O negativo e o positivo

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O Globo [email protected] MÍRIAM LEITÃO oglobo.com.br/economia/miriamleitao
O negativo e o positivo
A agricultura salvou o PIB do primeiro trimestre e o setor pecuário está sob investigação. Esse é apenas um
exemplo da complexidade dos tempos atuais, em que além de sair de uma crise econômica de grandes
proporções, o país tem que enfrentar o efeito de decisões erradas e desvios de conduta. Isso leva a um cenário
cheio de pontos positivos e negativos.
Depois de um ano de queda por razões climáticas, a produção de grãos deu um salto, recuperando­se da
quebra de safra e batendo recorde de produção e produtividade. O agronegócio brilhou neste começo de ano,
permitindo os primeiros dados positivos depois de um mar de indicadores negativos na atividade econômica. Mas
um setor do agronegócio, a produção de carne, está sob investigação em várias frentes ao mesmo tempo.
A “Operação Carne Fraca” foi muito mais do que se tentou estigmatizar, com a paródia do papelão. O que
houve de fato é que a Polícia Federal pegou pequenos e grandes frigoríficos com problemas sanitários localizados e
muitos indícios de corrupção. Entre os grandes estão JBS e BRFoods. Na sexta­feira, a “Operação Bullish" foi
contra as bases dos empréstimos, compra de debêntures e conversão em ações do grupo JBS no BNDES. O
próprio banco instaurou comissão para apurar os fatos. Ainda ontem, a “Operação Lucas” estava atrás de
corrupção no Ministério da Agricultura, na relação entre fiscais e o frigorífico Minerva. E há novas investigações
em curso.
O setor de carne sofre o efeito da promiscuidade na sua relação com o governo, que sempre existiu e se
agravou nos últimos anos. Os casos de fiscais pagos pelos fiscalizados não são raros no setor. E foi isso que se viu
numa das partes da denúncia da “Operação Carne Fraca” e aparece agora na “Lucas”. O crescimento do setor se
baseou em grande parte na dependência excessiva dos aportes de bancos estatais e alguns foram muito lesivos
aos cofres públicos. É natural que o TCU e o Ministério Público investiguem.
Cada ponto dessa crise tem uma razão específica. No caso da carne é a soma de anos de erros na política de
usar a alavanca governamental para crescer e conquistar o mercado externo. O curioso é que o auge do
intervencionismo estatal no setor não coincide com o melhor desempenho das exportações brasileiras. O Brasil é
competitivo na atividade, não era necessária uma política estatal para que isso acontecesse.
Em todos os outros setores da economia, o país tem se alternado entre notícias negativas e positivas. Ontem
o Ministério do Trabalho divulgou a criação líquida de 60 mil empregos formais em abril, mas o país continua sem
saber quando vai reduzir de forma significativa o nível recorde de desempregados. A cena é complicada nessa
saída da recessão. A própria retomada não está garantida porque o grau de incerteza é enorme na política. Na
economia também há dilemas que não se sabe como resolver, como o das empresas, de diversas áreas, que
ficaram muito endividadas na crise e estão sem fôlego para voltar a contratar e investir. Todas as grandes
construtoras do país foram tragadas pelas investigações da Lava­Jato, tiveram suas diretorias dizimadas após as
revelações sobre os crimes que cometeram. Nem todas vão sobreviver. Na área fiscal, a dúvida permanece. O
buraco é enorme. A dívida pública continua aumentando e a volta ao equilíbrio primário vai demorar anos para
acontecer.
Nos últimos dias saíram algumas notícias boas como o lucro da Petrobras, o primeiro desde 2015, a captação
de bônus no exterior a volumes maiores do que o esperado. Isso ajuda a mudar um pouco o perfil da dívida da
companhia, que foi atingida em cheio pela corrupção e má gestão nos dois últimos governos. Mas a estatal
continua a petrolífera mais endividada do mundo. O Banco Central divulgou um número positivo de atividade
neste primeiro trimestre, porém a maioria dos analistas prevê um segundo trimestre mais fraco do que o primeiro
e uma recuperação muito lenta.
Este é o tempo de um indicador em alta num dia, e outro em queda no dia seguinte. Essa gangorra é ruim,
mas é melhor do que nos últimos dois anos, em que havia uma queda num dia e no outro também. O país está
saindo assim claudicante dessa crise, sem ter certeza se ela chegou realmente ao fim.
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