processo e técnica legislativa

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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ
VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG
COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD
Coleção Educação a Distância
Série Livro-Texto
Aldemir Berwig
PROCESSO
E TÉCNICA
LEGISLATIVA
Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil
2011
1
EaD
 2011, Editora Unijuí
Aldemir Berwig
Rua do Comércio, 1364
98700-000 - Ijuí - RS - Brasil
Fone: (0__55) 3332-0217
Fax: (0__55) 3332-0216
E-mail: [email protected]
www.editoraunijui.com.br
Editor: Gilmar Antonio Bedin
Editor-adjunto: Joel Corso
Capa: Elias Ricardo Schüssler
Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum
Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa:
Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste
do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil)
Catalogação na Publicação:
Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí
B553p
Berwig, Aldemir.
Processo e técnica legislativa / Aldemir Berwig. – Ijuí :
Ed. Unijuí, 2011. – 156 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-texto).
ISBN 978-85-7429-929-7
1. Direito. 2. Atividade legislativa. 3. Atos normativos.
4. Processo legislativo. I. Título. II. Série.
CDU : 34
342.52
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Sumário
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
CONHECENDO O PROFESSOR .............................................................................................. 7
INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 9
UNIDADE 1 – ATIVIDADE LEGISLATIVA ............................................................................. 11
Seção 1.1 – História e evolução do processo legislativo ........................................................ 11
Seção 1.2 – Supremacia da lei e primado da razão ................................................................ 15
Seção 1.3 – Tripartição dos Poderes e processo legislativo clássico ..................................... 17
Seção 1.4 – Surgimento da atividade legislativa .................................................................... 19
Seção 1.5 – Elaboração da lei e processo legislativo brasileiro ............................................ 20
UNIDADE 2 – QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE TÉCNICA LEGISLATIVA .................. 27
Seção 2.1 – Finalidade das normas jurídicas .......................................................................... 28
Seção 2.2 – Atividade legislativa............................................................................................... 28
Seção 2.3 – Princípios informadores da elaboração normativa ............................................ 31
2.3.1 – Princípio da segurança jurídica ........................................................................ 31
2.3.2 – Princípio da legalidade ...................................................................................... 32
2.3.3 – Princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso ........................ 33
Seção 2.4 – Lei e respeito às situações jurídicas consolidadas ............................................. 34
Seção 2.5 – Processo legislativo interno .................................................................................. 35
2.5.1 – Problema .............................................................................................................. 35
2.5.2 – Diagnóstico e causas .......................................................................................... 35
2.5.3 – Objetivos pretendidos com a elaboração da norma ....................................... 36
2.5.4 – Crítica das propostas .......................................................................................... 36
Seção 2.6 – Há necessidade de controlar os resultados da lei? ............................................ 37
Seção 2.7 – Valores dominantes e a supremacia do Direito .................................................. 38
Seção 2.8 – Interesse público e Direito .................................................................................... 42
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Aldemir Berwig
Seção 2.9 – Menos leis, melhores leis ...................................................................................... 47
Seção 2.10 – Legística ................................................................................................................ 51
2.10.1 – Necessidade de normatizar ............................................................................. 52
2.10.2 – Compreendendo a legística ............................................................................. 54
2.10.3 – Principíos da legística ...................................................................................... 55
Seção 2.11 – Questões a serem analisadas na elaboração de atos normativos ................. 56
UNIDADE 3 – ESPÉCIES DE ATOS NORMATIVOS ........................................................... 65
Seção 3.1 – Emendas constitucionais ...................................................................................... 68
Seção 3.2 – Lei ordinária ............................................................................................................ 73
Seção 3.3 – Lei complementar ................................................................................................... 74
Seção 3.4 – Distinções entre lei complementar e lei ordinária ............................................. 78
3.4.1 – Existe hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária? ...................... 79
Seção 3.5 – Lei delegada ............................................................................................................ 79
3.5.1 – Natureza jurídica da lei delegada .................................................................... 80
3.5.2 – Processo de elaboração da lei delegada .......................................................... 80
3.5.3 – O Poder Legislativo exerce algum controle sobre a lei delegada? ............... 81
3.5.4 – É possível controle de constitucionalidade de lei delegada? ........................ 81
Seção 3.6 – Medida provisória .................................................................................................. 82
3.6.1 – Qual o procedimento legislativo para aprovação da medida provisória? ... 85
3.6.2 – É necessária a sanção do presidente da República à conversão? ................ 86
3.6.3 – Medida provisória no âmbito dos Estados-membros e dos municípios ...... 88
Seção 3.7 – Decreto legislativo .................................................................................................. 88
3.7.1 – Processo legislativo especial do decreto legislativo ....................................... 89
Seção 3.8 – Resolução ................................................................................................................ 90
3.8.1 – Processo legislativo para a elaboração das resoluções .................................. 91
Seção 3.9 – Atos normativos de competência do chefe do Executivo ................................. 91
3.9.1 – Decreto ................................................................................................................. 91
3.9.2 – Portaria ................................................................................................................. 92
Seção 3.10 – Sistema legislativo estadual e municipal .......................................................... 93
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UNIDADE 4 – PROCESSO LEGISLATIVO ............................................................................. 95
Seção 4.1 – Iniciativa do projeto de lei .................................................................................. 101
4.1.1 – Iniciativa comum ou concorrente .................................................................. 103
4.1.2 – Iniciativa reservada .......................................................................................... 103
4.1.3 – Iniciativa vinculada .......................................................................................... 103
Seção 4.2 – Apresentação e distribuição dos projetos de lei ............................................... 107
Seção 4.3 – Regimes de tramitação dos projetos de lei ........................................................ 108
Seção 4.4 – Discussão .............................................................................................................. 109
Seção 4.5 – Emendas ao projeto de lei ................................................................................... 109
Seção 4.6 – Deliberação parlamentar ..................................................................................... 110
Seção 4.7 – Apreciação do projeto de lei no plenário .......................................................... 114
Seção 4.8 – Prazo para deliberação parlamentar ................................................................. 116
Seção 4.9 – O Projeto de Iniciativa Reservada pode ser emendado? ................................. 117
4.9.1 – É possível emenda ao projeto de leis orçamentárias? .................................. 117
Seção 4.10 – Votação ................................................................................................................ 118
Seção 4.11 – Deliberação do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado ....................... 118
4.11.1 – Qual a natureza jurídica da deliberação do Poder Executivo? ................ 119
4.11.2 – Sanção ............................................................................................................. 120
4.11.3 – Veto ................................................................................................................... 120
Seção 4.12 – Fase complementar ............................................................................................ 123
4.12.1 – Promulgação ................................................................................................... 123
4.12.2 – Obrigatoriedade de promulgar ...................................................................... 123
4.12.3 – Casos e formas de promulgação ................................................................... 123
Seção 4.13 – Publicação .......................................................................................................... 125
4.13.1 – A sanção de projeto de lei convalida o vício de iniciativa? ...................... 125
4.13.2 – Publicação e início da vigência da lei ......................................................... 126
4.13.3 – Cláusula de vigência ...................................................................................... 126
4.13.4 – Vacatio legis ....................................................................................................... 126
4.13.5 – Vacatio legis e o início da obrigatoriedade
da lei brasileira no estrangeiro ..................................................................... 127
4.13.6 – Vacatio legis e normas complementares,
suplementares e regulamentares .................................................................. 127
4.13.7 – Vacatio legis e republicação do texto para correção .................................. 127
UNIDADE 5 – FORMA E ESTRUTURA DA LEI SEGUNDO
A LEI COMPLEMENTAR Nº 95/1998 ......................................................... 129
Seção 5.1 – Ordem legislativa ................................................................................................. 130
5.1.1 – Epígrafe .............................................................................................................. 130
5.1.2 – Ementa ou rubrica da lei ................................................................................. 131
5.1.3 – Preâmbulo .......................................................................................................... 131
5.1.4 – Âmbito de aplicação ......................................................................................... 131
Seção 5.2 – Vigência da Lei ..................................................................................................... 132
Seção 5.3 – Cláusula de revogação ........................................................................................ 132
Seção 5.4 – Repristinação ........................................................................................................ 133
Seção 5.5 – Fecho da lei ........................................................................................................... 134
Seção 5.6 – Assinatura e referenda ......................................................................................... 134
Seção 5.7 – Parte normativa da Lei ........................................................................................ 134
5.7.1 – Sistemática da Lei ............................................................................................. 135
Seção 5.8 – Desenvolvimento de uma lei ............................................................................... 139
Seção 5.9 – Organização interna da lei ................................................................................. 141
Seção 5.10 – Critérios de sistematização ............................................................................... 142
Seção 5.11 – Remissões legislativas ........................................................................................ 144
Seção 5.12 – Consolidação da legislação .............................................................................. 147
CONCLUSÃO – AVALIAÇÃO LEGISLATIVA COMO INÍCIO E FIM .............................. 151
REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 153
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Conhecendo o Professor
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
ALDEMIR BERWIG
O autor é natural de Ijuí, RS. Possui Graduação em Direito
(1993) e Mestrado em Educação nas Ciências (1997), ambos pela
Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do
Sul (Unijuí). Atualmente é professor assistente na Unijuí. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Urbanístico, Eleitoral, Ambiental e Legística, atuando principalmente nas seguintes áreas: cidadania e participação, administração pública, planos diretores municipais, elaboração e consolidação de legislação.
Presta consultoria na área de elaboração legislativa e de projetos de extensão.
Além das áreas anteriormente elencadas, é fascinado pela
Educação a Distância – EaD. Concluiu, em 2008, o curso de Especialização em Direito Tributário na modalidade EaD, ofertada pela
Unisul, em parceria com a Rede LFG, em que o sistema de educação é telepresencial.
Desenvolve suas atividades docentes na Unijuí desde o segundo semestre de 1997, e está vinculado ao Departamento de
Estudos Jurídicos, curso de Direito, área de Direito Público, lecionando principalmente os componentes curriculares Direito Administrativo, Processo e Técnica Legislativa, Direito Público Municipal e Processo Administrativo Disciplinar. No curso de Gestão Pública Municipal, em todas as suas edições, ministrou o componente Direito Administrativo Municipal. Atua também como professor
em cursos de Pós-Graduação lato sensu.
Na Unijuí já desempenhou as funções de coordenador-adjunto do curso de Direito no campus Santa Rosa, coordenador do
curso de Pós-Graduação em Direito Público e chefe do Departamento de Estudos Jurídicos, além de ser membro do Conselho Universitário – Consu –, dentre outras atribuições.
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EaD
Aldemir Berwig
É consultor para projetos de extensão da Universidade da
Região de Joinville (SC) – Univille.
Atuou na Administração Municipal de Boa Vista do Cadeado (RS) nos cargos de secretário de Administração, Planejamento
e Fazenda e é assessor de Projetos e Legislação. Atua na advocacia extrajudicial, principalmente na área de Direito Público.
Desenvolve atividades voluntárias. Foi vice-presidente na
Região Sul da Associação de Juristas para a Integração da América Latina – Ajial. É membro titular do Conselho Municipal do Plano Diretor – Compladi de Ijuí. É sócio-fundador da Associação de
Políticas e Desenvolvimento – AIPD.
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EaD
Introdução
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Processo legislativo e técnica legislativa são duas questões importantes do Direito,
especialmente porque o Estado de Direito é aquele em que todas as relações jurídicas são
nele fundamentadas.
Para abordar o tema, inicialmente é necessária uma reflexão acerca do Direito para
verificar seu relacionamento com a lei. O Direito, assim, vai ser entendido como a grande
área na qual estão inseridas, axiologicamente, as leis. Para falarmos em leis, teremos de
falar em normas jurídicas e salientar que aí estão assentados os princípios e as regras jurídicas como um todo.
Pensando nisso, uma questão a ser abordada trata do processo legislativo para verificar
como ocorre o procedimento formal de elaboração das leis, as espécies de procedimentos e de leis
e os requisitos estabelecidos para que elas sejam preparadas e se acomodem sistematicamente no
ordenamento jurídico. É a abordagem da sistemática externa da lei. Além disso, serão lembradas
as formas de controle estabelecidas para serem desenvolvidas pelos órgãos do Estado.
Vamos fazer alguns apontamentos sobre a história da elaboração das leis, para verificar
que o processo legislativo, tal como o conhecemos, é algo relativamente novo que ganha espaço
apenas no século passado. A análise conta com alguns registros que nos indicarão que durante
toda a História da humanidade a lei foi (e continua sendo) objeto de poder, de dominação. Para
fazer esta abordagem, vamos conhecer diversas épocas na visão de diferentes autores.
Outra questão trata da técnica legislativa, mais especificamente da sistemática interna da lei. Neste ponto vamos verificar que a doutrina tem tratado da legística ora como uma
ciência, ora como uma “arte de bem fazer leis”. Vamos, então, olhar para a lei e verificar
como ela é estruturada e o que deve ser feito para que ela desempenhe suas finalidades,
alcançando os objetivos para os quais tenha sido aprovada, e, principalmente, vamos fazer
uma reflexão sobre a introdução, acomodação e permanência da leis no ordenamento jurídico e sua conformidade ao sistema como um todo.
Na abordagem da técnica, vamos verificar que a elaboração de boas leis não prescinde
de uma boa equipe técnica que tenha os conhecimentos necessários para torná-las adequadas à realidade social. Veremos que a elaboração de boas leis não é atividade para ser desenvolvida por burocratas segundo sua intuição. As leis, no Estado de Direito, estabelecem
condutas e regram a vida de todos, causando impactos positivos ou negativos. No Estado
Democrático de Direito, há uma condição constitucional que assegura a participação da
coletividade na condução do poder e, consequentemente, que faz com que tome parte da
estruturação do ordenamento jurídico e contribua com o seu controle na sociedade.
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EaD
Aldemir Berwig
Neste contexto, faremos uma abordagem das competências dos órgãos estatais na
elaboração das leis, sem nunca esquecer que eles desempenham essas funções para atender
à vida na coletividade. Dessa forma, vamos lembrar que o desempenho das funções estatais
é um dever-poder desempenhado unicamente para salvaguardar o “interesse público” dentro de uma concepção finalística que é bem-atender à coletividade.
Assim, vai se demonstrar que na elaboração da lei é necessário o desenvolvimento de
metodologias de análise do custo/benefício de uma medida legislativa com uma visão
transdisciplinar, que cruza o Direito com outras áreas do conhecimento.
Na abordagem do tema, vamos verificar a crítica da doutrina constitucional moderna
acerca da utilização de fórmulas obscuras ou criptográficas, por razões políticas ou de outra
ordem, contrárias a princípios básicos do Estado de Direito, como os da segurança jurídica
e os postulados de clareza e de precisão da norma jurídica. Vamos ver que a boa lei deve ser
clara, simples e precisa. Clara, para que seja fácil de compreender, sem ambiguidades; simples, para que não contenha elementos supérfluos, seja concisa; e precisa, para que não
deixe quaisquer dúvidas na sua interpretação.
Feitas essas considerações iniciais, é importante afirmar ainda que, para “pensar ” o
conteúdo do componente curricular, o seu desenvolvimento foi organizado trazendo diversos textos sobre a atividade normativa, principalmente para demonstrar que, embora alguns
doutrinadores falem em “processo legislativo” até mesmo na Antiguidade, o contexto em
que eram apresentadas as leis era totalmente distinto, um fator interessante para reflexão,
sempre levando-se em conta as peculiaridades de cada época.
Assim, durante a produção deste livro, além do tratamento formal da processualidade
de elaboração da lei, chamaremos a atenção para algumas peculiaridades que são importantes para o desenvolvimento de uma boa técnica de elaboração normativa, especialmente
para atender àquilo que normalmente entendemos por interesse público.
Finalmente, é necessário esclarecer que, no texto que está sendo apresentado, por
vezes vamos nos referir ao Congresso Nacional, ao Poder Legislativo, ao Senado Federal e à
Câmara dos Deputados. A dificuldade de unificar o discurso ocorre basicamente em razão
de que se pretendia fazer uma linguagem simplificada a partir de um “sistema processual
legislativo” universal para nosso contexto, mas tal iniciativa foi dificultada basicamente por
duas questões: a primeira, de ordem formal, em razão de que a realidade constitucional
brasileira prevê dois sistemas, o bicameral e o unicameral; a segunda, de ordem técnica, em
razão de que se pretendia produzir um material que abordasse o processo legislativo em
ambas as esferas, embora sem pretensão de esgotar o assunto. Assim, quando nos referirmos
ao Poder Legislativo, estaremos nos reportando a ambos; quando não for possível, faremos o
devido esclarecimento.
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EaD
Unidade 1
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
ATIVIDADE LEGISLATIVA
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar uma noção de processo legislativo e a evolução do método de elaboração das leis.
• Abordar o desenvolvimento do processo legislativo brasileiro descrevendo sua previsão
constitucional desde a Constituição do Império.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 1.1 – História e evolução do processo legislativo
Seção 1.2 – Supremacia da lei e primado da razão
Seção 1.3 – Tripartição dos Poderes e processo legislativo clássico
Seção 1.4 – Surgimento da atividade legislativa
Seção 1.5 – Elaboração da lei e processo legislativo brasileiro
Seção 1.1
História e Evolução do Processo Legislativo
Ao longo da História verificamos que a lei não foi sempre fruto de um processo legislativo.
Durante um grande período ela foi resultado da vontade humana sem estar vinculada a um
processo formal que estabelecesse previamente o modo de sua elaboração. É com a
modernidade, mais precisamente com o nascimento do Estado de Direito, que vão se estabelecer as balizas para a criação da lei mediante um processo legislativo. Como afirma Ferreira
Filho (2002, p. 19), a concepção de lei que vinga com a Revolução Francesa e inspira o processo legislativo dos regimes pluralistas, é a ideia de que a lei estabelece a vontade geral do
povo. Tal concepção traduz a ideia de “soberania popular ” e de “separação de poderes”.
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EaD
Aldemir Berwig
Embora muitos doutrinadores façam referência ao processo de elaboração da lei na
Antiguidade, temos clareza de que tais “processos” em praticamente nada se assemelham
com a atualidade, pois “a cidade era um pequeno Estado dominado por uma classe, dos
‘cidadãos’, colocados uns perante os outros como seres com igual direito de participar da
administração da coisa pública” (Reale, 1999, p. 626).
Conta Fustel de Coulanges, em seu livro “A Cidade Antiga” (1961), que entre gregos,
romanos e hindus “a lei era o princípio da religião”. Havia uma mescla entre lei e religião na
qual ambas se confundiam, pois eram aplicadas tanto ao culto quanto às relações da vida
civil. Os códigos das cidades antigas eram um conjunto de ritos, de prescrições litúrgicas, de
preces, e, ao mesmo tempo, de disposições legislativas.
Quando o autor aborda o papel do legislador, questiona se aquele que apresenta as
leis é de fato o criador das normas.
Qual é, portanto, o verdadeiro autor das leis? Quando falamos acima da organização da família,
e das leis gregas ou romanas que regulamentavam a propriedade, a sucessão, o testamento, a
adoção, observamos como essas leis correspondiam exatamente às crenças das gerações antigas.
Se colocarmos essas leis em confronto com a eqüidade natural, descobriremos muitas contradições, e parece assaz evidente que os antigos não as foram procurar na noção do direito absoluto
e no sentimento de justiça (Fustel de Coulanges, 1961, p. 262).
O autor enfatiza que o processo de geração das leis antigas não é atividade outorgada
a alguém, mas decorre da tradição. Embora possam ter sido escritas por um homem – Sólon,
Licurgo, Minos, Numa –, estes não as fizeram. As leis foram estabelecidas pelo fundador da
cidade, fundamentadas nas crenças das gerações antigas.
Fustel de Coulanges expressa que a lei antiga não vem fundamentada em critérios
axiológicos, valorativos. Não se preocupa com o valor justiça. É a simples expressão da
crença.
O homem não esteve a estudar sua consciência dizendo: Isto é justo, isto não. Não foi assim que
apareceu o direito antigo. Mas o homem acreditava que o lar sagrado, em virtude da lei religiosa, passava de pai para filho; daí resultou que a casa se tornou bem hereditário. O homem que
havia sepultado o pai em seu campo acreditava que o espírito do morto tomava posse perpétua
do mesmo, e exigia de sua posteridade um culto perpétuo; daí resultou que o campo, domínio do
morto e lugar dos sacrifícios, tornou-se propriedade inalienável da família. A religião dizia: o
filho, e não a filha, é o continuador do culto; e a lei diz, conformando-se à religião: o filho herda,
a filha não; o sobrinho pela linha masculina herda, o sobrinho pela linha feminina, não. Eis
como se fez a lei; ela se apresentou por si mesma, sem que a precisassem procurar. A lei era
conseqüência direta e necessária da crença; era a própria religião aplicando-se às relações dos
homens entre si (1961, p. 262).
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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Foi longo o trajeto para a libertação do ser humano da crença na lei divina. Por muito
tempo a lei não era considerada obra humana, mas coisa sagrada. Quando Platão afirma
que obedecer às leis é obedecer aos deuses, exprime o pensamento grego de que desobedecêlas é sacrilégio. É o caráter sagrado que a torna imutável.
Essas disposições do antigo direito eram de uma lógica perfeita. O direito não nascera da idéia de
justiça, mas da religião, e não podia ser concebido fora dela. Para que houvesse relação de direito
entre dois homens, era necessário que antes houvesse entre eles uma relação religiosa, isto é, que
ambos rendessem culto ao mesmo lar, e oferecessem os mesmos sacrifícios. Quando não existia
essa comunhão religiosa entre dois homens, parece que não poderia existir nenhuma relação de
direito. Ora, nem o escravo, nem o estrangeiro participavam da religião da cidade. O estrangeiro
e o cidadão podiam viver lado a lado durante longos anos, sem que se pensasse em estabelecer um
vínculo de direito entre os mesmos. O direito não era nada mais que uma das faces da religião. Sem
comunidade de religião não podia haver comunidade de lei (1961, p. 289-300).
Em sentido diverso, Reale (1999, p. 622-625) destaca que na Grécia e Roma antigas,
entre os pré-socráticos, encontramos a distinção fundamental entre justo por natureza e
justo por convenção, que, para ele, é nada mais que a distinção entre lei natural e lei positiva. Não há, entretanto, um destaque para o Direito, o qual se confunde com o conceito
universal de justo. Na Grécia, o Direito permaneceu dependente da Retórica e da Moral,
não havendo diferenciação entre o filósofo, o jurista e o homem de Estado, talvez pela própria formação e estruturação da cidade.
Em Roma, verificamos a ideia de Direito autônomo e a presença do jurisconsulto, que,
aos poucos, se converte no especialista na nova Ciência. Ali se percebe a distinção já existente na Grécia entre o justo por lei e o justo por natureza (Reale, 1999, p. 628), especialmente na obra de Cícero. Nesta época histórica, aparece a dicotomia entre o lícito e o honesto e a dificuldade de discernir entre uma e outra órbita.
Na Idade Média, com o advento do Cristianismo, ocorre a diferenciação entre Política
e Religião, entre a esfera estatal e da pessoa, a qual deixa de ser apenas “cidadão” (alguns
homens, na Grécia) para valer como homem. Grande matriz do pensamento medieval vai ser
Santo Agostinho, seguido por Santo Tomás de Aquino, o qual, fundamentado nas obras de
Aristóteles e seguindo as lições de Agostinho, apresenta teoria que
encontra-se desenvolvida especialmente na Summa Theologica. Quando o grande pensador medieval trata da questão da lei e da justiça, cuida com admirável penetração, de problemas jurídico-políticos. Há uma completa Teoria do Direito e do Estado admiravelmente integrada no
sistema tomista, concepção essa que tem sido estudada e relembrada através dos tempos, como
ainda o é hoje, uns conservando-a em sua autenticidade originária, outros pretendendo adaptála ao mundo contemporâneo (...).
(...)
13
EaD
Aldemir Berwig
Lei e ordem são dois conceitos que se completam e se exigem em sua doutrina. Por lei, entende ele
“uma ordenação da razão no sentido do bem comum, promulgada por quem dirige a comunidade” (...). Esta noção de lei tem valor universal, porquanto não só se aplica ao mundo humano,
como também se refere à ordem cósmica. O universo é “cosmos”, ou seja, uma ordem, porque o
Legislador supremo subordina todas as coisas às suas normas (Reale, 1999, p. 638).
Após esse período, em que transcende o aspecto divino do Direito, o Renascimento é
época de uma nova ordem de valores, na qual, segundo Reale (1999), domina a ideia crítica
de redução do conhecimento a seus elementos mais simples, distanciando-se de valores
transcendentes para estabelecer o universo jurídico e político em aspectos estritamente humanos. O homem passa a ser o centro do universo.
Enquanto na Idade Média existia um sistema ético subordinado a uma ordem transcendente, o
homem renascentista procura explicar o mundo humano tão somente segundo exigências humanas.
Pode-se dizer que a Lex aeterna é posta entre parêntese: – Machiavelli e Hobbes querem explicar
o Direito e o Estado sem transcender o plano simplesmente humano (Reale, 1999, p. 644).
De forma muito simplificada, para fins de provocação ao debate, abordamos a gênese
da elaboração legislativa, que desemboca no Estado moderno, buscando expor alguns pontos acerca do seu desenvolvimento na História.
Por outro lado, a partir da classificação dos tipos de processo legislativo apresentada
por Sampaio (1996, p. 36-43), é possível voltar à questão da participação no processo de
produção da lei já pontuada no segundo parágrafo deste texto. Ao citar o “processo legislativo
autocrático”, como aquele no qual o governante propõe as leis que devem ser obedecidas
pelo povo, afirma que se manifesta nas monarquias absolutas, nas ditaduras e nos governos
de fato. É o mais antigo modo de legislar, não existindo forma fixa de processo legislativo. O
método foi utilizado largamente quando os Estados do Oriente antigo entraram na fase do
Direito escrito, de modo que todos os seus monarcas empregaram esse método. Ainda, acrescenta o autor, “toda a legislação de fonte autocrática se reveste do aspecto de mandamentos ou ordens do governante, como denunciam as expressões editos, ordonnances, ordenanzas,
ordenações, devendo vigorar, por isso, apenas durante a vida do seu promulgador ” (Sampaio,
1996, p. 39). Importante ressaltar que o autor defende que todo o Direito canônico tem
matriz autocrática, como o teve todo o Direito divino. Além disso, diz que, embora hoje
possa se falar em democracia e, consequentemente, em um verdadeiro processo de elaboração da lei, ainda persistem formas autocráticas de legislar.
Mesmo após a Revolução Francesa, no século 18, a Constituição do Ano 8 (1799)
estabelece dois órgãos de aparência legiferante, mas entrega todo o poder a Napoleão I. Os
órgãos não são verdadeiras assembleias legislativas, pois são destituídas de poder que se
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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
concentra nas mãos do soberano. No século 19, Napoleão III segue a mesma prática autocrática. No século 20, embora tentando dar uma aparência representativa, o processo
legislativo autocrático persiste em vários Estados: na União Soviética, na Itália Fascista e
na Alemanha de Hitler.
Então, fica demonstrado que a lei pode decorrer de um processo legislativo ou, simplesmente, de sua promulgação pelo soberano.
Análise inicial
Faça uma leitura dos livros “A Cidade Antiga” (Fustel de Coulanges) e Filosofia do
Direito (Miguel Reale) e reflita a respeito do papel do legislador e da lei durante a
História, sobre a igualdade material e formal, a justiça, as relações jurídicas, entre
outros aspectos relevantes. Para o desenvolvimento da reflexão você poderá utilizar quaisquer materiais disponíveis, inclusive na Internet (desde que citada a fonte). Faça uma reflexão a respeito do assunto. Durante o desenvolvimento do componente curricular vai ser explicitada a forma de exposição da pesquisa.
Seção 1.2
Supremacia da Lei e Primado da Razão
Falar no contexto atual de processo legislativo, de legalidade e de democracia, é pertinente a partir do contexto de Estado de Direito. O Estado de Direito, nascido dos movimentos revolucionários liberais do século 18, é o Estado no qual vamos verificar a supremacia
da lei, não uma lei qualquer, mas uma lei garantidora de direitos e liberdades do cidadão,
principalmente ante ao próprio Estado.
Fustel de Coulanges (1961), neste sentido, nos diz que na Antiguidade, entre gregos,
romanos e hindus, a lei era parte da religião, e que os códigos da cidade antiga eram um
conjunto de ritos, prescrições litúrgicas, preces e disposições legislativas. As leis reais aplicavam-se ao culto e à vida civil. As leis apareciam como algo antigo, imutável e venerável,
tão antigas quanto as próprias cidades. Ou seja, a lei, mesmo que não escrita, era imposta
pelo próprio fundador da cidade como divina, portanto sem qualquer possibilidade de alte15
EaD
Aldemir Berwig
ração, tendo como “legislador ” aquele que tinha “poder ” para controlar seu povo. O direito
antigo não surgiu fundado na ideia de justiça, mas como norma que correspondia ao conhecimento das gerações antigas. Talvez aí, verifiquemos o traço do costume como
ordenamento de condutas futuras fundado na crença.
A própria estruturação de um regime constitucional pluralista somente vai ser possível
a partir da supremacia da lei, mas uma lei que regule e controle o exercício do poder, ao
mesmo tempo em que ela própria é controlada. Desta forma, vamos pressupor que será necessário o estabelecimento de regras de conduta gerais e impessoais, visando a controlar a
conduta pessoal e estatal.
Ferreira Filho (2002, p. 21), ao abordar a ambiguidade do termo lei, afirma que ele tanto
pode ser adequadamente empregado para indicar o justo, quanto ser mera ordem do legislador, independentemente de seu conteúdo. Diz o autor, portanto, que são dois significados: o
primado do justo, ou seja, a supremacia do Direito, ou a ideia de ordem do legislador, que, em
caráter absoluto, deve ser obedecida pela coletividade, isto é, a supremacia da lei.
Nos parece que devemos sempre entender a supremacia da lei como uma supremacia do
Direito, muito embora estejamos falando em lei em sentido estrito. No moderno Estado de
Direito somente tem sentido falar em supremacia do Direito, posto que a lei deverá atender a
alguns pressupostos estabelecidos na lei máxima da nação. Ou seja, de certa maneira o legislador está vinculado às leis constitucionais, salvo no caso do Poder Constituinte originário.
1
Ademais, é necessário lembrar que a lei
no Estado de Direito diferencia-se daquela do
Estado antigo, no qual se confunde com o sagrado e, como tal, prescinde de um processo de
formação, uma vez que não tem data e se transmite pela tradição.
Se, portanto, se por um lado temos uma
lei imutável aos olhos do povo, por outro temos uma que pode ser alterada lentamente em
razão de que são apenas guardadas na memória sem estarem escritas.
Embora Ferreira Filho (2002) afirme que a democracia ateniense previa o processo
legislativo e que todo cidadão era detentor de iniciativa legislativa, entendemos que o contexto de democracia era outro, pois poucos homens pertenciam à categoria de cidadãos e,
portanto, não vamos aqui aprofundar o tema. Assim, se quisermos fazer um estudo da lei e
de seu processo de elaboração, temos de partir do processo legislativo clássico, instaurado
por decorrência da criação do Estado de Direito com suas variantes.
1
Disponível em: <http://www.iasddutra.wordpress.com>. Acesso em: 10 jan. 2011.
16
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Seção 1.3
Tripartição dos Poderes e Processo Legislativo Clássico
A História é testemunha da preocupação com o desempenho do poder político, das formas de governo e das funções estatais. Passando pelo pensamento de Aristóteles, Platão, Políbio,
Heródoto, Xenofonte, Maquiavel e Althusius (Clève, 2000, p.
23-24), é um debate atual. É a Montesquieu, entretanto, que se
deve a formulação da teoria da tripartição de poderes, construção que leva em consideração as funções do Estado, por meio de
órgãos que desempenham poderes dotados de independência e
harmonia, adotadas pelas sociedades políticas atuais.
No Iluminismo, a preocupação com a lei ganha atenção
nas reflexões, bastando citar Montesquieu, na França, Filangieri,
na Itália, e Benthan, na Inglaterra. Mais tarde, no século 19, os
debates desenvolvem-se na Alemanha, especialmente com
Disponível em: <http://
www.benitopepe.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Aristóteles (384-322 a.C.) –
Um dos maiores filósofos
gregos. É o fundador de uma
escola filosófica de renome: o
Liceu. Devemos a ele o
essencial de nossa informação
sobre as noções de cidadão e
cidadania e nosso conhecimento sobre as instituições. Suas
obras incluem ainda tratados
de lógica, obras de metafísica,
moral, filosofia política,
retórica, ciências naturais e
críticas literárias.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Savigny. É um período em que os debates restringem-se essencialmente a uma perspectiva jurídica, especialmente em questões
relativas à redação legislativa, tendência que se acentua no final
do século 19 e no início do século 20, com a produção de importantes codificações civis e criminais.
A partir dessas considerações, é possível afirmar que a ideia
clássica de supremacia da lei, adotada a partir das grandes revoluções do século 18 – a Revolução de Virgínia e a Revolução Francesa –, é a de que o governo das leis é uma recusa ao arbítrio dos
governantes. Desta forma, este entendimento veda qualquer tentativa de arbitrariedade mediante o estabelecimento de leis formais. Em outras palavras, o estabelecimento de leis formais deve
seguir um processo legitimador e nunca servir para o exercício
arbitrário por aqueles que detém o poder. A legislação, portanto,
não pode ter primazia sobre o Direito.
Fundamentado nas concepções de Montesquieu, o Estado
de Direito é estruturado a partir de uma organização em que se
separam os poderes de forma que todo o exercício do poder seja
Disponível em: <http://
www.claudiofilosofo.blogspot.com>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Platão (429-347 a.C) –
Filósofo, discípulo de Sócrates,
é o fundador de uma importante escola filosófica da
Antiguidade: a Academia. Além
da célebre Defesa de Sócrates,
sua obra contém 25 diálogos,
em especial O Banquete e A
República. Ele desenvolveu
uma crítica da democracia.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
controlado e que o fundamento de todo o ordenamento jurídico
17
EaD
Aldemir Berwig
interno de cada Estado seja estabelecido por uma lei suprema, a
Constituição. A Constituição cria o Estado e sua estrutura determinando as competências que serão exercidas por cada um dos
órgãos estatais, sob influência direta da legalidade criada e mediante a separação dos poderes estatais.
Disponível em: <http://
www.politicaparapoliticos.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Políbio (203-120 a.C.) – Foi
um geógrafo e historiador da
Grécia Antiga, famoso pela sua
obra Histórias, cobrindo a
História do mundo Mediterrâneo no período de 220 a.C. a
146 a.C. É-lhe também
atribuída a invenção de um
sistema criptográfico de
transliteração de letras em
números.
Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/
Pol%C3%ADbio>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
A teoria da tripartição dos poderes consolida-se na prática,
principalmente como evolução do Estado revolucionário francês
crescendo e se solidificando como Estado Liberal ao final do século 18, rompendo com os postulados do Antigo Regime vigentes
desde o final da Idade Média; Estado Liberal que se constrói sob
os princípios da plenitude do homem e da perfectibilidade da sociedade racional, extensíveis à estrutura estatal e à divisão de
suas funções precípuas. Esta concepção torna possível instalar
no Estado a distribuição das funções relativas à elaboração, aplicação e controle do Direito estabelecido, de forma que cada um
dos Poderes desempenhe alguma função precipuamente, não exclusivamente. Nasce a ideia das competências estatais.
Essa concepção vai demonstrar que no Estado de Direito
não há monopólio da produção de leis nas mãos do Legislativo,
uma vez que todos os poderes concorrem para a sua aprovação.
O poder desempenhado no Estado não está centrado em um
governante, sendo necessária a existência de uma fórmula que
permita, de modo equilibrado e moderado, o desempenho do governo. Isso é possível com a distinção dos poderes estatais, a partir da identificação dos órgãos autônomos responsáveis por espe-
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
cíficas funções públicas. A partir do ideário de Montesquieu há o
Heródoto (485-420 a.C.) –
Contemporâneo das Guerras
Médicas, Heródoto percorreu
todo o universo conhecido de
seu tempo. Fundou a ciência
histórica com sua obra
Pesquisa, também chamada
Histórias. Ele é tido como o
primeiro historiador e também
o primeiro geógrafo e
etnógrafo.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
de controlar e limitar o desempenho do poder, o que mais tarde
18
entendimento de que é preciso que o próprio poder se encarregue
vem a configurar a divisão de suas funções essenciais – a
legislativa, a executiva e a jurisdicional. Tal concepção é expressa nos seguintes termos:
O poder político é indivisível, teoricamente, porque o seu titular é o
povo e não o divide, senão que, em face da ação do Poder Constituinte, confere o exercício a diferentes órgãos encarregados de exercer
distintas tarefas ou atividades, ou ainda diferentes funções. Ademais,
o poder é indivisível por natureza. Não corresponde a uma coisa que
a ela se possa aceder, algo com fim e começo, um objeto capaz de ser
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
tomado, destruído e multiplicado. O poder político soberano
substancia uma relação de forças entre as classes e grupos antagônicos; relação sem forma definida, mas que, de qualquer modo se
condensa e, por vezes, se materializa, dando origem a instituições,
práticas sociais, convenções, aparatos funcionais, como, inclusive,
o Estado e o direito. Logo, não pode ser dividido. Quando a doutrina
tradicional trata do poder, dentro do contexto da célebre teoria em
discussão, certamente com esse significante está querendo fazer
menção a um órgão estatal autônomo ou a uma função de Estado.
Nada mais do que isso (Clève, 2000, p. 30-31).
A lei estabelece a divisão das funções do Estado com a criação de um sistema conhecido como de freios e contrapesos a partir da concepção de Montesquieu, essencial para garantir a liberdade individual.
Seção 1.4
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Xenofonte (430-355 a.C.) –
Discípulo de Sócrates por 15
anos, escreveu sobre todos os
assuntos relativos à política,
filosofia, guerra e até questões
técnicas. Talvez por isso os
antigos o chamassem de “abelha
Ática”. Ele compôs um romance
histórico e filosófico, A Educação
de Ciro, em que esboça um
retrato do chefe de Estado ideal.
Disponível em: <http://
www.dombosco.com.br>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Surgimento da Atividade Legislativa
A História nos mostra que desde a Antiguidade sempre houve regulação do comportamento humano por meio de leis das
mais diversas espécies, embora tais leis não tivessem o mesmo
sentido que hoje. Desde a dominação presente na mais rudimentar convivência dos homens das cavernas ao patamar mais elevado de desenvolvimento das sociedades, sempre houve alguma forma de controle das condutas humanas, embora não se possa considerar que nos primórdios existissem leis.
Verificamos, portanto, que a produção legislativa é, de certa forma, uma criação moderna. Embora existam regras de conduta desde os primórdios da humanidade, podemos até afirmar
que as regras não decorriam de um processo legislativo, sendo
impostas a partir da vontade de determinada pessoa que era, em
algum momento, detentor do poder. Por mais que, portanto, possamos ter o entendimento de que as regras organizadoras da vida
em sociedade sejam inerentes a qualquer agrupamento humano,
podemos igualmente acrescentar que nem sempre as regras são o
resultado da participação humana na sociedade, mas que, em
muitas oportunidades, tal respeito é resultado da imposição unilateral da vontade de quem detém o poder.
Disponível em:
<http://www.arqnet.pt>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Nicolau Maquiavel (3 de maio de
1469 – 21 de junho de 1527) – Foi
um historiador, poeta, diplomata e
músico italiano do Renascimento. É
reconhecido como fundador do
pensamento e da ciência política
moderna pelo fato de haver escrito
sobre o Estado e o governo como
realmente são e não como
deveriam ser. Os recentes estudos
do autor e da sua obra admitem
que seu pensamento foi mal
interpretado historicamente. Desde
as primeiras críticas, feitas
postumamente por um cardeal
inglês, as opiniões, muitas vezes
contraditórias, acumularam-se, de
forma que o adjetivo maquiavélico,
criado a partir do seu nome,
significa esperteza, astúcia.
Disponível em:
<http://pt.wikipedia.org/wiki/
Nicolau_Maquiavel>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
19
EaD
Aldemir Berwig
Feitas essas considerações, é possível afirmar que, embora
existam inúmeros elementos históricos sobre a atividade
legislativa, devemos nos prender à ideia de que o processo
legislativo, tal como conhecemos hoje, é uma construção moderna não presente na Antiguidade, o qual deve ser entendido como
Disponível em: <http://
www.medievalrealm.blogspot.com>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
Johannes Althusius (1557 –
12 de agosto, 1638) – Foi um
filósofo e teólogo calvinista
alemão, conhecido por sua
obra “Politica methodice
digesta et exemplis sacris et
profanis illustrata” (A política
metodicamente concebida e
ilustrada com exemplos
sagrados e profanos); edições
revisadas foram publicadas em
1610 e 1614. As ideias
apresentadas nessa obra
serviram de base para considerar Althusius o primeiro
federalista autêntico, pai do
federalismo moderno e
defensor da soberania popular.
Disponível em: <http://
pt.wikipedia.org/wiki/
Johannes_Althusius>.
Acesso em: 10 jan. 2011.
o amadurecimento de uma prática que em alguns momentos prescindia da participação da sociedade, mas que, com a atual evolução, parece tornar inequívoca a ideia de participação e de justiça
social.
Compreendendo as diversas fases do pensamento sobre a
elaboração das leis
Para que você tenha uma compreensão da evolução do
pensamento sobre a elaboração legislativa, sugiro que
pesquise a existência de teorias da elaboração das leis.
Seção 1.5
Elaboração da Lei e Processo Legislativo Brasileiro
Um estudo da elaboração legislativa brasileira não pode se
apartar do método estabelecido nas Constituições brasileiras. A
evolução da lei e do processo legislativo brasileiro, se podemos
assim considerar, é prevista desde a primeira Constituição brasileira, a Constituição Imperial de 1824.
Analisando a evolução histórica, verificamos que a Constituição da República de 1988 estabelece o processo legislativo que
segue as linhas gerais do processo clássico, obedecendo uma estrutura básica. Verifica-se, entretanto, que houve um aperfeiçoamento de seu método visando a aprimorar o funcionamento da
estrutura legislativa e dar maior celeridade ao processo de formação das leis, além, é claro, de estabelecer boas leis que venham a
atender ao interesse da coletividade.
20
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
A partir deste breve intróito, passaremos a discorrer sobre os principais pontos estabelecidos em cada uma das Constituições brasileiras.
A primeira Constituição Brasileira, a “Constituição Política do Império do Brazil”, de
25 de março de 1824, foi a primeira experiência constitucional da nação recém-declarada
independente, “oferecida e jurada” por sua Majestade o imperador Dom Pedro I. Filiou-se
ao constitucionalismo clássico construído a partir da ideia proposta no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que estabelecia: “Toda sociedade na
qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a separação dos poderes determinada,
não tem Constituição”. Sofreu considerável influência da Constituição Francesa de 1814.
Estava estabelecido um regime constitucional que propunha a separação dos poderes
e garantia dos direitos individuais pela lei, ou seja, um regime ou sistema político de liberdades. É importante ressaltar que, segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 163), esta
primeira Constituição brasileira marca a ruptura entre o absolutismo e o liberalismo, para se
constituir no “texto fundador da nacionalidade e no ponto de partida para a nossa maioridade constitucional”. Vale dizer, marca o nascimento de uma nova nação.
Esta Constituição destaca a separação de poderes no Brasil de forma peculiar, pois
estabelece um quarto poder no seu artigo 98, o Poder Moderador, chave de toda a organização política, “delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu
Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes Políticos”.
Verificamos, portanto, que a Constituição do Império estabelece um Poder Superior
atribuído ao Imperador para inspecionar e conduzir as atividades dos poderes segundo os
interesses da Coroa, e que o Poder Legislativo é exercido pela Assembleia Geral, composta
pela Câmara dos Deputados e pelo Senado.
Esta primeira Constituição brasileira já prevê um sistema bicameral, embora não possamos verificar qualquer processo legislativo que se aparte do Poder Supremo do Imperador.
Segundo Lenza (2009, p. 53), o Poder Moderador era, sem dúvida, “o mecanismo que serviu
para assegurar a estabilidade do trono do Imperador durante o reinado no Brasil”.
Embora a Constituição estabeleça a existência de duas casas legislativas com competências próprias, verifica-se, numa análise das normas constitucionais, que ambas as casas
praticamente se submetem à vontade do Imperador, que detém, inclusive, o Poder Moderador, e é quem efetivamente termina aprovando ou não as novas leis.
É de se ressaltar, inclusive, que, em caso de silêncio do Imperador quanto à sanção
da lei, significa que estará negando sanção à lei aprovada em ambas as câmaras
legislativas, o que poderá ocorrer por mais duas legislaturas, caso o mesmo projeto seja
21
EaD
Aldemir Berwig
novamente encaminhado à sanção do Imperador. Silenciando nestas duas últimas, da
mesma forma que na primeira, a lei seria reputada obrigatória a todos, mesmo sem a
sanção deste.
Verifica-se, portanto, que neste período da História Imperial, embora a Constituição
faça previsão de um processo legislativo, praticamente o que prepondera é a vontade do
Imperador, que detém um grande poder de decisão mesmo nas questões em que seja
estabelecida a necessidade de lei. Por outro lado, verifica-se que na Constituição Imperial já
há previsão de que a proposição de lei com proposta orçamentária é atribuída ao Poder
Executivo, em tese, por ser quem conhece melhor a realidade sociopolítica em que irá atuar,
possibilitando o fornecimento de maiores elementos ao legislador, para análise e decisão
sobre a peça orçamentária. Não significa, entretanto, dizer que ele era independente.
Posteriormente, em 24 de fevereiro de 1891, temos a promulgação da Constituição da
República dos Estados Unidos do Brasil, que, segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p.
164-165), trata-se de uma Constituição influenciada pelo modelo norte-americano sem uma
necessária e cautelosa adaptação sociológica. A influência da Constituição norte-americana de 1787 foi tanta que a República passa a se chamar “República dos Estados Unidos do
Brasil”, embora os modelos de federação brasileira e norte-americana em muito se distanciassem.
A Constituição de 1891 põe fim ao Poder Moderador e adota a teoria clássica da
tripartição de Poderes proposta por Montesquieu, o que fica estabelecido no seu artigo 15,
ao determinar que “são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o
Judiciário, harmônicos e independentes entre si”.
O Poder Legislativo passa a ser exercido pelo Congresso Nacional, que é composto de
duas casas – a Câmara dos Deputados e o Senado Federal –, com a sanção do presidente da
República. É o nascimento do bicameralismo federativo.
Especificamente no que se refere à iniciativa de proposição de projetos de leis, é que o
artigo 36 prevê que todos os projetos podem ter origem em qualquer das casas legislativas
por iniciativa de qualquer um de seus membros, ressalvadas algumas exceções asseguradas
exclusivamente para a Câmara dos Deputados no seu artigo 29. Ao chefe do Executivo fica
reservado o poder de sanção ou veto ao projeto aprovado pelas Câmaras do Congresso Nacional no prazo de dez dias úteis após ter recebido o projeto para apreciação.
Outra alteração substancial no processo legislativo é que a Constituição de 1891 institui que o silêncio do presidente da República no prazo de dez dias úteis ocasiona a sanção
do projeto de lei, de forma que praticamente passa a exigir o seu pronunciamento. Em caso
de veto presidencial, fica estabelecido que cada uma das Câmaras do Congresso poderá, por
22
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
voto de dois dos presentes, derrubar o veto ao projeto de lei. Além disso, prevê a
obrigatoriedade de promulgação da lei no prazo de 48 horas pelo presidente, e, na sua falta,
pelo presidente ou vice-presidente do Senado. Passa a prever também que os projetos rejeitados ou não sancionados não poderão ser renovados na mesma sessão legislativa.
A segunda Constituição Republicana, a “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”, foi promulgada em 16 de julho de 1934, elencando como atribuição ao Senado Federal funções assemelhadas às do imperial Poder Moderador, incubindo esta Casa
Legislativa de coordenar os poderes federais entre si e velar pela Constituição.
Especificamente no que trata do processo legislativo, inovou ao estabelecer competências privativas para a propositura de projetos de leis, ampliando o rol dos órgãos competentes:
a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, os Tribunais e o presidente da República.
Quanto à sanção ou veto do projeto de lei, em relação à Constituição de 1891, prevê
que, em caso de veto, o projeto será devolvido à Câmara dos Deputados, que poderá derrubar o veto por maioria absoluta dos seus membros, encaminhando-o, em seguida, ao Senado Federal, que o submeterá à aprovação pelo mesmo quórum. Se o projeto for sancionado
pelo presidente ou, em caso de veto, derrubado pelas duas Câmaras Legislativas, o presidente deverá em 48 horas promulgar a lei sancionada. Caso o presidente não a promulgue no
tempo prescrito, o presidente da Câmara dos Deputados o fará.
Pouco se diferencia, portanto, o processo legislativo do previsto na anterior Constituição.
A Constituição de 10 de novembro de 1937 estabelece competência de iniciativa de lei
“em regra” ao governo, vedando expressamente a qualquer das Câmaras Legislativas a proposição de projetos de lei em matéria tributária ou que acarrete aumento de despesa. Em
caso de iniciativa destas Casas, exige que esta seja proposta por, no mínimo, um terço de
seus membros e pelo Conselho da Economia Nacional. Estabelece ao governo a prerrogativa de retirar o projeto de lei quando ele já estiver tramitando nas Casas Legislativas.
A Constituição de 18 de setembro de 1946 apresenta algumas alterações substanciais
e tem uma melhor redação que as anteriores.
No que se refere à iniciativa de leis, a novel Constituição delimita mais rigidamente as
competências estabelecendo atribuições concorrentes para a propositura de leis ao presidente da República e a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, ao lado das competências exclusivas, tanto do presidente da República
quanto das Casas Legislativas e dos Tribunais Federais.
Determinou ainda que as leis de iniciativa do presidente da República iniciam sua
tramitação na Câmara dos Deputados seguindo para o Senado Federal e depois para a sanção presidencial, caso aprovado na íntegra, e seu retorno à Casa propositora em caso de
23
EaD
Aldemir Berwig
modificação. Em caso de veto ao projeto aprovado nas duas Casas Legislativas, prevê que o
presidente do Senado Federal convoque as duas Casas Legislativas para, em sessão conjunta, se manifestarem, podendo derrubar o veto por dois terços dos votos dos presentes, enviando, posteriormente, ao presidente da República para promulgação em 48 horas. Em caso
de silêncio, o presidente do Senado Federal ou seu vice a promulgarão.
A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967, é que veio a estabelecer
verdadeiro processo legislativo mediante expressa previsão.
Elencou em seu artigo 49 as espécies legislativas compreendidas no processo legislativo:
as emendas à Constituição, as leis complementares à Constituição, as leis ordinárias, as leis
delegadas, os decretos-leis, os decretos legislativos e as resoluções. Inovou ao apresentar em
seu artigo 50 a possibilidade de emenda à Constituição mediante proposta de membros da
Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do presidente da República e de Assembleias
Legislativas dos Estados, e por estabelecer cláusulas pétreas.
Instituiu, ainda, que o presidente da República, reputando urgente o projeto de lei,
poderia solicitar que fosse apreciado em 45 dias a partir do recebimento em cada casa. Passava, portanto, a prever um regime de urgência para votação da matéria, determinando que
a falta de apreciação neste prazo acarretaria a aprovação tácita dos mesmos.
Também apresentou diferenciação entre a lei ordinária e a complementar, prescrevendo que a aprovação destas últimas ocorre por maioria absoluta dos membros das duas Casas
do Congresso Nacional. Fez previsão de uma espécie de transferência de competência, desde que não exclusiva, de um Poder a outro, a qual denominou lei delegada.
Talvez, no entanto, a alteração constitucional mais importante ocorrida com a nova
Constituição tenha sido a atribuição de Poder superior ao presidente da República em
relação às casas legislativas, ao lhe possibilitar a edição de Decretos-Leis. Os decretos
com força de lei poderiam versar sobre duas matérias: segurança nacional e finanças
públicas, devendo ser apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, não
sendo possível a sua emenda. Em caso de não apreciação no prazo, o decreto-lei seria
dado como aprovado.
A Constituição da República Federativa do Brasil, resultante da Emenda 1/69, teve
poucas alterações em relação ao processo legislativo. Uma alteração que chamou a atenção
foi a supressão das Assembleias Legislativas dos Estados como legitimadas a propor emendas à Constituição. Quanto aos Decretos-Leis, a nova Constituição ampliou o poder do
presidente da República, estabelecendo que poderia expedi-los sobre as seguintes matérias:
segurança nacional, finanças públicas (inclusive normas tributárias) e criação de cargos
públicos e fixação de vencimentos.
24
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
2
Realizadas essas considerações, chegamos à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A atual Constituição
manteve as mesmas espécies legislativas da
Constituição anterior, apenas substituindo
o Decreto-Lei pela Medida Provisória. Uma
inovação inserida foi a previsão de que a elaboração, redação, alteração e consolidação
das leis será regrada por Lei Complementar.
É importante lembrar que a Lei Complementar nº 95/1998 estabelece tal
regramento de observância obrigatória apenas para a União.
Em razão de que as normas da Lei Complementar nº 95/1988 são o próprio objeto de
estudo de nosso componente curricular, vamos deixar para abordar suas especificidades no
momento oportuno.
Reflexão sobre o processo legislativo brasileiro
A partir das considerações até o momento, faça uma pesquisa sobre a evolução
do procedimento de elaboração de leis no Brasil, desde as primeiras ordenações.
A pesquisa será apresentada em ocasião própria.
SÍNTESE DA UNIDADE 1
Nesta Unidade apresentamos uma noção de processo legislativo e
a evolução do processo de elaboração das leis, na perspectiva de
demonstrar a você a importância de se fazer uma análise de obras
clássicas, especialmente por intermédio do estudo da Filosofia do
Direito, para compreender o momento atual da produção legislativa.
2
Disponível em: <http://www.edu-cacao.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011.
25
EaD
Aldemir Berwig
Abordamos o surgimento do processo legislativo propriamente dito
e sua perspectiva na modernidade, especialmente a partir das revoluções liberais do século 18 e da tripartição dos poderes.
Finalizando, abordamos o desenvolvimento do processo legislativo
brasileiro, descrevendo sua previsão constitucional desde a Constituição do Império para demonstrar a mutação ocorrida nesse período.
26
EaD
Unidade 2
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
QUESTÕES FUNDAMENTAIS
DE TÉCNICA LEGISLATIVA
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar o objeto da atividade legislativa e das normas no ordenamento jurídico, bem
como os princípios do processo legislativo e da legística.
• Proporcionar uma reflexão sobre a elaboração legislativa no Estado Democrático de Direito e a garantia dos direitos do cidadão, enfatizando as fases de desenvolvimento da elaboração legislativa propriamente dita.
• Destacar a importância da competência estatal na elaboração da lei como aspecto de
validade e eficácia da norma jurídica e a necessidade de que se produzam leis com boa
técnica legislativa.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 2.1 – Finalidade das normas jurídicas
Seção 2.2 – Atividade legislativa
Seção 2.3 – Princípios informadores da elaboração normativa
Seção 2.4 – Lei e respeito às situações jurídicas consolidadas
Seção 2.5 – Processo legislativo interno
Seção 2.6 – Há necessidade de controlar os resultados da lei?
Seção 2.7 – Valores dominantes e a supremacia do Direito
Seção 2.8 – Interesse público e Direito
Seção 2.9 – Menos leis, melhores leis!
Seção 2.10 – Legística
Seção 2.11 – Questões a serem analisadas na elaboração de atos normativos
27
EaD
Aldemir Berwig
Seção 2.1
Finalidade das Normas Jurídicas
O ordenamento jurídico é um conjunto de regras jurídicas que tem por finalidade estabelecer os fundamentos de justiça e segurança, que assegurem um desenvolvimento social
harmônico dentro de um contexto de paz e de liberdade nos termos da Constituição da
República. É composto, portanto, de um conjunto de normas jurídicas que visam a
concretização da Constituição.
Para analisar os objetivos das normas jurídicas é necessário analisá-las dentro do contexto da lei. Assim, podemos dizer que a lei e suas normas jurídicas têm como objetivos o
expresso nas seguintes funções (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 78):
– de integração: ao compensar as diferenças jurídico-políticas no quadro de formação da
vontade do Estado (desigualdades sociais, regionais, etc.);
– de planificação: como instrumento básico de organização, definição e distribuição de competências;
– de proteção: como instrumento de proteção contra o arbítrio, ao vincular os próprios órgãos do Estado e suas ações;
– de regulação: ao direcionar condutas e atividades mediante a imposição de condições e
restrição ao seu desenvolvimento;
– de inovação: pois é o único ato estatal, abaixo da ordem constitucional, que pode inovar
na ordem jurídica e no plano social.
Seção 2.2
Atividade legislativa
1
No Estado de Direito a lei tem relevante
papel na ordem jurídica, posto que ela é a
única que pode inovar de forma a impor condutas ao cidadão e ao próprio Estado.
1
Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2011.
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Significa que a lei é que vai estabelecer as condutas permitidas e as proibidas, de
modo que o Estado as instale de forma imperativa e, em regra, independentemente da concordância do cidadão, e tal se concretiza em razão de que no Estado Democrático de Direito
o cidadão é retratado pelos seus legítimos representantes que exercem a missão de proceder
a elaboração legislativa estatal, regulamentando o seu ordenamento jurídico.
Em princípio, ao abordarmos a competência para elaborar as normas legais, temos de
ressaltar que essa atribuição é do Estado, que a elabora por intermédio de seus agentes
públicos. Igualmente, no caso destes, temos de falar em competência para exercer a função
pública. Ao tratarmos da competência para legislar, portanto, temos de verificar qual o ente
político-administrativo (União, Estado, Distrito Federal e Município) a detém. Esse é o primeiro cuidado que se deve ter na elaboração legislativa.
Reconhecida a competência do ente político-administrativo, temos de verificar qual o
órgão público que detém a competência. Ao falarmos em órgão público, temos de compreendêlo em seu sentido amplo: órgão público pode ser o ente abstrato ou o agente público a que
a lei tenha dado competência para o ato. E quando falamos em lei, temos de observá-la em
seu contexto hierárquico: averiguar a norma fundamental e aquelas que dela decorrem.
Consiste em fazer uma análise de todo o ordenamento jurídico vigente em um determinado
ente estatal.
A competência legislativa é ilimitada? Dependendo do ângulo em que formos analisar
a questão, poderemos afirmar que sim ou que não. Se analisarmos o desempenho do Poder
Constituinte, poderemos arriscar a dizer que é ilimitado ou que o limite é a delegação do
poder. Tal afirmação, entretanto, geraria inúmeras controvérsias. Embora, portanto, se possa afirmar que quanto à matéria a competência para editar normas quase não conhece
limites (universalidade da atividade legislativa), a atividade legislativa é, e deve continuar
sendo, uma ação subsidiária.
Significa dizer que o exercício da atividade legislativa está submetido ao princípio
da necessidade, isto é, que a promulgação de leis supérfluas ou desnecessárias configura abuso do poder de legislar. O limite da atividade legislativa, portanto, deve ser entendido como decorrência da própria delegação de poder presente na representação democrática. É, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 78), “a presunção de liberdade,
que lastreia o Estado de Direito democrático, pressupõe um regime legal mínimo, que
não reduza ou restrinja, imotivada ou desnecessariamente, a liberdade de ação no âmbito social”. Trata-se dos fundamentos objetivos que as leis devem ter, sob pena de
inconstitucionalidade.
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EaD
Aldemir Berwig
Os fundamentos objetivos a
que nos referimos estão estabelecidos como inerentes ao Estado Democrático de Direito e servem de
limite à atividade legislativa. A
Constituição da República institui
competências, dentre as quais as
legislativas,
que
devem
ser
exercidas em conformidade com as
suas normas, especialmente no artigo 1º e seu parágrafo único, e artigo 5º, além de outros. A lei e a
atividade legislativa, portanto, devem obedecer aos limites impostos
constitucionalmente.
Podemos olhar e entender o “poder de editar normas” em um sentido mais amplo e
denominá-lo “atividade normativa”. É importante fazer essa distinção em razão de que toda
a atividade de elaboração da lei é atividade normativa, mas nela encontramos outras espécies de atos, como é o caso dos atos administrativos. Neste sentido, temos o exercício do
poder regulamentar estabelecido no artigo 84, IV2 da Constituição da República, observando-se os limites determinados pela lei.
Esse entendimento decorre da própria ideia de hierarquia das leis proposta por Kelsen
e significa que a ordem jurídica não tolera contradições entre normas jurídicas ainda que
situadas em planos diversos. Como, entretanto, afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p.
78), nem sempre tais limites normativos são rigorosamente observados. “Fatores políticos ou
razões econômico-financeiras ou de outra índole acabam prevalecendo no processo
legislativo, dando azo à aprovação de leis manifestamente inconstitucionais ou de regulamentos flagrantemente ilegais”.
Não é a aprovação da lei, no entanto, que garante a sua aplicação, pois a Constituição da República estabeleceu controles de legalidade e constitucionalidade a serem exercidos pelo Poder Judiciário. Significa dizer que a publicação de uma lei não é garantia de sua
obrigatória aplicação e respeito, pois o receptor da norma jurídica dispõe de mecanismos
constitucionalmente criados para o seu controle.
2
Artigo 84. Compete privativamente ao presidente da República:
(...)
IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução.
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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Seção 2.3
Princípios Informadores da Elaboração Normativa
A atividade de elaboração da lei, como todas as atividades estatais, fundamenta-se,
no Estado Democrático de Direito, em alguns preceitos apresentados explícita ou implicitamente no sistema constitucional.
A adoção constitucional do modelo de Estado de Direito estabelece que, neste Estado,
todos, inclusive ele, estão sujeitos à lei. Ao caracterizá-lo como democrático, pressupõe que
na adoção das leis que vão ordenar e coordenar as ações do próprio Estado e dos cidadãos,
haverá uma ação conjunta de todos e que representará a vontade da nação, pautado por
um sistema de direitos fundamentais.
Para abordarmos os princípios informadores do processo de elaboração da lei é necessário considerar o modelo de Estado e, a partir dele, verificar quais os princípios que o orientarão. Canotilho (1998) esclarece que o princípio do Estado de Direito exige que as normas
jurídicas sejam dotadas de alguns atributos, tais como precisão ou determinabilidade, clareza e densidade suficiente para permitir a definição do objeto da proteção jurídica e o controle de legalidade da ação administrativa.
2.3.1 – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
Normalmente a doutrina brasileira tem citado vários princípios voltados à legalidade
dos atos do Poder Público. Canotilho (1998, p. 250-259) cita o “princípio geral da segurança
jurídica” relacionando-o com a necessidade humana de segurança para “conduzir, planificar
e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida”. Ao abordar este princípio, afirma que
dois deles estão estreitamente associados – a segurança jurídica e a proteção da confiança –,
a ponto de alguns doutrinadores asseverarem que o segundo é subprincípio do primeiro.
Em regra, diz o autor, a segurança jurídica está relacionada aos elementos objetivos
da ordem jurídica – “garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização
do direito”. Já a proteção da confiança vincula-se mais com os componentes subjetivos da
segurança, como é o caso da previsibilidade e calculabilidade dos indivíduos em relação aos
efeitos jurídicos dos atos dos Poderes Públicos. No fundo, a segurança e a proteção da confiança estabelecem: a) confiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do
Poder Público; b) clareza de que o cidadão tenha, em relação aos atos do Poder Público,
garantida a sua segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus
próprios atos.
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Aldemir Berwig
O princípio geral da segurança jurídica (abrangendo a ideia de proteção da confiança),
como citado por Canotilho (1998), portanto, é aplicável a todos os atos do Poder Público. O
cidadão tem o direito de poder confiar que todos os atos ou decisões do Poder Público incidentes sobre seus direitos, posições ou relações jurídicas sejam fundamentados em normas jurídicas vigentes e válidas, se ligam aos efeitos jurídicos previstos e prescritos por tais normas.
Em outras palavras, ainda, utilizando como fonte o “Guia Prático Comum” do Parlamento Europeu (União Europeia, 2010), é possível citar alguns requisitos fundamentais
para a boa compreensão da lei. Segundo este guia, os atos legislativos devem ser formulados
de forma clara, simples e precisa, de modo que sua redação será:
a) clara, fácil de compreender, sem ambiguidades;
b) simples, concisa, sem elementos supérfluos;
c) precisa, sem deixar quaisquer dúvidas no espírito do leitor.
A lei deve ser precisa para afirmar o princípio da segurança jurídica. Uma lei imprecisa
não gera qualquer segurança, de forma que o cidadão nem pode confiar em suas disposição.
Ora, o próprio Direito Positivo é escrito para que se dê segurança jurídica. Se a lei não for
precisa, consequentemente não gerará tal segurança ao cidadão.
A segurança jurídica, entretanto, passa pelo pressuposto de normas pautadas pela
precisão e clareza, de modo que o seu destinatário tenha plenas condições de identificar a
situação jurídica que está sendo prevista na lei e as consequências que dela decorrem. Devem ser evitadas, portanto, as formulações obscuras, imprecisas, confusas ou contraditórias
(Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 83).
2.3.2 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
O princípio da legalidade, historicamente, foi sempre apresentado como o cerne do
Estado de Direito, especialmente para limitar a atuação da Administração Pública. Conforme Canotilho (1998, p. 249), relacionados à legalidade, são dois os princípios fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei e o princípio da reserva de lei ou
reserva legal. 3 Segundo o autor, num Estado Democrático de Direito a lei é ainda o instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo os
direitos fundamentais e a “vertebração democrática do Estado”.
3“
Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de
remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII.
Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (ADI
3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-04, DJ de 18-2-05).
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Dito isso, é pertinente abordar o princípio da legalidade como um único princípio que
pode ter como especificidades vários subprincípios a ele diretamente vinculados. Não vejo
porquê diferenciar legalidade, de reserva legal, de legalidade em sentido estrito. Aparentemente, todos os princípios citados encontram-se intrinsecamente unidos, sendo praticamente impossível separá-los.
A Constituição da República estabelece o princípio da legalidade, pelo menos, em
quatro momentos: no artigo 1º, ao estabelecer que a República Federativa do Brasil é um
“Estado Democrático de Direito”; no artigo 5º, II, ao estabelecer que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; no artigo 37, caput,
quando estabelece que a Administração Pública está submetida, entre outros princípios, ao
da “legalidade”; e no artigo 150, I, quando estabelece que a instituição ou elevação de
tributos somente pode ser levada a efeito mediante lei formal.
O princípio da legalidade estabelece que o instrumento legal adequado à inovação no
mundo jurídico é a lei, de modo que fica vedada “a utilização de fórmulas legais
exageradamente genéricas e a outorga de competência para sua concretização a órgãos
administrativos, mediante expedição de atos regulamentares (regulamentos, instruções,
portarias), podem configurar ofensa ao princípio estrito da legalidade, caracterizando, ademais, ilegítima delegação legislativa” (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 83).
Uma questão fundamental a que chamam atenção Mendes e Forster Júnior (2002, p.
84), é que a lei deve evitar autorizações legislativas puras ou incondicionadas, que tenham
nítido e inconfundível caráter de renúncia de competência, pois representam inequívoca
deserção da obrigação de deliberar politicamente e podem caracterizar afronta ao princípio
da reserva legal.
Além disso, conforme enuncia Mello (2001, p. 110-111), as competências públicas são
de exercício obrigatório, irrenunciáveis, instransferíveis, imodificáveis e imprescritíveis. Evidente, portanto, que editar uma lei estabelecendo uma ampla discricionariedade a outro
Poder estatal quando não deveria, caracteriza renúncia à competência de legislar.
2.3.3 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA PROIBIÇÃO DE EXCESSO
A simples existência de lei não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito dos direitos, garantias e liberdades individuais. Como afirma Canotilho (1998, p. 259-265),
inicialmente o princípio estabelecia limite ao Poder Executivo. Posteriormente, elevado como
princípio constitucional, passou a limitar todos os Poderes Estatais. Embora a referência seja à
Constituição Portuguesa, entendemos que o sistema constitucional brasileiro também prevê a
proporcionalidade e, neste sentido, é que nos utilizamos do entendimento do mestre português.
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EaD
Aldemir Berwig
O princípio da proibição do excesso, segundo Canotilho (1998), aplica-se a todas as
espécies de atos dos poderes públicos. Desta forma, vincula o legislador, a administração e a
jurisdição. Embora o legislador, no exercício da atividade de elaboração da lei, tenha certa
discricionariedade política, essa não é ilimitada, como já afirmamos anteriormente. Embora
o legislador tenha certa liberdade para a produção das normas legais, essa deve seguir os
princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, evitando qualquer imposição
legal que o desrespeite.
Como afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p. 84), é necessário que as restrições
legais sejam proporcionais, isto é, “adequadas e justificadas pelo interesse público” e atendam “ao critério de razoabilidade”. Em face do princípio da proporcionalidade, cabe analisar, além da legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, a adequação dos meios
empregados, a necessidade de sua utilização, bem como a razoabilidade, isto é, a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos.
Em sentido semelhante, Canotilho (1998, p. 262) cita como subprincípio o da “conformidade ou adequação dos meios”, afirmando que a medida adotada para a satisfação do
interesse público deve ser adequada à concretização dos fins almejados pela lei. É controle
da “ relação de adequação medida-fim”, embora difícil no caso da liberdade que tem o legislador.
Seção 2.4
Lei e Respeito às Situações Jurídicas Consolidadas
O inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição da República, introduz a regra decorrente dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, segundo a qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Tal regra estabelece a garantia de respeito a situações passadas às quais não havia prescrição legal proibitiva ou, havendo, as possibilitava.
É a garantia de que a ação do legislador deve respeitar as situações jurídicas consolidadas preservando os efeitos que elas produzirão. Assim, a lei deve respeitar tanto a
coisa julgada formal, que impede a discussão da questão decidida no mesmo processo,
quanto a coisa julgada material, que impede a discussão de questão decidida em outro
processo.
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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Reflexão sobre os princípios do Estado Democrático de Direito e a elaboração da lei
Verificamos alguns dos princípios que estabelecem diretrizes para a elaboração
das leis. Faça uma pesquisa e aprofunde o assunto, observando como a doutrina
tem apresentado os princípios e quais deles podem ser relacionados à elaboração
legislativa.
Seção 2.5
Processo Legislativo Interno
Nas palavras de Mendes e Forster (2002, p. 86-87), o processo legislativo interno diz
respeito ao esforço de racionalização dos procedimentos de decisão, decorrentes da natureza do próprio Estado de Direito.
Difere do processo legislativo externo, disciplinado na Constituição da República, em
razão de que tem relação direta com o modus faciendi adotado para as tomadas de decisão
legislativas. Embora informal, segundo a doutrina, segue um roteiro básico, que se desdobra em problema, diagnóstico e causas, objetivos, crítica das propostas e controle de resultados.
2.5.1 – PROBLEMA
O problema é a própria situação que deverá ser equacionada com a norma jurídica. A
elaboração de qualquer ato normativo deve ser decorrência da identificação de uma situação fática que demanda alguma regulação legal. Verificada a situação fática, que consiste
no problema a ser enfrentado, é necessário delimitá-lo de forma precisa.
2.5.2 – DIAGNÓSTICO E CAUSAS
O diagnóstico é a verificação da realidade, da situação fática. O processo de elaboração legislativa deve ser precedido de rigorosa análise dos fatos relevantes relacionados à
matéria, do exame de todo o complexo normativo em questão, mediante análise de julgados, pareceres, críticas doutrinárias, bem como de profundo e sério levantamento de dados
35
EaD
Aldemir Berwig
sobre a questão, com audiência de entidades representativas e dos atingidos ou afetados
pelo problema, inclusive audiências públicas, em razão de que a lei pode ocasionar sérias
consequências à sociedade.
Assim, a deflagração do processo legislativo deve vir fundamentada no complexo de
causas que determinam o seu desenvolvimento. Essas causas, que podem originar-se de
influências diversas, tais como condutas humanas, desenvolvimentos sociais ou econômicos, influências da política nacional ou internacional, consequências de novos problemas
técnicos, efeitos de leis antigas, mudanças de concepção, estão diretamente relacionadas
ao problema que se quer resolver com a edição da lei.
2.5.3 – OBJETIVOS PRETENDIDOS COM A ELABORAÇÃO DA NORMA
A partir das causas, deve-se verificar como a lei pode solucionar o(s) problema(s),
atacando diretamente suas causas. Inicialmente, é necessário ter clareza dos objetivos, ou
seja, o que a lei deve regular e qual o resultado que deve proporcionar. Traçando os objetivos, vai se constatar quais os meios adequados a serem utilizados para a solução do(s)
problema(s).
Aqui, nos parece razoável lembrar da necessidade de um olhar técnico para a solução
do(s) problema(s). Não será a vontade política do agente que vai estabelecer a solução em
razão de que o legislador deve se amparar em profissionais que possam apontar elementos
técnicos que se apliquem às causas e possam solucionar o(s) problema(s).
Dito isso, é possível compreender que a precisa definição dos objetivos pretendidos
decorre da exata aferição das causas e dos problemas. A decisão legislativa, portanto, deve
ser precedida de uma rigorosa avaliação das causas e problemas existentes e das alternativas possíveis, seus prós e contras, para sua solução, visando a melhorar a qualidade da
decisão legislativa e de seu produto, a lei.
2.5.4 – CRÍTICA DAS PROPOSTAS
Antes de ocorrer a aprovação do projeto de lei, deve haver uma profunda análise acerca da(s) proposta(s) a ser(em) positivada(s), para decidir sobre a mais adequada e que gere
menor impacto sobre os indivíduos. Deve-se avaliar e contrapor as alternativas existentes
sob dois pontos de vista:
a) de uma perspectiva puramente objetiva, cumpre verificar se o diagnóstico se mostra consistente, pois é dele que decorre a aprovação da lei;
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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
b) de uma perspectiva axiológica, objetiva-se verificar se as regras a serem estabelecidas em
lei vão determinar meios e instrumentos adequados a serem empregados para a produção
de efeitos desejados.
Na perspectiva axiológica encontramos a necessidade de verificar se as normas que
vão decorrer do processo legislativo estão em sintonia com o sistema constitucional e serão
perfeitamente enquadradas no ordenamento jurídico. Há necessidade de que se analise a
proporcionalidade das medidas e, consequentemente, a razoabilidade da intervenção no
âmbito dos direitos individuais. “É exatamente a observância do princípio da
proporcionalidade que recomenda que, no conjunto de alternativas existentes, seja eleita
aquela que, embora tenha a mesma efetividade, afete de forma menos intensa a situação
individual” (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 87).
É muito importante averiguar, na avaliação das alternativas, se as normas a serem
aprovadas são perfeitamente exequíveis e qual a sua repercussão na sociedade, além, é claro, do seu grau de aceitabilidade pelos cidadãos.
Seção 2.6
Há Necessidade de Controlar os Resultados da Lei?
Constatamos que há um longo processo para a elaboração das espécies legislativas e
que elas são preparadas para atingir determinados objetivos.
Após entrarem em vigor, entretanto, todas as leis geram os efeitos esperados durante a
sua elaboração? Podemos dizer, com toda certeza, que nem todas as leis produzem os efeitos
desejados durante o momento de sua preparação.
É evidente, portanto, que a lei deve ser continuamente avaliada para verificar se está
compatível com o sistema jurídico e se está produzindo os efeitos que se espera dela. Caso
não esteja adequada, deverá ser suprimida do ordenamento jurídico. Esse é o papel dos
Poderes Públicos e também da sociedade.
Como vimos durante o desenvolvimento do conteúdo, a participação popular não é
simples, pois a Constituição da República estabelece alguns requisitos que exigem uma
articulação muito grande dos cidadãos. A sociedade, porém, tem a garantia da possibilidade
de participação na vida política da nação e, em decorrência disso, lhe fica garantido, até
mesmo, o controle da lei. O que o Estado deve fazer, em consonância com o Sistema Constitucional, é criar mecanismos que possibilitem e simplifiquem a participação política.
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EaD
Aldemir Berwig
Finalmente, é possível dizer que a elaboração da lei deve contar com a participação
ampla da coletividade e ser objeto de precauções severas, como já apontava Vitor Nunes
Leal:
Tal é o poder da lei que a sua elaboração reclama precauções severíssimas. Quem faz a lei é como
se estivesse acondicionando materiais explosivos. As conseqüências da imprevisão e da imperícia
não serão tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas
podem causar danos irreparáveis (Leal apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 77).
A cautela na elaboração da lei, portanto, demonstra que ela deve ser, como afirmamos
anteriormente, transdisciplinar, não se descuidando dos aspectos estritamente jurídicos, mas
preocupada com aspectos metajurídicos, especialmente com a função social do ordenamento
jurídico e com a sua repercussão econômica, social e política. A abertura para a análise
transdisciplinar da matéria a ser regulada é a parcela da garantia de uma boa lei.
Seção 2.7
Valores Dominantes e a Supremacia do Direito
Estamos discorrendo sobre elaboração legislativa e tal assunto não pode ser destacado do Direito para ser analisado de forma autônoma. Assim, a axiologia do Direito é fator
que perpassa todo o seu conteúdo e, obrigatoriamente, deverá estar presente no momento
de elaboração da lei, sua forma mais normal de expressão.
Normalmente falamos em supremacia da lei e em supremacia do interesse público. Se
tais afirmações não estão equivocadas, entretanto, deve-se, pelo menos, fazer uma análise
de seu conteúdo e verificar em que condições são colocadas.
Para Ferreira Filho,
falar na supremacia da lei leva, insensivelmente, à referência, à supremacia do Direito. Direito e
lei serão uma só e mesma coisa?
O positivista responderia que sim. Que o Direito é o conjunto de leis, isto é, de normas positivas.
De modo que seria Direito tudo aquilo que o governante ordenasse sob a forma de lei.
Não é essa noção, porém, que estava subjacente na obra dos revolucionários liberais. “O
Constitucionalismo”, observa Lipson, “é termo que possui conotações definidas: vincula-se à
noção do império da lei e abrange a idéia de que não se há de permitir a um Governo agir
conforme arbítrio de suas autoridades, devendo, ao contrário, conduzir-se de acordo com normas equitativas e estabelecidas mediante acordo”.
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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
O primado da lei, por isso, nos regimes constitucionais pluralistas é inspirado pela idéia do
primado do Direito, ou seja, do justo, como tal considerado, num dado momento, por determinada comunidade. Opõe-se radicalmente, portanto, à chamada “legalidade socialista”, adotada
nos regimes de partido monopolístico marxista. Esta impõe o respeito da lei, comando do legislador, mas também a sua interpretação segundo o escopo revolucionário (melhor, do partido), do
que resulta, conforme assinala Biscaretti di Ruffia, “que o princípio da supremacia da lei, se se
impõe hoje de modo absoluto no confronto entre os governados, não vigora certamente com o
mesmo caráter absoluto para os governantes...”.
A supremacia do Direito, ou seja, a primazia do justo sobre os próprios comandos do legislador,
as leis, é idéia profundamente arraigada no pensamento ocidental. De longínquas origens, esse
primado, de uma forma ou de outra expresso, vem pelo menos dos gregos antigos até nossos dias.
E não raro na obra de autores que aparentemente o repudiam.
Todavia, as instituições vigentes, embora construídas para assegurar essa primazia, conduzem à
supremacia do comando do legislador, qualquer que seja o seu conteúdo. De fato, a lei aparece
nelas definida pelo processo de elaboração, independentemente do caráter justo ou injusto de
suas disposições. O respeito à lei pode ser então o desrespeito ao Direito.
A contraposição entre lei e Direito é sumamente perigosa para a paz e a estabilidade sociais. Não
é preciso recordar Hobbes para reconhecer que, quando cada qual se dispõe a julgar a lei,
cumprindo-a ou não, segundo sua apreciação subjetiva do justo e do injusto, a sociedade se
transforma num campo de luta, onde o mais forte ou o mais astuto esmagará o menos hábil e o
mais fraco.
Entretanto, é fátuo pretender que, sendo a lei exclusivamente definida pela decisão política de
uma maioria, ou até de uma minoria, todos se curvem a seu império, quando fere profundamente
a imagem que cada um faz do bom e do equitativo. A politização da elaboração legislativa
conduz ao desprestígio da lei, a uma crise da lei; e a uma crise do próprio processo legislativo
(Ferreira Filho, 2002, p. 11-12).
Para o autor, há, portanto, diferença gritante entre as afirmações supremacia da lei e
supremacia do Direito. E tal diferença pode estar justamente nos valores fundamentais do
Direito que, em nossa opinião, deveriam estar sempre presentes na lei, até mesmo como
fundamento da necessidade de sua elaboração.
Mesmo, entretanto, que o autor afirme que a distinção entre lei e Direito tenha longínquas origens, o que pode nos levar a pressupor que ambas sempre foram expressão de
justiça, podemos cometer equívocos. Para pensar um pouco a respeito, recomendo uma
releitura do fragmento sobre a lei na cidade antiga, na Unidade 1 deste livro.
Dando seguimento à abordagem sobre o tema, é importante citar a exposição de Sydnei
Sanches, então ministro do Supremo Tribunal Federal, quando proferiu a palestra “O Juiz e
os Valores Dominantes”, no I Curso de Deontologia do Magistrado, publicada posteriomente
na Revista de Informação Legislativa nº 214, na qual expôs a seguinte compreensão que
achei válida trazer para o presente estudo. Diz o ministro:
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EaD
Aldemir Berwig
O primeiro tema que me foi proposto para a exposição O juiz e os valores dominantes, já suscita
algumas questões.
Que são valores dominantes? A moral? A ética? A verdade? A justiça? A caridade? O trabalho? A
busca de conhecimento e de perfeição?
Sem dúvida todos são valores dominantes.
Viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu, são lemas do direito e da
justiça. E têm muito a ver com a moral, com a ética, com a verdade.
O trabalho e a busca do saber e do aperfeiçoamento são o instrumento e o meio pelos quais se
pode chegar à prática desses valores.
O direito positivo e a moral nem sempre caminham juntos. Às vezes se afastam muito. O direito,
porém, não deve ser interpretado imoralmente.
Ao interpretá-lo, deve o juiz entender a moral da época em que foi elaborado e aquela em que
deverá aplicá-lo, à busca de solução que se mostre compatível com as novas circunstâncias, sem
refugir à inspiração da norma que interpreta.
Bom caminho para o juiz é o do culto profundo do direito, o aprimoramento do senso de imparcialidade, de responsabilidade e de justiça, a preocupação com os direitos e faculdades, deveres
e obrigações das partes em conflito e com a solução adequada das lides. Tudo sem menosprezo
ao interesse público e à necessidade de paz social.
Num país de enormes conflitos sociais, políticos, jurídicos, econômicos e morais, como é o Brasil,
ganha enorme relevo o poder daquele a quem se confere, em nome da Nação, a missão de dirimilos. Cresce, em proporção geométrica, sua responsabilidade, para evitar que, mediante decisões
temerárias, arbitrárias e injustas, ao invés de dirimi-los, os amplie e perpetue (Sanches, 1992).
Lembrando que o Direito é mais amplo que a lei, de forma que ele não é apenas o
Direito Positivo, é necessário ressaltar que não se pode deixar de considerar os valores fundamentais que devem orientar as ações humanas. Embora Sanches se refira apenas à interpretação da lei pelo magistrado, entendemos que o sentido proposto em sua exposição pode
ser entendido de uma forma bem mais ampla, como aqui estamos considerando.
4
Se levarmos em conta esses aspectos fundamentais, não poderemos deixar de lado os valores citados
por Sanches na palestra aqui parcialmente citada. Se
o Direito é uma criação da sociedade para tornar possível e harmônica a convivência social, sendo competência do Estado a sua expressão po meio de representantes legitimados pela manifestação social, temos de
pressupor que os legitimados a expressarem a vontade
estatal devem estar imbuídos desses valores.
4
Disponível em: <http://blog0news.blogspot.com/2008/07/charges.html>. Acesso: 22 jan. 2011. Dura lex sed lex: A lei (é) dura, mas (é)
lei. Nos leva a entender que a lei deve ser aplicada ainda que pareça imoral ou injusta. É possível ou questionável? Reflita a respeito.
40
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Tais valores citados, fazendo uma análise das normas constitucionais, são os valores
fundantes do próprio Estado Democrático de Direito e, assim, devem ser expressão dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, além de outros organismos estatais.
Apenas para fins de reflexão sobre a questão axiológica, vale enunciar o pensamento
de Reale, manifesto em obra já citada. Não se quer, com isso, fazer qualquer relação ou
comparação entre Direito Positivo e Direito Natural, uma vez que a pretensão é de fazê-lo
refletir a respeito do assunto.
Pensamos que a experiência jurídica pressupõe determinadas constantes valorativas ou axiológicas
– como, por exemplo, a do valor originário da pessoa humana –, sem as quais a história do
Direito não teria sentido. Como se vê, se aceitamos a concepção transcendental do Direito Natural, não colocamos o problema em meros termos lógico formais, mas antes em termos axiológicos,
nem estabelecemos uma sinonímia entre princípios gerais de direito e princípios de Direito
Natural. A experiência histórica demonstra que há determinados valores que, uma vez trazidos à
consciência histórica, se revelam ser constantes éticas inamovíveis que, embora ainda não percebidas pelo intelecto, já condicionavam e davam sentido à praxis humana.
De todos esses valores o primordial é o da pessoa humana, cujo significado transcende o processo
histórico, através do qual a espécie toma consciência de sua dignidade ética. Daí dizermos que a
pessoa é o valor fonte. Embora Kant o tenha formulado à luz de outros pressupostos, continua
válido este seu imperativo que governa toda a vida moral e jurídica: “Sê uma pessoa e respeita os
demais como pessoas”. Eis aqui, pois, uma exigência axiológica que, longe de constituir um
ditame da “ razão prática”, como o queria Kant, emerge transcendentalmente da consciência
histórica.
São essas constantes ou invariantes axiológicas que, a nosso ver, formam o cerne do Direito
Natural, delas se originando os princípios gerais de direito, comuns a todos os ordenamentos
jurídicos. Desses princípios resultam outros, não por mera inferência lógica, mas em virtude de
exigências de ordem prática, à medida que a Ciência Jurídica vai recortando, na realidade
social e histórica, distintas esferas de comportamentos, aos quais correspondem distintos sistemas de normas (Reale, 2001, p. 295, grifos do autor).
A partir destas exposições, é possível verificar um fundamento de legitimidade na elaboração das normas jurídicas.
Assim, para a concretização dos valores fundamentais e da justiça social, é importante acrescentar que, em primeiro lugar, as leis positivas do país devem possibilitar sua
concretização. Para isso, é necessário rever a própria atuação dos representantes do povo
elencando o que, de fato, é interesse da coletividade, e traçando diretrizes que conduzam a
atividade legislativa para o bem da coletividade e que se produzam leis legitimamente válidas, para que a democracia representativa não seja uma farsa.
41
EaD
Aldemir Berwig
Seção 2.8
Interesse Público e Direito
Sempre afirmamos em nossas aulas que um dos fundamentos do Direito Administrativo é a supremacia do interesse público sobre o privado, fundamentando nosso entendimento em autores como Mello (2001), Justen Filho (2010) e diversos outros. A impressão que
temos é que o interesse público é algo novo, criado para dizer como devemos interpretar o
Direito.
Neste sentido, Mello anuncia o que é princípio fundamental do regime jurídico administrativo ao afirmar que:
Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como
condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último.
É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos
e resguardados (2001, p. 30).
Consideramos importante fazer alguns apontamentos para reflexão acerca do tema,
uma vez que, em tese, tal conceito pode expressar alguns valores a serem expressos
pelo Direito e servir de baliza para a estruturação do ordenamento jurídico.
Conceituando o interesse público, o autor citado assevera que não se confunde com
interesse do Estado.
Uma vez reconhecido que os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses
individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da
Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto incluído o depósito intertemporal destes
mesmos interesses, põe-se a nu a circunstância de que não existe coincidência necessária entre
interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público (Mello, 2001, p. 63,
grifos do autor).
Sob o ângulo proposto pelo autor, poderíamos arriscar a dizer que o interesse público
é anterior e superior ao próprio Estado, devendo ser expressão da lei. Seria possível, portanto, dizer que tal princípio fundamenta a própria Constituição da República? Seria possível
afirmar que, em razão disso, submeteria a própria atuação do legislador e de todos os agentes públicos?
42
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
5
Tais questionamentos exigem uma reflexão mais profunda, pois a questão não é tão
simples como aparenta. É o que podemos entender a partir das lições de Justen Filho, que
assim se expressa sobre a chamada “Escola do Interesse Público”:
Uma orientação adotada por parcela relevante da doutrina do direito administrativo brasileiro,
consiste na tese de que o regime jurídico de direito administrativo se fundamenta nos princípios
da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Segundo esse entendimento, as normas
de direito administrativo seriam orientadas a assegurar a prevalência dos referidos princípios,
que desempenhariam a função ordenadora das diversas normas pertinentes ao setor. Em outras
palavras, o interesse público prevaleceria sobre todos os demais interesses e o regime de direito
administrativo seria destinado a assegurar a prevalência dele.
Essa orientação apresenta a virtude de acentuar a natureza publicística do regime de direito
administrativo e a necessidade de dissociar as finalidades buscadas pelo Estado da conveniência
dos eventuais governantes. Mas a tese apresenta inconvenientes práticos e defeitos teóricos, que
exigem o seu aperfeiçoamento.
Sob o enfoque prático, a história brasileira evidencia que a supremacia e a indisponibilidade do
interesse público têm sido invocadas, com freqüência, para justificar atos incompatíveis com a
ordem constitucional democrática. É necessário, por isso, encontrar solução mais satisfatória e
mais adequada em face da Constituição de 1988.
Em uma abordagem teórica, reputa-se que a Constituição de 1988 assegurou a prevalência dos
direitos fundamentais antes e acima do chamado interesse público. Mais ainda, existe a dificuldade insuperável para identificar o conteúdo da expressão “interesse público”, sem considerar o
problema freqüente da pluralidade de interesses públicos entre si contrapostos (2010, p. 58-59,
grifos do autor).
5
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/charges>. Acesso em: 22 jan. 2011.
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Aldemir Berwig
Assim, aparentemente, temos de buscar na Constituição da República todo e qualquer
fundamento para o ordenamento jurídico, considerando que o próprio Direito é anterior a
ela. Não se trata, portanto, de criar fundamentos supraconstitucionais expressos por meio
de termos jurídicos indeterminados.
Ohlweiler (2000), ao abordar o discurso dogmático do direito administrativo, questiona a utilização de termos indeterminados como fundamento do dogmatismo ao apresentálos como verdades irrefutáveis, de modo que os dogmas aparecem como verdades absolutas
e não admitem questionamentos.
No caso da elaboração legislativa há uma submissão ao discurso jurídico dominante a
partir do entendimento de que, em regra, a lei serve, antes de tudo, como um sistema de
controle social, de modo que sua funcionalidade é concretizada a partir de um saber jurídico acumulado.
Se a Escola do Interesse Público o apresenta como fundamento para a ação da Administração Pública, do Estado, ou do legislador, deve-se, pelo menos, fazer algumas reflexões
sobre ele. É o interesse público uma criação da modernidade?
Fustel de Coulanges já mencionava o interesse público em sua obra “A Cidade Antiga”, e o apresenta como resultado da revolução. Vejamos um fragmento do livro:
A revolução, que derrubou o domínio da classe sacerdotal e elevou a classe inferior ao nível dos
anciãos chefes das gentes, marcou o início de um período novo na história das cidades. Deu-se
uma espécie de renovação social. Não era apenas uma classe de homens que substituía outra
classe no poder. Eram velhos princípios que eram postos de lado, e regras novas que passariam a
governar as cidades humanas.
É verdade que a cidade conservou as formas exteriores que tivera na época precedente. O regime
republicano subsistiu; os magistrados conservaram em quase toda parte seus antigos nomes;
Atenas teve ainda seus arcontes, e Roma continuou com seus cônsules. Não se alteraram tampouco
as cerimônias da religião pública; o banquete do pritaneu, os sacrifícios no início das assembléias, os auspícios e as preces, tudo foi conservado. É comum acontecer ao homem, quando rejeita
velhas instituições, querer conservar pelo menos as aparências.
No fundo, tudo estava mudado. Nem as instituições, nem o direito, nem as crenças, nem os
costumes desse novo período foram o que haviam sido no período anterior. O antigo regime
desapareceu, levando consigo as regras rigorosas que havia estabelecido em todas as coisas:
fundou-se novo regime, e a vida humana mudou de feição.
A religião havia sido, durante longos séculos, o único princípio de governo. Era necessário encontrar novo princípio capaz de o substituir, e que pudesse, como ela, reger as sociedades, pondoas, tanto quanto possível, ao abrigo de flutuações e de conflitos. O princípio sobre o qual o
governo das cidades se fundou daí por diante passou a ser o interesse público.
É necessário observar esse novo dogma que então apareceu no espírito dos homens e na história.
Antes, a regra superior, de onde derivava a ordem social, não era o interesse, era a religião. O
dever de celebrar os ritos do culto havia sido o vínculo que unia a sociedade. Dessa necessidade
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
religiosa derivava-se, para uns o direito de mandar, para outros a obrigação de obedecer; daí
surgiram as regras da justiça e dos processos, as das deliberações públicas e as da guerra. As
cidades não perguntavam a si mesmas se as instituições que tinham eram úteis; essas instituições
eram fundadas porque a religião assim o quis. Nem o interesse, nem a conveniência haviam
contribuído para estabelecê-las; e se a classe sacerdotal havia combatido para defendê-las, não
o fez em nome do interesse público, mas em nome da tradição religiosa.
Mas no período em que entramos agora, a tradição não tem mais força e a religião não governa
mais. O princípio regulador, do qual todas as instituições devem tirar de agora em diante sua
força, o único que estará acima das vontades individuais, e que seja capaz de obrigá-las a se
submeter, é o interesse público. O que os latinos chamam res publica, os gregos tò koinón, eis o
que agora substitui a velha religião. Isso é o que decidirá de agora em diante as instituições e as
leis, e é a isso que se reportam todos os atos importantes das cidades. Nas deliberações do senado
ou das assembléias populares, quer se discuta uma lei ou uma forma de governo, um ponto de
direito privado ou uma instituição política, ninguém mais quer saber o que a religião prescreve,
mas o que reclama o interesse geral.
Atribui-se a Sólon uma palavra que caracteriza bem o novo regime. Alguém lhe perguntava se
ele julgava haver dado à pátria a melhor constituição: “Não – responde ele – mas a que mais nos
convém.” – Ora, era algo novo não exigir mais das formas de governo e às leis senão mérito
relativo. As antigas constituições, baseando-se nas regras do culto, haviam-se proclamado infalíveis e imutáveis; tendo o mesmo rigor e inflexibilidade da religião. Sólon indicava por essa
palavra que para o futuro as constituições políticas deveriam se conformar às necessidades, aos
costumes, aos interesses dos homens de cada época. Não se tratava mais de verdade absoluta; as
regras de governo deviam de aí em diante tornar-se flexíveis e variáveis. Diz-se que Sólon desejava, quando muito, que as leis fossem observadas durante cem anos.
As prescrições do interesse público não são tão absolutas, tão claras, tão manifestas como da
religião. Sempre se pode discuti-las; não são encontradas à primeira vista. O modo que pareceu
mais simples e seguro para se saber o que o interesse público reclamava, foi reunir os homens e
consultá-los. Esse processo foi considerado necessário, e empregado quase que diariamente. Na
época anterior, os auspícios haviam decidido quase que sozinhos todas as deliberações: a opinião do sacerdote, do rei, do magistrado sagrado, era onipotente; votava-se pouco, e mais para
cumprir uma formalidade que para dar a conhecer a opinião de cada um. De agora em diante
passou-se a votar sobre todas as coisas; era necessário conhecer a opinião de todos para se estar
seguro de conhecer o interesse de todos. A regra do direito foi a origem das instituições, que
decidiu o que era útil e o que era justo. Essa regra ficava acima dos magistrados, acima mesmo
das leis; foi a soberana da cidade.
Também o governo mudou de natureza. Sua função essencial não foi mais o cumprimento regular das cerimônias religiosas; foi, sobretudo, constituído para manter a ordem e a paz no interior, a dignidade e o poder no exterior. O que ficara outrora em segundo plano, passou para o
primeiro. A política passou à frente da religião, e o governo dos homens tornou-se coisa humana.
Em conseqüência criavam-se novas magistraturas, ou, pelo menos, as antigas tomavam novo
caráter. É o que se pode ver pelo exemplo de Atenas e de Roma.
Em Atenas, durante o domínio da aristocracia, os arcontes haviam sido sobretudo sacerdotes; o
cuidado de julgar, de administrar, poderia, sem inconvenientes, estar ao lado do sacerdócio.
Quando a cidade ateniense rejeitou os velhos processos religiosos de governo, não suprimiu o
arcontado, porque havia grande repugnância em suprimir o que era antigo. Mas ao lado dos
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Aldemir Berwig
arcontes estabeleceram-se outras magistraturas, que, pela natureza de suas funções,
correspondiam melhor às necessidades da época. Eram os estrategos. A palavra significa chefe
do exército, mas a autoridade não era puramente militar; cuidavam das relações com as outras
cidades, assim como da administração das finanças, e de tudo o que dizia respeito à polícia da
cidade. Pode-se dizer que os arcontes tinham em suas mãos a religião, e tudo o que a ela dizia
respeito, juntamente com a direção aparente da justiça, enquanto que os estrategos tinham o
poder político. Os arcontes conservavam a autoridade tal qual as antigas cidades a haviam
concebido; os estrategos possuíam a autoridade que as novas necessidades julgaram bem estabelecer. Pouco a pouco chegou-se ao ponto de os arcontes não conservarem senão uma aparência de
poder, enquanto que os estrategos o tinham realmente nas mãos. Esses novos magistrados não
eram sacerdotes; apenas realizavam as cerimônias absolutamente indispensáveis em tempos de
guerra. O governo tendia cada vez mais a se separar da religião.
Esses estrategos podiam ser escolhidos fora da classe dos eupátridas. Na prova por que passavam antes de serem nomeados (dokimasia), não lhes perguntavam, como o faziam aos arcontes,
se tinham culto doméstico, ou se eram de família pura; bastava que sempre tivessem cumprido os
deveres de cidadãos, e possuíssem terras na Ática. Os arcontes eram designados por sorte, isto é,
pela voz dos deuses; o mesmo não acontecia com os estrategos. Como o governo se tornava mais
difícil e mais complicado, a piedade já não era mais a qualidade principal, e como havia necessidade de habilidade, de prudência, de coragem, da arte de comandar, não se acreditava mais
que a voz da sorte fosse suficiente para fazer um bom magistrado. A cidade não queria mais estar
vinculada à pretensa vontade dos deuses, e fazia questão de escolher livremente seus chefes. Que
o arconte, que era sacerdote, fosse designado pelos deuses, era natural; mas o estratego, que
tinha nas mãos os interesses materiais da cidade, devia ser eleito pelos homens.
Se observarmos de perto as instituições de Roma veremos que também ali surgiam mudanças do
mesmo gênero. De uma parte, os tribunos da plebe aumentaram a tal ponto a própria importância, que a direção da república, pelo menos no que dizia respeito aos negócios internos, acabou
caindo-lhes nas mãos. Ora, esses tribunos, que não tinham caráter sacerdotal, assemelhavam-se
muito aos estrategos. De outra parte, o próprio consulado não se pôde manter sem mudar de
natureza. O que tinha em si de sacerdotal foi aos poucos desaparecendo. É bem verdade que o
respeito dos romanos para com as tradições e as formas do passado exigia que o cônsul continuasse a celebrar cerimônias religiosas instituídas pelos antepassados. Mas é evidente que no dia
em que os plebeus se tornassem cônsules essas cerimônias não passavam de meras formalidades.
O consulado tornou-se cada vez mais em cargo de comando. Essa transformação foi lenta, insensível, despercebida, e não deixou por isso de ser completa. O consulado já não era certamente no
tempo dos Cipiões o que havia sido nos tempos de Publícola. O tribunado militar, que o senado
instituiu em 443, e sobre o qual os antigos nos dão poucas informações, foi talvez a transição
entre o consulado da primeira época e o da segunda.
Pode-se notar também que houve uma mudança na maneira de nomear cônsules. Com efeito, nos
primeiros séculos, o voto das centúrias na eleição do magistrado não era, como vimos, senão
pura formalidade. Na verdade, o cônsul de cada ano era criado pelo cônsul do ano precedente
que transmitia os auspícios, depois de consultar a vontade dos deuses. As centúrias não votavam
senão em dois ou três candidatos, apresentados pelo cônsul em exercício; não havia debates. O
povo podia detestar um candidato, e não era forçado a votar em quem não queria. Na época em
que estamos agora a eleição é completamente diferente, embora as formas ainda sejam as mesmas. Como no passado, ainda há cerimônia religiosa e voto; mas a cerimônia religiosa é mera
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formalidade, o voto é que é realidade. O candidato deve ainda fazer-se apresentar pelo cônsul
que preside; mas o cônsul é obrigado, senão por lei, ao menos pelo costume, a aceitar todos os
candidatos, e a declarar que os auspícios são igualmente favoráveis a todos. Assim as centúrias
elegem os que bem entende. A eleição não pertence mais aos deuses, mas está nas mãos do povo.
Os deuses e os auspícios não são mais consultados senão com a condição de serem imparciais
com todos os candidatos. Os homens é que escolhem (1961, p. 510-519).
A partir deste fragmento, verificamos o emprego deste termo metajurídico já na Antiguidade, e envolto a questões de poder, da lei, da religião, entre outras.
Assim, é possível, senão necessário, que se debata a elaboração legislativa, o Direito e
o Direito Positivo, para, a partir daí, verificar se é sustentável o interesse público como seu
fundamento, e como deve-se estruturar a positivação do Direito.
Seção 2.9
Menos Leis, Melhores Leis
É possível que exista crise da lei ou crise legislativa? “Como falar em crise da lei, em
crise legislativa, quando são tantas as leis, quando a cada instante novas leis se promulgam
em toda parte?” (Ferreira Filho, 2002, p. 12).
O autor destaca que a multiplicação das leis é um fenômeno universal e inegável,
fruto da extensão do domínio em que o governante se intromete em razão das novas concepções sobre a missão do Estado. A lei é onipresente: não há campo da vida humana que
não seja guiado por regras jurídicas. Tal multiplicidade é, entretanto, antes de tudo, fruto de
sua transitoriedade.
Em vez de esperar a maturação da regra para promulgá-la, o legislador edita-a para, da prática,
extrair a lição sobre seus defeitos ou inconvenientes. Daí decorre que quanto mais numerosas são
as leis tanto maior número de outras exigem para completá-las, explicá-las, remendá-las,
consertá-las... Feitas às pressas para atender a contingências de momento, trazem essas leis o
estigma da leviandade (Ferreira Filho, 2002, p. 13).
Por outro lado, há muito se fala em crise do Direito. Podemos especular, entretanto,
sobre esta crise para afirmar que não é somente do Direito, mas uma crise da legislação.
Compreendendo que a legislação constitua apenas o aspecto formal do Direito, é necessário
frisar que a legislação é que tem dado o norte à aplicação do Direito. Neste sentido, verificase que o Estado-juiz faz uma interpretação da legislação para dizer o Direito. Se, no entanto, não tivermos uma boa técnica legislativa, evidentemente que o Direito dito nos Tribunais estará fundamentado em terreno inconsistente (Alarcão, 2006).
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6
Temos de compreender, portanto, que existe realmente uma crise na produção dos
textos legais e que tal produção termina por prejudicar a aplicação do próprio Direito.
Como estamos afirmando, a atividade normativa, tomada a expressão num sentido
amplo, peca, frequentemente, por ser excessiva e/ou defeituosa. Excessiva, em decorrência da inflação legislativa; defeituosa, por não corresponder à finalidade para a qual foi
editada.
O que é, então, “inflação legislativa”? É a proliferação constante de novas leis sem que
as anteriores tivessem sido aplicadas e por razões inexplicáveis. Como diz Alarcão (2006),
“sofreremos mais de excesso de leis que de falta delas”. E esse excesso não se revela apenas
quanto ao número de diplomas publicados, mas também quanto a seu objeto e seu conteúdo.
Além disso, é possível afirmar que muitas vezes a lei é elaborada sem uma metodologia
adequada e sem a conveniente ponderação e debate, de modo que a aprovação pode ser
inadequada e não representar uma correta, formal e materialmente aprovação da lei.7
É necessária a simplificação e melhoria da legislação: menos leis e melhores leis. Há
urgência de uma melhoria na qualidade das leis, além da diminuição do número de diplomas legais.
O autor citado lembra que o dimensionamento da elaboração legislativa comporta
duas vertentes: uma político-jurídica e uma técnico-jurídica. A primeira versa sobre a relação entre política e legislação; a segunda, sobre a teoria da legislação e a legística.
6
Disponível em: <http://www2.uol.com.br/angeli/chargeangeli/chargeangeli.htm?imagem=225&total=335>. Acesso em: 22 jan. 2011.
7
A respeito, cite-se a nova redação do artigo 39 da CF/88, dada pela EC 19/98, considerada formalmente inconstitucional.
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
A respeito da vertente político-jurídica é importante realçar o princípio democrático,
no qual avulta a questão da participação na condução dos anseios da coletividade, fundamentada na cidadania, especialmente no reconhecimento constitucional da democracia
participativa, necessários à concretização de um Estado realmente democrático.
Essa democracia a que nos referimos consiste na postura participativa concretizada
entre o Estado, seus agentes públicos e a sociedade, mediante a instituição de diretrizes
visando o entendimento da coletividade pelo estabelecimento de consenso que conduza a
vontade coletiva e a vontade estatal como única.
A democracia pressupõe metodologia e processo político fundamentados no diálogo, de forma que o princípio participativo e representativo determinado constitucionalmente implica consolidação de uma sociedade mais consensual e menos autoritária ou
impositiva.
Como destaca Ferreira Filho (2002, p. 14-15), os Parlamentos não dão conta das necessidades legislativas dos Estados contemporâneos, não geram em tempo as leis que os
governos e que os grupos de pressão reclamam. Além disso, o que se verifica é que a atividade legislativa sofre de delongas, reclamam manobras e retardamentos, e, também, “o modo
de escolha de seus membros torna-os pouco freqüentados pela ponderação e pela cultura,
mas extremamente sensíveis à demagogia e à advocacia em causa própria. Os interesses
não têm dificuldade em encontrar porta-vozes eloquentes, o bem comum nem sempre os
acha”. É o que se apresentava antes; é o que, de certa forma, se apresenta após a Constituição de 1988.
Quanto à vertente técnico-jurídica, temos a teoria da legislação e a chamada
“Iegística”. São áreas do saber que têm a lei como objeto direto ou imediato de estudo,
abrangendo a produção normativa, os orgãos, valores, critérios, procedimentos e técnicas
de elaboração legislativa, em harmonia com os princípios informadores ou conformadores
estabelecidos constitucionalmente.
Quando se fala em teoria da legislação ou legística, assume particular importância a
concepção e elaboração das leis, que deve obedecer a certas regras, algumas instituídas
juridicamente como normas procedimentais, outras dirigidas genericamente para a produção de leis que venham a produzir os próprios efeitos desejados e necessárias para que os
diplomas legais tenham a qualidade esperada pelo receptor da lei.
A denominada “Iegística” pode ser compreendida sob o viés material e sob o formal. A
legística material ou substantiva diz respeito ao seu teor normativo, por meio do desenvolvimento de ferramentas de uso prático que facilitem as diferentes etapas analíticas e a sequência
de passos na metodologia de elaboração legislativa.
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Aldemir Berwig
Pressupõe que o processo legislativo é um processo de tomadas de decisão e, neste
sentido, diz respeito à própria discricionariedade política neste momento. Além disso, está
diretamente relacionada, embora não vinculada, aos problemas a serem considerados e para
os quais é exigida uma ação legislativa que estabeleça a regulação necessária, bem como a
finalidade e os objetivos da norma jurídica.
Não é só isso, no entanto: a legística material também se preocupa com as
consequências e resultados da aplicação da norma antes mesmo de sua elaboração. É, em
outras palavras, uma metodologia que se preocupa, quando da aprovação da lei, de sua
monitoração, sua execução e com uma avaliação retrospectiva de seus efeitos.
Já a legística formal ou stricto sensu é relacionada à técnica legislativa, seus aspectos
legais, às diferentes espécies de atos normativos e sua estrutura formal, bem como sobre a
elaboração legislativa e sua introdução no ordenamento jurídico. “Isso significa que os especialistas em Legística, ou os legistas – as pessoas que preparam leis –, devem desenvolver
um conceito e um limite claros para a nova lei, antes de começarem a articular seus dispositivos” (Mader, 2010).
De uma forma bem simples, é possível dizer que “a legística material visa à concepção
do ato normativo – o planejamento, a necessidade, a utilidade, a efetividade e a harmonização
com o restante do ordenamento – e a legística formal debruça-se sobre sua redação” (Cristas, 2006, p. 79).
A partir das considerações de Alarcão (2006), considero importante salientar o seguinte:
a) é perfeitamente visível uma crise na produção de leis que se revela, sobretudo, à chamada
inflação administrativa, caracterizada pelo excesso de leis, muitas vezes defeituosas em
seu sentido formal e material, o que impõe a necessidade de simplificação e melhoria da
legislação;
b) no âmbito da vertente técnico-jurídica, deve-se dar especial atenção à teoria da legislação e à Iegística, tanto à legística material quanto à formal;
c) diante da inflação legislativa, há necessidade de normatizar a prática legislativa para
além das normas constitucionais de processo legislativo e da normatização formal da lei
para, além de reduzir, consolidar e melhorar a produção legislativa, estabelecer um limite
à atuação parlamentar, visando a dar maior qualidade legislativa e minorar a crise do
Direito e da Justiça.
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Seção 2.10
Legística
Discorrer sobre o processo legislativo implica reflexão acerca da elaboração e redação
das regras legais na sociedade e da sua finalidade, ultrapassando os meros aspectos formais
de elaboração da lei para analisar outros aspectos que decorrem diretamente de sua aplicação, como é o caso das relações que regulam e do resultado alcançado.
A partir do entendimento anterior de que tais regras não são exclusivas de nosso tempo, quando eram impostas e nunca questionadas, podemos afirmar que atualmente sua
elaboração, em tese, é resultado do desejo da sociedade, que tem concorrido a debates políticos e sociais, principalmente a partir da inclusão da democracia como requisito constitucional do Estado.
Com o nascimento do Estado de Direito, constrói-se a ideia de que o ordenamento
jurídico de um Estado deve atender ao interesse de todo o grupo social, principalmente a
partir do entendimento de que a vontade do todo é representada pela ideia de interesse
público.
Neste contexto, a norma jurídica emanada do Estado é suficiente para concretizar os
anseios de toda a sociedade, impedindo que os detentores do poder se aproveitem de sua
posição hierarquicamente superior na condução dos interesses do Estado.
A História é testemunha de que desde o surgimento do Estado de Direito até meados
do século 20, o tema da legislação aparecia como uma ordem emanada do Estado sem
despertar grande curiosidade dos estudiosos.
Neste período histórico havia uma preocupação jurídica voltada à interpretação e aplicação da lei, ausente de qualquer preocupação com sua elaboração. Podemos afirmar que
se criou o Estado de Direito como Estado que deve obediência à lei sem nunca haver qualquer preocupação com a elaboração e com a qualidade desta lei, um mero Estado legal.
Fazendo uma análise qualitativa dos textos legais, podemos acrescentar que não se verifica
na História uma aparente preocupação com a elaboração da lei, mas apenas com sua imposição.
Os estudos científicos a respeito da legislação e do próprio processo legislativo começam a ter outra conotação a partir da segunda metade do século 20 quando se verifica um
interesse científico que se volta a sua preparação, aplicação e aos próprios impactos na
sociedade.
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Aldemir Berwig
Mais precisamente, é a partir de Peter Noll que vai se falar em “legisprudência” e, mais
tarde, em “legística”, como a arte de bem fazer leis. Segundo Mader (2010), Peter Noll
ultrapassa os limites de uma abordagem focada exclusivamente na legística formal ou na
redação legislativa, enfatizando os conteúdos normativos e a metodologia de preparação
das decisões legislativas, o que se designa usualmente por legística material ou substantiva.
Há uma mudança de ênfase ao adotar tal compreensão, aparentemente influenciada
pela Sociologia do Direito, que ganhou força na década de 60 pelo realismo do Direito de
Roscoe Pound e também por conceitos de engenharia social, que começaram a despertar um
certo interesse nos Estados Unidos daquela época.
A Legística é uma matéria abrangente e multidisciplinar, que se preocupa com os mais
diversos aspectos do processo legislativo, levando em consideração perspectivas de cunho
teórico e também dimensões e ações práticas e pragmáticas. Seu principal propósito é explorar a dimensão prática, e não somente teórica, da atividade legislativa.
A legislação é também um instrumento para a ação governamental que deve ser avaliado quanto a sua conveniência, adequação e oportunidade. A Legística é a ciência que
estuda o conhecimento jurídico focado na qualidade da lei e na avaliação do seu impacto;
investiga os motivos que justificam o impulso para a escolha de uma ação governamental de
natureza legislativa, bem como na avaliação do seu impacto sobre a Administração Pública, cidadãos, empresas, numa perspectiva multidisciplinar capaz de identificar as variáveis
jurídicas, econômicas, políticas e sociais presentes no contexto de produção do Direito.
A partir das considerações de Mader (2010), é possível afirmar que a Legística nasce
no período de duas ou três primeiras décadas após o Iluminismo, tendo um enfoque ora
mais material ora mais formal, chegando à praticamente desconsideração da produção
legislativa até o seu ressurgimento na década de 60, com os contornos atuais e levando em
consideração o contexto anterior à tomada de decisão, e pressupõe estudos e avaliação
durante a elaboração legislativa para estabelecer qual o objetivo e poder avaliar os efeitos e
resultados que tal transformação legislativa pode acarretar para o cidadão e a sociedade, se
preocupando e revelando o impacto na realidade social.
2.10.1 – NECESSIDADE DE NORMATIZAR
Por que há necessidade de elaborar regras jurídicas? Em geral, aparece a necessidade
de regular determinadas situações sempre que houver possibilidade de surgirem litígios em
decorrência da falta de regulação, principalmente no que se refere às novas relações jurídicas possíveis na realidade.
52
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Se no passado o surgimento de novas realidades era menos possível, hoje, diante principalmente da complexidade das relações sociais e das novas criações humanas, todos os
dias aparecem novas relações que demandam algum tipo de solução. Ocorrendo isso, surge
a necessidade de regulação social e edição de regras jurídicas.
É necessário considerar, entretanto, que as relações humanas são muito dinâmicas
enquanto o aparato estatal é muito burocratizado. Entre estas duas questões que formam
um verdadeiro paradoxo está a elaboração legislativa. A sociedade reclama que o Estado é
arcaico, muito moroso em apresentar soluções para os problemas sociais que se colocam a
cada dia.
Por outro lado, o Estado peca pela demora ou pela ineficácia quando se fala em legislar. Talvez aí esteja a razão da constitucionalização da medida provisória como instrumento
de produção legislativa, uma vez que não depende de debates para por em vigor nova legislação, embora seja praticamente um ato legal unilateral e demonstre uma face nada democrática de exercício do poder.
Voltemos, então, a discutir a questão da elaboração legislativa. Toda e qualquer produção legislativa, antes de ser posta em vigor, deve passar por uma profunda análise da
realidade social, dos problemas existentes que devem ser atacados e dos objetivos a serem
alcançados pela edição normativa, bem como deve-se verificar se a lei resultante dos debates é apta a concretizar as finalidades para as quais está sendo editada.
Nos parece sensato analisar o contexto em que se está produzindo nova legislação e
se ela atende, em primeiro lugar, ao princípio democrático do Estado, ou seja, ao interesse
da coletividade. Neste sentido, temos o princípio da participação como condutor da
representatividade. Assim, o que deve ser satisfeita é a vontade da coletividade, não a vontade do legislador.
Em regra, deveria ser possível dizer que a vontade do legislador deve ser a própria
vontade da coletividade que representa, mas isso é verdadeira utopia. É necessário compreender, portanto, que somente deverá ser elaborada nova legislação quando realmente necessária e que, para isso, é preciso uma séria avaliação legislativa.
Claro que a sociedade não pode ficar refém de um Legislativo ineficaz e pouco produtivo, que não atualiza as normas jurídicas ao momento atual. Tal atualização, porém,
deve ser séria e muito bem-avaliada para que se tenha clareza de seus objetivos e, principalmente, para que se concretizem as finalidades legais de acordo com a vontade da sociedade.
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Aldemir Berwig
2.10.2 – COMPREENDENDO A LEGÍSTICA
Legística é o “ ramo do saber que visa estudar os modos de concepção e de redação dos
atos normativos. Coloquialmente, a legística é a arte de bem fazer leis, no sentido em que
ela consubstancia um conjunto de normas – normas de legística – cujo objetivo é contribuir
para a boa feitura das leis” (Cristas, 2006, p. 79); “não é uma disciplina científica em sentido estrito, não é uma ciência” (Mader, 2010), razão pela qual é inadequado chamá-la “ciência da legislação”.
É pertinente, todavia, afirmar que a legislação é objeto de análise de diversas áreas do
conhecimento orientadas de modo diverso. Embora se fundamente no conhecimento científico, é em grande parte baseada na experiência prática e artesanal. A legística é uma técnica que pode ser ensinada e aprendida. A legística, como técnica de benfazer leis, vai ser
desenvolvida por profissionais da legística – os legistas – que não são legisladores, mas
técnicos que auxiliam os legisladores, os agentes políticos, a darem os contornos técnicos
às decisões políticas.
Deve-se deixar claro, como diz Mader (2010), que os legistas não podem e não devem
assumir o papel do legislador; são apenas os profissionais que garantem ao legislador as
informações úteis ou necessárias para que tome decisões qualificadas, baseadas em evidências sociais, e que possibilitem a melhoria da qualidade da legislação. O legista pode unicamente proporcionar aos legisladores que ele tenha condições de elaborar uma legislação de
melhor qualidade e que possa assumir melhor suas responsabilidades políticas.
As regras de legística têm por objetivo garantir que uma lei será bem-feita, e que, após
elaborada, reunirá as condições necessárias para se revelar uma boa lei. Sucintamente,
uma boa lei é aquela que cumpre os objetivos que determinaram a sua elaboração, integrando-se harmoniosamente no ordenamento jurídico.
É necessário fazer três considerações a respeito das regras de legística:
a) essas regras podem ser consideradas quase que universais, pois são dependentes de qualquer ordenamento jurídico em concreto, constituindo-se um repositório de orientações
válidas sem limitações de espaço de tempo. “Correspondem, muitas vezes, a quase simples
asserções de bom senso” (Cristas, 2006, p. 79) e, neste sentido, não vinculam os responsáveis pela elaboração de atos normativos. “Correspondem a boas práticas, a ser seguidas,
mas não obrigam”;
b) as regras de legística são normas de aplicação meramente tendencial, sempre sujeitas à
consciência última do redator normativo, a quem compete apurar a consistência da norma na solução do problema específico com o qual se depare;
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
c) a estrutura estatal pode ocasionar limitações de ordem diversa – temporal, política,
orçamentária – que impedem a elaboração da lei de acordo com as regras conhecidas e
apreendidas de legística material. Essas limitações podem decorrer de fatores internos (a
exiguidade do orçamento não permite fazer um aconselhável trabalho de campo de coleta
de dados estatísticos mais minuciosos), ou externos (a decisão política já superiormente
assumida torna inútil estudo mais aprofundado visando a outras soluções), impedindo quem
faz a lei de observar as melhores práticas.
2.10.3 – PRINCIPÍOS DA LEGÍSTICA
8
Numa abordagem que não se distancia dos princípios do processo legislativo que fizemos no início deste componente e, portanto, a eles vinculados, vamos citar os princípios elencados por Assunção Cristas (2006, p. 80-81), quando ela apresenta sete princípios da legística. São eles: necessidade, proporcionalidade, participação e transparência, responsabilidade, inteligibilidade e simplicidade. Esses princípios, todavia, devem ser observados na elaboração
do ato normativo.
O princípio da necessidade determina que um ato normativo só deve ser adotado se for
absolutamente essencial para a aplicação de uma nova política. Isso significa que, se possível, outras soluções, não normativas, serão preferíveis.
Segundo o princípio da proporcionalidade, qualquer ato normativo deve basear-se num
equilíbrio entre as vantagens que oferece e os condicionamentos que impõe. Neste campo, e
em certas matérias, a análise econômica do Direito, mediante a metodologia da análise
custo/benefício, pode dar um contributo inestimável.
O princípio da transparência determina que todo o processo conducente à adoção de
certa legislação deve poder ser de conhecimento público. Atualmente entende-se que o processo de elaboração da lei não pode ser desenvolvido em gabinete e simplesmente “outorgado” à população; deve possibilitar que a sociedade conheça as normas que estão sendo
debatidas.
A participação e a consulta a todas as partes interessadas ou envolvidas antes da fase
de redação constituem a primeira exigência do princípio da transparência. Essa participação deve, ela própria, satisfazer os critérios da transparência: organizada de forma a facilitar
um acesso alargado e equitativo às consultas, cujos elementos devem ser tornados públicos.
8
Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011.
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Aldemir Berwig
O princípio da responsabilidade diz respeito à preocupação que deve existir com a
aplicabilidade dos atos normativos. As partes envolvidas devem estar aptas a identificar as
autoridades de que emanam as políticas e os atos normativos a que elas se aplicam, de
maneira a poderem informar as dificuldades de adoção das políticas ou dos atos normativos,
visando a sua alteração.
O princípio da inteligibilidade determina que a legislação deve ser coerente, compreensível e acessível àqueles a quem se destina. Esse princípio pode exigir um esforço particular de comunicação por parte dos poderes públicos envolvidos, por exemplo, em relação a
pessoas que, devido a sua situação, encontrem dificuldades em fazer valer os seus direitos.
O princípio da simplicidade determina que os atos normativos devem ser tão pormenorizados quanto necessário, e tão simples quanto possível. Simplificar a utilização e a compreensão de qualquer ato normativo é um requisito indispensável para que os cidadãos
façam uso eficaz dos direitos que lhes são conferidos.
Seção 2.11
Questões a Serem Analisadas na Elaboração de Atos Normativos
Na elaboração dos atos normativos no âmbito do Poder Executivo Federal estão previstas algumas questões a serem analisadas obrigatoriamente. Tais regras estão estabelecidas
no Anexo I do Decreto no 4.176, de 28 de março de 2002, que regulamenta a Lei Complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998. Consideramos pertinente elencar aqui tais apontamentos que realmente dão a noção, senão diretrizes, para a elaboração normativa.
1. Deve ser tomada alguma providência?
1.1. Qual o objetivo pretendido?
1.2. Quais as razões que determinaram a iniciativa?
1.3. Neste momento, como se apresenta a situação no plano fático e no plano jurídico?
1.4. Que falhas ou distorções foram identificadas?
1.5. Que repercussões têm o problema que se apresenta no âmbito da economia, da ciência,
da técnica e da jurisprudência?
1.6. Qual é o conjunto de destinatários alcançados pelo problema, e qual o número de casos
a resolver?
56
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1.7. O que poderá acontecer se nada for feito? (Exemplo: o problema tornar-se-á mais grave?
Permanecerá estável? Poderá ser superado pela própria dinâmica social, sem a intervenção do Estado? Com que consequências?)
2. Quais as alternativas disponíveis?
2.1. Qual foi o resultado da análise do problema? Onde se situam as causas do problema?
Sobre quais causas pode incidir a ação que se pretende executar?
2.2. Quais os instrumentos da ação que parecem adequados para alcançar os objetivos
pretendidos, no todo ou em parte? (Exemplo: medidas destinadas à aplicação e execução de dispositivos já existentes; trabalhos junto a opinião pública; amplo entendimento; acordos; investimentos; programas de incentivo; auxílio para que os próprios destinatários alcançados pelo problema envidem esforços que contribuam para sua resolução; instauração de processo judicial objetivando a resolução do problema.)
2.3. Quais os instrumentos de ação que parecem adequados, considerando-se os seguintes
aspectos?
• desgaste e encargos para os cidadãos e a economia;
• eficácia (precisão, grau de probabilidade de consecução do objetivo pretendido);
• custos e despesas para o orçamento público;
• efeitos sobre o ordenamento jurídico e sobre metas já estabelecidas;
• efeitos colaterais e outras consequências;
• entendimento e aceitação por parte dos interessados e dos responsáveis pela execução;
• possibilidade de impugnação no Judiciário.
3. Deve a União tomar alguma providência? Dispõe ela de competência constitucional ou
legal para fazê-lo?
3.1. Trata-se de competência privativa?
3.2. Tem-se caso de competência concorrente?
3.3. Na hipótese de competência concorrente, está a proposta formulada de modo que assegure a competência substancial do Estado membro?
3.4. A proposta não apresenta formulação extremamente detalhada que acaba por exaurir a
competência estadual?
3.5. A matéria é de fato de iniciativa do Poder Executivo? Ou estaria ela afeta à iniciativa
exclusiva do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores ou do ProcuradorGeral da República?
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Aldemir Berwig
4. Deve ser proposta edição de lei?
4.1. A matéria a ser regulada está submetida ao princípio da reserva legal?
4.2. Por que deve a matéria ser regulada pelo Congresso Nacional?
4.3. Se não for o caso de se propor edição de lei, deve a matéria ser disciplinada por decreto?
Por que não seria suficiente portaria?
4.4. Existe fundamento legal suficiente para a edição de ato normativo secundário? Qual?
4.5. Destina-se a regra a atingir objetivo previsto na Constituição?
4.6. A disciplina proposta é adequada para consecução dos fins pretendidos?
4.7. A regra proposta é necessária ou seria suficiente fórmula menos gravosa?
4.8. A disciplina proposta não produz resultados intoleráveis ou insuportáveis para o destinatário?
5. Deve a lei ter prazo de vigência limitado?
5.1. É a lei necessária apenas por período limitado?
5.2. Não seria o caso de se editar lei temporária?
6. Deve ser editada medida provisória?
6.1. Em se tratando de proposta de medida provisória, há justificativas plausíveis para a sua
edição?
6.2. O que acontecerá se nada for feito? A proposta não poderia ser submetida ao Congresso
em regime de urgência?
6.3. Trata-se de matéria que pode ser objeto de medida provisória, tendo em vista as vedações
do § 1º do artigo 62 da Constituição?
6.4. A medida provisória estaria regulamentando artigo da Constituição cuja redação tenha
sido alterada por meio de emenda constitucional promulgada a partir de 1o de janeiro
de 1995 e até 11 de setembro de 2001 (artigo 246 da Constituição)?
6.5. Estão caracterizadas a relevância e a urgência necessárias para ser editada medida
provisória?
7. Deve ser tomada alguma providência neste momento?
7.1. Quais as situações-problema e os outros contextos correlatos que devem ainda ser considerados e pesquisados? Por que, então, deve ser tomada alguma providência neste
momento?
58
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
7.2. Por que não podem ser aguardadas outras alterações necessárias que se possam prever,
para que sejam contempladas em um mesmo ato normativo?
8. A densidade que se pretende conferir ao ato normativo é a apropriada?
8.1. O projeto de ato normativo está isento de disposições programáticas?
8.2. É possível e conveniente que a densidade da norma (diferenciação e detalhamento) seja
flexibilizada por fórmulas genéricas (tipificação e utilização de conceitos jurídicos
indeterminados ou atribuição de competência discricionária)?
8.3. Podem os detalhes ou eventuais alterações serem confiados ao poder regulamentador
do Estado ou da União?
8.4. A matéria já não teria sido regulada em outras disposições de hierarquia superior (regras redundantes que poderiam ser evitadas)? Por exemplo, em:
• tratado aprovado pelo Congresso Nacional;
• lei federal (em relação a regulamento);
• regulamento (em relação à portaria).
8.5. Quais as regras já existentes que serão afetadas pela disposição pretendida? São regras
dispensáveis?
9. As regras propostas afetam direitos fundamentais? As regras propostas afetam garantias
constitucionais?
9.1. Os direitos de liberdade podem ser afetados?
• Os direitos fundamentais especiais podem ser afetados?
• Qual é o âmbito de proteção do direito fundamental afetado?
• O âmbito de proteção sofre restrição?
• A proposta preserva o núcleo essencial dos direitos fundamentais afetados?
• Cuida-se de direito individual submetido a simples reserva legal?
• Cuida-se de direito individual submetido a reserva legal qualificada?
• Qual seria o outro fundamento constitucional para a aprovação da lei (exemplo:
regulação de colisão de direitos)?
• A proposta não abusa de formulações genéricas (conceitos jurídicos indeterminados)?
• A fórmula proposta não se afigura extremamente casuística?
• Observou-se o princípio da proporcionalidade ou do devido processo legal substantivo?
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• Pode o cidadão prever e aferir as limitações ou encargos que lhe poderão advir?
• As normas previstas preservam o direito ao contraditório e à ampla defesa no processo
judicial e administrativo?
9.2. Os direitos de igualdade foram afetados?
• Observaram-se os direitos de igualdade especiais (proibição absoluta de diferenciação)?
• O princípio geral de igualdade foi observado?
• Quais são os pares de comparação?
• Os iguais foram tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual?
• Existem razões que justifiquem as diferenças decorrentes ou da natureza das coisas
ou de outros fundamentos de índole objetiva?
• As diferenças existentes justificam o tratamento diferenciado? Os pontos em comum
legitimam o tratamento igualitário?
9.3. A proposta pode afetar situações consolidadas? Há ameaça de ruptura ao princípio de
segurança jurídica?
• Observou-se o princípio que determina a preservação de direito adquirido?
• A proposta pode afetar o ato jurídico perfeito?
• A proposta contém possível afronta à coisa julgada?
• Trata-se de situação jurídica suscetível de mudança (institutos jurídicos, situações
estatutárias, garantias institucionais)?
• Não seria recomendável a adoção de cláusula de transição entre o regime vigente e o
regime proposto?
9.4. Trata-se de norma de caráter penal?
• A pena proposta é compatível com outras figuras penais existentes no ordenamento
jurídico?
• Tem-se agravamento ou melhoria da situação do destinatário da norma?
• Trata-se de pena mais grave?
• Trata-se de norma que propicia a despenalização da conduta?
• Eleva-se o prazo de prescrição do crime?
• A proposta ressalva expressamente a aplicação da lei nova somente aos fatos
supervenientes a partir de sua entrada em vigor?
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9.5. Pretende-se instituir ou aumentar tributo? Qual é o fundamento constitucional?
• A lei não afeta fatos geradores ocorridos antes de sua vigência (lei retroativa)?
• A cobrança de tributos vai-se realizar no mesmo exercício financeiro da publicação
da lei?
• O princípio da imunidade recíproca está sendo observado?
• As demais imunidades tributárias foram observadas?
• O projeto que institui contribuição social contém disposição que assegura o princípio
da anterioridade especial (cobrança apenas após 90 dias a contar da publicação)?
• O tributo que se pretende instituir não tem caráter confiscatório?
• Em se tratando de taxa, cuida-se de exação a ser cobrada em razão do exercício de
poder de polícia ou da prestação de serviço público específico e divisível, prestados ou
postos à disposição do contribuinte? Há equivalência razoável entre o custo da atividade estatal e a prestação cobrada?
10. O ato normativo corresponde às expectativas dos cidadãos e é inteligível para todos?
10.1. O ato normativo proposto será entendido e aceito pelos cidadãos?
10.2. As limitações à liberdade individual e demais restrições impostas são indispensáveis?
Por exemplo:
• proibições, necessidades de autorizações;
• comparecimento obrigatório perante autoridade;
• indispensabilidade de requerimento;
• dever de prestar informações;
• imposição de multas e penas;
• outras sanções.
10.3. Podem as medidas restritivas ser substituídas por outras?
10.4. Em que medida os requisitos necessários à formulação de pedidos perante autoridades
poderiam ser reduzidos a um mínimo aceitável?
10.5. Podem os destinatários da norma entender o vocabulário empregado, a organização e
a extensão das frases e das disposições, a sistemática, a lógica e a abstração?
11. O ato normativo é exequível?
11.1. Por que não se renuncia a um novo sistema de controle por parte da administração?
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11.2. As disposições podem ser aplicadas diretamente?
11.3. Podem as disposições administrativas, que estabelecem normas de conduta ou proíbem determinadas práticas, ser aplicadas com os meios existentes?
11.4. É necessário incluir disposições sobre proteção jurídica? Por que as disposições gerais
não são suficientes?
11.5. Por que não podem ser dispensadas:
• as regras sobre competência e organização?
• a criação de novos órgãos e comissões consultivas?
• a intervenção da autoridade?
• exigências relativas à elaboração de relatórios?
• outras exigências burocráticas?
11.6. Quais órgãos ou instituições devem assumir a responsabilidade pela execução das
medidas?
11.7. Com que conflitos de interesse pode-se prever que o executor das medidas ver-se-á
confrontado?
11.8. Dispõe o executor das medidas da necessária discricionariedade?
11.9. Qual é a opinião das autoridades incumbidas de executar as medidas quanto à clareza dos objetivos pretendidos e à possibilidade de sua execução?
11.10. A regra pretendida foi submetida a testes sobre a possibilidade de sua execução com
a participação das autoridades encarregadas de aplicá-la? Por que não? A que conclusão se chegou?
12. Existe uma relação equilibrada entre custos e benefícios?
12.1. Qual o ônus a ser imposto aos destinatários da norma? (Calcular ou, ao menos, avaliar
a dimensão desses custos).
12.2. Podem os destinatários da norma, em particular as pequenas e médias empresas, suportar esses custos adicionais?
12.3. As medidas pretendidas impõem despesas adicionais ao orçamento da União, dos Estados e dos municípios? Quais as possibilidades existentes para enfrentarem esses custos
adicionais?
12.4. Procedeu-se à análise da relação custo-benefício? A que conclusão se chegou?
12.5. De que forma serão avaliados a eficácia, o desgaste e os eventuais efeitos colaterais do
novo ato normativo após sua entrada em vigor?
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
SÍNTESE DA UNIDADE 2
Nesta Unidade procuramos refletir sobre a atividade legislativa e a
necessidade de uma conduta balizada por valores constitucionais
pelo agente público competente para a elaboração das leis, passando pelos princípios de elaboração legislativa e da legística. Para
isso, abordamos os valores fundamentais estabelecidos na Constituição da República e da necessidade de produzir melhores leis.
Destacamos que a lei somente deve ser produzida quando tiver
uma causa que a justifique e tenha, portanto, objetivos claros, bem
como a necessidade de controle permanente de seus resultados.
Abordamos a finalidade das normas jurídicas como mecanismo de
concretização do sistema constitucional e seus princípios.
Além disso, ressaltamos a necessidade de observância da competência no processo de elaboração da lei como requisito essencial
para garantir a sua validade e eficácia.
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Unidade 3
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
ESPÉCIES DE ATOS NORMATIVOS
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar as diferentes espécies normativas existentes no ordenamento jurídico brasileiro.
• Debater as distinções entre os diversos atos normativos.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 3.1 – Emendas constitucionais
Seção 3.2 – Lei ordinária
Seção 3.3 – Lei complementar
Seção 3.4 – Distinções entre lei complementar e lei ordinária
Seção 3.5 – Lei delegada
Seção 3.6 – Medida provisória
Seção 3.7 – Decreto legislativo
Seção 3.8 – Resolução
Seção 3.9 – Atos normativos de competência do chefe do Executivo
Seção 3.10 – Sistema legislativo estadual e municipal
Neste tópico vamos abordar os atos que compõem o processo legislativo. Estamos falando em atos normativos em razão de que a Constituição da República nominou alguns
destes atos existentes de forma um pouco imprecisa, como afirma Ferreira Filho (2002), de
modo que é necessário inicialmente, verificar quais são os atos que nela estão compreendidos.
A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece no artigo 59, as
espécies de atos que compõem o processo legislativo: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções.
65
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As espécies normativas elencadas no artigo 59 da Constituição da República são, em
tese, as espécies normativas primárias, que retiram seu fundamento de validade diretamente
de suas normas. Embora, entretanto, esse seja o entendimento majoritário, podemos
relativizá-lo para dizer que, em decorrência da Emenda Constitucional nº 32/2001, se estabeleceu norma
constitucional que o contraria, ao determinar que o
chefe do Executivo Federal pode editar decretos diretamente da Constituição sobre algumas matérias expressamente definidas.
O parágrafo único do citado artigo prevê que lei
complementar disporá sobre a elaboração, redação,
alteração e consolidação das leis. Tal parágrafo está
regulamentado pela Lei Complementar nº 95/1998.
Este parágrafo refere-se à regulamentação apenas das
leis, não se aplicando aos demais atos nominados,
embora possa servir de subsídio formal.
Já o artigo 1º da LC nº 95/1998 prevê que a técnica legislativa prevista na LC aplica-se
a todos os atos elencados no artigo 59 da Constituição Federal e aos atos normativos do
Poder Executivo. Fica, entretanto, o questionamento acerca do alcance desta lei aos atos
internos dos outros órgãos que compõem o Estado. Na doutrina, verificamos que muitos
autores entendem que será de observância obrigatória a todos os entes político-administrativos, embora esse parece não ser
Constituição da República - 1988
o melhor entendimento diante da
autonomia dos entes político-administrativos estabelecida no artigo 18 da Constituição.
Dessa previsão constitucional que apresentamos, podemos constatar que, ao falarmos
de processo legislativo, a sua característica especial é a de que um participante obrigatório
da elaboração destes atos é o legislador1 a quem a Constituição firmou competência, embora a iniciativa possa ser da competência de outros órgãos públicos2 e que, ao estabelecer
tais espécies, está se referindo unicamente aos atos normativos primários.
1
Aqui nos referimos a legislador em razão de que, como muito bem coloca Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002, p. 200), nem todos
os atos normativos pressupõem a atuação do Poder Legislativo para que suas normas entrem em vigor, como é o caso das medidas
provisórias. Quando o presidente da República edita uma medida provisória, entretanto, ele foi alçado pela Constituição da República
à condição de legislador, e, por isso, a produção de tal ato normativo pode ser considerada processo legislativo.
2
Aqui nos referimos a órgãos públicos considerando-os nos termos apontados por Gasparini (2010, p. 100) e Mello (2001, p. 106-107).
66
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Em síntese elogiável, Ferreira Filho (2002, p. 203) afirma que o artigo 59 da Constituição da República engloba “todos os momentos de produção normativa no plano federal até
o nível primário, inclusive. Apresenta uma assim visão integrada dos atos derivados de primeiro grau”.
Fazendo uma análise mais ampla dos atos normativos, podemos classificá-los, a partir
da norma fundamental, em primários e secundários. Como muito bem expõe Ferreira Filho
(2002, p. 202), a melhor sistematização dos atos normativos parece ser aquela que se estabelece a partir dos vários degraus hierárquicos positivados, pois, a partir desta concepção,
pode-se verificar a intensidade de poder existente em cada uma de suas modalidades.
3
O ato normativo fundamental é a Constituição da
República, da qual deriva toda a ordem jurídica. Diretamente dela, decorrem atos que, mesmo de nível inferior
quanto à origem, 4 têm igual eficácia em consequência
da própria determinação constitucional.
Atos normativos primários, portanto, são aqueles
que decorrem diretamente da Constituição da República e a regulamentam. São os atos
que, em sua eficácia, aparecem como o primeiro nível de atos derivados da Constituição da
República, e são fundamentados unicamente nela, inovando na ordem jurídica. Os atos
primários podem ser gerais ou individuais.
Os atos gerais são aqueles que estabelecem normas gerais, isto é, que alcançam a
todos. Como afirma Ferreira Filho (2002, p. 203), a estes é que se deveria, com maior propriedade, denominar atos legislativos. Já os atos primários individuais5 são aqueles que, decorrendo da própria Constituição, estabelecem regras de caráter individual, desde que regulem
determinado fato ou situação. É o caso dos decretos legislativos e resoluções estabelecidos
constitucionalmente.
Já os atos secundários são aqueles que estão num segundo nível, ou seja, atos que
dependem da elaboração prévia de lei infraconstitucional, sendo vedada a sua edição para
regulamentar diretamente a Constituição da República. Estes atos derivam diretamente dos
3
Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2011.
4
Quando Ferreira Filho (2002, p. 202) menciona ato normativo de nível inferior quanto à origem, está se referindo à emenda à
Constituição. Para o autor, o nível inferior quanto à origem decorre de que a elaboração constitucional é competência que apenas o
constituinte originário é detentor; quando se trata de emenda à Constituição, esta somente será possível porque o constituinte
originário fez expressa previsão constitucional de competência ao constituinte derivado. No mesmo sentido, pode-se referir às
Constituições dos Estados. Neste caso, podem ser consideradas como atos normativos de nível inferior em razão de que elas complementam
a Constituição Federal, em virtude de que o ato fundamental (a Constituição Federal) se absteve de regulamentar por deixar a matéria
para outro agente constituinte. Todos esses atos, entretanto, são primários.
5
Ferreira Filho (2002, p. 203) denomina os atos individuais como “atos particulares”. Mendes e Forster Júnior (2002, p. 102)
denominam de “atos singulares”.
67
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Aldemir Berwig
atos primários de modo que sua validade está condicionada a sua observância. Os atos
secundários, da mesma forma que os primários, podem ser diferenciados em atos gerais e
individuais.
Como estamos falando em Constituição da República, é importante fazer uma ressalva: normalmente vamos nos direcionar à Constituição da República ao falarmos em lei
infraconstitucional. O entendimento que aqui estamos expondo, porém, é equivalente para
o tratamento com a Constituição do Estado e a Lei Orgânica Municipal, bem como às leis
estaduais e municipais. Quando for inaplicável o entendimento, será expressamente considerado a respeito.
Vamos tratar aqui das espécies normativas possíveis de serem editadas tanto em razão
das normas constitucionais a respeito do processo legislativo, quanto aos atos normativos
infralegais interna corporis. Não vamos, portanto, nos limitar a abordar as espécies
normativas previstas no artigo 59 da Constituição da República, para tentar abordar de
forma ampla a dimensão normativa estatal no âmbito dos Poderes do Estado.
Seção 3.1
Emendas Constitucionais
Para se ter uma ideia inicial do que sejam emendas constitucionais, deve-se partir do
pressuposto de que as leis não são imutáveis, e que a própria Constituição, em qualquer
âmbito político-administrativo, poderá sofrer mutação. Assim, o legislador constituinte originário de 1988 estabeleceu a possibilidade de alteração do texto constitucional por meio
de um processo legislativo específico, com regras mais rígidas, um procedimento especial e
mais dificultoso que o ordinário.
Tal previsão, inclusive, vai fazer com que nossa Constituição da República seja considerada rígida, em decorrência da ideia de supremacia da ordem constitucional. Significa que
seguiu a tradição do nosso Direito Constitucional, pois todas as Constituições republicanas
brasileiras têm sido rígidas; a única exceção é a dupla natureza da Constituição de 1937, que
em seu texto estabeleceu flexibilidade quando o projeto de reforma fosse de iniciativa do presidente da República e rigidez quando a iniciativa fosse da Câmara dos Deputados.6
6
Artigo 174. A Constituição pode ser emendada, modificada ou reformada por iniciativa do presidente da República ou da Câmara dos
Deputados.
§ 1º O projeto de iniciativa do presidente da República será votado em bloco por maioria ordinária de votos da Câmara dos Deputados
e do Conselho Federal, sem modificações ou com as propostas pelo presidente da República, ou que tiverem a sua aquiescência, se
sugeridas por qualquer das Câmaras.
68
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
A ideia de alterabilidade da Constituição deve ser entendida como algo possível e até
desejável em determinado momento político, uma vez que a vida é dinâmica e mutável a
cada momento. Seria, portanto, inadmissível que se entendesse que a Constituição fosse
imutável, isto é, engessada a tal ponto que não se pudesse avançar. Claro que devemos ter
cuidado para que a lei constitucional não retroaja. Isso, embora não desejável, é algo impossível de prever em razão de que o exercício do poder no Estado é alterável em virtude de
que os grupos que detém o poder podem se alternar.
7
O estabelecimento de determinadas formalidades de
produção e alteração do texto constitucional, entretanto,
é importante para a fixação de sua eficácia e cria algumas
garantias que, embora não sejam absolutas de não retrocesso, permitem que, havendo modificação, essa deve ser
decidida mediante um processo especial, para que não fique comprometida a produção concreta de seus efeitos jurídicos.
Embora possa provocar a alteração de muitos dispositivos constitucionais, todavia, a rigidez constitucional
pressupõe a conservação de seu valor integrativo, no sentido de que não poderá alterar o sistema originário da Constituição. Qualquer revisão constitucional, portanto, se limitará à alteração de dispositivos, nunca para mudar seu
“espírito”. Em outras palavras, o constituinte originário apenas delegou poderes ao constituinte derivado para proceder a alterações pontuais no texto constitucional, estabelecendo
vedações à alteração, como se faz com a previsão de “cláusulas pétreas”.
Dessa forma, quando se fala em “Emenda à Constituição” não será possível o entendimento de que no uso de tais poderes poderá o constituinte derivado mudar o “sistema constitucional”. Para tal se exige uma renovação do “Poder Constituinte” mediante aprovação
de uma nova “Assembleia Constituinte”.
§ 2º O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição de iniciativa da Câmara dos Deputados, exige, para ser aprovado,
o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara.
§ 3º O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, quando de iniciativa da Câmara dos Deputados, uma vez aprovado
mediante o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara, será enviado ao Presidente da República. Este, dentro do prazo de 30
dias, poderá devolver à Câmara dos Deputados o projeto, pedindo que o mesmo seja submetido a nova tramitação por ambas as
Câmaras. A nova tramitação só poderá efetuar-se no curso da legislatura seguinte.
§ 4º No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente,
apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o presidente da República poderá, dentro em 30 dias,
resolver que um ou outro projeto seja submetido ao plebiscito nacional. O plebiscito realizar-se-á 90 dias depois de publicada a resolução
presidencial. O projeto só se transformará em lei constitucional se lhe for favorável o plebiscito.
7
Disponível em: <http://www.codigoflorestal.com/2010/06/charge-da-semana.html>. Acesso em: 22 jan. 2011.
69
EaD
Aldemir Berwig
Afinal, a emenda constitucional é um ato infra ou supraconstitucional? Para responder a este questionamento deve-se relembrar a teoria de Hans Kelsen, segundo a qual
a Constituição está no ápice da pirâmide normativa. A Constituição, portanto, é a lei
máxima da qual decorrem todos os outros atos normativos, inclusive as emendas à Constituição.
Dito isso, podemos afirmar, sem medo de incorrer em erro, que a Emenda Constitucional é um ato infraconstitucional que ingressa no ordenamento jurídico com sua aprovação
e consequente alteração constitucional, quando passa a ser considerada com a mesma hierarquia constitucional das normas originárias.
Tal entendimento, todavia, deve ser analisado com muito cuidado, uma vez que a
norma constitucional decorrente de emenda constitucional, caso contrarie o sistema constitucional, em tese, poderá ser declarada inconstitucional. Em decorrência disso, cabe o
entendimento de que mesmo as normas decorrentes de emendas constitucionais podem ser
consideradas inconstitucionais quando desrespeitarem os limites impostos pelo constituinte originário, que estão estabelecidos no artigo 60 da Constituição da República. Significa
dizer que o Poder Constituinte derivado será exercido nos limites determinados constitucionalmente.
Se, no entanto, estamos falando em inconstitucionalidade de emenda constitucional
e limitação ao exercício do poder constituinte derivado, quais são os limites?
Os limites ao poder de reforma ou alteração da Constituição da República são de duas
espécies: as limitações expressas (estabelecidas expressamente no texto constitucional) e as
implícitas. As limitações expressas são de três ordens: circunstanciais (artigo 60, § 1º da
CR), materiais (“cláusulas pétreas” – artigo 60, § 4º, da CR) e formais (referentes ao processo legislativo – artigo 60, I, II e III, §§ 2º, 3º e 5º, da CR); as limitações implícitas derivam
dos limites expressos e se dividem em: normas que impedem a alteração do titular do poder
constituinte derivado reformador, e disposições relativas à eventual supressão das limitações expressas.
Vamos discorrer inicialmente sobre as limitações expressas.
As limitações materiais estão previstas no artigo 60, § 4º da CR, são conhecidas por
“cláusulas pétreas” e estabelecem que não serão objeto de deliberação à proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Tais matérias formam o
núcleo intangível da Constituição da República. Cabe salientar, todavia, que as garantias
materiais determinadas no núcleo intangível, quando se tratam de direitos e garantias indi70
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
viduais, não se limitam ao rol estabelecido no artigo 5º da CR, posto que resguardam, no
entendimento do STF, um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispostos no sistema constitucional.8
As cláusulas de garantia asseguram a integridade constitucional impedindo que eventuais reformas provoquem profunda alteração no sistema constitucional, pois a Constituição estabelece o marco sistêmico para a continuidade da ordem jurídica fundamental, impedindo a supressão do Estado Democrático de Direito e seus desdobramentos, o que se dá
pela observância das cláusulas pétreas.
As limitações circunstanciais são vedações de alteração constitucional em certas
ocasiões anormais e excepcionais do país, que visam a impedir a perturbação da liberdade e
da independência do exercício do poder constituinte derivado reformador. Essas limitações
estão estabelecidas no § 1º do artigo 60 da Constituição da República e determinam que “A
Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de
defesa ou de estado de sítio”.
As limitações procedimentais ou formais referem-se a disposições especiais estabelecidas
pelo constituinte originário em relação ao processo legislativo ordinário. Significa dizer que
organizou regras mais rígidas para a promoção de alterações normativas na Constituição da
República. Assim, o processo de elaboração de emendas à Constituição é um processo que
exige uma maior concordância do legislador para que ocorra a alteração, o que acontece em
três momentos: a fase introdutória, a fase constitutiva e a fase complementar.
A fase introdutória é o momento da iniciativa do projeto de emenda constitucional. A
legitimidade para apresentação de proposta de emenda constitucional é estabelecida nos
incisos I, II e III do artigo 60 da Constituição da República, mediante proposição: de um
terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do presidente da República; de mais da metade das Assembleias Legislativas das Unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Essa regra
constitucional, por si, representa uma maior limitação à alteração constitucional, pelo restrito número de legitimados a proporem-na. Afora isso, como já afirmamos, há uma grande
limitação quanto à forma.
8
Ao analisar o núcleo material imodificável da Constituição da República e a garantia constitucional assegurada ao cidadão no artigo 150,
III, b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), o Supremo Tribunal Federal (ADIn nº 939-7/DF) manifestou que
sua subtração pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993, é impossível, pois se trata de um obstáculo intransponível, contido no artigo
60, § 4º, IV, da Constituição, porque, “admitir que a União, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional,
pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o
constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à constituição tendente a abolir os direitos e
garantias individuais constitucionalmente assegurados”. Na referida ADIn, o ministro Carlos Velloso referiu-se aos direitos e garantias
sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos como pertencentes à categoria de direitos e garantias individuais, logo,
imodificáveis, enquanto o ministro Marco Aurélio afirmou a relação de continência dos direitos sociais dentre os direitos individuais
previstos no artigo 60, § 4º.
71
EaD
Aldemir Berwig
A fase constitutiva da emenda constitucional chama a atenção pela ausência de participação do chefe do Poder Executivo, que detém apenas legitimidade para propor a alteração. O Poder Legislativo tem legitimidade para deliberar e aprovar a proposta de emenda
constitucional, que será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois
turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos dos
respectivos membros.
Concluindo sobre a rigidez na sua aprovação, deve-se ressaltar que há exigência de
que o quorum para aprovação seja qualificado, e que somente será aprovada se essa votação se repetir por dois turnos (se for emenda à Constituição da República, dois turnos em
cada Casa Legislativa).
A fase complementar é o momento posterior à aprovação da emenda à Constituição
da República, quando ocorre sua promulgação, conjuntamente, pelas Mesas da Câmara
dos Deputados e do Senado Federal. Após, há sua publicação, em tese, pelo Congresso
Nacional, por sua Presidência, uma vez que o texto constitucional silencia a respeito.
Importante: o chefe do Executivo não participa da aprovação, da promulgação e da
publicação das emendas à Constituição. São atos exclusivos do Poder Legislativo,
titular do poder constituinte derivado reformador. Não há sanção ou veto.
A limitação formal ou procedimental está prevista no § 5º do artigo 60 da Constituição da República e expressamente veda a reapresentação de projeto de emenda à Constituição que verse sobre matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada na mesma sessão legislativa.9
Abordadas as limitações expressas, vamos falar agora das limitações implícitas.
As limitações implícitas são apontadas por Canotilho (1998) como garantias que visam a assegurar a efetividade das cláusulas pétreas. Deve-se entender que existem limites à
alteração das próprias cláusulas pétreas, por exemplo. Os limites expressos estabelecidos
neste núcleo intangível da Constituição deixariam de ser uma garantia se o constituinte
derivado pudesse alterar estas cláusulas. Assim, os limites expressos desdobram-se em limi-
9
STF – Pleno – MS n. 22.503-3, Rel. para Acórdão Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 6 jun. 1997, p. 24.872. No julgado,
o STF reafirma a existência do direito público subjetivo de não serem os congressistas obrigados a votar proposta de emenda
constitucional que tiver violado esse preceito constitucional.
72
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
tes implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional. Dessa forma, é implicitamente
irreformável a norma constitucional que prevê as limitações expressas (artigo 60, CR), pois,
se não fosse vedado, a proibição expressa poderia desaparecer, ocasionando o desaparecimento posterior do conteúdo das cláusulas pétreas. Outra limitação implícita é a
inalterabilidade do titular do Poder Constituinte derivado reformador.
Seção 3.2
Lei Ordinária
A lei ordinária é o ato legislativo típico. É ato normativo primário e contém, em regra,
normas gerais e abstratas. Muitas vezes, entretanto, a lei ordinária estabelece normas individuais e, desta forma, não apresenta a abstração esperada da lei. Diante disso, a doutrina
diferencia a lei material da lei formal.
Lei material é a lei que tem matéria de lei, por isso normalmente é designada desta
forma, normatizando a matéria com generalidade e abstração. Já a lei formal10 é considerada lei apenas formalmente, mas tem natureza individual; é ato normativo de efeitos concretos. É importante, porém, salientar, de acordo com Ferreira Filho (2002, p. 204), que essa
diferenciação “não traz vantagens, além de não ser, muitas vezes, fácil de marcar ”. Quanto
ao momento de instauração e à eficácia, ambas estão em um mesmo plano, uma vez que são
ato normativo primário. Assim, deve-se considerar que a lei é fruto de uma decisão de um
órgão público a quem a Constituição estabeleceu competência para instaurar o “direito
novo”.
No Estado de Direito a legalidade determina que tudo e todos estão sujeitos à lei nos
termos do princípio de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa
senão em virtude da lei. Como estamos nos referindo ao direito expresso pela lei escrita no
Direito Brasileiro, entretanto, é possível afirmar que a Constituição da República lhe instituiu objeto determinado em face de que lhe estipulou domínios que são proibidos.
Embora, portanto, a ideia de legalidade seja verdadeira, na realidade não é assim
que funciona. Isso porque a Constituição da República estabeleceu matérias que serão
reguladas primariamente por outros atos normativos. É o caso das competências previstas
nos artigos 49, 51 e 52 da Constituição da República que decidem a competência exclusi-
10
Exemplos de lei formal: a) lei orçamentária anual (Constituição da República, artigo 165, § 5º); b) leis que autorizam a criação de
empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações (Constituição da República, artigo 37, XIX).
73
EaD
Aldemir Berwig
va do Congresso Nacional e as competências privativas da Câmara dos Deputados e do
Senado Federal, respectivamente. Estas matérias não serão objeto de lei, mas de decretos
legislativos.
É importante perguntar em que se diferencia a exteriorização por lei ou decreto
legislativo. A diferença básica é que no decreto legislativo não há qualquer intromissão do
Poder Executivo; vale dizer, não há necessidade de sanção para entrar em vigor. No caso da
lei, há essa exigência, embora possa ser sancionada pelo próprio Legislativo segundo o procedimento adotado.
Por outro lado, há um domínio no qual determinadas matérias serão regulamentadas
exclusivamente por lei ordinária: trata-se das competências dispostas nos incisos I, II e III
do § 1º, do artigo 68 ou do inciso I do artigo 150, ambos da Constituição da República.
Cabe ressaltar que
Mendes e Forster Júnior
(2002, p. 85) afirmam que
a Emenda Constitucional
no 32, de 11 de setembro de
2001, reservou matérias
para decreto do presidente da República (artigo
84, VI, alíneas a e b). Embora essa seja a opinião
dos autores, entendemos que a Constituição estabeleceu uma permissão para o presidente
dispor mediante decreto sobre as matérias elencadas, o que não impede que seja regulamentada por lei de sua iniciativa. Caso fosse reserva de decreto, não poderia jamais haver supressão de cargos ou reorganização administrativa por intermédio de lei, como tem ocorrido
no ordenamento jurídico pátrio.
Seção 3.3
Lei Complementar
Lei complementar é uma espécie de lei que se diferencia da lei ordinária em razão da
exigência de quorum qualificado para aprovação (artigo 69 CR), a maioria absoluta, sendo
utilizada para disciplinar matérias estabelecidas constitucionalmente, porém não apresenta
a rigidez exigida para a aprovação das leis constitucionais.
74
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
A previsão constitucional de lei complementar decorre da previsão de processo legislativo
mais rígido que o ordinário (normal ou comum), pelo constituinte originário, para determinadas matérias cuja regulamentação deveria se dar por lei infraconstitucional. Assim, para
aprovação das leis que versem sobre essas matérias, o ordenamento jurídico exige um processo mais rígido, mas que continua sendo mais flexível que o processo de alteração constitucional. Significa que o constituinte originário resguardou certas matérias contra alterações volúveis e constantes, sem exigir uma rigidez que dificultasse excessivamente a aprovação das normas.
Para Ferreira Filho (2002, p, 245), o texto constitucional sobre a lei complementar é
lacônico e exige que o intérprete apoie-se exclusivamente na doutrina para sobre ela discorrer. Inequivocamente, a instituição de lei complementar busca resguardar certas matérias
contra mudanças céleres ou apressadas, sem lhes imprimir uma rigidez exagerada, que dificultaria sua modificação.
Segundo Ferreira Filho (2002, p. 245), a Constituição de 1946 foi a primeira a exigir
em determinadas matérias a previsão de quorum qualificado para aprovação. Reale (apud
Ferreira Filho, 2002, p. 245) afirma que seria um gênero de lei que não ostenta a mesma
rigidez dos preceitos constitucionais, nem comporta a revogação (perda de vigência) por
força de qualquer lei ordinária superveniente. A lei complementar, portanto, visa a dar maior
estabilidade a determinadas regras jurídicas para não deixá-las expostas a decisões ocasionais ou fortuitas que, muitas vezes, surpreendem o próprio legislativo e a opinião pública.
Para simplificar, pode-se afirmar que toda e qualquer lei serve de complementação da
Constituição ou da Lei Orgânica, para fazer um contexto geral, sendo a sua qualidade de lei
complementar atribuída unicamente por um elemento de índole formal, que é a sua aprovação pela maioria absoluta de parlamentares. A previsão de lei complementar distinta da lei
ordinária visa a assegurar certa estabilidade e um mínimo de rigidez às normas que regulam
certas matérias, o que é estabelecido expressamente pela constituição.
Disso decorre, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 96), que:
– Não existe entre lei complementar e lei ordinária (ou medida provisória) uma relação de hierarquia, pois seus campos de abrangência são diversos. Assim, a lei ordinária que invadir matéria de
lei complementar é inconstitucional e não ilegal;
– Norma pré-constitucional de qualquer espécie que verse sobre matéria que a Constituição de
1988 reservou à lei complementar foi recepcionada pelo nova ordem constitucional como lei
complementar.
– Lei votada com o procedimento de Lei Complementar e denominada como tal, ainda assim, terá
efeitos jurídicos de lei ordinária, podendo ser revogada por lei ordinária posterior, se versar sobre
matéria não reservada constitucionalmente à lei complementar;
– Dispositivos esparsos de uma lei complementar que não constituírem matéria constitucionalmente reservada à lei Complementar possuem efeitos jurídicos de lei ordinária.
75
EaD
Aldemir Berwig
É importante ressaltar que não há hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária. Embora alguns autores afirmem que a lei complementar seja hierarquicamente superior
à lei ordinária e que esta não pode contrariar a lei complementar sob pena de invalidade,
não há submissão da lei ordinária em relação à lei complementar.
O que a Constituição da República estabelece, como já afirmamos anteriormente, é
que algumas matérias são excluídas da aprovação mediante lei ordinária e dependem de leis
com um quorum qualificado para aprovação. A lei complementar, portanto, versa sim sobre
uma matéria especial, pois a Constituição exigiu que tais matérias tenham um tratamento
diferenciado por meio de previsão taxativa que não comporta ampliação.
As matérias elencadas constitucionalmente serão regulamentadas mediante edição de
leis complementares, segundo o Manual de Redação da Presidência da República (Mendes;
Forster Júnior, 2002) e são as seguintes:
– proteção contra despedida arbitrária (Constituição, artigo 7º, I);
– casos de inelegibilidade e prazos de sua cessação (artigo 14, § 9º);
– criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado dos Territórios Federais e
que define a incorporação, subdivisão e desmembramento dos Estados mediante plebiscito e aprovação do Congresso Nacional (artigo 18, §§ 2º, 3º e 4º);
– casos em que se pode permitir o trânsito ou a permanência temporária de forças estrangeiras no território nacional (artigo 21, IV);
– autorização aos Estados para legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas na competência legislativa privativa da União (artigo 22, parágrafo único);
– normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os municípios,
tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (artigo
23, parágrafo único);
– instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões pelo Estado
(artigo 25, § 3º);
– áreas de atuação de sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações criadas
pelo poder público (artigo 37, XIX);
– exceções aos limites de idade para aposentadoria do servidor público no caso de exercício
de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas (artigo 40, § 4º);
– normas gerais para a instituição de regime de previdência complementar pela União, Estados, Distrito Federal e municípios, para atender aos seus respectivos servidores titulares
de cargo efetivo (artigo 40, § 15);
76
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
– procedimento de avaliação periódica para perda de cargo de servidor público (artigo 41, §1º);
– condições para integração das regiões em desenvolvimento e a composição dos organismos regionais (artigo 43, § 1º, I, II);
– número de Deputados, por Estado e pelo Distrito Federal, proporcionalmente à população
(artigo 45, § 1º);
– autorização para o presidente da República permitir, sem manifestação do Congresso, em
determinadas hipóteses, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele
permaneçam temporariamente (artigo 49, II, e artigo 84, XXII).
– elaboração, redação, alteração e consolidação das leis (artigo 59, parágrafo único);
– estabelecimento de outras atribuições ao vice-presidente da República (artigo 79, parágrafo único);
– Estatuto da Magistratura (artigo 93);
– organização e competência dos tribunais eleitorais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais (artigo 121);
– organização, atribuições e estatuto do Ministério Público (artigo 128, § 5º);
– organização e funcionamento da Advocacia-Geral da União (artigo 131);
– organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados (artigo 134, parágrafo único);
– normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças
Armadas (artigo 142, § 1º);
– conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito
Federal e os municípios, regula limitações ao poder de tributar e estabelece normas gerais,
em matéria tributária (artigo 146, I, II, III, a, b, c);
– empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ou para possibilitar investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (artigo 148, I e II);
– imposto sobre grandes fortunas (artigo 153, VII);
– instituição de outros impostos federais não previstos na Constituição (artigo 154, I);
– competência para instituição do imposto de transmissão causa mortis e doação, se o doador tiver domicílio ou residência no exterior, ou se o de cujus possuía bens, era residente
ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (artigo 155, § 1º, III);
77
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Aldemir Berwig
– ações sujeitas a imposto sobre serviços de qualquer natureza, que definem as suas alíquotas
máxima e mínima, excluem da sua incidência a exportação de serviços para o exterior e
regulam a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais, serão concedidas e revogadas (artigo 156, III e § 3º);
– normas sobre distribuição das cotas de receitas tributárias (artigo 161, I, II, III e parágrafo
único);
– finanças públicas; o controle das dívidas externa e interna; a concessão de garantias pelas
entidades públicas; a emissão e o resgate de títulos da dívida pública; a fiscalização das
instituições financeiras; as operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União,
do Distrito Federal e dos municípios; a compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União (artigo 163, I a VII);
– o exercício e a gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem
como as condições para a instituição e o funcionamento de fundos (artigo 165, § 9º, I
e II);
– limites para a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito
Federal e dos municípios (artigo 169);
– procedimento contraditório especial para o processo judicial de desapropriação (artigo
184, § 3º);
– sistema financeiro nacional (artigo 192);
– montante máximo de débito para a concessão de remissão ou anistia de contribuições
sociais;
– aplicação de recursos dos diversos entes da federação em saúde (artigo 198, § 3º);
– casos de relevante interesse público da União, quanto aos atos que tratam da ocupação,
do domínio e da posse das terras indígenas, ou da exploração das riquezas naturais do
solo, fluviais e lacustres nelas existentes (artigo 231, § 6º).
Seção 3.4
Distinções Entre Lei Complementar e Lei Ordinária
Pode-se afirmar que a lei complementar se diferencia da lei ordinária em dois aspectos:
o material e o formal.
78
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Quanto ao aspecto material, é possível afirmar que a Constituição estabelece
taxativamente quais matérias serão objeto de lei complementar, de modo que as não elencadas
serão objeto de lei ordinária. Assim, há uma reserva constitucional às matérias reguladas
por lei complementar.
Quanto ao aspecto formal, há uma distinção quanto ao processo de aprovação da lei
complementar, especificamente na fase de aprovação, que exige um quorum qualificado.
Enquanto o quorum para aprovação da lei ordinária é de maioria simples (artigo 47 da CR),
o quorum para aprovação da lei complementar é de maioria absoluta (artigo 69 da CR).
3.4.1 – EXISTE HIERARQUIA ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA?
11
Como vimos, existem duas diferenças básicas entre ambas,
que estabelecem apenas uma distinção no procedimento de
aprovação das leis. Essa distinção decorre de uma maior rigidez (maior quorum) para a aprovação das matérias das leis complementares. Entendemos, portanto, que não existe hierarquia
entre ambas. A diferença é quanto ao quorum exigido para
aprovação.
Isso significa dizer que a lei ordinária não se submete à
lei complementar, o que tem sentido à medida que ambas se submetem diretamente à Constituição, ou seja, retiram seu fundamento de validade da própria Constituição da República.
Seção 3.5
Lei Delegada
Lei delegada, segundo prescrição do artigo 68 da Constituição da República, é o ato
normativo elaborado e editado pelo chefe do Poder Executivo em virtude de autorização do
Poder Legislativo, expedida mediante resolução e dentro dos limites nela traçados. Constitui-se verdadeira delegação externa da função legiferante, utilizada como mecanismo necessário para possibilitar a eficiência do Estado em decorrência da necessidade de maior
agilidade e celeridade.
11
Disponível em: <http://www.davidireito.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011.
79
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De uso bastante raro, apenas duas leis delegadas foram promulgadas após a Constituição de 1988 (Leis Delegadas nº 12, de 7 de agosto de 1992, e nº 13, de 27 de agosto de
1992).
3.5.1 – NATUREZA JURÍDICA DA LEI DELEGADA
A lei delegada, quanto ao conteúdo e à eficácia, tem natureza jurídica idêntica às
demais leis previstas no artigo 59 da Constituição da República, portanto, de ato normativo
primário, derivado diretamente da Constituição. A diferença entre a lei ordinária e a lei
delegada consiste unicamente na delegação da competência para elaborar a lei, mediante
aprovação de uma resolução pelo Poder Legislativo competente, autorizando o chefe do
Executivo a editá-la.
3.5.2 – PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA LEI DELEGADA
O processo de elaboração da lei delegada é semelhante ao da lei ordinária?
Como
vimos,
o
Po d e r
Legislativo “autoriza” o chefe do
Executivo a elaborar a lei delegada. Para exercer essa competência, o chefe do Executivo deverá solicitar a delegação ao Poder Legislativo, indicando o assunto referente à lei a ser editada, dentre os autorizados pela
Constituição.
No caso da Constituição da República, estão previstas algumas vedações à delegação
no artigo 68 e seu § 1º.
Encaminhada a solicitação ao Poder Legislativo, a mesma será submetida à votação e,
em sendo aprovada por maioria simples, será expedida resolução que especificará obrigatoriamente as regras sobre seu conteúdo e os termos de seu exercício.
O Poder Legislativo poderá estabelecer as restrições de conteúdo e exercício que entender necessárias, tais como o termo de caducidade da habilitação, linhas gerais da lei,
período de vigência, entre outras. A delegação, portanto, nunca será ilimitada; deverá estabelecer exatamente a amplitude da delegação.
80
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Além disso, é importante salientar que a delegação tem caráter temporário que jamais
poderá ultrapassar a legislatura, sob pena de caracterizar abdicação ou renúncia de competência pelo Poder Legislativo, o que é vedado pelo Direito brasileiro em razão de que a função legiferante é irrenunciável. Isso permite que, mesmo durante o prazo concedido ao chefe
do Executivo para editar a lei delegada, o Poder Legislativo discipline a matéria por meio de
lei ordinária. Além disso, é permitido ao Poder Legislativo que, a qualquer tempo, mesmo
não transcorrido o prazo fixado na resolução, retire a delegação.
Após autorizado pela Resolução, o chefe do Executivo elabora o texto normativo, promulgando-o e determinando sua publicação, uma vez que se a resolução não contiver previsão de apreciação pelo Poder Legislativo (artigo 68, § 3º, CR), todo o restante do processo
legislativo se esgotará no interior do Poder Executivo (delegação típica ou própria).
3.5.3 – O PODER LEGISLATIVO EXERCE ALGUM CONTROLE SOBRE A LEI DELEGADA?
A Constituição da República determina ser de competência exclusiva do Congresso
Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem os limites de delegação legislativa (artigo 49, V, CR). Assim, entendemos que nas outras órbitas governamentais
segue-se o mesmo controle.
Dessa forma, extrapolando o chefe do Executivo os limites fixados na Resolução
concedente da delegação legislativa, poderá o Poder Legislativo, por meio da aprovação de
decreto legislativo, sustar a referida lei delegada, paralisando seus efeitos. A sustação tem
efeitos ex nunc e operam a partir da publicação do Decreto Legislativo.
3.5.4 – É POSSÍVEL CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI DELEGADA?
É possível a análise de inconstitucionalidade da lei delegada de modo que declarada
inconstitucional a lei, diferentemente da sustação levada a termo pelo Poder Legislativo, e
terá efeitos retroativos à época de sua aprovação, operando ex tunc.12
A Constituição da República estabelece expressamente no § 1º do artigo 68 quais as
matérias que não podem ser objeto de delegação, quais sejam: os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar e a legislação sobre:
a) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus
membros;
12
Ex tunc significa desde o início. Os efeitos retroagem ao momento de edição do ato.
81
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Aldemir Berwig
b) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais;
c) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos.
Excluídas, portanto, essas matérias, todas as outras podem, em tese, ser delegadas ao
chefe do Executivo para que sejam regulamentadas mediante lei delegada.
O termo lei delegada, entretanto, pode ser entendido em dois sentidos: um amplo e
outro estrito. Em sentido amplo, compreende tanto a delegação interna quanto a externa;
em sentido estrito, compreende apenas a delegação externa.
Sobre o assunto é importante citar Ferreira
Filho (2002, p. 229), para quem a Constituição
da República, por defeito de técnica legislativa,
deixou de mencionar a delegação interna
corporis ao dispor da delegação no artigo 68,
posto que a mesma está prevista no artigo 58, §
2º, II. É a previsão das competências das comissões das casas legislativas para apreciar conclusivamente os projetos de lei.
Segundo o autor, o legislativo brasileiro está constitucionalmente autorizado a delegar o poder de editar normas que inovem na ordem jurídica tanto para o chefe do Poder
Executivo quanto a suas comissões. É pertinente entendermos, entretanto, que a delegação
prevista no artigo 68 da Constituição transfere a competência ao Executivo.
Quanto à natureza da lei delegada, de fato, deve-se considerá-la ato normativo de natureza primária, pois inova na ordem jurídica diretamente da Constituição da República. Embora sua delegação, no caso do chefe do Executivo, dependa de resolução do Poder Legislativo,
temos de analisar os efeitos que decorrem da lei editada. Seus efeitos são como os que decorrem de qualquer lei editada pelo Poder Legislativo. Ato normativo de natureza primária, portanto, pois está no primeiro nível de eficácia, logo abaixo das normas constitucionais.
Seção 3.6
Medida Provisória
O artigo 62 da Constituição da República determina que, em caso de relevância e
urgência, o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei,
devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. Editada a medida provisória, será
82
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
submetida imediatamente ao Poder Legislativo para apreciação e permanecerá em vigor pelo
prazo de 60 dias. A análise da medida provisória segue as disposições dos 12 parágrafos do
artigo 62, incluídos pela Emenda Constitucional nº 32/2001.
Medida provisória é ato normativo com força de lei que pode ser editado pelo Chefe do
Poder Executivo em caso de relevância e urgência,13 em caráter temporário. Tal medida deve
ser submetida de imediato à deliberação do Congresso Nacional, sujeitando-se a todo o
processo legislativo, na forma exigida para as leis ordinárias. Após a análise pelo Congresso
Nacional, será convertida em lei ordinária se aprovada.
É, segundo Ferreira Filho (2002, p. 237), legislação provisória a ser utilizada quando
“urgência e relevância se somassem”, até serem convertidas em lei ou perderem sua eficácia.
Trata-se, entretanto, de um instrumento jurídico deformado pela prática reiterada, admitida
pelo Supremo Tribunal Federal. Em princípio, como afirma Ferreira Filho (2002, p. 237), o
STF recusava-se a analisar a ocorrência das condições de relevância e urgência em que via
questões políticas de apreciação discricionária e subjetiva, razão pela qual, em inúmeras
delas, flagrantemente se verificou que as medidas editadas ocorreram em
inconstitucionalidade.
Isso levou à alteração constitucional da previsão de edição de medidas provisórias,
embora não tenha suprimido o verdadeiro poder delegado ao chefe do Executivo para editar
atos legais com força de lei.
Na nova redação do artigo 62 da Constituição da República, estabelecida pela Emenda Constitucional nº 32/2001, está previsto que as medidas provisórias perdem a eficácia
desde a edição se não forem convertidas em lei no prazo de 60 dias, prorrogável por mais 60.
Neste caso, o Congresso Nacional deverá disciplinar, por decreto legislativo, as relações
jurídicas decorrentes da medida provisória. Se tal disciplina não for feita no prazo de 60 dias
após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas
e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida provisória conservar-se-ão
por ela regidas.
13
“Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o art. 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de Medidas
Provisórias, decorrem, em princípio, do Juízo discricionário de oportunidade e de valor do Presidente da República, mas admitem o
controle judiciário quanto ao excesso do poder de legislar, o que, no caso, não se evidencia de pronto” (STF – Pleno – Adin n.° 1621/DF – medida liminar – Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 19 set. 1997, capa). Conferir, ainda, nesse sentido: “A
jurisprudência do STF tem considerado da competência da Presidência da República e do Congresso Nacional a avaliação subjetiva da
urgência da Medida Provisória. É de se exceptuar, apenas, a hipótese em que a falta de urgência possa ser constatada objetivamente.
E, no caso, não há evidência objetiva da falta de urgência, sendo a relevância da Medida Provisória incontestável” (STF – Pleno – Adin
n.° 1.516-8 – medida liminar – Rel. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 13 ago. 1999, p. 3). “Conforme entendimento
consolidado da Corte, os requisitos constitucionais legitimadores da edição de medidas provisórias, vertidos nos conceitos jurídicos
indeterminados de ‘relevância’ e ‘urgência’ (art. 62 da CF), apenas em caráter excepcional se submetem ao crivo do Poder Judiciário,
por força da regra da separação de poderes (art. 2º da CF) (ADI n.2.213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-2004; ADI n. 1.647,
Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 26-3-1999; ADI n.1.753-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-6-1998; ADI n. 162-MC, Rel.
Min. Moreira Alves, DJ de 19-9-1997)” (ADC 11-MC, voto do Min. Cezar Peluso, julgamento em 28-3-07, Plenário, DJ de 29-6-07).
83
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Aldemir Berwig
Aparentemente, a redação determinada pela Emenda Constitucional nº 32/2001 teve
como objetivo diminuir a discricionariedade na edição de medidas provisórias, mediante o
estabelecimento de uma série de limitações materiais, inclusive da impossibilidade de reedições
sucessivas.
O objeto das Medidas Provisórias é, basicamente, o mesmo das leis ordinárias; contudo, são excluídas como objeto de medida provisória as seguintes matérias:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus
membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvada a abertura de crédito extraordinário, a qual é expressamente reservada à Medida Provisória (Constituição, artigo 167, § 3º);
e) as que visem a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro
ativo financeiro;
f) as reservadas à lei complementar;
g) as já disciplinadas em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de
sanção ou veto do presidente da República;
h) aprovação de Código; e
i) regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de
emenda constitucional promulgada no período compreendido entre 1 o de janeiro de 1995
até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001.
Deve-se, ainda, fazer uma consideração a respeito das matérias que poderão ser objeto
de medidas provisórias nos termos da Constituição da República. A Constituição estabeleceu a competência para legislar de forma geral; a partir dela é que determinou quais matérias poderiam ser objeto de leis complementares e quais não poderão ser reguladas por leis
delegadas e medidas provisórias. A lei ordinária, portanto, é a regra constitucional; as demais são as exceções, nos termos estabelecidos constitucionalmente.
Se não forem observados os limites instituídos constitucionalmente, compete ao STF
aplicar o remédio jurídico constitucional para resguardar a situação.
84
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
3.6.1 – QUAL O PROCEDIMENTO LEGISLATIVO PARA APROVAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA?
A partir da Emenda Constitucional nº 32/2001, a aprovação da medida provisória
passa a ter as seguintes especificidades: o prazo para aprovação será contado da publicação
da medida provisória e ficará suspenso durante os períodos de recesso do Congresso Nacional; não há previsão constitucional de convocação extraordinária do Congresso Nacional
para se reunir e deliberar sobre a medida provisória.
Assim, a medida provisória poderá excepcionalmente exceder o prazo constitucional
de 60 dias se for editada antes do recesso parlamentar. Por exemplo, uma medida provisória
publicada em 10 de dezembro somente perderá sua vigência em 10 de abril do ano seguinte,
permanecendo em vigor por mais de 120 dias, em decorrência do recesso parlamentar de
final de ano.
Se houver convocação extraordinária, entretanto, não se aplica a suspensão, em decorrência de sua inclusão automática na pauta de votação, nos termos dos §§ 7º e 8º, do
artigo 57, da CR.
Quanto aos trâmites de análise da medida provisória, que estão estabelecidos nos
parágrafos do artigo 62 da CR, é importante salientar que esta medida será encaminhada ao
Congresso Nacional, quando, antes de qualquer apreciação em separado, será examinada
por Comissão mista de deputados e senadores, que apresentará parecer por sua aprovação
ou não. Após a apreciação conjunta pela Comissão mista, será encaminhada à Câmara dos
Deputados, e iniciará a votação. Aprovada na Câmara dos Deputados, por maioria simples,
a medida provisória será encaminhada ao Senado Federal.
Cabe ressaltar que em cada uma das Casas Legislativas, antes da deliberação sobre o
mérito das medidas provisórias, deverá haver juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais, qual seja, do atendimento aos requisitos de relevância e urgência.
Atenção: a apreciação e votação das medidas provisórias, após a Emenda Constitucional nº 32/2001, passou a ser muito semelhante à apreciação dos projetos
de lei ordinária de iniciativa do chefe do Executivo.
85
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Aldemir Berwig
3.6.2 – É NECESSÁRIA A SANÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À CONVERSÃO?
Essa é uma importante questão que terá desdobramentos distintos caso seja ou não
emendada,14 ou, ainda caso não seja convertida em lei.
Caso a medida provisória seja integralmente convertida em lei, sem emendas, caberá ao presidente do Congresso Nacional promulgar a lei sem a necessidade de sanção do
presidente da República.15 Segundo a jurisprudência do STF sobre a medida provisória, sua
aprovação e promulgação integrais apenas lhe tornam definitiva a vigência, com eficácia ex
tunc e sem solução de continuidade, preservada a identidade originária de seu conteúdo
normativo.
A conversão da medida provisória em lei opera uma novação de fontes que produz dois efeitos
básicos. Em primeiro lugar, converte em disposição de lei a norma constante da medida provisória, que passa a vigorar para o futuro; em segundo lugar, convalida a medida provisória que
vigora até aquele momento (Mendes; Coelho; Branco, 2008, p. 893).
Caso a medida provisória seja aprovada com alterações de mérito, o projeto de lei
de conversão deverá ser encaminhado ao presidente da República pela Casa Legislativa
que concluiu a votação, ao qual caberá a sanção ou veto. O pronunciamento do presidente da República é necessário em razão de que houve recusa da medida provisória em alguns pontos. Assim, para a vigência das alterações promovidas pelo Legislativo, é necessário o seu pronunciamento praticamente na mesma forma do processo legislativo da lei
ordinária.
Caso a medida provisória seja rejeitada ou não convertida em lei no prazo constitucional, suas normas perderão eficácia desde sua edição. Neste caso, as relações jurídicas formadas durante a vigência da medida provisória serão disciplinadas por meio de decreto
legislativo do Congresso Nacional. Caso não seja editado o decreto legislativo, permanecerão reguladas pela medida provisória. É uma “hipótese de ultra-atividade da medida provisória não convertida em lei” (Mendes; Coelho; Branco, 2008, p. 893).
14
“Conversão em lei das medidas provisórias, sem alteração substancial do seu texto: ratificação do ato normativo editado pelo
Presidente da República. Sanção do Chefe do Poder Executivo. Inexigível. Medida Provisória alterada pelo Congresso Nacional, com
supressão ou acréscimo de dispositivos. Obrigatoriedade da remessa do projeto de lei de conversão ao Presidente da República para
sanção ou veto, de modo a prevalecer a comunhão de vontade do Poder Executivo e do Legislativo.” (RE 217.194, Rel. Min. Maurício
Corrêa, julgamento em 17-4-01, DJ de 1º-6-01).
15
É a regra estabelecida na Resolução 1/2002 do Congresso Nacional, de acordo com a prescrição do § 12 do artigo 62 da CR.
86
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Constituição da República – 1988 (redação determinada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001)
Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da
República poderá adotar medidas provisórias, com força de
lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso
Nacional.
§ 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre
matéria:
I – relativa a:
a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos
políticos e direito eleitoral;
b) direito penal, processual penal e processual civil;
c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a
carreira e a garantia de seus membros;
d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e
créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto
no art. 167, § 3º;
II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança
popular ou qualquer outro ativo financeiro;
III – reservada a lei complementar;
IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo
Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do
Presidente da República.
§ 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração
de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e
154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte
se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em
que foi editada.
§ 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§
11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem
convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável,
nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o
Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as
relações jurídicas delas decorrentes.
§ 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da
publicação da medida provisória, suspendendo-se durante
os períodos de recesso do Congresso Nacional.
§ 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso
Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá
de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos
constitucionais.
§ 6º Se a medida provisória não for apreciada em até
quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará
em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma
das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas,
até que se ultime a votação, todas as demais deliberações
legislativas da Casa em que estiver tramitando.
§ 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a
vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta
dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação
encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional.
§ 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na
Câmara dos Deputados.
§ 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores
examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir
parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada,
pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso
Nacional.
§ 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de
medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha
perdido sua eficácia por decurso de prazo.
§ 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o §
3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de
medida provisória, as relações jurídicas constituídas e
decorrentes de atos praticados durante sua vigência
conservar-se-ão por ela regidas.
§ 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o
texto original da medida provisória, esta manter-se-á
integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado
o projeto.
87
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Aldemir Berwig
3.6.3 – MEDIDA PROVISÓRIA NO ÂMBITO DOS ESTADOS-MEMBROS E DOS MUNICÍPIOS
As regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição da República são,
em tese, fundamento para o estabelecimento das regras nas Constituições Estaduais.16 Estas, por sua vez, vão determinar o modelo que poderá ser adotado pelos municípios. Desta
forma, não havendo vedação de edição de medida provisória no âmbito dos Estados-membros, caso a adotem, também os municípios poderão adotá-la. Assim, se a Constituição
estadual conferir tal poder ao Chefe do Executivo, não destoará da Constituição da República (Mendes; Coelho; Branco, 2008, p. 898).
Se, todavia, no âmbito estadual é permitida a edição de medida provisória, em decorrência do princípio da simetria, também será possível no âmbito municipal, desde que prevista na respectiva Lei Orgânica Municipal.17
Seção 3.7
Decreto Legislativo
Decretos Legislativos são atos normativos destinados a regular matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional que tenham efeitos externos a ele. Segundo Pontes de Miranda (apud Ferreira Filho, 2002, p. 197), “decretos legislativos são as leis que a
16
“Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 51 e parágrafos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Adoção de medida
provisória por estado-membro. Possibilidade. Artigos 62 e 84, XXVI da Constituição Federal. Emenda constitucional 32, de 11-9-01,
que alterou substancialmente a redação do art. 62. Revogação parcial do preceito impugnado por incompatibilidade com o novo texto
constitucional. Subsistência do núcleo essencial do comando examinado, presente em seu caput. Aplicabilidade, nos estados-membros,
do processo legislativo previsto na Constituição Federal. Inexistência de vedação expressa quanto às medidas provisórias. Necessidade
de previsão no texto da carta estadual e da estrita observância dos princípios e limitações impostas pelo modelo federal. Não obstante
a permanência, após o superveniente advento da Emenda Constitucional 32/01, do comando que confere ao Chefe do Executivo
Federal o poder de adotar medidas provisórias com força de lei, tornou-se impossível o cotejo de todo o referido dispositivo da Carta
catarinense com o teor da nova redação do art. 62, parâmetro inafastável de aferição da inconstitucionalidade argüida. Ação direta
prejudicada em parte. No julgamento da ADI 425, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19-12-03, o Plenário desta Corte já havia
reconhecido, por ampla maioria, a constitucionalidade da instituição de medida provisória estadual, desde que, primeiro, esse instrumento
esteja expressamente previsto na Constituição do Estado e, segundo, sejam observados os princípios e as limitações impostas pelo
modelo adotado pela Constituição Federal, tendo em vista a necessidade da observância simétrica do processo legislativo federal.
Outros precedentes: ADI 691, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19-6-92 e ADI 812-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 14-5-93.
Entendimento reforçado pela significativa indicação na Constituição Federal, quanto a essa possibilidade, no capítulo referente à
organização e à regência dos Estados, da competência desses entes da Federação para ‘explorar diretamente, ou mediante concessão,
os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação’ (art. 25, § 2º).
Ação direta cujo pedido formulado se julga improcedente.” (ADI 2.391, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-8-06, DJ de 16-307). No mesmo sentido: ADI 425, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 4-9-02, DJ de 19-12-03.
17
Analisando hipótese em que a Lei Orgânica Municipal não previa a possibilidade de o prefeito editar medidas provisórias, o STJ
entendeu que não pratica o crime de prevaricação o alcaide que edita, ilegalmente, medida provisória, pois, apesar de ferir os princípios
da legalidade e moralidade administrativas, o fato será atípico por ausência do elemento do tipo ato de oficio (STJ – 6.ª T – Resp. n
1º 78.425/RS – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1997, p. 42.611). Diferentemente da
Constituição anterior, que proibia expressamente a adoção pelos Estados-membros dos decretos-lei, esta silencia a respeito.
88
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Constituição não exige remessa do presidente da República para a sanção (promulgação
ou veto)”. Ferreira Filho afirma, entretanto, que, em relação às competências exclusivas
do Congresso Nacional, não cabe normatividade abstrata que são características da lei
propriamente dita.
Da mesma forma, portanto, que abordamos a respeito das medidas provisórias,
estamos diante de matérias às quais a Constituição da República possibilitou a regulamentação por ato exclusivo do Poder Legislativo, independente da manifestação do Poder Executivo mediante sanção ou veto. Trata-se de matéria de competência exclusiva
do Poder Legislativo.
Em decorrência do exposto, é perfeitamente aceitável que o objeto do decreto legislativo
seja as matérias enunciadas no artigo 49 da Constituição da República. Além das matérias
previstas no artigo 49, é necessário acrescentar a disciplina das relações jurídicas decorrentes de medida provisória não convertida em lei, prevista no artigo 63, § 3º da Constituição
da República.
O decreto legislativo é a espécie normativa destinada a veicular as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, previstas no artigo 49 da Constituição da República. Além destas matérias, também é exteriorizada, por meio de decreto legislativo, a regulamentação exigida no artigo 62 da CR, com redação pela Emenda Constitucional nº 32/
2001.
Os decretos legislativos são atos normativos primários veiculadores de normas decorrentes da competência exclusiva do Congresso Nacional, cujo procedimento não é estabelecido pelo Regimento Interno do Poder Legislativo.
3.7.1 – PROCESSO LEGISLATIVO ESPECIAL DO DECRETO LEGISLATIVO
A Constituição da República declara que os decretos legislativos serão, obrigatoriamente, instruídos, discutidos e votados em ambas as casas legislativas, no sistema bicameral;
aprovados, serão promulgados pelo presidente do Senado Federal, na qualidade de presidente do Congresso Nacional, que determinará sua publicação.18
Não há participação do chefe do Executivo no processo legislativo de elaboração de
resoluções, e, consequentemente, inexistirá veto ou sanção, por se tratar de matérias de
competência exclusiva do Poder Legislativo.
18
Artigo 48, XXVIII, do RICD: Compete ao presidente do Senado Federal promulgar as resoluções do Senado e os Decretos Legislativos.
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Competências exclusivas do Congresso Nacional:
Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:
I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos
internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos
ao patrimônio nacional;
II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar
a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território
nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os
casos previstos em lei complementar;
III – autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se
ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias;
IV – aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o
estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas;
V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do
poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa;
VI – mudar temporariamente sua sede;
VII – fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os
Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150,
II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
VIII – fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da
República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os
arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada
pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998)
IX – julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da
República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de
governo;
X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou
por qualquer de suas Casas, os atos do
Poder Executivo, incluídos os da
administração indireta;
XI – zelar pela preservação de sua
competência legislativa em face da
atribuição normativa dos outros Poderes;
XII – apreciar os atos de concessão e
renovação de concessão de emissoras de
rádio e televisão;
XIII – escolher dois terços dos membros
do Tribunal de Contas da União;
XIV – aprovar iniciativas do Poder
Executivo
referentes a atividades
nucleares;
XV – autorizar referendo e convocar
plebiscito;
XVI – autorizar, em terras indígenas, a
exploração e o proveitamento de recursos
hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas
minerais;
XVII – aprovar, previamente, a alienação
ou concessão de terras públicas com área
superior a dois mil e quinhentos hectares.
Seção 3.8
Resolução
Resolução é ato do Congresso Nacional ou de qualquer de suas casas, mediante procedimento estabelecido no Regimento Interno das Casas Legislativas, destinado a regular
matéria de competência do Congresso Nacional ou de competência privativa do Senado
Federal (artigo 213, c, RISF) ou da Câmara dos Deputados (artigo 213, c, RICD), que, em
regra, geram efeitos internos; excepcionalmente, pode ocasionar efeitos externos, como é o
caso da previsão constitucional de edição para delegação legislativa.
A resolução é ato normativo primário previsto no artigo 59 da Constituição da República e será, em geral, utilizada para regulamentar matérias não privativas de decreto
legislativo (artigos 49 e 62, parágrafo único, da CR).
90
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
3.8.1 – PROCESSO LEGISLATIVO PARA A ELABORAÇÃO DAS RESOLUÇÕES
A Constituição da República não estabelece o processo legislativo para a elaboração
da resolução, cabendo ao regimento interno de cada uma das Casas ou ao Congresso Nacional, a sua disciplina.
A regra é que, para sua aprovação, a casa competente fará a discussão, cabendo a seu
presidente19 sua promulgação e publicação. No caso de resolução do Congresso Nacional, a
aprovação deverá ser bicameral, cabendo ao presidente do Senado, no exercício da presidência do Congresso Nacional, a promulgação e publicação.
Por se tratar de ato normativo privativo do Poder Legislativo, não há participação do
chefe do Executivo mediante sanção ou veto.
Seção 3.9
Atos Normativos de Competência do Chefe do Executivo
Assim como afirmamos que quanto ao aspecto formal os atos normativos têm trâmite
especial estabelecido na Constituição da República e dependem de aprovação pelo Poder
Legislativo e sanção pelo Executivo, promulgação e publicação, em regra pelo Executivo,
alguns serão editados por competência do Poder Executivo. Se para o Legislativo existe a
figura do decreto legislativo, para o Executivo existe o decreto.
Em geral, esses atos seguem as mesmas regras abordadas para sua elaboração.
3.9.1 – DECRETO
Decretos são atos administrativos da competência exclusiva do chefe do Executivo,
destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso ou implícito, na lei (Meirelles, 1988, p. 155). Esta é a definição clássica, a qual, no
entanto, é inaplicável aos decretos autônomos, tratados adiante. Os decretos podem ser
singulares, regulamentares e autônomos.
19
Ver artigo 200, § 2º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: as resoluções da Câmara serão promulgadas pelo presidente no
prazo de duas sessões após o recebimento dos autógrafos; não o fazendo, caberá aos vice-presidentes, segundo a sua numeração ordinal,
exercer essa atribuição. De igual forma, determina o artigo 48, XXVIII, do Regimento Interno do Senado Federal: compete ao
presidente do Senado Federal promulgar as resoluções do Senado e os Decretos Legislativos.
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Aldemir Berwig
Os decretos podem conter regras singulares ou concretas, como é o caso dos decretos
de nomeação, de aposentadoria, de abertura de crédito, de desapropriação, de cessão de uso
de imóvel, de indulto de perda de nacionalidade.
Os decretos regulamentares são atos normativos subordinados ou secundários, pois
são editados para regulamentar a lei, nunca a Constituição.
A diferença entre a lei e o regulamento, no Direito brasileiro, não se limita à origem ou
à supremacia daquela sobre este. A distinção substancial reside no fato de que a lei inova
originariamente o ordenamento jurídico, enquanto o regulamento não o altera, apenas fixa
as regras para a concretização da lei, de acordo com as diretrizes por ela estabelecida e na
amplitude permitida.
Já os decretos autônomos são os editados diretamente em decorrência da norma constitucional. A Constituição da República de 1988, após a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de
setembro de 2001, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85), passou a prever a competência exclusiva para o chefe do Poder Executivo para editar ato normativo primário, isto é, que se
subordina diretamente à Constituição inovando na ordem jurídica, independentemente de lei.
São exemplos a competência do presidente da República para dispor, mediante decreto, sobre
organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos (artigo 84, VI, a, da Constituição) e revogar,
por meio de decreto, funções ou cargos públicos, quando vagos (artigo 84, VI, b).
Diante de tal entendimento, resta fazer uma análise para verificar qual a sua natureza
jurídica. Tal competência estabelecida não trata de lei, pois é assunto interna corporis. Esta
competência, portanto, será formalizada mediante decreto do Poder Executivo e terá efeitos
concretos.
Como atos normativos editados diretamente de previsão constitucional, talvez fosse
correto compreender como exercícios de Poder Regulamentar autônomos, embora a doutrina entenda que no direito pátrio não existe tal figura. Tal espécie normativa, contudo, limita-se às hipóteses de organização e funcionamento da administração federal, quando não
implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e revogação de
funções ou cargos públicos, quando vago (artigo 84, VI, da Constituição).
3.9.2 – PORTARIA
É o ato normativo pelo qual ministros ou outras autoridades expedem instruções sobre a organização e funcionamento de serviço e praticam outros atos de sua competência.
Em regra, são utilizados pelas autoridades subordinadas ao chefe do Executivo, embora, na
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PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
prática, se verifique que o próprio chefe do Executivo possa editá-los sem qualquer prejuízo
de ilegalidade. É necessário, contudo, salientar que deverá ser observado o conteúdo do
ato.
Seção 3.10
Sistema Legislativo Estadual e Municipal
Basicamente, o processo legislativo no âmbito estadual e municipal segue as normas
previstas na Constituição da República, podendo se tomar por base as normas estudadas no
âmbito federal. Recomenda-se, entretanto, que, em face de questões específicas, se busque
na legislação própria do ente competente a norma jurídica que deverá ser utilizada, visando
a equívocos na sua aplicação. A regra é que a Constituição da República estabelece linhas
gerais obrigatórias sobre processo legislativo a serem observadas em todas as órbitas governamentais.
Em razão disso, quando se fala em Congresso Nacional ou presidente da República na
esfera federal, entenda-se Poder Legislativo ou Poder Executivo no âmbito do Estado-membro ou do município.
SÍNTESE DA UNIDADE 3
Nesta Unidade abordamos as diversas espécies normativas para
verificar em que consiste cada uma e quais as competências para
editá-las, relacionando o conteúdo com o da Unidade anterior.
Elencamos as distinções mais visíveis entre as espécies normativas
a partir do próprio texto constitucional e a participação dos Poderes Públicos em sua elaboração.
Verificamos que algumas espécies normativas são de competência
privativa ou exclusiva de determinado Poder Estatal, de forma que
ocorre uma limitação na sua edição pela própria Constituição da
República.
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Unidade 4
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
PROCESSO LEGISLATIVO
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar as fases de desenvolvimento do processo legislativo na atualidade, enfatizando
que as normas jurídicas existentes em cada órbita governamental estabelecerão as peculiaridades específicas.
• Distinguir o papel de cada um dos Poderes Públicos no desencadeamento do processo
legislativo, da iniciativa à publicação.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 4.1 – Iniciativa do projeto de lei
Seção 4.2 – Apresentação e distribuição dos projetos de lei
Seção 4.3 – Regimes de tramitação dos projetos de lei
Seção 4.4 – Discussão
Seção 4.5 – Emendas ao projeto de lei
Seção 4.6 – Deliberação parlamentar
Seção 4.7 – Apreciação do projeto de lei no plenário
Seção 4.8 – Prazo para deliberação parlamentar
Seção 4.9 – O Projeto de Iniciativa Reservada pode ser emendado?
Seção 4.10 – Votação
Seção 4.11 – Deliberação do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado
Seção 4.12 – Fase complementar
Seção 4.13 – Publicação
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O termo processo legislativo1 pode ser compreendido em dois sentidos: um, jurídico, e
outro, sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes para a produção de leis
e atos normativos previstos na Constituição da República. Sociologicamente, é possível defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a
exercitarem suas tarefas. Poderíamos dizer que sob este enfoque está a análise política da
ação legislativa.
2
A Constituição da República estabelece, em seu artigo 59, algumas espécies de atos
normativos primários que decorrem diretamente dela. Além disso, determina o procedimento
para aprovação de alguns desses atos, e, para outros, institui diretrizes básicas, especialmente nos interna corporis. Juridicamente, o processo legislativo constitucional define a
sequência a ser respeitada na elaboração da lei em sentido amplo (lei ordinária, complementar e delegada, emendas constitucionais e medidas provisórias) posto que os decretos
legislativos e as resoluções terão seu procedimento firmado pelo Regimento Interno da respectiva Casa Legislativa. É de se salientar, entretanto, que a técnica legislativa constitucional é precária, uma vez que a orientação adotada pelo constituinte revela-se problemática,
pois, se, de um lado, contempla as emendas constitucionais, que, não obstante dotadas do
caráter material de lei, devem ser distinguidas destas por serem manifestação do poder constituinte derivado, contempla, de outro, as resoluções e os decretos legislativos, que, pelo
1
Assista o vídeo produzido pela Câmara dos Deputados sobre o processo legislativo. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/
atividade-legislativa/processolegislativo>. Acesso em: 22 jan. 2011.
2
Conheça no site da Câmara dos Deputados o Projeto Jovem Brasileiro: como se faz um projeto de lei. Disponível em: <http://
www.camara.gov.br/internet/diretoria/cefor/tutoriais/cursoprojetodelei/projeto_de_lei/Modulo1/loader.html>. Acesso em: 22 jan. 2011.
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menos do ponto de vista material, não deveriam ser equiparados às leis, por não conterem,
normalmente, regras de direito gerais e impessoais (Ferreira Filho apud Mendes; Forster
Júnior, 2002, p. 105).
O respeito ao devido processo legislativo na elaboração das espécies normativas decorre da observância do princípio da legalidade. Seu desrespeito acarreta a
inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido, requerendo o controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto
pelo concentrado. Além disso, afirma-se que os parlamentares têm o direito público subjetivo à fiel observância do procedimento para elaboração de cada espécie normativa, cabendo,
inclusive, em alguns casos, questionamento judicial, via mandado de segurança.
O Supremo Tribunal Federal considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição da República modelo estruturador do processo legislativo em outras
órbitas estatais. Diante desse entendimento, o Estado-membro tem sua competência para
estabelecer o processo legislativo de acordo com os limites constitucionais.
Antes de analisar a forma e estrutura da lei no ordenamento jurídico brasileiro, é importante ressaltar que, segundo Ferreira Filho (2002, p. 206), a lei é um ato complexo. Diz o
autor que, conforme Lucifredi (apud Ferreira Filho, 2002, p. 206), há um ato complexo sempre que “duas ou mais vontades homogêneas tendentes a um mesmo fim se fundem numa só
vontade declarada, idônea a produzir determinados efeitos jurídicos que não poderiam de
modo algum produzir-se, se faltasse tal concurso de vontades”. Tal compreensão decorre de
que o processo legislativo para elaboração da lei compreende diversas fases das quais participam necessariamente dois órgãos públicos, podendo participar até três, dependendo da
iniciativa para a propositura. A lei, portanto, vai expressar a vontade política conjunta dos
órgãos competentes.
Acerca da complexidade de distribuição de competências entre entidades e órgãos no
sistema brasileiro, analise a citação a seguir, que inicia por um questionamento:
(...) ao lado da competência privativa da União, dos Estados e dos Municípios, não haverá um
campo de ação concorrente onde os três poderes possam exercer a sua atividade? Essa matéria se
resolve no campo do Direito positivo, isto é, tendo em vista a Constituição em vigor. Cada Constituição estabelece círculos diferentes de competência privativa e concorrente entre a União, os
Estados e os Municípios. A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 obedecia, por exemplo, a
certos critérios que não foram acompanhados pelas constituições posteriores. De acordo com o
sistema de Direito Constitucional Brasileiro, ora em vigor, temos três círculos originários, cada
qual representando uma esfera privativa de ação.
À União cabe o que o legislador constituinte considerou relativo à comunidade brasileira como
um todo, de tal maneira que não poderão os Estados legislar sobre essa matéria e nem tampouco
os Municípios. Compete à União, por exemplo, legislar sobre Direito Civil, Direito Comercial,
97
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Direito Processual e Financeiro. É atribuição exclusiva do Governo Federal legislar sobre as
forças armadas, correios e telégrafos, comércio externo, navegação de cabotagem etc. É privativo da União ainda cobrar impostos de exportação, sobre a renda etc., pois também o “poder de
tributar ” é objeto de uma discriminação de caráter constitucional.
Ao lado dessa competência de ordem geral, a Carta Magna fixa os “espaços de poder ” que
tocam, respectivamente, aos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios. O Município é declarado, pela Carta Magna, uma entidade autônoma, ou seja, capaz de decidir assuntos próprios lançando mão de recursos próprios. A autonomia consiste, tecnicamente, na
maior ou menor capacidade que tem uma entidade para resolver, sem interferência de terceiros, problemas que lhe são peculiares. Nessa linha de distribuição de competências, cabe ao
Município lançar o imposto territorial urbano, impostos de licença, predial e de indústrias e
profissões.
Da mesma forma, discriminam-se as atribuições de cada Estado, bem como os tributos que lhe
competem, de maneira privativa, ou em concurso com a União e os Municípios. O Estado, digase de passagem, goza de autonomia bem mais ampla do que a dos municípios que o integram,
porquanto lhe é conferido o poder de “autoconstituição”, ou seja, de elaborar a sua própria
Constituição, muito embora dentro dos limites traçados pela Carta Maior.
Na construção do Estado Brasileiro, por conseguinte, o legislador pátrio concebe três círculos
distintos de ação que se completam e se integram, formando, no seu todo, a República Federativa
do Brasil, segundo os princípios do chamado federalismo cooperativo, ou integrado.
Isto posto, verificamos que a ordem jurídica positiva brasileira pode ser concebida como três
círculos secantes, com uma parte comum e três partes distintas. Dentro da esfera de atribuição
que lhe é reconhecida pela Constituição, cada pessoa de Direito Público Interno pode declarar o
Direito próprio: primeira condição da vigência da lei, é, pois, a de ser declarada pelo poder
competente como tal reconhecido por uma norma constitucional “de reconhecimento”, para
empregarmos a terminologia de Hart3 (Reale, 2001, 98-99).
Há, portanto, grande complexidade na análise da competência da iniciativa que consiste no ponto de início da atividade legislativa propriamente dita. Equívoco no momento
da iniciativa do projeto de lei redundará em falta de validade da norma jurídica, mesmo
após sua publicação.
Como ato complexo, é importante citar o desenvolvimento do processo legislativo
para formulação da lei. À luz da Constituição da República é possível constatar que apresenta três fases: uma introdutória, uma constitutiva e uma complementar. A fase
introdutória, que na concepção de Ferreira Filho (2002, p. 206) não é propriamente uma
fase do processo legislativo, consiste no ato que desencadeia a elaboração da lei. Como
afirma o autor, juridicamente é o ato pelo qual se propõe a adoção de direito novo. É uma
3
Para um melhor entendimento do tema, sugiro a leitura do capítulo X da obra de Reale, “Lições Preliminares de Direito” (2001),
quando, de forma muito apropriada, aborda a validade da norma jurídica.
98
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declaração de vontade manifestada por escrito e articulada, pela
qual se apresenta o projeto de lei à autoridade competente para
aprová-la. Pode se manifestar como ato simples ou coletivo.
Na realidade, o ato coletivo consiste na exigência de um
“quórum” para a propositura da iniciativa de lei no caso dos próprios órgãos legislativos ou na exigência de número mínimo de
eleitores no caso da iniciativa popular.
Basicamente, o processo de elaboração das leis ordinárias e
complementares segue exatamente o mesmo procedimento, diferenciando-se especificamente em relação ao quorum necessário
Ato simples
É aquele emanado por um
sujeito ou órgão, no qual está
concentrado o poder de editálo (Mortati, apud Ferreira Filho,
2002, p. 206, nota 22).
Exemplo de ato simples está
previsto no Artigo 61 da
Constituição da República,
excluído o parágrafo segundo,
pois a iniciativa pelos cidadãos
exige subscrição por 1% (um
por cento) do eleitorado
nacional. Nesse último caso,
portanto, é ato coletivo.
à aprovação da lei, e se desdobra nas seguintes etapas:
Ato coletivo
a) iniciativa;
b) discussão ou debates;
c) deliberação ou votação;
d) sanção ou veto;
e) promulgação;
f) publicação.
É “o que resulta da conjugação
de várias vontades com igual
conteúdo e finalidade, que se
unem somente para a manifestação comum, permanecendo
juridicamente autônomas”
(Diez, apud Ferreira Filho,
2002, p. 206, nota 23).
Exemplo de ato coletivo está
previsto no artigo 67 da
Constituição da República.
99
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4
Fluxograma de elaboração de lei ordinária previsto na Constituição da República
4
Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/processolegislativo/fluxo/fluxoConstitucional>. Acesso em: 22 jan.
2011.
100
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Seção 4.1
Iniciativa do Projeto de Lei
A iniciativa é a proposta de edição de direito novo, mediante a apresentação do projeto de lei pelo agente público legitimado. Em outras palavras, iniciativa de lei é a faculdade
que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo. A
iniciativa será parlamentar ou extraparlamentar, concorrente ou exclusiva.
Diz-se iniciativa parlamentar de lei a prerrogativa que a Constituição confere a todos
os membros do Congresso Nacional (deputados federais/senadores da República) de apresentação de projetos de lei, no âmbito do Estado-membro, aos deputados, e, no município,
aos vereadores.
Por outro lado, a iniciativa de lei será extraparlamentar quando a competência for
conferida ao chefe do Poder Executivo, aos Tribunais Superiores, ao Ministério Público e
aos cidadãos (iniciativa popular de lei).
Por sua vez, a iniciativa concorrente é aquela pertencente a vários legitimados, como
é a que compete simultaneamente aos parlamentares e ao presidente da República; enquanto iniciativa exclusiva é aquela reservada a determinado cargo ou órgão, como, por
exemplo, as privativas do chefe do Executivo.
É importante esclarecer que uma das funções primordiais do exercício da iniciativa de
lei, por meio da apresentação do projeto de lei ordinária ao Congresso Nacional, é definir
qual das casas legislativas analisará primeiramente o assunto (Deliberação Principal) e qual
atuará como revisora (Deliberação Revisional). Assim, a regra é que a deliberação principal
ocorra na Câmara dos Deputados e a Revisão no Senado Federal.
A Constituição da República estabelece no artigo 64 a regra para iniciativa e apreciação do projeto de lei no sistema bicameral: todo projeto de lei, independentemente do proponente, é proposto e tem iniciada sua análise na Câmara dos Deputados. A exceção está
para os projetos de lei de iniciativa do Senado Federal que, logicamente, terão seu início na
própria Casa Legislativa, seguindo, posteriormente, à Câmara dos Deputados. Tratando-se,
portanto, de projeto oriundo do Senado Federal, nesta Casa Legislativa terá início sua
tramitação; sendo de iniciativa do presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e
dos Tribunais Superiores e outros legitimados, terá início na Câmara dos Deputados; se for
por iniciativa popular, será exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados do projeto
de lei (artigo 61, § 2º, CR).
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Embora a Constituição não tenha tratado do tema, é certo, igualmente, que os projetos
de lei de iniciativa do Ministério Público começarão a tramitar na Câmara dos Deputados,
como se observa no artigo 109, § 1º, VII, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados.
O projeto de lei apresentado por qualquer dos legitimados citados deverá ser apreciado pelas duas Casas do Congresso Nacional. A primeira Casa a apreciar o projeto é chamada de Casa iniciadora, sendo a outra denominada de Casa revisora. Como referenciado
anteriormente, a regra é que a Casa iniciadora seja a Câmara dos Deputados. Somente
quando o projeto é de autoria de um senador ou de uma comissão do Senado é que a
tramitação se inicia no Senado Federal.
A iniciativa deflagra o processo legislativo e determina a obrigação da Casa Legislativa
destinatária de submeter o projeto de lei a uma deliberação definitiva.
A iniciativa de projeto de lei pode ser geral (regra) ou reservada (exceção). Quando a
iniciativa é geral, a propositura pode ocorrer por ato do presidente da República, de qualquer deputado ou senador, de qualquer comissão de ambas as Casas do Congresso Nacional e do povo, além de outros órgãos com competência para tal. Embora se afirme isso,
segundo Ferreira Filho (2002, p. 207), “a designação vale simplesmente na medida em que
significa poder propor direito novo sobre qualquer matéria (exceto as reservadas), já que os
titulares de iniciativa reservada, salvo o Presidente da República, apenas possuem iniciativa
para a matéria que lhes foi reservada”. A iniciativa popular, embora iniciativa geral, não
alcança as matérias reservadas.
O ritual de desenvolvimento do processo de elaboração da lei está previsto na Constituição da República. Em regra, a lei tem início pela propositura na Câmara dos Deputados,
embora silencie a respeito da iniciativa pelo procurador geral da República. Nos parece
evidente, entretanto, que a única exceção para a iniciativa de lei ocorre no caso da iniciativa de lei por senador, posto que há previsão expressa de que o início ocorre na Câmara dos
Deputados quando a iniciativa for do presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores (artigo 64) e decorrente de iniciativa popular (artigo 61, § 2o).
A Constituição da República possibilita a participação dos cidadãos no processo de
elaboração das leis, mas estabelece que a iniciativa popular será exercida pela apresentação à
Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional,
distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um
deles, o que representa mais de um milhão de eleitores. A exigência desse elevado número de
adesões à proposição, sem dúvida, termina por dificultar o exercício da iniciativa popular.5
5
Na Câmara dos Deputados, a partir de 2001, houve a criação da Comissão de Legislação Participativa – CLP – que simplificou a
participação popular no processo legislativo, por intermédio da apresentação de uma sugestão de lei à CLP. O recebimento de sugestões
para a proposição de projetos de lei, entretanto, está restrita a associações e órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da
sociedade civil, excluídos os partidos políticos e o recebimento de sugestões individuais.
102
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4.1.1 – INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE
A iniciativa comum ou concorrente compete ao presidente da República, a qualquer
deputado ou senador, a qualquer comissão de qualquer das Casas do Congresso, e à iniciativa popular (artigo 61, caput, CR).
A iniciativa popular decorre do princípio democrático participativo direto e, em matéria de lei federal, a propositura de lei está condicionada à manifestação de pelo menos 1% do
eleitorado nacional, que deverá estar distribuído em, no mínimo cinco Estados, exigida em
cada um deles a manifestação de 0,3% de seus eleitores (§ 2º, artigo 61, CR).
4.1.2 – INICIATIVA RESERVADA
A Constituição da República estabelece regras para a iniciativa de projetos de lei sobre
determinadas matérias, privativa ou exclusivamente, a determinados órgãos, em razão de
que existe alguma vinculação com a função pública exercida no âmbito do órgão competente. Assim, por exemplo, matérias que dizem respeito especificamente ao funcionamento
de algum órgão, serão de natureza interna corporis e somente a ele dirão respeito, sendo-lhe
reservada a competência, que, neste caso, será exclusiva.
4.1.2.1 – Iniciativa reservada ao presidente da República
O artigo 61, § 1º, da Constituição da República, reserva ao presidente da República6 a
iniciativa das leis que:
– criem cargos, funções ou empregos públicos, ou aumentem sua remuneração;7
– fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas;
– disponham sobre organização administrativa e judiciária;
6
A EC n° 32, de 11 de setembro de 2001, alterou parcialmente a redação do artigo 61, em sua alínea e, do inciso II, § 2°. Assim, por exemplo,
a iniciativa reservada das leis que versem o regime jurídico dos servidores públicos revela-se, enquanto prerrogativa conferida pela Carta
Política ao Chefe do Poder Executivo, projeção específica do princípio da separação de poderes, incidindo em inconstitucionalidade
formal a norma inscrita em Constituição do Estado que, subtraindo a disciplina da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe sobre
provimento de cargos que integram a estrutura jurídico-administrativa do Poder Executivo local. A Constituição Federal inseriu, ainda, na
esfera de atribuições do Executivo, o poder de elaborar e de encaminhar ao Legislativo o projeto de lei referente ao orçamento anual,
função esta que deverá observar somente as limitações da própria Carta Magna, da lei de diretrizes orçamentárias e do plano plurianual,
inexistindo possibilidade, sob pena de afronta à Separação dos Poderes, consagrada textualmente na Constituição Federal, do Poder
Judiciário determinar ao presidente da República a inclusão, no texto do projeto de lei orçamentária anual, de cláusula pertinente à fixação
da despesa pública, com a consequente alocação de recursos financeiros destinados a satisfazer determinados encargos.
7
“As Cartas de 1969 e de 1988 não conferiram poder normativo ao Senado Federal que o legitimasse a adotar estatuto próprio, veiculado
por meio de resolução, para disciplinar o regime jurídico de seus servidores, achando-se os funcionários civis dos três poderes da
República submetidos a regime funcional único instituído por lei que era, ao tempo da edição da referida Resolução, e continua sendo,
de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 57, V, da EC 01/69 e art. 61, § 1º, II, c, da CF/88)” (MS 22.644, Rel. Min. p/ o
ac. Ilmar Galvão, julgamento em 1º-9-99, DJ de 19-11-99).
103
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– disponham sobre matéria tributária8 e orçamentária,9 serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios;
– disponham sobre a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União,
dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (artigo 128, § 5º da Constituição);
– criem e extingam órgãos da administração pública;
– disponham sobre militares das Forças Armadas.
As referidas matérias são de observância obrigatória pelos Estados membros que, ao
disciplinarem o processo legislativo no âmbito das respectivas Constituições estaduais, não
poderão afastar-se da disciplina constitucional federal. Observe-se, entretanto, que a iniciativa para os projetos de lei em matéria tributária é concorrente entre Executivo e Legislativo
pois a regra da alínea “b”, do inciso II, do § 1º, do artigo 61, da CR, refere-se unicamente
aos territórios federais.
8
Em matéria tributária a Constituição da República silencia sobre a obrigatoriedade de observância nos Estados e municípios, da reserva
de iniciativa ao chefe do Executivo: STF – “Competência exclusiva do Poder Executivo iniciar o processo legislativo das matérias
pertinentes ao Plano Plurianual, às Diretrizes Orçamentárias e aos Orçamentos Anuais” (STF – Pleno – ADIn n.° 1.759-1/SC – Rel.
Min. Néri da Silveira – Diário da Justiça, Seção I, 6 abr. 2001, p. 66). No mesmo sentido: STF – “Considerando que não há reserva de
iniciativa do chefe do Poder Executivo para a propositura de leis referentes à matéria tributária, o Tribunal indeferiu pedido de medida
cautelar em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo contra a lei 6.486/2000, do mesmo Estado, que,
alterando o art. 3° da Lei 3.829/85, reduziu o valor da alíquota do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. À
primeira vista, o Tribunal entendeu não haver relevância jurídica na tese de inconstitucionalidade em que se alegava ofensa ao art. 61,
§ 1°, II, b, da CF – que confere ao Presidente da República a iniciativa privativa das leis que disponham sobre ‘organização administrativa
e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios’; – dado que tal dispositivo
refere-se exclusivamente aos territórios federais. Precedentes citados: ADinMC 2.304-RS (DJU de 15-12-2000); ADinMC 352-DF
(DJU de 8-3-1991)” (STF – Pleno – ADinMC n° 2.392/ES – Rel. Min. Moreira Alves, 28-3-2001 – Informativo STF n° 222, 26 a 30
mar. 2001, p. 1). “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 553/2000, do Estado do Amapá. Desconto no pagamento antecipado
do IPVA e parcelamento do valor devido. Benefícios tributários. Lei de iniciativa parlamentar. Ausência de vício formal. Não ofende
o art. 61, § 1º, II, b da Constituição Federal lei oriunda de projeto elaborado na Assembléia Legislativa estadual que trate sobre matéria
tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está circunscrita às iniciativas privativas do Chefe do Poder Executivo Federal na
órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI n. 2.724, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 2-4-04, ADI n. 2.304, Rel. Min.
Sepúlveda Pertence, DJ 15-12-2000 e ADI n. 2.599-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13-12-02. A reserva de iniciativa prevista no
art. 165, II da Carta Magna, por referir-se a normas concernentes às diretrizes orçamentárias, não se aplica a normas que tratam de
direito tributário, como são aquelas que concedem benefícios fiscais. Precedentes: ADI n. 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 274-01 e ADI n. 2.659, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 6-2-04. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente”
(ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-07, DJ de 25-5-07); “Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00,
do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema
estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores do Estado (...) Processo legislativo:
matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente à invocação do art. 61, § 1º, II, b, da
Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais” (ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 1910-06, DJ de 17-11- 06). No mesmo sentido: ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-01, DJ de 1º-8-03; ADI
2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-03, DJ de 25-4-03; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-06, DJ
de 9-6-06.
9
Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do
Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1°, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios
Federais” (STF – Pleno – ADin n° 2.304-7/RS – Medida Liminar – Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, Seção I, 15 dez.
2000, p. 61). Assim, decidiu o Supremo Tribunal Federal que “a Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração
do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume
e nem comporta interpretação ampliativa na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo
– deve, necessariamente, derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para
conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara – especialmente para os fins de instauração do respectivo processo
legislativo – ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado”.
104
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
4.1.2.2 – Iniciativa reservada à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal
A Constituição da República estabeleceu competência reservada para os projetos de
lei sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados e do Senado
Federal, o que decorre da previsão dos incisos IV do artigo 51 e XIII do artigo 52, combinados com o inciso II do artigo 63.
Constituição da República – 1988
Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos
Deputados:
Art. 52. Compete privativamente ao Senado
Federal:
Art. 63. Não será admitido
aumento da despesa prevista:
IV – dispor sobre sua organização,
funcionamento, polícia, criação, transformação ou
extinção dos cargos, empregos e funções de seus
serviços, e a iniciativa de lei para fixação da
respectiva
remuneração, observados os
parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
XIII – dispor sobre sua organização,
funcionamento, polícia, criação, transformação ou
extinção dos cargos, empregos e funções de seus
serviços, e a iniciativa de lei para fixação da
respectiva
remuneração,
observados
os
parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes
orçamentárias; (Redação dada pela Emenda
Constitucional nº 19, de 1998)
II – nos projetos sobre
organização dos serviços
administrativos da Câmara
dos Deputados, do Senado
Federal,
dos
Tribunais
Federais e do Ministério
Público.
4.1.2.3 – Iniciativa reservada aos tribunais
Os tribunais detêm competência privativa para propor a criação de novas varas judiciárias (artigo 96, I, “d”, CR). O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm
autoridade para propor a criação ou extinção dos tribunais inferiores, bem como a alteração
do número de membros destes, a criação e a extinção de cargos e a fixação de vencimentos
de seus membros, dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, dos serviços auxiliares dos
juízos que lhes forem vinculados, e a alteração da organização e da divisão judiciária (artigo 96, II, “a”, “b”, “c” e “d”, CR), observado o disposto no artigo 169, CR, que diz respeito
aos limites de despesa com pessoal (Lei de Responsabilidade Fiscal).
Compete, ainda, privativamente, ao Supremo Tribunal Federal, a iniciativa da lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura (artigo 93, CR).
4.1.2.4 – Iniciativa reservada ao Ministério Público
A Constituição da República assegurou ao Ministério Público a iniciativa privativa
para a introdução de projetos de lei sobre a criação ou a extinção de seus cargos ou de seus
serviços auxiliares (artigo 127, § 2º, CR). Foi-lhe conferida, portanto, maior autonomia em
relação à Constituição anterior.
105
EaD
Aldemir Berwig
4.1.2.5 – Iniciativa conjunta de projeto de lei
A Constituição da República inovou com a Emenda Constitucional nº 19/1998 em
relação à previsão de iniciativa de lei para fixação do teto salarial previsto no seu inciso XI,
do artigo 37. O inciso XV do artigo 48 estabelece que compete ao Congresso Nacional fixar,
por meio de lei ordinária, o valor do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, por
projeto de iniciativa conjunta dos presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do
Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal.
4.1.2.6 – Iniciativa popular de lei
A iniciativa popular de lei decorrente do exercício da soberania popular prevista no
artigo 14, III, CR, será proposta, mediante apresentação de projeto de lei que preencha os
requisitos constitucionais, à Câmara dos Deputados (§ 2º, do artigo 61, CR). As Constituições estaduais devem prever, nos termos do § 4º do artigo 27 da Constituição Federal, a
iniciativa popular de lei estadual.
4.1.3 – INICIATIVA VINCULADA
A iniciativa vinculada consiste no estabelecimento de competência para iniciar o projeto de lei, na qual a apresentação do projeto é obrigatória por determinação constitucional. Está prevista nos artigos 84, XXIII, e 165, da Constituição da República, que preveem
o envio, pelo chefe do Executivo Federal ao Congresso Nacional, do plano plurianual, do
projeto de lei de diretrizes orçamentárias e do projeto de orçamentos anuais.
A sistemática do controle judicial da omissão legislativa consagrada nos artigos 5º,
LXXI, e 103, § 2º da Constituição da República, permite converter direito de iniciativa assegurado em dever de deflagrar o procedimento legislativo, ou, mais propriamente, em dever
de legislar (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 78).
Reconhecida a inconstitucionalidade da omissão, na decisão em mandado de injunção
(artigo 5º, LXXI, CR) ou na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, §
2º, CR), ficam os órgãos competentes pela iniciativa do processo legislativo obrigados a
empreender a iniciativa reclamada.10
10
Ver Mandado de Injunção nº 107. Relator: Ministro Moreira Alves, In: Diário da Justiça de 21 de setembro de 1990. Também:
“Mandado de injunção. Garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 37,
inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos parâmetros de competência
constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos
termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da
106
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Seção 4.2
Apresentação e Distribuição dos Projetos de Lei
No Congresso Nacional, como já afirmamos anteriormente, a regra é que a propositura
de projeto de lei seja apresentada à Câmara dos Deputados. A exceção ocorre unicamente
quando a criação do projeto de lei decorrer de iniciativa de senador, quando será protocolada
na própria Casa Legislativa.
No caso da propositura na Câmara (artigos 82, § 4º e 101/RICD), se o projeto de lei for
de deputado ou de Comissão, deverá ser apresentado durante as sessões ordinárias do Plenário. Nos demais casos, o projeto deverá ser exposto diretamente à Mesa, órgão diretor da
Câmara dos Deputados.
A distribuição será feita pelo presidente da Câmara por meio de um despacho de distribuição, enviando os projetos às Comissões competentes para apreciação. A definição das
Comissões será feita com base na matéria tratada no projeto.
Essas Comissões são chamadas temáticas e suas competências estão estabelecidas no
respectivo Regimento Interno da casa legislativa.
omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que
o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis nºs 7.701/
1988 e 7.783/1989. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do Supremo Tribunal
Federal (STF). No julgamento do MI n. 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21-9-1990, o Plenário do STF consolidou entendimento
que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio
de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser
diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão
inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão
inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em
sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta
diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; v) o STF possui competência
constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o
intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito
constitucional invocado; vi) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas
que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. Apesar dos avanços proporcionados por
essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma
compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal
passou a admitir soluções ‘normativas’ para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF,
art. 5º, XXXV). Precedentes: MI n. 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14-11-1991; MI n. 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves,
DJ 27-3-1992; MI n. 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26-6-1992; MI n. 543/DF, Rel.
Min. Octavio Gallotti, DJ 24-5-2002; MI n. 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17-12-2002; e MI n. 562/DF, Rel. Min. Ellen
Gracie, DJ 20-6-2003. (...) Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito
de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que
o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima
especificados, determinar a aplicação das Leis n.s 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a
interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis” (MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-07,
Plenário, DJE de 31-10-08). No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, e MI 712, Rel. Min. Eros Grau,
julgamento em 25-10-07, Plenário, DJE de 31-10-08 (grifos apostos).
107
EaD
Aldemir Berwig
O Regimento Interno da casa legislativa poderá prever, ainda, a criação de comissões
temporárias (artigo 33 do RICD; artigo 74 do RISF), que poderão ser especiais (ou internas),
de inquérito e externas, cujas competências são estabelecidas no próprio Regimento ou lhes
são conferidas no próprio ato de criação, caso haja previsão.
Havendo a propositura de projeto de lei, antes de efetivar a distribuição, a Mesa Diretora deverá verificar se não existe algum outro projeto em tramitação que trate da mesma
matéria ou tema semelhante ou conexo. Nesse caso, ocorrerá a “distribuição por dependência”, determinando a apensação ao projeto em tramitação. Após datado e numerado, o projeto será tornado público pelos meios oficiais.
Seção 4.3
Regimes de Tramitação dos Projetos de Lei
11
Os regimes de tramitação dos projetos de
lei estarão previstos no Regimento Interno da
respectiva casa legislativa e estabelecem o rito.
O Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigos 52, 151, 152 e 158 do RICD) prevê
três regimes de tramitação: urgência, prioridade e ordinária.
A principal diferença entre eles está relacionada aos prazos e às formalidades que a
tramitação do projeto deve cumprir, como, por exemplo, a publicação e distribuição em avulsos ou por cópia.
A tramitação ordinária, que é a regra, é o regime de tramitação mais longo, no qual o
prazo das comissões é de 40 sessões para cada uma delas, ou seja, quando o projeto vai para
outra comissão, esse prazo de 40 sessões se reinicia neste órgão.
A tramitação em prioridade é estabelecida pelo próprio Regimento Interno: são os
projetos de lei de iniciativa do presidente da República, do Poder Judiciário, do Ministério
Público, da Mesa, de Comissão, do Senado Federal ou dos cidadãos. Neste regime, cada
uma das Comissões têm um prazo de 10 sessões para apreciá-los.
11
Disponível em: <http://www.pimentanocafe102fm.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan 2011.
108
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
A tramitação de urgência decorre da dispensa de algumas exigências e formalidades
regimentais, com exceção da publicação e distribuição, em avulsos ou cópias, dos pareceres
das Comissões e do quorum para deliberação, mas o prazo é diminuído para 5 sessões, que
corre simultaneamente para todas as comissões. Existem matérias cujos projetos já nascem
urgentes devido ao próprio conteúdo e estão previstos no próprio Regimento. Outros projetos se tornam urgentes em virtude de requerimento aprovado pelo Plenário.
Existe ainda a urgência urgentíssima. É um tipo de urgência que, embora não conste do
Regimento Interno da Câmara e do Senado, está consagrada pelo uso. Significa que o projeto de lei
poderá ser incluído automaticamente na Ordem do Dia da sessão plenária para discussão e votação
imediata, ainda que a sessão já tenha iniciado, caso seja aprovado requerimento nesse sentido.
Seção 4.4
Discussão
Apresentado o projeto de lei ao Poder Legislativo, iniciam-se os debates para votação sobre
a matéria (conjunta ou separadamente, dependendo da matéria, no caso do sistema bicameral).
Nos termos do artigo 165 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), “discussão é
a fase dos trabalhos destinada ao debate em Plenário”. A disciplina sobre a discussão e instrução
do projeto de lei é estabelecida pelos Regimentos Internos das Casas Legislativas. O projeto de lei
aprovado por uma casa será revisto pela outra em um só turno de discussão e votação.
Não há tempo prefixado para deliberação das Câmaras, salvo quando o projeto for de iniciativa do presidente e este formular pedido de apreciação sob regime de urgência (artigo 64, § 1º,
CR). Em caso de regime de urgência, se ambas as Casas não se manifestarem cada qual, sucessivamente, em até 45 dias, o projeto será incluído na ordem do dia, ficando suspensas as deliberações sobre outra matéria até que seja votada a proposição do presidente (artigo 64, §§ 1º e 2º, CR).
Seção 4.5
Emendas ao Projeto de Lei
Proposto o projeto de lei, iniciam-se os debates para sua aprovação. Durante os debates a proposta poderá ser emendada pelos parlamentares, únicos que no direito brasileiro
detêm competência para emendar o projeto de lei. Deve-se deixar claro, portanto, que nem
109
EaD
Aldemir Berwig
todo titular de competência para propor a iniciativa de lei tem competência para emendar a
proposta. A reserva dessa competência aos parlamentares, segundo Ferreira Filho (2002, p.
209), decorre de que eles são membros do órgão que constitui o direito novo, apresentandose a emenda como reflexo desse poder.
Isso significa que, após proposto o projeto de lei, o autor não poderá alterá-lo, havendo a possibilidade de retirá-lo e apresentá-lo novamente, reformulado. Admite-se, entretanto, que o autor altere a proposta sem retirá-lo unicamente nos casos de inclusão de dispositivos na proposta apresentada, jamais para suprimir dispositivo.
Os parlamentares, como dito anteriormente, poderão emendar o projeto de lei em discussão. São cinco as possibilidades de emenda (artigo 118, RICD), que podem ser supressivas,
substitutivas, aditivas, modificativas e aglutinativas. As supressivas são aquelas que suprimem todo um dispositivo: artigo, parágrafo, inciso ou alínea; as substitutivas são as que
substituem parte da proposição ou a modificam por inteiro, propondo outro texto para a lei;
as aditivas são as que acrescentam dispositivo inteiro ao futuro texto legal e podem ocorrer
mediante acréscimo de artigo, parágrafo, inciso ou alínea; as modificativas acrescentam,
suprimem ou modificam parte ou expressões no dispositivo; as aglutinativas resultam da
fusão de emendas apresentadas ou das emendas com o próprio texto do projeto de lei.
Mesmo, entretanto, que se diga que somente os parlamentares possam apresentar
emendas ao projeto de lei, não significa que todo e qualquer parlamentar possa apresentálas a qualquer momento. Para propor emenda a projeto de lei é necessário observar em que
fase da apreciação ele se encontra e verificar se é ou não cabível a emenda.
Embora se diga que nem todo titular de iniciativa goza do poder de emenda, uma vez
que esta faculdade é reservada aos parlamentares, uma prática comum na tramitação de
projetos de lei é a possibilidade de alteração do projeto mediante a apresentação de mensagens aditivas. Essa alternativa tem seus limites, não podendo ser empregada para suprimir
ou substituir dispositivos. A supressão ou a substituição somente poderá realizar-se pela
retirada e posterior reapresentação do projeto.
Seção 4.6
Deliberação parlamentar
No sistema bicameral, o projeto de lei é proposto em uma das casas legislativas, é
instruído e vai para aprovação, normalmente em Plenário; caso aprovado, segue para a
outra casa legislativa, onde é novamente instruído e vai para votação também, pela regra,
110
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
em Plenário. Não necessitará ir a Plenário o projeto que baixar às comissões em caráter
conclusivo ou terminativo. Durante a instrução do projeto de lei ele baixa às comissões
(artigo 58, § 2º, I, CR), quando será analisada inicialmente sua constitucionalidade e, posteriormente, seu mérito, nas chamadas, respectivamente, Comissão de Constituição e Justiça e Comissões Temáticas. 12
Nos debates nas comissões, o projeto de lei poderá sofrer emendas ou ter substitutivo
apresentado pelos parlamentares da respectiva casa legislativa, os quais serão analisados
quanto aos aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais ou de técnica legislativa,
e, no caso de emenda constitucional, de sua admissibilidade.
Pedido de vista é um instrumento regimental
concedido somente aos membros da Comissão, para
que possam analisar mais detalhadamente o projeto.
A vista do processo poderá ser individual ou conjunta
e o prazo é estabelecido no Regimento Interno. É
vedada a concessão a pedidos sucessivos e para
projetos em regime de urgência.
Apensação de proposição ocorre quando são
anexados novos projetos de lei que tratem de matéria
correlata ou conexa ao projeto que está sendo
discutido na Comissão. Nesse caso, o projeto será
devolvido ao Relator, que deverá proferir novo voto,
considerando também o novo projeto que foi
apensado.
Uma vez aprovado nas comissões, tratando-se de análise conclusiva, o projeto seguirá
para a Mesa da Casa Legislativa, onde aguardará o prazo recursal do artigo 58, § 2º, I, da
CR; decorrido o prazo, será enviado para redação final e retorna à comissão competente
para aprovação, seguindo novamente para a Mesa, que o encaminhará ao Senado Federal
ou à Presidência da República; no primeiro caso, para revisão, no segundo, como casa revisora
(artigo 58 do RICD).
12
O artigo 32 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece as Comissões Permanentes e respectivos campos temáticos
ou áreas de atividade, sendo elas: Comissão de Agricultura e Política Rural, Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e
Informática, Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias,
Comissão de Defesa Nacional, Comissão de Economia, Indústria e Comércio, Comissão de Educação, Cultura e Desporto, Comissão
de Finanças e Tributação, Comissão de Minas e Energia, Comissão de Relações Exteriores, Comissão de Seguridade Social e Família,
Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e Comissão de Viação e Transporte, Desenvolvimento Urbano e Interior.
Por sua vez, o artigo 72, do Regimento Interno do Senado Federal, institui as seguintes comissões permanentes: Comissão de Assuntos
Econômicos, Comissão de Assuntos Sociais, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão de Educação, Comissão de
Relações Exteriores e Defesa Nacional e Comissão de Serviços de Infraestrutura.
111
EaD
Aldemir Berwig
Apreciação conclusiva nas comissões
Nomeada a Comissão para apreciação do projeto
de lei, é designado um Relator e aberto o prazo
para a apresentação de emendas, que pode variar
conforme o Regimento Interno da casa
legislativa.13 Na apreciação conclusiva, qualquer
parlamentar pode apresentar emendas ao projeto,
mesmo não pertencendo à Comissão.
O Relator, responsável pela elaboração do
parecer ao projeto de lei, pode apresentar
emendas ao projeto durante a sua análise. Em
regra, os prazos estabelecidos nos Regimentos
são fixados em sessões ordinárias do Plenário da
casa legislativa, mas eventualmente algum prazo
pode ser contado em dias.
É importante frisar que na análise de projetos de
lei nas Comissões, qualquer parlamentar pode
participar dos debates, inclusive com direito a uso
da palavra, embora seja vedado tomar parte das
votações, uma vez que apenas pode partilhar das
votações naquela em que for membro integrante.
Na votação (artigo 47 da CR; artigos 56, § 2º e 57,
X a XV do RICD), a Comissão pode aprovar ou
rejeitar o parecer do Relator, total ou
parcialmente, com ou sem emendas ou com
substitutivo.
Recurso contra a votação
conclusiva na comissão
Como afirmamos, a votação
conclusiva ocorre na própria
Comissão mas poderá ser
questionada se houver
pronunciamento contrário
de 10% dos membros da
casa
legislativa
em
decorrência de que julgarem
que o projeto deva ser
apreciado pelo Plenário.
Neste caso (art. 58 do
RICD),
após
o
encerramento
da
apreciação conclusiva da
matéria e pronunciamento
de todas as comissões, o
projeto é enviado à Mesa da
casa legislativa, onde fica
aguardando o recurso
regimental. Caso não seja
apresentado recurso, volta à
Comissão para votação.
Regras para as votações nas
Comissões
Se o parecer do Relator for
aprovado, será considerado
parecer da comissão. Caso a
Comissão não acate o voto do
Relator, será designado outro
parlamentar para redigir o
parecer que tenha sido
aprovado pela comissão; o
parecer rejeitado do Relator
será considerado voto em
separado.
As votações nas comissões,
em regra, são tomadas por
maioria simples de votos,
estando presente a maioria
absoluta de seus membros,
prevalecendo em caso de
empate o voto do Relator,
salvo disposição constitucional
em contrário. O presidente de
comissão terá direito a voto
nas deliberações.
Não se tratando de análise terminativa, o projeto seguirá para o plenário da Casa deliberativa
principal, quando será discutido e votado nos termos do respectivo Regimento Interno.
Tratando-se de lei ordinária, a aprovação do projeto de lei condiciona-se à maioria
simples dos membros da respectiva Casa, ou seja, somente haverá aprovação pela maior
quantidade dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros, nos termos do artigo
47, da Constituição da República.
Formas de apreciação dos projetos de lei
São duas as formas de apreciação dos projetos de lei: a apreciação conclusiva ou
terminativa (artigo 58, § 2º, I, CR; artigo 24, II, RICD; artigo 91, do RISF) e a apreciação pelo
Plenário. A apreciação conclusiva ocorre nos casos em que a competência para a apreciação da
matéria cabe apenas a uma ou mais Comissões, que têm o poder de aprová-los ou rejeitá-los,
sem necessidade de o projeto ser discutido em Plenário. Caso, entretanto, um décimo dos
parlamentares interponha recurso (artigo 132, RICD; artigo 91, § 3º, do RISF), será obrigatória a
submissão ao Plenário para análise, discussão e aprovação. Já a apreciação sujeita à apreciação
do Plenário, é a regra, e, neste caso, o Plenário debate o tema do projeto após a apreciação
pelas Comissões para que a proposição vá ao Plenário; a apreciação é sujeita à deliberação do
Plenário, quando este é quem dá a palavra final sobre o projeto, após a análise das Comissões.
13
Na Câmara dos Deputados o prazo é de cinco sessões.
112
A respeito da
competência
para
analisar, discutir e
aprovar os projetos de
lei,
é
importante
esclarecer que deverá
estar estabelecida no
Regimento Interno da
Casa Legislativa.
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Atenção!
O quorum constitucional de maioria simples corresponde a um número variável, pois,
dependendo de quantos parlamentares estiverem presentes, este número poderá alterar-se.
O que a Constituição da República exige é um quorum mínimo para instalação da sessão.
Dessa forma, presentes, no mínimo, a maioria absoluta dos membros da respectiva Casa
Legislativa, o projeto de lei poderá ser posto em votação, aplicando-se como quorum de
votação a maior parte dos presentes.
Devemos, portanto, diferenciar o quorum para instalação da sessão, do quorum de
votação de um projeto de lei ordinária.14
Na Casa Revisora, igualmente, o projeto de lei será analisado pelas Comissões, discutido e votado. Se o projeto de lei for aprovado nos mesmos termos da Casa Inicial, seguirá
para o presidente da República.
Sendo rejeitado o projeto de lei, a matéria nele constante somente poderá constituir
objeto de novo projeto na próxima sessão legislativa. Poderá, entretanto, ser reapresentada
mediante proposta da maioria absoluta dos deputados federais ou dos senadores da República, conforme anota o artigo 67 da Constituição da República.
Caso o projeto de lei seja aprovado com alterações, retornará à Casa Legislativa inicial
para análise e votação das alterações em turno único. Na Casa Inicial, as alterações passam
pela Comissão de Constituição e Justiça, seguindo para votação. Importante ressaltar que,
em face do bicameralismo, sempre que houver emenda ao projeto de lei pela Casa
Revisora o projeto deverá retornar à Casa
Inicial para que seja analisada e aprovada
ou não (artigos 285, 286 e 287 do RISF).
14
Assim, por exemplo, se estiverem presentes os 513 deputados federais, teremos quorum para instalação da sessão, e para a aprovação
do projeto de lei ordinária haverá necessidade da maioria dos presentes, ou seja, 257 deputados. Se, porém, estiverem presentes 300
deputados federais, igualmente teremos quorum para instalação da sessão, porém a aprovação do projeto de lei ordinária dar-se-ia com
151 votos. Se estiverem presentes 260 deputados, haverá necessidade de 131 votos favoráveis para aprovação do projeto de lei. Uma
vez, e somente se aprovado o projeto de lei por uma das Casas, seguirá para a outra, que exercerá o papel de Casa Revisora. A
Constituição Federal determina que o projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra em um só turno de discussão e
votação (CF, artigo 65, caput).
113
EaD
Aldemir Berwig
O que é quorum?
Quorum é a exigência
constitucional ou regimental de
número mínimo de parlamentares
que devem estar presentes para a
prática de determinado ato ou que
devam se manifestar a respeito de
determinada matéria.
Quorum de abertura de sessão é
o número mínimo de parlamentares
exigido para o início de uma
sessão.
Quorum de deliberação é o número
mínimo de parlamentares que
devem estar presentes em uma
reunião de comissão ou sessão do
Plenário para que se possa deliberar
sobre qualquer matéria. Esse
número é fixado
constitucionalmente e corresponde à
maioria absoluta do total de
membros da comissão ou da casa
legislativa , conforme o caso.
Quorum de maioria absoluta
corresponde a mais da metade dos
membros da casa legislativa.
Quorum qualificado ou especial é
qualquer quorum superior ao de
maioria simples.
Quorum de aprovação é o
número mínimo de votos
necessários para que determinada
matéria seja aprovada.
Seção 4.7
Apreciação do Projeto de Lei no Plenário
Como vimos, o projeto de lei tramita primeiro nas comissões de mérito para depois
seguir à discussão em Plenário, caso não haja aprovação conclusiva nas comissões. A última, em regra, será a Comissão de Constituição e Justiça, para análise de constitucionalidade
do projeto de lei.
No Plenário, a discussão tem início quando for anunciado o projeto na Ordem do Dia.
Em regra, a discussão é sobre o projeto como um todo, mas, quando muito extensa, poderá
ser feita por títulos, capítulos, seções ou grupos de artigos.
A apreciação no Plenário da Casa Legislativa acontecerá quando não houver previsão
de aprovação nas comissões. Caso o projeto tenha recebido pareceres favoráveis de todas as
comissões, poderá haver dispensa da discussão mediante requerimento de um Líder, sem
impedimento de apresentação de emendas, quando ocorrerá a votação.
O parlamentar que desejar discutir matéria incluída na Ordem do Dia deverá se inscrever previamente junto a Mesa e, no momento da inscrição, deverá declarar sua posição
favorável ou contrária à matéria. O orador que não estiver presente no momento em que for
chamado, perderá a oportunidade e não poderá se pronunciar posteriormente. Em regra,
cada parlamentar pode pronunciar-se somente uma vez, durante o tempo estabelecido no
Regimento. Somente o Autor e o Relator do projeto de lei poderão pronunciar-se duas vezes.
É permitida a solicitação de aparte por um parlamentar enquanto outro faz seu pronunciamento. O aparte, que deverá ser autorizado pelo orador, consiste em breve intervenção visando
a um esclarecimento ou questionamento sobre algum ponto da matéria em discussão.
114
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Antes de iniciada a discussão pode ser adiada
uma única vez, mediante requerimento de Líder, Autor ou Relator, e desde que aprovado pelo Plenário.
Para os projetos urgentes, o adiamento será no máximo por duas sessões; nos demais casos, no máximo
por dez sessões. O encerramento da discussão poderá
ocorrer pela ausência de oradores, pelo decurso dos
prazos regimentais ou por decisão do Plenário.
As emendas ao projeto de lei sujeitos à apreciação no Plenário serão apresentadas no momento de
discussão, antes de iniciada a votação, por qualquer
deputado ou Comissão.
Encerrada a discussão, sem emendas, passa-se à votação do projeto, com a presença
de maioria absoluta de parlamentares em Plenário. A regra geral para se aprovar um projeto de lei ordinária é a maioria simples de votos, que corresponde ao número de votos favoráveis superior ao número de votos contrários. Se pegarmos como exemplo a Câmara de Deputados, veremos que é necessária a presença absoluta, ou seja, 257 deputados. Para aprovar
o projeto de “lei ordinária”, será necessária a aprovação por, no mínimo, 129 votos favoráveis, se estiverem presentes apenas 257 Deputados. Se o projeto for de “lei complementar ”,
serão precisos 257 votos favoráveis.
Na votação, o parlamentar poderá abster-se de
participar da votação, registrando “abstenção”; poderá também votar em branco, no caso de se declarar impedido de votar. As abstenções e os votos em
branco são considerados para efeito de quorum. Essa
observação é importante, pois a ausência ou
inobservância de quorum mínimo pode levar à anulação da votação.
No Senado Federal segue-se a mesma lógica citada. Para aprovar o projeto de lei é
necessária a presença de maioria absoluta dos 81 senadores: portanto, presença mínima de
41. Se for projeto de “lei ordinária”, será preciso o voto favorável de, no mínimo, 21 senadores, caso estejam presentes o mínimo de 41; se projeto de “lei complementar ”, será necessário o voto favorável de 41 senadores.
115
EaD
Aldemir Berwig
Importante!
Os projetos de lei deverão, sempre, ser aprovados por ambas as Casas Legislativas;
retornam à Casa Inicial somente em caso de emendas na Casa Revisora; se houver aprovação por uma das Casas e rejeição por parte da outra, o projeto de lei será arquivado, somente podendo ser reapresentado nos termos do artigo 67, da Constituição da República.
Após a aprovação do projeto de lei pelo Congresso Nacional, esse seguirá para o autógrafo que constitui o instrumento formal de apresentação do texto definitivamente aprovado pelo Poder Legislativo, antes de ser remetido ao presidente da República. O autógrafo
equivale à cópia autêntica da aprovação parlamentar do projeto de lei, devendo refletir, com
fidelidade, em seu conteúdo intrínseco, as transformações introduzidas na proposição
legislativa e o resultado da deliberação parlamentar.
Seção 4.8
Prazo para Deliberação Parlamentar
A Constituição da República, como regra, não fixou prazo para que o Poder Legislativo
exerça sua função legiferante. Dessa forma, ressalvados os prazos eventualmente fixados no
regimento interno de cada uma das Casas, inexiste outra determinação.
Há, entretanto, uma exceção prevista no artigo 64, § 1º, da Constituição da República, que estabelece o chamado “ regime de urgência constitucional” ou “processo legislativo
sumário”. Esse regime não exclui o pedido de urgência para apreciação de determinado
projeto de lei no âmbito de cada uma das Casas Legislativas, porém essa disciplina é regimental.
O Regimento Interno do Senado Federal prevê a possibilidade de urgência no artigo
336, enquanto o Regimento interno da Câmara dos Deputados disciplina o assunto no artigo 152. O regime de urgência constitucional (CF, artigo 64, §§ 1° a 4°) depende da vontade
do presidente da República, ao qual é concedida a faculdade de solicitar urgência para
apreciação de projetos de sua iniciativa, seja privativa, seja concorrente. Neste caso, nos
termos do já citado artigo 64, caput, a Câmara dos Deputados realizará a deliberação principal, cabendo ao Senado Federal a deliberação revisional.
Para este procedimento legislativo especial, dois são os requisitos constitucionais: projetos de iniciativa do presidente da República e solicitação ao Congresso Nacional.
116
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Cada uma das Casas Legislativas terá o prazo de 45 dias, sucessivamente, para apreciação do projeto de lei. Além disso, a apreciação de eventuais emendas do Senado Federal
(como Casa Revisora) pela Câmara dos Deputados, deverá ser feita no prazo de dez dias.
Considerando esses prazos, é possível dizer que o processo sumário não poderá exceder a
cem dias.
Caso seja desrespeitado esse prazo em decorrência de que cada uma das casas
legislativas não se manifestar no prazo de 45 dias, será o projeto incluído na ordem do dia,
sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, com exceção das matérias que
tenham prazo constitucional determinado, como é o caso das medidas provisórias, até que
se ultime a votação.
É vedada a ocorrência do processo legislativo sumário durante o recesso do Congresso
Nacional.
Seção 4.9
O Projeto de Iniciativa Reservada Pode Ser Emendado?
A Constituição da República veda emenda aos projetos de lei de iniciativa reservada
(artigo 63, I e II, CR) unicamente quando aumentem a despesa prevista originalmente. É
jurídica e perfeitamente possível, portanto, a apresentação de emendas a qualquer projeto
de lei oriundo de iniciativa reservada, desde que não implique aumento de despesa por flagrante ofensa ao princípio de independência e harmonia entre os Poderes da República.
4.9.1 – É POSSÍVEL EMENDA AO PROJETO DE LEIS ORÇAMENTÁRIAS?
As leis orçamentárias são de competência reservada ao chefe do Executivo (artigo 165,
CR). Tal como afirmamos anteriormente, entretanto, a Constituição não impede a apresentação de emendas ao projeto de lei orçamentária. Elas, todavia, deverão ser compatíveis
com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias e devem indicar os recursos
necessários, sendo admitidos apenas aqueles provenientes de anulação de despesa (artigo
166, § 3º, CR).
Há vedação expressa (artigo 166, § 4º, CR) unicamente em relação às emendas ao
projeto de lei de diretrizes orçamentárias que não guardem compatibilidade com o plano
plurianual.
117
EaD
Aldemir Berwig
Seção 4.10
Votação
15
A votação da matéria legislativa constitui ato coletivo de
cada uma das Casas do Congresso. Realiza-se, normalmente, após
a instrução do projeto nas comissões e dos debates no Plenário.
Essa decisão toma-se da seguinte forma:
– maioria simples (maioria dos membros presentes) para aprovação dos projetos de lei
ordinária – desde que presente a maioria absoluta de seus membros: 254 deputados (são 513
no total) na Câmara dos Deputados e 41 senadores (são 81 no total) no Senado Federal
(artigo 47, CR);
– maioria absoluta dos membros das Câmaras para aprovação dos projetos de lei complementar – 257 deputados e 42 senadores – (artigo 69); e,
– maioria de três quintos dos membros das Casas do Congresso para aprovação de
emendas constitucionais – 309 deputados e 51 senadores – (artigo 60, § 2º, CR).
Seção 4.11
Deliberação do Poder Executivo ao Projeto de Lei Aprovado
Concluída a deliberação parlamentar, o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional é remetido ao chefe do Executivo para deliberação, podendo ser sancionado ou vetado.
A sanção ou o veto pelo chefe do Executivo incidirão sobre o autógrafo, o qual deve retratar
fielmente o projeto aprovado pelo Poder Legislativo.
A existência da participação do Poder Executivo, além dos casos de iniciativa, na
elaboração das leis, justifica-se pela ideia de interrelacionamento entre os Poderes do Estado e visa ao controle recíproco.
15
Disponível em: <http://www.apaginadavida.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011.
118
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
4.11.1 – QUAL A NATUREZA JURÍDICA DA DELIBERAÇÃO DO PODER EXECUTIVO?
Muito tem discutido a doutrina sobre a natureza jurídica da participação do Poder
Executivo no processo de elaboração das leis.
Hilda de Souza (1998, p. 212-214), fundamentada nos posicionamentos de Temer e
Rodrigues, defende a ideia de que os atos de deliberação do Poder Executivo para vetar ou
sancionar o projeto de lei já aprovado no Poder Legislativo, não integram propriamente o
processo legislativo e, por tal motivo, somente as fases que estiverem tramitando neste último Poder é que devem ser consideradas competência legislativa. Assim, para a autora, os
atos de deliberação pelo chefe do Executivo, seja para sancionar ou para vetar o projeto de
lei aprovado, são atos executivos, não legislativos. Para a autora, são meras “formalidades
exclusivamente burocráticas” (p. 114). “Esses atos, embora integrantes da cadeia sucessiva
de atos do processo legislativo, não são de natureza legislativa. Ao contrário,
consubstanciam-se o exercício de um Poder, de natureza executiva, atribuído ao Chefe deste Poder ” (p. 103).
Esse não nos parece o melhor entendimento em razão de que o processo de elaboração
legislativa é um conjunto de atos que decorrem do exercício de uma função estatal, a “função legislativa”. Afirmar que a participação do Executivo na elaboração da lei não caracteriza o exercício de função legislativa, terminaria por nos induzir a afirmar erroneamente que
cada um dos Poderes exerce exclusivamente a sua função precípua, quando é por demais
conhecido entre nós que cada um dos Poderes tem uma função principal mas que a Constituição da República lhes estabelece outras, de forma secundária, mediante as competências
funcionais.
Nos parece, portanto, que as deliberações do chefe do Executivo acerca do projeto
de lei aprovado pelo Poder Legislativo têm natureza legislativa. São competências de natureza legislativa conferidas ao chefe do Poder executivo pela constituição da República.
É a compreensão de José Afonso da Silva (1990, p. 454), para quem trata-se de “ato
legislativo de competência exclusiva do Presidente da República”, posto que “a matriz da
compreensão encontra-se no fato de que ao Poder Executivo também são cometidas atribuições legislativas, pela própria Constituição, e que ao colaborar com o Poder Legislativo,
vetando ou sancionando um projeto de lei, está exercitando funções propriamente
legislativas, decorrente de seu poder constitucional de, nos casos previstos, exercer funções legislativas, também ele, integrando-se como legislador no Processo Legislativo” (Souza, 1998, p. 112).
119
EaD
Aldemir Berwig
4.11.2 – SANÇÃO
É a concordância do chefe do Executivo aos termos do projeto de lei devidamente aprovado pelo Poder Legislativo. Poderá ser: expressa, quando o chefe do Executivo manifesta-se
favoravelmente no prazo de 15 dias úteis; tácita, quando silencia nesse mesmo prazo.
Fórmula utilizada no caso de sanção expressa:
O PRESIDENTE DA REPÚBLICA.
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: (...)
Exemplo de lei promulgada após a verificação da sanção tácita:
Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991.
Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL aprovou, o Presidente da República, nos termos do
§ 3º do art. 66 da Constituição, sancionou, e eu, NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado
Federal, nos termos do § 7º do mesmo artigo, promulgo a seguinte Lei:
Restabelece o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico.
Art. 1º Fica restabelecido o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico –
FNDCT, criado pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969.
Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo os efeitos a partir de 5 de
outubro de 1990.
Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário.
Senado Federal, em 18 de janeiro de 1991.
Nelson Carneiro
Presidente.
4.11.3 – VETO
É a manifestação de discordância ao projeto de lei pelo chefe do Executivo, aprovado
pelo Poder Legislativo no prazo de 15 dias úteis, contados do seu recebimento.
Ponto que não apresenta unanimidade entre os doutrinadores diz respeito à natureza
jurídica do veto. Alguns entendem que se trata de um direito; outros, de poder; por fim,
alguns entendem que se trata de um poder-dever. Nos parece que a melhor compreensão é a
terceira, que o entende como um poder-dever ou “dever-poder ”, como afirma Mello (2001).
O chefe do Executivo veta pelas razões expressas no § 1º, do artigo 66, CR, em razão de sua
competência: trata-se de dever; por outro lado, faz uso da competência para atender o interesse maior do ente político-administrativo e da coletividade: é o exercício do poder.
120
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Existem dois fundamentos para o veto do chefe do Executivo: vetá-lo por entendê-lo
inconstitucional (aspecto jurídico) ou contrário ao interesse público (aspecto político). No
primeiro caso teremos o chamado veto jurídico, enquanto no segundo, o veto político.
O veto é irretratável, pois, uma vez manifestado e comunicadas as razões ao Poder
Legislativo, tornar-se-á insuscetível de alteração de opinião do presidente da República.
Além disso, é importante dizer que o veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea.
Exemplo de veto por inconstitucionalidade:
Veto ao artigo 39, inciso X, do Projeto de Lei que dispunha sobre a proteção do consumidor, convertido na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990:
Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços:
Inciso X – praticar outras condutas abusivas.
Razões de veto:
O princípio do Estado de Direito (Constituição, art. 1º) exige que as normas legais sejam formuladas de forma clara e precisa, permitindo que os seus destinatários possam prever e avaliar as
conseqüências jurídicas dos seus atos.16
Exemplo de veto em razão de contrariedade ao interesse público:
Veto do § 2º do artigo 231 do Projeto de Lei que instituía o Regime Único dos servidores públicos.
Art. 231. (...)
§ 2º O custeio da aposentadoria é de responsabilidade integral do Tesouro Nacional.
Razões do veto:
A matéria acha-se adequadamente disciplinada nos arts. 183 e 231, caput. Assim, ao estabelecer que o custeio da aposentadoria é de responsabilidade integral do Tesouro, o § 2º do art.
231 revela manifesta incongruência frente aos textos referidos, podendo gerar equívocos
indesejáveis.
16
Mensagem no 664, de 11 de setembro de 1990, publicada no Diário Oficial da União de 12 de setembro de 1990 (apud Mendes; Forster
Júnior, 2002, p. 108).
121
EaD
Aldemir Berwig
4.11.3.1 – Características do veto
a) quanto aos fundamentos, o veto pode ser jurídico (inconstitucionalidade) ou político
(contrariedade ao interesse público);
b) quanto à forma, o veto deverá ser expresso: sempre decorre da manifestação expressa do
chefe do Executivo, no prazo de 15 dias úteis, pois o silêncio ocasiona a sanção tácita.
c) Quanto à motivação deverá ser motivado: o veto expresso deverá ser sempre motivado
para que se conheçam as razões que levaram a ele. Decorre da necessidade de que se dê
conhecimento ao Poder Legislativo e à sociedade sobre as razões que levaram ao veto; é
necessário, pois o Poder Legislativo deverá examinar as razões do veto para mantê-lo ou
derrubá-lo, visando, neste último caso, a sua promulgação.
d) quanto à extensão, o veto pode ser total ou parcial: o chefe do Executivo poderá vetar
total ou parcialmente o projeto de lei aprovado pelo Legislativo, desde que esta parcialidade somente alcance texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. É
vedado o veto de palavras, frases ou orações isoladas pois fere a boa técnica legislativa.
e) quanto aos efeitos poderá ser apenas supressivo: no Direito brasileiro o veto somente
poderá determinar a supressão de parte da lei, sendo vedado qualquer acréscimo.
f) quanto ao efeito, o veto é relativo: é relativo em razão de que poderá ser derrubado pela
maioria absoluta dos deputados e senadores, em escrutínio secreto e sessão conjunta do
Congresso Nacional. O veto apenas impede a imediata conversão do projeto em lei, sem
prejudicar sua posterior análise pelo Poder Legislativo que poderá, rejeitando -o,
reencaminhá-lo ao Executivo para promulgação e publicação da lei.
g) quanto à devolução, a atribuição para apreciar o veto é confiada, exclusivamente, ao
Poder Legislativo (veto legislativo).
4.11.3.2 – Tramitação do veto
Sendo vetado o projeto de lei, ele retorna ao Poder Legislativo, quando será apreciado.
Se parte do projeto tiver veto parcial, apenas o texto vetado retornará ao Legislativo
para apreciação e deliberação. A parte sancionada deverá ser, no prazo de 48 horas, promulgada e publicada.
A votação sobre a manutenção ou derrubada do veto será realizada em escrutínio
secreto, no prazo de 15 dias. Derrubado o veto, será encaminhado ao chefe do executivo
para promulgação; mantido o veto, será arquivado. Esgotado o prazo de 15 dias úteis sem
deliberação, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas todas as
proposições, até sua votação final.
122
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Seção 4.12
Fase Complementar
A fase complementar compreende a promulgação e a publicação da lei, posto que a
primeira lhe dá vigência enquanto a segunda lhe dá notoriedade, da qual decorre sua
obrigatoriedade.
4.12.1 – PROMULGAÇÃO
Promulgar é atestar que a ordem jurídica foi inovada, declarando que uma lei existe e
deve ser cumprida. A promulgação incide sobre um ato perfeito e acabado, a própria lei. O
projeto aprovado pelo Legislativo torna-se lei com a sanção do chefe do Executivo ou, em
caso de veto, com sua derrubada por parte do Legislativo, uma vez que a promulgação
refere-se à própria lei.
Segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 110), a promulgação atesta a existência
da lei, produzindo dois efeitos básicos:
a) reconhece os fatos e atos geradores da lei;
b) indica que a lei é válida.
4.12.2 – OBRIGATORIEDADE DE PROMULGAR
A promulgação das leis compete ao chefe do Executivo (artigo 66, § 7º, CR) no prazo
de 48 horas decorrido da sanção ou da superação do veto. Neste último, não havendo promulgação, esta competirá ao presidente do Senado Federal, que disporá, igualmente, de 48
horas para fazê-lo; se este não o fizer, deverá fazê-lo o vice-presidente do Senado, em prazo
idêntico.
4.12.3 – CASOS E FORMAS DE PROMULGAÇÃO
A complexidade do processo legislativo, também na sua fase conclusiva – sanção, veto,
promulgação –, faz com que haja a necessidade de se desenvolverem formas diversas de
promulgação da lei.
Podem ocorrer as seguintes situações (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 111):
123
EaD
Aldemir Berwig
a) o projeto é expressamente sancionado pelo presidente da República, verificando-se a sua
conversão em lei.
Nesse caso, a promulgação ocorre concomitantemente à sanção;
b) o projeto é vetado, mas o veto é rejeitado pelo Congresso Nacional, que o converte, assim,
em lei.
Não há sanção nesse caso, devendo a lei ser promulgada mediante ato solene (Constituição, artigo 66, § 5º);
c) o projeto é convertido em lei mediante sanção tácita. Nessa hipótese, compete ao presidente da República – ou, no caso de sua omissão, ao presidente ou ao vice-presidente do
Senado – proceder à promulgação solene da lei.
Exemplos de Atos Promulgatórios de Lei:
a) Sanção expressa e solene:
O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: (...)
b) Promulgação pelo presidente da República de lei resultante de veto total rejeitado pelo
Congresso Nacional:
O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional manteve e eu promulgo, nos
termos do art. 66, § 5º, da Constituição, a seguinte Lei: (...)
c) Promulgação pelo presidente do Congresso Nacional de lei resultante de veto total rejeitado:
O Presidente do SENADO FEDERAL promulga, nos termos do art. 66, § 7º, da Constituição
Federal, a seguinte Lei, resultante de Projeto vetado pelo Presidente da República e mantido pelo
Congresso Nacional: (...)
d) Parte vetada pelo presidente da República e mantida pelo Congresso Nacional:
O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional manteve e eu promulgo, nos
termos do art. 66, § 5º, da Constituição, o seguinte (ou seguintes dispositivos) da Lei nº ..., de..., de
..., de 1991: (...).
e) Promulgação pelo presidente do Senado Federal de parte vetada pelo presidente da República e mantida pelo Congresso Nacional:
O Presidente do Senado Federal: Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL manteve, e eu,
NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado Federal, nos termos do § 7º, do art. 66, da Constituição Federal, promulgo a seguinte parte da Lei nº 7.712, de 22 de dezembro de 1988: (...).
124
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
f) Promulgação pelo presidente do Senado Federal de lei sancionada tacitamente pelo presidente da República:
Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL aprovou, o Presidente da República, nos termos do
§ 3º do art. 66 da Constituição, sancionou, e eu, NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado
Federal, nos termos do § 7º do mesmo artigo promulgo a seguinte Lei: (...).
g) Promulgação pelo presidente do Senado Federal de Lei resultante de Medida Provisória
integralmente aprovada pelo Congresso Nacional:
Faço saber que o Presidente da República adotou a Medida Provisória nº 293, de 1991, que o Congresso Nacional aprovou e eu, NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado Federal, para os efeitos
do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição Federal, promulgo a seguinte Lei: (...).
Seção 4.13
Publicação
17
A publicação consiste em trazer a conhecimento de toda
a coletividade a existência da lei, de seu conteúdo e do início
de vigência, mediante a inserção do texto promulgado na
íntegra no Diário Oficial, para que se torne de conhecimento
público, sendo condição de vigência e eficácia da lei.
A lei estabelece a forma oficial de publicidade das leis.
No âmbito federal, as leis e demais atos normativos são publicados no Diário Oficial da União.
4.13.1 – A SANÇÃO DE PROJETO DE LEI CONVALIDA O VÍCIO DE INICIATIVA?
A questão que já ocupou os Tribunais e o Supremo Tribunal Federal afirmou, inicialmente, que “a falta de iniciativa do Executivo fica sanada com a sanção do projeto de lei”
(Súmula nº 5). Tal entendimento, entretanto, foi deixado de lado, e hoje a orientação é de
que a sanção não supre defeito de iniciativa.18
17
Disponível em: <http://www.sites.google.com>. Acesso em: 10 jan. 2011.
18
“A sanção do projeto de lei não convalida o vício de inconstitucionalidade resultante da usurpação do poder de iniciativa. A ulterior
aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, não tem
o condão de sanar o vício radical da inconstitucionalidade. Insubsistência da Súmula n. 5/STF. Doutrina. Precedentes.” (ADI 2.867,
Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-12-03, DJ de 9-2-07). No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia,
julgamento em 4-3-09, Plenário, DJE de 21-8-09; ADI 1.963-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 18-3-99, DJ de 7-599; ADI 1.070, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 29-3-01, Plenário, DJ de 25-5-01.
125
EaD
Aldemir Berwig
4.13.2 – PUBLICAÇÃO E INÍCIO DA VIGÊNCIA DA LEI
A entrada em vigor da lei subordina-se aos seguintes critérios (Mendes; Forster Júnior,
2002, p. 111):
a) o da data de sua publicação;
b) o do dia prefixado ou do prazo determinado, depois de sua publicação;
c) o do momento em que ocorrer certo acontecimento ou se efetivar dada formalidade nela
previstos, após sua publicação;
d) o da data que decorre de seu caráter.
4.13.3 – CLÁUSULA DE VIGÊNCIA
Até o advento da Lei Complementar nº 95, de 1998, a cláusula de vigência era apresentada com a seguinte expressão: “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”. Hoje, ainda,
a fórmula é indistintamente utilizada, pelo menos no âmbito da legislação municipal.
A Lei Complementar nº 95/1998 dispôs em seu artigo 8º que as leis passariam a indicar
o início da vigência de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que
delas se tenha conhecimento, reservando-se a expressão referida apenas para as leis de pequena repercussão.
Assim, no caso das leis que tenham impacto nas relações jurídicas, a cláusula padrão
passou a ser:
Esta Lei entra em vigor após decorridos .....dias de sua publicação oficial.
Caso a lei silencie sobre o início da vigência da lei, deverá ser aplicado o princípio
estabelecido no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 4
de setembro de 1942, artigo 1º):
Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente
publicada.
4.13.4 – VACATIO LEGIS
Vacatio legis é o período intercorrente entre a publicação da lei e a sua entrada em
vigor. Será o período anterior ao início da vigência, previsto na lei, ou, no silêncio desta, o
prazo de 45 dias após a publicação da lei. Enquanto não transcorrer o prazo da vacatio
legis, continua em vigor a lei anterior sobre a mesma matéria.
126
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
A vacatio legis é contada em dias corridos, com exclusão do primeiro e inclusão do
último, computados domingos e feriados (dies a quo non computatur in termino; dies
termini computatur in termino). Não se aplica para o cômputo da vacatio legis o princípio
da prorrogação para o dia útil imediato quando o último dia do prazo for domingo ou
feriado.
A vacatio legis é disciplinada pelas normas estabelecidas na Lei de Introdução ao Código Civil.
4.13.5 – VACATIO LEGIS E O INÍCIO DA OBRIGATORIEDADE
DA LEI BRASILEIRA NO ESTRANGEIRO
Quando admitida, a lei brasileira torna-se obrigatória nos Estados estrangeiros 90
dias após sua publicação (Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 1º, § 1º).
4.13.6 – VACATIO LEGIS E NORMAS COMPLEMENTARES,
SUPLEMENTARES E REGULAMENTARES
Diferentemente do que se possa entender, não é apenas durante o prazo que a lei
estabelece para que entre em vigor, que se verifica a vacatio legis. Ocorre também quando
esta, para ser executada, reclama ou exige a edição de normas complementares, suplementares ou regulamentares (Rao apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 112). Tem-se pois, nesse caso, um intervalo de tempo entre a publicação da lei e o início de sua obrigatoriedade,
que há de se encerrar, em princípio, com a entrada em vigor dessas normas derivadas ou
secundárias.
4.13.7 – VACATIO LEGIS E REPUBLICAÇÃO DO TEXTO PARA CORREÇÃO
Caso o ato normativo contenha incorreções ou erros materiais ao ser publicado, deverá ocorrer nova publicação, parcial ou total, com o texto retificado.
Se republicação da lei ocorrer antes do início da vigência, a parte republicada terá
prazo de vigência contado a partir da nova publicação (artigo 1º, § 3º, LICC). As emendas
ou as correções à lei que já tenha entrado em vigor são consideradas lei nova (artigo 1º, §
4º, LICC), seguindo as regras antes estabelecidas para início da vigência.
127
EaD
Aldemir Berwig
SÍNTESE DA UNIDADE 4
Nesta quarta Unidade abordamos as fases de desenvolvimento do
processo legislativo indicando a atribuição de cada órgão na elaboração da lei, desde a iniciativa até a sua publicação.
Demonstramos que a elaboração da lei não é competência exclusiva do Poder Legislativo, enfatizando que o papel de cada um dos
Poderes ressalta segundo a competência estabelecida em lei, assunto já indicado também em Unidade anterior.
Argumentamos sobre os regimes de tramitação dos projetos de lei
e os requisitos para a deliberação parlamentar, enfatizando as regras para votação no Plenário e nas Comissões, neste caso, quando se tratar de deliberação conclusiva.
128
EaD
Unidade 5
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
FORMA E ESTRUTURA DA LEI
SEGUNDO A LEI COMPLEMENTAR Nº 95/1998
OBJETIVOS DESTA UNIDADE
• Apresentar, a partir das regras estabelecidas na Lei Complementar nº 95/1998, a estrutura
da lei, que compreende a ordem legislativa, a matéria legislada e suas partes.
• Analisar as especificidades necessárias para produzir uma boa lei e torná-la facilmente
interpretável, isenta de controvérsias, e a necessidade atual de consolidação legislativa
como forma de tornar mais claro o ordenamento jurídico.
AS SEÇÕES DESTA UNIDADE
Seção 5.1 – Ordem legislativa
Seção 5.2 – Vigência da lei
Seção 5.3 – Cláusula de revogação
Seção 5.4 – Repristinação
Seção 5.5 – Fecho da lei
Seção 5.6 – Assinatura e referenda
Seção 5.7 – Parte normativa da lei
Seção 5.8 – Desenvolvimento de uma lei
Seção 5.9 – Organização interna da lei
Seção 5.10 – Critérios de sistematização
Seção 5.11 – Remissões legislativas
Seção 5.12 – Consolidação da legislação
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EaD
Aldemir Berwig
O artigo 1º da Lei Complementar nº 95/1998 estabelece regras obrigatórias para a
elaboração dos atos normativos previstos no artigo 59 da Constituição da República, e,
também, aos atos normativos administrativos de competência do Poder Executivo Federal.
Peca por falta de precisão quanto ao alcance de suas normas, não se podendo afirmar que
seja de observância obrigatória a todos os órgãos públicos, embora fosse desejável.
O artigo 2º da lei nos revela a dimensão das normas que deverão seguir seus dispositivos: as emendas à Constituição Federal e as leis complementares, ordinárias e delegadas,
aparentemente em virtude do respeito à autonomia dos entes político-administrativos.
Feitas essas considerações, passemos à análise das normas previstas na lei.
A Lei Complementar nº 95/1998 estabelece a estrutura que a lei a ser elaborada deve
apresentar, composta por dois elementos básicos: a ordem legislativa e a matéria legislada.
A ordem legislativa compreende a parte preliminar e o fecho da lei; a matéria legislada diz
respeito ao texto ou corpo da lei.
Seção 5.1
Ordem Legislativa
O ato normativo é estruturado em três partes básicas:
a) A parte preliminar, que compreende a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do
objeto e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas;
b) A parte normativa, que é o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com
a matéria regulada;
c) A parte final, que diz respeito às disposições pertinentes às medidas necessárias à introdução das normas de conteúdo substantivo, às disposições transitórias, se for o caso, à
cláusula de vigência e à cláusula de revogação, quando couber.
5.1.1 – EPÍGRAFE
A epígrafe é a parte do ato que o qualifica na ordem jurídica e o situa no tempo, por
meio da data, da numeração e da denominação. É grafada em caracteres maiúsculos, propiciando a identificação numérica singular à lei, formada pelo título designativo da espécie
normativa, pelo número respectivo e pelo ano de promulgação. Na prática, a epígrafe traz a
data de promulgação por extenso.
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EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Exemplo de epígrafe:
LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1998.
5.1.2 – EMENTA OU RUBRICA DA LEI
A ementa é a parte inicial do ato normativo, logo após sua identificação, que, de modo
conciso, sintetiza o conteúdo da lei, a fim de permitir, de modo imediato, o conhecimento da
matéria legislada.
Exemplos de ementa:
Consolida a legislação relativa à pessoa com deficiência no Estado do Rio Grande do Sul.
Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de
1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências.
Altera disposições da Lei nº 8.121, de 30 de dezembro de 1985, Regimento de Custas, e da Lei nº
8.960, de 28 de dezembro de 1989, que dispõe sobre a Taxa Judiciária.
5.1.3 – PREÂMBULO
O preâmbulo contém a declaração do nome da autoridade, do cargo em que se acha
investida e da atribuição constitucional em que se funda para promulgar a lei e a ordem de
execução ou mandado de cumprimento, e prescreve a força coativa do ato normativo.
Exemplo de autoria:
O Presidente da República
Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei (...)
Exemplo de ordem de execução:
O Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei:
5.1.4 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO
O primeiro artigo da lei indicará o objeto e o âmbito de aplicação do ato normativo a
ser editado de forma específica, em conformidade com as competências estabelecidas constitucionalmente, observados os seguintes requisitos:
131
EaD
Aldemir Berwig
a) cada lei tratará de um único objeto, com exceção das codificações;
b) a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade,
pertinência ou conexão;
c) o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite
o conhecimento técnico ou científico da área respectiva;
d) o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a
subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por
remissão expressa.
Seção 5.2
Vigência da Lei
A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável
para que dela se tenha amplo conhecimento. A vigência imediata mediante a cláusula “entra
em vigor na data de sua publicação” será utilizada apenas para leis de pequena repercussão.
As leis que estabeleçam período de vacância determinam a cláusula “esta lei entra em vigor
após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial”. Trata-se, portanto, de dar publicidade à norma jurídica para que o cidadão tenha conhecimento da lei, para que só posteriormente
ela tenha exigibilidade. Ainda, para a contagem do prazo de entrada em vigor, inclui-se o primeiro
e o último dia do prazo para que a vigência inicie no dia subsequente a sua contagem.
Caso a lei não consigne data ou prazo para entrada em vigor, aplica-se preceito constante do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual, salvo disposição
em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias após a sua publicação.
Seção 5.3
Cláusula de Revogação
Uma norma essencial para a clareza das normas jurídicas está estabelecida com a
obrigatoriedade de cláusula expressa de revogação, que deve enumerar, expressamente, as
leis ou disposições legais revogadas. É vedada, portanto, a revogação genérica de dispositivos ou leis mediante o uso de cláusulas gerais como a seguinte, muito utilizada no
ordenamento jurídico brasileiro: “ revogam-se os dispositivos em contrário”.
132
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Tal dispositivo é vedado em razão de que acarreta uma afronta ao princípio da segurança jurídica em razão de uma complexidade na interpretação, uma vez que não expressa
as normas que podem ter sido revogadas. A melhor técnica legislativa, portanto, estabelece
que o legislador deve ter o cuidado em dizer quais as normas que estão sendo revogadas e
que estão fora do ordenamento jurídico para evitar a sua invocação extemporânea.
A partir da promulgação da Lei Complementar nº 95/1998, no entanto, o direito brasileiro passou a exigir cláusula de revogação específica, que estabeleça qual a lei, leis ou
dispositivo de lei que estão sendo revogados.
Exemplos de cláusulas revogatórias específicas:
Revogam-se a Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil e a Parte Primeira do Código
Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850.
Revogam-se as Leis nºs 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166, de 4 de dezembro de 1962,
4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3º da Lei nº 6.014, de 27 de
dezembro de 1973, o art. 1º da Lei nº 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei nº 6.978, de 19
de janeiro de 1982, e o art. 2º da Lei nº 9.259, de 9 de janeiro de 1996.
Fica revogado o Decreto no 3.834, de 5 de junho de 2001.
Como lembram Mendes e Forster (2002, p. 95), é importante acrescentar que a
doutrina já apontava a desnecessidade de cláusula revogatória genérica em razão de
que a derrogação do direito anterior decorre da simples incompatibilidade com a nova
disciplina jurídica conferida à matéria, o que está previsto no artigo 2º, § 1º da Lei de
Introdução ao Código Civil. O emprego, portanto, de cláusula específica de revogação,
além de marcar o encerramento da vigência do texto legal, remete com precisão aos
dispositivos revogados.
Seção 5.4
Repristinação
Repristinação é o fenômeno que ocorre quando uma lei revogada entra em vigor novamente em razão de que a lei revogadora foi revogada. É a restauração da vigência da lei
para que possa voltar a produzir efeitos novamente. Em nosso Direito, a repristinação é
proibida pelo artigo 2°, § 3°, da Lei de Introdução ao Código Civil, que estabelece: “Salvo
disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a
vigência”.
133
EaD
Aldemir Berwig
É, então, vedada a repristinação automática de lei anterior pela revogação da lei
revogadora. A lei que revoga a lei revogadora, entretanto, pode prever em seus dispositivos a
repristinação da lei revogada e ela voltará a ter vigência.
Seção 5.5
Fecho da Lei
No Direito brasileiro está consagrado o fechamento dos atos legislativos no âmbito da
União pela referência a dois acontecimentos marcantes da História: a Declaração da Independência e a Proclamação da República.
Exemplo de fecho de lei:
Brasília, 26 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República.
PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 04 de setembro de 2007.
Seção 5.6
Assinatura e Referenda
Os atos normativos, para terem validade, além de designarem a autoridade competente que decreta ou sanciona o ato, devem ser assinados por ela. É prática amplamente consolidada no Direito Constitucional e Administrativo brasileiros.
Além da assinatura da autoridade competente, as leis devem ser referendadas pelas
autoridades subordinadas ao chefe do Executivo (ministros e secretários de Estado ou Municipais), responsáveis pela matéria (Constituição da República, artigo 87, parágrafo único,
I), que assumem, assim, a corresponsabilidade por sua execução e observância.
Seção 5.7
Parte Normativa da Lei
A parte normativa da lei é o seu corpo; o conjunto de normas jurídicas que estabelece
as regras de condutas a serem observadas por todos.
134
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
5.7.1 – SISTEMÁTICA DA LEI
No Estado de Direito as leis destinam-se a disciplinar praticamente todas as situações
do mundo da vida. Encontramos leis que regulam as relações jurídicas nas quais está envolvido o Estado, bem como as relações jurídicas que compreendem situações individuais até
mesmo dentro de um núcleo familiar, em razão de que o Estado considera que tais relações
jurídicas envolvem um bem jurídico relevante e devem receber atenção estatal. Tais relações
passam a ser consideradas importantes unicamente se fizermos uma análise dentro do contexto de um sistema jurídico fundamentado em algumas premissas, como ocorre com o sistema constitucional brasileiro.
Ao elaborar as leis, portanto, o legislador, embora tenha uma aparente
discricionariedade política, em tese, tem sua liberdade limitada pelos valores fundamentais
do Estado Democrático de Direito e, nesta concepção, esses valores fundamentais estabelecem as balizas da atuação parlamentar.
Disso decorre que o legislador, ao atuar para dar ênfase à produção legislativa, deve
exercer suas competências de acordo com o sistema constitucional vigente, de modo que as
leis resultantes sejam harmônica e coerentemente dispostas no ordenamento jurídico.
O legislador deve redigir as leis dentro do espírito do sistema normativo de forma que
exista interna e externamente coerência e harmonia de suas disposições, de modo que as
leis sejam adequadamente inseridas no ordenamento jurídico.
Quando, portanto, se fala em coerência e harmonia da lei, pode-se entendê-la em
relação à sistemática interna e sistemática externa. A primeira, diz respeito à compatibilidade teleológica e ausência de contradição lógica; a segunda, à estrutura da lei.
5.7.1.1 – Sistemática Interna
A sistemática interna da lei se refere ao conjunto de normas que estão dispostas na lei,
as quais não podem apresentar contradições lógicas, teleológicas, ou valorativas. Na contradição lógica, a conduta autorizada pela norma “A” é proibida pela norma “B”; a contradição valorativa é uma contradição principiológica, como o estabelecimento de normas
discriminatórias dentro de um sistema que determina a igualdade como princípio basilar; a
contradição teleológica ocorre com a contradição entre os objetivos perseguidos por disposições diversas, de modo que a observância de um preceito importa a nulificação dos objetivos visados pela outra (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 79).
135
EaD
Aldemir Berwig
5.7.1.2 – Sistemática externa
A sistemática externa diz respeito à forma como a lei se apresenta; é a estrutura básica
da lei. Considera o desdobramento dela em diversos fragmentos menores para a melhor distribuição de seu conteúdo.
Quanto à sistemática externa, a Constituição da República apresenta a seguinte estrutura:
Constituição Federal de 1988
PREÂMBULO
CAPÍTULO III
DOS ESTADOS FEDERADOS
TÍTULO I
CAPÍTULO IV
DOS MUNICÍPIOS
DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS
TÍTULO II
DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS
CAPÍTULO I
DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E
COLETIVOS
CAPÍTULO II
DOS DIREITOS SOCIAIS
CAPÍTULO III
DA NACIONALIDADE
CAPÍTULO IV
DOS DIREITOS POLÍTICOS
CAPÍTULO V
DOS PARTIDOS POLÍTICOS
TÍTULO III
DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO
CAPÍTULO I
DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICOADMINISTRATIVA
CAPÍTULO II
DA UNIÃO
CAPÍTULO V
DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS
Seção I
Do Distrito Federal
Seção II
Dos Territórios
CAPÍTULO VI
DA INTERVENÇÃO
CAPÍTULO VII
DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Seção I
Disposições Gerais
Seção II
Dos Servidores Públicos
Seção III
Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal
e dos Territórios
Seção IV
Das Regiões
A sistematização externa da lei vai depender de sua complexidade e poderá se desdobrar nas seguintes partes: Livros, Títulos, Capítulos, Seções, Subseções e Artigos. Os artigos, por sua vez, podem ser desdobrados em parágrafos, incisos, alíneas e ítens.
5.7.1.2.1 – Artigo
A unidade básica para apresentação, divisão ou agrupamento de assuntos num texto
normativo é o artigo. Os artigos de uma lei são designados pela abreviatura “Art.” e numerados até o nono artigo com números ordinais (art. 1º a art. 9º) e, a partir do décimo artigo,
com números cardinais, seguidos de um ponto final (art. 10.). Após a numeração do artigo,
136
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
deverá haver um espaçamento simples, sem traço ou qualquer outro dispositivo. O texto do
artigo será iniciado com letra maiúscula e encerrado com ponto final, exceto quando tiverem incisos, caso em que serão encerrados por dois-pontos.
Os artigos podem desdobrar-se, por sua vez, em parágrafos e incisos; e estes, em alíneas; e as alíneas, em ítens.
5.7.1.2.2 – Parágrafo
O parágrafo é subdivisão direta de um artigo ou sua disposição secundária; explica ou
modifica a disposição principal que está no artigo.
O parágrafo é representado pelo sinal gráfico §. O parágrafo segue a mesma numeração utilizada para o artigo: numeração ordinal do primeiro ao nono (§ 1º a § 9º) e cardinal
a partir do parágrafo dez (§ 10.), também seguido de ponto final. No caso de haver apenas
um parágrafo, adota-se a grafia Parágrafo único (tudo por extenso e não “§ único”). Os
textos dos parágrafos serão iniciados com letra maiúscula e encerrados com ponto final.
5.7.1.2.3 – Inciso e alínea
Os incisos são utilizados como elementos discriminativos de artigo se o assunto nele
tratado não puder ser condensado no próprio artigo ou não se mostrar adequado a constituir parágrafo. Os incisos são indicados por algarismos romanos e as alíneas por letras (Pinheiro, apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 81).
As alíneas ou letras constituem desdobramentos dos incisos e dos parágrafos. A alínea
ou letra será grafada em minúsculo e seguida de parêntese: a); b); c); etc. O desdobramento
das alíneas faz-se com números cardinais, seguidos do ponto: 1.; 2.; etc.
Na elaboração dos artigos devem ser observadas algumas regras básicas, tal como
recomendado por Pinheiro (apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 81):
a) cada artigo deve tratar de um único assunto;
b) o artigo conterá, exclusivamente, a norma geral, o princípio. As medidas complementares
e as exceções deverão ser expressas em parágrafos;
c) quando o assunto requerer discriminações, o enunciado comporá o caput do artigo, e os
elementos de discriminação serão apresentados sob a forma de incisos;
d) as expressões devem ser usadas em seu sentido corrente, salvo quando tratar de assunto
técnico, em que, então, será preferida a nomenclatura técnica, peculiar ao setor de atividades sobre o qual se pretende legislar;
137
EaD
Aldemir Berwig
e) as frases devem ser concisas;
f) nos atos extensos, os primeiros artigos devem ser reservados à definição dos objetivos
perseguidos pelo legislador e à limitação de seu campo de aplicação.
Como deverão ser utilizados na lei o artigo, o parágrafo, o inciso e a alínea, em exemplo tirado da
Constituição da República:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de
qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos
estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do
direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e
à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
LXXX – conceder-se-á mandado de injunção sempre
que a falta de norma regulamentadora torne inviável
o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e
das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à
soberania e à cidadania;
LXXII – conceder-se-á habeas-data:
a) para assegurar o conhecimento de informações
relativas à pessoa do impetrante, constantes de
registros ou bancos de dados de entidades
governamentais ou de caráter público;
b) para a retificação de dados, quando não se prefira
fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou
administrativo;
(...)
§ 1º As normas definidoras dos direitos e garantias
fundamentais têm aplicação imediata.
§ 2º Os direitos e garantias expressos nesta
Constituição não excluem outros decorrentes do
regime e dos princípios por ela adotados, ou dos
tratados internacionais em que a República
Federativa do Brasil seja parte.
5.7.1.2.4 – Agrupamento de artigos
Os artigos são agrupados em Seções, Capítulos, Títulos, Livros e Partes.
A Seção é o conjunto de artigos que versa sobre o mesmo tema. As seções são indicadas
por algarismos romanos (Seção I; Seção II) e grafadas em letras minúsculas em negrito.
Eventualmente, as Seções subdividem-se em Subseções.
O Capítulo é formado por um agrupamento de Seções e, assim como os Títulos, Livros
e Partes, são grafados em letras maiúsculas e identificados por algarismos romanos.
O Título engloba um conjunto de Capítulos.
Nas leis mais extensas os conjuntos de Títulos são reunidos em Livros e estes podem
ser reunidos em Partes. Quando a lei for composta de apenas duas Partes, poderão ser denominadas Parte Geral e Parte Especial; se a lei tiver várias partes, serão nominadas com números ordinais: Parte Primeira; Parte Segunda.
A parte normativa da lei consiste na ordem estabelecida e será articulada, segundo
seu artigo 10, que estabelece alguns princípios de observância obrigatória.
138
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Quais os princípios estabelecidos pela LC nº 1 95/1998 para a articulação e redação das leis?
Art. 10. Os textos legais serão articulados com
observância dos seguintes princípios:
I – a unidade básica de articulação será o artigo,
indicado pela abreviatura "Art.", seguida de
numeração ordinal até o nono e cardinal a partir
deste;
II – os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou
em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em
alíneas e as alíneas em itens;
III – os parágrafos serão representados pelo sinal
gráfico "§", seguido de numeração ordinal até o nono
e cardinal a partir deste, utilizando-se, quando
existente apenas um, a expressão "parágrafo único"
por extenso;
IV – os incisos serão representados por algarismos
romanos, as alíneas por letras minúsculas e os itens
por algarismos arábicos;
V – o agrupamento de artigos poderá constituir
Subseções; o de Subseções, a Seção; o de Seções, o
Capítulo; o de Capítulos, o Título; o de Títulos, o Livro
e o de Livros, a Parte;
VI – os Capítulos, Títulos, Livros e Partes serão
grafados em letras maiúsculas e identificados por
algarismos romanos, podendo estas últimas
desdobrar-se em Parte Geral e Parte Especial ou ser
subdivididas em partes expressas em numeral ordinal,
por extenso;
VII – as Subseções e Seções serão identificadas em
algarismos romanos, grafadas em letras minúsculas e
postas em negrito ou caracteres que as coloquem em
realce;
VIII – a composição prevista no inciso V poderá
também compreender agrupamentos em Disposições
Preliminares, Gerais, Finais ou Transitórias, conforme
necessário.
Seção 5.8
Desenvolvimento de uma Lei
A atividade legislativa constitui-se de um complexo conjunto de interesses diferenciados e relações de força que vão se materializar em um conjunto de leis, de acordo com o
poder político e o exercício da discricionariedade política dos agentes políticos. A Constituição da República estabelece as diretrizes para a elaboração legislativa, embora não exista,
propriamente, um planejamento do desenvolvimento do sistema normativo.
A regulamentação e concretização do ordenamento jurídico é mais uma consequência
dos acontecimentos do que um planejamento de situações a serem concretizadas. Isso porque as relações jurídicas e situações do mundo da vida são muito complexas e, muitas vezes, são bem mais rápidas que a própria evolução legislativa. Embora Mendes e Forster
Júnior (2002, p. 85) afirmem que seja possível fixar planos para a elaboração legislativa com
o estabelecimento de diretrizes para a legislatura vindoura, isso somente é possível a respeito de algumas matérias, nunca de todo o conjunto legislativo.
Como afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85), muitas iniciativas, no plano
legislativo, são determinadas por circunstâncias ou eventos imprevistos ou imprevisíveis,
que exigem uma pronta ação do legislador, uma vez que a falta de lei significa a liberdade
de ação em determinada circunstância ou situação. Nesses casos, portanto, haverá necessidade de legislar mesmo sem qualquer planejamento. É por essas razões que, embora possa
haver planejamento sobre algumas questões, ele não será absoluto.
139
EaD
Aldemir Berwig
Claro que seria muito interessante um planejamento estabelecido a partir das normas
constitucionais. Sabemos que existem dispositivos constitucionais que estão esperando por
regulamentação por lei há mais de 20 anos; nestes casos, fica evidente que a falta de regulamentação decorre da discricionariedade política, pois não há, em tese, uma obrigatoriedade
de proposição. Por outro lado, apenas em algumas poucas hipóteses é que verificaremos que
existe expresso dever de agir.
Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85-86) afirmam que a impossibilidade de um planejamento rigoroso da atividade legislativa acaba por fazer com que o desenvolvimento da lei
dependa, não raras vezes, de impulsos isolados, que podem ser de índole jurídica ou política. Os primeiros decorrem, normalmente, de uma exigência expressamente estabelecida na
Constituição, ou seja, do dever constitucional de legislar. Como exemplos inequívocos de
deveres impostos ao legislador, os autores citam os seguintes:
a) Constituição, artigo 5º, XXIX:
a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização,
bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e
a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e
econômico do País;
b) Constituição, artigo 5º XXXII:
o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;
c) Constituição, artigo 7º:
São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua
condição social:
I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de
lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos;
(...)
IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o
poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim;
(...)
XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente,
participação na gestão da empresa, conforme definido em lei.
Deve-se salientar, entretanto, que o legislador não tem respeitado os mandamentos
jurídico-constitucionais e tem deixado de regulamentar aquilo que a constituição tem determinado. É uma questão que merece ser analisada com maior profundidade.
140
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Por outro lado, Mendes e Forster Júnior (2002, p. 86) afirmam que o dever constitucional de legislar pode derivar de princípios gerais consagrados na Constituição, como os
postulados da Democracia, do Estado de Direito e Social e da dignidade da pessoa humana.
Outras vezes esse dever torna-se manifesto em virtude de uma decisão judicial proferida
pelo Supremo Tribunal Federal nos processos de mandado de injunção ou na ação direta de
controle da omissão (Constituição, artigos 5º, LXXI, e 103, § 2º).
De qualquer forma, a iniciativa política decorre da discricionariedade que os agentes públicos competentes têm, salvo nos casos em que a iniciativa pode ser provocada por órgãos da
sociedade, como é o das propostas formuladas por associações, órgãos de classe, sindicatos,
igrejas, órgãos de opinião pública, ou ainda, quando há iniciativa popular, embora esta última
seja a forma de maior complexidade para iniciativa em razão dos requisitos constitucionais.
Quando o tema é a elaboração de leis, todavia, é interessante ponderar a necessidade
de regulamentação legal pois, a partir dos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, já é possível decidir a respeito das situações de fato. Para compreender essa
colocação, assista o vídeo no qual Dallari (2008) expressa seu entendimento a respeito do
assunto. O vídeo está disponível no Conecta.
O texto da lei é o conteúdo que altera a ordem jurídica quanto à matéria. É composto
por artigos dispostos em ordem numérica que enunciam as regras estabelecidas para a matéria legislada. O artigo constitui a unidade básica de apresentação da norma jurídica e
poderá ser apresentado como o agrupamento de fragmentos menores ou agrupado em frações maiores. Serão subdivididos em fragmentos menores quando o assunto tratado no artigo tiver particularidades ou exceções que demandam tratamento distinto. Para o desdobramento dos artigos aparecem os parágrafos, os incisos, as alíneas e os itens.
Seção 5.9
Organização Interna da Lei
Como já mencionado, as leis são o resultado de um
conjunto de normas jurídicas normalmente expressas em
artigos. Para formar o corpo da lei é necessário o agrupamento de artigos, o que se expressa pela sistemática externa da lei. Quanto mais complexa a lei, maiores desdobramentos ela exige. Assim, dependendo da dimensão do
texto de lei, ela poderá ter um dos seguintes desdobramentos previstos no artigo 10 da LC nº 95/1998.
141
EaD
Aldemir Berwig
– um conjunto de artigos compõe uma SEÇÃO;
– uma seção é composta por várias SUBSEÇÕES;
– um conjunto de seções constitui um CAPÍTULO;
– um conjunto de capítulos constitui um TÍTULO;
– um conjunto de títulos constitui um LIVRO;
– um conjunto de livros constitui uma PARTE.
Assim, se houver necessidade de subdividir a lei em partes, elas poderão ser denominadas Parte Geral e Parte Especial ou então ser subdivididas em partes expressas em numeral
ordinal, por extenso.
Seção 5.10
Critérios de Sistematização
Embora o legislador disponha de discricionariedade política e com isso possa eleger
os critérios de sistematização da lei, estes devem ter coerência técnica para regular a matéria. Algumas regras básicas podem ser enunciadas, segundo Mendes e Forster Júnior
(2002, p. 82):
a) matérias que guardem afinidade objetiva devem ser tratadas em um mesmo contexto;
b) os procedimentos devem ser disciplinados segundo uma ordem cronológica;
c) a sistemática da lei deve ser concebida de modo a permitir que ela forneça resposta à
questão jurídica a ser disciplinada e não a qualquer outra indagação;
d) deve-se guardar fidelidade básica com o sistema escolhido, evitando a constante mistura
de critérios;
e) institutos diversos devem ser tratados separadamente.
Como afirmam os autores, a natureza e as peculiaridades de cada disciplina jurídica
têm influência decisiva sobre o modelo de sistematização a ser adotado, como se pode
depreender de alguns exemplos:
142
EaD
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
Classificação segundo os bens tutelados – Parte Especial do Código Penal:
PARTE ESPECIAL
TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA
TÍTULO II – DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO
TÍTULO III – DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL
TÍTULO IV – DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO
TÍTULO V – DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS
TÍTULO VI – DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES
TÍTULO VII – DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA
TÍTULO VIII – DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA
TÍTULO IX – DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA
TÍTULO X – DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA
TÍTULO XI – DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA
Classificação segundo os institutos jurídicos e as relações jurídicas: Código Civil de 10 de janeiro de
2002:
PARTE ESPECIAL
LIVRO I – DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES
TÍTULO I – DAS MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES
TÍTULO II – DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES
TÍTULO II – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES
TÍTULO IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES
TÍTULO V – DOS CONTRATOS EM GERAL
TÍTULO VI – DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE CONTRATO
TÍTULO VII – DOS ATOS UNILATERAIS
TÍTULO VIII – DOS TÍTULOS DE CRÉDITO
TÍTULO IX – DA RESPONSABILIDADE CIVIL
TÍTULO X – DAS PREFERÊNCIAS E PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS
Classificação segundo a ordem cronológica dos procedimentos – Código de Processo Civil:
TÍTULO VIII – DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO
CAPÍTULO I – DA PETIÇÃO INICIAL
CAPÍTULO II – DA RESPOSTA DO RÉU
CAPÍTULO III – DA REVELIA
CAPÍTULO IV – DAS PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES
CAPÍTULO V – DO JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO
CAPÍTULO VI – DAS PROVAS
CAPÍTULO VII – DA AUDIÊNCIA
CAPÍTULO VIII – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA
CAPÍTULO IX – DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA
CAPÍTULO X – DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA
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Cuidados necessários para alterar as leis estabelecidos pela LC nº 95/1998
Art. 12. A alteração da lei será feita:
I – mediante reprodução integral em novo texto,
quando se tratar de alteração considerável;
II – mediante revogação parcial (Redação dada
pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001);
III – nos demais casos, por meio de substituição,
no próprio texto, do dispositivo alterado, ou
acréscimo de dispositivo novo, observadas as
seguintes regras:
a) revogado (Redação dada pela Lei
Complementar nº 107, de 26.4.2001);
b) é vedada, mesmo quando recomendável,
qualquer renumeração de artigos e de unidades
superiores ao artigo, referidas no inciso V do art.
10, devendo ser utilizado o mesmo número do
artigo ou unidade imediatamente anterior, seguido
de letras maiúsculas, em ordem alfabética, tantas
quantas forem suficientes para identificar os
acréscimos (Redação dada pela Lei Complementar
nº 107, de 26.4.2001);
c) é vedado o aproveitamento do número de
dispositivo
revogado,
vetado,
declarado
inconstitucional
pelo Supremo Tribunal Federal ou de execução
suspensa pelo Senado Federal em face de decisão
do Supremo Tribunal Federal, devendo a lei
alterada manter essa indicação, seguida da
expressão “revogado”, “vetado”, “declarado
inconstitucional, em controle concentrado, pelo
Supremo Tribunal Federal”, ou “execução suspensa
pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da
Constituição Federal” (Redação dada pela Lei
Complementar nº 107, de 26.4.2001);
d) é admissível a reordenação interna das
unidades em que se desdobra o artigo,
identificando-se o artigo assim modificado por
alteração de redação, supressão ou acréscimo com
as letras “NR” maiúsculas, entre parênteses, uma
única vez ao seu final, obedecidas, quando for o
caso, as prescrições da alínea "c" (Redação dada
pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001).
Parágrafo único. O termo “dispositivo”
mencionado nesta Lei refere-se a artigos,
parágrafos, incisos, alíneas ou itens (Parágrafo
incluído pela Lei Complementar nº 107, de
26.4.2001).
Seção 5.11
Remissões Legislativas
Em um ordenamento jurídico, qualquer que seja sua dimensão, será impossível regulamentar as situações sem fazer uso da remissão legislativa. A remissão é técnica legislativa
que pode ser utilizada tanto dentro da sistemática interna quanto da externa. A remissão
interna, quando uma norma jurídica refere-se a um dispositivo da mesma lei, não apresenta
qualquer complexidade, embora o legislador deva ter alguns cuidados; no caso da remissão
externa, quando a norma jurídica refere-se a dispositivos de outra lei, apresentam alguma
complexidade e são passíveis de sofrer objeções de índole constitucional, pois podem afetar
a clareza e precisão da norma jurídica.
A remissão apresenta uma complexidade maior quando ocorre a revogação ou alteração das leis que são referidas por outros dispositivos legais quando se trata de remissão
externa. Quando for utilizada, a remissão deverá possibilitar que o intérprete compreenda o
sentido que se quer dar ao dispositivo legal. Quando a remissão for interna, deverá haver
indicação expressa do dispositivo objeto de remissão interna, evitando o uso das expressões
“anterior”, “seguinte” ou outras equivalentes.
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É necessário, todavia, ressaltar que a remissão entre textos legais deverá guardar coerência com a hierarquia dos textos legais sem fazer referência a textos normativos secundários. Como afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85), “a remissão a atos secundários, como regulamentos ou portarias, pode configurar afronta aos princípios da reserva legal
e da independência entre os poderes”.
Agora, vamos verificar alguns exemplos de remissão interna e externa, todos retirados
da Lei nº 8.987/95. Para melhor visualização grifei todos eles. Nos artigos 11 e 42, temos
exemplos de remissões internas; no artigo 45, interna e externa.
Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente
prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou
sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art.
17 desta Lei.
Art. 42. As concessões de serviço público outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei
consideram-se válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, observado o disposto
no art. 43 desta Lei.
§ 1o Vencido o prazo mencionado no contrato ou ato de outorga, o serviço poderá ser prestado
por órgão ou entidade do poder concedente, ou delegado a terceiros, mediante novo contrato
(Redação dada pela Lei nº 11.445, de 2007).
§ 2o As concessões em caráter precário, as que estiverem com prazo vencido e as que estiverem em
vigor por prazo indeterminado, inclusive por força de legislação anterior, permanecerão válidas
pelo prazo necessário à realização dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organização
das licitações que precederão a outorga das concessões que as substituirão, prazo esse que não
será inferior a 24 (vinte e quatro) meses.
§ 3º As concessões a que se refere o § 2o deste artigo, inclusive as que não possuam instrumento
que as formalize ou que possuam cláusula que preveja prorrogação, terão validade máxima até
o dia 31 de dezembro de 2010, desde que, até o dia 30 de junho de 2009, tenham sido cumpridas,
cumulativamente, as seguintes condições: (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007)
I – levantamento mais amplo e retroativo possível dos elementos físicos constituintes da infraestrutura de bens reversíveis e dos dados financeiros, contábeis e comerciais relativos à prestação dos serviços, em dimensão necessária e suficiente para a realização do cálculo de eventual
indenização relativa aos investimentos ainda não amortizados pelas receitas emergentes da
concessão, observadas as disposições legais e contratuais que regulavam a prestação do serviço
ou a ela aplicáveis nos 20 (vinte) anos anteriores ao da publicação desta Lei; (incluído pela Lei
nº 11.445, de 2007).
II – celebração de acordo entre o poder concedente e o concessionário sobre os critérios e a
forma de indenização de eventuais créditos remanescentes de investimentos ainda não amortizados ou depreciados, apurados a partir dos levantamentos referidos no inciso I deste parágrafo
e auditados por instituição especializada escolhida de comum acordo pelas partes; e (incluído
pela Lei nº 11.445, de 2007).
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III – publicação na imprensa oficial de ato formal de autoridade do poder concedente, autorizando a prestação precária dos serviços por prazo de até 6 (seis) meses, renovável até 31 de
dezembro de 2008, mediante comprovação do cumprimento do disposto nos incisos I e II deste
parágrafo (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007).
§ 4o Não ocorrendo o acordo previsto no inciso II do § 3o deste artigo, o cálculo da indenização
de investimentos será feito com base nos critérios previstos no instrumento de concessão antes
celebrado ou, na omissão deste, por avaliação de seu valor econômico ou reavaliação patrimonial,
depreciação e amortização de ativos imobilizados definidos pelas legislações fiscal e das sociedades por ações, efetuada por empresa de auditoria independente escolhida de comum acordo
pelas partes (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007).
§ 5o No caso do § 4o deste artigo, o pagamento de eventual indenização será realizado, mediante
garantia real, por meio de 4 (quatro) parcelas anuais, iguais e sucessivas, da parte ainda não
amortizada de investimentos e de outras indenizações relacionadas à prestação dos serviços,
realizados com capital próprio do concessionário ou de seu controlador, ou originários de operações de financiamento, ou obtidos mediante emissão de ações, debêntures e outros títulos
mobiliários, com a primeira parcela paga até o último dia útil do exercício financeiro em que
ocorrer a reversão (Incluído pela Lei nº 11.445, de 2007).
§ 6o Ocorrendo acordo, poderá a indenização de que trata o § 5o deste artigo ser paga mediante
receitas de novo contrato que venha a disciplinar a prestação do serviço (incluído pela Lei nº
11.445, de 2007).
Art. 45. Nas hipóteses de que tratam os arts. 43 e 44 desta Lei, o poder concedente indenizará as
obras e serviços realizados somente no caso e com os recursos da nova licitação.
Parágrafo único. A licitação de que trata o caput deste artigo deverá, obrigatoriamente, levar
em conta, para fins de avaliação, o estágio das obras paralisadas ou atrasadas, de modo a
permitir a utilização do critério de julgamento estabelecido no inciso III do art. 15 desta Lei.
Observe que o parágrafo único do artigo 45 apresenta duas remissões: a primeira,
interna, e a segunda, externa. Apresentamos a seguir alguns exemplos de remissão externa:
no caso do artigo 1º, remissão à Constituição Federal; nos outros casos, remissão a leis
ordinárias.
Art. 1º As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos
reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais
pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.”
Art. 7º Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e
obrigações dos usuários:
Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996
(incluído pela Lei nº 11.196, de 2005).
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Seção 5.12
Consolidação da Legislação
Consolidar é tarefa necessária, mas de certa complexidade. Em razão de que há uma
produção desenfreada de leis, muitas são praticamente “esquecidas” no ordenamento jurídico e terminam por não ter valor algum. Outras, em decorrência da falta de revogação
expressa, causam insegurança jurídica, além de o tornarem, por vezes, contraditório.
A citação a seguir é ilustrativa do assunto:
Quinze anos mais tarde retornaram eles com camelos trazendo apenas quinhentos volumes...
Contudo, bem excessivo ainda era este número; por isso o rei mandou se pusessem à obra novamente. Mais dez anos se volveram, quando reapareceram, já agora exibindo somente cinqüenta
volumes. O rei, no entanto, já estava velho e exausto. Tempo não tinha ele para ler nem mesmo
esses poucos volumes. Determinou, assim, que reduzissem ainda o número de tomos... Voltaram ao
término de mais cinco anos. Anciãos já eram quando, nessa última vez, depuseram, em mãos do rei,
o resultado de seu labor. Acontece, entretanto, que o monarca, moribundo, não teve tempo de ler o
que lhe trouxeram. Esse era o livro por cujo encontro suspirava SOMERSET MAUGHAM; e pelo
qual suspiram todos quantos percorrem a via forense (Moraes, apud Rizek Junior, 2009, p. 11).
A Lei Complementar nº 95, de 1998, determina a elaboração da Consolidação da Legislação Federal, que consiste “na integração de todas as leis pertinentes a determinada
matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos
consolidados” (§ 1º, artigo 13, LC nº 95).
Além disso, estabelece que é possível a edição de projeto de lei de consolidação com a
finalidade de revogar expressamente leis que estejam implicitamente anuladas, ou inclusão
de dispositivos de leis esparsas em leis preexistentes, revogando-se formalmente as leis já
consolidadas (incisos I e II, § 3º, do artigo 14, LC nº 95/1998). Segundo o § 1º do artigo 14
da LC nº 95/1998, não poderá ser incluída na consolidação a medida provisória ainda não
convertida em lei.
O projeto de Lei de Consolidação deve manter o conteúdo normativo original dos dispositivos consolidados, não sendo meio hábil para alterar opções políticas anteriormente
tomadas. Isto, no entanto, não significa vedação de alteração no texto das normas. Quando se fala em consolidação, deve-se pensar no agrupamento das leis esparsas sobre determinada matéria. As alterações possíveis em uma consolidação estão previstas nos 8 incisos do
§ 2º do artigo 13 da LC nº 95/1998.
Assim, o projeto de lei constitui a matriz de consolidação à qual serão integrados os
atos normativos esparsos, segundo o artigo 29 do Decreto Federal nº 4.176, de 2002.
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A iniciativa do Projeto de Consolidação pode ser tanto do Poder Executivo quanto do
Poder Legislativo. O procedimento legislativo adotado, segundo a LC nº 95/1998, será “simplificado” na forma do Regimento Interno de cada uma das casas. O Regimento Interno da
Câmara dos Deputados disciplinou a matéria nos artigos 212 e 213. Vejamos qual o procedimento:
O projeto de consolidação poderá decorrer de iniciativa da Mesa Diretora ou de qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados e deverá limitar-se aos aspectos formais, resguardada a matéria de mérito. O projeto será analisado pelo Grupo de Trabalho de
Consolidação das Leis e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que o
examinarão nos aspectos formais. Após a análise, o projeto será submetido ao Plenário da
Casa e, ali, poderá receber emendas, que serão encaminhadas para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que sobre elas emitirá parecer, sendo-lhe facultada, para
tanto e se for o caso, a requisição de informações junto ao Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis. O Relator proporá, em seu voto, que as emendas consideradas de mérito, isolada ou conjuntamente, sejam destacadas para fins de constituírem projeto autônomo, o
qual deverá ser apreciado pela Casa, dentro das normas regimentais aplicáveis à tramitação
dos demais projetos de lei. Após o pronunciamento definitivo da Comissão de Constituição
e Justiça e de Cidadania, o projeto será encaminhado ao Plenário para inclusão em Ordem
do Dia.
O Regimento Interno do Senado Federal não estabelece procedimento de consolidação. Apenas prevê no seu artigo 402 que a Mesa fará, ao fim de cada legislatura,
consolidação das modificações realizadas no próprio Regimento Interno, sem modificação de mérito.
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Você sabia que é importante “consolidar” as leis?
E que a LC nº 95/1998 estabelece normas de consolidação?
Art. 13. As leis federais serão reunidas em codificações e
consolidações, integradas por volumes contendo matérias conexas
ou afins, constituindo em seu todo a Consolidação da Legislação
Federal.
§ 1o A consolidação consistirá na integração de todas as leis
pertinentes a determinada matéria num único diploma legal,
revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação,
sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa
dos dispositivos consolidados.
§ 2o Preservando-se o conteúdo normativo original dos dispositivos
consolidados, poderão ser feitas as seguintes alterações nos
projetos de lei de consolidação:
I – introdução de novas divisões do texto legal base;
II – diferente colocação e numeração dos artigos consolidados;
III – fusão de disposições repetitivas ou de valor normativo
idêntico;
IV – atualização da denominação de órgãos e entidades da
administração pública;
V – atualização de termos antiquados e modos de escrita
ultrapassados;
VI – atualização do valor de penas pecuniárias, com base em
indexação padrão;
VII – eliminação de ambigüidades decorrentes do mau uso do
vernáculo;
VIII – homogeneização terminológica do texto;
IX – supressão de dispositivos declarados inconstitucionais pelo
Supremo Tribunal Federal, observada, no que couber, a
suspensão pelo Senado Federal de execução de dispositivos, na
forma do art. 52, X, da Constituição Federal;
X – indicação de dispositivos não recepcionados pela Constituição
Federal;
XI – declaração expressa de revogação de dispositivos
implicitamente revogados por leis posteriores.
§ 3o As providências a que se referem os incisos IX, X e XI do § 2o
deverão ser expressas e fundadamente justificadas, com indicação
precisa das fontes de informação que lhes serviram de base.
Art. 14. Para a consolidação de que trata o art. 13 serão
observados os seguintes procedimentos:
I – O Poder Executivo ou o Poder Legislativo procederá ao
levantamento da legislação federal em vigor e formulará projeto de
lei de consolidação de normas que tratem da mesma matéria ou de
assuntos a ela vinculados, com a indicação precisa dos diplomas
legais expressa ou implicitamente revogados;
II – a apreciação dos projetos de lei de consolidação pelo Poder
Legislativo será feita na forma do Regimento Interno de cada uma
de suas Casas, em procedimento simplificado, visando a dar
celeridade aos trabalhos;
III – revogado.
§ 1o Não serão objeto de consolidação as medidas provisórias
ainda não convertidas em lei.
§ 2o A Mesa Diretora do Congresso Nacional, de qualquer de suas
Casas e qualquer membro ou Comissão da Câmara dos
Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional poderá
formular projeto de lei de consolidação.
§ 3o Observado o disposto no inciso II do caput, será também
admitido projeto de lei de consolidação destinado exclusivamente
à:
I – declaração de revogação de leis e dispositivos implicitamente
revogados ou cuja eficácia ou validade encontre-se completamente
prejudicada;
II – inclusão de dispositivos ou diplomas esparsos em leis
preexistentes, revogando-se as disposições assim consolidadas
nos mesmos termos do § 1o do art. 13.
§ 4o (VETADO)
Art. 15. Na primeira sessão legislativa de cada legislatura, a Mesa
do Congresso Nacional promoverá a atualização da Consolidação
das Leis Federais Brasileiras, incorporando às coletâneas que a
integram as emendas constitucionais, leis, decretos legislativos e
resoluções promulgadas durante a legislatura imediatamente
anterior, ordenados e indexados sistematicamente.
Os artigos 13 e 14, seus parágrafos e incisos estão com redação determinada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001.
Esclarecemos, entretanto, que o texto da lei deve, obrigatoriamente, mencionar as alterações promovidas pela legislação posterior.
Finalizando a unidade, é preciso fazer referência às normas da LC nº 1 95/1998 que
determinam clareza, precisão e ordem lógica das leis. É importante fazer alusão em decorrência de que inúmeras leis que, em tese, estão em vigor nas diversas esferas governamentais, são imprecisas ao ponto de causar uma grande insegurança jurídica e, com isso, contrariar os princípios elementares do Estado de Direito.
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O que a LC nº 95/1998 estabelece para que a lei tenha clareza, precisão e ordem lógica?
Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com
clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse
propósito, as seguintes normas:
I – para a obtenção de clareza:
a) usar as palavras e as expressões em seu sentido
comum, salvo quando a norma versar sobre assunto
técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura
própria da área em que se esteja legislando;
b) usar frases curtas e concisas;
c) construir as orações na ordem direta, evitando
preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis;
d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o
texto das normas legais, dando preferência ao tempo
presente ou ao futuro simples do presente;
e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa,
evitando os abusos de caráter estilístico;
II – para a obtenção de precisão:
a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a
ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir
que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance
que o legislador pretende dar à norma;
b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio
das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia
com propósito meramente estilístico;
c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira
duplo sentido ao texto;
d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e
significado na maior parte do território nacional, evitando o
uso de expressões locais ou regionais;
e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado
o princípio de que a primeira referência no texto seja
acompanhada de explicitação de seu significado;
f) grafar por extenso quaisquer referências a números e
percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que
houver prejuízo para a compreensão do texto (Redação
dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001);
g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de
remissão, em vez de usar as expressões “anterior”,
“seguinte” ou equivalentes; (Alínea incluída pela Lei
Complementar nº 107, de 26.4.2001);
III – para a obtenção de ordem lógica:
a) reunir sob as categorias de agregação-subseção,
seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições
relacionadas com o objeto da lei;
b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único
assunto ou princípio;
c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos
complementares à norma enunciada no caput do artigo e as
exceções à regra por este estabelecida;
d) promover as discriminações e enumerações por meio
dos incisos, alíneas e itens.
SÍNTESE DA UNIDADE 5
Nesta quinta Unidade apresentamos as disposições da Lei Complementar nº 95/1998, enfatizando as regras de elaboração
normativa e seu alcance.
Abordamos as diversas partes que compõem os atos normativos,
especialmente a lei, procurando demonstrar a necessidade que se
tem de produzir leis claras e precisas e que apresentem uma ordem
lógica, para que se tenha segurança jurídica.
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Conclusão
PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA
AVALIAÇÃO LEGISLATIVA COMO INÍCIO E FIM
Verificamos durante o desenvolvimento do componente curricular que a questão
legislativa, mais especificamente de produção das leis, tem uma grande importância no Estado Democrático de Direito, pois é por meio dela que o próprio Estado se estrutura, estabelece competências e diretrizes pelas quais vai concretizar os princípios fundamentais
elencados na Constituição da República.
Dito isso, é satisfatório afirmar que a lei, como parte do Direito, tem de se concretizar
com fundamento em valores fundamentais e deve ser o mecanismo para assegurar esses
próprios valores. Para garantir a desenvoltura desses valores fundamentais, é necessário
que todos, mas principalmente os órgãos estatais e seus agentes públicos, de qualquer esfera, os utilizem como diretrizes para o desempenho da função pública legislando para a coletividade.
Finalizando este componente, é possível apresentar o seguinte questionamento: É
necessária a avaliação legislativa? Segundo Cristas (2006, p. 81), a avaliação legislativa,
sob o aspecto funcional, é um elemento essencial da legística material que pretende verificar na realidade social se certo ato normativo é necessário, quais os efeitos que produzirá e
se cumpriu os objetivos a que se propunha; sob aspecto metodológico, visa a fundar as suas
conclusões em elementos objetivos, fiáveis e controláveis.
Este entendimento demonstra que a reflexão a que este componente se propôs é necessária e urgente. Temos observado que o nosso ordenamento jurídico é muito complexo,
que existe um universo de leis que, em tese, estão em vigor mas não são eficazes. Essa
universidade de leis está em todas as órbitas governamentais. É urgente, portanto, que se
desenvolva um debate sobre as leis, sua eficácia, sua necessidade e seus impactos na sociedade. Esse debate deve acontecer em todos os âmbitos da sociedade para que se possa dizer
que realmente vivemos em um Estado Democrático de Direito.
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Aldemir Berwig
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