PRODUÇÃO DE ÁCIDOS ORGÂNCOS POR FERMENTAÇÃO

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PRODUÇÃO DE ÁCIDOS ORGÂNCOS POR FERMENTAÇÃO
UTILIZANDO DIFERENTES SUBSTRATOS E CONSÓRCIO
MICROBIANO
F. S. MOREIRA1, M. S. RODRIGUES1, D. V. MOREIRA1, F. R. X. BATISTA1, J. S. FERREIRA1 e
V. L. CARDOSO1
1
Universidade Federal de Uberlândia, Faculdade de Engenharia Química
E-mail para contato: [email protected]
RESUMO – Os desenvolvimentos biotecnológicos têm permitido a implementação de
processos fermentativos para a produção de ácidos orgânicos de grande interesse
comercial. A maior aplicação é como aditivos alimentares, pois aumentam a vida útil de
ingredientes perecíveis, ao reduzir a contaminação microbiana e a disseminação de
doenças veiculadas por alimentos. A produção de ácidos orgânicos por meio da
fermentação escura utiliza microrganismos anaeróbios ou facultativos que são capazes
de degradar uma ampla variedade de substratos e resíduos agroindustriais. A proposta
deste trabalho foi estudar a aplicação de um consórcio bacteriano para a produção de
ácidos orgânicos, empregando glicose e lactose como fonte de carbono e alimentados de
forma isolada, alternada ou simultânea. Através dos resultados, observou-se que os
principais ácidos produzidos foram: lático, acético, propiônico e butírico, sendo que os
ácidos láctico e butírico correspondem a cerca de 80% do total dos ácidos produzidos.
1. INTRODUÇÃO
Os processos fermentativos têm conquistado o interesse comercial devido à variedade de
produtos que podem ser produzidos com simples configurações de biorreatores que apresentam alta
eficiência e geração de produtos de baixo custo. Os ácidos orgânicos são substâncias de considerável
valor econômico que são produzidos pelo metabolismo microbiano, utilizando culturas puras ou até
mesmo culturas mistas (Liu, 2003).
Os ácidos orgânicos produzidos pelos processos fermentativos podem ser extraídos e
empregados em indústrias químicas, farmacêuticas, plásticas e de alimentos, com destaque para o uso
como aditivos alimentares. Os principais ácidos gerados pela fermentação escura são os ácidos lático,
acético, propiônico e butírico (Liu e Yang, 2006).
O ácido propiônico é utilizado nas indústrias de perfumes e também se apresenta como um
agente fungiostático natural quando é incorporado em produtos alimentícios (Goswami e Srivastava,
2000; Liu e Yang, 2006; Rodrigues et al., 2007). O ácido butírico é empregado em indústrias de
bebidas e em laticínios na sua forma pura. Nas indústrias farmacêuticas são utilizados para tratar
câncer de colo e de reto e patologias da hemoglobina (Zigová e Sturdík, 2000).
O ácido lático é utilizado na indústria de alimentos com funções de diminuição de pH, como
agente antimicrobiano, estabilizador e emulsificador. Na indústria química é empregado como matéria
prima para a produção de plásticos biodegradáveis (Demirci et al, 1998; Montelongo et al, 1993;
Liang et al, 2015). O ácido acético é o principal ingrediente do vinagre. Na indústria de alimentos é
utilizado como condimento e conservante.
No processo de produção destes metabólitos, diversos resíduos agroindustriais têm sido
empregados como substrato pela alta disponibilidade e baixo custo que, por apresentar composição
complexa e ser empregado em condições não estéreis, as culturas mistas são adequadas para a
degradação deste tipo de matéria-prima por serem obtidas de condições também não estéreis,
conferindo considerável economia ao processo (Kleerebezem e Van Loosdrecht, 2007, Mohammadi
et al, 2011).
Diante deste contexto esse trabalho teve como objetivo estudar o efeito do tipo da fonte de
carbono sobre a produção de ácidos orgânicos por fermentação escura utilizando um consórcio
microbiano em um processo em batelada alimentada. As fontes de carbono avaliadas foram glicose e
lactose, sendo adicionadas periodicamente de forma isolada, alternada ou simultânea durante o
processo fermentativo.
2. MATERIAL E MÉTODOS
As fontes de carbono utilizadas na fermentação para a produção de ácidos orgânicos foram
glicose e lactose, sendo este último obtido a partir da separação da proteína do soro de leite,
denominado permeado do soro de leite, que foi adquirido da empresa Sooro Concentrado Indústria de
Produtos Lácteos Ltda. O permeado foi estocado em vidros até o momento de ser utilizado nos
experimentos. O inóculo proveniente do laboratório do Núcleo de Processos Biotecnológicos
(NUCBIO) consistiu de um consórcio microbiano, o qual foi previamente adaptado em um meio
sintético com a seguinte composição: 3 g/L de KH2PO4, 7g/L de K2HPO4, 1 g/L de MgSO4, 3g/L de
extrato de levedura, 1 g/L de extrato de carne, 1 g/L de (NH4)2SO4 e 20 g/L de lactose proveniente do
permeado do soro de leite.
As fermentações foram conduzidas em batelada alimentada utilizando um biorreator tipo tanque
agitado, conforme apresentado na Figura 1, em condições anaeróbicas, à temperatura de 30°C, sem
exposição de luz e pH de 5,5, previamente determinadas (Romão et al., 2014). O substrato foi
alimentado ao sistema sempre que a concentração da fonte de carbono foi desprezível. Empregou-se
um volume reacional de 700 mL, sendo 1,6% v/v de inóculo e 98,4% v/v de meio sintético. Para
manter o sistema anaeróbio, borbulhou-se nitrogênio após a inoculação do meio para retirada do
oxigênio dissolvido.
Figura 1 – Reator anaeróbico.
Foram avaliadas três condições de fermentação, alimentando a fonte de carbono regularmente
de forma isolada, alternada e simultânea. Na fermentação A, foi utilizado como substrato a lactose
provinda do soro de leite de forma isolada. Já na fermentação B, a fonte de substrato foi apenas a
glicose e na fermentação C foram utilizados os dois substratos de forma alternada. Por fim, na
fermentação D, foram utilizados os dois substratos de forma simultânea. A concentração inicial do
açúcar foi de 20 g/L e as adições seguintes foram de 10 g/L para não inibir o crescimento dos
microrganismos.
Periodicamente, uma alíquota do meio de fermentação foi coletada para a quantificação da
lactose, glicose e dos metabólitos formados (ácidos orgânicos) que foi realizada por cromatografia
líquida. A análise foi realizada por HPLC, marca Shimadzu modelo LC-20A Prominence, coluna
SUPELCOGEL C-610H. Empregou-se como fase móvel ácido fosfórico (0,1%), com fluxo de
0,5 mL/min, temperatura do forno 32ºC e volume de injeção de 20 µL.
3. RESULTADOS E DISCUSÃO
As análises da concentração dos metabólitos formados estão apresentados na Figura 2 e, na
Figura 3, estão apresentados os perfis de concentração de substrato, para as fermentações A (lactose),
B (glicose), C (lactose e glicose, alternadas) e D (lactose e glicose, simultaneamente),
respectivamente.
35
30
B
A
25
25
Ácidos Orgânicos (g/L)
Ácidos Orgãnicos (g/L)
30
20
15
10
20
15
10
5
5
0
0
0
100
200
300
400
500
0
100
200
Tempo (h)
300
400
Tempo (h)
35
30
D
C
25
25
Ácidos Orgânicos (g/L)
Ácidos Orgânicos (g/L)
30
20
15
10
20
15
10
5
5
0
0
0
200
400
600
Tempo (h)
800
1000
1200
0
100
200
300
400
500
600
700
Tempo (h)
Figura 5 - Variação da concentração dos metabólitos formados (ácido lático (■), ácido acético (●),
ácido propiônico (▲), ácido butírico (▼)) durante a: A – Fermentação A; B – Fermentação B; C –
Fermentação C; D – Fermentação D.
20
25
B
Concentração de Substrato (g/L)
Concentração de Substrato (g/L)
A
15
10
5
0
20
15
10
5
0
0
100
200
300
400
500
0
100
200
Tempo (h)
300
400
Tempo (h)
20
10
D
Concentração de Substrato (g/L)
Concentração de Substrato (g/L)
C
15
10
5
0
8
6
4
2
0
0
200
400
600
Tempo (h)
800
1000
1200
0
100
200
300
400
500
600
Tempo (h)
Figura 3 – Perfil de concentração de substrato (Lactose (■), Glicose (●)) durante a: A – Fermentação
A; B – Fermentação B; C – Fermentação C; D – Fermentação D.
Os principais produtos ao final das fermentações foram ácido lático, ácido butírico, seguidos de
ácido acético e ácido propiônico. Pode-se observar que, independente da forma de alimentação e do
açúcar usado como substrato, a produção do ácido láctico é maior no início da fermentação quando a
concentração de açúcar ainda é alta e não há outras fontes de carbono no meio. Verifica-se que,
durante a fermentação, mesmo adicionando açúcar, com exceção da condição C, ocorre o consumo do
ácido láctico e a produção do ácido butírico mais intensamente. Isso pode ser verificado nas Figuras
2A com lactose no intervalo entre 150 h e 300h, na Figura 2B, glicose no intervalo de 100 h a 250 h,
na Figura 2C, glicose e lactose alternadas entre 400 h e 600 h, sendo que neste caso o ácido láctico é
totalmente consumido e na Figura 2D, glicose e lactose adicionadas simultaneamente, entre 150 h e
300 h.
Durante a fermentação C, no intervalo de tempo entre 324 h e 469 h, houve a interrupção da
adição de açúcar, conforme a Figura 3C. Neste intervalo, a concentração de ácido lático foi de
30,48 g/L. Após o consumo do ácido lático, voltou-se a adição de açúcar.
Após adições repetidas de açúcar, o ácido láctico é novamente produzido havendo o consumo
do ácido butírico. O consumo do ácido butírico foi maior neste estágio ao alimentar o reator de forma
alternada glicose e lactose.
Segundo Saady (2013) o consumo do ácido láctico e a formação dos ácidos acético, propiônico
e butírico, ocorrem de acordo com a estequiometria, a partir de glicose, indicada nas Equações 1, 2 e
3, e a partir da lactose, nas Equações 4 e 5.
C6H12O6 + 2H2O → 2CH3COOH + 4H2 + 2CO2
(1)
C6H12O6 → 2CH3(CH2)2COOH + 2H2 + 2CO2
(2)
C6H12O6 + H2→ 2CH3CH2COOH + 2H2O
(3)
C12H22O11 + 5H2O → 4CH3COOH + 8H2 + 4CO2
(4)
C12H22O11 + H2O → 2CH3(CH2)2COOH + 4H2 + 4CO2
(5)
As estequiometrias de consumo do ácido láctico resultante na formação dos ácidos orgânicos
são apresentadas nas Equações 6, 7 e 8.
3CH3CHOHCOOH → 2CH3CH2COOH + CH3COOH + HCO3- + H+
(6)
2CH3CHOHCOOH + 2H2O → CH3CH2CH2COOH + 2HCO3- + H+ + 2H2
(7)
CH3CHOHCOOH + 2H2O → CH3COOH + HCO3- + 2H2
(8)
Em contrapartida, observou-se durante as fermentações, o consumo do ácido butírico e a
degradação do mesmo, gerando o ácido acético conforme pode ser visto na Equação 9.
CH3CH2CH2COOH + 2H2O → CH3COOH + 3H2 + CO2
(9)
Os valores finais das concentrações dos metabólitos são apresentados na Tabela 1. Os resultados
indicaram que os principais produtos formados foram o ácido láctico e o ácido butírico,
correspondendo a cerca de 80% do total dos metabólitos produzidos.
Com relação à forma de alimentação, comparando com ensaios preliminares de ensaios batelada
(dados não apresentaram), observou-se que o tempo de fermentação aumentou consideravelmente
empregando a batelada alimentada. Além disso, os gráficos ilustrados na Figura 2 (A-D) mostram que
é possível prolongar o tempo de fermentação alternando o tipo de açúcar durante o processo.
Tabela 1 - Produtos no final das fermentações A, B, C e D
Fermentação
Tempo de
Fermentação (h)
Ácido Lático
Ácido Acético
Ácido Propiônico
Ácido Butírico
(g/L)
(g/L)
(g/L)
(g/L)
A
449
25,88
9,51
4,93
24,43
B
422
23,85
2,22
4,33
12,03
C
1038
27,56
7,82
2,89
16,66
D
633
19,70
6,50
2,44
17,00
Uma maior investigação faz-se necessária para definir a condição de alimentação e os tipos de
açúcar para definir como estes fatores interferem no metabolismo do consórcio microbiano
empregado nos ensaios de fermentação, de modo a induzir a maior produção do ácido orgânico
desejado.
4. CONCLUSÃO
A partir dos resultados foi possível observar que os principais ácidos produzidos foram lático,
acético, butírico e propiônico. Os ácidos lático e butírico prevaleceram em todas as fermentações
correspondendo a cerca de 80% dos ácidos orgânicos produzidos. Além disso, o modo de batelada
alimentada permitiu estender o tempo do processo, principalmente alternando os tipos de açúcares
adicionados ao meio de fermentação.
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6. AGRADECIMENTOS
Os autores agradecem o apoio financeiro da FAPEMIG, CNPq e CAPES.
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