações. A principal delas é a DECH, uma síndrome que apresenta características semelhantes a um processo autoimune, sendo sua patogênese ainda parcialmente conhecida, além de ser vista mais frequentemente nos casos em que o doador de medula não está relacionado com o paciente; ou quando o doador está relacionado com o paciente, mas não há uma correspondência perfeita, sendo uma das principais complicações dos pacientes submetidos a TCTH alogênico. A prevenção da DECH se faz pelo uso de drogas imunossupressoras. Sua classificação CID 10: Rejeição a transplante de medula óssea - T86.0. Formas de classificação da DECH: 1- A DECH aguda geralmente ocorre nos primeiros três meses após o transplante e pode afetar pele, fígado, estômago e / ou intestinos. O primeiro sinal é geralmente uma erupção na mão, pés e rosto, que pode se espalhar, e se parecem com uma queimadura solar. Problemas graves com DECH aguda podem incluir bolhas na pele, diarreia aquosa ou sanguinolenta com cólicas e icterícia (amarelamento da pele e dos olhos), refletindo envolvimento hepático. (TABAK, 2006) 2- A DECH crônica ocorre tipicamente dois ou três meses após o transplante e provoca sintomas semelhantes aos de desordens autoimunes, tais como lúpus e esclerodermia. Os pacientes desenvolvem uma erupção cutânea seca, podendo também, haver perda de cabelo e diminuição da transpiração na pele. Secura da boca é um sintoma comum. Os olhos também podem estar envolvidos com secura, irritação e vermelhidão. Praticamente qualquer órgão pode ser afetado pela DECH crônica. A incidência de DECH crônica varia de 6 a 80% de acordo com a idade do paciente, tipo de doador, fonte de células-tronco, manipulação do enxerto e uso de infusões de linfócitos após o transplante. A primeira classificação da DECH crônica foi publicada em 1980, baseada na análise de vinte pacientes. A heterogeneidade da síndrome torna difícil não apenas o diagnóstico, mas também a avaliação da gravidade e os parâmetros de resposta (TABAK, 2006). No tratamento da DECH crônica, principalmente na forma extensa, se exige necessária imunossupressão sistêmica prolongada para reduzir a mortalidade e desenvolvimento de sequelas incapacitantes comumente observadas na evolução desta doença. A DECH implica situações de sofrimento intenso e está vinculada ao isolamento social, ao medo da morte, à angústia, ao desamparo e ao sentimento de culpa. Para enfrentá 37 la, é imprescindível a participação familiar no processo de tratamento e uma equipe de saúde humanizada, que facilite a comunicação entre os envolvidos no processo de adoecimento. 1.5 - História do TCTH no Hospital Universitário Clementino Fraga Filho/UFRJ “A vida de uma instituição depende de muitas vidas que a ela se dedica.” Professor Clementino Fraga Filho O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) é um hospital de nível terciário, vinculado ao Ministério da Educação e inserido no sistema de referência e contrarreferência do Sistema Único de Saúde (SUS). Braço assistencial da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o HUCFF é vinculado ao SUS e atende a partir do encaminhamento realizado através da Central de Regulação. O agendamento é feito antecipadamente nos postos de saúde. Sua missão é desenvolver ações de ensino e pesquisa em consonância com a função social da universidade, articulada à assistência, à saúde de alta complexidade, integradas ao SUS, promovendo ao seu público atendimento de qualidade e de acordo com os princípios éticos e humanísticos. Seus principais objetivos institucionais são: 1- Atuar como hospital de nível terciário, inserido no sistema de referência e contrarreferência do SUS; 2- Operar de forma articulada, atendendo às demandas técnico-científicas das unidades de saúde do SUS; 3Servir de campo de treinamento para o ensino de graduação das profissões de saúde no que se refere à assistência de média e alta complexidade; 4- Propiciar a realização de cursos de pós-graduação e de especialização das unidades docentes, enfatizando os programas de Residência Médica e Residência Interdisciplinar, atividades educacionais de responsabilidade do HUCFF; 5- Treinar pessoal de nível médio e auxiliar com vistas ao aprimoramento da qualidade dos próprios serviços e no Sistema de Saúde e à manutenção de bons padrões de rotina de atendimento; 6- Propiciar um ambiente de estímulo à pesquisa, dando ênfase à integração nos diversos setores de ciências da saúde; 7- Contribuir para a formação da equipe de saúde, graças ao trabalho conjunto e à coparticipação nas responsabilidades, dentro do respeito às normas do exercício profissional. (HUCFF, 2013) 38 O hospital não dispõe de orçamento próprio e depende da prestação de serviços ao SUS. Nos últimos anos, vem passando por um processo de endividamento, que é identificado através da falta de insumos básicos, da redução do número de leitos, do fechamento de unidades, da suspensão de cirurgia, enfim, por um conjunto de estratégias que ferem os princípios preconizados na Constituição Federal de 1988, especialmente no artigo 196 que diz: “A saúde é direito de todos e dever do Estado, garantido mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução do risco de doença e de outros agravos e ao acesso universal e igualitário às ações e serviços para sua promoção, proteção e recuperação”. Em consequência dessa crise, em 2010 foi implodida uma ala desativada do hospital, conhecida como “perna seca” 5 , causando uma mutilação irreparável na sua arquitetura. Atualmente a emergência do hospital encontra-se fechada, sem previsão de retornar o funcionamento. Além disso, devido a um grande número de profissionais aposentados e a não realização de concurso público, houve necessidade de contratação de prestadores de serviço, o que estimulou a precarização nas relações de trabalho. Essa crise instalada atingiu diretamente a Unidade de TCTH, que teve seus leitos reduzidos e a suspensão de realização do TCTH alogênico em 2010, passando a realizar apenas o transplante autólogo. Esses acontecimentos refletiram diretamente na assistência prestada ao usuário e na desmotivação da equipe de saúde. Entendo que essa crise se deve à implantação de um projeto neoliberal, pois o capitalismo atual tem a característica de fragmentar todas as esferas sociais e concentrar nas mãos do mercado tudo o que ofereça lucro. Um exemplo disso é que em dezembro de 2011 a presidente Dilma assinou a criação da Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares (EBSERH), através da Lei 12.550/2011, contrariando a decisão da 14ª Conferência Nacional de Saúde que se posicionou contra a mesma. Há um ataque sem precedentes aos Hospitais Universitários (HUs) Federais do país, quando o Governo Federal opta pela privatização dos mesmos, abrindo espaço para o avanço do capital e da lógica do lucro sobre esse precioso segmento da saúde pública brasileira. A EBSERH faz parte de uma política de governo ratificada pelo Congresso Nacional de contrarreforma nas políticas sociais do Estado para reestruturar os Hospitais Universitários Federais. Retomando a história do TCTH, cabe lembrar que o primeiro procedimento realizado pelo HUCFF ocorreu em 1994. Àquela época, a Unidade de TCTH dividia espaço físico com o setor de convênios do hospital no 10º andar - Ala F, onde eram disponibilizados dois 5 Perna Seca foi o nome dado a uma área desativada do hospital, que sofreu um forte abalo estrutural, sendo interditado pela defesa civil. 39 dos dez apartamentos de convênios, que tinham por finalidade internações clínicas e cirúrgicas do sistema suplementar. Em 1996, o setor 10 F passou a ser unicamente Unidade de TCTH, com cinco leitos, sendo quatro de internação e um para coleta de medula óssea por aférese. Em 1998, foi implantada uma unidade ambulatorial para acompanhamento dos pacientes pré e pós-transplante. Desde então, a Unidade de TCTH passou a ter sua própria equipe multiprofissional com profissionais especializados, entre os quais se inclui o Assistente Social. Em 2000, é destinada a área do 8º andar na Ala F para a construção da nova Unidade de Hematologia Clínica e TCTH com verbas do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES), que foi inaugurado em 2002, contando hoje com uma infraestrutura dividida pelos seguintes setores: 1- Unidade Clínica: é a unidade responsável pela internação dos usuários candidatos ao transplante e também para o tratamento de complicações relacionadas ao procedimento; possui oito leitos em quartos com proteção ambiental; 2- Day Clinic: destina-se ao atendimento de usuários admitidos com indicação de transplante, realizando também o acompanhamento dos usuários pós-transplante, tendo seis poltronas, um leito para atendimento e dois consultórios multidisciplinares. 3- Unidade de aférese: unidade responsável pela coleta de células-tronco hematopoéticas do sangue periférico para a realização de transplantes autólogos e alogênicos. Conta com dois leitos e equipamento de aférese. 4- Unidade Laboratorial: nesta unidade são realizados os procedimentos de criopreservação e cultura das células-tronco hematopoéticas. A possibilidade de uma compreensão integral do ser humano e do processo saúde-doença, objeto do trabalho em saúde, passa necessariamente por uma abordagem interdisciplinar e por uma prática multiprofissional, na medida em que se organiza o processo de trabalho, considerando não só a complementaridade dos diversos saberes e práticas profissionais, mas também buscando a integralidade do cuidado. Desta forma, para efetivação do programa de TCTH no HUCFF/UFRJ, fez-se necessária a participação de uma equipe multiprofissional, com profissionais especializados, dentre os quais se incluem o Assistente Social, cuja atuação descreverei no próximo capítulo. Seguindo essa perspectiva, a Unidade de TCTH do HUCFF/UFRJ presta um 40 atendimento multiprofissional não focado somente no aspecto biológico, tendo realizado até o presente momento 643 transplantes – 509 autólogos, 134 alogênicos –, dos quais 132 são aparentados, um não aparentado e um singênico (gêmeos univitelinos). Além disso, os pacientes que se submetem ao procedimento contam com um Manual de Orientações (VIEIRA, et al, 2004) que é disponibilizado pela equipe de saúde no momento de seu primeiro atendimento. Como instituição universitária, o compromisso da Unidade de TCTH não se limita à assistência, tendo uma grande responsabilidade na formação de pessoal e na produção de conhecimento. Na Unidade de TCTH são qualificados alunos de graduação, residentes multiprofissionais, pós-graduandos, mestrandos e doutorandos de diversas áreas da saúde, incluindo médicos, enfermeiros, farmacêuticos, biólogos, assistentes sociais, entre outros profissionais. No próximo capítulo, farei uma interlocução entre o Serviço Social e a Psicanálise, abordando a questão da subjetividade na prática cotidiana. Além disso, irei descrever a inserção do Serviço Social no Programa de TCTH do HUCFF/UFRJ, bem como detalhar seus desafios e contribuições. 41 CAPÍTULO 2: Interlocução entre o Serviço Social e a Psicanálise “A lei básica do universo não é a competição que divide e exclui, mas a cooperação que soma e inclui.” Leonardo Boff Neste capítulo, falarei do caráter interdisciplinar do Serviço Social, abordando tanto a interação da profissão com a psicanálise quanto a questão da subjetividade, que é um grande desafio na prática cotidiana dos profissionais de saúde. Além disso, vou descrever as atribuições do profissional de Serviço Social na Unidade de Transplante (TCTH) e relatar minha trajetória profissional com pacientes transplantados. 2.1- O Serviço Social e seu caráter interdisciplinar. O Serviço Social é uma profissão de nível superior, que pode ser exercida somente por profissionais diplomados em instituições de ensino, reconhecidas pelo Ministério da Educação (MEC), e devidamente registrados no Conselho Regional de Serviço Social (CRESS) do estado onde pretendem atuar profissionalmente. Cabe destacar a existência de 24 CRESS, três delegacias de base estadual e o Conselho Federal de Serviço Social (CFESS), órgão de fiscalização do exercício profissional no país, dando cobertura a todos os estados. (CRESS, 2013) A pessoa que se forma no curso de Serviço Social é denominada assistente social, devendo orientar-se a legislação básica que norteia à ação profissional do assistente social pela lei que regulamenta a profissão (LEI 8662, de 07 de junho de 1993, que dispõe sobre a profissão e dá outras providências) e pelo Código de Ética Profissional. É imprescindível ainda o conhecimento da legislação social em vigor, de acordo com o campo de atuação do profissional (Saúde, Assistência Social, Previdência, Habitação, Educação, etc.). Os assistentes sociais são habilitados para atuar no campo das políticas públicas: saúde, educação, habitação, assistência social, seguridade social, esporte e lazer, sistema 42 sociojurídico, meio ambiente, setor agrário, segurança pública, turismo, pesquisa, planejamento, assessoria e consultoria, capacitação, treinamento, gerenciamento de recursos e projetos sociais. (FRAGA, C. K., 2010) O profissional tem com o objetivo primordial viabilizar os direitos da população, sendo que o maior campo de atuação do Serviço Social é a saúde – minha área de atuação e sobre a qual irei me aprofundar a seguir. Segundo o CFESS, os assistentes sociais na saúde atuam em quatro grandes eixos: atendimento direto aos usuários; mobilização, participação e controle social; investigação, planejamento e gestão; assessoria, qualificação e formação profissional. (CFESS, 2010, p.39) Ao falar do Serviço Social na área da saúde, torna-se indispensável citar a resolução do Conselho Nacional de Saúde (CNS, Nº 218, de 06 de março de 1997), que reconhece a categoria de assistentes sociais como profissionais de saúde, e a Resolução do CFESS (CFESS Nº 383, de 29 de março de 1999), que caracteriza o assistente social como profissional de saúde. Além, é claro, dos “Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde” (CFESS, 2010), documento que tem como finalidade referenciar a intervenção dos profissionais de Serviço Social na área da saúde. Entendo que o assistente social é fundamental no tratamento de saúde, tanto ao fornecer informações aos usuários sobre os seus direitos, quanto ao coletar as informações de sua história de vida, que serão fornecidas para a equipe de saúde. A qualidade de um relato e de uma escuta sensível ao paciente e sua família possibilita um entendimento mais holístico da doença do ponto de vista subjetivo, cultural e social. Esta contribuição facilitará para que o paciente seja tratado em sua totalidade. Além disso, o trabalho do assistente social na saúde deve ter como essência a busca criativa e incessante da incorporação dos novos conhecimentos à profissão, articulados aos princípios dos projetos da reforma sanitária, ético-político do Serviço Social e o parâmetro para atuação do assistente social na Saúde (BRAVO, 1996). Acredito que pensar e realizar uma atuação competente e crítica do Serviço Social na área da saúde consiste em buscar a necessária atuação em equipe, tendo em vista a interdisciplinaridade da atenção à saúde. (IAMAMOTO, 2002) Sendo o Serviço Social uma profissão que se utiliza de instrumental científico interdisciplinar das ciências humanas e sociais para análise e intervenção das diversas refrações da questão social, ele vem se redefinindo, considerando sua inserção na realidade 43 social do Brasil, levando em conta as desigualdades sociais e econômicas, objeto da atuação profissional, manifestadas na pobreza, na violência, no desamparo, na fome, no desemprego, nas carências materiais e existenciais, dentre outros. O termo interdisciplinaridade é difícil de ser conceituado, pois não possui um sentido único e estável. Trata-se de um conceito que varia, não somente no nome, mas também no seu significado. O vocábulo interdisciplinaridade foi e ainda é muito discutido no Serviço Social, na medida em que existem várias definições para ele, pois depende do ponto de vista e da vivência de cada um (NICÁCIO, 2008). Contudo, o Serviço Social apresenta uma área fértil para a propagação da prática interdisciplinar, uma vez que seu caráter se faz presente inclusive no processo de formação e produção de conhecimento do assistente social. A prática interdisciplinar é incentivada pelo Código de Ética do Assistente Social (1993), no capítulo III, artigo 10, alínea d, no qual a participação em equipes interdisciplinares é apresentada como um dever profissional, a ser cumprido sempre que se apresentarem possibilidades. Esse dever relaciona-se com um dos princípios fundamentais desse código, referente ao compromisso com a qualidade dos serviços prestados à população e com o aprimoramento intelectual, na perspectiva da competência profissional. Desta forma, considerei oportuno, para fins de esclarecimento, trazer a definição de interdisciplinaridade entendida por Vasconcelos (2007), que em síntese, define as práticas interdisciplinares como a interação entre diversas fronteiras de saber. Em suas palavras: As práticas interdisciplinares são entendidas como promovendo mudanças estruturais, gerando reciprocidade, enriquecimento mútuo, com uma tendência à horizontalização das relações de poder entre os campos implicados. Exigem a identificação de uma problemática comum, com levantamento de uma axomática teórica e/ou política básica e de uma plataforma de trabalho conjunto, colocando em comum os princípios e conceitos fundamentais de cada campo original, em um esforço de decodificação em linguagem mais acessível dos próprios campos originais e de tradução de sua significação para o senso comum. (VASCONCELOS, 2007, p. 113-114) Outro autor importante, Japiassu (1976), relata a característica central da interdisciplinaridade, apontando que ela incorpora os resultados de várias disciplinas. Em suas palavras, “a interdisciplinaridade caracteriza-se pela intensidade das trocas entre os especialistas e pelo grau de integração real das disciplinas no interior de um mesmo projeto de pesquisa”. (JAPIASSU, 1976, p. 74) Articulando a definição de Vasconcelos (2007) com a característica central 44 defendida por Japiassu (1976), acredito que a interdisciplinaridade implica a existência de um conjunto de disciplinas interligadas e com relações definidas, que evitam desenvolver as suas atividades de forma isolada, sendo graças à interdisciplinaridade que o objeto de estudo é abordado de forma integral. Além disso, ela estimula a elaboração de novos enfoques metodológicos para a resolução de problemas. Esta prática é priorizada no planejamento e operacionalização do assistente social na área da saúde. No setor público, tal prática se associa à gratuidade do atendimento e à concepção de que a saúde é um direito de todos e dever do Estado. Contudo, a atuação do assistente social deve facilitar a participação dos usuários nas decisões que envolvem seu tratamento, possibilitando o acesso às informações relativas aos seus direitos, dando destaque especial às ações de caráter coletivo. Visando à interdisciplinaridade na área da saúde, o profissional de Serviço Social pode ser um interlocutor entre os usuários e a equipe de saúde, com relação a questões sociais e culturais, visto que pela sua própria formação há o respeito pela diversidade. Cabe ao assistente social fazer uma abordagem socioeducativa com a família e/ou usuário e socializar as informações em relação aos recursos, viabilizando os encaminhamentos necessários. Os assistentes sociais devem esclarecer as suas atribuições e competências, elaborando junto com a equipe de saúde propostas de trabalho que reúnam as ações dos diversos profissionais. A interdisciplina é uma ferramenta para o fortalecimento de cada disciplina. Cabe salientar, porém, que cada profissional tem sua competência, responsabilidade e atribuição; além disso, é a formação de cada um que reforça a importância do trabalho interdisciplinar. Desta forma, destaco o quanto é importante levar a sério o caráter interdisciplinar da profissão, através de um diálogo com outros discursos e apresento, a seguir, as interlocuções do Serviço Social com a Psicanálise. 2.2 - Interação entre o Serviço Social e a Psicanálise. A formação profissional do assistente social é de cunho humanista, portanto, comprometida com valores que dignificam e respeitam as pessoas em suas diferenças e potencialidades, sem discriminação de qualquer natureza, tendo construído como projeto 45 ético/político e profissional, referendado em seu Código de Ética Profissional, o compromisso com a liberdade, a justiça e a Democracia. Para tal, o assistente social deve desenvolver como postura profissional a capacidade crítica e reflexiva para compreender a problemática e as pessoas com as quais lida, exigindo-se habilidade para comunicação e expressão oral e escrita, articulação política para proceder a encaminhamentos técnicooperacionais, sensibilidade no trato com as pessoas, conhecimento teórico, capacidade para mobilização e organização (IAMAMOTO, 2002). Essa formação permite apreender as questões sociais e psicossociais com uma base teórico-metodológica direcionada à compreensão dos processos relacionados à economia e política da realidade brasileira, contexto no qual se gestam as políticas sociais para atendimento das mazelas da sociedade. Levando-se em conta que o Serviço Social tem um caráter interdisciplinar e que a formação do assistente social permite uma apreensão das questões sociais e psicossociais no atendimento aos usuários, pretendo fazer uma articulação da profissão com a psicanálise, pois entendo que e psicanálise vem a ser um instrumento importante para análise e compreensão de fenômenos sociais relevantes. Para tanto, cabe caracterizar a teoria psicanalítica por um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. O seu método de investigação é interpretativo, na medida em que busca o significado oculto daquilo que é manifestado por meio de ações e palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, as associações livres e os atos falhos. Além disso, a psicanálise possui quatro conceitos fundamentais: o inconsciente, a repetição, a transferência e a pulsão. Neste trabalho darei ênfase ao conceito de pulsão, termo derivado do latim “pulsio”, para designar o ato de impulsionar, na medida em que está relacionado à autoconservação e poderá trazer uma compreensão da luta pela sobrevivência dos pacientes que adquiriram a DECH e o desejo pela cura da doença. Empregado por FREUD a partir de 1905, em Três ensaios da teoria da sexualidade, tornou-se um grande conceito da psicanálise, definido como a carga energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem. Esse tema será aprofundado no terceiro capítulo, onde falarei do sujeito acometido pela DECH, à luz da teoria psicanalítica. Entretanto, fazendo uma interlocução entre as duas profissões, não poderia deixar de citar o conceito de transferência, pois – embora o Serviço Social ao longo de sua história tenha encontrado resistência para se apropriar dos saberes da psicanálise – ele reconhece que sofreu influência direta da mesma, especialmente através do conceito de transferência, que se refere não só à ligação afetiva que o analisante estabelece com seu analista e se expressa 46 na confiança que o paciente passa a ter por ele, mas também em associações de pensamentos e sentimentos que são projetados na relação com o analista. Trata-se de um vínculo que se estabelece exclusivamente nas relações humanas (FREUD, 1912). A transferência remete à estrutura de funcionamento do sujeito, como ele se relaciona com os outros. A transferência é executada pelo nosso inconsciente e, segundo a teoria freudiana, é fundamental para o processo de cura. É considerado como um fenômeno que ocorre na relação entre o paciente e o terapeuta, quando o desejo do paciente irá se apresentar atualizado, com uma repetição dos modelos infantis, as figuras parentais e seus substitutos serão transpostas para o analista; e, assim, sentimentos, desejos, impressões dos primeiros vínculos afetivos serão vivenciados e sentidos na atualidade. (FREUD, 1912) O Serviço Social entende o conceito de transferência como os aspectos afetivos constitutivos das relações significativas do usuário, que se projetariam nos profissionais da saúde, com quem o paciente estabelece um vínculo de confiança. Estas projeções inconscientes são acompanhadas de fantasias, medos e desejos do paciente, e esse conteúdo atravessa a relação que o usuário estabelece com o assistente social (Nicácio, 2008). Tal fenômeno afetivo pode, em contrapartida, gerar uma reação no profissional que também projetaria, como resposta ao conteúdo afetivo recebido – positivo ou negativo –, respostas ao usuário, como um retorno das expectativas e desejos dele, o que Freud (1912) denominou de contratransferência. Esse conceito sofreu críticas, que serão vistas a seguir, e que foram elaboradas ao longo do processo de renovação do Serviço Social. Ainda fazendo uma interlocução do Serviço Social com a psicanálise, cabe citar Nicácio (2008), ao referir a corrente psicanalista americana, autodenominada psicologia do ego6, como sendo a responsável pelo fundamento teórico para o Serviço Social de casos. Em suas palavras, esta corrente psicanalítica advogava o fortalecimento do ego para que ele fosse capaz de dominar suas pulsões e, assim, se adaptar melhor a seu ambiente social. O ideal de cura para esses analistas era o adulto bem sucedido na sua vida produtiva, vivendo em harmonia na sua família e no seu casamento. Em suma, um cidadão bem adaptado. (NICÁCIO, 2008, p. 3) Nicácio (2008), embora entenda que a psicanálise tem contribuições a dar para a análise de certos aspectos da vida social, descreve dois efeitos que têm servido de obstáculo 6 A psicologia do ego neste caso foi absorvida de forma reducionista. Freud propõe uma dualidade pulsional inconsciente, indomável e acéfa-la. 47 à inclusão das dimensões psíquicas e culturais das expressões da questão social: 1- A recusa dos saberes psicológicos que conduziu à denegação da dimensão do psíquico, como se ela não fizesse parte da realidade, ou como se fosse algo secundário. 2- O tecnicismo, entendido como a crença de que a hipervalorização dos aspectos técnicos é suficiente para uma ação profissional qualificada. Em suas palavras: “Por um lado, a crítica ao psicologismo conduziu à recusa da interlocução com os saberes psicológicos e, por outro, a crítica ao tecnicismo teve como efeito colateral a depreciação da prática profissional”. (NICÁCIO, 2008, p. 52) Esse combate ao psicologismo do serviço social conservador, que conduziu à recusa da dimensão do psíquico, como se ela não fizesse parte da realidade, foi abordado também por Vasconcelos (2000) através da noção de recalque, como se pode perceber nas palavras do autor: “O processo de renovação reproduziu dentro da profissão, um recalcamento da temática da subjetividade, sobretudo de seus aspectos relacionados ao inconsciente, à personalidade e ao campo das emoções”. (VASCONCELOS, 2000, p. 198) Embora o Serviço Social tenha encontrado resistência para se apropriar dos saberes da psicanálise, observa-se, com a comunicação escrita por diversos autores, que o objeto da psicanálise sempre esteve presente no campo do Serviço Social, mesmo sendo um campo minado por críticas e discussões a respeito do tema, principalmente pela questão da subjetividade, que abordarei a seguir. 2.3 - Desafio do assistente social na prática cotidiana: Questão da subjetividade. Gostaria de iniciar a discussão do tema, alertando para o fato de que a noção de subjetividade pode apresentar diferentes sentidos, pois se trata do resultado do nosso desenvolvimento pessoal, de uma característica adquirida no decorrer da nossa história, através da soma de aprendizados, o que inclui pensamentos, emoções conscientes e inconscientes e sentimentos, além de mudanças internas ocorridas a partir da interação com o outro, o que nos leva a repensar nossa maneira de enxergar o mundo, as nossas atitudes diante de determinados fatos ou diante da própria vida, fatos estes que contribuem para a formação e consolidação da nossa identidade. 48 Como já abordei anteriormente, o Serviço Social é uma profissão com caráter interdisciplinar, cujo maior campo de atuação é a saúde, sendo a intervenção do assistente social nesta área referenciada pelos “Parâmetros para a Atuação de Assistentes Sociais na Saúde” (2009). Cabe destacar, neste momento, que o exercício profissional do assistente social não deve desconsiderar as dimensões subjetivas vividas pelo usuário; e também que essas dimensões subjetivas devem ser analisadas à luz das condições de vida e trabalho, ou seja, a partir dos determinantes sociais do processo saúde-doença. Amparada pelos “Parâmetros” (2009), acredito que as expressões da questão social se encarnam em manifestações reais de sofrimento e os efeitos das desigualdades sociais e das fragilidades de vida atingem os sujeitos no seu corpo, no seu psiquismo e nas suas relações sociais cotidianas. Considero que a aproximação com a realidade da prática profissional revela que o assistente social está confrontado com problemas que concernem à questão da subjetividade a todo instante. Contudo, será importante falar do surgimento do tema da subjetividade no campo do Serviço Social, tema que é visto como polêmico, bem como dos obstáculos que foram encontrados pela profissão ao incluí-lo no debate profissional. O tema da subjetividade surgiu desde os primórdios do Serviço Social, que, na ocasião, buscou nas teorias da psicanálise e da psicologia, sobretudo nas noções de “relacionamento” e “relações humanas”, subsídios para compreensão das demandas da clientela. Esta busca levou ao psicologismo excessivo da profissão, cujo eixo se dava através das relações interpessoais, concretizada por uma prática profissional desistoricizada e despolitizada, em que se buscava a adaptação desses indivíduos, já que se trabalhava a partir da resolução de conflitos com foco na culpabilização dos mesmos. (Nicácio, 2008) Para romper com essa perspectiva, a categoria optou por abandonar teoricamente a subjetividade, porque a mesma fazia parte essencial da herança do Serviço Social tradicional e das práticas terapêuticas. Desde então, as questões da subjetividade no campo do Serviço Social vêm encontrando obstáculos à inclusão no debate profissional, que, segundo Nicácio (2008), são os efeitos colaterais de algumas críticas ao serviço social conservador. Além disso, o autor, em seu livro Serviço Social e subjetividade, refere dois obstáculos à inclusão das dimensões psíquicas e culturais das expressões da questão social, que já foram abordados anteriormente: uma recusa de interlocução com os saberes psicológicos associada à crítica ao psicologismo e uma depreciação da prática profissional marcada pela hipervalorização da dimensão técnica. 49 Outro autor que abordou a questão da subjetividade foi Vasconcelos (2000), através da metáfora do recalque. Ele demonstra como a área do Serviço Social tem tido dificuldade para integrar e articular em sua prática profissional dimensões subjetivas, e, especialmente, as dimensões inconscientes que são apresentadas pela psicanálise. Segundo o autor, o processo de reconceituação reproduziu dentro da profissão um recalcamento da temática da subjetividade, sobretudo de seus aspectos relacionados ao inconsciente, à personalidade e ao campo das emoções.[...] Além disso, a temática da subjetividade sofreu um processo de empobrecimento, tendendo a ser associada apenas ao campo do indivíduo, em detrimento dos seus diversos aspectos institucionais e coletivos, associados às temáticas da ideologia e dos processos políticos, culturais e de gênero. (VASCONCELOS, 2002, p. 198-199) Nicácio (2008) refere que o processo de renovação do serviço social, ao combater a psicologização dos problemas sociais, opôs-se a toda reflexão sobre a experiência subjetiva dos atores sociais, tendo o combate ao psicologismo do serviço social conservador conduzido à denegação da dimensão do psíquico, como se ela não fizesse parte da realidade, ou como se fosse algo secundário e, por conseguinte, menos importante. O autor defende a questão da subjetividade e, ao abordar uma aproximação com a realidade da prática profissional, mostra que o assistente social não lida apenas com indicadores sociais, procedimentos formais e rotinas. Lembra ainda de um fato fundamental ao dizer: Não é a “questão social” que procura o assistente social, mas “indivíduos reais” submetidos a alguma situação de sofrimento ou fragilidade. As demandas endereçadas ao assistente social surgem para ele, no cotidiano, concretizadas nas queixas, reivindicações e solicitações de sujeitos que se situam num determinado contexto social. (NICÁCIO, 2008, p.61) Nicácio (2008) refere-se, ainda, ao desafio de constatar que o assistente social, na sua prática cotidiana, está confrontado com problemas que exigem que o profissional leve em consideração não só os condicionantes macroestruturais da questão social, mas também suas dimensões subjetivas. O autor acredita que é possível o profissional levar a sério as dimensões subjetivas e psíquicas da questão social sem cair no psicologismo. Refere que o sujeito que procura o assistente social não tem uma relação objetiva, transparente e simples com a situação da vida, tampouco com a sua demanda. O usuário chega ao Serviço Social numa situação de sofrimento, em função de alguma fragilidade e ele enfrenta essa fragilidade com seu sintoma, medos e fantasias; ainda segundo o autor, não cabe ao 50 assistente social tratar desses sintomas no sentido da psicoterapia, mas é necessário que o profissional possa desenvolver uma escuta, a fim de captar as dificuldades que estão postas na vida dos usuários. Entendo que o assistente social lida no seu cotidiano com sujeitos reais e concretos, que sentem, pensam, agem e sofrem os efeitos da desigualdade social, expressões da questão social, do sucateamento das políticas sociais e das redes de proteção social operadas pelo Estado. E quando lidamos com uma dimensão que não se limita às ações burocráticas, seja individualmente, seja em grupo, somos afetados nessa relação de intersubjetividades. Acredito que não se pode manter a neutralidade científica, o distanciamento da racionalidade técnica ou recalcar todos os sentimentos, impulsos e emoções que são imanentes na relação com o usuário. Ao contrário, essa relação é constituída de afetos, sendo ela uma dimensão concreta e social que é a subjetividade humana. Portanto, o sofrimento e o adoecimento não são entidades abstratas, e elas se materializam por intermédio dos sujeitos reais. É por essa razão que, segundo dados colhidos sobre saúde mental e saúde do trabalhador, o profissional de Serviço Social é a categoria de trabalhadores que mais sofre na relação de trabalho, no conjunto de outras categorias profissionais, no campo social e da saúde. (Nicácio, 2008) Contudo, acredito que a prática do Assistente Social pode se enriquecer na medida em que ele puder problematizar as dimensões culturais e subjetivas dos usuários, com o olhar voltado para a vivência subjetiva que os usuários têm de sua situação social. Mas esta tarefa não pode prescindir da exigência ética de que se criem condições para que os sujeitos com os quais lidamos venham a tomar a palavra para que, a partir daí, possam refletir e agir de forma transformadora na sua realidade. Refletindo sobre a questão da subjetividade humana, destaco algumas questões específicas que motivaram a realização desta pesquisa: Como o paciente atendido no programa de TCTH percebe sua própria situação social e que estratégias utiliza para enfrentá-la? Como ele é percebido pela sociedade (estigmatização) e quais as consequências disso para a sua vida? Como ele se relaciona com a equipe de saúde e quais os impasses que surgem nessa relação? Esses questionamentos serão abordados no próximo capítulo. 51 2.4 - Atribuições do Assistente Social na Unidade de TCTH do HUCFF/UFRJ. O Serviço Social do HUCFF/UFRJ foi implementado em 1978, ano da inauguração da instituição. Nos primeiros anos, o Serviço Social desenvolvia ações principalmente de caráter assistencial e, a partir da década de 1990, com exigência do Ministério da Saúde em organizar a assistência à saúde através da implementação de programas, os assistentes sociais do HUCFF passaram a integrar as equipes de saúde constituídas para tais fins, mantendo, na ocasião, atividade assistencial. Este Serviço está vinculado diretamente à Divisão de Apoio Assistencial (DAA), que foi gerenciado por uma assistente social por mais de dez anos; a DDA, por sua vez, vinculase diretamente ao Diretor Geral do hospital. A DAA possui sete serviços: Serviço Social, Serviço de Nutrição e Dietética, Serviço de Documentação Médica, Serviço de Farmácia, Serviço de Fisioterapia, Serviço de Fonoaudiologia e a Comissão de Avaliação e Terapia Nutricional Enteral e Parenteral (CATNEP). O Serviço Social possui quatro subdivisões: Chefia de Serviço, Sessão de Planejamento, Sessão de Pacientes Internos e Sessão de Pacientes Externos. O Serviço está presente nas especialidades clínicas e cirúrgicas divididas pelos andares da unidade (5º, 6º, 7º, 8º, 9º, 10º, 11º e CTI), atuando ainda nos diversos programas, nas comissões, no serviço de ambulatório, na radioterapia, e também no Serviço de Emergência, que no momento encontra-se fechado. O Serviço Social do HUCFF tem por finalidade prestar ao usuário do hospital atendimento de Serviço Social integral e continuado de maneira sistematizada; elaborar e participar de projetos de pesquisa nas diferentes áreas do conhecimento, utilizando o referencial teórico de Serviço Social, articulando-os com os vários segmentos da comunidade hospitalar e da sociedade civil a partir das diretrizes da política de saúde; elaborar e participar de programas de ensino de graduação e pós-graduação das diferentes áreas de conhecimento utilizando referencial teórico do Serviço Social; promover pesquisas sociais e programas de educação continuada no campo de suas atividades; promover a articulação do hospital com outros Serviços Sociais e unidades representativas da comunidade e participar na execução das atividades didáticas das Unidades de Ensino que utilizam o hospital como campo de treinamento profissional. Em 1998, ocorreu a inserção do Serviço Social na Unidade de Transplante de CélulasTronco Hematopoéticas, cenário deste estudo, quando iniciei atividades como assistente 52 social, imprimindo sobre minha prática estratégias para sistematização das demandas dos usuários e para a intervenção a partir da realidade por eles apresentadas. Atualmente, o Serviço Social da Unidade conta com o apoio de uma acadêmica de Serviço Social. As atribuições do assistente social na unidade de TCTH se dividem no tripé ensino, pesquisa e assistência, promovendo aos usuários atendimento de qualidade de acordo com os princípios éticos e humanísticos, a saber: No ensino – supervisionar alunos de graduação em Serviço Social; promover e participar de eventos científicos, visando à socialização do conhecimento e participar de supervisão integrada com aluno/supervisor/professor da escola de Serviço Social (UFRJ). Na pesquisa – incentivar linhas diretivas de pesquisa, a partir das situações problematizadas na unidade; identificar o perfil socioeconômico e cultural dos usuários e/ou familiares, e apresentar trabalhos em congresso. Na assistência – orientar os usuários e/ou familiares quanto aos direitos trabalhistas, previdenciários e de cidadania; socializar para os usuários as informações impressas sobre recursos e direitos sociais, referentes à sua patologia específica; propor ações e adotar procedimentos que garantam a adesão ao tratamento; realizar grupos com usuários, familiares e equipe de saúde; realizar campanha voluntária para captação de sangue; estabelecer parceria e encaminhar os usuários para os recursos da comunidade; esclarecer sobre as normas e rotinas institucionais; participar da equipe multiprofissional para discussão de casos; realizar visitas domiciliares ao usuário e/ou familiares, conforme a necessidade do caso social; autorizar, em caso de necessidade, visitas fora do horário regulamentado; orientar quanto ao auxílio econômico para pagamento de despesas com passagens, diária e de alimentação para pacientes e acompanhantes que fazem tratamento fora do domicílio (TFD); e, principalmente, facilitar a inserção do paciente no processo de tratamento, enfatizando a importância do acompanhamento familiar. A ação do Serviço Social na Unidade de TCTH se inicia desde o primeiro contato com o paciente e continua durante todas as fases do procedimento, na tentativa de facilitar a sua inserção no processo de tratamento e minimizar o impacto causado pela doença. Cabe ao assistente social compreender as questões que envolvem a doença, como a perda da força de trabalho, a desestruturação familiar e o enfrentamento de preconceitos sociais. A intervenção do assistente social se faz necessária para amenizar esse sofrimento, criando um mecanismo de participação dos usuários e sua rede de apoio. Entendo ser de fundamental importância o fortalecimento de ações em rede em prol do usuário e de sua família, em momento tão doloroso e tão difícil para todos. O apoio psicossocial dado ao paciente e à família, a qual participa efetivamente do processo de tratamento e assume uma importância 53 crucial que o presente estudo irá aprofundar adiante. Nessa fase tão crítica de uma doença que é secundária a um câncer, observa-se que o usuário ou sua família dificilmente encontram apoio para si e, por isso, o Serviço Social assume alta relevância por seu acolhimento cotidiano e persistente. O assistente social entrevista o paciente que relata o seu modo de vida, seu cotidiano social, suas crenças, suas relações com a família e o mundo. A entrevista social é voltada para uma relação de horizontalidade entre paciente e profissional. Respeitando o princípio de liberdade e livre arbítrio, seguimos uma rotina de nos apresentar e esclarecer o papel do assistente social no programa. O objetivo da entrevista é identificar os problemas que podem prejudicar o tratamento e reportá-la à equipe de saúde, com vistas a garantir completa adesão do paciente ao tratamento proposto. Sabendo-se que o TCTH é uma experiência que exige muita energia do paciente, tanto física quanto emocional, e procurando garantir os direitos do cidadão, a ação do Serviço Social se faz necessária, a fim de estabelecer uma interface entre os usuários, familiares, equipe de saúde e comunidade, visando articular interesse e necessidades da população atendida. A seguir, descreverei minha trajetória profissional na Unidade de TCTH do HUCFF/UFRJ. 2.5 - Trajetória profissional com pacientes transplantados Em 1988 passei a compor o quadro dos técnicos administrativos da UFRJ. Em 1991, já formada em Serviço Social, passei ao quadro de assistente sociais do HUCFF, onde permaneço até hoje. Atualmente, trabalho em regime estatutário, exercendo a função de assistente social, tendo como responsabilidade desenvolver ações de ensino e pesquisa em consonância com a função social da universidade, articuladas à saúde de alta complexidade e integradas ao SUS, promovendo ao público atendimento de qualidade de acordo com os princípios éticos e humanísticos. Sou graduada em Serviço Social pela Faculdade de Ensino Superior Augusto Motta (1986) e comprometida com minha prática cotidiana, estando lotada na Unidade de Internação do 8º andar, onde se encontram as enfermarias do Serviço de Cardiologia, Cirurgia Cardíaca, Cirurgia Plástica, Ginecologia, Cirurgia Vascular e Oncologia. Procuro 54 concentrar minha atuação no Serviço de Hematologia Clínica e Transplante de CélulasTronco Hematopoéticas, o que me levou a realizar o curso de Especialização em Hematologia pela Universidade Federal do Rio de Janeiro (2007). Em 1998 implantei o Serviço Social na Unidade de Transplante de Células-- Tronco Hematopoética do HUCFF, resultando minha ação profissional na criação de um protocolo único de atendimento social para os candidatos ao TCTH; na elaboração de projetos de parceria com a sociedade civil organizada, buscando suprir as necessidades e criando mecanismos em prol dos usuários; na colaboração da criação do Núcleo de Cidadania em Saúde (trabalho voluntário do HUCFF/UFRJ); na elaboração do manual de orientação de pacientes do TCTH do HUCFF/UFRJ, sinalizando, neste material educativo, os direitos sociais assegurados aos portadores de câncer; e na elaboração de um folder sobre doação voluntária de sangue no HUCFF/UFRJ. Além disso, tive a oportunidade de participar da organização da IX Jornada de Intercâmbio de Trabalhos em Serviço Social na Área da Saúde do Estado do Rio de Janeiro (HUCFF/UFRJ); participei da organização do evento comemorativo dos dez anos do programa de TCTH do HUCFF/UFRJ; fui conferencista no curso de capacitação interna do Serviço Social do HUCFF/UFRJ, bem como do Congresso Brasileiro de Hematologia e Hemoterapia (2005); fui palestrante na III Jornada de Serviço Social do Instituto Nacional do Câncer (2011), que tinha como tema: “Políticas Públicas e seus Desafios: a Intervenção do Assistente Social no Transplante de Medula Óssea”; participei da comissão científica da equipe multiprofissional do XV Congresso da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO), em 2011 e fui moderadora durante o XV Congresso da SBTMO do Painel – “O Contexto psicossocial interfere na realização do transplante? E na Qualidade de vida? Questões socioeconômicas, habitacionais e psicológicas”. Desde 1990 supervisiono alunos de graduação em Serviço Social e fui responsável pela supervisão e orientação de dois trabalhos de conclusão de curso (TCC), com o tema central “Transplante de Células-Tronco Hematopoéticas (TCTH)”. Cabe destacar o trabalho “O sofrimento dos profissionais na Unidade de Hematologia e TCTH/HUCFF ao lidar intimamente com o processo de adoecer e morrer dos pacientes: Os rebatimentos na vida pessoal”, que foi apresentado aos sujeitos da pesquisa e a toda equipe de Serviço Social do HUCFF, a fim de apreender a contribuição do mesmo e os mecanismos que poderiam ser criados para que a discussão da temática fosse levada adiante. Posteriormente, o trabalho foi levado ao conhecimento da diretoria do hospital para obtenção de investimento necessário à melhoria da saúde dos trabalhadores. 55 Em 2004, devido ao aumento progressivo do número de pacientes encaminhados ao programa de transplante, iniciei juntamente com a equipe médica e de enfermagem, atendimento grupal com pacientes pré e pós-TCTH (imediato e tardio) e seus respectivos familiares, tendo como objetivo primordial propiciar um espaço para reflexão a respeito das repercussões da doença na vida de cada um, permitindo que os pacientes compartilhassem as maneiras peculiares com que enfrentavam a crise vital provocada pela doença e seus respectivos tratamentos. Essa experiência será relatada no capítulo 3. Além disso, os pacientes que se submetem ao procedimento contam com um Manual de Orientações (VIEIRA, et al, 2004) que é disponibilizado pela equipe de saúde no momento de seu primeiro atendimento. Cabe ressaltar que tive a oportunidade de participar da elaboração desse material educativo, juntamente com três enfermeiras e uma médica, ouvindo as demandas dos usuários e as sistematizando. O Serviço Social inseriu nesse manual os direitos especiais, assegurados aos portadores de câncer (neoplasia maligna), na intenção de fazer com que os pacientes exijam seus direitos por si ou por seus dependentes, num exercício de cidadania básico que contribui para a melhoria das condições de vida de todos nós. Ele se encontra disponível no site do HUCFF (www.hucff.ufrj.br). Em 2007, apresentei um trabalho no Congresso da Sociedade Brasileira de Transplante de Medula Óssea (SBTMO), juntamente com as assistentes sociais do Centro de Transplante de Medula Óssea (CEMO), do Instituto Nacional do Câncer (INCA), intitulado: “Questão Social: Desafios e contribuições de uma categoria profissional no TCTH”, que tinha como objetivo primordial mostrar o tipo de contribuição do Serviço Social ao TCTH e da equipe de saúde. O resultado do trabalho foi bastante interessante, embora a realidade das duas instituições de saúde sejam completamente diferenciadas. Considero que a minha trajetória profissional com os pacientes de TCTH foi de grande valia, embora marcada por uma sensação de impotência, pois o assistente social é um profissional que visa na sua ação garantir os direitos de cidadania, embora em seu cotidiano participe da angústia de indivíduos que precisam de auxílio para garantir a adesão ao tratamento, e da precariedade e descontinuidade das políticas de saúde pública no país, que nem sempre lhe garante essa adesão, colaborando, ao contrário, para que haja sucessivas interrupções em seus tratamentos, resultando em piora de suas condições clínicas, no agravamento da doença e, por vezes, no óbito. Contudo, amo minha profissão e tenho certeza de que dei o melhor de mim para transformar essa realidade. Além disso, a troca de experiência com os profissionais de saúde, os residentes multiprofissionais, os alunos de 56 Serviço Social, os pacientes e seus familiares foi um aprendizado que levarei para o resto da vida. No próximo capítulo, falarei do sujeito acometido pela DECH à luz da teoria psicanalítica, utilizando o discurso livre dos sujeitos, que resultou da entrevista semiestruturada, na qual abordo a dimensão imaginária da DECH, sinalizando o impacto psicossocial dessa síndrome em suas vidas e abordando o processo de adaptação às novas condições e da perspectiva de futuro. 57 CAPÍTULO 3: O sujeito acometido pela DECH à luz da teoria psicanalítica “O câncer não é uma sentença, é simplesmente uma palavra. O câncer não mata, as pessoas é que se matam quando pensam negativamente”. Branco Neste capítulo, detalharei as metodologias qualitativa e quantitativa que embasam os dois últimos capítulos desta dissertação, tendo como foco central o estudo qualitativo, quando apresento e discuto os resultados das entrevistas semiestruturadas, realizadas com os sujeitos acometidos pela DECH. A análise terá como base o enfoque teórico no campo da saúde e da psicanálise, levando-se em conta categorias de relevância e conteúdos relacionados aos conceitos de pulsão de vida e pulsão de morte, norteadores deste trabalho. Inicialmente introduzo o conceito de sujeito pulsional e aprofundo o conceito de pulsão, articulando-o às energias vitais que favorecem o enfrentamento da doença. Descrevo relatos de sofrimento, angústia, medo e morte, além de enunciados que apontam uma dinâmica de adaptação às novas condições e situam os limites e possibilidades funcionais dos sujeitos, reunindo falas eloquentes e esclarecedoras do tema. Ao final, darei destaque a motivações e sublimações que estão associadas à superação da doença, e nos dão ideia da importância da família no processo de tratamento, da fé e da perspectiva para o futuro. Um caminho de pesquisa quantitativo e qualitativo – parte I A pesquisa foi desenvolvida após autorização do Chefe do Serviço de Hematologia do HUCFF/UFRJ (Anexo III) e aprovação do projeto pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida, através do Plataforma Brasil (Anexo VII). A participação dos sujeitos da pesquisa envolveu sua prévia autorização e a Assinatura do Termo de Consentimento Livre e Esclarecido (Anexo I). Um estudo quantitativo envolveu dois procedimentos distintos: 1- Foi feito um estudo retrospectivo do prontuário, através da Ficha de Estudo Social (FES) (Anexo IV), de pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ, entre os anos de 2000 e 2010, num total de 133 casos. A FES contém dados de identificação dos usuários, configuração familiar, situação de trabalho, situação previdenciária, além de dados complementares, com parecer social. Foi possível correlacionar alguns traços entre os que sobreviveram e os que 58 morreram em virtude da doença, o que me permitiu sistematizar informações, codificar dados, tabular as respostas de maior relevância e compreender o impacto das respostas que mais chamaram a atenção; 2- Foi feito um estudo prospectivo com entrevistas estruturadas, utilizando-se o questionário FACT--BMT (Anexo V), com 28 pacientes. Trata-se de uma Escala de Avaliação Funcional da Terapia de Câncer específica para a realidade vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH. Tal escala, está na sua terceira versão (Mc-Quellon & cols., 1997) e foi validada em português. Os dados quantitativos serão apresentados e analisados no próximo capítulo. Também foi feito um estudo qualitativo: 3- um estudo baseado em história oral aplicado a cinco pacientes que fizeram o transplante alogênico de medula óssea (três homens e duas mulheres) e que desenvolveram a DECH (exceto um caso), através de um roteiro de entrevista semiestruturada, buscando compreender o impacto psicossocial dessa síndrome em suas vidas e abordando suas expectativas em relação ao futuro. Os pacientes tinham em média oito anos pós-transplante (TCTH), dois deles ainda apresentam sequelas da DECH e já aprenderam a conviver com suas limitações. O critério de escolha foi o tempo de sobrevivência ampliado e a escolha de pacientes mais falantes, mais disponíveis e que demonstraram um forte desejo de participar da pesquisa. As entrevistas foram feitas em espaço físico que garantiu sigilo profissional, sendo todas gravadas e transcritas, assegurando a fidedignidade dos relatos. A entrevista semiestruturada (Anexo VI) situa a escolaridade, o estado civil, a situação de trabalho e a renda familiar atual, contextualizando o padrão de vida pessoal, familiar e social do paciente. Ela também procura compreender se houve modificações nesse padrão pessoal, familiar e social, após o transplante, pedindo ao paciente para esclarecer o que mudou e como essas modificações o impactaram. O roteiro de entrevista também aborda como foi para o paciente receber a notícia do diagnóstico e do tratamento; se o início da doença foi relacionado a algum fato traumático; se houve algo que motivou o paciente a enfrentar a doença. Além disso, buscou-se compreender como foi para o paciente vivenciar as diferentes etapas do tratamento, a busca de um doador e a realização do transplante. Por fim, indaga-se como ficou a vida depois do transplante; como o paciente encara a vida hoje; quais são as suas expectativas e planos para o futuro. Para preservar a identidade, substituí os nomes por cores, do seguinte modo: Branco é um homem com 68 anos, que não teve DECH, estando com doze anos pós-TCTH e com remissão completa da doença; Azul é um homem com 45 anos, desenvolveu DECH, estando dez anos pós-TCTH e com remissão completa da doença; Verde é um homem com 59 33 anos que ainda convive com sequelas da DECH (no olho), estando seis anos pós-TCTH; Lilás é uma mulher com 50 anos que ainda convive com sequelas da DECH (na boca), estando nove anos pós-TCTH; Rosa é uma mulher com 51 anos, desenvolveu DECH, estando dez anos pós-TCTH e com remissão completa da doença. Tendo em vista que a presente dissertação enfatiza as contribuições da psicanálise, este capítulo articula conceitos psicanalíticos e os relatos dos pacientes, que serão aqui interpretados à luz da psicanálise freudiana. Estarei fazendo o uso de alguns cuidados éticos, como a substituição dos nomes dos pacientes por nomes de cores, de modo a preservar suas identidades e poder trabalhar na análise de suas narrativas. 3.1- O sujeito pulsional e o poder de enfrentamento da doença: Freud Descreverei relatos dos sujeitos acometidos pela DECH à luz da teoria psicanalítica, sabendo-se que nessa abordagem o sujeito não apenas nasce, ou se desenvolve, mas se constitui através da linguagem e só pode se definir a partir de sua relação com os pais, sendo um produto da relação de amor e de identificação com os mesmos. O estudo do sujeito sob o enfoque psicanalítico retrata que a criança ao nascer é portadora de necessidades que estão muito além daquela inicialmente suposta de obter alimento e se manter aquecido. O contato corporal direto com a mãe proporciona o encontro da criança com a palavra materna e, através da palavra, o encontro com o afeto, elemento indispensável para a nossa sobrevivência. O que a mãe transmite para a criança através da palavra é um conjunto de marcas simbólicas que suscitam no corpo do recém-nascido um ato de resposta. É esse ato de resposta que caracteriza o sujeito pulsional, o sujeito dotado de uma força constante que o impele à satisfação. Compreender como o sujeito se constitui através da linguagem requer a apreensão do conceito de pulsão, pois é exatamente por ser pulsional que o sujeito, diferentemente dos animais, precisa da linguagem para sobreviver e não apenas da satisfação das necessidades básicas. Como já descrevi anteriormente, o termo pulsão “Trieb” foi empregado por Freud a partir de 1905 e se tornou um grande conceito da psicanálise, definido como a carga 60 energética que se encontra na origem da atividade motora do organismo e do funcionamento psíquico inconsciente do homem. (Freud, 1905) Foi na obra Três ensaios da teoria da sexualidade (1905) que Freud se referiu pela primeira vez ao termo pulsão, e na qual ele desenvolveu a ideia de que o sistema psi está exposto a quantidades de excitação provenientes do interior do corpo (os estímulos endógenos), e nisto se encontra a mola pulsional “Triebfeder” do mecanismo psíquico. Além disso, o autor refere à vontade “Wille” como sendo um derivado das pulsões e exemplifica sua ideia: O ato da criança que chupa é determinado pela busca de um prazer já vivenciado e agora relembrado. No caso mais simples, portanto, a satisfação é encontrada mediante a sucção rítmica de alguma parte da pele ou da mucosa (...). A primeira e mais vital das atividades da criança – mamar no seio da mãe (ou em seus substitutos) – há de tê-la familiarizado com esse prazer. Diríamos que os lábios da criança comportam-se como uma zona erógena e a estimulação pelo fluxo cálido de leite foi sem dúvida a origem da sensação prazerosa. A princípio a satisfação da zona erógena deve ter-se associado com a necessidade de alimento. A atividade sexual apoia-se primeiramente numa das funções que servem a preservação da vida, e só depois torna-se independente delas. (Freud, 1905, p. 170) Essa é a primeira teoria proposta por Freud, em que a pulsão só pode gerar desejo e não repulsa. Os principais aspectos dessas descobertas são: 1- A função sexual existe desde o princípio da vida, logo após o nascimento. 2- O período da sexualidade é longo e complexo até chegar à sexualidade adulta, na qual as funções de reprodução e de obtenção de prazer podem estar associadas, tanto no homem como na mulher. 3- A libido, nas palavras de Freud, é a “energia dos instintos sexuais e só deles” (FREUD, 1905). Portanto, a pulsão, cuja energia é a libido, se traduz como uma exigência de trabalho imposta ao psiquismo em função de sua relação com o corpo, sendo a inscrição do psiquismo no registro do corpo. Ainda nos Três ensaios sobre a teoria da sexualidade, Freud (1905), partindo da análise das inversões e das perversões, mostra como o objeto da pulsão sexual é contingente e como seus alvos são vários. A pulsão sexual, portanto, se compõe de várias pulsões parciais e estas se definem por suas fontes e seus alvos e incluem não só as pulsões oral, anal e fálica, mas também a pulsão de ver e a pulsão sádica. Desde essa época, Freud considerava a dor como uma possível fonte de excitação sexual. 61 Em 1915, Freud publica A pulsão e seus destinos, o primeiro de seus cinco ensaios metapsicológicos, no qual situa o conceito de pulsão como um conceito de fronteira entre o psíquico e o somático, ou seja, como representante psíquico dos estímulos que provêm do interior do corpo e alcançam a mente. O autor, naquele trabalho, propõe-se a fazer uma recapitulação do conceito de pulsão, buscando-a inicialmente na ideia de estímulo, fornecida pela fisiologia, e no esquema do arco reflexo. A princípio, pensa na pulsão como um estímulo para o psíquico, mas logo percebe que existem estímulos para o psíquico que não podem ser chamados de pulsão. Na ocasião, Freud usa o modelo termodinâmico para falar do aparelho psíquico, um sistema de transformação de energia, que produz trabalho e perdas. O aparelho psíquico, segundo ele, é constituído para lidar com excitações, com intensidades. Freud (1915) parte de uma premissa biológica, que trabalha com o conceito de tendência e se enuncia do seguinte modo: “O sistema nervoso é um aparelho ao qual foi conferida a função de livrar-se dos estímulos que lhe chegam, de reduzi-los a um nível tão baixo quanto possível, ou, se fosse possível, de manter-se absolutamente livre dos estímulos” (p. 147). Freud (1915) define quatro conceitos auxiliares, que servem para caracterizar esse conceito de pulsão: 1- A fonte “Quelle”, que é o processo somático que dá origem à pulsão. Trata-se de uma excitação proveniente do corpo e manifesta-se no aparelho psíquico como uma pressão que busca descarga, o que leva a investir a representação de um objeto e a percebê-lo, para poder realizar, junto a este objeto, o alvo que proporcionará uma satisfação; 2- O Alvo “Ziel” traduzido como fim, objetivo ou meta; 3- O objeto “object” é o que há de mais variável na pulsão, uma quantidade variável de objetos é capaz de apaziguar a pulsão, sendo aquilo que junto à pulsão pode atingir seu alvo, podendo ser um objeto externo, uma parte do próprio corpo ou representações forjadas pela fantasia; 4- Pressão “Drang”, considerada o fator motor da pulsão, a soma da força ou a medida de exigência de trabalho que ela representa. Na época, Freud (1915) reuniu as pulsões em dois grupos: as pulsões de autoconservação (ou pulsões do eu) e as pulsões sexuais. As pulsões sexuais são numerosas, surgem de diversas fontes orgânicas e atuam a princípio independentemente umas das outras. Seu alvo é o prazer do órgão “organlust”. Descreve que uma parte das pulsões sexuais está ligada às pulsões de autoconservação, dando-lhes componentes libidinais. Isso ocorre quando uma pessoa come, levando-nos a, desta forma, distinguir conceitualmente a pulsão alimentar (autoconservação), cujo alvo é a ingestão de alimento, e a pulsão sexual (oral), cujo alvo é o prazer da zona erógena oral. 62 Além disso, Freud (1915) usa a expressão pulsões de conservação do eu “Triebe der Icharhaltung” como equivalente das expressões pulsões de autoconservação “Selbsterhaltungstriebe”, visando ambas à conservação de si mesmas, e não à reprodução. Já as pulsões sexuais visam à conservação da espécie. O segundo conceito de pulsão escrito por Freud surge a partir de Mais além do princípio do prazer (1920), em que o autor retrata que as pulsões de vida (Eros) e de morte (Tanatos) passam a ser princípios gerais que regem o funcionamento da vida psíquica e de toda a vida orgânica existentes (animais, vegetais e organismos unicelulares). Trata-se de um conceito mais amplo, no qual a pulsão de vida é conhecida como tendência à aproximação, unificação entre os seres vivos, ao contrário da pulsão de morte, que é vista como tendência à separação e à destruição. Esclarece o autor que o objetivo das pulsões de vida é estabelecer unidades cada vez maiores e assim preservá--las. Já as pulsões de morte visam restabelecer a vida ao estado inorgânico e explicam as tendências agressivas que levam o homem a propagar o sofrimento a si próprio. A observação de fenômenos como o da compulsão à repetição, encontrada nas brincadeiras infantis, na neurose de transferência e nas neuroses de guerra; da ambivalência, das manifestações da agressividade, do sadismo, do masoquismo, do ódio fazem Freud (1920) teorizar a respeito da existência do que chamou de uma “força demoníaca” no interior da vida, algo que se opunha ao princípio do prazer. Em função disso, a compulsão à repetição vai se apresentando para ele como fazendo parte da essência pulsional, uma força que pode suspender, mesmo que temporariamente, a ideia de que o princípio do prazer domina totalmente o aparelho psíquico. A repetição o leva a observar o aspecto regressivo e conservador da pulsão e o faz pensar na pulsão de morte como a pulsão por excelência. As teorias freudianas sempre vão falar de um dualismo psíquico, pois não existe aparelho psíquico sem dualidade. Desta forma, ambas as teorias da pulsão propostas por Freud são dualistas – na primeira, a oposição central é entre pulsões sexuais e do eu; na segunda, entre pulsões de vida, que englobam as duas categorias citadas na primeira, e pulsão de morte. Para Freud (1915), as pulsões são numerosas, provêm de inúmeras fontes orgânicas, exercem de início sua atividade independentemente uma das outras e só bem mais tarde são unidas em uma síntese. Elas podem ter quatro destinos: 1- A transformação no contrário: este destino implica dois movimentos diferentes, porém complementares da pulsão, o deslocamento da atividade para a passividade e a mudança de conteúdo. Os melhores exemplos são os opostos: sadismo / masoquismo e exibicionismo / voyeurismo. Freud traz a 63 ideia de que a pulsão se conjuga em três vozes gramaticais: Ativa, eu bato; a reflexiva, eu me bato; e a passiva, eu sou batido. 2- Retorno ao próprio eu é o objetivo final de toda pulsão: retornar ao próprio eu. 3- Sublimação: Freud conceituou o termo em 1905 para dar conta de um tipo particular de atividade humana (criação artística, literária, intelectual) que não tem nenhuma relação aparente com a sexualidade, mas que extrai sua força da pulsão sexual, na medida em que esta se desloca para um alvo não sexual, investindo objetos socialmente valorizados. 4- Recalque: processo que tem por objetivo manter no inconsciente todas as ideias e representações ligadas às pulsões e cuja realização, produtora de prazer a uma instância psíquica, provocaria desprazer a outra. Freud considera que o recalque primário funda o inconsciente, mas a ele não temos acesso, só aos secundários, que ele chama de recalque propriamente dito. Após descrever o conceito de pulsão e analisar os relatos dos sujeitos entrevistados, observei que a pulsão de vida – que tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade, o desejo de se desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia humana para a busca da autoconservação – se fez presente na fala desses sujeitos que enfrentaram o desafio do tratamento, lutaram pela possibilidade de cura da doença e sobreviveram ao TCTH e a DECH. Assim, na tentativa de responder ao objetivo primordial desse trabalho, trago breves relatos dos sobreviventes, nos quais a pulsão de vida aparece desde a descoberta da doença, ao tomar ciência do diagnóstico, caracterizando-se como um dos fatores que contribuíram para o enfretamento da doença: “...em verdade, ninguém recebe a notícia do diagnóstico de câncer dizendo que recebeu um prêmio, mas assim que eu recebi a notícia, eu fiquei triste como qualquer ser humano ficaria, mas na mesma hora me veio à cabeça, espera aí, se eu estiver com câncer mesmo e a vida vai encurtar, então eu vou tentar viver da melhor forma possível. Em nenhum momento eu me deixei vencer! Apesar de ter chegado a 32 Kg de peso, eu achava que eu ia vencer a doença, como venci!”. (Branco) “Quando eu descobri a leucemia, o médico tentou não me dá a notícia naquela hora e eu disse Dr., pelo amor de DEUS, não sou criança e eu acho que o meu nível cultural e social não é diferente do seu, eu sei que o Sr. está tentando me dizer alguma coisa, está dando volta e eu gosto de ter certeza do que tenho. O que eu tenho é grave? É um câncer? E ele me respondeu que eu estava sendo precipitado e me perguntou: E se for um câncer, como você agiria? Eu respondi: 64 Dr. O Sr. Já me deu o diagnóstico. Eu estou com câncer e não sei se é curável ou incurável, mas se for curável eu vou tratar”. (Branco) “Eu sempre fui positivo. Sempre acreditei no transplante. Sempre achei que ia dar certo. A primeira consulta que tive com o médico, eu perguntei: Quais são minhas chances com o transplante?... e eu falei então vamos cair dentro! Eu sempre acreditei e nunca pensei no lado do contra. Eu me preparei psicologicamente para enfrentar o transplante e tive muita motivação”. (Azul) “Eu vou encarar até o fim... se a minha oportunidade for um por cento, eu vou me agarrar nesse um por cento. A minha porcentagem de sobrevida era muito pequena, eu arrisquei e não me arrependo. Eu aconselho que todas as pessoas façam a mesma coisa”. (Branco). “Não vou desistir nunca, eu tô aí pra lutar”. (Rosa). “A gente não tem que se abater com nada. Eu acho que para tudo tem um jeito na vida. A gente tem que acreditar e seguir em frente. Para mim eu penso em melhorar cada vez mais”. (Verde) “Acho que é a maior covardia a pessoa fugir daquilo que vem pela frente”. (Azul) “Antes do transplante eu tinha muitos sonhos e eu acreditava que poderia fazer muitas coisas, sabe? Isso tem que ser feito eu sou capaz e vou fazer! Eu sempre quis fazer as coisas e as pessoas diziam para mim, isso não tem sentido! você não vai conseguir fazer isso! E eu falava... Eu vou conseguir! E eu também sou do signo de touro, sou determinada, eu bato na mesma tecla... eu fico falando, eu vou fazer, eu vou fazer, eu vou fazer, até fazer. Meu filho falava que eu sou muito bruxa, porque tudo o que eu dizia que vou fazer, vou fazer mesmo!”. (Lilás) Ficou evidente na fala dos sujeitos que a pulsão de vida se fez presente, ajudando na recuperação e no enfrentamento da doença. Outro fato que considerei relevante foi a noção de hereditariedade e o senso de realidade na fala dos sobreviventes. Em suas palavras: 65 “Não relaciono a doença a nenhum fato traumático vivenciado. Eu me surpreendi quando eu tive a notícia da doença, mas não me assustei, porque eu na verdade nunca tinha sentido nem dor de dente, nem dor de cabeça eu sentia. Eu sempre fui muito bem humorado, estou sempre sorrindo, brincando, mas eu não atribuo à doença ou a problema psicológico. Eu acho que isso deve ser porque minha mãe faleceu de câncer, minha avó de câncer, meu irmão de câncer, a família toda morreu de câncer. E em bananeira não dá coco, vai dar banana e eu acho que herdei essa parte – o câncer”. (Branco). Um dos sujeitos entrevistados refere à relevância do fator econômico, social e afetivo no enfrentamento da doença, abordando a questão da alimentação e da higiene, deixando caracterizado o modelo de atenção integral à saúde proposto na 8ª Conferência Nacional de Saúde, conforme abordei no primeiro capítulo. Ele destaca o papel das condições de vida, dos fatores socioeconômicos e do amparo global durante o adoecimento. Além disso, afirma a importância da família no processo de tratamento, a força do pensamento e principalmente a vontade de viver que ajuda a superar os desafios do TCTH. Suas palavras: “Eu acho que o fator econômico ajuda a vencer a doença. Isso não é uma doença para pobre não, porque o tratamento é caro, você depende de uma alimentação balanceada, o setor de higiene adequado, precisa de ter pessoas para lhe dar uma retaguarda e o carinho. Isso eu sempre tive na minha casa, muito carinho. Para se viver é preciso ter vontade de viver, nunca fazer o mal, ter o dom da piedade, da fortaleza, do perdão, eu acho que isso ajuda a viver. Eu acredito muito que é a força da nossa mente que ajuda a superar uma série de coisas. Ora, se eu me levanto bem humorado, se eu não me deixo abater por tão pouco, se eu não tenho medo das coisas, meu corpo vai se manter estável. A doença dá dor, dá mal estar, mas espera aí, o que eu posso fazer para melhorar?”. (Branco). Nos relatos apresentados dos sobreviventes ao TCTH e a DECH, fica evidente que a doença é um processo extremamente difícil e doloroso, mas é um desafio possível de ser enfrentado e superado. A pulsão de vida se fez presente na fala dos sujeitos, que demonstraram positividade, fé, coragem no enfrentamento da doença e, acima de tudo, vontade de viver. Outra questão abordada foi a importância da família e dos amigos para o sucesso do tratamento, ressaltando que em momento algum os sujeitos fugiram da realidade. 66 3.2- Relatos de sofrimento, angústia, dor, medo e morte Como já falei anteriormente, o TCTH e a DECH estão diretamente relacionados ao sofrimento humano e, desta forma, não poderia deixar de citar Freud, em O Mal- -estar da civilização (1929), quando afirma que a vida é árdua demais para nós, que ela nos proporciona muitos sofrimentos, decepções e tarefas impossíveis. Além disso, Freud diz que o sofrimento nos ameaça a partir de três direções: de nosso próprio corpo, condenado à decadência e à dissolução; do mundo externo, que pode voltar-se contra nós com forças de destruição esmagadoras e impiedosas; e de nossos relacionamentos com os outros homens. Ao realizar o TCTH e ser acometido pela DECH, o paciente passa por um sofrimento imenso, que vai além da dimensão física e que provém das três dimensões relatadas por Freud. Para exemplificar, apresentarei relatos dos sujeitos que sobreviveram à DECH e que demonstraram o seu sofrimento. O primeiro relata uma angústia imensa, que ele próprio não sabe identificar de onde vinha. Em suas palavras: “Quando você descobre que está doente... é difícil falar, por que a gente acaba adquirindo traumas, porque agente passa por momentos difíceis, a gente vê pessoas da nossa família sofrendo, a gente não sabe se vai sobreviver, o que vai acontecer amanhã, a gente fica ansioso, entendeu? Então, a gente acaba adquirindo uma preocupação a mais e quando eu estava doente, fazendo quimioterapia, eu senti muita angústia, muita tristeza, sabe eu não sei de onde vinha. Muita angústia mesmo! E eu não sei se a angústia era por saber que eu estava a um passo de morrer, sabe? Então, a gente quando passa por um momento difícil, grave, eu posso dizer com minha experiência quando me vi diante da morte, é uma angústia enorme, é um medo enorme e se você ficar sozinho é pior ainda. Isso só alivia quando você está com alguém próximo, ou quando você chora, fala, desabafa....”. (Verde) Ficam caracterizadas nessa fala a questão do desamparo fundamental 7 e a necessidade de o sujeito ter ao seu lado um familiar, um amigo, ou até mesmo um profissional de saúde, pois ele entende que a sua dor e o seu sofrimento só se amenizam na presença do outro, com o qual ele poderá falar sobre os seus sentimento e desabafar. Tendo em vista que objetivo desta pesquisa visa compreender o processo do adoecer e 7 Termo denominado por Freud (1929) ao dizer que o ser humano não pode se manter vivo sem a ordem familiar e social, o que decorre da própria condição de seu nascimento. O bebê humano precisa de alguém, um Outro que perpetre a ação específica necessária à sua sobrevivência. 67 morrer dos pacientes que enfrentaram a DECH, considerei importante no primeiro capítulo deste trabalho descrever as cinco fases identificadas por Kübler–Ross (1991) nos períodos que antecedem a morte8. Após ter realizado entrevistas semiestruturadas da história de vida, vou citar algumas falas desses sujeitos que enfrentaram o processo de adoecer e vivenciaram a possibilidade de morte iminente. A fase identificada por Kübler Ross (1991) – que ficou representada na fala dos sujeitos entrevistados – foi a aceitação, que se deu na medida em que os pacientes já passaram por todos os estágios anteriores. Segundo a autora, essa fase representa o culminar de todas as reações emocionais do doente. Descrevo, abaixo, o relato de uma paciente que, ao falar de seu sofrimento durante o processo de tratamento, refere que a dor física não existe, retratando medo e incerteza quanto ao seu futuro e a aceitação da própria morte: “Aí no hospital eu tive oportunidade de tomar morfina, aí a dor passa. A gente perde o medo da dor física. A dor física não existe! O que é a dor física? Hoje existem medicamentos para qualquer tipo de dor, mesmo que seja uma dose muito forte. A dor física, no meu ponto de vista, após o uso da medicação, deixa de existir. O medo que começa a existir é a incerteza. O que vai ser de mim? O que vai acontecer? O que é a vida? O que é a morte? O que fica é a experiência que eu tive de estar morrendo... eu lembro da minha irmã chorando, se despedindo de mim e a médica informando que eu estava morrendo e eu dizia: Gente eu estou aqui! Ninguém me via... Eu dizia... eu estou aqui, eu estou bem, então a sensação que me dá é a de aceitar a morte. Mas eu não sei se vai existir céu, ou se vai existir inferno, então eu quero estar preparada para essa hora, porque eu sei que essa hora vai acontecer”. (Lilás) “Eu não tenho medo de morrer... eu tenho medo de morrer e saber que as pessoas que amo vão sofrer, isso passa na minha cabeça”. (Verde) “A vida tá difícil! Não é fácil ser transplantada, mas eu estou aceitando. A pessoa que convive com a doença durante muitos anos, ela já passou por tanto sofrimento, por tantos momentos difíceis, ela já viu tanto sofrimento, que aí agente diz que a morte vai apenas acabar com o sofrimento. E quando agente olha para traz, diz, eu já tive um corpo de bebê, eu já tive um corpo de criança, corpinho de adolescente, hoje eu tenho um corpo de idade adulta e daqui a pouco 8 Fases: negação e isolamento, raiva, negociação, depressão e aceitação. 68 vou ter um corpo da terceira idade. É um processo que tá sempre mudando. O que é isso, que tá além do corpo? O que tá além da morte? Tem que ter alguma coisa que transcende isso tudo! Eu acho que a gente vai perdendo o medo da morte. Uma pessoa que tá sofrendo muito... começa a pensar, se eu morrer hoje, minha mãe não precisa mais vir ao hospital, não precisa mais passar por aquilo tudo. A pessoa não tem que viver em função dos outros. E quando a gente tá no hospital, a gente vive dependendo do outro, então tem uma hora que isso tem que acabar”. (Rosa) “O problema para mim não é morrer, porque morrer todos nós vamos morrer. O problema é o estar morrendo, é senti que está morrendo. Isso que é um processo doloroso, mas no meu ponto de vista, é um processo que enriquece agente. A gente começa a ver que é só o corpo que está morrendo. Aí agente vai se preparando para isso, a gente vai se desapegando”. (Lilás) “Não tenho medo da morte, eu encaro a morte como um caminho para outro mundo, não sei se existe um mundo depois desse, mas acho que todos nós estamos aqui para contemplar esse planeta e quando for determinado por DEUS e chegar minha hora eu vou embora. Eu tive a beira da morte e é um processo doloroso, é ruim, mas e o pior de tudo não é o que a gente tá sentido ali. O pior de tudo, se você quer mesmo saber, é vê as pessoas morrerem na nossa frente”. (Branco) “Desde pequenininho a gente aprende que a vida não é só isso, mas a gente acha então é o que mais? Ninguém sabe! Ninguém morreu! Então quando a gente faz um transplante e tem aquela sensação, morri, não morri, tô morrendo, não tô morrendo, a sensação que dá, é que o corpo vai morrer , mas eu não vou morrer. O que nasce é o corpo, o que morre é o corpo. O eu sou a vida e a vida vai continuar. E as vezes é isso que me desesperava, quando eu sentia isso no transplante, era imaginar que eu ia tá ali. Ia ver meu filho, mas não ia ter meu corpo pra chegar e falar assim... meu filho não faça essa bobagem... meu filho você tá com fome?... aí eu ia ver, mas não ia ter meu corpo para interagir”. (Lilás) Nesses relatos, além da aceitação da própria morte, três fatos me chamaram atenção: a preocupação com entes queridos que possam vir a sofrer com sua ausência e o receio em ser um peso para os familiares; o apego a DEUS, como caminho para outro mundo; e, 69 principalmente, o processo de adoecimento como um processo enriquecedor. A principal categoria de relevância que é comum a quase todas as narrativas anteriores é a “experiência de estar morrendo”. Esta experiência é descrita de um modo diferente por cada sujeito: um aponta a insegurança e fica reflexivo, pergunta-se sobre o que é viver e o que é morrer; outro diz que o pior é ver outra pessoa morrer, já que é inimaginável testemunhar a própria morte; outra pessoa descobre uma continuidade na existência e percebe a mutação dos corpos da infância à velhice, o que o leva a interrogar sobre a “transcendência do corpo”, deixando implícita a noção de que é possível existir para além do corpo; essa suspeita da continuidade da existência reaparece na última narrativa, quando uma pessoa diz “eu sou a vida e a vida vai continuar”. Tal suposição de continuidade da vida coloca o estudo numa fronteira com as religiões que cuidam da ideia de vida após a morte, tema que foge ao escopo deste trabalho. Entretanto é contundente a sensação de alguns de que são uma essência que está além do corpo. A seguir, apresentarei relatos de experiências dos pacientes, tentando mostrar seus limites funcionais e o processo de adaptação às novas condições impostas pela doença. 3.3- Adaptação a novas condições, limites e possibilidades funcionais O TCTH é uma experiência individual, em que cada paciente terá sua própria trajetória da doença e de recuperação de acordo com sua história clínica, seus recursos econômicos e suporte social. Entretanto, as limitações vivenciadas no pós-TCTH imediato representam um grande desafio para todos, especialmente quando diagnosticada a DECH. Nessa fase as consultas são frequentes e as recomendações são muitas, como permanecer em ambiente limpo, não dirigir, não comer comidas cruas, só tomar água fervida, não frequentar igrejas, shopping ou qualquer outro lugar fechado com aglomeração de pessoas, não se expor ao sol, não manter contato com animais, dentre outras que acabam limitando a obtenção de um bem-estar. Cabe ressaltar, entretanto, que os pacientes entrevistados neste estudo, possuem em média oito anos pós-transplante. Desta forma, já enfrentaram um longo tempo de luta contra a doença e de seus efeitos adversos. Todos tiveram boa adesão ao tratamento, enfrentaram e sobreviveram à DECH. O que me chama atenção é a capacidade de esses sujeitos encontrarem um sentido positivo para além do diagnóstico e de perceberem ganhos no processo de adoecimento, tais como: ter maior apreço pela vida; renovar sua fé, fazendo 70 sentir-se mais perto de DEUS; aumentar sua força interior; melhorar as relações familiares e sociais e adquirir uma sensação de gratidão para com a equipe de saúde. Esse fato confirma a ideia de Canguilhem (1990, p.149) ao dizer que “a doença não é uma variação da dimensão da saúde; ela é uma nova dimensão da vida”. Portanto, é necessário, em qualquer interpretação de sintomas patológicos, levar em consideração o aspecto negativo e o aspecto positivo que é atribuído à doença e a seus efeitos. A seguir, exemplificarei o que o adoecer e o transplante trouxeram como aprendizagem na vida, a partir dos relatos dos próprios pacientes: “Eu era menos tolerante, era extremamente vaidoso... fiz coisas erradas, mas um erro a gente não conserta, apaga. Hoje sou divorciado, mas na realidade eu nunca me separei dela. Só que quando ela me desafiou, você vê como é a burrice e a intolerância... ela tinha razão, mas nós nos gostamos e divorciados as brigas diminuíram. Eu passei a ter muito mais tolerância e a entender que também nos momentos difíceis da minha vida ela se fez presente, me deu amparo, me deu ajuda, me deu força. Eu sou meio careta e nos momentos de maior aflição eu procuro escrever aquilo que eu penso. “Um apelo a DEUS, faça de mim um homem bom e me dê sabedoria para continuar”. (Branco) “Eu acho que tudo o que o transplante deixou bem claro na minha vida, é assim como se eu tivesse subido um degrau... uma consciência. É uma coisa, assim muito, muito sutil, muito difícil de falar. Entendeu? É muito difícil expressar isso, mas eu acho que agente nasce sabendo que um dia vai morrer, mas a gente vive como se agente esquecesse essa verdade. Eu aprendi a dar mais valor a vida. A gente vive valorizando pequenas coisas... minha caneta, meu lápis. Quando a gente chega perto da morte, a gente fala, não, olha, ela existe mesmo, é verdade! E quando a gente chega muito perto da morte, que é no caso do transplante, porque eu acho que no transplante de medula, agente morre para reviver mesmo. A gente morre de certa forma, então dá uma noção diferente, dá uma noção que com o transplante eu aprendi que eu sou a vida, se eu morrer, eu vou continuar de alguma forma. Então, agente começa a se desapegar um pouco mais das coisas materiais, e ter uma visão mais de além. (Lilás) “E o que eu atribuo de melhor na minha vida, com essa doença, foi ter parado aqui no Fundão. Aqui eu encontrei não foi médico, não foi enfermeiro, não foi 71 assistente social, eu até me emociono, porque na realidade eu encontrei foi “anjos”. Pessoas que se dedicam realmente a isso aqui dá muito carinho, dá muita assistência”. (Branco) As narrativas anteriores destacam a vivência de crescimento e a tomada de consciência de como as situações limites impostas pela doença, o risco de morte e o transplante podem ser experimentados como transformadoras do sujeito. Uma nova perspectiva da própria vida surge quando se está diante do risco de perdê-la; e, de outro lado, o transplante é representado como uma segunda chance. Em certa medida, o transplante opera uma “morte” simbólica de um sujeito, que se percebe outro, diferente, modificado, como se tivesse subido um degrau na escala de maturidade e lhe fizesse dar mais valor à vida. Por fim, o último relato reúne a vivência de gratidão que atravessa um sujeito que se sentiu efetivamente cuidado. Surgem limitações que são decorrentes do transplante e que aparecem nos relatos dos sobreviventes, desde uma simples rotina doméstica, que pode ser interpretada de forma subjetiva, até um processo de aposentadoria por invalidez. O que está em jogo em ambos os casos é ter que lidar com a redução da funcionalidade, descobrir-se em condições de vida mais limitadas, deixar de poder fazer tarefas simples, deixar de poder dar continuidade a uma rotina de trabalho, todas elas vivenciadas como perdas pessoais e sociais. Vejamos os relatos: “Uma vez eu tinha uma pilha de roupas para lavar, eu não tinha energia para lavar e a roupa foi acumulando. Aí eu fui fazer orçamento para lavar e era equivalente a 50% do valor da máquina. Então, um dia eu acordei chorando, com uma tristeza muito grande e falei para a doutora, que eu estava muito triste porque eu não conseguia estender roupas e ela me perguntou se eu me incomodava com isso, pois ela não estendia roupa e isso não era importante para ela. Eu respondi que precisava fazer para me sentir feliz. Então ela me encaminhou para o psiquiatra e em consulta eu comecei a entender que o meu problema não era a máquina quebrada... o meu problema não era o dinheiro... Que existem problemas que nem eu mesma consigo ver, então a gente precisa de ajuda profissional”. (Lilás) 72 “Logo que eu tive o diagnóstico da doença, isso me deu muita raiva9. Eu dizia, eu não estou inválida... eu estou em processo de recuperação, mas ao mesmo tempo tinha que respeitar o que os médicos falavam. Então eu fiquei muito triste, e por intercorrência do transplante, devido à DECH, eu entrei no processo de aposentadoria por invalidez”. (Lilás) Outra questão que se fez presente nos relatos dos sobreviventes ao tentar se adaptar às novas condições impostas pela fragilidade física foi o tempo. Percebi que eles viram a necessidade de viver dia após dia e, para alcançar seus objetivos, fazem planos em curto prazo e aceitam os seus limites funcionais, como mostram os relatos: “Depois que eu fiquei doente eu parei tudo, mas agora eu acredito que eu vou conseguir planejar o que eu planejava antes de ficar doente, mas eu sei que é algo mais lento, né?”. (Azul) “Sou pós-graduada e assisto aulas de mestrado como ouvinte, mas não faço a prova do mestrado, porque sei que terei tempo para concluir. Eu não tenho condições de manter aquele ritmo de estresse. Dessa forma, Já estou há quatro anos como ouvinte e pretendo ficar o quanto quiser, o quanto for interessante para mim. Para mim, é prazerosa aquela coisa de estar participando, eu faço matéria apenas uma vez por semana, só nas segundas feiras, onde pego os textos e vou lendo no meu tempo. Os textos são em inglês e eu tenho dificuldade de entender, minha vista fica cansada, então eu leio uma página hoje, descanso, boto colírio, e assim vou, no meu tempo. Então, dá pra sonhar? vamos sonhar! Quero viver cada dia. Porque também se eu entro na responsabilidade de fazer o mestrado, eu vou ficar estressada e fica difícil conciliar tudo. Meu objetivo é acrescentar conhecimento. Eu queria terminar esse mestrado, mas ao mesmo tempo eu aceito se isso não acontecer”. (Lilás) Outra limitação encontrada pelos pacientes é a de encontrar um doador. Lembramos que a DECH só é adquirida no pós-transplante alogênico e este é realizado através da doação de medula óssea, podendo ser de doador aparentado ou de banco de medula óssea. Além disso, a doação é voluntária, não podendo ser comercializada. Desta forma, o paciente fica 9 Segunda fases identificadas por Kübler–Ross (1991) nos períodos que antecedem a morte. 73 na expectativa de encontrar um possível doador, gerando uma sensação de impotência, fragilidade e até de aceitação da própria morte. Isso fica claro no relato a seguir: “Antes do transplante eu achava que gastar dinheiro com farmácia dava muita tristeza. Dizia que era bem melhor gastar R$ 200,00 num restaurante, porque agente gasta com prazer. Então eu me deparei numa fila de transplante e se o transplante custasse R$ 200.000,00 eu ia dizer: Oba! Compra! Quanto custa? Quanto é para fazer? Não custa! Não existe a venda! Aí você diz assim, puxa é melhor ter uma doença que você tenha dinheiro para pagar. Hoje eu entendo que quando a gente fica no leito de um hospital, dependendo de uma doação, então agente fala assim, e agora? Eu não faço nada e tudo acontece ao meu redor... aí eu começo a entender que as coisas não dependem tanto de mim. Lógico que eu cultivo a mesma visão... quando eu quero colher uma coisa eu vou lá semear, mas entendo que cabe a mim plantar, semear, mas colher não. Por mais que eu queira um doador, por mais que eu tenha fé e acredite, não depende de mim. Tinha momentos em que eu falava assim, se eu morrer vai ser melhor para o meu filho, se eu morrer vai ser melhor para minha mãe, se eu morrer vai ser melhor para minha família e eu tinha muita saudade do meu marido que tinha acabado de morrer”. (Lilás) Cabe ressaltar que “Lilás” relata ter conhecido outros pacientes com indicação de realizar o transplante alogênico de células tronco hematopoéticas, que tinham fé e acreditavam no procedimento, mas que não conseguiram um doador e faleceram em virtude da doença. Essa paciente que sobreviveu se lembra da fala de um jovem que queria servir no exército e que optou por colocar o cateter na virilha para ninguém saber que ele era transplantado; e de uma jovem que tinha sonhos de terminar a faculdade, ambos tinham uma vontade enorme de viver e não sobreviveram. Com esse relato sinto a necessidade de registrar a importância da doação de medula óssea, que é organizada pelo Registro de Doadores Voluntários de Medula Óssea (REDOME), cuja função é cadastrar pessoas dispostas a doar. A seguir, abordarei qual foi a maior motivação dos pacientes ao enfrentar a doença e quais os seus planos para o futuro. 74 3.4- Família, motivação, fé e planos futuros Segundo Groeninga (2003, p. 125), a família pode ser definida como “um caleidoscópio de relações que muda no tempo de sua constituição e consolidação em cada geração, que se transforma com a evolução da cultura, de geração para geração”. É a célulamater da sociedade. Trata-se de um sistema de relações que se traduz em conceitos e preconceitos, ideias e ideais, sonhos e realizações. Cada família se estrutura de forma original, havendo uma divisão de tarefas, responsabilidades e poderes. Tem por finalidade a proteção física e psíquica, dada pela qualidade de desamparo inerente ao ser humano e, desta forma, embora sofra variações históricas, mantém-se essencialmente como instituição estruturante do indivíduo, em função das diferenças entre os elementos que a compõem e que determinam lugares que este ocupa. A família exerce funções diferentes, de acordo como o ciclo vital, dentro do contexto histórico, social e cultural onde vive. Ao entrevistar os sujeitos desta pesquisa, ficou evidente que a participação da família no processo de tratamento é fundamental, além de ser ela a mola propulsora de motivação para recuperação da saúde. Essas entrevistas me fizeram acreditar que, quando existe uma razão maior para o enfrentamento do processo de adoecimento, seja através da fé, seja de uma responsabilidade (trabalho/família), o medo tende a diminuir, levando o paciente a mais facilmente superar as adversidades. Todos os pacientes entrevistados tiveram apoio familiar e alguns relataram que em certos momentos a família sofre mais do que eles próprios. Desta forma, cabe lembrar que o apoio psicossocial deve ser dado não só ao paciente, mas também à família que participa efetivamente do processo de tratamento, pois se observa que, no cotidiano, essas famílias – que vivenciam momentos tão difíceis – raramente encontram apoio para si. De outro lado, vimos que alguns pacientes projetaram uma nova vida após o transplante, considerando a vivência de que nasceram de novo e o fato de que todos alimentam planos futuros, como veremos nos relatos a seguir: “Minha motivação para superar a DECH, sem dúvida nenhuma, foi a necessidade de educar meu filho. Eu olhava assim e dizia, ele é minha responsabilidade, então eu pedia a DEUS sempre para eu estar ali... acompanhando”. (Lilás) “Antes do transplante eu pensava em crescer profissionalmente e agora estou retornando e com uma grande perspectiva profissional. Eu quero melhorar a 75 qualidade de vida minha e da minha família. Quero estar ao lado do meu filho, que hoje já está com 20 anos, quero ver o crescimento dele nos estudos e na profissão. Penso em dias melhores para mim e para minha família. (Azul) “Se DEUS me permiti, eu tenho um neto de 19 anos e se eu puder vê-lo casado e com filho esse é o futuro que eu penso. Penso em continuar dando para a minha família o melhor de mim e o conforto que eu sempre pude dar. Meu futuro está galgado nos meus netos, pois eles na separação dos pais, não quiseram ficar nem com o pai e nem com a mãe e sim comigo. Meus netos me fazem sentir uma pessoa interessante”. (Branco) “A minha maior motivação foram as pessoas que estavam em volta de mim, meus amigos, meus familiares, aqui no hospital... toda a equipe que encontrei e a DEUS que me deu muita força para enfrentar esse desafio”. (Azul) “Eu mesmo no transplante não me deixei ter medo da doença e sempre achei que o trabalho ia me ajudar a vencer essa barreira e realmente me ajudou”. (Verde) “Claro que tenho planos para o futuro! No próximo dia 06/04 eu estarei embarcando numa viagem para a Índia. Eu faço planos, mas eu não tenho apego nos planos. Pode ser que aconteça alguma coisa e eu não consiga viajar. Eu planejo as coisa, porque eu quero as coisas, eu faço a minha parte, mas não sei se vou conseguir. Eu estou plantando, tudo o que eu quero eu estou plantando, mas será que isso vai germinar? Será que eu vou colher esses frutos? Eu já paguei minha viagem, já programei um monte de coisas, mas só DEUS sabe se agente consegue, mas eu continuo acreditando”. (Lilás) “O que me motivou foi a vontade de continuar ao lado dos meus filhos e minha vontade de viver. Eu sempre entreguei a DEUS para que fosse feito o melhor. Viver dependente da minha mãe no leito do hospital, porque também não podia ficar sem acompanhamento era muito difícil. Especialmente para quem tá acompanhando, especialmente para quem tá de fora. Eu acho que tem certos momento em que a família sofre mais do que o próprio paciente”. (Rosa) “A maior motivação é eu estar com a minha família, porque quando eu fiquei doente eu comecei a enxergar coisas que eu não enxergava antes... comecei a dar 76 valor às coisas simples da vida, por exemplo, um momento simples de estar almoçando com minha mãe. Além disso, acredito que foi DEUS que me fez superar, mas a vida é difícil, a gente tem que encarar e sempre procurar dar a volta por cima, apesar de qualquer problema e se superar”. (Verde) “Eu sou um cara tão de bem com a vida e tão de bem com DEUS... que ou ELE gosta muito de mim ou está me castigando para viver mais... se o castigo é viver eu estou sendo castigado, mas estou gostando do castigo. ELE me deu a oportunidade para fazer o transplante, onde as pessoas encontram dificuldade em ter uma medula compatível, eu tive seis irmãos e três eram compatíveis comigo. Inclusive meu irmão que era compatível comigo, morreu de câncer e eu não pude doar nada para ele. Essa é a história que eu tenho a contar, feliz da vida... 11 anos após o transplante e não sei quanto tempo mais vou viver, mas já foi gratificante o que eu vivi”. (Branco) O motivo para se viver, para se continuar vivendo depois do transplante, é diversificado. Há quem se agarre à ideia de continuar a educação de um filho ou de um neto, há quem se gratifique por receber ajuda de pessoas, há quem busque retomar o aperfeiçoamento da vida profissional ou ainda fazer uma viagem dos sonhos, há quem se gratifique pelos pequenos momentos cotidianos com a família e ainda há quem interrogue o que o fez merecedor de viver ainda mais dez anos, apresentando a dualidade da vida: isso seria prêmio ou castigo de Deus? Nas narrativas anteriores, vemos sujeitos altamente desejantes, com uma grande capacidade de se gratificar com a vida e a existência, tendo superado intensas tormentas, tendo sido testados em situações limites que oscilam entre as pulsões de vida e as pulsões de morte. O que os aproxima é a capacidade de sobreviver e reviver, quando muitos não resistiram e morreram. Após apresentar os relatos desses pacientes, caracterizando a família, a fé e o trabalho como motivadores para a recuperação dos sujeitos, apresentarei a seguir um relato de experiência em grupo de pacientes pré, trans e pós-TCTH. Minha vivência profissional e o mergulho na escuta de grupos preparatórios para o transplante e de transplantados será agora retomada, nesse momento do trabalho. Essa é uma oportunidade para revisitar uma prática que está registrada em arquivos de prontuário e reexaminá-la à luz da atual reflexão crítica. 77 3.5- Grupo de Pacientes: um relato de experiência Como já abordei no segundo capítulo deste trabalho, em março de 2004, com o aumento progressivo do número de pacientes encaminhados ao programa de transplante, a equipe de saúde sentiu a necessidade de oferecer um atendimento grupal a pacientes pré e pós-TCTH (imediato e tardio) e seus respectivos familiares, tendo como objetivo primordial propiciar um espaço para reflexão a respeito das repercussões da doença na vida de cada um, permitindo que os pacientes compartilhassem as maneiras peculiares com que enfrentavam a crise vital provocada pela doença e seus respectivos tratamentos. O grupo proporcionava aos pacientes o desenvolvimento de novas maneiras de lidar com a realização do TCTH, ampliando a rede de suporte social e reduzindo o impacto emocional causado pela doença, tratamento e complicações, aumentando, dessa forma, sua autoestima. O grupo foi criado como um mecanismo de participação dos usuários no processo de tratamento e ele trazia a oportunidade tanto para a equipe técnica como para os usuários, de socializarem o saber. Utilizávamos o instrumental técnico-operativo da educação para a saúde, na medida em que esse processo de intervenção possibilita a veiculação dos momentos e reflexões conscientes, proporcionando troca de informação e experiências entre profissionais e usuários, estimulando questionamentos e produzindo conhecimentos numa perspectiva de melhoria dos padrões de saúde. O trabalho em grupo enfatizava a importância da abordagem interdisciplinar em pacientes submetidos ao TCTH. Além da riqueza da troca de experiências entre pacientes, o grupo propiciava o esclarecimento de informações capazes de serem compreendidas, favorecendo uma expectativa mais “realista” da experiência do transplante nas suas diversas etapas. Nossa proposta era gerada numa perspectiva democrática, respeitando o princípio de liberdade e livre arbítrio, em que seguíamos uma rotina de nos apresentar e deixávamos que os usuários falassem livremente e abertamente, tornando esse processo o mais tranquilo possível. Experiências similares eram divididas, possibilitando a manutenção da esperança, na medida em que os pacientes pós-transplante passavam a funcionar como “espelhos” daqueles que aguardavam o procedimento. O medo da longa internação, da morte, de possíveis recaídas, ansiedade e fantasias com relação ao transplante e suas consequências eram temas recorrentes em nossas reuniões. O grupo também permitia a identificação daqueles pacientes que demandavam atendimento psicológico/psiquiátrico individualizado e o seu necessário encaminhamento. 78 Sendo extremamente politizados e conscientes dos seus direitos, em 2007 os usuários do programa de TCTH, durante uma reunião em grupo, se uniram e comentaram a dificuldade de obter medicação após alta hospitalar e, consequentemente, garantir uma completa adesão ao tratamento de saúde. Também se referiram ao TCTH como um procedimento de alta complexidade e compararam o HUCFF com outras unidades de saúde que realizavam esse procedimento pelo SUS no Rio de janeiro e que garantiam o medicamento pré, trans e pós-transplante. Na ocasião, eles elaboraram um documento e elegeram um representante. Esse documento foi encaminhado à Comissão de Direitos dos Pacientes (CDP) e a Direção Geral do HUCFF/UFRJ, mas não tivemos resultado favorável, pois esbarramos nos limites institucionais e nas carências das políticas públicas. Os depoimentos que seguem são de pacientes que participaram do grupo e desenvolveram uma transferência positiva, marcada por sentimentos ternos. “O espírito que permeia o grupo é visível e faz parte do tratamento, onde a presença do cuidador é de fundamental importância. O grupo socializa, coletiviza, ajuda o paciente a ter uma leitura da real situação. Dá mais conforto e segurança para os doentes, que acabam por se tornar amigos.” T.C.A. “A reunião em grupo vale de muita ajuda e incentivo a nós que participamos, pois pacientes pré-transplante, que se encontravam temerosos, ganharam confiança por meio dos encontros; outros que pensavam em desistir mudaram de ideia após ouvir testemunhos de incentivo para continuar o tratamento.” L.M.S. “Participar das reuniões em grupo tem sido uma experiência notável, pois posso falar para inúmeros pacientes, pré e pós-TCTH, o maior testemunho da minha vida, vivido nesta unidade hospitalar. Observo a utilidade do grupo na vida das pessoas e posso ver com meus olhos a reação positiva que acontece em suas vidas. E também aprendo muito, com a troca de experiências com os pacientes, e recebo carinho muito especial dos profissionais responsáveis por estas reuniões. Isso melhora minha qualidade de vida e me faz sentir útil.” A.J.M. “São muito importantes as reuniões, pois quando a gente chega para o transplante existem muitas dúvidas e medo e, através das reuniões, os depoimentos vão te deixando mais tranquila e tirando as dúvidas. Foi e continua sendo muito interessante para mim.” M.J.T. 79 Lamentavelmente, o grupo se desfez, devido a vários fatores, cabendo destacar a crise instalada no HUCFF e a morte da sua idealizadora, uma psiquiatra que acompanhava as reuniões, sendo ela considerada a “alma do grupo”. Ela tinha o cuidado de dar a palavra a todos os presentes, administrava o tempo de fala de cada um e identificava aqueles que potencialmente necessitavam de um atendimento individualizado. Tinha uma preocupação exagerada com o horário e, ao dar por encerrada as reuniões, dizia sempre que era bom terminar com “esse gostinho de quero mais”. Sendo portadora de câncer, ela se apresentava discreta e reservada, não queria falar e nem demonstrar sua fragilidade, sua doença. Um dia, me falou sobre o tratamento quimioterápico que estava fazendo em um hospital particular e disse que durante as sessões não tinha como dividir suas angústias com outras pessoas e referia que um grupo dessa natureza alivia muito o sofrimento dos pacientes. Eu me perguntava como ela conseguia ouvir as angústias, os medos e as ansiedades de pacientes que estavam passando pelo mesmo processo de adoecer que ela e, ainda assim, dar força, ânimo. Ela era impressionante... Tinha uma visão da morte, que me assustava. Lembro--me de uma paciente jovem que faleceu por toxicidade no transplante e ela disse que a paciente teve uma morte bonita, pois morreu fazendo aquilo que ela mais queria – TCTH. Eu tinha dificuldade de entender o que era uma morte bonita. Lembro-me também de uma paciente que, após várias recaídas, internou-se fora de possibilidade terapêutica e, sabendo que a morte era inevitável e estava próxima, na beira do leito, lamentou a ausência da doutora e me disse que ela seria a única pessoa que poderia lhe dar algum conforto naquele momento. Foi trabalhando no nosso cotidiano com o processo de adoecer e morrer dos pacientes que ela me indicou o livro A morte e o morrer de Elizabeth Kübler-Ross. Foi então que entendi um pouco mais sobre este processo. Tenho lembranças de momentos alegres que passamos juntas e gostaria de citar um deles, quando fizemos uma pequena confraternização de Natal com os pacientes, seus familiares e a equipe de saúde, durante a qual realizamos uma dinâmica em grupo chamada “remédio para o coração”, que tinha como objetivo aprofundar relacionamentos, possibilitar a autoajuda, companheirismo e, principalmente, celebração. As cápsulas de remédio distribuídas aos participantes continham mensagem de otimismo, fé, esperança, confiança, luta, solidariedade e superação. Estas mensagens foram retiradas do site da ABRALE e foram escritas por pacientes com doenças onco--hematológicas que superaram a doença, havendo, portanto, uma identificação imediata dos participantes. 80 Enfim, ela era uma pessoa que conseguia dar o melhor de si, em momentos no qual não se sentia particularmente preparada para isso, e se esforçava para que todos encarassem a doença como um obstáculo possível de ser superado. Era uma médica notável, pois sabia incluir esperança na receita de seus pacientes, sem, no entanto, fugir da realidade. Deixou o exemplo para os profissionais de saúde que lidam com pacientes graves, com a possibilidade de morte iminente. No próximo capítulo, mostrarei os resultados do trabalho de campo, que teve como principais instrumentos para coleta de dados a Ficha de Estudo Social (FES) e o questionário de qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT). Além disso, apresento vinhetas clínicas dos sujeitos entrevistados; e, por fim, situo algumas recomendações para a equipe de saúde. 81 CAPÍTULO: 4 Triangulação de dados quantitativos e qualitativos “O homem enérgico e que é bem sucedido é o que consegue transformar em realidades as fantasias do desejo.” Sigmund Freud Diante da complexidade de fatores psicossociais que influenciam o enfretamento da DECH, descrevo agora em maiores detalhes a metodologia quantitativa e dou um fechamento ao método qualitativo, contrastando informações entre as abordagens, de modo a compreender esta realidade estudada de vários ângulos. Enfoques teóricos no campo da saúde e da psicanálise ajudam a nortear os conteúdos organizados através de uma triangulação de métodos. No capítulo anterior, detalhei as entrevistas semiestruturadas e a partir de agora vou apresentar o resultado do estudo retrospectivo de prontuários e do estudo prospectivo com entrevistas estruturadas. Encerro o estudo com três vinhetas clínicas, fazendo uma análise contextualizada de casos já apresentados no capítulo anterior. O contraste final entre dados quantitativos e qualitativos permite um aprofundamento da análise e articulação de resultados. Um caminho de pesquisa quantitativo e qualitativo – parte II 1- Estudo retrospectivo da Ficha de Estudo Social (FES) - foi feito com 133 pacientes que realizaram transplante alogênico (TCTH) no HUCFF/UFRJ, a totalidade de pacientes acompanhados entre 2000 e 2010, tendo em vista que em 2010 o hospital deixou de realizar esse tipo de transplante, passando a fazer apenas o transplante autólogo. Procedimento: Ao longo de quinze anos, tive a oportunidade de acompanhar todos os casos e, portanto, eu já havia entrevistado esses pacientes, atendidos durante a fase de tratamento e de internação. De outro lado, o Serviço Social organizou o seu próprio banco de dados e as entrevistas foram diretamente realizadas por mim ou foram feitas por alunas do Serviço 82 Social sob minha supervisão. Portanto, eu tive acesso a estes dados que representam uma fonte segura e pude quantificá-los, dando-nos a dimensão do perfil clínico, socioeconômico e cultural de toda a clientela atendida no HUCFF. Assim, nessa análise da totalidade da amostra, teremos uma visão global dos pacientes submetidos ao transplante alogênico com ou sem a DECH, que foram ou não a óbito, ao diagnóstico prévio e ao tipo de doador. A visão global da totalidade de casos é uma estratégia de contextualização do estudo. 2- Estudo prospectivo com entrevistas estruturadas – utilizou-se o questionário FACT-BMT, uma Escala de Avaliação Funcional da Terapia de Câncer específica para a realidade vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH (MC-QUELLON et al, 1997), com 28 pacientes que sobreviveram ao transplante alogênico. Procedimento: O critério de escolha foi ser um sobrevivente (46). A exclusão de casos foi motivada pelo fato de alguns morarem muito distante ou por não se ter conseguido fazer o contato telefônico. A receptividade dos pacientes ao convite para a entrevista foi imediata; afinal, tínhamos um forte vínculo construído e esse novo contato me emocionou bastante. Assim, foi possível entrevistar 28 sobreviventes e constatar dados de dez pacientes que não desenvolveram a DECH e dezoito pacientes que desenvolveram a DECH, de modo a refletir sobre o impacto da DECH, um quadro clínico que prolonga o sofrimento do paciente e exige dele uma adaptação a outras restrições funcionais. Aqui teremos uma visão sintética e estratégica de fatores associados à qualidade de vida, tais como bem-estar físico, social, familiar, emocional e funcional, satisfação sexual e preocupações adicionais. 3- Vinheta clínica - esta técnica faz uma contextualização do caso clínico na história de vida do paciente, situando casos estudados no capítulo três, o que nos permite ampliar a compreensão clínica e psicossocial do mesmo. Ela também nos ajuda a humanizar o ancoramento de uma doença num sujeito singular em que sua relação pulsional com a vida e com o seu corpo reflete a dinâmica entre a pulsão de morte e a pulsão de vida, o contraste entre o desamparo e a capacidade de superação humana. Ela dá visibilidade a um ser desejante, cuja travessia através da dor o fortaleceu, deixando ainda acesa a chama da vida, marcada por uma incrível e inexplicável vontade de viver. 83 4.1- Perfil clínico dos sujeitos da pesquisa O Programa de TCTH do HUCFF/UFRJ foi implantado em 1994 e, desde então, realizou 643 transplantes, sendo 509 autólogos e 133 alogênicos. O primeiro transplante alogênico foi realizado em 2000, dos quais 132 foram aparentados (doadores irmãos/ãs), um não aparentado e um haploidêntico (ocorre quando a compatibilidade entre doador e paciente é de apenas 50%, como ocorre quando o doador é um dos progenitores, por exemplo). Em 2009, devido à crise instalada na saúde pública do país, em especial nos hospitais universitários, o HUCFF deixou de realizar TCTH alogênico, passando então a realizar apenas o transplante autólogo. Como disse anteriormente, todos os 133 pacientes que compuseram a amostra foram entrevistados pelo Serviço Social durante o processo de tratamento, e os dados que resultaram nessa análise estavam contidos na Ficha de Estudo Social (FES) que compõe o prontuário. A FES contém dados de identificação dos sujeitos, sua configuração familiar, situação de trabalho e previdenciária e os dados complementares com parecer social. Além da análise global, vou correlacionar alguns traços entre os que sobreviveram e os que morreram em virtude da doença, a fim de sistematizar as informações, codificando os dados, tabulando as respostas de maior relevância e buscando compreender o impacto das respostas que mais chamaram a atenção. Na tabela 1, descrita abaixo, identificou-se que dos 133 transplantes alogênicos realizados, 116 tiveram diagnóstico de neoplasia maligna (87%), sendo que apenas 17 pacientes tiveram doenças não neoplásicas (13%). Entre as neoplasias, tivemos 48 leucemias mieloides crônicas, 29 leucemias mieloides agudas, 16 linfomas não hodgkin, 12 leucemias linfoides agudas, nove doenças de hodgkin, uma leucemia linfoide crônica e uma mieloma múltipla. Das doenças não neoplásicas tivemos dez aplasias medulares, cinco mielodisplasias e duas mielofibroses. Neste estudo retrospectivo de uma década (2000-2010), constatamos que 87 desses sujeitos foram a óbito, havendo 46 sobreviventes. Em relação à DECH, observa-se que a maioria dos sujeitos adquiriu a doença – um total de 81 sujeitos (61%), dos quais 52 foram a óbito e 29 sobreviveram. Fazendo uma comparação com os que não apresentaram DECH tivemos 52 pacientes (39%), sendo que 35 84 faleceram e 17 estão vivos. Ou seja, houve entre 36% e 33% de sobreviventes, com ou sem a DECH. Não foi possível codificar as causas dos óbitos, pois elas são multifatoriais. Tabela1:(Perfil(Clínico(dos(Sujeitos 133 n=133 %Total Doador Aparentado Não4Aparentado Haploidentico 131 1 1 98% 1% 1% Diagnóstico Neoplasia Não4Neoplasia 116 17 87% 13% Situação4Atual Óbito Vivo 87 46 65% 35% Tem 81 Não4tem 52 DECH Óbito Vivo Óbito Vivo 52 29 35 17 64% 36% 67% 33% 4.2- Perfil socioeconômico e cultural dos sujeitos Com o objetivo de traçar o perfil socioeconômico e cultural dos sujeitos que realizaram transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas no HUCFF, optei por dividir os dados em três tabelas: a área geográfica de origem (tabela 2); o perfil socioeconômico (tabela 3) e a situação trabalhista e previdenciária dos sujeitos (tabela 4). Inicialmente farei uma análise geral e logo após mostrarei uma correlação entre as categorias de relevância do número total de pacientes (133) e do número de sobreviventes (46). Na área geográfica de origem (tabela 2), observa-se que o programa de TCTH atendeu pacientes oriundos de todo o país, inclusive um internacional, mas a predominância foi dos pacientes que residem em outros municípios do Rio de Janeiro (44%), sendo que 85 apenas 6% do total residem na área programática AP3.1.10 da Secretaria Municipal de Saúde (SMS) do Rio de Janeiro, na qual o HUCFF está inserido. Embora ciente de que a causa morte é multifacetada, busquei fazer uma análise entre os pacientes que sobreviveram e os que morreram durante esse período. Não encontrei resultado significativo em relação a área geográfica de origem ao comparar os dois grupos, mas considerei importante atentar ao significativo número de pacientes que residem em outros municípios/estados. Acredito que esses pacientes encontraram dificuldade por estar fora do seu domicílio e longe da família, especialmente no que se refere a falta de recursos de hospedagem e transporte, fatores sociais que possivelmente podem ter prejudicado a adesão ao tratamento de saúde. Destaco que o HUCFF não dispõe desse tipo de apoio e se encontra situado em uma área repleta de comunidades carentes, o chamado Complexo da Maré. Os pacientes que vinham de outros municípios/estados contavam apenas com o apoio do Tratamento Fora do Domicílio (TFD) da Secretaria Municipal/Estadual de Saúde da cidade/estado de origem. Desta forma, fica caracterizado, a necessidade de se articular políticas setoriais – saúde e assistência social, a fim de garantir a integralidade da atenção à saúde. Tabela&2:&Área&geográfica&de&origem&dos&sujeitos %realizaram%TCTH%(n=133) Area%programática%3.1 outros%bairros outros%municípios outros%estados outro%país 8 46 58 20 1 6% 35% 44% 15% 1% vivo%(n=46) %%%%%%%%%%1 %%%%%%%%%19 %%%%%%%%%20 %%%%%%%%%%6 %%%%%%%@ 13% 41% 34% 30% 0% óbito%(n=87) %%%%%%%%%%7 %%%%%%%%%27 %%%%%%%%%38 %%%%%%%%%14 %%%%%%%%%%1 88% 59% 66% 70% 100% Na tabela 3 apresento o perfil socioeconômico dos pacientes, subdividido em categorias. Temos 80 homens e 53 mulheres. A idade que prevaleceu foi entre 30 e 49 anos, mas nos chama atenção que 28% dos pacientes eram constituídos de jovens adultos (sete a 29 anos). Em relação ao estado civil, a maioria encontrava-se vivendo na companhia do cônjuge por ocasião da coleta de dados (47%). O grau de instrução ficou caracterizado por um expressivo número de pacientes (58) tendo apenas o ensino fundamental, além de dois semianalfabetos. A renda familiar que predominou foi de até três salários mínimos, 10 Área programática (AP3.1) da SMS do Rio de Janeiro – engloba os bairros de Bonsucesso, Penha, Olaria, Ramos e Ilha do Governador . 86 perfazendo um total de 44%, sem contar com os pacientes que trabalhavam no mercado informal e não tinham renda fixa (5%). A religião predominante foi a católica (53%). Tabela&3:&Perfil&socioeconômico&dos&sujeitos 4realizaram4TCTH4 (n=133) vivo4(n=46) óbito4(n=87) Sexo feminino masculino 53 80 40% 60% 444444444420 444444444426 38% 33% 444444444433 444444444454 62% 68% 74à4294anos 304à4494anos >44504anos 37 66 30 28% 50% 23% 444444444416 444444444423 444444444447 43% 35% 23% 444444444421 444444444443 444444444423 57% 65% 77% solteiro4(a) casado4(a)4ou4união4estável divorciado4(a)4ou4separado4(a) viúvo4(a) 51 63 13 6 38% 47% 10% 5% 444444444419 444444444419 444444444447 444444444441 37% 30% 54% 17% 444444444432 444444444444 444444444446 444444444445 63% 70% 46% 83% semi4analfabeto ens.fundamental ens.médio ens.superior não4informado 2 58 41 30 2 2% 44% 31% 23% 2% 44444444R 444444444423 444444444413 444444444449 444444444441 0% 40% 32% 30% 33% 444444444442 444444444434 444444444428 444444444421 444444444442 100% 60% 68% 70% 67% até414SM entre414e434SM entre434e464SM entre464e494SM acima4de494SM sem4renda4fixa não4informado 23 36 23 12 24 7 8 17% 27% 17% 9% 18% 5% 6% 444444444448 444444444412 444444444410 444444444446 444444444446 444444444441 444444444443 35% 33% 43% 50% 25% 14% 38% 444444444415 444444444424 444444444413 444444444446 444444444418 444444444446 444444444445 65% 67% 57% 50% 75% 86% 63% católico evangélico espírita sem4religião outras não4informado 70 44 5 7 5 2 53% 33% 4% 5% 4% 2% 444444444421 444444444419 444444444443 444444444442 444444444441 44444444R 30% 43% 60% 29% 20% 0% 444444444449 444444444425 444444444442 444444444445 444444444444 444444444442 70% 57% 40% 71% 80% 100% Faixa&etária Estado&civil Escolaridade Renda&Familiar Religião Ainda em relação à tabela 3, ao fazer uma relação entre o número total de sujeitos que realizaram o TCTH (133) e os sobreviventes (46), algumas categorias chamaram a atenção. Na questão de gênero, tendo em vista que a porcentagem de homens (80%) que realizou o TCTH era maior do que das mulheres (40%), observa-se, entretanto, um maior percentual de sobrevida entre mulheres (38%) do que entre homens (33%). Portanto, as mulheres sobreviveram mais ao TCTH. Com relação à faixa etária, observa-se um 87 percentual expressivo de sujeitos (50%) entre 30 e 49 anos de idade; em contrapartida, a sobrevida de maior relevância foi nos jovens adultos, com idade entre sete e 29 anos (43%). Em relação ao estado civil, a predominância entre os sujeitos que realizaram o transplante ficou entre os casados ou com união estável (47%); entretanto, a sobrevida predominou entre os solteiros (37%). A escolaridade foi uma categoria que não apresentou mudanças significativas entre o total de transplantes realizados e os sobreviventes. Com relação à renda familiar, a predominância do total dos pacientes tinha renda de até três salários mínimos (44%); entretanto, a predominância dos sobreviventes ficou com renda familiar entre três e seis salários mínimos (43%). Com relação à religião, a predominância do total de transplantes realizados foi de católicos (53%); em contrapartida, a sobrevida ficou predominantemente representada por evangélicos (47%). Em síntese, a ocorrência de transplantes alogênicos predomina em homens, mas as mulheres sobrevivem mais; predomina em adultos (30 a 49 anos), mas a sobrevida é maior entre jovens e jovens adultos (sete a 29 anos); predomina entre os casados, embora os solteiros tenham maior sobrevida; observam-se todos os níveis de escolaridade entre os que foram a óbito ou sobreviveram; em relação à renda, observou-se um predomínio de pessoas de baixa renda (até três salários mínimos), embora a maior sobrevida esteja entre aqueles com uma renda média (na faixa de três a seis salários mínimos). Neste caso, chama atenção uma alta mortalidade entre aqueles com rendas maiores (acima de nove salários mínimos). Por fim, embora predomine a religião católica, a sobrevida foi maior entre os evangélicos. Pode-se concluir que os fatores protetores correspondem a ser mulher, jovem ou adulto jovem, solteiro, dispor de uma renda média e ter religião. A tabela 4, abaixo, apresenta a situação trabalhista e previdenciária dos sujeitos, dos quais 68% são inseridos no mercado de trabalho, sendo 45% empregados no mercado formal, 11% trabalham como prestadores de serviço, 10% são profissionais liberais e 2% são empregadores. Somente 28% não estão inseridos no mercado de trabalho, sendo 13% do lar, 8% de estudantes e 7% de desempregados. Do total, 5% não tinham informações. O vínculo previdenciário predominante foi o Instituto Nacional de Seguridade Social (INSS), com 62%, sendo que nos chama atenção o índice de 23% dos sujeitos sem vínculo previdenciário. A grande maioria dos sujeitos são os próprios segurados da previdência social (59%); e o benefício predominante é o auxílio doença, com 41% do total. 88 Tabela&4:&Situação&trabalhista&e&previdenciária&dos&sujeitos +realizaram+TCTH+ (n=133) Atividade&profissional empregado ++++++++++60 45% autönomo ++++++++++13 10% desempregado +++++++++++9 7% mercado+informal ++++++++++14 11% estudante ++++++++++11 8% do+lar ++++++++++17 13% empregador +++++++++++3 2% não+informado +++++++++++6 5% Vinculo&previdenciário sem+vínculo ++++++++++30 23% vínculo+INSS ++++++++++83 62% vínculo+outras+instituições ++++++++++14 11% não+informado +++++++++++6 5% Tipo&de&vinculo dependente ++++++++++19 14% segurado ++++++++++78 59% não+possui ++++++++++30 23% não+informado +++++++++++6 5% Tipo&de&benefício auxílio+doença ++++++++++54 41% aposentado ++++++++++13 10% não+possui ++++++++++44 33% pensão/BPC/outros ++++++++++16 12% não+informado +++++++++++6 5% vivo+(n=46) óbito+(n=87) ++++++++++20 +++++++++++8 +++++++++++3 +++++++++++3 +++++++++++3 +++++++++++7 ++++++++Q +++++++++++2 33% 62% 33% 21% 27% 41% 0% 33% ++++++++++40 +++++++++++5 +++++++++++6 ++++++++++11 +++++++++++8 ++++++++++10 +++++++++++3 +++++++++++4 67% 38% 67% 79% 73% 59% 100% 67% +++++++++++8 ++++++++++30 +++++++++++6 +++++++++++2 27% 36% 43% 33% ++++++++++22 ++++++++++53 +++++++++++8 +++++++++++4 73% 64% 57% 67% +++++++++++7 ++++++++++29 +++++++++++8 +++++++++++2 37% 37% 27% 33% ++++++++++12 ++++++++++49 ++++++++++22 +++++++++++4 63% 63% 73% 67% ++++++++++21 +++++++++++4 ++++++++++13 +++++++++++6 +++++++++++2 39% 31% 30% 38% 33% ++++++++++33 +++++++++++9 ++++++++++31 ++++++++++10 +++++++++++4 61% 69% 70% 63% 67% Na tabela 4, ao fazer uma comparação entre o total de pacientes transplantados (133) e os sobreviventes (46), nos chama atenção que, embora o percentual de trabalhadores empregados (45%) tenha prevalecido no montante de pacientes transplantados, a predominância dos sobreviventes se deu nos trabalhadores autônomos (62%). As categorias do vínculo, do tipo de vinculação e do tipo de benefício previdenciário não apresentaram significância em relação ao número dos transplantados e os sobreviventes, sendo que em todas elas a predominância foi o vínculo com o INSS, o próprio segurado e o benefício auxílio-doença. Chama atenção o fato de o “trabalhador autônomo” ser aquele que necessita produzir o seu próprio sustento e pagar a sua própria seguridade social, o que surge como um fator protetor, uma vez que coloca esse profissional em maior prontidão para assegurar suas condições de vida e de trabalho. 89 4.3- Análise da qualidade de vida pós-transplante (FACT-BMT) Neste estudo foi utilizado o questionário FACT-BMT (Functional Assessment of Cancer Therapy – Bone Marrow Transplantation) em 28 dos 46 sobreviventes ao TCTH alogênico, dos quais dez não apresentaram DECH e 18 adquiriram a doença. Trata-se de uma escala de avaliação funcional da terapia de câncer específica para a realidade vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH. Tal escala, na sua terceira versão (MCQUELLON et al, 1997), foi validada em português, sendo composta por seis domínios: bem-estar físico, bem-estar social e familiar, satisfação sexual, bem-estar emocional, bemestar funcional e preocupações adicionais. Este questionário tem sido uma das medidas mais utilizadas para mensurar a qualidade de vida dos pacientes submetidos ao TCTH, sendo um instrumento simples e auto-administrável. Cabe ressaltar que acompanhei o preenchimento de todos os questionários e que, em alguns casos, tive a necessidade de os ler. Isso se deu pelo baixo nível de escolaridade de alguns pacientes e pela dificuldade que alguns encontraram de interpretá-lo. Esta leitura informativa contribuiu para o entendimento do questionário, ajudou a minimizar os limites socioculturais e favoreceu à fidedignidade dos resultados. A escala oferece escores de 0-100 para cada domínio, sendo que, quanto mais próximo de 100 mais preservada a qualidade de vida. É pontuado pelos seus domínios, pela soma dos escores de suas questões. O formato Likert das respostas permite escores de zero a quatro para cada questão, sendo considerado o escore reverso para as questões construídas de forma negativa. (MASTROPIETRO AP, 2007: p. 262). Para a comparação dos domínios da FACT-BMT entre os níveis da variável DECH foi realizado um ‘teste t não pareado’, que define a probabilidade das duas amostras apresentarem valores diferentes de bem-estar. Os resultados obtidos nos seis domínios e no escore total não apresentaram diferenças estatisticamente significativas entre os pacientes com e sem a DECH. Esse resultado mostra que os níveis de bem-estar nos dois grupos são os mesmos. Tal resultado pode ser devido ao fato de que ambos os grupos tenham uma perda do bem-estar que independe da questão da DECH, mas cabe lembrar que o tempo médio decorrido do TCTH dos sujeitos entrevistados foi de oito anos e desta forma, ambos os grupos de pacientes podem ter recuperado o seu bem-estar. O fator tempo, neste caso, contribuiu para a retomada da qualidade de vida entre os sobreviventes. 90 Entendo que o FACT-BMT, embora seja um método de pesquisa que está validado no Brasil e é muito utilizado em território nacional, na presente pesquisa ele não ofereceu uma relação conclusiva em relação ao bem-estar, quando comparados os dois grupos de pacientes com e sem DECH, conforme apontam as tabelas abaixo. Pode-se inferir que esta testagem será mais eficaz na fase inicial da DECH, quando as dificuldades adaptativas vivenciadas pelos pacientes estarão bem mais acentuadas. A capacidade adaptativa observada em longo prazo indica uma forte resiliência entre os sobreviventes e uma sabedoria para manejar as pulsões de vida e de morte. Tabela:5 Questionário FACT-BMT - Qualidade de vida pós-TCTH Variáveis)do)FACT.BMT Bem.estar)físico Bem.estar)social/familiar Satisfação)sexual Bem.estar)emocional Bem.estar)funcional Preocupações)adcionais Bem.estar)Total Sem)DECH)(n=10) Mean 3,70 17,00 2,60 5,80 23,30 24,40 76,80 Std. Deviation 2,63 4,62 1,65 2,35 4,64 5,68 13,09 Com)DECH)(n=18) Median 4 18 3 5 24 24,5 79,5 Mean 6,22 18,39 2,61 6,22 21,94 22,06 77,44 Std. Deviation 6,55 4,41 1,58 3,28 5,23 4,08 9,19 Unpaired)t)test Median 5 20 3 5,5 24 23 77,5 P value 0,26 0,44 0,97 0,72 0,5 0,22 0,88 4.4- Vinhetas Clínicas de Sobreviventes a DECH Caso 1: Verde é um homem adulto, 33 anos, solteiro, ensino médio completo, natural do Rio de Janeiro. É filho caçula (cinco irmãos e uma irmã) e órfão de pai desde os oito anos de idade. Reside com sua mãe e um irmão que lhe prestam a devida assistência. Trabalhou como operador de telemarketing estando em benefício auxílio-doença junto ao INSS, com renda individual de um salário mínimo. Mora em apartamento próprio, com boas condições 91 de saneamento, localizado na AP3.1. Ele é portador de leucemia mieloide aguda, realizou transplante alogênico de células-tronco hematopoética no HUCFF/UFRJ em 2007 e, nos últimos seis anos, tem convivido com sequela da DECH crônica, que afetou a sua capacidade de produzir secreções pelas glândulas lacrimais, resultando numa patologia descrita como xeroftalmia ou "olho seco". Desta forma, tem que fazer uso frequente de lubrificantes locais. Verde diz ter passado por um problema traumático na adolescência por ser homossexual e nega essa condição, considerando-a como uma doença da alma Ele demonstra uma significativa dificuldade para falar sobre o assunto, na medida em que considera difícil o ser humano e a sociedade entender. Aos 17 anos foi evangelizado e passou a pedir a DEUS a cura, porque não se aceitava, mas isso não aconteceu e gerou mais angústia. Após algum tempo, ele se afastou da igreja, pelo fato de que lá é pregado que um relacionamento de homem com outro homem é pecado. Ele, então, ficou depressivo e se isolou do mundo externo. Foi quando descobriu a leucemia, a qual relaciona a esse fato traumático vivenciado, sua identidade homossexual que é mantida escondida de todos. Nesse contexto de sofrimento e conflito interno e social, ele interpretou o diagnóstico como uma “punição de DEUS” e, por essa razão, ele não imaginava que ia sobreviver ao transplante (TCTH). O amor da família, em especial o amor de sua mãe, lhe deu força e motivação para superar os desafios: “Minha família para mim é tudo. É a base para eu querer lutar pela cura”. Hoje, ele já enxerga a vida de outra forma, aceita sua homossexualidade e dá mais valor às pequenas coisas, embora ainda não tenha encontrado coragem para comunicar aos familiares, com medo de ser rejeitado. Atualmente, ele faz planos para o futuro, estuda e sonha em passar em concurso público. Ser jovem e estar solteiro são dois fatores protetores associados ao caso. No entanto, Verde, diante do conflito interno e social, tenta o caminho da sublimação, aderindo a um processo religioso. Lá não encontra alívio e, ao contrário, há uma internalização de ideia de culpa e de pecado. Freud (1905) nos fala do caminho da pulsão, como podendo se voltar contra a própria pessoa, em três vozes gramaticais: ativa – “eu bato”, quando ele interpreta a sua sexualidade como um erro a ser escondido; reflexiva – “eu me bato”, quando ele procura na religião uma transformação; passiva – “eu sou batido”, quando ele descobre a leucemia e a interpreta como castigo de Deus. Então, nesse caso, a morte seria tanto um castigo, quanto uma condenação à pena de morte, e um alívio, pois ele seria retirado de tamanho sofrimento. A pulsão de morte agia em seu ser. No entanto, a força do amor de sua mãe e a “morte simbólica do transplante”, algo que morreu nele enquanto foi transplantado, parece reverter 92 o jogo de suas fantasias e representações. Ao invés de morrer, ele revive, ele renasce e vê, perplexo, diante de si uma segunda chance. Embora ainda relutante para se mostrar para o grande Outro, ele já consegue se aceitar em sua diferença, e essa aceitação de si lhe devolve a vida, abre-lhe novas oportunidades e perspectivas. Em sua família ele se vê num enlace do amor, atado à sua necessidade de se sentir amado e com medo de perder o amor e o respeito, ainda em conflito; mas agora ele se sustenta num laço social marcado pela pulsão de vida. Caso 2: Branco é um homem idoso com 68 anos, divorciado, com ensino superior completo, advogado, natural do Rio de Janeiro. Possui um casal de filhos, dois netos e seis irmãs e refere bom relacionamento familiar. Reside em apartamento próprio, com boas condições de saneamento, localizado na zona sul do Rio de Janeiro. Trabalha como corretor de imóveis no mercado informal e possui uma condição socioeconômica estável, com renda familiar acima de vinte salários mínimos. Foi batizado na igreja católica, mas diz que sua religião é DEUS. Ele é portador de leucemia mieloide crônica, em remissão completa da doença, tendo realizado transplante alogênico de medula óssea no HUCFF/UFRJ em 2001, e não apresentou DECH. Branco não relaciona a doença a fato traumático vivenciado, relacionando apenas a questão da hereditariedade, uma vez que essa doença já afetou vários familiares seus em linhagem direta. Ele sempre foi bem humorado e otimista em relação à doença. Chegou aos 32 kg de peso, com uma porcentagem de sobrevida pequena, mas nunca se deixou vencer pela doença. Refere que arriscou ao realizar o transplante e não se arrepende e aconselha a todas as pessoas fazerem a mesma coisa. Segundo ele, “o câncer não é uma sentença, é simplesmente uma palavra. O câncer não mata, as pessoas é que se matam quando pensam negativamente”. Além desse otimismo fora do comum, ele também acredita que o fator econômico o ajudou a vencer a doença, além da retaguarda familiar, do carinho dos mesmos e, principalmente, da força da mente e de sua firme vontade de viver. Demonstra gratidão à equipe de saúde, definindo os profissionais como anjos. A doença o impactou no sentido reflexivo e lhe propiciou um novo modo de olhar a vida. Com a experiência do transplante, passou a ser mais tolerante e se aproximou da família. Ele vê sua perspectiva de futuro atrelada aos netos, pois estes, na separação dos pais, preferiram morar com o avô, o que lhe deu mais motivação e interesse pela vida. Ele se considera um vencedor, pois, dos seis irmãos, três tinham compatibilidade para doar a medula óssea, além de ter doze anos pós-transplante e estar se sentindo bem. 93 O que chama atenção na história de Branco é sua incrível capacidade de olhar positivamente a vida e as adversidades, ou seja, a sua aptidão por sublimar as pulsões sexuais e destrutivas. Embora ele tenha vários fatores de risco – sexo masculino, idoso e hereditariedade familiar –, ele revela uma capacidade privilegiada de ter fé na vida e de acreditar e apostar na superação. O fato de ser um profissional liberal autônomo, um fator protetor no grupo aqui estudado, e de ter conseguido retomar as suas atividades profissionais, tudo isso o coloca de volta à condição de provedor, fato que sabemos ser de fundamental importância para o gênero masculino. A importância da sua condição econômica relaciona-se especialmente com o seu lugar de provedor e com a possibilidade de cuidar dos netos. A escolha dos netos por morar com o avô, em seu próprio entendimento, revela que ele tem uma capacidade de cuidar do outro, de um cuidado afetivo e material que lhe traz novos motivos para continuar vivendo e para encontrar em si uma nova vitalidade. Como diz Freud (1920), a pulsão de vida é vista como a tendência à aproximação e unificação entre os seres; e, ao contrário, a pulsão de morte é a tendência a separar e a destruir. Branco soube enfrentar as fases difíceis de sua vida e encontrou forças para reunir o que havia de melhor – em vez de valorizar o peso da hereditariedade, ele valorizou o peso dos doadores: ele reconheceu o privilégio raro de ter três doadores. Podemos supor que esta vivência de “se sentir um privilegiado” talvez tenha colaborado para ele não desenvolver a DECH, ou seja, o seu organismo não reagiu como se tivesse sido introduzido nele um elemento estranho. Novamente, este segundo caso nos leva a pensar que a interação entre a mente e o corpo é maior do que a ciência atual consegue demonstrar e vai ao encontro das compreensões freudianas. Caso 3: Lilás é uma mulher de 50 anos, católica, viúva, ensino superior completo, tendo atuado como administradora de empresas, sendo natural de Pernambuco. Possui um único filho e sua rede familiar é restrita, formada apenas por irmãos, embora tenha um bom relacionamento. Reside em apartamento próprio, com boas condições de saneamento, situado na zona sul do Rio de Janeiro. Trabalhava no mercado formal como administradora de empresa, mas devido ao TCTH e à DECH se aposentou por invalidez. No momento atual, é a única provedora do lar e possui dois benefícios do INSS, pensão por morte do cônjuge e aposentadoria, que somam aproximadamente dez salários mínimos. Ela é portadora de leucemia mieloide crônica, realizou transplante alogênico de medula óssea no HUCFF/UFRJ em 2004, e há nove anos convive com sequela da DECH, que se manifesta pela destruição 94 das glândulas salivares com consequente incapacidade de produzir saliva, resultando numa patologia descrita como xerostomia ou “boca seca”. Lilás diz que o início da sua doença pode estar relacionado ao fato de seu cônjuge ter sofrido um AVC no período em que ela estava amamentando o seu filho. Nesta ocasião, ela teve que interromper a amamentação para acompanhá-lo no hospital, sendo um momento extremamente difícil. Esse foi um período da vida estressante e difícil, uma vez que seu marido ficou com sequelas, demandando cuidados, no mesmo momento em que ela estava cuidando de seu filho bebê. De outro lado, durante a sua internação para o transplante, ela ficou viúva, tendo sido liberada pela equipe para ir ao velório do marido. Nesse contexto de perda e de risco de vida, entendemos como ela narra sua vivência do transplante de um modo bem peculiar. Segundo ela, a experiência do transplante alogênico (TCTH) leva as pessoas a morrer para reviver. Ela diz que, após o transplante, começou a se desapegar das coisas materiais e a ter uma visão mais além: “O transplante foi como se eu tivesse subido um degrau, uma consciência”. Sua maior motivação foi a necessidade de educar o filho, dizendo ser sua responsabilidade. Então, pedia a DEUS para permanecer viva. É positiva e determinada. Acredita que em certos momentos a família sofre mais do que o próprio paciente. Atualmente, no pós--transplante, diz ser uma pessoa mais aberta. Faz planos para o futuro, mas não se apega aos planos. Pensa em viver um dia após o outro. Descreve o processo do estar morrendo como um processo doloroso, mas um processo que enriquece. Acompanhar o marido com sequelas de um AVC no momento inicial em que se está amamentando um bebê traz o desafio psicológico e social de ter que lidar com uma dupla sobrecarga. No momento em que ela esperava ser amparada pelo marido, enquanto cuidava de seu bebê, ela se vê num desamparo, quando precisa cuidar igualmente de um bebê e de seu marido. A vivência de trauma pode se dar quando algo é experimentado como acima da capacidade da pessoa suportar, como acima de seus recursos e possibilidades psicossociais. Exatamente este fator traumático impõe um risco de não sobreviver, de não suportar, de não ter forças suficientes para sustentar a si, ao bebê frágil, além de estar carente de cuidados e dedicada ao marido em momento vulnerável e difícil. De outro lado, quando ela se interna para fazer o transplante, seu marido falece, e, novamente, ela se vê só, sem o apoio do marido e vivendo o seu próprio risco de vida. Então, a doença chega e adquire dois sentidos paradoxais. De um lado, ela lhe tira as forças, inabilita-a para continuar trabalhando, mantendo-a numa funcionalidade restrita, dependente da aposentadoria do marido e do INSS. De outro lado, ela vive o transplante como se tivesse vivido a própria morte, e diz ter retornado modificada, com uma consciência a mais, com uma vontade a mais e com um 95 senso de responsabilidade, a necessidade de continuar a viver, de continuar a existir para cuidar de seu filho. Na história de Lilás, vemos as pulsões de morte e de vida em confronto, um “processo de estar morrendo” tal qual esteve o marido ao se retirar da vida quando ela se internava para o transplante, deixando-a só e desamparada. Entre o risco de morrer e uma vontade de viver, de ter alguém que pudesse continuar cuidando de seu filho, predominou a vontade de viver. Assim, ela pede a Deus para permanecer viva. Segundo Freud (1925), o desamparo tanto coloca o sujeito na condição de lutar, de buscar o crescimento, quanto, de outro lado, o sujeito pode paralisar e enfraquecer seus recursos internos. Situações que colocam em xeque nossa relação com o mundo podem nos desafiar. Aqui, foi possível transformar as forças destruidoras da pulsão de morte em forças revitalizadoras da pulsão de vida. As três vinhetas clínicas descritas anteriormente analisaram histórias de pacientes que realizaram o transplante alogênico de células-tronco hematopoéticas e que sobreviveram ao procedimento, nos últimos seis a doze anos. Embora os casos sejam poucos para que se faça uma generalização, eles apontam a pertinência das duas hipóteses apresentadas neste estudo: de que um “paciente positivo” – com fé, que aceite a doença, tenha coragem, goste da vida, se arrisque no tratamento, e acredite nos seus cuidadores (profissionais e familiares) – aumenta sua capacidade de enfrentamento da doença, consegue minimizar o seu sofrimento e aprimorar a sua qualidade da vida; de outro lado, alcançar um significado singular para o seu adoecer e a sua sobrevida reduz o medo e amplia a firmeza para enfrentar as adversidades. A psicanálise, ao apontar a importância do singular, caminha na direção contrária da ciência, que precisa encontrar padrões comuns em totalidades numericamente significativas, mas que perde o específico e o único de cada caso. Assim, a análise final e emblemática de três casos nos permite verificar os efeitos paradoxais, subjetivos e inconscientes dos percursos humanos. Do ponto de vista qualitativo, escolhi um homem jovem, um homem idoso e uma mulher de meia idade como pessoas representativas da totalidade de nossa amostra (46 sobreviventes), buscando dar visibilidade ao singular de cada caso. Enquanto Verde, sobreviveu quando tinha a “certeza fantasiada” (convicção) de que iria morrer, e receberia a “merecida punição”, viu-se diante de evidências demolidoras (de suas fantasias e convicções cheias de pulsão de morte). Ao se redescobrir vivo após o transplante, pôde abrir espaço para a vida se firmar e se aceitar como alguém diferente (homossexual). Branco, diferentemente, vivenciou outra “certeza fantasiada”, a convicção de que o câncer é apenas 96 uma palavra, um signo, cujo significante (sentido atribuído) pode ser desafiado. Diz ele: “O câncer não mata, as pessoas é que se matam quando pensam negativamente”. Indo na contramão da hereditariedade, ele apostou no seu desejo de viver, seu organismo foi receptivo e ele se mantém até hoje na completa remissão da doença. Lilás vincula o seu adoecimento ao estresse por ela vivido como traumático, quando o seu marido sofreu um AVC e seu filho ainda bebê estava sendo amamentado. Para ela, esta sobrecarga de cuidados afetou-a e a fez experimentar um desamparo. De outro lado, perder o marido no mesmo momento em que ela é internada para ser submetida a um transplante trouxe-lhe novo desafio. O seu marido acaba de morrer e ela se vê também na iminência de perder a própria vida. Nesse contexto de risco, paradoxalmente, ela vivenciou o transplante como um modo de morrer e de renascer com uma consciência ampliada. Segundo ela, “o transplante foi como se eu tivesse subido um degrau, uma consciência”. O seu pedido a Deus foi para permanecer viva e poder cuidar de seu filho. No conjunto, os três casos tiveram vários pontos em comum: senso de enfrentamento da realidade; boa adesão ao tratamento; participação e o apoio familiar; positividade; fé em DEUS; vontade de viver, aceitação da doença e da própria morte, culminando em superação. 4.5- Recomendações para a Equipe de Saúde O atual modelo que orienta a grande parte das práticas de saúde é pautado no diagnóstico e tratamento das doenças definidas pelo conhecimento científico, priorizando-se as lesões corporais em detrimento dos sujeitos e suas necessidades psicossociais. Esse modelo de assistência, ainda tão focado na doença, muitas vezes ignora a subjetividade e a singularidade dos pacientes. Chamou minha atenção, certa vez, o relato de uma das pacientes que se sentiu descriminada pela equipe de saúde, na medida em que ficou em isolamento de contato devido a um herpes zoster. Segundo o seu depoimento, parte da equipe a tocava, mas outra parte não a tocava, não falava, usava máscara, olhava de longe e, dessa forma, ela se sentiu profundamente rejeitada. Com esse exemplo do cotidiano hospitalar, aponto que a equipe de saúde não deve banalizar as falas, as queixas e as colocações dos pacientes, devendo, sempre que possível, abrir espaço para a escuta dos sujeitos e seus sofrimentos, para o acolhimento e para a atenção e cuidado integral à saúde. 97 Outro fato que me chamou atenção foi de um paciente que não sentiu liberdade em falar sua história de vida para seu médico, mesmo tratando-se com ele há vários anos e tendo uma relação de confiança muito bem estabelecida com o mesmo. No relato do paciente, ele concluiu que, como o médico, tem muitos afazeres, então, ele nunca dispõe de tempo para ouvir. Desta forma, reforço a importância do profissional de saúde ter um espaço de escuta, que garanta o sigilo profissional e o tempo necessário para um atendimento de qualidade. Abordando o tema da morte, cabe dizer que manter uma relação com um paciente que tenha possibilidade de morte iminente não é uma tarefa fácil. Conversar com ele, examiná-lo, responder aos seus questionamentos ou dos seus familiares é um processo que exige preparo e maturidade profissional. Se pudéssemos aperfeiçoar a maneira de lidar com as situações de crise encadeadas pela morte, haveria um melhor desempenho profissional e pessoal. Isso daria maior bem-estar ao profissional e melhor qualidade na assistência aos que adoecem. Acredito que a troca de experiências profissionais, no âmbito interdisciplinar, e a reflexão feita a partir do aprofundamento de estudos de caso, focados no tema da morte e do morrer, gerariam uma maior compreensão das relações entre profissionais e profissionais, entre profissionais e pacientes e entre profissionais e familiares. O primeiro passo importante para cada profissional dar início ao aprendizado sobre o ato de morrer é aceitar, de início, que a consciência humana implica o reconhecimento da finitude como um acontecimento que faz parte da vida. Essa atitude coloca de imediato a possibilidade de compreensão e compartilhamento da morte do outro. O desafio que permanece é sempre o de aliar competência técnica com o ato de cuidar com ternura pela vida e pela sensibilidade ética. Além disso, devemos nos perceber humanos. Entendo que uma das coisas que nos dá a condição de humanos é expressar o que sentimos e nos disponibilizar para ouvir o que os outros sentem. Nós, profissionais de saúde, temos no nosso ofício o dever e a missão de ouvir histórias de outras pessoas. Esse trabalho de estar inteiro diante do outro, em sua alteridade, e de escutá-la efetivamente é uma experiência extremamente enriquecedora, que deve ser multiplicada entre os profissionais da saúde. 98 CONCLUSÃO Desenvolver esta dissertação de mestrado me permitiu registrar minha experiência profissional como assistente social responsável pela Unidade de TCTH do HUCFF/UFRJ, além de compreender como o ser humano consegue vivenciar integralmente situações de sofrimento tão intensas e, ainda assim, superá-­‐las. Na qualidade de assistente social e profissional integrante da Unidade, tive a oportunidade de entrevistar todos os pacientes e/ou familiares por ocasião da realização do transplante, fato que facilitou o processo aqui estudado. Nesta investigação, me apresentei com outra identidade – a de pesquisadora. Para tal, apresentei o projeto, os cuidados e riscos para proteger os sujeitos da pesquisa, assim como os benefícios esperados para o estudo, de modo que os sujeitos puderam compreender que o momento era outro – de se fazer uma pesquisa, e de que minha atuação por um tempo foi outra: de pesquisadora. Fiz, portanto, um distanciamento dessa prática, para sistematizá-­‐la, construir um olhar reflexivo e crítico e buscar compreendê-­‐la. Iniciei este estudo com três perguntas: uma, que vem a ser fruto da minha inquietação, indagando sobre o que leva um ser humano a vivenciar situações de sofrimento tão intensas e, por vezes sobre-­‐humanas, e, ainda assim, conseguir vivenciá-­‐las integralmente e superá-­‐las; outra, buscando entender o que leva uns a superá-­‐las e outros não; e, por fim, se fatores psicossociais contribuem efetivamente para o enfrentamento da DECH. Embora tais perguntas tenham sido respondidas ao longo da dissertação, devo dizer que este estudo teórico de natureza reflexiva, além de permitir o diálogo entre psicanálise e saúde, me fez percorrer um caminho de profunda transformação pessoal e profissional. O presente estudo teve como objetivo primordial conhecer e compreender os fatores psicossociais que contribuíram para o enfrentamento do processo de adoecer pela doença enxerto (DECH), no enfoque da psicanálise e da saúde. Cabe ressaltar, que a triangulação de métodos quantitativo e qualitativo utilizada proporcionou uma maior visibilidade aos resultados, na medida em que foi possível descrever os dados sócios demográficos e culturais, comparar indicadores quantitativos por amostragens e analisar individualmente os casos, através de categorias de relevância e de vinhetas clínicas. Os objetivos (geral e específicos) da presente investigação foram atingidos, uma vez que se compreendeu os modos de enfrentamento da doença enxerto (DECH), 99 se conheceu o perfil dos pacientes com e sem DECH, se estudou fatores associados à qualidade de vida e se analisou as condições psicossociais em que se deu a superação dos pacientes sobreviventes e suas perspectivas de futuro. Este projeto foi aprovado pelo Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida, com anuência do Serviço de Hematologia do HUCFF/UFRJ e buscou instigar um novo olhar sobre as implicações subjetivas e sociais que favorecem o enfrentamento da DECH, enfatizando a constituição do sujeito e de laços sociais no lidar com a doença à luz da psicanálise. O impacto desta pesquisa nos sujeitos entrevistados pode ser aqui analisado através do conceito de transferência. A transferência, um dos quatro conceitos fundamentais da psicanálise segundo Freud, é um vínculo que se estabelece exclusivamente nas relações humanas, sendo fundamental para o processo de cura, Embora este conceito não tenha sido aprofundado nesse estudo, ele aparece na fala dos sujeitos em forma de gratidão para com a equipe de saúde, o que é identificado na fala de um paciente ao referir a equipe como “anjos”. Desta forma, gostaria de sinalizar a disponibilidade dos pacientes, que demonstraram uma gratidão eterna a todos os profissionais de saúde, querendo contribuir mais e mais para a pesquisa. Os poucos que não puderam comparecer à entrevista tiveram o cuidado de justificar sua falta, todas relacionadas a problemas de saúde. Um dos métodos utilizados foi o estudo retrospectivo de prontuários, referente aos 133 pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ no período de 2000 a 2010, realizado através de dados contidos na Ficha de Estudo Social (FES) e que foram analisados quantitativamente. Nos resultados verifiquei uma sobrevida maior em mulheres, solteiras, evangélicas, jovens, com ensino fundamental e renda familiar entre três e seis salários mínimos. Nesse estudo, chama atenção a questão de gênero, tendo em vista que no universo estudado a maioria dos sujeitos que realizaram o TCTH eram homens. Entretanto ao estudar os sobreviventes, observa-­‐se uma sobrevida maior em mulheres. Isso talvez se deva ao fato das mulheres se preocuparem mais com o seu corpo e sua saúde. Outro fato que chama atenção é a renda familiar, uma vez que a maioria do universo estudado possuía renda de zero à três salários mínimos, fator que foi limitante para lidar com uma doença grave, crônica e debilitante. Observou-­‐se uma sobrevida maior entre os que possuem uma renda familiar entre três e seis salários mínimos, o que confirma a relevância do fator econômico. 100 Com relação à situação trabalhista e previdenciária, os dados mostraram uma sobrevida em trabalhadores autônomos, vinculados ao INSS e em benefício auxílio-­‐ doença. Isso nos remete a uma reflexão a respeito do “trabalhador autônomo”, tendo em vista que essa categoria profissional necessita produzir o seu próprio sustento e pagar a sua própria seguridade social, o que surge como um fator protetor para recuperação da saúde, uma vez que coloca esse sujeito em maior prontidão para assegurar suas condições de vida e trabalho. O segundo método de pesquisa utilizado foi o estudo prospectivo com entrevistas estruturadas para avaliação de qualidade de vida através dos instrumentos FACT-­‐BMT, que foi aplicado em 28 dos 46 sobreviventes. Os resultados indicam que não houve diferença significativa na qualidade de vida dos sujeitos, quando comparados os que adquiriram e os que não adquiriram a DECH. Esse resultado pode ser devido ao fato de que ambos os grupos tenham uma perda do bem-­‐estar que independe da DECH. No entanto, não posso deixar de considerar que o tempo médio pós TCTH foi de oito anos, o que me leva a concluir que ambos os grupos podem ter recuperado o seu bem-­‐estar ao longo desse tempo. Além disso, não posso deixar de mensurar a realidade do Brasil, inclusive dessa amostra estudada, no que se refere ao baixo nível de escolaridade, o que dificultou a compreensão desse instrumento. O terceiro método utilizado foi de entrevistas semiestruturadas com base na história oral, quando descrevo os relatos dos sujeitos acometidos pela DECH, organizando suas respostas em categorias de relevância e analisando-­‐as à luz da psicanálise. Esta teoria tão difundida nas áreas humanas e sociais se caracteriza por um conjunto de conhecimentos sistematizados sobre o funcionamento da vida psíquica. O seu método de investigação é interpretativo, na medida em que busca o significado oculto daquilo que é manifestado por meio de ações e palavras ou pelas produções imaginárias, como os sonhos, os delírios, a associações livres e os atos falhos. As entrevistas seguiram um roteiro que foi aplicado a cinco sobreviventes, quando foi possível descrever e analisar dinâmicas psicossociais caracterizadas pelo confronto entre as pulsões de morte e de vida, com a prevalência da pulsão de vida e sua associação ao enfrentamento da doença, o desafio do tratamento, a luta pela possibilidade de cura e a experiência de sobreviver ao TCTH e a DECH. Lembrando que Freud refere que esta dualidade pulsional vem do nosso inconsciente, sendo ela 101 incontrolável e acéfa-­‐la, numa dinâmica que é singular a cada sujeito e que, neste estudo, teve a marca da superação e da sobrevida. Nos relatos apresentados dos sobreviventes ao TCTH e a DECH, fica evidente que a doença é um processo extremamente difícil e doloroso, mas é um desafio possível de ser enfrentado e superado. A pulsão de vida se fez presente na fala dos sujeitos, que demonstraram positividade, fé, coragem no enfrentamento da doença e, acima de tudo, vontade de viver. Outra questão abordada foi a importância da família e dos amigos para o sucesso do tratamento, ressaltando como os sujeitos foram se fortalecendo no enfrentamento da realidade. Ao transcrever os relatos de sofrimento, angústia, medo e morte vivenciados pelos pacientes, ficou evidente a questão do desamparo fundamental, termo denominado por Freud (1929) ao dizer que o ser humano não pode se manter vivo sem a ordem familiar e social, o que decorre da própria condição de seu nascimento. Além disso, evidenciou-­‐se que a família, o trabalho e a fé foram as três molas propulsoras de motivação para recuperação da saúde desses sujeitos. O TCTH e a DECH estão relacionados a situações de sofrimento intensa e com a possibilidade e de morte iminente. Desta forma, abordei nesse trabalho as cinco fases que antecedem a morte, identificadas por Kübler Ross (1969) e a que mais apareceu nas entrevistas semiestruturadas foi a aceitação, entendida pela autora como um “baixar de armas”, um estágio avançado, onde o paciente já teria passado pelos estágios anteriores – negação, raiva, negociação e depressão. Além disso, houve relatos de experiências do TCTH como um processo de estar morrendo, onde ficou claro que trata-­‐se de um processo doloroso, contudo, um processo que enriquece a pessoa. Desta forma, considerei que o transplante opera como uma “morte simbólica” do sujeito, na medida em que ele se percebe outro, diferente, modificado, como se tivesse subido um degrau na escala de maturidade e lhe fizesse dar mais valor à vida. Em relação às adaptações as novas condições impostas pela fragilidade física, a questão do tempo foi citada, onde os pacientes viram a necessidade de viver dia após dia e para alcançar seus objetivos, passaram a fazer planos em curto prazo e aceitando seus limites funcionais impostos pelo processo de adoecimento. Outra questão que chamou a atenção nas entrevistas é o fato da doação de medula óssea ser voluntária e não poder ser comercializada, o que pode gerar uma sensação de impotência, 102 fragilidade e até de aceitação da própria morte, quando não encontrado um doador compatível. Concluo que as duas hipóteses desta investigação foram comprovadas, embora a amostra ainda seja pequena para permitir generalizações. O estudo mostrou que um “paciente positivo” – que seja confiante no tratamento, que tenha fé, que aceita a doença, que tenha coragem para enfrentar os desafios, que acredita nos profissionais de saúde, que gosta da vida, que segue à risca o tratamento, que não perde a alegria de viver, que possui uma rede de apoio e que tenha amor no coração – aumenta sua capacidade de enfrentamento da doença, pois ter alguns ou vários desses fatores ajuda a minimizar o sofrimento e contribui para a recuperação do indivíduo e para o aprimoramento de sua qualidade de vida. Além disso, o estudo me fez acreditar que quando existe uma razão maior para o enfrentamento do processo de adoecimento, seja através da fé, seja de uma responsabilidade (trabalho/família), o medo tende a diminuir, levando o paciente mais facilmente superar as adversidades. O que mais me chamou atenção nas entrevistas foi a capacidade dos sujeitos encontrarem um sentido positivo para além do adoecimento e de perceberem ganhos nesse processo, tais como: ter maior apreço pela vida, renovar sua fé, fazendo sentir-­‐se mais perto de DEUS, aumentar sua força interior; melhorar as relações familiares e sociais e adquirir uma sensação de gratidão para com os profissionais de saúde. Esse fato, reforça a ideia de Canguilhem de que a doença não é uma variação da dimensão da saúde, ela é uma nova dimensão da vida. Nas narrativas identifiquei sujeitos altamente desejantes, com uma grande capacidade de se gratificar com a vida e a existência, tendo sido testados em situações limites que oscilavam entre as pulsões de vida e as pulsões de morte. Entre as categorias de relevâncias identificadas nas entrevistas semiestruturadas, cabe citar: a importância da família e da rede social no processo de recuperação; o fator econômico e social; a positividade; o senso de realidade; a aceitação da doença e da própria morte; preocupação com entes queridos que possam vir a sofrer com sua ausência; receio de seu um peso para os familiares; apego a DEUS, como caminho para outro mundo; o processo de adoecimento como um processo enriquecedor e a valorização do tempo que resta. Ao final apresentei três vinhetas clínicas, nomeando os sujeitos por cores, respectivamente, Verde, Branco e Lilás, quando verifiquei os efeitos paradoxais, 103 subjetivos e inconscientes dos percursos humanos. Encontrei pontos em comum: senso de enfrentamento da realidade; boa adesão ao tratamento; participação e apoio familiar; fé em DEUS; vontade de viver; aceitação da doença e da própria morte, culminando em superação. Este trabalho reforça a importância do tratamento holístico e, sendo uma assistente social que acredita na interdisciplinaridade, deixo algumas recomendações para nós, profissionais de saúde: vamos nos perceber humanos, expressar o que sentimos e ouvir o que os outros sentem; vamos trabalhar com o coração e a alma; vamos levar em conta a opinião do paciente, sem julgá-­‐lo; vamos oferecer aos pacientes informação honesta e aberta; vamos abrir espaço para a escuta dos sujeitos, garantindo o sigilo profissional e o tempo necessário para um atendimento de qualidade; vamos cuidar de quem cuida – nós próprios e a família; vamos trocar experiências profissionais e fazer uma reflexão acerca do tema da morte e do morrer. Acredito que só assim nosso trabalho se tornará extremamente enriquecedor, subjetivamente, afetivamente e socialmente. Por fim, gostaria de encerrar com a fala eloquente de um dos pacientes, que muito nos ensina ao dizer: “O câncer não é uma sentença, é simplesmente uma palavra, o câncer não mata, as pessoas é que se matam quando pensam negativamente”. 104 REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. 6. Ed. Atual. Até a EC N. 57 – Barueri, (SP): Manole, 2009. ________. Política nacional de promoção da saúde. Série pactos pela saúde 2006, volume 7. Brasília: Ministério da Saúde, 2006. Disponível em: http://www.portal.saude.gov.br. ________. Lei nº 8662, de 07 de junho de 1993. Dispõe sobre a profissão de Assistente Social e dá outras providências. ________. Lei Nº 8080, de 19 de setembro de 1990. Lei Orgânica da Saúde. Dispõe sobre as condições para a promoção, proteção e recuperação da saúde, a organização e o funcionamento dos serviços correspondentes e dá outras providências. Disponível em: http://portal.saude.gov.br. ________. Lei Nº 9434, de 04 de fevereiro de 1997. Dispõe sobre a remoção de órgãos, tecidos e partes do corpo humano para fins de transplante e tratamento e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br. CAMARGO, S. R. L. Desamparo primordial em Nietzsche e em Freud - Pesquisas e Práticas Psicossociais 3(2). São João del-Rei, Mar. 2009. CANGUILHEM, G. O normal e o patológico. 3 ed. Rio de Janeiro: Editora Forense Universitária LTDA, 1990. CONSELHO FEDERAL DE SERVIÇO SOCIAL (CFESS). Parâmetros para a atuação de assistentes sociais na saúde – Grupo de trabalho serviço social na saúde. Brasília, 2009. DUARTE, M.J.O.D. Subjetividade, marxismo e Serviço Social: um ensaio crítico. IN: Serviço Social e Sociedade n. 101, São Paulo, Jan./Mar. 2010. 105 FLOWERS, M. E. D. Estudo Multicêntrico Longitudinal da Doença do Enxerto Contra o Hospedeiro Crônica (DECH-C) entre Centros Brasileiros de Transplante de Células-Tronco Hematopoiéticas e o Fred Hutchinson Cancer Research Center – Grupo Brasil – Seattle DECH-C – Versão2.maio/2008. FRAGA, Cristina Kologeski. A atitude investigativa no trabalho do assistente social Serviço Social e Sociedade, São Paulo, n. 101, Mar. 2010 – Disponível em: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S0101-66282010000100004. FREUD, Sigmund (1900). A interpretação dos sonhos. Vol: V. Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1900. ________ (1905). Três ensaios da teoria da sexualidade. Vol: VII. Edição standard brasileira das obras psicológicas completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1990. ________ (1912). Dinâmica da transferência. Vol: XII In: Obras Completas de Sigmund Freud. Rio de Janeiro: Imago, 1987. ________. (1915a). As pulsões e seus destinos. Vol: XIV. 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Disponível no site: www.hucff.ufrj.br. 108 Apêndice – PRODUTO da Dissertação Grupo de Aprendizagem sobre a Morte Leila Soares Jordano de Barros Objetivo: Capacitar profissionais de saúde para lidar com o processo de adoecimento e finitude. Público-alvo: Residentes multiprofissionais do HUCFF/UFRJ I- INTRODUÇÃO Esse produto que reúne estratégias de educação permanente sob a forma de grupos de aprendizagem é direcionado para os residentes das diversas áreas de saúde e seu principal objetivo é aperfeiçoar o sistema de capacitação profissional na residência, gerando preparo e maturidade profissional para lidar com o processo de adoecimento e finitude. O Hospital Universitário Clementino Fraga Filho / HUCFF da Universidade Federal do Rio de Janeiro / UFRJ recebe anualmente turmas de residentes multiprofissionais, composta por profissionais das áreas de enfermagem, farmácia, fisioterapia, fonoaudiologia, medicina, nutrição, psicologia, serviço social e terapia ocupacional. Inicialmente os residentes são recepcionados e passam por um treinamento, onde diferentes atividades são desenvolvidas, cabendo destacar o acesso ao acervo documental da instituição, participação em seminários, aulas, palestras, dinâmicas e ainda o conhecimento espacial da área do hospital e seus setores (OLIVEIRA, 2010). Essas atividades que visam qualificar a equipe constituem espaços para fomentar a reflexão e estimular o debate sobre temas, gerais e específicos, importantes para a articulação da ação profissional. A presente proposta pode ser incorporada a esse processo de capacitação. 109 II – JUSTIFICATIVA Os profissionais de saúde, em seu cotidiano, lidam com situações de sofrimento e dor, tendo a morte como elemento constante e presente, contudo, muitos encontram dificuldade de lidar com essas situações. concretas, Isso se deve ao fato dos hospitais, enquanto campo de práticas terem a tecnificação do tratamento desarticulada de uma formação que habilitasse os profissionais para lidar com a morte, o que culmina com o despreparo desses profissionais e consequentemente a desumanização do atendimento prestado. A formação dos profissionais de saúde é voltada predominantemente para o aspecto técnico do manejo das doenças, não levando em conta o sujeito e estando relacionada com a tarefa de salvar vidas. Nesse processo de formação, encontramos a ausência de disciplinas que discutam os aspectos cognitivos e afetivos relacionados ao processo da morte e do morrer. KÜBLER-ROSS (1969), em seu livro sobre a morte e o morrer, identifica cinco fases nos períodos que antecedem a morte e cria métodos para profissionais de saúde e familiares acompanharem e ajudarem um paciente em fase terminal. Além disso, a autora sugere que os profissionais reflitam sobre sua própria morte como aspecto componente e central da vida, auxiliando assim a transmissão de valores humanos aos alunos e facilitando a lida com os pacientes e seus familiares. Tendo em vista, a ausência de uma formação que habilite o profissional de saúde a lidar com a morte, além dos ensinamentos deixados por KÜBLER-ROSS, se fez necessário criar espaços de capacitação profissional, com troca de experiências e a reflexão compatibilizada a estudos aprofundados acerca do tema da morte e do morrer, em um âmbito multidisciplinar, a fim de gerar uma maior compreensão das relações entre profissionais e profissionais, entre profissionais e pacientes e entre profissionais e familiares. Acredito que a vida e a morte estão sempre ligadas, porque ambas são faces da existência humana, uma não existe sem a outra e cada uma dá sentido à outra. Se pudéssemos aperfeiçoar a maneira de lidar com as situações de crise desencadeadas pela morte, se teria melhor desempenho profissional e pessoal. Essa proposta reflexiva dará também maior bem estar para o profissional e melhor qualidade na assistência aos que adoecem. Além disso, a recusa do sentido da morte para quem está vivo ou se percebe morrendo faz com que os profissionais se detenham pouco ou não se debrucem sobre ela, deixando muitas vezes de prestar uma necessária orientação aos pacientes e familiares e focando as ações finais em iniciativas burocráticas. II- OBJETIVOS 110 Os grupos de aprendizagem direcionados aos residentes multiprofissionais serão desenvolvidos com os seguintes objetivos: • Aperfeiçoar o sistema de capacitação profissional na residência, gerando preparo e maturidade profissional para lidar com o processo de adoecimento e finitude. • Refletir sobre a prática profissional reforçando a necessidade de se abrir espaço para escuta dos sujeitos, para o acolhimento, para atenção e cuidado integral à saúde. • Abrir espaço de reflexão e diálogo sobre a morte e o morrer, aperfeiçoando a maneira de lidar com as situações de crise encadeadas nesse processo. • Aprimorar a qualidade da assistência aos que adoecem e a qualidade de vida dos profissionais encarregados dessa assistência. • Estimular os residentes a ultrapassar a frieza técnica promovendo contato empático, auxiliando no enfrentamento da perda. • Promover o crescimento profissional e pessoal dos residentes. IV- METODOLOGIA Organização no espaço-tempo O aperfeiçoamento do sistema de capacitação profissional na residência multiprofissional será realizado no próprio HUCFF/UFRJ, por um profissional da saúde, através de palestras e estudos de caso, a fim de abrir espaço de reflexão e diálogo sobre a morte e o morrer, aperfeiçoando a maneira de lidar com as situações de crise encadeadas nesse processo. É necessário levar em conta o tempo disponível dos residentes, o tempo que será dedicado a cada encontro, a relevância das palestras, a participação de todos e o incentivo para a permanência dos mesmos nos encontros. Os encontros poderão ser realizados durante o ano, com frequência mensais, preferencialmente com duração de duas horas, dependendo do tempo disponível dos envolvidos. As reuniões serão realizadas em sala ampla, arejada, com boa iluminação, para que todos possam ficar confortáveis. Podem ser utilizados recursos como: data show, notebook, filmes, documentários dentre outros para exposição de casos ou realização de dinâmicas de grupo. 111 Estratégias e procedimentos Este produto poderá ser desenvolvido por um profissional de nível superior qualificado, com vasta experiência na assistência prestada aos pacientes com doenças graves e possibilidade de morte iminente. O profissional deverá ser comprometido com essa prática e ter um olhar subjetivo sobre o processo de adoecimento e morte. Proposta de educação permanente através de grupos de aprendizagem: Atividade: troca de experiência entre profissionais de saúde e residentes das diversas áreas sobre o tema da morte. Público-alvo: residentes multiprofissionais da área da saúde. Local de reuniões: sala arejada e iluminada com recursos audiovisuais. Procedimentos: encontros mensais com duração de duas horas, ao longo do ano letivo. Estratégias: discussão de casos e temas relacionados à morte e o morrer, feitas através da troca de experiência entre os profissionais e os residentes multiprofissionais. Temas que poderão ser trabalhados: • O hospital, enquanto campo de práticas concretas e os aspectos relativos à questão da morte e do morrer. • Modelo de assistência que crie espaço para a escuta dos sujeitos e seus sofrimentos, para o acolhimento e para a atenção e cuidado integral à saúde. • O ser humano profissional da saúde que lida com paciente com possibilidade de morte iminente: a questão da subjetividade e singularidade do adoecer e do morrer. • A morte remetida à totalidade social, diferenças culturais e a multiplicidade de fatores. • As cinco fases que antecedem a morte: negação e isolamento; raiva; negociação; depressão e aceitação (KÜBLER ROSS, 1969). • O medo da morte: simbolismo e transcendência. • Reflexões legais e éticas sobre o final da vida • Princípio Constitucional da Dignidade da Pessoa Humana: a eutanásia. Benefícios esperados • Troca de experiências profissionais, no âmbito multidisciplinar. 112 • Gerar uma maior compreensão das relações entre profissionais e profissionais, entre profissionais e pacientes e entre profissionais e familiares. • Os profissionais de saúde aceitarem que a consciência humana implica o reconhecimento da finitude como um acontecimento que faz parte da vida. • Este produto de natureza reflexiva, além de permitir o diálogo entre os residentes multiprofissionais, poderá percorrer um caminho de profunda transformação pessoal e profissional dos envolvidos. • Obstáculos previstos Os residentes multiprofissionais cumprem dois anos de prática em instituições hospitalares de ensino e a maioria deles não receberam preparo para lidar com o sofrimento humano e a morte. Além disso, ao abordar a questão da morte no cotidiano hospitalar não podemos deixar de remetê-la à totalidade social, ou seja, por trás de cada “paciente” que ingressa numa unidade de saúde existe uma história de vida decorrente do meio em que ele está inserido. Assim, também é verdade, que por trás de cada “profissional de saúde” também existe uma história de vida que vai influenciar nas suas reações diante da morte. Portanto, as atitudes, emoções e sentimentos face à morte são diferentes de pessoa para pessoa, de cultura para cultura, o que nos leva a concluir que a forma como se reage à morte depende de uma multiplicidade de fatores que se conjugam diferentemente entre si, o que pode dificultar o discurso entre as partes envolvidas no processo. Por isso, a importância de se respeitar, de modo especial, as crenças e os valores de cada grupo familiar e de cada profissional. Um dos problemas que ocorrem neste processo é a necessidade do entendimento de que as práticas multidisciplinares exigem, sobretudo, o esforço de troca e diálogo. Contudo, elas não são isentas do conflito de saber, do poder, da disputa e do status das profissões. Outro potencial obstáculo previsto é o fato dos hospitais de ensino no país estarem sob o risco da entrada da EBSERH – Empresa Brasileira de Serviços Hospitalares, que possui uma lógica gerencial de mercado e uma inclinação para mensurar procedimentos da assistência em saúde, desconsiderando a vocação de ensino, pesquisa e extensão dos Hospitais Universitários. 113 Recomendações para a Equipe de Saúde O atual modelo que orienta a grande parte das práticas de saúde é pautado no diagnóstico e tratamento das doenças definidas pelo conhecimento científico, priorizando-se as lesões corporais em detrimento dos sujeitos e suas necessidades psicossociais. Esse modelo de assistência, ainda tão focado na doença, muitas vezes ignora a subjetividade e a singularidade dos pacientes. Na tentativa de modificar esse modelo, aponto que os profissionais de saúde não devem banalizar as falas, as queixas e as colocações dos pacientes, devendo, sempre que possível, abrir espaço para a escuta dos sujeitos e seus sofrimentos, para o acolhimento e para a atenção e cuidado integral à saúde. Além disso, reforço a importância do profissional de saúde ter um espaço de escuta, que garanta o sigilo profissional e o tempo necessário para um atendimento de qualidade (BARROS, 2013). O primeiro passo importante para cada profissional dar início ao aprendizado sobre o ato de morrer é aceitar, de início, que a consciência humana implica o reconhecimento da finitude como um acontecimento que faz parte da vida. Essa atitude coloca de imediato a possibilidade de compreensão e compartilhamento da morte do outro. O desafio que permanece é sempre o de aliar a competência técnica com o ato de cuidar com ternura pela vida e pela sensibilidade ética. Este produto reforça a importância do tratamento holístico, desta forma, deixo algumas recomendações para os profissionais de saúde: vamos nos perceber humanos, expressar o que sentimos e ouvir o que os outros sentem; vamos trabalhar com o coração e a alma; vamos levar em conta a opinião do paciente, sem julgá-lo; vamos oferecer aos pacientes informação honesta e aberta; vamos abrir espaço para a escuta dos sujeitos, garantindo o sigilo profissional e o tempo necessário para um atendimento de qualidade; vamos cuidar de quem cuida – nós próprios e a família; vamos trocar experiências profissionais e fazer uma reflexão acerca do tema da morte e do morrer. Acredito que só assim nosso trabalho se tornará extremamente enriquecedor, subjetivamente, afetivamente e socialmente (BARROS, 2013). 114 V – REFERÊNCIAS: BARROS, LSJ – Fatores psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro. [Dissertação] Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade. Rio de Janeiro: UVA, 2013. KAPPAUN, Nádia Roberta Chaves; GOMEZ, Carlos Minayo. O trabalho de cuidar de pacientes terminais com câncer. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 9, set. 2013 KÜBLER-ROSS, Elisabeth (1969). On death and dying. New York: Touchstone, 1997. ___________ A morte – um amanhecer. Editora Pensamento Cultrix Ltda. São Paulo, SP, 1991. Lei No 11.129, de 30 de junho de 2005, que instituiu a Residência em Área Profissional da Saúde. Portaria Interministerial No 1.077, de 12 de novembro de 2009. KOVÁCS, Maria Júlia. Educação para a morte - Desafio na formação de profissionais de saúde e educação. Editora Casa do Psicólogo. São Paulo. 2. Edição, 2003. MINAYO, Maria Cecília de Souza. Cuidar do processo de morrer e do luto. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 9, set. 2013. MINISTÉRIO DA EDUCAÇÃO E MINISTÉRIO DA SAÚDE - Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde/CNRMS. Relatório de Atividades da Comissão Nacional de Residência Multiprofissional em Saúde. Exercício 2007/2009. Brasília/DF. Outubro de 2009. OLIVEIRA, Vania dias. Estágio Supervisionado e a contribuição do campo de prática à formação profissional do aluno de Serviço Social: uma questão de debate. RJ. Projeto de pesquisa, dezembro/ 2010, mimeo. PEREIRA, José Carlos. Procedimentos para lidar com o tabu da morte. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 9, set. 2013 . 115 Programa de Residência Integrada Multiprofissional em Saúde do HUCFF/UFRJ. Rio de Janeiro, 2010. SANTOS, Luís Roberto Gonçalves dos; MENEZES, Mariana Pires; GRADVOHL, Silvia Mayumi Obana. Conhecimento, envolvimento e sentimentos de concluintes dos cursos de medicina, enfermagem e psicologia sobre ortotanásia. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro, v. 18, n. 9, set. 2013 . SANTOS, Manoel Antônio dos; HORMANEZ, Marília. Atitude frente à morte em profissionais e estudantes de enfermagem: revisão da produção científica da última década. Ciênc. saúde coletiva, Rio de Janeiro , v. 18, n. 9, set. 2013 116 ANEXO I: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA / UVA PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP DADOS DO PROJETO DE PESQUISA Título da Pesquisa: FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO Pesquisador: Leila Soares Jordano de Barros Área Temática: Versão: 1 CAAE: 09957312.8.0000.5291 Instituição Proponente: ANTARES EDUCACIONAL S.A. (Universidade Veiga de Almeida) Patrocinador Principal: Financiamento Próprio DADOS DO PARECER Número do Parecer: 203.394 Data da Relatoria: 24/01/2013 Apresentação do Projeto: De acordo com as normas exigidas e de grande valia no sentido interdisciplinar, no tocante à área da saúde. Objetivo da Pesquisa: Identificar os fatores psicossociais que contribuem para o enfrentamento do processo do adoecer pela doença enxerto (DECH), no enfoque da psicanálise e da saúde. Avaliação dos Riscos e Benefícios: Os benefícios superam na inteireza os riscos da pesquisa pois visa dá o aporte total ao paciente, quer no sentido psicológico, emocional e físico. Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: De expressivo significado para a saúde, pois busca tratar da qualidade de vida dos pacientes que sobrevivem ao transplante, tendo como eixos o bem estar físico, social/fmiliar, emocional e funcional em relação à sua vida cotidiana. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: De acordo com o necessário e o suficiente para o desenvolvimento da pesquisa. Recomendações: Bem apreciado o valor da pesquisa que quer fortalecer e amparar a possibilidade de o paciente enfrentar a doença. Endereço: Rua Ibituruna nº 108, Bloco B, 5º andar Bairro: Tijuca CEP: 20.271-020 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)1574-8800 Fax: (21)1574-8800 E-mail: [email protected] 117 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA / UVA Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Não há pendências. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não Considerações Finais a critério do CEP: RIO DE JANEIRO, 22 de Fevereiro de 2013 Assinador por: Alexandre Felip Silva Corrêa (Coordenador) Endereço: Rua Ibituruna nº 108, Bloco B, 5º andar Bairro: Tijuca CEP: 20.271-020 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)1574-8800 Fax: (21)1574-8800 E-mail: [email protected] 118 Anexo II: Aprovação do Projeto de Pesquisa junto ao Comitê de Ética em Pesquisa elaborado pelo HUCFF/UFRJ HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) PARECER CONSUBSTANCIADO DO CEP Elaborado pela Instituição Coparticipante DADOS DO PROJETO DE PESQUISA Título da Pesquisa: FATORES PSICOSSOCIAIS RELACIONADOS AO ENFRENTAMENTO DA DOENÇA ENXERTO CONTRA HOSPEDEIRO Pesquisador: Leila Soares Jordano de Barros Área Temática: Versão: 1 CAAE: 09957312.8.0000.5291 Instituição Proponente: ANTARES EDUCACIONAL S.A. (Universidade Veiga de Almeida) Patrocinador Principal: Financiamento Próprio DADOS DO PARECER Número do Parecer: 213.659 Data da Relatoria: 07/03/2013 Apresentação do Projeto: Protocolo 040-13 do grupo III, recebido em 22.2.2013 HUCFF é coparticipante. Constam os seguintes documentos: (1) Projeto de Pesquisa, postagem em 07.2.2013; (2) Projeto consubstanciado da instituição proponente, postagem em 22.2.2013; (4) Folha de Rosto, postagem em 07.2.2013; (5) Anexo I, TCLE, postagem em 07.02.2013; (6) Anexo II, isenção de custo, postagem em 07.02.2013; (7) Anexo III, carta de anuência, postagem em 07.02.2013; (8) Anexo IV, FES, postagem em 07.02.2013; (9) Anexo V, FACT - BMT, postagem em 07.02.2013; (10) Anexo VI, História de vida, postagem em 07.02.2013. Objetivo da Pesquisa: Objetivo Primário: ¿ Identificar os fatores psicossociais que contribuíram para o enfrentamento do processo de adoecer pela doença enxerto (DECH), no enfoque da psicanálise e saúde. Objetivo Secundário: Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 119 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) 1- Conhecer a qualidade de vida dos sobreviventes após o transplante, tendo como eixos o bem estar físico, social/familiar, emocional, funcional e preocupações adicionais relacionadas à vida cotidiana e ao trabalho. 2 - Analisar as condições psicossociais em que se deu a superação dos pacientes sobreviventes e a perspectiva deles em relação ao futuro. 3- Descrever o perfil socioeconômico e cultural dos sujeitos que realizaram TCTH alogênico, tentando correlacionar alguns traços gerais entre os que sobreviveram e os que morreram em virtude da doença. Avaliação dos Riscos e Benefícios: Riscos: Não existe. Benefícios: Produzir conhecimento científico sobre a contribuição dos fatores psicossociais associados ao enfrentamento da DECH. Produzir uma reflexão que aproxime o conceito da saúde e psicanálise e traga contribuições inovadoras para entender o sujeito no processo de adoecimento e finitude. Comentários e Considerações sobre a Pesquisa: Introdução: A alegria está na luta, na tentativa, no sofrimento envolvido e não na vitoria propriamente dita.Mahatma GandhiO presente estudo cumpre exigência para a conclusão do curso de Graduação Strictu Sensu no programa de Mestrado em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, constituindose numa oportunidade para sistematizar minha prática profissional como assistente social, com 14 anos de experiência com doenças onco-hematológicas e responsável pela Unidade de Transplante de Células Tronco Hematopoéticas (TCTH) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Esse projeto pretende avaliar os fatores psíquicos e sociais que contribuem para o enfrentamento da Doença Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH), num diálogo entre Saúde e Psicanálise.O reconhecimento e estudo das questões psicossociais associadas com TCTH tem história relativamente longa, sendo considerada uma área importante de investigação. Considerei importante iniciar o trabalho definindo TCTH como um procedimento utilizado na tentativa de cura ou aumento de sobrevida em pacientes, sendo indicado principalmente em doenças oncohematológicas. É considerado complexo e visa restaurar a função da medula após altas doses de quimioterapia, associadas ou não à radioterapia. A principal característica desse procedimento e o que difere da maioria dos transplantes de órgãos é que no TCTH o receptor recebe por via endovenosa, a infusão de células-tronco (¿stem cells¿) ou células progenitoras hematopoéticas e essas células migram pelo sangue até se fixarem na medula óssea do receptor e voltam a se multiplicar e cumprir suas funções fisiológicas no hospedeiro. Trata-se de um Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 120 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) tratamento agressivo e que acarreta severos efeitos colaterais, fatores de tensão físicos e psicológicos vivenciados pelo paciente e sua família, além de outras complicações. O sofrimento do paciente está vinculado a isolamento social, devido ao longo processo de internação, medo da morte e de possíveis recaídas, angústia e desamparo. Existem três tipos de TCTH: Alogênico, quando as células-tronco hematopoéticas provêm de um doador previamente selecionado por testes de compatibilidade, normalmente identificado entre os familiares ou em bancos de medula óssea; Autólogo, quando as células-tronco hematopoéticas provêm do próprio paciente e Singênico (haploidêntico), quando as células-tronco hematopoéticas provêm de gêmeos idênticos (univitelinos). No caso do transplante alogênico, existe a possibilidade do paciente desenvolver a DECH, mais conhecida pela abreviação em inglês GVHD (Graft Versus Host Disease). Ela ocorre quando as células do doador (o enxerto) reagem contra o organismo do paciente (o hospedeiro), mesmo que o doador seja um parente (transplante aparentado), podendo se manifestar de forma aguda ou crônica e afetar diversas áreas do corpo, como a pele, o fígado, os olhos e a boca, além disso, é responsável por mais de 15% das causas de morte nesse tipo de transplante (Dóro, 2000).Ser portador da DECH, implica em já ter vivenciado várias situações estressantes: Primeiro ser comunicado de uma má notícia, com o diagnóstico, prognóstico e o tratamento de uma doença de base (câncer); depois, possivelmente ter realizado tratamento convencional, com quimioterapia e/ou radioterapia, não tendo uma resposta clínica satisfatória; por fim, a indicação de realizar o TCTH alogênico e a decisão de se submeter ao procedimento, que confronta a incerteza dos resultados do tratamento com a possibilidade de morte, além da busca por um possível doador. Essas situações podem esgotar as reservas psíquicas do paciente, causando um sofrimento, que impacta na sua qualidade de vida. Essas questões fundam as perguntas que inspiram a realização deste trabalho: O que leva o ser humano a vivenciar situações de sofrimento tão intensas e por vezes sobre-humanas e ainda assim, conseguir vivenciá-las integralmente e superá-las? O que leva a uns superar e outros não? Que fatores psíquicos e sociais contribuem efetivamente para o enfrentamento da DECH?Considero importante ressaltar, que o conceito de qualidade de Vida (QV) é definida pela Organização Mundial de Saúde (OMS) como a percepção do indivíduo de sua posição na vida, no contexto da cultura e sistemas de valores nos quais ele vive e em relação aos seus objetivos, expectativas, padrões e preocupações. Podemos avaliar a Qualidade de Vida sob dois aspectos: objetivo e subjetivo. O aspecto objetivo é possível de ser aferido, através das condições de saúde física, remuneração, habitação, e também, por meio daqueles indicadores observáveis e mensuráveis. Já a subjetividade da qualidade de vida busca os sentimentos humanos, as percepções qualitativas das experiências vividas.Na medida em que proponho compreender os fatores psicossociais que influenciam o comportamento humano, durante o processo do adoecer, entendo que é preciso cuidar dos sujeitos como uma totalidade e ampliar o Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 121 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) olhar sobre o sofrimento para além da dimensão física, apontando para o cuidado integral. Desta forma, esse trabalho se fundamentará à luz da teoria psicanalítica, que caminha no sentido de compreender o campo da experiência subjetiva de cada sujeito. Para a Psicanálise, o sofrimento humano deve ser abordado e tratado levando em conta a particularidade de cada pessoa que sofre, ou seja, levando em conta a relação entre um sofrimento específico e uma história de vida única. Assim, não importa apenas a doença, mas sobretudo, o sujeito que adoeceu.Freud (1896) propõe que toda ação ou comportamento é determinado por um instinto (libido) biológico interno, cuja finalidade específica é a fuga ao desprazer. Esse comportamento é provocado pela atuação do estímulo, entendido como o fator responsável pela elevação do nível de tensão interna. Trata-se da Teoria da motivação humana, um fenômeno bastante complexo, que trás uma concepção de homem como um ser de natureza essencialmente biológica que pode ser influenciado, numa relação direta, pelo ambiente externo. Essa teoria retrata que o comportamento humano é determinado pela motivação inconsciente e pelos impulsos instintivos. Isso nos leva a interrogar: como diante de sofrimentos sucessivos, progressivos e graves o sujeito consegue encontrar dentro de si e em seu entorno social uma capacidade de enfrentamento da doença e condições de cura? O homem sofre ao adoecer porque passa a perceber a sua finitude, o que faz do sofrimento uma dimensão psíquica e existencial. A psicanálise nos apresente conceitos fundamentais para abordar o presente tema e que serão aprofundados ao longo da dissertação: Pulsão de vida e Pulsão de morte; Angústia; Morte e Finitude; Sublimação. Freud (1923) disse que há um conflito inerente ao ser humano entre a pulsão de vida e a pulsão de morte. A pulsão de vida tem como seus derivados a criatividade, a amorosidade, o desejo de se desenvolver, enfim, tudo aquilo que possibilita a motivação da energia humana para a busca da autoconservação. Já a pulsão de morte estaria relacionada ao retorno à imobilidade, tendo como representação a destrutividade, a agressividade e tudo aquilo que limitaria o progresso da vida. Nesse trabalho daremos ênfase à pulsão de vida, que para Freud, está relacionada à auto-conservação, na medida em que nos chama atenção constatar a luta pela sobrevivência, o desejo pela cura da doença e consequentemente pela vida. Os sujeitos ao enfrentar a DECH, conseguem buscar forças que vão além da dimensão física e desta forma, a pulsão de vida comparece, a fim de amenizar a dor e o sofrimento que vezes pode vir a ser intolerável. Para Freud, todos nós temos uma força que nos impulsiona para a busca da expansão, isto é, o ser humano é eminentemente vida, isto é pulsão de vida!Por trás da DECH há sofrimento, medo da morte, de possíveis recaídas, mas há também o extraordinário milagre humano da vontade de ser feliz e de recomeçar onde a esperança parece morta. Desta forma, considero relevante a realização deste estudo, uma vez que, os pacientes que desenvolvem a DECH apresentam importante rompimento das suas atividades de sua vida cotidiana, implicando-lhe um sofrimento pouco explorado pela equipe multiprofissional. Desta forma, se faz necessário Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 122 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) pensar sobre a percepção dos pacientes, que envolve readaptações, enfrentamento da doença, aceitação da nova condição, o lidar com a possibilidade da própria morte, o afastamento do convívio social, entre tantas outras questões que permeiam as esferas biológicas, sociais e psicológicas das suas vidas. Resumo: Pretendo neste trabalho sistematizar minha prática profissional como assistente social, com 14 anos de experiência com doenças oncohematológicas e responsável pela Unidade de Transplante de Células Tronco Hematopoéticas (TCTH) do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho (HUCFF) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Ele tem como objetivo geral avaliar os fatores psicossociais que contribuem para o enfrentamento da Doença Enxerto Contra o Hospedeiro (DECH), num diálogo entre Saúde e Psicanálise. Trata-se de uma doença, que se desenvolve após a realização do transplante alogênico de células tronco hematopoéticas e, em geral, está vinculada ao isolamento social, medo da morte, angústia, além de outras complicações e baixa sobrevida. Considero importante a realização deste estudo, uma vez que a DECH impõe restrições ao ritmo de vida dos sujeitos, implicando-lhe um sofrimento ainda pouco explorado pela equipe multiprofissional e comprometendo sua qualidade de vida. Inspirada na fala de um sobrevivente, testo a hipótese de que um paciente tem a sua capacidade de enfrentamento da doença aumentada, na medida em que apresente algumas das seguintes atitudes: seja confiante no tratamento, tenha fé na vida, aceite a doença, tenha coragem para enfrentar os desafios, acredite nos profissionais de saúde, siga a risca o tratamento, não perca a alegria de viver, possua uma rede de apoio e tenha amor no coração, pois esses fatores podem minimizar o sofrimento e contribuir para a recuperação e o aprimoramento de sua qualidade de vida. A metodologia quantitativa e qualitativa é baseada em escalas de avaliação de qualidade de vida e em análise de prontuário, realizada em dois momentos: 1º- Estudo retrospectivo de prontuário, através de dados contidos na Ficha de Estudo Social (FES); 2º- Estudo prospectivo, para avaliação de qualidade de vida e situação funcional, através dos instrumentos FACT-BMT e avaliação da perspectiva para futuro com questionário semi-estruturado. O projeto será desenvolvido após aprovação junto ao Comitê de Ética em Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida. Pretende-se com esse trabalho, instigar um novo olhar sobre as implicações subjetivas e sociais que favorecem o enfrentamento da DECH, enfatizando a constituição do sujeito e de laços sociais no lidar com a doença à luz da psicanálise. Hipótese: Duas hipóteses norteiam o presente estudo: 1- Tomando como a base a fala de um paciente Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 123 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) sobrevivente, minha hipótese é que - um paciente positivo, que seja confiante no tratamento, que tenha fé, que aceita a doença, que tenha coragem para enfrentar os desafios, que acredita nos profissionais de saúde, que gosta da vida, que segue a risca o tratamento, que não perde a alegria de viver, que possui uma rede de apoio e que tenha amor no coração - aumente sua capacidade de enfrentamento da doença, pois ter alguns ou vários desses fatores pode minimizar o sofrimento e contribuir na recuperação do indivíduo e no aprimoramento de sua qualidade de vida. 2- Acredito que o sujeito quando fortalece a razão pela qual vai enfrentar a doença, ele diminui a expressão do medo e trás à tona a motivação e a firmeza, superando mais facilmente a adversidade. Levando em conta observações empíricas, estou aqui inferindo que o retorno às atividades da vida cotidiana, em especial ao trabalho, é o que imprimi aos pacientes a segurança de que estão recuperando a saúde. Metodologia Proposta: Diante da complexidade de fatores psicossociais que influenciam o enfrentamento da DECH, apresento uma proposta metodológica quantitativa e qualitativa que ajuda a compreender esta realidade de vários ângulos. Enfoques teóricos no campo da saúde e da psicanálise irão nortear os conteúdos organizados através de uma triangulação de métodos. Detalharei a seguir a multiplicidade de métodos que serão empregados e analisados: estudo retrospectivo de prontuários; estudo prospectivo com entrevistas estruturadas; entrevistas semiestruturadas. Métodos utilizados 1- Estudo retrospectivo da Ficha de Estudo Social (FES): optei estudar todos os pacientes que realizaram TCTH alogênico no HUCFF/UFRJ, entre os anos de 2000 e 2010, que somaram um total de 132. A FES contém dados de identificação dos usuários, configuração familiar, situação de trabalho, situação previdenciária e dados complementares, com parecer social. Pretendo correlacionar alguns traços entre os que sobreviveram e os que morreram em virtude da doença, a fim de sistematizar as informações, codificando os dados, tabulando as respostas de maior relevância, buscando compreender o impacto das respostas que mais chamaram a atenção. 2- Estudo prospectivo com entrevistas estruturadas: utilização do questionário FACT-BMT. Trata-se de uma Escala de Avaliação Funcional da Terapia de Câncer específica para a realidade vivenciada pelo paciente submetido ao TCTH. Tal escala, na sua terceira versão (Mc- Quellon & cols., 1997), foi validade em português; 3- Entrevistas semiestruturadas: encontro com os usuários para entrevista da história oral, com os sujeitos que desenvolveram a DECH, buscando compreender o impacto psicossocial dessa síndrome em suas vidas e abordando as expectativas deles em relação ao futuro. Unidade de saúde e sujeitos pesquisados. O Cenário do estudo será a unidade ambulatorial de atendimento a pacientes de pré e pós TCTH (Day Clinic), que fica situada no 8º andar do HUCFF da UFRJ, na Ala F e possui seis poltronas e um leito para Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 124 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) atendimento, além de dois consultórios multidisciplinares. Cabe ressaltar que essa instituição concentra os elementos essenciais à promoção e ao desenvolvimento da saúde pública: assistência à população, ensino qualificado e pesquisa científica. Tem como principal objetivo atuar como hospital de nível terciário, inserido no sistema de referência e contra-referência do Sistema Único de Saúde (SUS).Os sujeitos deste estudo são os 132 pacientes submetidos ao TCTH no HUCFF/UFRJ, no período de 2000 até 2010.A pesquisa será a encaminhado ao Plataforma Brasil e apreciada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida, tendo como coparticipante o HUCFF/UFRJ. Pensando no respeito à dignidade humana e conforme a resolução nº196/96 do Ministério da Saúde, a coleta de dados dessa pesquisa se processará levando em conta autorização institucional para estudo de prontuário e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) pelos sujeitos que manifestem a sua anuência à participação na pesquisa. Critério de Inclusão: 1- Estudar dados de prontuário (FES) de usuários que se submeteram ao TCTH alogênico, realizado no HUCFF/UFRJ, entre o período de 2000 à 2010. 2- 2- Entrevistar usuários que sobreviveram ao TCTH alogênico, realizado no HUCFF/UFRJ, entre o período de 2000 à 2010. Metodologia de Análise de Dados: A organização e análise de dados serão feitas em três etapas: 1- Sistematização matemática, por percentual, dos dados contidos na FES, construindo tabelas para análises comparativas dos resultados por sexo, faixa etária, diagnóstico, dados socioeconômicos, renda familiar, situação trabalhista e previdenciária; 2- Sistematização matemática, por percentual, dos dados obtidos através do questionário FACT-BMT, dos itens que se distribuem em cada domínio analisado (bem-estar físico, bem-estar social e familiar, bem-estar emocional, bem-estar funcional e preocupações adicionais), comparando os resultados entre os sujeitos. 3- Leitura horizontal das entrevistas semiestruturadas que foram transcritas, buscando as categorias de relevância que saltam nessa primeira leitura. Análise dos conteúdos mais relevantes no conjunto global de entrevistas. Ao final, vou sistematizar as informações, comparando os dados codificados dos questionários, contrastando as respostas tabuladas de maior relevância, buscando compreender o impacto das respostas e narrativas que mais chamaram a atenção. Por fim, farei uma análise contextualizada e triangulada de todos dados obtidos, contrastando-os com conceitos e temas apontados pela literatura Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 125 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) Desfecho Primário: Revisão bibliográfica, elaboração do projeto e apresentar no CEP. Desfecho Secundário: Elaboração do capítulo 1 e 2. Processo de Qualificação, estudo retrospectivo de prontuários, entrevistas, análise de dados, introdução e conclusão, defesa de Dissertação e artigo Científico a ser publicado. Desenho: Identificar os fatores psicossociais de sujeitos que enfrentaram a DECH, após terem realizado transplante alogênico, num hospital público do Rio de Janeiro, onde será feito um estudo retrospectivo de prontuário, será aplicado um questionário de qualidade de vida e entrevista semiestruturada, levando em conta a subjetividade e a singularidade do sofrimento, numa abordagem da psicanálise e saúde que contribua para entender os fatores associados à sobrevivência e ao aumento da sobrevida. Unidade de saúde e sujeitos pesquisados. O Cenário do estudo será a unidade ambulatorial de atendimento a pacientes de pré e pós TCTH (Day Clinic), que fica situada no 8º andar do HUCFF da UFRJ, na Ala F e possui seis poltronas e um leito para atendimento, além de dois consultórios multidisciplinares. Cabe ressaltar que essa instituição concentra os elementos essenciais à promoção e ao desenvolvimento da saúde pública: assistência à população, ensino qualificado e pesquisa científica. Tem como principal objetivo atuar como hospital de nível terciário, inserido no sistema de referência e contra-referência do Sistema Único de Saúde (SUS). Os sujeitos deste estudo são os 132 pacientes submetidos ao TCTH no HUCFF/UFRJ, no período de 2000 até 2010. A pesquisa será a encaminhado a Plataforma Brasil e apreciada pelo Comitê de Ética e Pesquisa da Universidade Veiga de Almeida, tendo como coparticipante o HUCFF/UFRJ. Pensando no respeito à dignidade humana e conforme a resolução nº196/96 do Ministério da Saúde, a coleta de dados dessa pesquisa se processará levando em conta autorização institucional para estudo de prontuário e assinatura do termo de consentimento livre e esclarecido (TCLE) pelos sujeitos que manifestem a sua anuência à participação na pesquisa. Tamanho da Amostra no Brasil: 132 - Estudo retrospectivo de prontuários e estudo prospectivo com entrevistas estruturadas e semi estruturadas. Considerações sobre os Termos de apresentação obrigatória: 1. Há carta de anuência do protocolo com a assinatura da pesquisadora responsável; 2. Há Orçamento e Cronograma. Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 126 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) 3. Há declaração da publicação dos resultados 4. No TCLE constam: a) a liberdade do sujeito se recusar a participar ou retirar seu consentimento, em qualquer fase da pesquisa, sem penalização alguma e sem prejuízo ao seu cuidado; b) a justificativa, os objetivos e os procedimentos que serão utilizados na pesquisa; c) Menção a ausência de riscos e aos benefícios esperados; d) a garantia de esclarecimentos, antes e durante o curso da pesquisa, sobre a metodologia; e) a garantia do sigilo que assegure a privacidade dos sujeitos quanto aos dados confidenciais envolvidos na pesquisa. Recomendações: Nenhuma Conclusões ou Pendências e Lista de Inadequações: Conforme carta circular da CONEP/CNS nº 122/2012, item (f), a instituição coparticipante tem a prerrogativa de analisar e aprovar, ou não, o estudo, tal qual ele foi aprovado pela instituição proponente, mas não deve emitir pendências. Situação do Parecer: Aprovado Necessita Apreciação da CONEP: Não Considerações Finais a critério do CEP: 1) De acordo com o item VII.13.d, da Resolução CNS n.º 196/96, o pesquisador deverá apresentar relatórios anuais (parciais ou finais, em função da duração da pesquisa). Nos trabalhos sobre ¿Fármacos, medicamentos, vacinas e testes diagnósticos novos ou não registrados no país¿, os relatórios deverão ser semestrais (Resolução CNS n.º 251/97, item V.1.c). 2) Eventuais emendas (modificações) ao protocolo devem ser apresentadas, com justificativa, ao CEP de forma clara e sucinta, identificando a parte do protocolo a ser modificada. Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 127 HOSPITAL UNIVERSITÁRIO CLEMENTINO FRAGA FILHO ((HUCFF/ UFRJ)) RIO DE JANEIRO, 07 de Março de 2013 Assinador por: Carlos Alberto Guimarães (Coordenador) Endereço: Rua Prof. Rodolpho Paulo Rocco Nº255 Sala 01D-46 Bairro: Cidade Universitária CEP: 21.941-913 UF: RJ Município: RIO DE JANEIRO Telefone: (21)2562-2480 Fax: (21)2562-2481 E-mail: [email protected] 128 129 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA – UVA COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP ANEXO IV – TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Caro(a) Senhor(a) Eu, Leila Soares Jordano de Barros, Assistente Social do Hospital Universitário Clementino Fraga Filho da Universidade Federal do Rio de Janeiro e aluna do Mestrado Profissional em Psicanálise, Saúde e Sociedade da Universidade Veiga de Almeida, telefone de contato é (21) 25622806, vou desenvolver uma pesquisa cujo título é: “Fatores psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro”. Este estudo tem como objetivos: Avaliar os fatores psicossociais que contribuem para o enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro (DECH); conhecer a percepção dos sujeitos diante das mudanças em suas vidas após o transplante, tendo como eixos principais o bem estar físico, social/familiar, emocional, funcional e preocupações adicionais relacionadas à vida cotidiana e ao trabalho; compreender as dificuldades vivenciadas ao longo da doença, visando a melhoria do tratamento. Necessito que o Sr.(a). autorize a realização de uma entrevista para avaliar a qualidade de vida ao longo do enfrentamento da doença. Essa entrevista é fácil de ser compreendida e é autopreenchida. Peço também a sua autorização para fazer algumas perguntas que poderão suscitar respostas espontâneas. Fique à vontade para responder ou não a conteúdos apresentados, conforme for de seu entendimento e interesse. O momento da entrevista oral poderá vir a ser gravado em MP4, se houver o seu consentimento, como meio de favorecer a precisão do conteúdo informado e que será posteriormente transcrito. A sua participação nesta pesquisa é voluntária e a realização das entrevistas não determinará qualquer risco, nem trará desconfortos, pelos cuidados que teremos no manejo da entrevista. Além disso, sua participação é importante para o aumento do conhecimento a respeito dos aspectos psicossociais que facilitam o enfrentamento da doença. Informo que o Sr(a). tem a garantia de acesso, em qualquer etapa do estudo, sobre qualquer esclarecimento de eventuais dúvidas. Se tiver alguma consideração ou dúvida sobre a ética da pesquisa, entre em contato com o Comitê de Ética em Pesquisa (CEP) da Universidade Veiga de Almeida, situado na Rua Ibituruna 108 – Tijuca, fone (21) 2574-8871 e 2574-8849 e comunique-se com o Prof. Dr. Alexandre Felip S. Corrêa. Também é garantida a liberdade da retirada de consentimento a qualquer momento e deixar de participar do estudo. Garanto que as informações obtidas serão analisadas em conjunto com os orientadores dessa pesquisa, não sendo divulgado a identificação de nenhum dos participantes. O Sr(a). tem o direito de ser mantido atualizado sobre os resultados parciais das pesquisas e caso seja solicitado, darei todas as informações que solicitar. Não existirão despesas ou compensações pessoais para o participante em qualquer fase do estudo, incluindo exames e consultas. Também não há compensação financeira relacionada à sua participação. Se existir qualquer despesa adicional, ela será absorvida pelo orçamento da pesquisa. Eu me comprometo a utilizar os dados coletados somente para pesquisa e os resultados serão veiculados através de artigos científicos em revistas especializadas e/ou em encontros científicos e congressos, sem nunca tornar possível a sua identificação. COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP/UVA Vila Universitária, Casa 3 - Sala 202 Campus Tijuca - (21) 2574-8800 / Ramal 307 E-mail: [email protected] 130 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA – UVA COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP ANEXO IV - TERMO DE CONSENTIMENTO LIVRE E ESCLARECIDO Acredito ter sido suficientemente informado à respeito do estudo “Fatores psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro”. Ficaram claros quais são os propósitos do estudo, os procedimentos a serem realizados, as garantias de confidencialidade e de esclarecimentos permanentes. Ficou claro também que a minha participação é isenta de despesas e que tenho garantia do acesso aos resultados e de esclarecer minhas dúvidas a qualquer tempo. Concordo voluntariamente em participar deste estudo e poderei retirar o meu consentimento a qualquer momento, antes ou durante o mesmo, sem penalidade ou prejuízo ou perda de qualquer benefício que eu possa ter adquirido. _____________________________________ Data_______/______/______ Assinatura do informante Nome: Endereço: RG. Fone: ( ) ______________________________________ Data _______/______/______ Assinatura do(a) pesquisador(a) COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP/UVA Vila Universitária, Casa 3 - Sala 202 Campus Tijuca - (21) 2574-8800 / Ramal 307 E-mail: [email protected] 131 UNIVERSIDADE VEIGA DE ALMEIDA – UVA COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP ANEXO V - DECLARAÇÃO DE ISENÇÃO DE CUSTO Eu, Leila Soares Jordano de Barros, declaro para os devidos, que a pesquisa intitulada: “Fatores psicossociais relacionados ao enfrentamento da doença enxerto contra hospedeiro”, sob minha responsabilidade, não irá gerar custo de qualquer natureza para a instituição envolvida, nem tampouco a qualquer participante. Rio de Janeiro, _____ de ________________ de 2012 _______________________________________ LEILA SOARES JORDANO DE BARROS CRESS-RJ 8838 COMITÊ DE ÉTICA EM PESQUISA – CEP/UVA Vila Universitária, Casa 3 - Sala 202 Campus Tijuca - (21) 2574-8800 / Ramal 307 E-mail: [email protected] 132 ANEXO VI – FICHA DE ESTUDO SOCIAL 133 ! 134 ANEXO VII - QUESTIONÁRIO QUALIDADE DE VIDA PÓS TRANSPLANTE FACT-BMT FUNCTIONAL ASSESSMENT CANCER THERAPY – BONE MARROW TRANSPLANTATION (VERSÃO 3) NOME: DATA: / / : Início: _______h________ min TÉRMINO: _______h________ min. Abaixo você encontrará uma lista de declarações que outras pessoas com a sua doença disseram ser importantes. Fazendo um círculo em um número por linha, favor indicar até que ponto cada declaração foi verdadeira para você durante os últimos sete dias. BEM-ESTAR FÍSICO Nem um pouco Um pouco Mais ou menos Bastante Muito 1. Estou sem energia 0 1 2 3 4 2. Fico enjoado (a) 0 1 2 3 4 3. Por causa da minha condição física, tenho dificuldade em atender às necessidades da minha família 0 1 2 3 4 4. Tenho dores 0 1 2 3 4 5. Os efeitos colaterais do tratamento me incomodam 0 1 2 3 4 6. Sinto-me doente 0 1 2 3 4 7. Tenho que me deitar durante o dia 0 1 2 3 4 Nem um pouco Um pouco Mais ou menos Bastante Muito BEM-ESTAR SOCIAL /FAMILIAR: 8. Sinto-me próximo de meus amigos 0 1 2 3 4 9. 10. Recebo apoio emocional da minha família Recebo apoio de meus amigos 0 0 1 1 2 2 3 3 4 4 11. 12. A minha família aceita a minha doença Estou insatisfeito(a) com a comunicação da família sobre a minha doença Sinto-me próximo(a) do(a) meu(minha) parceiro(a) (ou pessoa que me dá maior apoio) 0 0 1 1 2 2 3 3 4 4 0 1 2 3 4 13. Independente do seu nível atual de atividade sexual, favor responder a pergunta a seguir. Se preferir não responder, assinale o quadrículo o e passe para a próxima sessão. _________________________________________________________________________________________ 14. Estou satisfeito com minha viada sexual 0 1 2 3 4 135 BEM-ESTAR EMOCIONAL Nem um pouco 0 Um pouco Mais ou menos Bastante Muito 1 2 3 4 15. Sinto-me triste 16. Estou satisfeito(a) com a maneira com que enfrento a minha doença 0 1 2 3 4 17. Estou perdendo a esperança na luta contra a minha doença 0 1 2 3 4 18. Sinto-me nervoso 0 1 2 3 4 19. Estou preocupado(a) com a idéia de morrer 0 1 2 3 4 20. Estou preocupado(a) que minha condição venha a piorar 0 1 2 3 4 Por favor, faça um círculo em torno do numero que melhor corresponde ao seu estado durante os última semana: BEM-ESTAR FUNCIONAL: Nem um pouco 0 Um pouco Mais ou menos Bastante Muito 1 2 3 4 21. Sou capaz de trabalhar (inclusive em casa) 22. 0 1 2 3 4 23. Sinto-me realizado(a) com meu trabalho (inclusive em casa) Sou capaz de sentir prazer em viver 0 1 2 3 4 24. Aceito minha doença 0 1 2 3 4 25. 26. Durmo bem Gosto das coisas que normalmente faço para me divertir Estou satisfeito(a) com a qualidade da minha vida neste momento 0 0 1 1 2 2 3 3 4 0 1 2 3 4 4 Nem um pouco Um pouco Mais ou menos Bastante Muito 0 0 1 1 2 2 3 3 4 4 0 0 1 1 2 2 3 3 4 4 32. Tenho medo que o transplante não irá funcionar Os efeitos do tratamento são piores do que eu tinha imaginado Tenho bom apetite 0 1 2 3 4 33. 34. Gosto da aparência do meu corpo Sou capaz de fazer as coisas que estão ao meu redor 0 0 1 1 2 2 3 3 4 4 35. 36. 37. Fico cansado(a) fácil Tenho interesse em ter relação sexual Tenho confiança em minha(s) enfermeira(s) 0 0 0 1 1 1 2 2 2 3 3 3 4 4 4 27. PREOCUPAÇÕES ADICIONAIS: 28. 29. 30. 31. Tenho pensado em retomar meu trabalho (inclusive em casa) Sinto-me distante de outras pessoas 136 ANEXO VIII - ENTREVISTA SEMIESTRUTURADA DE HISTÓRIA DE VIDA Essa entrevista será oral, será feita com a sua permissão, e poderá ser gravada, se você me autorizar. Tomando como base a sua vida antes e depois do transplante, me responda as perguntas a seguir: 1. Qual seu estado civil ? Alguma modificação antes ou depois do transplante? 2.Qual o seu grau de escolaridade? Alguma expectativa a ser destacada? 3.Qual a sua situação de trabalho atual? E anteriormente? 4.Qual a sua renda familiar mensal atual ? Ela foi alterada? Como? 5. Você relaciona o início da sua doença a algum fato traumático vivenciado? 6. Qual foi sua maior motivação para enfrentar e superar o tratamento? 7.Como você via a vida antes do transplante? Como você encara a vida hoje? 8.Como você via o futuro antes do transplante? Como hoje você vê os planos para o futuro? Detalhe. Ajude-nos a manter contato com você. Por favor, dê um nome, endereço e telefone de outra pessoa que sempre saiba onde você está e que seja fácil de contatarmos caso tenhamos dificuldade em encontrá-lo (por exemplo, pai/mãe, filhos ou um amigo próximo que não viva junto com você). Por favor, certifique-se que esta pessoa dê permissão para que possamos contatá-la por este motivo. Nome: _____________________________________________________________ Endereço:___________________________________________________________ Telefone: ___________________________________________________________ Grau de parentesco: __________________________________________________ Agradecemos sua participação neste estudo.