EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA UNIVERSIDADE REGIONAL DO NOROESTE DO ESTADO DO RIO GRANDE DO SUL – UNIJUÍ VICE-REITORIA DE GRADUAÇÃO – VRG COORDENADORIA DE EDUCAÇÃO A DISTÂNCIA – CEaD Coleção Educação a Distância Série Livro-Texto Aldemir Berwig PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Ijuí, Rio Grande do Sul, Brasil 2011 1 EaD 2011, Editora Unijuí Aldemir Berwig Rua do Comércio, 1364 98700-000 - Ijuí - RS - Brasil Fone: (0__55) 3332-0217 Fax: (0__55) 3332-0216 E-mail: [email protected] www.editoraunijui.com.br Editor: Gilmar Antonio Bedin Editor-adjunto: Joel Corso Capa: Elias Ricardo Schüssler Designer Educacional: Jociane Dal Molin Berbaum Responsabilidade Editorial, Gráfica e Administrativa: Editora Unijuí da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí; Ijuí, RS, Brasil) Catalogação na Publicação: Biblioteca Universitária Mario Osorio Marques – Unijuí B553p Berwig, Aldemir. Processo e técnica legislativa / Aldemir Berwig. – Ijuí : Ed. Unijuí, 2011. – 156 p. – (Coleção educação a distância. Série livro-texto). ISBN 978-85-7429-929-7 1. Direito. 2. Atividade legislativa. 3. Atos normativos. 4. Processo legislativo. I. Título. II. Série. CDU : 34 342.52 2 EaD Sumário PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA CONHECENDO O PROFESSOR .............................................................................................. 7 INTRODUÇÃO .............................................................................................................................. 9 UNIDADE 1 – ATIVIDADE LEGISLATIVA ............................................................................. 11 Seção 1.1 – História e evolução do processo legislativo ........................................................ 11 Seção 1.2 – Supremacia da lei e primado da razão ................................................................ 15 Seção 1.3 – Tripartição dos Poderes e processo legislativo clássico ..................................... 17 Seção 1.4 – Surgimento da atividade legislativa .................................................................... 19 Seção 1.5 – Elaboração da lei e processo legislativo brasileiro ............................................ 20 UNIDADE 2 – QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE TÉCNICA LEGISLATIVA .................. 27 Seção 2.1 – Finalidade das normas jurídicas .......................................................................... 28 Seção 2.2 – Atividade legislativa............................................................................................... 28 Seção 2.3 – Princípios informadores da elaboração normativa ............................................ 31 2.3.1 – Princípio da segurança jurídica ........................................................................ 31 2.3.2 – Princípio da legalidade ...................................................................................... 32 2.3.3 – Princípio da proporcionalidade ou da proibição de excesso ........................ 33 Seção 2.4 – Lei e respeito às situações jurídicas consolidadas ............................................. 34 Seção 2.5 – Processo legislativo interno .................................................................................. 35 2.5.1 – Problema .............................................................................................................. 35 2.5.2 – Diagnóstico e causas .......................................................................................... 35 2.5.3 – Objetivos pretendidos com a elaboração da norma ....................................... 36 2.5.4 – Crítica das propostas .......................................................................................... 36 Seção 2.6 – Há necessidade de controlar os resultados da lei? ............................................ 37 Seção 2.7 – Valores dominantes e a supremacia do Direito .................................................. 38 Seção 2.8 – Interesse público e Direito .................................................................................... 42 3 EaD Aldemir Berwig Seção 2.9 – Menos leis, melhores leis ...................................................................................... 47 Seção 2.10 – Legística ................................................................................................................ 51 2.10.1 – Necessidade de normatizar ............................................................................. 52 2.10.2 – Compreendendo a legística ............................................................................. 54 2.10.3 – Principíos da legística ...................................................................................... 55 Seção 2.11 – Questões a serem analisadas na elaboração de atos normativos ................. 56 UNIDADE 3 – ESPÉCIES DE ATOS NORMATIVOS ........................................................... 65 Seção 3.1 – Emendas constitucionais ...................................................................................... 68 Seção 3.2 – Lei ordinária ............................................................................................................ 73 Seção 3.3 – Lei complementar ................................................................................................... 74 Seção 3.4 – Distinções entre lei complementar e lei ordinária ............................................. 78 3.4.1 – Existe hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária? ...................... 79 Seção 3.5 – Lei delegada ............................................................................................................ 79 3.5.1 – Natureza jurídica da lei delegada .................................................................... 80 3.5.2 – Processo de elaboração da lei delegada .......................................................... 80 3.5.3 – O Poder Legislativo exerce algum controle sobre a lei delegada? ............... 81 3.5.4 – É possível controle de constitucionalidade de lei delegada? ........................ 81 Seção 3.6 – Medida provisória .................................................................................................. 82 3.6.1 – Qual o procedimento legislativo para aprovação da medida provisória? ... 85 3.6.2 – É necessária a sanção do presidente da República à conversão? ................ 86 3.6.3 – Medida provisória no âmbito dos Estados-membros e dos municípios ...... 88 Seção 3.7 – Decreto legislativo .................................................................................................. 88 3.7.1 – Processo legislativo especial do decreto legislativo ....................................... 89 Seção 3.8 – Resolução ................................................................................................................ 90 3.8.1 – Processo legislativo para a elaboração das resoluções .................................. 91 Seção 3.9 – Atos normativos de competência do chefe do Executivo ................................. 91 3.9.1 – Decreto ................................................................................................................. 91 3.9.2 – Portaria ................................................................................................................. 92 Seção 3.10 – Sistema legislativo estadual e municipal .......................................................... 93 4 UNIDADE 4 – PROCESSO LEGISLATIVO ............................................................................. 95 Seção 4.1 – Iniciativa do projeto de lei .................................................................................. 101 4.1.1 – Iniciativa comum ou concorrente .................................................................. 103 4.1.2 – Iniciativa reservada .......................................................................................... 103 4.1.3 – Iniciativa vinculada .......................................................................................... 103 Seção 4.2 – Apresentação e distribuição dos projetos de lei ............................................... 107 Seção 4.3 – Regimes de tramitação dos projetos de lei ........................................................ 108 Seção 4.4 – Discussão .............................................................................................................. 109 Seção 4.5 – Emendas ao projeto de lei ................................................................................... 109 Seção 4.6 – Deliberação parlamentar ..................................................................................... 110 Seção 4.7 – Apreciação do projeto de lei no plenário .......................................................... 114 Seção 4.8 – Prazo para deliberação parlamentar ................................................................. 116 Seção 4.9 – O Projeto de Iniciativa Reservada pode ser emendado? ................................. 117 4.9.1 – É possível emenda ao projeto de leis orçamentárias? .................................. 117 Seção 4.10 – Votação ................................................................................................................ 118 Seção 4.11 – Deliberação do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado ....................... 118 4.11.1 – Qual a natureza jurídica da deliberação do Poder Executivo? ................ 119 4.11.2 – Sanção ............................................................................................................. 120 4.11.3 – Veto ................................................................................................................... 120 Seção 4.12 – Fase complementar ............................................................................................ 123 4.12.1 – Promulgação ................................................................................................... 123 4.12.2 – Obrigatoriedade de promulgar ...................................................................... 123 4.12.3 – Casos e formas de promulgação ................................................................... 123 Seção 4.13 – Publicação .......................................................................................................... 125 4.13.1 – A sanção de projeto de lei convalida o vício de iniciativa? ...................... 125 4.13.2 – Publicação e início da vigência da lei ......................................................... 126 4.13.3 – Cláusula de vigência ...................................................................................... 126 4.13.4 – Vacatio legis ....................................................................................................... 126 4.13.5 – Vacatio legis e o início da obrigatoriedade da lei brasileira no estrangeiro ..................................................................... 127 4.13.6 – Vacatio legis e normas complementares, suplementares e regulamentares .................................................................. 127 4.13.7 – Vacatio legis e republicação do texto para correção .................................. 127 UNIDADE 5 – FORMA E ESTRUTURA DA LEI SEGUNDO A LEI COMPLEMENTAR Nº 95/1998 ......................................................... 129 Seção 5.1 – Ordem legislativa ................................................................................................. 130 5.1.1 – Epígrafe .............................................................................................................. 130 5.1.2 – Ementa ou rubrica da lei ................................................................................. 131 5.1.3 – Preâmbulo .......................................................................................................... 131 5.1.4 – Âmbito de aplicação ......................................................................................... 131 Seção 5.2 – Vigência da Lei ..................................................................................................... 132 Seção 5.3 – Cláusula de revogação ........................................................................................ 132 Seção 5.4 – Repristinação ........................................................................................................ 133 Seção 5.5 – Fecho da lei ........................................................................................................... 134 Seção 5.6 – Assinatura e referenda ......................................................................................... 134 Seção 5.7 – Parte normativa da Lei ........................................................................................ 134 5.7.1 – Sistemática da Lei ............................................................................................. 135 Seção 5.8 – Desenvolvimento de uma lei ............................................................................... 139 Seção 5.9 – Organização interna da lei ................................................................................. 141 Seção 5.10 – Critérios de sistematização ............................................................................... 142 Seção 5.11 – Remissões legislativas ........................................................................................ 144 Seção 5.12 – Consolidação da legislação .............................................................................. 147 CONCLUSÃO – AVALIAÇÃO LEGISLATIVA COMO INÍCIO E FIM .............................. 151 REFERÊNCIAS ......................................................................................................................... 153 EaD Conhecendo o Professor PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA ALDEMIR BERWIG O autor é natural de Ijuí, RS. Possui Graduação em Direito (1993) e Mestrado em Educação nas Ciências (1997), ambos pela Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Unijuí). Atualmente é professor assistente na Unijuí. Tem experiência na área de Direito, com ênfase em Direito Administrativo, Urbanístico, Eleitoral, Ambiental e Legística, atuando principalmente nas seguintes áreas: cidadania e participação, administração pública, planos diretores municipais, elaboração e consolidação de legislação. Presta consultoria na área de elaboração legislativa e de projetos de extensão. Além das áreas anteriormente elencadas, é fascinado pela Educação a Distância – EaD. Concluiu, em 2008, o curso de Especialização em Direito Tributário na modalidade EaD, ofertada pela Unisul, em parceria com a Rede LFG, em que o sistema de educação é telepresencial. Desenvolve suas atividades docentes na Unijuí desde o segundo semestre de 1997, e está vinculado ao Departamento de Estudos Jurídicos, curso de Direito, área de Direito Público, lecionando principalmente os componentes curriculares Direito Administrativo, Processo e Técnica Legislativa, Direito Público Municipal e Processo Administrativo Disciplinar. No curso de Gestão Pública Municipal, em todas as suas edições, ministrou o componente Direito Administrativo Municipal. Atua também como professor em cursos de Pós-Graduação lato sensu. Na Unijuí já desempenhou as funções de coordenador-adjunto do curso de Direito no campus Santa Rosa, coordenador do curso de Pós-Graduação em Direito Público e chefe do Departamento de Estudos Jurídicos, além de ser membro do Conselho Universitário – Consu –, dentre outras atribuições. 7 EaD Aldemir Berwig É consultor para projetos de extensão da Universidade da Região de Joinville (SC) – Univille. Atuou na Administração Municipal de Boa Vista do Cadeado (RS) nos cargos de secretário de Administração, Planejamento e Fazenda e é assessor de Projetos e Legislação. Atua na advocacia extrajudicial, principalmente na área de Direito Público. Desenvolve atividades voluntárias. Foi vice-presidente na Região Sul da Associação de Juristas para a Integração da América Latina – Ajial. É membro titular do Conselho Municipal do Plano Diretor – Compladi de Ijuí. É sócio-fundador da Associação de Políticas e Desenvolvimento – AIPD. 8 EaD Introdução PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Processo legislativo e técnica legislativa são duas questões importantes do Direito, especialmente porque o Estado de Direito é aquele em que todas as relações jurídicas são nele fundamentadas. Para abordar o tema, inicialmente é necessária uma reflexão acerca do Direito para verificar seu relacionamento com a lei. O Direito, assim, vai ser entendido como a grande área na qual estão inseridas, axiologicamente, as leis. Para falarmos em leis, teremos de falar em normas jurídicas e salientar que aí estão assentados os princípios e as regras jurídicas como um todo. Pensando nisso, uma questão a ser abordada trata do processo legislativo para verificar como ocorre o procedimento formal de elaboração das leis, as espécies de procedimentos e de leis e os requisitos estabelecidos para que elas sejam preparadas e se acomodem sistematicamente no ordenamento jurídico. É a abordagem da sistemática externa da lei. Além disso, serão lembradas as formas de controle estabelecidas para serem desenvolvidas pelos órgãos do Estado. Vamos fazer alguns apontamentos sobre a história da elaboração das leis, para verificar que o processo legislativo, tal como o conhecemos, é algo relativamente novo que ganha espaço apenas no século passado. A análise conta com alguns registros que nos indicarão que durante toda a História da humanidade a lei foi (e continua sendo) objeto de poder, de dominação. Para fazer esta abordagem, vamos conhecer diversas épocas na visão de diferentes autores. Outra questão trata da técnica legislativa, mais especificamente da sistemática interna da lei. Neste ponto vamos verificar que a doutrina tem tratado da legística ora como uma ciência, ora como uma “arte de bem fazer leis”. Vamos, então, olhar para a lei e verificar como ela é estruturada e o que deve ser feito para que ela desempenhe suas finalidades, alcançando os objetivos para os quais tenha sido aprovada, e, principalmente, vamos fazer uma reflexão sobre a introdução, acomodação e permanência da leis no ordenamento jurídico e sua conformidade ao sistema como um todo. Na abordagem da técnica, vamos verificar que a elaboração de boas leis não prescinde de uma boa equipe técnica que tenha os conhecimentos necessários para torná-las adequadas à realidade social. Veremos que a elaboração de boas leis não é atividade para ser desenvolvida por burocratas segundo sua intuição. As leis, no Estado de Direito, estabelecem condutas e regram a vida de todos, causando impactos positivos ou negativos. No Estado Democrático de Direito, há uma condição constitucional que assegura a participação da coletividade na condução do poder e, consequentemente, que faz com que tome parte da estruturação do ordenamento jurídico e contribua com o seu controle na sociedade. 9 EaD Aldemir Berwig Neste contexto, faremos uma abordagem das competências dos órgãos estatais na elaboração das leis, sem nunca esquecer que eles desempenham essas funções para atender à vida na coletividade. Dessa forma, vamos lembrar que o desempenho das funções estatais é um dever-poder desempenhado unicamente para salvaguardar o “interesse público” dentro de uma concepção finalística que é bem-atender à coletividade. Assim, vai se demonstrar que na elaboração da lei é necessário o desenvolvimento de metodologias de análise do custo/benefício de uma medida legislativa com uma visão transdisciplinar, que cruza o Direito com outras áreas do conhecimento. Na abordagem do tema, vamos verificar a crítica da doutrina constitucional moderna acerca da utilização de fórmulas obscuras ou criptográficas, por razões políticas ou de outra ordem, contrárias a princípios básicos do Estado de Direito, como os da segurança jurídica e os postulados de clareza e de precisão da norma jurídica. Vamos ver que a boa lei deve ser clara, simples e precisa. Clara, para que seja fácil de compreender, sem ambiguidades; simples, para que não contenha elementos supérfluos, seja concisa; e precisa, para que não deixe quaisquer dúvidas na sua interpretação. Feitas essas considerações iniciais, é importante afirmar ainda que, para “pensar ” o conteúdo do componente curricular, o seu desenvolvimento foi organizado trazendo diversos textos sobre a atividade normativa, principalmente para demonstrar que, embora alguns doutrinadores falem em “processo legislativo” até mesmo na Antiguidade, o contexto em que eram apresentadas as leis era totalmente distinto, um fator interessante para reflexão, sempre levando-se em conta as peculiaridades de cada época. Assim, durante a produção deste livro, além do tratamento formal da processualidade de elaboração da lei, chamaremos a atenção para algumas peculiaridades que são importantes para o desenvolvimento de uma boa técnica de elaboração normativa, especialmente para atender àquilo que normalmente entendemos por interesse público. Finalmente, é necessário esclarecer que, no texto que está sendo apresentado, por vezes vamos nos referir ao Congresso Nacional, ao Poder Legislativo, ao Senado Federal e à Câmara dos Deputados. A dificuldade de unificar o discurso ocorre basicamente em razão de que se pretendia fazer uma linguagem simplificada a partir de um “sistema processual legislativo” universal para nosso contexto, mas tal iniciativa foi dificultada basicamente por duas questões: a primeira, de ordem formal, em razão de que a realidade constitucional brasileira prevê dois sistemas, o bicameral e o unicameral; a segunda, de ordem técnica, em razão de que se pretendia produzir um material que abordasse o processo legislativo em ambas as esferas, embora sem pretensão de esgotar o assunto. Assim, quando nos referirmos ao Poder Legislativo, estaremos nos reportando a ambos; quando não for possível, faremos o devido esclarecimento. 10 EaD Unidade 1 PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA ATIVIDADE LEGISLATIVA OBJETIVOS DESTA UNIDADE • Apresentar uma noção de processo legislativo e a evolução do método de elaboração das leis. • Abordar o desenvolvimento do processo legislativo brasileiro descrevendo sua previsão constitucional desde a Constituição do Império. AS SEÇÕES DESTA UNIDADE Seção 1.1 – História e evolução do processo legislativo Seção 1.2 – Supremacia da lei e primado da razão Seção 1.3 – Tripartição dos Poderes e processo legislativo clássico Seção 1.4 – Surgimento da atividade legislativa Seção 1.5 – Elaboração da lei e processo legislativo brasileiro Seção 1.1 História e Evolução do Processo Legislativo Ao longo da História verificamos que a lei não foi sempre fruto de um processo legislativo. Durante um grande período ela foi resultado da vontade humana sem estar vinculada a um processo formal que estabelecesse previamente o modo de sua elaboração. É com a modernidade, mais precisamente com o nascimento do Estado de Direito, que vão se estabelecer as balizas para a criação da lei mediante um processo legislativo. Como afirma Ferreira Filho (2002, p. 19), a concepção de lei que vinga com a Revolução Francesa e inspira o processo legislativo dos regimes pluralistas, é a ideia de que a lei estabelece a vontade geral do povo. Tal concepção traduz a ideia de “soberania popular ” e de “separação de poderes”. 11 EaD Aldemir Berwig Embora muitos doutrinadores façam referência ao processo de elaboração da lei na Antiguidade, temos clareza de que tais “processos” em praticamente nada se assemelham com a atualidade, pois “a cidade era um pequeno Estado dominado por uma classe, dos ‘cidadãos’, colocados uns perante os outros como seres com igual direito de participar da administração da coisa pública” (Reale, 1999, p. 626). Conta Fustel de Coulanges, em seu livro “A Cidade Antiga” (1961), que entre gregos, romanos e hindus “a lei era o princípio da religião”. Havia uma mescla entre lei e religião na qual ambas se confundiam, pois eram aplicadas tanto ao culto quanto às relações da vida civil. Os códigos das cidades antigas eram um conjunto de ritos, de prescrições litúrgicas, de preces, e, ao mesmo tempo, de disposições legislativas. Quando o autor aborda o papel do legislador, questiona se aquele que apresenta as leis é de fato o criador das normas. Qual é, portanto, o verdadeiro autor das leis? Quando falamos acima da organização da família, e das leis gregas ou romanas que regulamentavam a propriedade, a sucessão, o testamento, a adoção, observamos como essas leis correspondiam exatamente às crenças das gerações antigas. Se colocarmos essas leis em confronto com a eqüidade natural, descobriremos muitas contradições, e parece assaz evidente que os antigos não as foram procurar na noção do direito absoluto e no sentimento de justiça (Fustel de Coulanges, 1961, p. 262). O autor enfatiza que o processo de geração das leis antigas não é atividade outorgada a alguém, mas decorre da tradição. Embora possam ter sido escritas por um homem – Sólon, Licurgo, Minos, Numa –, estes não as fizeram. As leis foram estabelecidas pelo fundador da cidade, fundamentadas nas crenças das gerações antigas. Fustel de Coulanges expressa que a lei antiga não vem fundamentada em critérios axiológicos, valorativos. Não se preocupa com o valor justiça. É a simples expressão da crença. O homem não esteve a estudar sua consciência dizendo: Isto é justo, isto não. Não foi assim que apareceu o direito antigo. Mas o homem acreditava que o lar sagrado, em virtude da lei religiosa, passava de pai para filho; daí resultou que a casa se tornou bem hereditário. O homem que havia sepultado o pai em seu campo acreditava que o espírito do morto tomava posse perpétua do mesmo, e exigia de sua posteridade um culto perpétuo; daí resultou que o campo, domínio do morto e lugar dos sacrifícios, tornou-se propriedade inalienável da família. A religião dizia: o filho, e não a filha, é o continuador do culto; e a lei diz, conformando-se à religião: o filho herda, a filha não; o sobrinho pela linha masculina herda, o sobrinho pela linha feminina, não. Eis como se fez a lei; ela se apresentou por si mesma, sem que a precisassem procurar. A lei era conseqüência direta e necessária da crença; era a própria religião aplicando-se às relações dos homens entre si (1961, p. 262). 12 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Foi longo o trajeto para a libertação do ser humano da crença na lei divina. Por muito tempo a lei não era considerada obra humana, mas coisa sagrada. Quando Platão afirma que obedecer às leis é obedecer aos deuses, exprime o pensamento grego de que desobedecêlas é sacrilégio. É o caráter sagrado que a torna imutável. Essas disposições do antigo direito eram de uma lógica perfeita. O direito não nascera da idéia de justiça, mas da religião, e não podia ser concebido fora dela. Para que houvesse relação de direito entre dois homens, era necessário que antes houvesse entre eles uma relação religiosa, isto é, que ambos rendessem culto ao mesmo lar, e oferecessem os mesmos sacrifícios. Quando não existia essa comunhão religiosa entre dois homens, parece que não poderia existir nenhuma relação de direito. Ora, nem o escravo, nem o estrangeiro participavam da religião da cidade. O estrangeiro e o cidadão podiam viver lado a lado durante longos anos, sem que se pensasse em estabelecer um vínculo de direito entre os mesmos. O direito não era nada mais que uma das faces da religião. Sem comunidade de religião não podia haver comunidade de lei (1961, p. 289-300). Em sentido diverso, Reale (1999, p. 622-625) destaca que na Grécia e Roma antigas, entre os pré-socráticos, encontramos a distinção fundamental entre justo por natureza e justo por convenção, que, para ele, é nada mais que a distinção entre lei natural e lei positiva. Não há, entretanto, um destaque para o Direito, o qual se confunde com o conceito universal de justo. Na Grécia, o Direito permaneceu dependente da Retórica e da Moral, não havendo diferenciação entre o filósofo, o jurista e o homem de Estado, talvez pela própria formação e estruturação da cidade. Em Roma, verificamos a ideia de Direito autônomo e a presença do jurisconsulto, que, aos poucos, se converte no especialista na nova Ciência. Ali se percebe a distinção já existente na Grécia entre o justo por lei e o justo por natureza (Reale, 1999, p. 628), especialmente na obra de Cícero. Nesta época histórica, aparece a dicotomia entre o lícito e o honesto e a dificuldade de discernir entre uma e outra órbita. Na Idade Média, com o advento do Cristianismo, ocorre a diferenciação entre Política e Religião, entre a esfera estatal e da pessoa, a qual deixa de ser apenas “cidadão” (alguns homens, na Grécia) para valer como homem. Grande matriz do pensamento medieval vai ser Santo Agostinho, seguido por Santo Tomás de Aquino, o qual, fundamentado nas obras de Aristóteles e seguindo as lições de Agostinho, apresenta teoria que encontra-se desenvolvida especialmente na Summa Theologica. Quando o grande pensador medieval trata da questão da lei e da justiça, cuida com admirável penetração, de problemas jurídico-políticos. Há uma completa Teoria do Direito e do Estado admiravelmente integrada no sistema tomista, concepção essa que tem sido estudada e relembrada através dos tempos, como ainda o é hoje, uns conservando-a em sua autenticidade originária, outros pretendendo adaptála ao mundo contemporâneo (...). (...) 13 EaD Aldemir Berwig Lei e ordem são dois conceitos que se completam e se exigem em sua doutrina. Por lei, entende ele “uma ordenação da razão no sentido do bem comum, promulgada por quem dirige a comunidade” (...). Esta noção de lei tem valor universal, porquanto não só se aplica ao mundo humano, como também se refere à ordem cósmica. O universo é “cosmos”, ou seja, uma ordem, porque o Legislador supremo subordina todas as coisas às suas normas (Reale, 1999, p. 638). Após esse período, em que transcende o aspecto divino do Direito, o Renascimento é época de uma nova ordem de valores, na qual, segundo Reale (1999), domina a ideia crítica de redução do conhecimento a seus elementos mais simples, distanciando-se de valores transcendentes para estabelecer o universo jurídico e político em aspectos estritamente humanos. O homem passa a ser o centro do universo. Enquanto na Idade Média existia um sistema ético subordinado a uma ordem transcendente, o homem renascentista procura explicar o mundo humano tão somente segundo exigências humanas. Pode-se dizer que a Lex aeterna é posta entre parêntese: – Machiavelli e Hobbes querem explicar o Direito e o Estado sem transcender o plano simplesmente humano (Reale, 1999, p. 644). De forma muito simplificada, para fins de provocação ao debate, abordamos a gênese da elaboração legislativa, que desemboca no Estado moderno, buscando expor alguns pontos acerca do seu desenvolvimento na História. Por outro lado, a partir da classificação dos tipos de processo legislativo apresentada por Sampaio (1996, p. 36-43), é possível voltar à questão da participação no processo de produção da lei já pontuada no segundo parágrafo deste texto. Ao citar o “processo legislativo autocrático”, como aquele no qual o governante propõe as leis que devem ser obedecidas pelo povo, afirma que se manifesta nas monarquias absolutas, nas ditaduras e nos governos de fato. É o mais antigo modo de legislar, não existindo forma fixa de processo legislativo. O método foi utilizado largamente quando os Estados do Oriente antigo entraram na fase do Direito escrito, de modo que todos os seus monarcas empregaram esse método. Ainda, acrescenta o autor, “toda a legislação de fonte autocrática se reveste do aspecto de mandamentos ou ordens do governante, como denunciam as expressões editos, ordonnances, ordenanzas, ordenações, devendo vigorar, por isso, apenas durante a vida do seu promulgador ” (Sampaio, 1996, p. 39). Importante ressaltar que o autor defende que todo o Direito canônico tem matriz autocrática, como o teve todo o Direito divino. Além disso, diz que, embora hoje possa se falar em democracia e, consequentemente, em um verdadeiro processo de elaboração da lei, ainda persistem formas autocráticas de legislar. Mesmo após a Revolução Francesa, no século 18, a Constituição do Ano 8 (1799) estabelece dois órgãos de aparência legiferante, mas entrega todo o poder a Napoleão I. Os órgãos não são verdadeiras assembleias legislativas, pois são destituídas de poder que se 14 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA concentra nas mãos do soberano. No século 19, Napoleão III segue a mesma prática autocrática. No século 20, embora tentando dar uma aparência representativa, o processo legislativo autocrático persiste em vários Estados: na União Soviética, na Itália Fascista e na Alemanha de Hitler. Então, fica demonstrado que a lei pode decorrer de um processo legislativo ou, simplesmente, de sua promulgação pelo soberano. Análise inicial Faça uma leitura dos livros “A Cidade Antiga” (Fustel de Coulanges) e Filosofia do Direito (Miguel Reale) e reflita a respeito do papel do legislador e da lei durante a História, sobre a igualdade material e formal, a justiça, as relações jurídicas, entre outros aspectos relevantes. Para o desenvolvimento da reflexão você poderá utilizar quaisquer materiais disponíveis, inclusive na Internet (desde que citada a fonte). Faça uma reflexão a respeito do assunto. Durante o desenvolvimento do componente curricular vai ser explicitada a forma de exposição da pesquisa. Seção 1.2 Supremacia da Lei e Primado da Razão Falar no contexto atual de processo legislativo, de legalidade e de democracia, é pertinente a partir do contexto de Estado de Direito. O Estado de Direito, nascido dos movimentos revolucionários liberais do século 18, é o Estado no qual vamos verificar a supremacia da lei, não uma lei qualquer, mas uma lei garantidora de direitos e liberdades do cidadão, principalmente ante ao próprio Estado. Fustel de Coulanges (1961), neste sentido, nos diz que na Antiguidade, entre gregos, romanos e hindus, a lei era parte da religião, e que os códigos da cidade antiga eram um conjunto de ritos, prescrições litúrgicas, preces e disposições legislativas. As leis reais aplicavam-se ao culto e à vida civil. As leis apareciam como algo antigo, imutável e venerável, tão antigas quanto as próprias cidades. Ou seja, a lei, mesmo que não escrita, era imposta pelo próprio fundador da cidade como divina, portanto sem qualquer possibilidade de alte15 EaD Aldemir Berwig ração, tendo como “legislador ” aquele que tinha “poder ” para controlar seu povo. O direito antigo não surgiu fundado na ideia de justiça, mas como norma que correspondia ao conhecimento das gerações antigas. Talvez aí, verifiquemos o traço do costume como ordenamento de condutas futuras fundado na crença. A própria estruturação de um regime constitucional pluralista somente vai ser possível a partir da supremacia da lei, mas uma lei que regule e controle o exercício do poder, ao mesmo tempo em que ela própria é controlada. Desta forma, vamos pressupor que será necessário o estabelecimento de regras de conduta gerais e impessoais, visando a controlar a conduta pessoal e estatal. Ferreira Filho (2002, p. 21), ao abordar a ambiguidade do termo lei, afirma que ele tanto pode ser adequadamente empregado para indicar o justo, quanto ser mera ordem do legislador, independentemente de seu conteúdo. Diz o autor, portanto, que são dois significados: o primado do justo, ou seja, a supremacia do Direito, ou a ideia de ordem do legislador, que, em caráter absoluto, deve ser obedecida pela coletividade, isto é, a supremacia da lei. Nos parece que devemos sempre entender a supremacia da lei como uma supremacia do Direito, muito embora estejamos falando em lei em sentido estrito. No moderno Estado de Direito somente tem sentido falar em supremacia do Direito, posto que a lei deverá atender a alguns pressupostos estabelecidos na lei máxima da nação. Ou seja, de certa maneira o legislador está vinculado às leis constitucionais, salvo no caso do Poder Constituinte originário. 1 Ademais, é necessário lembrar que a lei no Estado de Direito diferencia-se daquela do Estado antigo, no qual se confunde com o sagrado e, como tal, prescinde de um processo de formação, uma vez que não tem data e se transmite pela tradição. Se, portanto, se por um lado temos uma lei imutável aos olhos do povo, por outro temos uma que pode ser alterada lentamente em razão de que são apenas guardadas na memória sem estarem escritas. Embora Ferreira Filho (2002) afirme que a democracia ateniense previa o processo legislativo e que todo cidadão era detentor de iniciativa legislativa, entendemos que o contexto de democracia era outro, pois poucos homens pertenciam à categoria de cidadãos e, portanto, não vamos aqui aprofundar o tema. Assim, se quisermos fazer um estudo da lei e de seu processo de elaboração, temos de partir do processo legislativo clássico, instaurado por decorrência da criação do Estado de Direito com suas variantes. 1 Disponível em: <http://www.iasddutra.wordpress.com>. Acesso em: 10 jan. 2011. 16 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Seção 1.3 Tripartição dos Poderes e Processo Legislativo Clássico A História é testemunha da preocupação com o desempenho do poder político, das formas de governo e das funções estatais. Passando pelo pensamento de Aristóteles, Platão, Políbio, Heródoto, Xenofonte, Maquiavel e Althusius (Clève, 2000, p. 23-24), é um debate atual. É a Montesquieu, entretanto, que se deve a formulação da teoria da tripartição de poderes, construção que leva em consideração as funções do Estado, por meio de órgãos que desempenham poderes dotados de independência e harmonia, adotadas pelas sociedades políticas atuais. No Iluminismo, a preocupação com a lei ganha atenção nas reflexões, bastando citar Montesquieu, na França, Filangieri, na Itália, e Benthan, na Inglaterra. Mais tarde, no século 19, os debates desenvolvem-se na Alemanha, especialmente com Disponível em: <http:// www.benitopepe.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. Aristóteles (384-322 a.C.) – Um dos maiores filósofos gregos. É o fundador de uma escola filosófica de renome: o Liceu. Devemos a ele o essencial de nossa informação sobre as noções de cidadão e cidadania e nosso conhecimento sobre as instituições. Suas obras incluem ainda tratados de lógica, obras de metafísica, moral, filosofia política, retórica, ciências naturais e críticas literárias. Disponível em: <http:// www.dombosco.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. Savigny. É um período em que os debates restringem-se essencialmente a uma perspectiva jurídica, especialmente em questões relativas à redação legislativa, tendência que se acentua no final do século 19 e no início do século 20, com a produção de importantes codificações civis e criminais. A partir dessas considerações, é possível afirmar que a ideia clássica de supremacia da lei, adotada a partir das grandes revoluções do século 18 – a Revolução de Virgínia e a Revolução Francesa –, é a de que o governo das leis é uma recusa ao arbítrio dos governantes. Desta forma, este entendimento veda qualquer tentativa de arbitrariedade mediante o estabelecimento de leis formais. Em outras palavras, o estabelecimento de leis formais deve seguir um processo legitimador e nunca servir para o exercício arbitrário por aqueles que detém o poder. A legislação, portanto, não pode ter primazia sobre o Direito. Fundamentado nas concepções de Montesquieu, o Estado de Direito é estruturado a partir de uma organização em que se separam os poderes de forma que todo o exercício do poder seja Disponível em: <http:// www.claudiofilosofo.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011. Platão (429-347 a.C) – Filósofo, discípulo de Sócrates, é o fundador de uma importante escola filosófica da Antiguidade: a Academia. Além da célebre Defesa de Sócrates, sua obra contém 25 diálogos, em especial O Banquete e A República. Ele desenvolveu uma crítica da democracia. Disponível em: <http:// www.dombosco.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. controlado e que o fundamento de todo o ordenamento jurídico 17 EaD Aldemir Berwig interno de cada Estado seja estabelecido por uma lei suprema, a Constituição. A Constituição cria o Estado e sua estrutura determinando as competências que serão exercidas por cada um dos órgãos estatais, sob influência direta da legalidade criada e mediante a separação dos poderes estatais. Disponível em: <http:// www.politicaparapoliticos.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. Políbio (203-120 a.C.) – Foi um geógrafo e historiador da Grécia Antiga, famoso pela sua obra Histórias, cobrindo a História do mundo Mediterrâneo no período de 220 a.C. a 146 a.C. É-lhe também atribuída a invenção de um sistema criptográfico de transliteração de letras em números. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/ Pol%C3%ADbio>. Acesso em: 10 jan. 2011. A teoria da tripartição dos poderes consolida-se na prática, principalmente como evolução do Estado revolucionário francês crescendo e se solidificando como Estado Liberal ao final do século 18, rompendo com os postulados do Antigo Regime vigentes desde o final da Idade Média; Estado Liberal que se constrói sob os princípios da plenitude do homem e da perfectibilidade da sociedade racional, extensíveis à estrutura estatal e à divisão de suas funções precípuas. Esta concepção torna possível instalar no Estado a distribuição das funções relativas à elaboração, aplicação e controle do Direito estabelecido, de forma que cada um dos Poderes desempenhe alguma função precipuamente, não exclusivamente. Nasce a ideia das competências estatais. Essa concepção vai demonstrar que no Estado de Direito não há monopólio da produção de leis nas mãos do Legislativo, uma vez que todos os poderes concorrem para a sua aprovação. O poder desempenhado no Estado não está centrado em um governante, sendo necessária a existência de uma fórmula que permita, de modo equilibrado e moderado, o desempenho do governo. Isso é possível com a distinção dos poderes estatais, a partir da identificação dos órgãos autônomos responsáveis por espe- Disponível em: <http:// www.dombosco.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. cíficas funções públicas. A partir do ideário de Montesquieu há o Heródoto (485-420 a.C.) – Contemporâneo das Guerras Médicas, Heródoto percorreu todo o universo conhecido de seu tempo. Fundou a ciência histórica com sua obra Pesquisa, também chamada Histórias. Ele é tido como o primeiro historiador e também o primeiro geógrafo e etnógrafo. Disponível em: <http:// www.dombosco.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. de controlar e limitar o desempenho do poder, o que mais tarde 18 entendimento de que é preciso que o próprio poder se encarregue vem a configurar a divisão de suas funções essenciais – a legislativa, a executiva e a jurisdicional. Tal concepção é expressa nos seguintes termos: O poder político é indivisível, teoricamente, porque o seu titular é o povo e não o divide, senão que, em face da ação do Poder Constituinte, confere o exercício a diferentes órgãos encarregados de exercer distintas tarefas ou atividades, ou ainda diferentes funções. Ademais, o poder é indivisível por natureza. Não corresponde a uma coisa que a ela se possa aceder, algo com fim e começo, um objeto capaz de ser EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA tomado, destruído e multiplicado. O poder político soberano substancia uma relação de forças entre as classes e grupos antagônicos; relação sem forma definida, mas que, de qualquer modo se condensa e, por vezes, se materializa, dando origem a instituições, práticas sociais, convenções, aparatos funcionais, como, inclusive, o Estado e o direito. Logo, não pode ser dividido. Quando a doutrina tradicional trata do poder, dentro do contexto da célebre teoria em discussão, certamente com esse significante está querendo fazer menção a um órgão estatal autônomo ou a uma função de Estado. Nada mais do que isso (Clève, 2000, p. 30-31). A lei estabelece a divisão das funções do Estado com a criação de um sistema conhecido como de freios e contrapesos a partir da concepção de Montesquieu, essencial para garantir a liberdade individual. Seção 1.4 Disponível em: <http:// www.dombosco.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. Xenofonte (430-355 a.C.) – Discípulo de Sócrates por 15 anos, escreveu sobre todos os assuntos relativos à política, filosofia, guerra e até questões técnicas. Talvez por isso os antigos o chamassem de “abelha Ática”. Ele compôs um romance histórico e filosófico, A Educação de Ciro, em que esboça um retrato do chefe de Estado ideal. Disponível em: <http:// www.dombosco.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. Surgimento da Atividade Legislativa A História nos mostra que desde a Antiguidade sempre houve regulação do comportamento humano por meio de leis das mais diversas espécies, embora tais leis não tivessem o mesmo sentido que hoje. Desde a dominação presente na mais rudimentar convivência dos homens das cavernas ao patamar mais elevado de desenvolvimento das sociedades, sempre houve alguma forma de controle das condutas humanas, embora não se possa considerar que nos primórdios existissem leis. Verificamos, portanto, que a produção legislativa é, de certa forma, uma criação moderna. Embora existam regras de conduta desde os primórdios da humanidade, podemos até afirmar que as regras não decorriam de um processo legislativo, sendo impostas a partir da vontade de determinada pessoa que era, em algum momento, detentor do poder. Por mais que, portanto, possamos ter o entendimento de que as regras organizadoras da vida em sociedade sejam inerentes a qualquer agrupamento humano, podemos igualmente acrescentar que nem sempre as regras são o resultado da participação humana na sociedade, mas que, em muitas oportunidades, tal respeito é resultado da imposição unilateral da vontade de quem detém o poder. Disponível em: <http://www.arqnet.pt>. Acesso em: 10 jan. 2011. Nicolau Maquiavel (3 de maio de 1469 – 21 de junho de 1527) – Foi um historiador, poeta, diplomata e músico italiano do Renascimento. É reconhecido como fundador do pensamento e da ciência política moderna pelo fato de haver escrito sobre o Estado e o governo como realmente são e não como deveriam ser. Os recentes estudos do autor e da sua obra admitem que seu pensamento foi mal interpretado historicamente. Desde as primeiras críticas, feitas postumamente por um cardeal inglês, as opiniões, muitas vezes contraditórias, acumularam-se, de forma que o adjetivo maquiavélico, criado a partir do seu nome, significa esperteza, astúcia. Disponível em: <http://pt.wikipedia.org/wiki/ Nicolau_Maquiavel>. Acesso em: 10 jan. 2011. 19 EaD Aldemir Berwig Feitas essas considerações, é possível afirmar que, embora existam inúmeros elementos históricos sobre a atividade legislativa, devemos nos prender à ideia de que o processo legislativo, tal como conhecemos hoje, é uma construção moderna não presente na Antiguidade, o qual deve ser entendido como Disponível em: <http:// www.medievalrealm.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011. Johannes Althusius (1557 – 12 de agosto, 1638) – Foi um filósofo e teólogo calvinista alemão, conhecido por sua obra “Politica methodice digesta et exemplis sacris et profanis illustrata” (A política metodicamente concebida e ilustrada com exemplos sagrados e profanos); edições revisadas foram publicadas em 1610 e 1614. As ideias apresentadas nessa obra serviram de base para considerar Althusius o primeiro federalista autêntico, pai do federalismo moderno e defensor da soberania popular. Disponível em: <http:// pt.wikipedia.org/wiki/ Johannes_Althusius>. Acesso em: 10 jan. 2011. o amadurecimento de uma prática que em alguns momentos prescindia da participação da sociedade, mas que, com a atual evolução, parece tornar inequívoca a ideia de participação e de justiça social. Compreendendo as diversas fases do pensamento sobre a elaboração das leis Para que você tenha uma compreensão da evolução do pensamento sobre a elaboração legislativa, sugiro que pesquise a existência de teorias da elaboração das leis. Seção 1.5 Elaboração da Lei e Processo Legislativo Brasileiro Um estudo da elaboração legislativa brasileira não pode se apartar do método estabelecido nas Constituições brasileiras. A evolução da lei e do processo legislativo brasileiro, se podemos assim considerar, é prevista desde a primeira Constituição brasileira, a Constituição Imperial de 1824. Analisando a evolução histórica, verificamos que a Constituição da República de 1988 estabelece o processo legislativo que segue as linhas gerais do processo clássico, obedecendo uma estrutura básica. Verifica-se, entretanto, que houve um aperfeiçoamento de seu método visando a aprimorar o funcionamento da estrutura legislativa e dar maior celeridade ao processo de formação das leis, além, é claro, de estabelecer boas leis que venham a atender ao interesse da coletividade. 20 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA A partir deste breve intróito, passaremos a discorrer sobre os principais pontos estabelecidos em cada uma das Constituições brasileiras. A primeira Constituição Brasileira, a “Constituição Política do Império do Brazil”, de 25 de março de 1824, foi a primeira experiência constitucional da nação recém-declarada independente, “oferecida e jurada” por sua Majestade o imperador Dom Pedro I. Filiou-se ao constitucionalismo clássico construído a partir da ideia proposta no artigo 16 da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, que estabelecia: “Toda sociedade na qual a garantia dos direitos não for assegurada, nem a separação dos poderes determinada, não tem Constituição”. Sofreu considerável influência da Constituição Francesa de 1814. Estava estabelecido um regime constitucional que propunha a separação dos poderes e garantia dos direitos individuais pela lei, ou seja, um regime ou sistema político de liberdades. É importante ressaltar que, segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 163), esta primeira Constituição brasileira marca a ruptura entre o absolutismo e o liberalismo, para se constituir no “texto fundador da nacionalidade e no ponto de partida para a nossa maioridade constitucional”. Vale dizer, marca o nascimento de uma nova nação. Esta Constituição destaca a separação de poderes no Brasil de forma peculiar, pois estabelece um quarto poder no seu artigo 98, o Poder Moderador, chave de toda a organização política, “delegado privativamente ao Imperador, como Chefe Supremo da Nação e seu Primeiro Representante, para que incessantemente vele sobre a manutenção da Independência, equilíbrio, e harmonia dos demais Poderes Políticos”. Verificamos, portanto, que a Constituição do Império estabelece um Poder Superior atribuído ao Imperador para inspecionar e conduzir as atividades dos poderes segundo os interesses da Coroa, e que o Poder Legislativo é exercido pela Assembleia Geral, composta pela Câmara dos Deputados e pelo Senado. Esta primeira Constituição brasileira já prevê um sistema bicameral, embora não possamos verificar qualquer processo legislativo que se aparte do Poder Supremo do Imperador. Segundo Lenza (2009, p. 53), o Poder Moderador era, sem dúvida, “o mecanismo que serviu para assegurar a estabilidade do trono do Imperador durante o reinado no Brasil”. Embora a Constituição estabeleça a existência de duas casas legislativas com competências próprias, verifica-se, numa análise das normas constitucionais, que ambas as casas praticamente se submetem à vontade do Imperador, que detém, inclusive, o Poder Moderador, e é quem efetivamente termina aprovando ou não as novas leis. É de se ressaltar, inclusive, que, em caso de silêncio do Imperador quanto à sanção da lei, significa que estará negando sanção à lei aprovada em ambas as câmaras legislativas, o que poderá ocorrer por mais duas legislaturas, caso o mesmo projeto seja 21 EaD Aldemir Berwig novamente encaminhado à sanção do Imperador. Silenciando nestas duas últimas, da mesma forma que na primeira, a lei seria reputada obrigatória a todos, mesmo sem a sanção deste. Verifica-se, portanto, que neste período da História Imperial, embora a Constituição faça previsão de um processo legislativo, praticamente o que prepondera é a vontade do Imperador, que detém um grande poder de decisão mesmo nas questões em que seja estabelecida a necessidade de lei. Por outro lado, verifica-se que na Constituição Imperial já há previsão de que a proposição de lei com proposta orçamentária é atribuída ao Poder Executivo, em tese, por ser quem conhece melhor a realidade sociopolítica em que irá atuar, possibilitando o fornecimento de maiores elementos ao legislador, para análise e decisão sobre a peça orçamentária. Não significa, entretanto, dizer que ele era independente. Posteriormente, em 24 de fevereiro de 1891, temos a promulgação da Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil, que, segundo Mendes, Coelho e Branco (2008, p. 164-165), trata-se de uma Constituição influenciada pelo modelo norte-americano sem uma necessária e cautelosa adaptação sociológica. A influência da Constituição norte-americana de 1787 foi tanta que a República passa a se chamar “República dos Estados Unidos do Brasil”, embora os modelos de federação brasileira e norte-americana em muito se distanciassem. A Constituição de 1891 põe fim ao Poder Moderador e adota a teoria clássica da tripartição de Poderes proposta por Montesquieu, o que fica estabelecido no seu artigo 15, ao determinar que “são órgãos da soberania nacional o Poder Legislativo, o Executivo e o Judiciário, harmônicos e independentes entre si”. O Poder Legislativo passa a ser exercido pelo Congresso Nacional, que é composto de duas casas – a Câmara dos Deputados e o Senado Federal –, com a sanção do presidente da República. É o nascimento do bicameralismo federativo. Especificamente no que se refere à iniciativa de proposição de projetos de leis, é que o artigo 36 prevê que todos os projetos podem ter origem em qualquer das casas legislativas por iniciativa de qualquer um de seus membros, ressalvadas algumas exceções asseguradas exclusivamente para a Câmara dos Deputados no seu artigo 29. Ao chefe do Executivo fica reservado o poder de sanção ou veto ao projeto aprovado pelas Câmaras do Congresso Nacional no prazo de dez dias úteis após ter recebido o projeto para apreciação. Outra alteração substancial no processo legislativo é que a Constituição de 1891 institui que o silêncio do presidente da República no prazo de dez dias úteis ocasiona a sanção do projeto de lei, de forma que praticamente passa a exigir o seu pronunciamento. Em caso de veto presidencial, fica estabelecido que cada uma das Câmaras do Congresso poderá, por 22 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA voto de dois dos presentes, derrubar o veto ao projeto de lei. Além disso, prevê a obrigatoriedade de promulgação da lei no prazo de 48 horas pelo presidente, e, na sua falta, pelo presidente ou vice-presidente do Senado. Passa a prever também que os projetos rejeitados ou não sancionados não poderão ser renovados na mesma sessão legislativa. A segunda Constituição Republicana, a “Constituição da República dos Estados Unidos do Brasil”, foi promulgada em 16 de julho de 1934, elencando como atribuição ao Senado Federal funções assemelhadas às do imperial Poder Moderador, incubindo esta Casa Legislativa de coordenar os poderes federais entre si e velar pela Constituição. Especificamente no que trata do processo legislativo, inovou ao estabelecer competências privativas para a propositura de projetos de leis, ampliando o rol dos órgãos competentes: a Câmara dos Deputados, o Senado Federal, os Tribunais e o presidente da República. Quanto à sanção ou veto do projeto de lei, em relação à Constituição de 1891, prevê que, em caso de veto, o projeto será devolvido à Câmara dos Deputados, que poderá derrubar o veto por maioria absoluta dos seus membros, encaminhando-o, em seguida, ao Senado Federal, que o submeterá à aprovação pelo mesmo quórum. Se o projeto for sancionado pelo presidente ou, em caso de veto, derrubado pelas duas Câmaras Legislativas, o presidente deverá em 48 horas promulgar a lei sancionada. Caso o presidente não a promulgue no tempo prescrito, o presidente da Câmara dos Deputados o fará. Pouco se diferencia, portanto, o processo legislativo do previsto na anterior Constituição. A Constituição de 10 de novembro de 1937 estabelece competência de iniciativa de lei “em regra” ao governo, vedando expressamente a qualquer das Câmaras Legislativas a proposição de projetos de lei em matéria tributária ou que acarrete aumento de despesa. Em caso de iniciativa destas Casas, exige que esta seja proposta por, no mínimo, um terço de seus membros e pelo Conselho da Economia Nacional. Estabelece ao governo a prerrogativa de retirar o projeto de lei quando ele já estiver tramitando nas Casas Legislativas. A Constituição de 18 de setembro de 1946 apresenta algumas alterações substanciais e tem uma melhor redação que as anteriores. No que se refere à iniciativa de leis, a novel Constituição delimita mais rigidamente as competências estabelecendo atribuições concorrentes para a propositura de leis ao presidente da República e a qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, ao lado das competências exclusivas, tanto do presidente da República quanto das Casas Legislativas e dos Tribunais Federais. Determinou ainda que as leis de iniciativa do presidente da República iniciam sua tramitação na Câmara dos Deputados seguindo para o Senado Federal e depois para a sanção presidencial, caso aprovado na íntegra, e seu retorno à Casa propositora em caso de 23 EaD Aldemir Berwig modificação. Em caso de veto ao projeto aprovado nas duas Casas Legislativas, prevê que o presidente do Senado Federal convoque as duas Casas Legislativas para, em sessão conjunta, se manifestarem, podendo derrubar o veto por dois terços dos votos dos presentes, enviando, posteriormente, ao presidente da República para promulgação em 48 horas. Em caso de silêncio, o presidente do Senado Federal ou seu vice a promulgarão. A Constituição da República Federativa do Brasil, de 1967, é que veio a estabelecer verdadeiro processo legislativo mediante expressa previsão. Elencou em seu artigo 49 as espécies legislativas compreendidas no processo legislativo: as emendas à Constituição, as leis complementares à Constituição, as leis ordinárias, as leis delegadas, os decretos-leis, os decretos legislativos e as resoluções. Inovou ao apresentar em seu artigo 50 a possibilidade de emenda à Constituição mediante proposta de membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal, do presidente da República e de Assembleias Legislativas dos Estados, e por estabelecer cláusulas pétreas. Instituiu, ainda, que o presidente da República, reputando urgente o projeto de lei, poderia solicitar que fosse apreciado em 45 dias a partir do recebimento em cada casa. Passava, portanto, a prever um regime de urgência para votação da matéria, determinando que a falta de apreciação neste prazo acarretaria a aprovação tácita dos mesmos. Também apresentou diferenciação entre a lei ordinária e a complementar, prescrevendo que a aprovação destas últimas ocorre por maioria absoluta dos membros das duas Casas do Congresso Nacional. Fez previsão de uma espécie de transferência de competência, desde que não exclusiva, de um Poder a outro, a qual denominou lei delegada. Talvez, no entanto, a alteração constitucional mais importante ocorrida com a nova Constituição tenha sido a atribuição de Poder superior ao presidente da República em relação às casas legislativas, ao lhe possibilitar a edição de Decretos-Leis. Os decretos com força de lei poderiam versar sobre duas matérias: segurança nacional e finanças públicas, devendo ser apreciados pelo Congresso Nacional no prazo de 60 dias, não sendo possível a sua emenda. Em caso de não apreciação no prazo, o decreto-lei seria dado como aprovado. A Constituição da República Federativa do Brasil, resultante da Emenda 1/69, teve poucas alterações em relação ao processo legislativo. Uma alteração que chamou a atenção foi a supressão das Assembleias Legislativas dos Estados como legitimadas a propor emendas à Constituição. Quanto aos Decretos-Leis, a nova Constituição ampliou o poder do presidente da República, estabelecendo que poderia expedi-los sobre as seguintes matérias: segurança nacional, finanças públicas (inclusive normas tributárias) e criação de cargos públicos e fixação de vencimentos. 24 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 2 Realizadas essas considerações, chegamos à Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. A atual Constituição manteve as mesmas espécies legislativas da Constituição anterior, apenas substituindo o Decreto-Lei pela Medida Provisória. Uma inovação inserida foi a previsão de que a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis será regrada por Lei Complementar. É importante lembrar que a Lei Complementar nº 95/1998 estabelece tal regramento de observância obrigatória apenas para a União. Em razão de que as normas da Lei Complementar nº 95/1988 são o próprio objeto de estudo de nosso componente curricular, vamos deixar para abordar suas especificidades no momento oportuno. Reflexão sobre o processo legislativo brasileiro A partir das considerações até o momento, faça uma pesquisa sobre a evolução do procedimento de elaboração de leis no Brasil, desde as primeiras ordenações. A pesquisa será apresentada em ocasião própria. SÍNTESE DA UNIDADE 1 Nesta Unidade apresentamos uma noção de processo legislativo e a evolução do processo de elaboração das leis, na perspectiva de demonstrar a você a importância de se fazer uma análise de obras clássicas, especialmente por intermédio do estudo da Filosofia do Direito, para compreender o momento atual da produção legislativa. 2 Disponível em: <http://www.edu-cacao.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011. 25 EaD Aldemir Berwig Abordamos o surgimento do processo legislativo propriamente dito e sua perspectiva na modernidade, especialmente a partir das revoluções liberais do século 18 e da tripartição dos poderes. Finalizando, abordamos o desenvolvimento do processo legislativo brasileiro, descrevendo sua previsão constitucional desde a Constituição do Império para demonstrar a mutação ocorrida nesse período. 26 EaD Unidade 2 PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA QUESTÕES FUNDAMENTAIS DE TÉCNICA LEGISLATIVA OBJETIVOS DESTA UNIDADE • Apresentar o objeto da atividade legislativa e das normas no ordenamento jurídico, bem como os princípios do processo legislativo e da legística. • Proporcionar uma reflexão sobre a elaboração legislativa no Estado Democrático de Direito e a garantia dos direitos do cidadão, enfatizando as fases de desenvolvimento da elaboração legislativa propriamente dita. • Destacar a importância da competência estatal na elaboração da lei como aspecto de validade e eficácia da norma jurídica e a necessidade de que se produzam leis com boa técnica legislativa. AS SEÇÕES DESTA UNIDADE Seção 2.1 – Finalidade das normas jurídicas Seção 2.2 – Atividade legislativa Seção 2.3 – Princípios informadores da elaboração normativa Seção 2.4 – Lei e respeito às situações jurídicas consolidadas Seção 2.5 – Processo legislativo interno Seção 2.6 – Há necessidade de controlar os resultados da lei? Seção 2.7 – Valores dominantes e a supremacia do Direito Seção 2.8 – Interesse público e Direito Seção 2.9 – Menos leis, melhores leis! Seção 2.10 – Legística Seção 2.11 – Questões a serem analisadas na elaboração de atos normativos 27 EaD Aldemir Berwig Seção 2.1 Finalidade das Normas Jurídicas O ordenamento jurídico é um conjunto de regras jurídicas que tem por finalidade estabelecer os fundamentos de justiça e segurança, que assegurem um desenvolvimento social harmônico dentro de um contexto de paz e de liberdade nos termos da Constituição da República. É composto, portanto, de um conjunto de normas jurídicas que visam a concretização da Constituição. Para analisar os objetivos das normas jurídicas é necessário analisá-las dentro do contexto da lei. Assim, podemos dizer que a lei e suas normas jurídicas têm como objetivos o expresso nas seguintes funções (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 78): – de integração: ao compensar as diferenças jurídico-políticas no quadro de formação da vontade do Estado (desigualdades sociais, regionais, etc.); – de planificação: como instrumento básico de organização, definição e distribuição de competências; – de proteção: como instrumento de proteção contra o arbítrio, ao vincular os próprios órgãos do Estado e suas ações; – de regulação: ao direcionar condutas e atividades mediante a imposição de condições e restrição ao seu desenvolvimento; – de inovação: pois é o único ato estatal, abaixo da ordem constitucional, que pode inovar na ordem jurídica e no plano social. Seção 2.2 Atividade legislativa 1 No Estado de Direito a lei tem relevante papel na ordem jurídica, posto que ela é a única que pode inovar de forma a impor condutas ao cidadão e ao próprio Estado. 1 Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. 28 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Significa que a lei é que vai estabelecer as condutas permitidas e as proibidas, de modo que o Estado as instale de forma imperativa e, em regra, independentemente da concordância do cidadão, e tal se concretiza em razão de que no Estado Democrático de Direito o cidadão é retratado pelos seus legítimos representantes que exercem a missão de proceder a elaboração legislativa estatal, regulamentando o seu ordenamento jurídico. Em princípio, ao abordarmos a competência para elaborar as normas legais, temos de ressaltar que essa atribuição é do Estado, que a elabora por intermédio de seus agentes públicos. Igualmente, no caso destes, temos de falar em competência para exercer a função pública. Ao tratarmos da competência para legislar, portanto, temos de verificar qual o ente político-administrativo (União, Estado, Distrito Federal e Município) a detém. Esse é o primeiro cuidado que se deve ter na elaboração legislativa. Reconhecida a competência do ente político-administrativo, temos de verificar qual o órgão público que detém a competência. Ao falarmos em órgão público, temos de compreendêlo em seu sentido amplo: órgão público pode ser o ente abstrato ou o agente público a que a lei tenha dado competência para o ato. E quando falamos em lei, temos de observá-la em seu contexto hierárquico: averiguar a norma fundamental e aquelas que dela decorrem. Consiste em fazer uma análise de todo o ordenamento jurídico vigente em um determinado ente estatal. A competência legislativa é ilimitada? Dependendo do ângulo em que formos analisar a questão, poderemos afirmar que sim ou que não. Se analisarmos o desempenho do Poder Constituinte, poderemos arriscar a dizer que é ilimitado ou que o limite é a delegação do poder. Tal afirmação, entretanto, geraria inúmeras controvérsias. Embora, portanto, se possa afirmar que quanto à matéria a competência para editar normas quase não conhece limites (universalidade da atividade legislativa), a atividade legislativa é, e deve continuar sendo, uma ação subsidiária. Significa dizer que o exercício da atividade legislativa está submetido ao princípio da necessidade, isto é, que a promulgação de leis supérfluas ou desnecessárias configura abuso do poder de legislar. O limite da atividade legislativa, portanto, deve ser entendido como decorrência da própria delegação de poder presente na representação democrática. É, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 78), “a presunção de liberdade, que lastreia o Estado de Direito democrático, pressupõe um regime legal mínimo, que não reduza ou restrinja, imotivada ou desnecessariamente, a liberdade de ação no âmbito social”. Trata-se dos fundamentos objetivos que as leis devem ter, sob pena de inconstitucionalidade. 29 EaD Aldemir Berwig Os fundamentos objetivos a que nos referimos estão estabelecidos como inerentes ao Estado Democrático de Direito e servem de limite à atividade legislativa. A Constituição da República institui competências, dentre as quais as legislativas, que devem ser exercidas em conformidade com as suas normas, especialmente no artigo 1º e seu parágrafo único, e artigo 5º, além de outros. A lei e a atividade legislativa, portanto, devem obedecer aos limites impostos constitucionalmente. Podemos olhar e entender o “poder de editar normas” em um sentido mais amplo e denominá-lo “atividade normativa”. É importante fazer essa distinção em razão de que toda a atividade de elaboração da lei é atividade normativa, mas nela encontramos outras espécies de atos, como é o caso dos atos administrativos. Neste sentido, temos o exercício do poder regulamentar estabelecido no artigo 84, IV2 da Constituição da República, observando-se os limites determinados pela lei. Esse entendimento decorre da própria ideia de hierarquia das leis proposta por Kelsen e significa que a ordem jurídica não tolera contradições entre normas jurídicas ainda que situadas em planos diversos. Como, entretanto, afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p. 78), nem sempre tais limites normativos são rigorosamente observados. “Fatores políticos ou razões econômico-financeiras ou de outra índole acabam prevalecendo no processo legislativo, dando azo à aprovação de leis manifestamente inconstitucionais ou de regulamentos flagrantemente ilegais”. Não é a aprovação da lei, no entanto, que garante a sua aplicação, pois a Constituição da República estabeleceu controles de legalidade e constitucionalidade a serem exercidos pelo Poder Judiciário. Significa dizer que a publicação de uma lei não é garantia de sua obrigatória aplicação e respeito, pois o receptor da norma jurídica dispõe de mecanismos constitucionalmente criados para o seu controle. 2 Artigo 84. Compete privativamente ao presidente da República: (...) IV – sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução. 30 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Seção 2.3 Princípios Informadores da Elaboração Normativa A atividade de elaboração da lei, como todas as atividades estatais, fundamenta-se, no Estado Democrático de Direito, em alguns preceitos apresentados explícita ou implicitamente no sistema constitucional. A adoção constitucional do modelo de Estado de Direito estabelece que, neste Estado, todos, inclusive ele, estão sujeitos à lei. Ao caracterizá-lo como democrático, pressupõe que na adoção das leis que vão ordenar e coordenar as ações do próprio Estado e dos cidadãos, haverá uma ação conjunta de todos e que representará a vontade da nação, pautado por um sistema de direitos fundamentais. Para abordarmos os princípios informadores do processo de elaboração da lei é necessário considerar o modelo de Estado e, a partir dele, verificar quais os princípios que o orientarão. Canotilho (1998) esclarece que o princípio do Estado de Direito exige que as normas jurídicas sejam dotadas de alguns atributos, tais como precisão ou determinabilidade, clareza e densidade suficiente para permitir a definição do objeto da proteção jurídica e o controle de legalidade da ação administrativa. 2.3.1 – PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA Normalmente a doutrina brasileira tem citado vários princípios voltados à legalidade dos atos do Poder Público. Canotilho (1998, p. 250-259) cita o “princípio geral da segurança jurídica” relacionando-o com a necessidade humana de segurança para “conduzir, planificar e conformar autônoma e responsavelmente a sua vida”. Ao abordar este princípio, afirma que dois deles estão estreitamente associados – a segurança jurídica e a proteção da confiança –, a ponto de alguns doutrinadores asseverarem que o segundo é subprincípio do primeiro. Em regra, diz o autor, a segurança jurídica está relacionada aos elementos objetivos da ordem jurídica – “garantia de estabilidade jurídica, segurança de orientação e realização do direito”. Já a proteção da confiança vincula-se mais com os componentes subjetivos da segurança, como é o caso da previsibilidade e calculabilidade dos indivíduos em relação aos efeitos jurídicos dos atos dos Poderes Públicos. No fundo, a segurança e a proteção da confiança estabelecem: a) confiabilidade, clareza, racionalidade e transparência dos atos do Poder Público; b) clareza de que o cidadão tenha, em relação aos atos do Poder Público, garantida a sua segurança nas suas disposições pessoais e nos efeitos jurídicos dos seus próprios atos. 31 EaD Aldemir Berwig O princípio geral da segurança jurídica (abrangendo a ideia de proteção da confiança), como citado por Canotilho (1998), portanto, é aplicável a todos os atos do Poder Público. O cidadão tem o direito de poder confiar que todos os atos ou decisões do Poder Público incidentes sobre seus direitos, posições ou relações jurídicas sejam fundamentados em normas jurídicas vigentes e válidas, se ligam aos efeitos jurídicos previstos e prescritos por tais normas. Em outras palavras, ainda, utilizando como fonte o “Guia Prático Comum” do Parlamento Europeu (União Europeia, 2010), é possível citar alguns requisitos fundamentais para a boa compreensão da lei. Segundo este guia, os atos legislativos devem ser formulados de forma clara, simples e precisa, de modo que sua redação será: a) clara, fácil de compreender, sem ambiguidades; b) simples, concisa, sem elementos supérfluos; c) precisa, sem deixar quaisquer dúvidas no espírito do leitor. A lei deve ser precisa para afirmar o princípio da segurança jurídica. Uma lei imprecisa não gera qualquer segurança, de forma que o cidadão nem pode confiar em suas disposição. Ora, o próprio Direito Positivo é escrito para que se dê segurança jurídica. Se a lei não for precisa, consequentemente não gerará tal segurança ao cidadão. A segurança jurídica, entretanto, passa pelo pressuposto de normas pautadas pela precisão e clareza, de modo que o seu destinatário tenha plenas condições de identificar a situação jurídica que está sendo prevista na lei e as consequências que dela decorrem. Devem ser evitadas, portanto, as formulações obscuras, imprecisas, confusas ou contraditórias (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 83). 2.3.2 – PRINCÍPIO DA LEGALIDADE O princípio da legalidade, historicamente, foi sempre apresentado como o cerne do Estado de Direito, especialmente para limitar a atuação da Administração Pública. Conforme Canotilho (1998, p. 249), relacionados à legalidade, são dois os princípios fundamentais: o princípio da supremacia ou prevalência da lei e o princípio da reserva de lei ou reserva legal. 3 Segundo o autor, num Estado Democrático de Direito a lei é ainda o instrumento mais apropriado e seguro para definir os regimes de certas matérias, sobretudo os direitos fundamentais e a “vertebração democrática do Estado”. 3“ Em tema de remuneração dos servidores públicos, estabelece a Constituição o princípio da reserva de lei. É dizer, em tema de remuneração dos servidores públicos, nada será feito senão mediante lei, lei específica. CF, art. 37, X, art. 51, IV, art. 52, XIII. Inconstitucionalidade formal do Ato Conjunto n. 01, de 5-11-2004, das Mesas do Senado Federal e da Câmara dos Deputados” (ADI 3.369-MC, Rel. Min. Carlos Velloso, julgamento em 16-12-04, DJ de 18-2-05). 32 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Dito isso, é pertinente abordar o princípio da legalidade como um único princípio que pode ter como especificidades vários subprincípios a ele diretamente vinculados. Não vejo porquê diferenciar legalidade, de reserva legal, de legalidade em sentido estrito. Aparentemente, todos os princípios citados encontram-se intrinsecamente unidos, sendo praticamente impossível separá-los. A Constituição da República estabelece o princípio da legalidade, pelo menos, em quatro momentos: no artigo 1º, ao estabelecer que a República Federativa do Brasil é um “Estado Democrático de Direito”; no artigo 5º, II, ao estabelecer que “Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei”; no artigo 37, caput, quando estabelece que a Administração Pública está submetida, entre outros princípios, ao da “legalidade”; e no artigo 150, I, quando estabelece que a instituição ou elevação de tributos somente pode ser levada a efeito mediante lei formal. O princípio da legalidade estabelece que o instrumento legal adequado à inovação no mundo jurídico é a lei, de modo que fica vedada “a utilização de fórmulas legais exageradamente genéricas e a outorga de competência para sua concretização a órgãos administrativos, mediante expedição de atos regulamentares (regulamentos, instruções, portarias), podem configurar ofensa ao princípio estrito da legalidade, caracterizando, ademais, ilegítima delegação legislativa” (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 83). Uma questão fundamental a que chamam atenção Mendes e Forster Júnior (2002, p. 84), é que a lei deve evitar autorizações legislativas puras ou incondicionadas, que tenham nítido e inconfundível caráter de renúncia de competência, pois representam inequívoca deserção da obrigação de deliberar politicamente e podem caracterizar afronta ao princípio da reserva legal. Além disso, conforme enuncia Mello (2001, p. 110-111), as competências públicas são de exercício obrigatório, irrenunciáveis, instransferíveis, imodificáveis e imprescritíveis. Evidente, portanto, que editar uma lei estabelecendo uma ampla discricionariedade a outro Poder estatal quando não deveria, caracteriza renúncia à competência de legislar. 2.3.3 – PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE OU DA PROIBIÇÃO DE EXCESSO A simples existência de lei não se afigura suficiente para legitimar a intervenção no âmbito dos direitos, garantias e liberdades individuais. Como afirma Canotilho (1998, p. 259-265), inicialmente o princípio estabelecia limite ao Poder Executivo. Posteriormente, elevado como princípio constitucional, passou a limitar todos os Poderes Estatais. Embora a referência seja à Constituição Portuguesa, entendemos que o sistema constitucional brasileiro também prevê a proporcionalidade e, neste sentido, é que nos utilizamos do entendimento do mestre português. 33 EaD Aldemir Berwig O princípio da proibição do excesso, segundo Canotilho (1998), aplica-se a todas as espécies de atos dos poderes públicos. Desta forma, vincula o legislador, a administração e a jurisdição. Embora o legislador, no exercício da atividade de elaboração da lei, tenha certa discricionariedade política, essa não é ilimitada, como já afirmamos anteriormente. Embora o legislador tenha certa liberdade para a produção das normas legais, essa deve seguir os princípios fundamentais do Estado Democrático de Direito, evitando qualquer imposição legal que o desrespeite. Como afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p. 84), é necessário que as restrições legais sejam proporcionais, isto é, “adequadas e justificadas pelo interesse público” e atendam “ao critério de razoabilidade”. Em face do princípio da proporcionalidade, cabe analisar, além da legitimidade dos objetivos perseguidos pelo legislador, a adequação dos meios empregados, a necessidade de sua utilização, bem como a razoabilidade, isto é, a ponderação entre a restrição a ser imposta aos cidadãos e os objetivos pretendidos. Em sentido semelhante, Canotilho (1998, p. 262) cita como subprincípio o da “conformidade ou adequação dos meios”, afirmando que a medida adotada para a satisfação do interesse público deve ser adequada à concretização dos fins almejados pela lei. É controle da “ relação de adequação medida-fim”, embora difícil no caso da liberdade que tem o legislador. Seção 2.4 Lei e Respeito às Situações Jurídicas Consolidadas O inciso XXXVI do artigo 5º da Constituição da República, introduz a regra decorrente dos princípios da legalidade e da segurança jurídica, segundo a qual “a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada”. Tal regra estabelece a garantia de respeito a situações passadas às quais não havia prescrição legal proibitiva ou, havendo, as possibilitava. É a garantia de que a ação do legislador deve respeitar as situações jurídicas consolidadas preservando os efeitos que elas produzirão. Assim, a lei deve respeitar tanto a coisa julgada formal, que impede a discussão da questão decidida no mesmo processo, quanto a coisa julgada material, que impede a discussão de questão decidida em outro processo. 34 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Reflexão sobre os princípios do Estado Democrático de Direito e a elaboração da lei Verificamos alguns dos princípios que estabelecem diretrizes para a elaboração das leis. Faça uma pesquisa e aprofunde o assunto, observando como a doutrina tem apresentado os princípios e quais deles podem ser relacionados à elaboração legislativa. Seção 2.5 Processo Legislativo Interno Nas palavras de Mendes e Forster (2002, p. 86-87), o processo legislativo interno diz respeito ao esforço de racionalização dos procedimentos de decisão, decorrentes da natureza do próprio Estado de Direito. Difere do processo legislativo externo, disciplinado na Constituição da República, em razão de que tem relação direta com o modus faciendi adotado para as tomadas de decisão legislativas. Embora informal, segundo a doutrina, segue um roteiro básico, que se desdobra em problema, diagnóstico e causas, objetivos, crítica das propostas e controle de resultados. 2.5.1 – PROBLEMA O problema é a própria situação que deverá ser equacionada com a norma jurídica. A elaboração de qualquer ato normativo deve ser decorrência da identificação de uma situação fática que demanda alguma regulação legal. Verificada a situação fática, que consiste no problema a ser enfrentado, é necessário delimitá-lo de forma precisa. 2.5.2 – DIAGNÓSTICO E CAUSAS O diagnóstico é a verificação da realidade, da situação fática. O processo de elaboração legislativa deve ser precedido de rigorosa análise dos fatos relevantes relacionados à matéria, do exame de todo o complexo normativo em questão, mediante análise de julgados, pareceres, críticas doutrinárias, bem como de profundo e sério levantamento de dados 35 EaD Aldemir Berwig sobre a questão, com audiência de entidades representativas e dos atingidos ou afetados pelo problema, inclusive audiências públicas, em razão de que a lei pode ocasionar sérias consequências à sociedade. Assim, a deflagração do processo legislativo deve vir fundamentada no complexo de causas que determinam o seu desenvolvimento. Essas causas, que podem originar-se de influências diversas, tais como condutas humanas, desenvolvimentos sociais ou econômicos, influências da política nacional ou internacional, consequências de novos problemas técnicos, efeitos de leis antigas, mudanças de concepção, estão diretamente relacionadas ao problema que se quer resolver com a edição da lei. 2.5.3 – OBJETIVOS PRETENDIDOS COM A ELABORAÇÃO DA NORMA A partir das causas, deve-se verificar como a lei pode solucionar o(s) problema(s), atacando diretamente suas causas. Inicialmente, é necessário ter clareza dos objetivos, ou seja, o que a lei deve regular e qual o resultado que deve proporcionar. Traçando os objetivos, vai se constatar quais os meios adequados a serem utilizados para a solução do(s) problema(s). Aqui, nos parece razoável lembrar da necessidade de um olhar técnico para a solução do(s) problema(s). Não será a vontade política do agente que vai estabelecer a solução em razão de que o legislador deve se amparar em profissionais que possam apontar elementos técnicos que se apliquem às causas e possam solucionar o(s) problema(s). Dito isso, é possível compreender que a precisa definição dos objetivos pretendidos decorre da exata aferição das causas e dos problemas. A decisão legislativa, portanto, deve ser precedida de uma rigorosa avaliação das causas e problemas existentes e das alternativas possíveis, seus prós e contras, para sua solução, visando a melhorar a qualidade da decisão legislativa e de seu produto, a lei. 2.5.4 – CRÍTICA DAS PROPOSTAS Antes de ocorrer a aprovação do projeto de lei, deve haver uma profunda análise acerca da(s) proposta(s) a ser(em) positivada(s), para decidir sobre a mais adequada e que gere menor impacto sobre os indivíduos. Deve-se avaliar e contrapor as alternativas existentes sob dois pontos de vista: a) de uma perspectiva puramente objetiva, cumpre verificar se o diagnóstico se mostra consistente, pois é dele que decorre a aprovação da lei; 36 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA b) de uma perspectiva axiológica, objetiva-se verificar se as regras a serem estabelecidas em lei vão determinar meios e instrumentos adequados a serem empregados para a produção de efeitos desejados. Na perspectiva axiológica encontramos a necessidade de verificar se as normas que vão decorrer do processo legislativo estão em sintonia com o sistema constitucional e serão perfeitamente enquadradas no ordenamento jurídico. Há necessidade de que se analise a proporcionalidade das medidas e, consequentemente, a razoabilidade da intervenção no âmbito dos direitos individuais. “É exatamente a observância do princípio da proporcionalidade que recomenda que, no conjunto de alternativas existentes, seja eleita aquela que, embora tenha a mesma efetividade, afete de forma menos intensa a situação individual” (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 87). É muito importante averiguar, na avaliação das alternativas, se as normas a serem aprovadas são perfeitamente exequíveis e qual a sua repercussão na sociedade, além, é claro, do seu grau de aceitabilidade pelos cidadãos. Seção 2.6 Há Necessidade de Controlar os Resultados da Lei? Constatamos que há um longo processo para a elaboração das espécies legislativas e que elas são preparadas para atingir determinados objetivos. Após entrarem em vigor, entretanto, todas as leis geram os efeitos esperados durante a sua elaboração? Podemos dizer, com toda certeza, que nem todas as leis produzem os efeitos desejados durante o momento de sua preparação. É evidente, portanto, que a lei deve ser continuamente avaliada para verificar se está compatível com o sistema jurídico e se está produzindo os efeitos que se espera dela. Caso não esteja adequada, deverá ser suprimida do ordenamento jurídico. Esse é o papel dos Poderes Públicos e também da sociedade. Como vimos durante o desenvolvimento do conteúdo, a participação popular não é simples, pois a Constituição da República estabelece alguns requisitos que exigem uma articulação muito grande dos cidadãos. A sociedade, porém, tem a garantia da possibilidade de participação na vida política da nação e, em decorrência disso, lhe fica garantido, até mesmo, o controle da lei. O que o Estado deve fazer, em consonância com o Sistema Constitucional, é criar mecanismos que possibilitem e simplifiquem a participação política. 37 EaD Aldemir Berwig Finalmente, é possível dizer que a elaboração da lei deve contar com a participação ampla da coletividade e ser objeto de precauções severas, como já apontava Vitor Nunes Leal: Tal é o poder da lei que a sua elaboração reclama precauções severíssimas. Quem faz a lei é como se estivesse acondicionando materiais explosivos. As conseqüências da imprevisão e da imperícia não serão tão espetaculares, e quase sempre só de modo indireto atingirão o manipulador, mas podem causar danos irreparáveis (Leal apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 77). A cautela na elaboração da lei, portanto, demonstra que ela deve ser, como afirmamos anteriormente, transdisciplinar, não se descuidando dos aspectos estritamente jurídicos, mas preocupada com aspectos metajurídicos, especialmente com a função social do ordenamento jurídico e com a sua repercussão econômica, social e política. A abertura para a análise transdisciplinar da matéria a ser regulada é a parcela da garantia de uma boa lei. Seção 2.7 Valores Dominantes e a Supremacia do Direito Estamos discorrendo sobre elaboração legislativa e tal assunto não pode ser destacado do Direito para ser analisado de forma autônoma. Assim, a axiologia do Direito é fator que perpassa todo o seu conteúdo e, obrigatoriamente, deverá estar presente no momento de elaboração da lei, sua forma mais normal de expressão. Normalmente falamos em supremacia da lei e em supremacia do interesse público. Se tais afirmações não estão equivocadas, entretanto, deve-se, pelo menos, fazer uma análise de seu conteúdo e verificar em que condições são colocadas. Para Ferreira Filho, falar na supremacia da lei leva, insensivelmente, à referência, à supremacia do Direito. Direito e lei serão uma só e mesma coisa? O positivista responderia que sim. Que o Direito é o conjunto de leis, isto é, de normas positivas. De modo que seria Direito tudo aquilo que o governante ordenasse sob a forma de lei. Não é essa noção, porém, que estava subjacente na obra dos revolucionários liberais. “O Constitucionalismo”, observa Lipson, “é termo que possui conotações definidas: vincula-se à noção do império da lei e abrange a idéia de que não se há de permitir a um Governo agir conforme arbítrio de suas autoridades, devendo, ao contrário, conduzir-se de acordo com normas equitativas e estabelecidas mediante acordo”. 38 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA O primado da lei, por isso, nos regimes constitucionais pluralistas é inspirado pela idéia do primado do Direito, ou seja, do justo, como tal considerado, num dado momento, por determinada comunidade. Opõe-se radicalmente, portanto, à chamada “legalidade socialista”, adotada nos regimes de partido monopolístico marxista. Esta impõe o respeito da lei, comando do legislador, mas também a sua interpretação segundo o escopo revolucionário (melhor, do partido), do que resulta, conforme assinala Biscaretti di Ruffia, “que o princípio da supremacia da lei, se se impõe hoje de modo absoluto no confronto entre os governados, não vigora certamente com o mesmo caráter absoluto para os governantes...”. A supremacia do Direito, ou seja, a primazia do justo sobre os próprios comandos do legislador, as leis, é idéia profundamente arraigada no pensamento ocidental. De longínquas origens, esse primado, de uma forma ou de outra expresso, vem pelo menos dos gregos antigos até nossos dias. E não raro na obra de autores que aparentemente o repudiam. Todavia, as instituições vigentes, embora construídas para assegurar essa primazia, conduzem à supremacia do comando do legislador, qualquer que seja o seu conteúdo. De fato, a lei aparece nelas definida pelo processo de elaboração, independentemente do caráter justo ou injusto de suas disposições. O respeito à lei pode ser então o desrespeito ao Direito. A contraposição entre lei e Direito é sumamente perigosa para a paz e a estabilidade sociais. Não é preciso recordar Hobbes para reconhecer que, quando cada qual se dispõe a julgar a lei, cumprindo-a ou não, segundo sua apreciação subjetiva do justo e do injusto, a sociedade se transforma num campo de luta, onde o mais forte ou o mais astuto esmagará o menos hábil e o mais fraco. Entretanto, é fátuo pretender que, sendo a lei exclusivamente definida pela decisão política de uma maioria, ou até de uma minoria, todos se curvem a seu império, quando fere profundamente a imagem que cada um faz do bom e do equitativo. A politização da elaboração legislativa conduz ao desprestígio da lei, a uma crise da lei; e a uma crise do próprio processo legislativo (Ferreira Filho, 2002, p. 11-12). Para o autor, há, portanto, diferença gritante entre as afirmações supremacia da lei e supremacia do Direito. E tal diferença pode estar justamente nos valores fundamentais do Direito que, em nossa opinião, deveriam estar sempre presentes na lei, até mesmo como fundamento da necessidade de sua elaboração. Mesmo, entretanto, que o autor afirme que a distinção entre lei e Direito tenha longínquas origens, o que pode nos levar a pressupor que ambas sempre foram expressão de justiça, podemos cometer equívocos. Para pensar um pouco a respeito, recomendo uma releitura do fragmento sobre a lei na cidade antiga, na Unidade 1 deste livro. Dando seguimento à abordagem sobre o tema, é importante citar a exposição de Sydnei Sanches, então ministro do Supremo Tribunal Federal, quando proferiu a palestra “O Juiz e os Valores Dominantes”, no I Curso de Deontologia do Magistrado, publicada posteriomente na Revista de Informação Legislativa nº 214, na qual expôs a seguinte compreensão que achei válida trazer para o presente estudo. Diz o ministro: 39 EaD Aldemir Berwig O primeiro tema que me foi proposto para a exposição O juiz e os valores dominantes, já suscita algumas questões. Que são valores dominantes? A moral? A ética? A verdade? A justiça? A caridade? O trabalho? A busca de conhecimento e de perfeição? Sem dúvida todos são valores dominantes. Viver honestamente, não lesar a outrem e dar a cada um o que é seu, são lemas do direito e da justiça. E têm muito a ver com a moral, com a ética, com a verdade. O trabalho e a busca do saber e do aperfeiçoamento são o instrumento e o meio pelos quais se pode chegar à prática desses valores. O direito positivo e a moral nem sempre caminham juntos. Às vezes se afastam muito. O direito, porém, não deve ser interpretado imoralmente. Ao interpretá-lo, deve o juiz entender a moral da época em que foi elaborado e aquela em que deverá aplicá-lo, à busca de solução que se mostre compatível com as novas circunstâncias, sem refugir à inspiração da norma que interpreta. Bom caminho para o juiz é o do culto profundo do direito, o aprimoramento do senso de imparcialidade, de responsabilidade e de justiça, a preocupação com os direitos e faculdades, deveres e obrigações das partes em conflito e com a solução adequada das lides. Tudo sem menosprezo ao interesse público e à necessidade de paz social. Num país de enormes conflitos sociais, políticos, jurídicos, econômicos e morais, como é o Brasil, ganha enorme relevo o poder daquele a quem se confere, em nome da Nação, a missão de dirimilos. Cresce, em proporção geométrica, sua responsabilidade, para evitar que, mediante decisões temerárias, arbitrárias e injustas, ao invés de dirimi-los, os amplie e perpetue (Sanches, 1992). Lembrando que o Direito é mais amplo que a lei, de forma que ele não é apenas o Direito Positivo, é necessário ressaltar que não se pode deixar de considerar os valores fundamentais que devem orientar as ações humanas. Embora Sanches se refira apenas à interpretação da lei pelo magistrado, entendemos que o sentido proposto em sua exposição pode ser entendido de uma forma bem mais ampla, como aqui estamos considerando. 4 Se levarmos em conta esses aspectos fundamentais, não poderemos deixar de lado os valores citados por Sanches na palestra aqui parcialmente citada. Se o Direito é uma criação da sociedade para tornar possível e harmônica a convivência social, sendo competência do Estado a sua expressão po meio de representantes legitimados pela manifestação social, temos de pressupor que os legitimados a expressarem a vontade estatal devem estar imbuídos desses valores. 4 Disponível em: <http://blog0news.blogspot.com/2008/07/charges.html>. Acesso: 22 jan. 2011. Dura lex sed lex: A lei (é) dura, mas (é) lei. Nos leva a entender que a lei deve ser aplicada ainda que pareça imoral ou injusta. É possível ou questionável? Reflita a respeito. 40 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Tais valores citados, fazendo uma análise das normas constitucionais, são os valores fundantes do próprio Estado Democrático de Direito e, assim, devem ser expressão dos Poderes Legislativo, Executivo e Judiciário, além de outros organismos estatais. Apenas para fins de reflexão sobre a questão axiológica, vale enunciar o pensamento de Reale, manifesto em obra já citada. Não se quer, com isso, fazer qualquer relação ou comparação entre Direito Positivo e Direito Natural, uma vez que a pretensão é de fazê-lo refletir a respeito do assunto. Pensamos que a experiência jurídica pressupõe determinadas constantes valorativas ou axiológicas – como, por exemplo, a do valor originário da pessoa humana –, sem as quais a história do Direito não teria sentido. Como se vê, se aceitamos a concepção transcendental do Direito Natural, não colocamos o problema em meros termos lógico formais, mas antes em termos axiológicos, nem estabelecemos uma sinonímia entre princípios gerais de direito e princípios de Direito Natural. A experiência histórica demonstra que há determinados valores que, uma vez trazidos à consciência histórica, se revelam ser constantes éticas inamovíveis que, embora ainda não percebidas pelo intelecto, já condicionavam e davam sentido à praxis humana. De todos esses valores o primordial é o da pessoa humana, cujo significado transcende o processo histórico, através do qual a espécie toma consciência de sua dignidade ética. Daí dizermos que a pessoa é o valor fonte. Embora Kant o tenha formulado à luz de outros pressupostos, continua válido este seu imperativo que governa toda a vida moral e jurídica: “Sê uma pessoa e respeita os demais como pessoas”. Eis aqui, pois, uma exigência axiológica que, longe de constituir um ditame da “ razão prática”, como o queria Kant, emerge transcendentalmente da consciência histórica. São essas constantes ou invariantes axiológicas que, a nosso ver, formam o cerne do Direito Natural, delas se originando os princípios gerais de direito, comuns a todos os ordenamentos jurídicos. Desses princípios resultam outros, não por mera inferência lógica, mas em virtude de exigências de ordem prática, à medida que a Ciência Jurídica vai recortando, na realidade social e histórica, distintas esferas de comportamentos, aos quais correspondem distintos sistemas de normas (Reale, 2001, p. 295, grifos do autor). A partir destas exposições, é possível verificar um fundamento de legitimidade na elaboração das normas jurídicas. Assim, para a concretização dos valores fundamentais e da justiça social, é importante acrescentar que, em primeiro lugar, as leis positivas do país devem possibilitar sua concretização. Para isso, é necessário rever a própria atuação dos representantes do povo elencando o que, de fato, é interesse da coletividade, e traçando diretrizes que conduzam a atividade legislativa para o bem da coletividade e que se produzam leis legitimamente válidas, para que a democracia representativa não seja uma farsa. 41 EaD Aldemir Berwig Seção 2.8 Interesse Público e Direito Sempre afirmamos em nossas aulas que um dos fundamentos do Direito Administrativo é a supremacia do interesse público sobre o privado, fundamentando nosso entendimento em autores como Mello (2001), Justen Filho (2010) e diversos outros. A impressão que temos é que o interesse público é algo novo, criado para dizer como devemos interpretar o Direito. Neste sentido, Mello anuncia o que é princípio fundamental do regime jurídico administrativo ao afirmar que: Trata-se de verdadeiro axioma reconhecível no moderno Direito Público. Proclama a superioridade do interesse da coletividade, firmando a prevalência dele sobre o do particular, como condição, até mesmo, da sobrevivência e asseguramento deste último. É pressuposto de uma ordem social estável, em que todos e cada um possam sentir-se garantidos e resguardados (2001, p. 30). Consideramos importante fazer alguns apontamentos para reflexão acerca do tema, uma vez que, em tese, tal conceito pode expressar alguns valores a serem expressos pelo Direito e servir de baliza para a estruturação do ordenamento jurídico. Conceituando o interesse público, o autor citado assevera que não se confunde com interesse do Estado. Uma vez reconhecido que os interesses públicos correspondem à dimensão pública dos interesses individuais, ou seja, que consistem no plexo dos interesses dos indivíduos enquanto partícipes da Sociedade (entificada juridicamente no Estado), nisto incluído o depósito intertemporal destes mesmos interesses, põe-se a nu a circunstância de que não existe coincidência necessária entre interesse público e interesse do Estado e demais pessoas de Direito Público (Mello, 2001, p. 63, grifos do autor). Sob o ângulo proposto pelo autor, poderíamos arriscar a dizer que o interesse público é anterior e superior ao próprio Estado, devendo ser expressão da lei. Seria possível, portanto, dizer que tal princípio fundamenta a própria Constituição da República? Seria possível afirmar que, em razão disso, submeteria a própria atuação do legislador e de todos os agentes públicos? 42 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 5 Tais questionamentos exigem uma reflexão mais profunda, pois a questão não é tão simples como aparenta. É o que podemos entender a partir das lições de Justen Filho, que assim se expressa sobre a chamada “Escola do Interesse Público”: Uma orientação adotada por parcela relevante da doutrina do direito administrativo brasileiro, consiste na tese de que o regime jurídico de direito administrativo se fundamenta nos princípios da supremacia e indisponibilidade do interesse público. Segundo esse entendimento, as normas de direito administrativo seriam orientadas a assegurar a prevalência dos referidos princípios, que desempenhariam a função ordenadora das diversas normas pertinentes ao setor. Em outras palavras, o interesse público prevaleceria sobre todos os demais interesses e o regime de direito administrativo seria destinado a assegurar a prevalência dele. Essa orientação apresenta a virtude de acentuar a natureza publicística do regime de direito administrativo e a necessidade de dissociar as finalidades buscadas pelo Estado da conveniência dos eventuais governantes. Mas a tese apresenta inconvenientes práticos e defeitos teóricos, que exigem o seu aperfeiçoamento. Sob o enfoque prático, a história brasileira evidencia que a supremacia e a indisponibilidade do interesse público têm sido invocadas, com freqüência, para justificar atos incompatíveis com a ordem constitucional democrática. É necessário, por isso, encontrar solução mais satisfatória e mais adequada em face da Constituição de 1988. Em uma abordagem teórica, reputa-se que a Constituição de 1988 assegurou a prevalência dos direitos fundamentais antes e acima do chamado interesse público. Mais ainda, existe a dificuldade insuperável para identificar o conteúdo da expressão “interesse público”, sem considerar o problema freqüente da pluralidade de interesses públicos entre si contrapostos (2010, p. 58-59, grifos do autor). 5 Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br/charges>. Acesso em: 22 jan. 2011. 43 EaD Aldemir Berwig Assim, aparentemente, temos de buscar na Constituição da República todo e qualquer fundamento para o ordenamento jurídico, considerando que o próprio Direito é anterior a ela. Não se trata, portanto, de criar fundamentos supraconstitucionais expressos por meio de termos jurídicos indeterminados. Ohlweiler (2000), ao abordar o discurso dogmático do direito administrativo, questiona a utilização de termos indeterminados como fundamento do dogmatismo ao apresentálos como verdades irrefutáveis, de modo que os dogmas aparecem como verdades absolutas e não admitem questionamentos. No caso da elaboração legislativa há uma submissão ao discurso jurídico dominante a partir do entendimento de que, em regra, a lei serve, antes de tudo, como um sistema de controle social, de modo que sua funcionalidade é concretizada a partir de um saber jurídico acumulado. Se a Escola do Interesse Público o apresenta como fundamento para a ação da Administração Pública, do Estado, ou do legislador, deve-se, pelo menos, fazer algumas reflexões sobre ele. É o interesse público uma criação da modernidade? Fustel de Coulanges já mencionava o interesse público em sua obra “A Cidade Antiga”, e o apresenta como resultado da revolução. Vejamos um fragmento do livro: A revolução, que derrubou o domínio da classe sacerdotal e elevou a classe inferior ao nível dos anciãos chefes das gentes, marcou o início de um período novo na história das cidades. Deu-se uma espécie de renovação social. Não era apenas uma classe de homens que substituía outra classe no poder. Eram velhos princípios que eram postos de lado, e regras novas que passariam a governar as cidades humanas. É verdade que a cidade conservou as formas exteriores que tivera na época precedente. O regime republicano subsistiu; os magistrados conservaram em quase toda parte seus antigos nomes; Atenas teve ainda seus arcontes, e Roma continuou com seus cônsules. Não se alteraram tampouco as cerimônias da religião pública; o banquete do pritaneu, os sacrifícios no início das assembléias, os auspícios e as preces, tudo foi conservado. É comum acontecer ao homem, quando rejeita velhas instituições, querer conservar pelo menos as aparências. No fundo, tudo estava mudado. Nem as instituições, nem o direito, nem as crenças, nem os costumes desse novo período foram o que haviam sido no período anterior. O antigo regime desapareceu, levando consigo as regras rigorosas que havia estabelecido em todas as coisas: fundou-se novo regime, e a vida humana mudou de feição. A religião havia sido, durante longos séculos, o único princípio de governo. Era necessário encontrar novo princípio capaz de o substituir, e que pudesse, como ela, reger as sociedades, pondoas, tanto quanto possível, ao abrigo de flutuações e de conflitos. O princípio sobre o qual o governo das cidades se fundou daí por diante passou a ser o interesse público. É necessário observar esse novo dogma que então apareceu no espírito dos homens e na história. Antes, a regra superior, de onde derivava a ordem social, não era o interesse, era a religião. O dever de celebrar os ritos do culto havia sido o vínculo que unia a sociedade. Dessa necessidade 44 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA religiosa derivava-se, para uns o direito de mandar, para outros a obrigação de obedecer; daí surgiram as regras da justiça e dos processos, as das deliberações públicas e as da guerra. As cidades não perguntavam a si mesmas se as instituições que tinham eram úteis; essas instituições eram fundadas porque a religião assim o quis. Nem o interesse, nem a conveniência haviam contribuído para estabelecê-las; e se a classe sacerdotal havia combatido para defendê-las, não o fez em nome do interesse público, mas em nome da tradição religiosa. Mas no período em que entramos agora, a tradição não tem mais força e a religião não governa mais. O princípio regulador, do qual todas as instituições devem tirar de agora em diante sua força, o único que estará acima das vontades individuais, e que seja capaz de obrigá-las a se submeter, é o interesse público. O que os latinos chamam res publica, os gregos tò koinón, eis o que agora substitui a velha religião. Isso é o que decidirá de agora em diante as instituições e as leis, e é a isso que se reportam todos os atos importantes das cidades. Nas deliberações do senado ou das assembléias populares, quer se discuta uma lei ou uma forma de governo, um ponto de direito privado ou uma instituição política, ninguém mais quer saber o que a religião prescreve, mas o que reclama o interesse geral. Atribui-se a Sólon uma palavra que caracteriza bem o novo regime. Alguém lhe perguntava se ele julgava haver dado à pátria a melhor constituição: “Não – responde ele – mas a que mais nos convém.” – Ora, era algo novo não exigir mais das formas de governo e às leis senão mérito relativo. As antigas constituições, baseando-se nas regras do culto, haviam-se proclamado infalíveis e imutáveis; tendo o mesmo rigor e inflexibilidade da religião. Sólon indicava por essa palavra que para o futuro as constituições políticas deveriam se conformar às necessidades, aos costumes, aos interesses dos homens de cada época. Não se tratava mais de verdade absoluta; as regras de governo deviam de aí em diante tornar-se flexíveis e variáveis. Diz-se que Sólon desejava, quando muito, que as leis fossem observadas durante cem anos. As prescrições do interesse público não são tão absolutas, tão claras, tão manifestas como da religião. Sempre se pode discuti-las; não são encontradas à primeira vista. O modo que pareceu mais simples e seguro para se saber o que o interesse público reclamava, foi reunir os homens e consultá-los. Esse processo foi considerado necessário, e empregado quase que diariamente. Na época anterior, os auspícios haviam decidido quase que sozinhos todas as deliberações: a opinião do sacerdote, do rei, do magistrado sagrado, era onipotente; votava-se pouco, e mais para cumprir uma formalidade que para dar a conhecer a opinião de cada um. De agora em diante passou-se a votar sobre todas as coisas; era necessário conhecer a opinião de todos para se estar seguro de conhecer o interesse de todos. A regra do direito foi a origem das instituições, que decidiu o que era útil e o que era justo. Essa regra ficava acima dos magistrados, acima mesmo das leis; foi a soberana da cidade. Também o governo mudou de natureza. Sua função essencial não foi mais o cumprimento regular das cerimônias religiosas; foi, sobretudo, constituído para manter a ordem e a paz no interior, a dignidade e o poder no exterior. O que ficara outrora em segundo plano, passou para o primeiro. A política passou à frente da religião, e o governo dos homens tornou-se coisa humana. Em conseqüência criavam-se novas magistraturas, ou, pelo menos, as antigas tomavam novo caráter. É o que se pode ver pelo exemplo de Atenas e de Roma. Em Atenas, durante o domínio da aristocracia, os arcontes haviam sido sobretudo sacerdotes; o cuidado de julgar, de administrar, poderia, sem inconvenientes, estar ao lado do sacerdócio. Quando a cidade ateniense rejeitou os velhos processos religiosos de governo, não suprimiu o arcontado, porque havia grande repugnância em suprimir o que era antigo. Mas ao lado dos 45 EaD Aldemir Berwig arcontes estabeleceram-se outras magistraturas, que, pela natureza de suas funções, correspondiam melhor às necessidades da época. Eram os estrategos. A palavra significa chefe do exército, mas a autoridade não era puramente militar; cuidavam das relações com as outras cidades, assim como da administração das finanças, e de tudo o que dizia respeito à polícia da cidade. Pode-se dizer que os arcontes tinham em suas mãos a religião, e tudo o que a ela dizia respeito, juntamente com a direção aparente da justiça, enquanto que os estrategos tinham o poder político. Os arcontes conservavam a autoridade tal qual as antigas cidades a haviam concebido; os estrategos possuíam a autoridade que as novas necessidades julgaram bem estabelecer. Pouco a pouco chegou-se ao ponto de os arcontes não conservarem senão uma aparência de poder, enquanto que os estrategos o tinham realmente nas mãos. Esses novos magistrados não eram sacerdotes; apenas realizavam as cerimônias absolutamente indispensáveis em tempos de guerra. O governo tendia cada vez mais a se separar da religião. Esses estrategos podiam ser escolhidos fora da classe dos eupátridas. Na prova por que passavam antes de serem nomeados (dokimasia), não lhes perguntavam, como o faziam aos arcontes, se tinham culto doméstico, ou se eram de família pura; bastava que sempre tivessem cumprido os deveres de cidadãos, e possuíssem terras na Ática. Os arcontes eram designados por sorte, isto é, pela voz dos deuses; o mesmo não acontecia com os estrategos. Como o governo se tornava mais difícil e mais complicado, a piedade já não era mais a qualidade principal, e como havia necessidade de habilidade, de prudência, de coragem, da arte de comandar, não se acreditava mais que a voz da sorte fosse suficiente para fazer um bom magistrado. A cidade não queria mais estar vinculada à pretensa vontade dos deuses, e fazia questão de escolher livremente seus chefes. Que o arconte, que era sacerdote, fosse designado pelos deuses, era natural; mas o estratego, que tinha nas mãos os interesses materiais da cidade, devia ser eleito pelos homens. Se observarmos de perto as instituições de Roma veremos que também ali surgiam mudanças do mesmo gênero. De uma parte, os tribunos da plebe aumentaram a tal ponto a própria importância, que a direção da república, pelo menos no que dizia respeito aos negócios internos, acabou caindo-lhes nas mãos. Ora, esses tribunos, que não tinham caráter sacerdotal, assemelhavam-se muito aos estrategos. De outra parte, o próprio consulado não se pôde manter sem mudar de natureza. O que tinha em si de sacerdotal foi aos poucos desaparecendo. É bem verdade que o respeito dos romanos para com as tradições e as formas do passado exigia que o cônsul continuasse a celebrar cerimônias religiosas instituídas pelos antepassados. Mas é evidente que no dia em que os plebeus se tornassem cônsules essas cerimônias não passavam de meras formalidades. O consulado tornou-se cada vez mais em cargo de comando. Essa transformação foi lenta, insensível, despercebida, e não deixou por isso de ser completa. O consulado já não era certamente no tempo dos Cipiões o que havia sido nos tempos de Publícola. O tribunado militar, que o senado instituiu em 443, e sobre o qual os antigos nos dão poucas informações, foi talvez a transição entre o consulado da primeira época e o da segunda. Pode-se notar também que houve uma mudança na maneira de nomear cônsules. Com efeito, nos primeiros séculos, o voto das centúrias na eleição do magistrado não era, como vimos, senão pura formalidade. Na verdade, o cônsul de cada ano era criado pelo cônsul do ano precedente que transmitia os auspícios, depois de consultar a vontade dos deuses. As centúrias não votavam senão em dois ou três candidatos, apresentados pelo cônsul em exercício; não havia debates. O povo podia detestar um candidato, e não era forçado a votar em quem não queria. Na época em que estamos agora a eleição é completamente diferente, embora as formas ainda sejam as mesmas. Como no passado, ainda há cerimônia religiosa e voto; mas a cerimônia religiosa é mera 46 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA formalidade, o voto é que é realidade. O candidato deve ainda fazer-se apresentar pelo cônsul que preside; mas o cônsul é obrigado, senão por lei, ao menos pelo costume, a aceitar todos os candidatos, e a declarar que os auspícios são igualmente favoráveis a todos. Assim as centúrias elegem os que bem entende. A eleição não pertence mais aos deuses, mas está nas mãos do povo. Os deuses e os auspícios não são mais consultados senão com a condição de serem imparciais com todos os candidatos. Os homens é que escolhem (1961, p. 510-519). A partir deste fragmento, verificamos o emprego deste termo metajurídico já na Antiguidade, e envolto a questões de poder, da lei, da religião, entre outras. Assim, é possível, senão necessário, que se debata a elaboração legislativa, o Direito e o Direito Positivo, para, a partir daí, verificar se é sustentável o interesse público como seu fundamento, e como deve-se estruturar a positivação do Direito. Seção 2.9 Menos Leis, Melhores Leis É possível que exista crise da lei ou crise legislativa? “Como falar em crise da lei, em crise legislativa, quando são tantas as leis, quando a cada instante novas leis se promulgam em toda parte?” (Ferreira Filho, 2002, p. 12). O autor destaca que a multiplicação das leis é um fenômeno universal e inegável, fruto da extensão do domínio em que o governante se intromete em razão das novas concepções sobre a missão do Estado. A lei é onipresente: não há campo da vida humana que não seja guiado por regras jurídicas. Tal multiplicidade é, entretanto, antes de tudo, fruto de sua transitoriedade. Em vez de esperar a maturação da regra para promulgá-la, o legislador edita-a para, da prática, extrair a lição sobre seus defeitos ou inconvenientes. Daí decorre que quanto mais numerosas são as leis tanto maior número de outras exigem para completá-las, explicá-las, remendá-las, consertá-las... Feitas às pressas para atender a contingências de momento, trazem essas leis o estigma da leviandade (Ferreira Filho, 2002, p. 13). Por outro lado, há muito se fala em crise do Direito. Podemos especular, entretanto, sobre esta crise para afirmar que não é somente do Direito, mas uma crise da legislação. Compreendendo que a legislação constitua apenas o aspecto formal do Direito, é necessário frisar que a legislação é que tem dado o norte à aplicação do Direito. Neste sentido, verificase que o Estado-juiz faz uma interpretação da legislação para dizer o Direito. Se, no entanto, não tivermos uma boa técnica legislativa, evidentemente que o Direito dito nos Tribunais estará fundamentado em terreno inconsistente (Alarcão, 2006). 47 EaD Aldemir Berwig 6 Temos de compreender, portanto, que existe realmente uma crise na produção dos textos legais e que tal produção termina por prejudicar a aplicação do próprio Direito. Como estamos afirmando, a atividade normativa, tomada a expressão num sentido amplo, peca, frequentemente, por ser excessiva e/ou defeituosa. Excessiva, em decorrência da inflação legislativa; defeituosa, por não corresponder à finalidade para a qual foi editada. O que é, então, “inflação legislativa”? É a proliferação constante de novas leis sem que as anteriores tivessem sido aplicadas e por razões inexplicáveis. Como diz Alarcão (2006), “sofreremos mais de excesso de leis que de falta delas”. E esse excesso não se revela apenas quanto ao número de diplomas publicados, mas também quanto a seu objeto e seu conteúdo. Além disso, é possível afirmar que muitas vezes a lei é elaborada sem uma metodologia adequada e sem a conveniente ponderação e debate, de modo que a aprovação pode ser inadequada e não representar uma correta, formal e materialmente aprovação da lei.7 É necessária a simplificação e melhoria da legislação: menos leis e melhores leis. Há urgência de uma melhoria na qualidade das leis, além da diminuição do número de diplomas legais. O autor citado lembra que o dimensionamento da elaboração legislativa comporta duas vertentes: uma político-jurídica e uma técnico-jurídica. A primeira versa sobre a relação entre política e legislação; a segunda, sobre a teoria da legislação e a legística. 6 Disponível em: <http://www2.uol.com.br/angeli/chargeangeli/chargeangeli.htm?imagem=225&total=335>. Acesso em: 22 jan. 2011. 7 A respeito, cite-se a nova redação do artigo 39 da CF/88, dada pela EC 19/98, considerada formalmente inconstitucional. 48 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA A respeito da vertente político-jurídica é importante realçar o princípio democrático, no qual avulta a questão da participação na condução dos anseios da coletividade, fundamentada na cidadania, especialmente no reconhecimento constitucional da democracia participativa, necessários à concretização de um Estado realmente democrático. Essa democracia a que nos referimos consiste na postura participativa concretizada entre o Estado, seus agentes públicos e a sociedade, mediante a instituição de diretrizes visando o entendimento da coletividade pelo estabelecimento de consenso que conduza a vontade coletiva e a vontade estatal como única. A democracia pressupõe metodologia e processo político fundamentados no diálogo, de forma que o princípio participativo e representativo determinado constitucionalmente implica consolidação de uma sociedade mais consensual e menos autoritária ou impositiva. Como destaca Ferreira Filho (2002, p. 14-15), os Parlamentos não dão conta das necessidades legislativas dos Estados contemporâneos, não geram em tempo as leis que os governos e que os grupos de pressão reclamam. Além disso, o que se verifica é que a atividade legislativa sofre de delongas, reclamam manobras e retardamentos, e, também, “o modo de escolha de seus membros torna-os pouco freqüentados pela ponderação e pela cultura, mas extremamente sensíveis à demagogia e à advocacia em causa própria. Os interesses não têm dificuldade em encontrar porta-vozes eloquentes, o bem comum nem sempre os acha”. É o que se apresentava antes; é o que, de certa forma, se apresenta após a Constituição de 1988. Quanto à vertente técnico-jurídica, temos a teoria da legislação e a chamada “Iegística”. São áreas do saber que têm a lei como objeto direto ou imediato de estudo, abrangendo a produção normativa, os orgãos, valores, critérios, procedimentos e técnicas de elaboração legislativa, em harmonia com os princípios informadores ou conformadores estabelecidos constitucionalmente. Quando se fala em teoria da legislação ou legística, assume particular importância a concepção e elaboração das leis, que deve obedecer a certas regras, algumas instituídas juridicamente como normas procedimentais, outras dirigidas genericamente para a produção de leis que venham a produzir os próprios efeitos desejados e necessárias para que os diplomas legais tenham a qualidade esperada pelo receptor da lei. A denominada “Iegística” pode ser compreendida sob o viés material e sob o formal. A legística material ou substantiva diz respeito ao seu teor normativo, por meio do desenvolvimento de ferramentas de uso prático que facilitem as diferentes etapas analíticas e a sequência de passos na metodologia de elaboração legislativa. 49 EaD Aldemir Berwig Pressupõe que o processo legislativo é um processo de tomadas de decisão e, neste sentido, diz respeito à própria discricionariedade política neste momento. Além disso, está diretamente relacionada, embora não vinculada, aos problemas a serem considerados e para os quais é exigida uma ação legislativa que estabeleça a regulação necessária, bem como a finalidade e os objetivos da norma jurídica. Não é só isso, no entanto: a legística material também se preocupa com as consequências e resultados da aplicação da norma antes mesmo de sua elaboração. É, em outras palavras, uma metodologia que se preocupa, quando da aprovação da lei, de sua monitoração, sua execução e com uma avaliação retrospectiva de seus efeitos. Já a legística formal ou stricto sensu é relacionada à técnica legislativa, seus aspectos legais, às diferentes espécies de atos normativos e sua estrutura formal, bem como sobre a elaboração legislativa e sua introdução no ordenamento jurídico. “Isso significa que os especialistas em Legística, ou os legistas – as pessoas que preparam leis –, devem desenvolver um conceito e um limite claros para a nova lei, antes de começarem a articular seus dispositivos” (Mader, 2010). De uma forma bem simples, é possível dizer que “a legística material visa à concepção do ato normativo – o planejamento, a necessidade, a utilidade, a efetividade e a harmonização com o restante do ordenamento – e a legística formal debruça-se sobre sua redação” (Cristas, 2006, p. 79). A partir das considerações de Alarcão (2006), considero importante salientar o seguinte: a) é perfeitamente visível uma crise na produção de leis que se revela, sobretudo, à chamada inflação administrativa, caracterizada pelo excesso de leis, muitas vezes defeituosas em seu sentido formal e material, o que impõe a necessidade de simplificação e melhoria da legislação; b) no âmbito da vertente técnico-jurídica, deve-se dar especial atenção à teoria da legislação e à Iegística, tanto à legística material quanto à formal; c) diante da inflação legislativa, há necessidade de normatizar a prática legislativa para além das normas constitucionais de processo legislativo e da normatização formal da lei para, além de reduzir, consolidar e melhorar a produção legislativa, estabelecer um limite à atuação parlamentar, visando a dar maior qualidade legislativa e minorar a crise do Direito e da Justiça. 50 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Seção 2.10 Legística Discorrer sobre o processo legislativo implica reflexão acerca da elaboração e redação das regras legais na sociedade e da sua finalidade, ultrapassando os meros aspectos formais de elaboração da lei para analisar outros aspectos que decorrem diretamente de sua aplicação, como é o caso das relações que regulam e do resultado alcançado. A partir do entendimento anterior de que tais regras não são exclusivas de nosso tempo, quando eram impostas e nunca questionadas, podemos afirmar que atualmente sua elaboração, em tese, é resultado do desejo da sociedade, que tem concorrido a debates políticos e sociais, principalmente a partir da inclusão da democracia como requisito constitucional do Estado. Com o nascimento do Estado de Direito, constrói-se a ideia de que o ordenamento jurídico de um Estado deve atender ao interesse de todo o grupo social, principalmente a partir do entendimento de que a vontade do todo é representada pela ideia de interesse público. Neste contexto, a norma jurídica emanada do Estado é suficiente para concretizar os anseios de toda a sociedade, impedindo que os detentores do poder se aproveitem de sua posição hierarquicamente superior na condução dos interesses do Estado. A História é testemunha de que desde o surgimento do Estado de Direito até meados do século 20, o tema da legislação aparecia como uma ordem emanada do Estado sem despertar grande curiosidade dos estudiosos. Neste período histórico havia uma preocupação jurídica voltada à interpretação e aplicação da lei, ausente de qualquer preocupação com sua elaboração. Podemos afirmar que se criou o Estado de Direito como Estado que deve obediência à lei sem nunca haver qualquer preocupação com a elaboração e com a qualidade desta lei, um mero Estado legal. Fazendo uma análise qualitativa dos textos legais, podemos acrescentar que não se verifica na História uma aparente preocupação com a elaboração da lei, mas apenas com sua imposição. Os estudos científicos a respeito da legislação e do próprio processo legislativo começam a ter outra conotação a partir da segunda metade do século 20 quando se verifica um interesse científico que se volta a sua preparação, aplicação e aos próprios impactos na sociedade. 51 EaD Aldemir Berwig Mais precisamente, é a partir de Peter Noll que vai se falar em “legisprudência” e, mais tarde, em “legística”, como a arte de bem fazer leis. Segundo Mader (2010), Peter Noll ultrapassa os limites de uma abordagem focada exclusivamente na legística formal ou na redação legislativa, enfatizando os conteúdos normativos e a metodologia de preparação das decisões legislativas, o que se designa usualmente por legística material ou substantiva. Há uma mudança de ênfase ao adotar tal compreensão, aparentemente influenciada pela Sociologia do Direito, que ganhou força na década de 60 pelo realismo do Direito de Roscoe Pound e também por conceitos de engenharia social, que começaram a despertar um certo interesse nos Estados Unidos daquela época. A Legística é uma matéria abrangente e multidisciplinar, que se preocupa com os mais diversos aspectos do processo legislativo, levando em consideração perspectivas de cunho teórico e também dimensões e ações práticas e pragmáticas. Seu principal propósito é explorar a dimensão prática, e não somente teórica, da atividade legislativa. A legislação é também um instrumento para a ação governamental que deve ser avaliado quanto a sua conveniência, adequação e oportunidade. A Legística é a ciência que estuda o conhecimento jurídico focado na qualidade da lei e na avaliação do seu impacto; investiga os motivos que justificam o impulso para a escolha de uma ação governamental de natureza legislativa, bem como na avaliação do seu impacto sobre a Administração Pública, cidadãos, empresas, numa perspectiva multidisciplinar capaz de identificar as variáveis jurídicas, econômicas, políticas e sociais presentes no contexto de produção do Direito. A partir das considerações de Mader (2010), é possível afirmar que a Legística nasce no período de duas ou três primeiras décadas após o Iluminismo, tendo um enfoque ora mais material ora mais formal, chegando à praticamente desconsideração da produção legislativa até o seu ressurgimento na década de 60, com os contornos atuais e levando em consideração o contexto anterior à tomada de decisão, e pressupõe estudos e avaliação durante a elaboração legislativa para estabelecer qual o objetivo e poder avaliar os efeitos e resultados que tal transformação legislativa pode acarretar para o cidadão e a sociedade, se preocupando e revelando o impacto na realidade social. 2.10.1 – NECESSIDADE DE NORMATIZAR Por que há necessidade de elaborar regras jurídicas? Em geral, aparece a necessidade de regular determinadas situações sempre que houver possibilidade de surgirem litígios em decorrência da falta de regulação, principalmente no que se refere às novas relações jurídicas possíveis na realidade. 52 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Se no passado o surgimento de novas realidades era menos possível, hoje, diante principalmente da complexidade das relações sociais e das novas criações humanas, todos os dias aparecem novas relações que demandam algum tipo de solução. Ocorrendo isso, surge a necessidade de regulação social e edição de regras jurídicas. É necessário considerar, entretanto, que as relações humanas são muito dinâmicas enquanto o aparato estatal é muito burocratizado. Entre estas duas questões que formam um verdadeiro paradoxo está a elaboração legislativa. A sociedade reclama que o Estado é arcaico, muito moroso em apresentar soluções para os problemas sociais que se colocam a cada dia. Por outro lado, o Estado peca pela demora ou pela ineficácia quando se fala em legislar. Talvez aí esteja a razão da constitucionalização da medida provisória como instrumento de produção legislativa, uma vez que não depende de debates para por em vigor nova legislação, embora seja praticamente um ato legal unilateral e demonstre uma face nada democrática de exercício do poder. Voltemos, então, a discutir a questão da elaboração legislativa. Toda e qualquer produção legislativa, antes de ser posta em vigor, deve passar por uma profunda análise da realidade social, dos problemas existentes que devem ser atacados e dos objetivos a serem alcançados pela edição normativa, bem como deve-se verificar se a lei resultante dos debates é apta a concretizar as finalidades para as quais está sendo editada. Nos parece sensato analisar o contexto em que se está produzindo nova legislação e se ela atende, em primeiro lugar, ao princípio democrático do Estado, ou seja, ao interesse da coletividade. Neste sentido, temos o princípio da participação como condutor da representatividade. Assim, o que deve ser satisfeita é a vontade da coletividade, não a vontade do legislador. Em regra, deveria ser possível dizer que a vontade do legislador deve ser a própria vontade da coletividade que representa, mas isso é verdadeira utopia. É necessário compreender, portanto, que somente deverá ser elaborada nova legislação quando realmente necessária e que, para isso, é preciso uma séria avaliação legislativa. Claro que a sociedade não pode ficar refém de um Legislativo ineficaz e pouco produtivo, que não atualiza as normas jurídicas ao momento atual. Tal atualização, porém, deve ser séria e muito bem-avaliada para que se tenha clareza de seus objetivos e, principalmente, para que se concretizem as finalidades legais de acordo com a vontade da sociedade. 53 EaD Aldemir Berwig 2.10.2 – COMPREENDENDO A LEGÍSTICA Legística é o “ ramo do saber que visa estudar os modos de concepção e de redação dos atos normativos. Coloquialmente, a legística é a arte de bem fazer leis, no sentido em que ela consubstancia um conjunto de normas – normas de legística – cujo objetivo é contribuir para a boa feitura das leis” (Cristas, 2006, p. 79); “não é uma disciplina científica em sentido estrito, não é uma ciência” (Mader, 2010), razão pela qual é inadequado chamá-la “ciência da legislação”. É pertinente, todavia, afirmar que a legislação é objeto de análise de diversas áreas do conhecimento orientadas de modo diverso. Embora se fundamente no conhecimento científico, é em grande parte baseada na experiência prática e artesanal. A legística é uma técnica que pode ser ensinada e aprendida. A legística, como técnica de benfazer leis, vai ser desenvolvida por profissionais da legística – os legistas – que não são legisladores, mas técnicos que auxiliam os legisladores, os agentes políticos, a darem os contornos técnicos às decisões políticas. Deve-se deixar claro, como diz Mader (2010), que os legistas não podem e não devem assumir o papel do legislador; são apenas os profissionais que garantem ao legislador as informações úteis ou necessárias para que tome decisões qualificadas, baseadas em evidências sociais, e que possibilitem a melhoria da qualidade da legislação. O legista pode unicamente proporcionar aos legisladores que ele tenha condições de elaborar uma legislação de melhor qualidade e que possa assumir melhor suas responsabilidades políticas. As regras de legística têm por objetivo garantir que uma lei será bem-feita, e que, após elaborada, reunirá as condições necessárias para se revelar uma boa lei. Sucintamente, uma boa lei é aquela que cumpre os objetivos que determinaram a sua elaboração, integrando-se harmoniosamente no ordenamento jurídico. É necessário fazer três considerações a respeito das regras de legística: a) essas regras podem ser consideradas quase que universais, pois são dependentes de qualquer ordenamento jurídico em concreto, constituindo-se um repositório de orientações válidas sem limitações de espaço de tempo. “Correspondem, muitas vezes, a quase simples asserções de bom senso” (Cristas, 2006, p. 79) e, neste sentido, não vinculam os responsáveis pela elaboração de atos normativos. “Correspondem a boas práticas, a ser seguidas, mas não obrigam”; b) as regras de legística são normas de aplicação meramente tendencial, sempre sujeitas à consciência última do redator normativo, a quem compete apurar a consistência da norma na solução do problema específico com o qual se depare; 54 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA c) a estrutura estatal pode ocasionar limitações de ordem diversa – temporal, política, orçamentária – que impedem a elaboração da lei de acordo com as regras conhecidas e apreendidas de legística material. Essas limitações podem decorrer de fatores internos (a exiguidade do orçamento não permite fazer um aconselhável trabalho de campo de coleta de dados estatísticos mais minuciosos), ou externos (a decisão política já superiormente assumida torna inútil estudo mais aprofundado visando a outras soluções), impedindo quem faz a lei de observar as melhores práticas. 2.10.3 – PRINCIPÍOS DA LEGÍSTICA 8 Numa abordagem que não se distancia dos princípios do processo legislativo que fizemos no início deste componente e, portanto, a eles vinculados, vamos citar os princípios elencados por Assunção Cristas (2006, p. 80-81), quando ela apresenta sete princípios da legística. São eles: necessidade, proporcionalidade, participação e transparência, responsabilidade, inteligibilidade e simplicidade. Esses princípios, todavia, devem ser observados na elaboração do ato normativo. O princípio da necessidade determina que um ato normativo só deve ser adotado se for absolutamente essencial para a aplicação de uma nova política. Isso significa que, se possível, outras soluções, não normativas, serão preferíveis. Segundo o princípio da proporcionalidade, qualquer ato normativo deve basear-se num equilíbrio entre as vantagens que oferece e os condicionamentos que impõe. Neste campo, e em certas matérias, a análise econômica do Direito, mediante a metodologia da análise custo/benefício, pode dar um contributo inestimável. O princípio da transparência determina que todo o processo conducente à adoção de certa legislação deve poder ser de conhecimento público. Atualmente entende-se que o processo de elaboração da lei não pode ser desenvolvido em gabinete e simplesmente “outorgado” à população; deve possibilitar que a sociedade conheça as normas que estão sendo debatidas. A participação e a consulta a todas as partes interessadas ou envolvidas antes da fase de redação constituem a primeira exigência do princípio da transparência. Essa participação deve, ela própria, satisfazer os critérios da transparência: organizada de forma a facilitar um acesso alargado e equitativo às consultas, cujos elementos devem ser tornados públicos. 8 Disponível em: <http://www.gazetadopovo.com.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. 55 EaD Aldemir Berwig O princípio da responsabilidade diz respeito à preocupação que deve existir com a aplicabilidade dos atos normativos. As partes envolvidas devem estar aptas a identificar as autoridades de que emanam as políticas e os atos normativos a que elas se aplicam, de maneira a poderem informar as dificuldades de adoção das políticas ou dos atos normativos, visando a sua alteração. O princípio da inteligibilidade determina que a legislação deve ser coerente, compreensível e acessível àqueles a quem se destina. Esse princípio pode exigir um esforço particular de comunicação por parte dos poderes públicos envolvidos, por exemplo, em relação a pessoas que, devido a sua situação, encontrem dificuldades em fazer valer os seus direitos. O princípio da simplicidade determina que os atos normativos devem ser tão pormenorizados quanto necessário, e tão simples quanto possível. Simplificar a utilização e a compreensão de qualquer ato normativo é um requisito indispensável para que os cidadãos façam uso eficaz dos direitos que lhes são conferidos. Seção 2.11 Questões a Serem Analisadas na Elaboração de Atos Normativos Na elaboração dos atos normativos no âmbito do Poder Executivo Federal estão previstas algumas questões a serem analisadas obrigatoriamente. Tais regras estão estabelecidas no Anexo I do Decreto no 4.176, de 28 de março de 2002, que regulamenta a Lei Complementar no 95, de 26 de fevereiro de 1998. Consideramos pertinente elencar aqui tais apontamentos que realmente dão a noção, senão diretrizes, para a elaboração normativa. 1. Deve ser tomada alguma providência? 1.1. Qual o objetivo pretendido? 1.2. Quais as razões que determinaram a iniciativa? 1.3. Neste momento, como se apresenta a situação no plano fático e no plano jurídico? 1.4. Que falhas ou distorções foram identificadas? 1.5. Que repercussões têm o problema que se apresenta no âmbito da economia, da ciência, da técnica e da jurisprudência? 1.6. Qual é o conjunto de destinatários alcançados pelo problema, e qual o número de casos a resolver? 56 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 1.7. O que poderá acontecer se nada for feito? (Exemplo: o problema tornar-se-á mais grave? Permanecerá estável? Poderá ser superado pela própria dinâmica social, sem a intervenção do Estado? Com que consequências?) 2. Quais as alternativas disponíveis? 2.1. Qual foi o resultado da análise do problema? Onde se situam as causas do problema? Sobre quais causas pode incidir a ação que se pretende executar? 2.2. Quais os instrumentos da ação que parecem adequados para alcançar os objetivos pretendidos, no todo ou em parte? (Exemplo: medidas destinadas à aplicação e execução de dispositivos já existentes; trabalhos junto a opinião pública; amplo entendimento; acordos; investimentos; programas de incentivo; auxílio para que os próprios destinatários alcançados pelo problema envidem esforços que contribuam para sua resolução; instauração de processo judicial objetivando a resolução do problema.) 2.3. Quais os instrumentos de ação que parecem adequados, considerando-se os seguintes aspectos? • desgaste e encargos para os cidadãos e a economia; • eficácia (precisão, grau de probabilidade de consecução do objetivo pretendido); • custos e despesas para o orçamento público; • efeitos sobre o ordenamento jurídico e sobre metas já estabelecidas; • efeitos colaterais e outras consequências; • entendimento e aceitação por parte dos interessados e dos responsáveis pela execução; • possibilidade de impugnação no Judiciário. 3. Deve a União tomar alguma providência? Dispõe ela de competência constitucional ou legal para fazê-lo? 3.1. Trata-se de competência privativa? 3.2. Tem-se caso de competência concorrente? 3.3. Na hipótese de competência concorrente, está a proposta formulada de modo que assegure a competência substancial do Estado membro? 3.4. A proposta não apresenta formulação extremamente detalhada que acaba por exaurir a competência estadual? 3.5. A matéria é de fato de iniciativa do Poder Executivo? Ou estaria ela afeta à iniciativa exclusiva do Supremo Tribunal Federal, dos Tribunais Superiores ou do ProcuradorGeral da República? 57 EaD Aldemir Berwig 4. Deve ser proposta edição de lei? 4.1. A matéria a ser regulada está submetida ao princípio da reserva legal? 4.2. Por que deve a matéria ser regulada pelo Congresso Nacional? 4.3. Se não for o caso de se propor edição de lei, deve a matéria ser disciplinada por decreto? Por que não seria suficiente portaria? 4.4. Existe fundamento legal suficiente para a edição de ato normativo secundário? Qual? 4.5. Destina-se a regra a atingir objetivo previsto na Constituição? 4.6. A disciplina proposta é adequada para consecução dos fins pretendidos? 4.7. A regra proposta é necessária ou seria suficiente fórmula menos gravosa? 4.8. A disciplina proposta não produz resultados intoleráveis ou insuportáveis para o destinatário? 5. Deve a lei ter prazo de vigência limitado? 5.1. É a lei necessária apenas por período limitado? 5.2. Não seria o caso de se editar lei temporária? 6. Deve ser editada medida provisória? 6.1. Em se tratando de proposta de medida provisória, há justificativas plausíveis para a sua edição? 6.2. O que acontecerá se nada for feito? A proposta não poderia ser submetida ao Congresso em regime de urgência? 6.3. Trata-se de matéria que pode ser objeto de medida provisória, tendo em vista as vedações do § 1º do artigo 62 da Constituição? 6.4. A medida provisória estaria regulamentando artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda constitucional promulgada a partir de 1o de janeiro de 1995 e até 11 de setembro de 2001 (artigo 246 da Constituição)? 6.5. Estão caracterizadas a relevância e a urgência necessárias para ser editada medida provisória? 7. Deve ser tomada alguma providência neste momento? 7.1. Quais as situações-problema e os outros contextos correlatos que devem ainda ser considerados e pesquisados? Por que, então, deve ser tomada alguma providência neste momento? 58 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 7.2. Por que não podem ser aguardadas outras alterações necessárias que se possam prever, para que sejam contempladas em um mesmo ato normativo? 8. A densidade que se pretende conferir ao ato normativo é a apropriada? 8.1. O projeto de ato normativo está isento de disposições programáticas? 8.2. É possível e conveniente que a densidade da norma (diferenciação e detalhamento) seja flexibilizada por fórmulas genéricas (tipificação e utilização de conceitos jurídicos indeterminados ou atribuição de competência discricionária)? 8.3. Podem os detalhes ou eventuais alterações serem confiados ao poder regulamentador do Estado ou da União? 8.4. A matéria já não teria sido regulada em outras disposições de hierarquia superior (regras redundantes que poderiam ser evitadas)? Por exemplo, em: • tratado aprovado pelo Congresso Nacional; • lei federal (em relação a regulamento); • regulamento (em relação à portaria). 8.5. Quais as regras já existentes que serão afetadas pela disposição pretendida? São regras dispensáveis? 9. As regras propostas afetam direitos fundamentais? As regras propostas afetam garantias constitucionais? 9.1. Os direitos de liberdade podem ser afetados? • Os direitos fundamentais especiais podem ser afetados? • Qual é o âmbito de proteção do direito fundamental afetado? • O âmbito de proteção sofre restrição? • A proposta preserva o núcleo essencial dos direitos fundamentais afetados? • Cuida-se de direito individual submetido a simples reserva legal? • Cuida-se de direito individual submetido a reserva legal qualificada? • Qual seria o outro fundamento constitucional para a aprovação da lei (exemplo: regulação de colisão de direitos)? • A proposta não abusa de formulações genéricas (conceitos jurídicos indeterminados)? • A fórmula proposta não se afigura extremamente casuística? • Observou-se o princípio da proporcionalidade ou do devido processo legal substantivo? 59 EaD Aldemir Berwig • Pode o cidadão prever e aferir as limitações ou encargos que lhe poderão advir? • As normas previstas preservam o direito ao contraditório e à ampla defesa no processo judicial e administrativo? 9.2. Os direitos de igualdade foram afetados? • Observaram-se os direitos de igualdade especiais (proibição absoluta de diferenciação)? • O princípio geral de igualdade foi observado? • Quais são os pares de comparação? • Os iguais foram tratados de forma igual e os desiguais de forma desigual? • Existem razões que justifiquem as diferenças decorrentes ou da natureza das coisas ou de outros fundamentos de índole objetiva? • As diferenças existentes justificam o tratamento diferenciado? Os pontos em comum legitimam o tratamento igualitário? 9.3. A proposta pode afetar situações consolidadas? Há ameaça de ruptura ao princípio de segurança jurídica? • Observou-se o princípio que determina a preservação de direito adquirido? • A proposta pode afetar o ato jurídico perfeito? • A proposta contém possível afronta à coisa julgada? • Trata-se de situação jurídica suscetível de mudança (institutos jurídicos, situações estatutárias, garantias institucionais)? • Não seria recomendável a adoção de cláusula de transição entre o regime vigente e o regime proposto? 9.4. Trata-se de norma de caráter penal? • A pena proposta é compatível com outras figuras penais existentes no ordenamento jurídico? • Tem-se agravamento ou melhoria da situação do destinatário da norma? • Trata-se de pena mais grave? • Trata-se de norma que propicia a despenalização da conduta? • Eleva-se o prazo de prescrição do crime? • A proposta ressalva expressamente a aplicação da lei nova somente aos fatos supervenientes a partir de sua entrada em vigor? 60 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 9.5. Pretende-se instituir ou aumentar tributo? Qual é o fundamento constitucional? • A lei não afeta fatos geradores ocorridos antes de sua vigência (lei retroativa)? • A cobrança de tributos vai-se realizar no mesmo exercício financeiro da publicação da lei? • O princípio da imunidade recíproca está sendo observado? • As demais imunidades tributárias foram observadas? • O projeto que institui contribuição social contém disposição que assegura o princípio da anterioridade especial (cobrança apenas após 90 dias a contar da publicação)? • O tributo que se pretende instituir não tem caráter confiscatório? • Em se tratando de taxa, cuida-se de exação a ser cobrada em razão do exercício de poder de polícia ou da prestação de serviço público específico e divisível, prestados ou postos à disposição do contribuinte? Há equivalência razoável entre o custo da atividade estatal e a prestação cobrada? 10. O ato normativo corresponde às expectativas dos cidadãos e é inteligível para todos? 10.1. O ato normativo proposto será entendido e aceito pelos cidadãos? 10.2. As limitações à liberdade individual e demais restrições impostas são indispensáveis? Por exemplo: • proibições, necessidades de autorizações; • comparecimento obrigatório perante autoridade; • indispensabilidade de requerimento; • dever de prestar informações; • imposição de multas e penas; • outras sanções. 10.3. Podem as medidas restritivas ser substituídas por outras? 10.4. Em que medida os requisitos necessários à formulação de pedidos perante autoridades poderiam ser reduzidos a um mínimo aceitável? 10.5. Podem os destinatários da norma entender o vocabulário empregado, a organização e a extensão das frases e das disposições, a sistemática, a lógica e a abstração? 11. O ato normativo é exequível? 11.1. Por que não se renuncia a um novo sistema de controle por parte da administração? 61 EaD Aldemir Berwig 11.2. As disposições podem ser aplicadas diretamente? 11.3. Podem as disposições administrativas, que estabelecem normas de conduta ou proíbem determinadas práticas, ser aplicadas com os meios existentes? 11.4. É necessário incluir disposições sobre proteção jurídica? Por que as disposições gerais não são suficientes? 11.5. Por que não podem ser dispensadas: • as regras sobre competência e organização? • a criação de novos órgãos e comissões consultivas? • a intervenção da autoridade? • exigências relativas à elaboração de relatórios? • outras exigências burocráticas? 11.6. Quais órgãos ou instituições devem assumir a responsabilidade pela execução das medidas? 11.7. Com que conflitos de interesse pode-se prever que o executor das medidas ver-se-á confrontado? 11.8. Dispõe o executor das medidas da necessária discricionariedade? 11.9. Qual é a opinião das autoridades incumbidas de executar as medidas quanto à clareza dos objetivos pretendidos e à possibilidade de sua execução? 11.10. A regra pretendida foi submetida a testes sobre a possibilidade de sua execução com a participação das autoridades encarregadas de aplicá-la? Por que não? A que conclusão se chegou? 12. Existe uma relação equilibrada entre custos e benefícios? 12.1. Qual o ônus a ser imposto aos destinatários da norma? (Calcular ou, ao menos, avaliar a dimensão desses custos). 12.2. Podem os destinatários da norma, em particular as pequenas e médias empresas, suportar esses custos adicionais? 12.3. As medidas pretendidas impõem despesas adicionais ao orçamento da União, dos Estados e dos municípios? Quais as possibilidades existentes para enfrentarem esses custos adicionais? 12.4. Procedeu-se à análise da relação custo-benefício? A que conclusão se chegou? 12.5. De que forma serão avaliados a eficácia, o desgaste e os eventuais efeitos colaterais do novo ato normativo após sua entrada em vigor? 62 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA SÍNTESE DA UNIDADE 2 Nesta Unidade procuramos refletir sobre a atividade legislativa e a necessidade de uma conduta balizada por valores constitucionais pelo agente público competente para a elaboração das leis, passando pelos princípios de elaboração legislativa e da legística. Para isso, abordamos os valores fundamentais estabelecidos na Constituição da República e da necessidade de produzir melhores leis. Destacamos que a lei somente deve ser produzida quando tiver uma causa que a justifique e tenha, portanto, objetivos claros, bem como a necessidade de controle permanente de seus resultados. Abordamos a finalidade das normas jurídicas como mecanismo de concretização do sistema constitucional e seus princípios. Além disso, ressaltamos a necessidade de observância da competência no processo de elaboração da lei como requisito essencial para garantir a sua validade e eficácia. 63 EaD 64 Aldemir Berwig EaD Unidade 3 PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA ESPÉCIES DE ATOS NORMATIVOS OBJETIVOS DESTA UNIDADE • Apresentar as diferentes espécies normativas existentes no ordenamento jurídico brasileiro. • Debater as distinções entre os diversos atos normativos. AS SEÇÕES DESTA UNIDADE Seção 3.1 – Emendas constitucionais Seção 3.2 – Lei ordinária Seção 3.3 – Lei complementar Seção 3.4 – Distinções entre lei complementar e lei ordinária Seção 3.5 – Lei delegada Seção 3.6 – Medida provisória Seção 3.7 – Decreto legislativo Seção 3.8 – Resolução Seção 3.9 – Atos normativos de competência do chefe do Executivo Seção 3.10 – Sistema legislativo estadual e municipal Neste tópico vamos abordar os atos que compõem o processo legislativo. Estamos falando em atos normativos em razão de que a Constituição da República nominou alguns destes atos existentes de forma um pouco imprecisa, como afirma Ferreira Filho (2002), de modo que é necessário inicialmente, verificar quais são os atos que nela estão compreendidos. A Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 estabelece no artigo 59, as espécies de atos que compõem o processo legislativo: emendas à Constituição, leis complementares, leis ordinárias, leis delegadas, medidas provisórias, decretos legislativos e resoluções. 65 EaD Aldemir Berwig As espécies normativas elencadas no artigo 59 da Constituição da República são, em tese, as espécies normativas primárias, que retiram seu fundamento de validade diretamente de suas normas. Embora, entretanto, esse seja o entendimento majoritário, podemos relativizá-lo para dizer que, em decorrência da Emenda Constitucional nº 32/2001, se estabeleceu norma constitucional que o contraria, ao determinar que o chefe do Executivo Federal pode editar decretos diretamente da Constituição sobre algumas matérias expressamente definidas. O parágrafo único do citado artigo prevê que lei complementar disporá sobre a elaboração, redação, alteração e consolidação das leis. Tal parágrafo está regulamentado pela Lei Complementar nº 95/1998. Este parágrafo refere-se à regulamentação apenas das leis, não se aplicando aos demais atos nominados, embora possa servir de subsídio formal. Já o artigo 1º da LC nº 95/1998 prevê que a técnica legislativa prevista na LC aplica-se a todos os atos elencados no artigo 59 da Constituição Federal e aos atos normativos do Poder Executivo. Fica, entretanto, o questionamento acerca do alcance desta lei aos atos internos dos outros órgãos que compõem o Estado. Na doutrina, verificamos que muitos autores entendem que será de observância obrigatória a todos os entes político-administrativos, embora esse parece não ser Constituição da República - 1988 o melhor entendimento diante da autonomia dos entes político-administrativos estabelecida no artigo 18 da Constituição. Dessa previsão constitucional que apresentamos, podemos constatar que, ao falarmos de processo legislativo, a sua característica especial é a de que um participante obrigatório da elaboração destes atos é o legislador1 a quem a Constituição firmou competência, embora a iniciativa possa ser da competência de outros órgãos públicos2 e que, ao estabelecer tais espécies, está se referindo unicamente aos atos normativos primários. 1 Aqui nos referimos a legislador em razão de que, como muito bem coloca Manoel Gonçalves Ferreira Filho (2002, p. 200), nem todos os atos normativos pressupõem a atuação do Poder Legislativo para que suas normas entrem em vigor, como é o caso das medidas provisórias. Quando o presidente da República edita uma medida provisória, entretanto, ele foi alçado pela Constituição da República à condição de legislador, e, por isso, a produção de tal ato normativo pode ser considerada processo legislativo. 2 Aqui nos referimos a órgãos públicos considerando-os nos termos apontados por Gasparini (2010, p. 100) e Mello (2001, p. 106-107). 66 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Em síntese elogiável, Ferreira Filho (2002, p. 203) afirma que o artigo 59 da Constituição da República engloba “todos os momentos de produção normativa no plano federal até o nível primário, inclusive. Apresenta uma assim visão integrada dos atos derivados de primeiro grau”. Fazendo uma análise mais ampla dos atos normativos, podemos classificá-los, a partir da norma fundamental, em primários e secundários. Como muito bem expõe Ferreira Filho (2002, p. 202), a melhor sistematização dos atos normativos parece ser aquela que se estabelece a partir dos vários degraus hierárquicos positivados, pois, a partir desta concepção, pode-se verificar a intensidade de poder existente em cada uma de suas modalidades. 3 O ato normativo fundamental é a Constituição da República, da qual deriva toda a ordem jurídica. Diretamente dela, decorrem atos que, mesmo de nível inferior quanto à origem, 4 têm igual eficácia em consequência da própria determinação constitucional. Atos normativos primários, portanto, são aqueles que decorrem diretamente da Constituição da República e a regulamentam. São os atos que, em sua eficácia, aparecem como o primeiro nível de atos derivados da Constituição da República, e são fundamentados unicamente nela, inovando na ordem jurídica. Os atos primários podem ser gerais ou individuais. Os atos gerais são aqueles que estabelecem normas gerais, isto é, que alcançam a todos. Como afirma Ferreira Filho (2002, p. 203), a estes é que se deveria, com maior propriedade, denominar atos legislativos. Já os atos primários individuais5 são aqueles que, decorrendo da própria Constituição, estabelecem regras de caráter individual, desde que regulem determinado fato ou situação. É o caso dos decretos legislativos e resoluções estabelecidos constitucionalmente. Já os atos secundários são aqueles que estão num segundo nível, ou seja, atos que dependem da elaboração prévia de lei infraconstitucional, sendo vedada a sua edição para regulamentar diretamente a Constituição da República. Estes atos derivam diretamente dos 3 Disponível em: <http://www.senado.gov.br>. Acesso em: 10 jan. 2011. 4 Quando Ferreira Filho (2002, p. 202) menciona ato normativo de nível inferior quanto à origem, está se referindo à emenda à Constituição. Para o autor, o nível inferior quanto à origem decorre de que a elaboração constitucional é competência que apenas o constituinte originário é detentor; quando se trata de emenda à Constituição, esta somente será possível porque o constituinte originário fez expressa previsão constitucional de competência ao constituinte derivado. No mesmo sentido, pode-se referir às Constituições dos Estados. Neste caso, podem ser consideradas como atos normativos de nível inferior em razão de que elas complementam a Constituição Federal, em virtude de que o ato fundamental (a Constituição Federal) se absteve de regulamentar por deixar a matéria para outro agente constituinte. Todos esses atos, entretanto, são primários. 5 Ferreira Filho (2002, p. 203) denomina os atos individuais como “atos particulares”. Mendes e Forster Júnior (2002, p. 102) denominam de “atos singulares”. 67 EaD Aldemir Berwig atos primários de modo que sua validade está condicionada a sua observância. Os atos secundários, da mesma forma que os primários, podem ser diferenciados em atos gerais e individuais. Como estamos falando em Constituição da República, é importante fazer uma ressalva: normalmente vamos nos direcionar à Constituição da República ao falarmos em lei infraconstitucional. O entendimento que aqui estamos expondo, porém, é equivalente para o tratamento com a Constituição do Estado e a Lei Orgânica Municipal, bem como às leis estaduais e municipais. Quando for inaplicável o entendimento, será expressamente considerado a respeito. Vamos tratar aqui das espécies normativas possíveis de serem editadas tanto em razão das normas constitucionais a respeito do processo legislativo, quanto aos atos normativos infralegais interna corporis. Não vamos, portanto, nos limitar a abordar as espécies normativas previstas no artigo 59 da Constituição da República, para tentar abordar de forma ampla a dimensão normativa estatal no âmbito dos Poderes do Estado. Seção 3.1 Emendas Constitucionais Para se ter uma ideia inicial do que sejam emendas constitucionais, deve-se partir do pressuposto de que as leis não são imutáveis, e que a própria Constituição, em qualquer âmbito político-administrativo, poderá sofrer mutação. Assim, o legislador constituinte originário de 1988 estabeleceu a possibilidade de alteração do texto constitucional por meio de um processo legislativo específico, com regras mais rígidas, um procedimento especial e mais dificultoso que o ordinário. Tal previsão, inclusive, vai fazer com que nossa Constituição da República seja considerada rígida, em decorrência da ideia de supremacia da ordem constitucional. Significa que seguiu a tradição do nosso Direito Constitucional, pois todas as Constituições republicanas brasileiras têm sido rígidas; a única exceção é a dupla natureza da Constituição de 1937, que em seu texto estabeleceu flexibilidade quando o projeto de reforma fosse de iniciativa do presidente da República e rigidez quando a iniciativa fosse da Câmara dos Deputados.6 6 Artigo 174. A Constituição pode ser emendada, modificada ou reformada por iniciativa do presidente da República ou da Câmara dos Deputados. § 1º O projeto de iniciativa do presidente da República será votado em bloco por maioria ordinária de votos da Câmara dos Deputados e do Conselho Federal, sem modificações ou com as propostas pelo presidente da República, ou que tiverem a sua aquiescência, se sugeridas por qualquer das Câmaras. 68 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA A ideia de alterabilidade da Constituição deve ser entendida como algo possível e até desejável em determinado momento político, uma vez que a vida é dinâmica e mutável a cada momento. Seria, portanto, inadmissível que se entendesse que a Constituição fosse imutável, isto é, engessada a tal ponto que não se pudesse avançar. Claro que devemos ter cuidado para que a lei constitucional não retroaja. Isso, embora não desejável, é algo impossível de prever em razão de que o exercício do poder no Estado é alterável em virtude de que os grupos que detém o poder podem se alternar. 7 O estabelecimento de determinadas formalidades de produção e alteração do texto constitucional, entretanto, é importante para a fixação de sua eficácia e cria algumas garantias que, embora não sejam absolutas de não retrocesso, permitem que, havendo modificação, essa deve ser decidida mediante um processo especial, para que não fique comprometida a produção concreta de seus efeitos jurídicos. Embora possa provocar a alteração de muitos dispositivos constitucionais, todavia, a rigidez constitucional pressupõe a conservação de seu valor integrativo, no sentido de que não poderá alterar o sistema originário da Constituição. Qualquer revisão constitucional, portanto, se limitará à alteração de dispositivos, nunca para mudar seu “espírito”. Em outras palavras, o constituinte originário apenas delegou poderes ao constituinte derivado para proceder a alterações pontuais no texto constitucional, estabelecendo vedações à alteração, como se faz com a previsão de “cláusulas pétreas”. Dessa forma, quando se fala em “Emenda à Constituição” não será possível o entendimento de que no uso de tais poderes poderá o constituinte derivado mudar o “sistema constitucional”. Para tal se exige uma renovação do “Poder Constituinte” mediante aprovação de uma nova “Assembleia Constituinte”. § 2º O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição de iniciativa da Câmara dos Deputados, exige, para ser aprovado, o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara. § 3º O projeto de emenda, modificação ou reforma da Constituição, quando de iniciativa da Câmara dos Deputados, uma vez aprovado mediante o voto da maioria dos membros de uma e outra Câmara, será enviado ao Presidente da República. Este, dentro do prazo de 30 dias, poderá devolver à Câmara dos Deputados o projeto, pedindo que o mesmo seja submetido a nova tramitação por ambas as Câmaras. A nova tramitação só poderá efetuar-se no curso da legislatura seguinte. § 4º No caso de ser rejeitado o projeto de iniciativa do presidente da República, ou no caso em que o Parlamento aprove definitivamente, apesar da oposição daquele, o projeto de iniciativa da Câmara dos Deputados, o presidente da República poderá, dentro em 30 dias, resolver que um ou outro projeto seja submetido ao plebiscito nacional. O plebiscito realizar-se-á 90 dias depois de publicada a resolução presidencial. O projeto só se transformará em lei constitucional se lhe for favorável o plebiscito. 7 Disponível em: <http://www.codigoflorestal.com/2010/06/charge-da-semana.html>. Acesso em: 22 jan. 2011. 69 EaD Aldemir Berwig Afinal, a emenda constitucional é um ato infra ou supraconstitucional? Para responder a este questionamento deve-se relembrar a teoria de Hans Kelsen, segundo a qual a Constituição está no ápice da pirâmide normativa. A Constituição, portanto, é a lei máxima da qual decorrem todos os outros atos normativos, inclusive as emendas à Constituição. Dito isso, podemos afirmar, sem medo de incorrer em erro, que a Emenda Constitucional é um ato infraconstitucional que ingressa no ordenamento jurídico com sua aprovação e consequente alteração constitucional, quando passa a ser considerada com a mesma hierarquia constitucional das normas originárias. Tal entendimento, todavia, deve ser analisado com muito cuidado, uma vez que a norma constitucional decorrente de emenda constitucional, caso contrarie o sistema constitucional, em tese, poderá ser declarada inconstitucional. Em decorrência disso, cabe o entendimento de que mesmo as normas decorrentes de emendas constitucionais podem ser consideradas inconstitucionais quando desrespeitarem os limites impostos pelo constituinte originário, que estão estabelecidos no artigo 60 da Constituição da República. Significa dizer que o Poder Constituinte derivado será exercido nos limites determinados constitucionalmente. Se, no entanto, estamos falando em inconstitucionalidade de emenda constitucional e limitação ao exercício do poder constituinte derivado, quais são os limites? Os limites ao poder de reforma ou alteração da Constituição da República são de duas espécies: as limitações expressas (estabelecidas expressamente no texto constitucional) e as implícitas. As limitações expressas são de três ordens: circunstanciais (artigo 60, § 1º da CR), materiais (“cláusulas pétreas” – artigo 60, § 4º, da CR) e formais (referentes ao processo legislativo – artigo 60, I, II e III, §§ 2º, 3º e 5º, da CR); as limitações implícitas derivam dos limites expressos e se dividem em: normas que impedem a alteração do titular do poder constituinte derivado reformador, e disposições relativas à eventual supressão das limitações expressas. Vamos discorrer inicialmente sobre as limitações expressas. As limitações materiais estão previstas no artigo 60, § 4º da CR, são conhecidas por “cláusulas pétreas” e estabelecem que não serão objeto de deliberação à proposta de emenda tendente a abolir: a forma federativa de Estado; o voto direto, secreto, universal e periódico; a separação dos Poderes; os direitos e garantias individuais. Tais matérias formam o núcleo intangível da Constituição da República. Cabe salientar, todavia, que as garantias materiais determinadas no núcleo intangível, quando se tratam de direitos e garantias indi70 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA viduais, não se limitam ao rol estabelecido no artigo 5º da CR, posto que resguardam, no entendimento do STF, um conjunto mais amplo de direitos constitucionais de caráter individual dispostos no sistema constitucional.8 As cláusulas de garantia asseguram a integridade constitucional impedindo que eventuais reformas provoquem profunda alteração no sistema constitucional, pois a Constituição estabelece o marco sistêmico para a continuidade da ordem jurídica fundamental, impedindo a supressão do Estado Democrático de Direito e seus desdobramentos, o que se dá pela observância das cláusulas pétreas. As limitações circunstanciais são vedações de alteração constitucional em certas ocasiões anormais e excepcionais do país, que visam a impedir a perturbação da liberdade e da independência do exercício do poder constituinte derivado reformador. Essas limitações estão estabelecidas no § 1º do artigo 60 da Constituição da República e determinam que “A Constituição não poderá ser emendada na vigência de intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio”. As limitações procedimentais ou formais referem-se a disposições especiais estabelecidas pelo constituinte originário em relação ao processo legislativo ordinário. Significa dizer que organizou regras mais rígidas para a promoção de alterações normativas na Constituição da República. Assim, o processo de elaboração de emendas à Constituição é um processo que exige uma maior concordância do legislador para que ocorra a alteração, o que acontece em três momentos: a fase introdutória, a fase constitutiva e a fase complementar. A fase introdutória é o momento da iniciativa do projeto de emenda constitucional. A legitimidade para apresentação de proposta de emenda constitucional é estabelecida nos incisos I, II e III do artigo 60 da Constituição da República, mediante proposição: de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados ou do Senado Federal; do presidente da República; de mais da metade das Assembleias Legislativas das Unidades da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria relativa de seus membros. Essa regra constitucional, por si, representa uma maior limitação à alteração constitucional, pelo restrito número de legitimados a proporem-na. Afora isso, como já afirmamos, há uma grande limitação quanto à forma. 8 Ao analisar o núcleo material imodificável da Constituição da República e a garantia constitucional assegurada ao cidadão no artigo 150, III, b, da Constituição Federal (princípio da anterioridade tributária), o Supremo Tribunal Federal (ADIn nº 939-7/DF) manifestou que sua subtração pela Emenda Constitucional nº 3, de 1993, é impossível, pois se trata de um obstáculo intransponível, contido no artigo 60, § 4º, IV, da Constituição, porque, “admitir que a União, no exercício de sua competência residual, ainda que por emenda constitucional, pudesse excepcionar a aplicação desta garantia individual do contribuinte, implica em conceder ao ente tributante poder que o constituinte expressamente lhe subtraiu ao vedar a deliberação de proposta de emenda à constituição tendente a abolir os direitos e garantias individuais constitucionalmente assegurados”. Na referida ADIn, o ministro Carlos Velloso referiu-se aos direitos e garantias sociais, direitos atinentes à nacionalidade e direitos políticos como pertencentes à categoria de direitos e garantias individuais, logo, imodificáveis, enquanto o ministro Marco Aurélio afirmou a relação de continência dos direitos sociais dentre os direitos individuais previstos no artigo 60, § 4º. 71 EaD Aldemir Berwig A fase constitutiva da emenda constitucional chama a atenção pela ausência de participação do chefe do Poder Executivo, que detém apenas legitimidade para propor a alteração. O Poder Legislativo tem legitimidade para deliberar e aprovar a proposta de emenda constitucional, que será discutida e votada em cada Casa do Congresso Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em ambos os turnos, três quintos dos votos dos respectivos membros. Concluindo sobre a rigidez na sua aprovação, deve-se ressaltar que há exigência de que o quorum para aprovação seja qualificado, e que somente será aprovada se essa votação se repetir por dois turnos (se for emenda à Constituição da República, dois turnos em cada Casa Legislativa). A fase complementar é o momento posterior à aprovação da emenda à Constituição da República, quando ocorre sua promulgação, conjuntamente, pelas Mesas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal. Após, há sua publicação, em tese, pelo Congresso Nacional, por sua Presidência, uma vez que o texto constitucional silencia a respeito. Importante: o chefe do Executivo não participa da aprovação, da promulgação e da publicação das emendas à Constituição. São atos exclusivos do Poder Legislativo, titular do poder constituinte derivado reformador. Não há sanção ou veto. A limitação formal ou procedimental está prevista no § 5º do artigo 60 da Constituição da República e expressamente veda a reapresentação de projeto de emenda à Constituição que verse sobre matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida por prejudicada na mesma sessão legislativa.9 Abordadas as limitações expressas, vamos falar agora das limitações implícitas. As limitações implícitas são apontadas por Canotilho (1998) como garantias que visam a assegurar a efetividade das cláusulas pétreas. Deve-se entender que existem limites à alteração das próprias cláusulas pétreas, por exemplo. Os limites expressos estabelecidos neste núcleo intangível da Constituição deixariam de ser uma garantia se o constituinte derivado pudesse alterar estas cláusulas. Assim, os limites expressos desdobram-se em limi- 9 STF – Pleno – MS n. 22.503-3, Rel. para Acórdão Min. Maurício Corrêa, Diário da Justiça, Seção I, 6 jun. 1997, p. 24.872. No julgado, o STF reafirma a existência do direito público subjetivo de não serem os congressistas obrigados a votar proposta de emenda constitucional que tiver violado esse preceito constitucional. 72 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA tes implícitos, deduzidos do próprio texto constitucional. Dessa forma, é implicitamente irreformável a norma constitucional que prevê as limitações expressas (artigo 60, CR), pois, se não fosse vedado, a proibição expressa poderia desaparecer, ocasionando o desaparecimento posterior do conteúdo das cláusulas pétreas. Outra limitação implícita é a inalterabilidade do titular do Poder Constituinte derivado reformador. Seção 3.2 Lei Ordinária A lei ordinária é o ato legislativo típico. É ato normativo primário e contém, em regra, normas gerais e abstratas. Muitas vezes, entretanto, a lei ordinária estabelece normas individuais e, desta forma, não apresenta a abstração esperada da lei. Diante disso, a doutrina diferencia a lei material da lei formal. Lei material é a lei que tem matéria de lei, por isso normalmente é designada desta forma, normatizando a matéria com generalidade e abstração. Já a lei formal10 é considerada lei apenas formalmente, mas tem natureza individual; é ato normativo de efeitos concretos. É importante, porém, salientar, de acordo com Ferreira Filho (2002, p. 204), que essa diferenciação “não traz vantagens, além de não ser, muitas vezes, fácil de marcar ”. Quanto ao momento de instauração e à eficácia, ambas estão em um mesmo plano, uma vez que são ato normativo primário. Assim, deve-se considerar que a lei é fruto de uma decisão de um órgão público a quem a Constituição estabeleceu competência para instaurar o “direito novo”. No Estado de Direito a legalidade determina que tudo e todos estão sujeitos à lei nos termos do princípio de que ninguém está obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei. Como estamos nos referindo ao direito expresso pela lei escrita no Direito Brasileiro, entretanto, é possível afirmar que a Constituição da República lhe instituiu objeto determinado em face de que lhe estipulou domínios que são proibidos. Embora, portanto, a ideia de legalidade seja verdadeira, na realidade não é assim que funciona. Isso porque a Constituição da República estabeleceu matérias que serão reguladas primariamente por outros atos normativos. É o caso das competências previstas nos artigos 49, 51 e 52 da Constituição da República que decidem a competência exclusi- 10 Exemplos de lei formal: a) lei orçamentária anual (Constituição da República, artigo 165, § 5º); b) leis que autorizam a criação de empresas públicas, sociedades de economia mista, autarquias e fundações (Constituição da República, artigo 37, XIX). 73 EaD Aldemir Berwig va do Congresso Nacional e as competências privativas da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, respectivamente. Estas matérias não serão objeto de lei, mas de decretos legislativos. É importante perguntar em que se diferencia a exteriorização por lei ou decreto legislativo. A diferença básica é que no decreto legislativo não há qualquer intromissão do Poder Executivo; vale dizer, não há necessidade de sanção para entrar em vigor. No caso da lei, há essa exigência, embora possa ser sancionada pelo próprio Legislativo segundo o procedimento adotado. Por outro lado, há um domínio no qual determinadas matérias serão regulamentadas exclusivamente por lei ordinária: trata-se das competências dispostas nos incisos I, II e III do § 1º, do artigo 68 ou do inciso I do artigo 150, ambos da Constituição da República. Cabe ressaltar que Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85) afirmam que a Emenda Constitucional no 32, de 11 de setembro de 2001, reservou matérias para decreto do presidente da República (artigo 84, VI, alíneas a e b). Embora essa seja a opinião dos autores, entendemos que a Constituição estabeleceu uma permissão para o presidente dispor mediante decreto sobre as matérias elencadas, o que não impede que seja regulamentada por lei de sua iniciativa. Caso fosse reserva de decreto, não poderia jamais haver supressão de cargos ou reorganização administrativa por intermédio de lei, como tem ocorrido no ordenamento jurídico pátrio. Seção 3.3 Lei Complementar Lei complementar é uma espécie de lei que se diferencia da lei ordinária em razão da exigência de quorum qualificado para aprovação (artigo 69 CR), a maioria absoluta, sendo utilizada para disciplinar matérias estabelecidas constitucionalmente, porém não apresenta a rigidez exigida para a aprovação das leis constitucionais. 74 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA A previsão constitucional de lei complementar decorre da previsão de processo legislativo mais rígido que o ordinário (normal ou comum), pelo constituinte originário, para determinadas matérias cuja regulamentação deveria se dar por lei infraconstitucional. Assim, para aprovação das leis que versem sobre essas matérias, o ordenamento jurídico exige um processo mais rígido, mas que continua sendo mais flexível que o processo de alteração constitucional. Significa que o constituinte originário resguardou certas matérias contra alterações volúveis e constantes, sem exigir uma rigidez que dificultasse excessivamente a aprovação das normas. Para Ferreira Filho (2002, p, 245), o texto constitucional sobre a lei complementar é lacônico e exige que o intérprete apoie-se exclusivamente na doutrina para sobre ela discorrer. Inequivocamente, a instituição de lei complementar busca resguardar certas matérias contra mudanças céleres ou apressadas, sem lhes imprimir uma rigidez exagerada, que dificultaria sua modificação. Segundo Ferreira Filho (2002, p. 245), a Constituição de 1946 foi a primeira a exigir em determinadas matérias a previsão de quorum qualificado para aprovação. Reale (apud Ferreira Filho, 2002, p. 245) afirma que seria um gênero de lei que não ostenta a mesma rigidez dos preceitos constitucionais, nem comporta a revogação (perda de vigência) por força de qualquer lei ordinária superveniente. A lei complementar, portanto, visa a dar maior estabilidade a determinadas regras jurídicas para não deixá-las expostas a decisões ocasionais ou fortuitas que, muitas vezes, surpreendem o próprio legislativo e a opinião pública. Para simplificar, pode-se afirmar que toda e qualquer lei serve de complementação da Constituição ou da Lei Orgânica, para fazer um contexto geral, sendo a sua qualidade de lei complementar atribuída unicamente por um elemento de índole formal, que é a sua aprovação pela maioria absoluta de parlamentares. A previsão de lei complementar distinta da lei ordinária visa a assegurar certa estabilidade e um mínimo de rigidez às normas que regulam certas matérias, o que é estabelecido expressamente pela constituição. Disso decorre, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 96), que: – Não existe entre lei complementar e lei ordinária (ou medida provisória) uma relação de hierarquia, pois seus campos de abrangência são diversos. Assim, a lei ordinária que invadir matéria de lei complementar é inconstitucional e não ilegal; – Norma pré-constitucional de qualquer espécie que verse sobre matéria que a Constituição de 1988 reservou à lei complementar foi recepcionada pelo nova ordem constitucional como lei complementar. – Lei votada com o procedimento de Lei Complementar e denominada como tal, ainda assim, terá efeitos jurídicos de lei ordinária, podendo ser revogada por lei ordinária posterior, se versar sobre matéria não reservada constitucionalmente à lei complementar; – Dispositivos esparsos de uma lei complementar que não constituírem matéria constitucionalmente reservada à lei Complementar possuem efeitos jurídicos de lei ordinária. 75 EaD Aldemir Berwig É importante ressaltar que não há hierarquia entre a lei complementar e a lei ordinária. Embora alguns autores afirmem que a lei complementar seja hierarquicamente superior à lei ordinária e que esta não pode contrariar a lei complementar sob pena de invalidade, não há submissão da lei ordinária em relação à lei complementar. O que a Constituição da República estabelece, como já afirmamos anteriormente, é que algumas matérias são excluídas da aprovação mediante lei ordinária e dependem de leis com um quorum qualificado para aprovação. A lei complementar, portanto, versa sim sobre uma matéria especial, pois a Constituição exigiu que tais matérias tenham um tratamento diferenciado por meio de previsão taxativa que não comporta ampliação. As matérias elencadas constitucionalmente serão regulamentadas mediante edição de leis complementares, segundo o Manual de Redação da Presidência da República (Mendes; Forster Júnior, 2002) e são as seguintes: – proteção contra despedida arbitrária (Constituição, artigo 7º, I); – casos de inelegibilidade e prazos de sua cessação (artigo 14, § 9º); – criação, transformação em Estado ou reintegração ao Estado dos Territórios Federais e que define a incorporação, subdivisão e desmembramento dos Estados mediante plebiscito e aprovação do Congresso Nacional (artigo 18, §§ 2º, 3º e 4º); – casos em que se pode permitir o trânsito ou a permanência temporária de forças estrangeiras no território nacional (artigo 21, IV); – autorização aos Estados para legislar sobre questões específicas das matérias relacionadas na competência legislativa privativa da União (artigo 22, parágrafo único); – normas para a cooperação entre a União e os Estados, o Distrito Federal e os municípios, tendo em vista o equilíbrio do desenvolvimento e do bem-estar em âmbito nacional (artigo 23, parágrafo único); – instituição de regiões metropolitanas, aglomerações urbanas e microrregiões pelo Estado (artigo 25, § 3º); – áreas de atuação de sociedades de economia mista, empresas públicas e fundações criadas pelo poder público (artigo 37, XIX); – exceções aos limites de idade para aposentadoria do servidor público no caso de exercício de atividades consideradas penosas, insalubres ou perigosas (artigo 40, § 4º); – normas gerais para a instituição de regime de previdência complementar pela União, Estados, Distrito Federal e municípios, para atender aos seus respectivos servidores titulares de cargo efetivo (artigo 40, § 15); 76 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA – procedimento de avaliação periódica para perda de cargo de servidor público (artigo 41, §1º); – condições para integração das regiões em desenvolvimento e a composição dos organismos regionais (artigo 43, § 1º, I, II); – número de Deputados, por Estado e pelo Distrito Federal, proporcionalmente à população (artigo 45, § 1º); – autorização para o presidente da República permitir, sem manifestação do Congresso, em determinadas hipóteses, que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente (artigo 49, II, e artigo 84, XXII). – elaboração, redação, alteração e consolidação das leis (artigo 59, parágrafo único); – estabelecimento de outras atribuições ao vice-presidente da República (artigo 79, parágrafo único); – Estatuto da Magistratura (artigo 93); – organização e competência dos tribunais eleitorais, dos juízes de direito e das juntas eleitorais (artigo 121); – organização, atribuições e estatuto do Ministério Público (artigo 128, § 5º); – organização e funcionamento da Advocacia-Geral da União (artigo 131); – organização da Defensoria Pública da União, do Distrito Federal e dos Territórios, e prescreve normas gerais para sua organização nos Estados (artigo 134, parágrafo único); – normas gerais a serem adotadas na organização, no preparo e no emprego das Forças Armadas (artigo 142, § 1º); – conflitos de competência, em matéria tributária, entre a União, os Estados, o Distrito Federal e os municípios, regula limitações ao poder de tributar e estabelece normas gerais, em matéria tributária (artigo 146, I, II, III, a, b, c); – empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ou para possibilitar investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional (artigo 148, I e II); – imposto sobre grandes fortunas (artigo 153, VII); – instituição de outros impostos federais não previstos na Constituição (artigo 154, I); – competência para instituição do imposto de transmissão causa mortis e doação, se o doador tiver domicílio ou residência no exterior, ou se o de cujus possuía bens, era residente ou domiciliado ou teve o seu inventário processado no exterior (artigo 155, § 1º, III); 77 EaD Aldemir Berwig – ações sujeitas a imposto sobre serviços de qualquer natureza, que definem as suas alíquotas máxima e mínima, excluem da sua incidência a exportação de serviços para o exterior e regulam a forma e as condições como isenções, incentivos e benefícios fiscais, serão concedidas e revogadas (artigo 156, III e § 3º); – normas sobre distribuição das cotas de receitas tributárias (artigo 161, I, II, III e parágrafo único); – finanças públicas; o controle das dívidas externa e interna; a concessão de garantias pelas entidades públicas; a emissão e o resgate de títulos da dívida pública; a fiscalização das instituições financeiras; as operações de câmbio realizadas por órgãos e entidades da União, do Distrito Federal e dos municípios; a compatibilização das funções das instituições oficiais de crédito da União (artigo 163, I a VII); – o exercício e a gestão financeira e patrimonial da administração direta e indireta, bem como as condições para a instituição e o funcionamento de fundos (artigo 165, § 9º, I e II); – limites para a despesa com pessoal ativo e inativo da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos municípios (artigo 169); – procedimento contraditório especial para o processo judicial de desapropriação (artigo 184, § 3º); – sistema financeiro nacional (artigo 192); – montante máximo de débito para a concessão de remissão ou anistia de contribuições sociais; – aplicação de recursos dos diversos entes da federação em saúde (artigo 198, § 3º); – casos de relevante interesse público da União, quanto aos atos que tratam da ocupação, do domínio e da posse das terras indígenas, ou da exploração das riquezas naturais do solo, fluviais e lacustres nelas existentes (artigo 231, § 6º). Seção 3.4 Distinções Entre Lei Complementar e Lei Ordinária Pode-se afirmar que a lei complementar se diferencia da lei ordinária em dois aspectos: o material e o formal. 78 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Quanto ao aspecto material, é possível afirmar que a Constituição estabelece taxativamente quais matérias serão objeto de lei complementar, de modo que as não elencadas serão objeto de lei ordinária. Assim, há uma reserva constitucional às matérias reguladas por lei complementar. Quanto ao aspecto formal, há uma distinção quanto ao processo de aprovação da lei complementar, especificamente na fase de aprovação, que exige um quorum qualificado. Enquanto o quorum para aprovação da lei ordinária é de maioria simples (artigo 47 da CR), o quorum para aprovação da lei complementar é de maioria absoluta (artigo 69 da CR). 3.4.1 – EXISTE HIERARQUIA ENTRE A LEI COMPLEMENTAR E A LEI ORDINÁRIA? 11 Como vimos, existem duas diferenças básicas entre ambas, que estabelecem apenas uma distinção no procedimento de aprovação das leis. Essa distinção decorre de uma maior rigidez (maior quorum) para a aprovação das matérias das leis complementares. Entendemos, portanto, que não existe hierarquia entre ambas. A diferença é quanto ao quorum exigido para aprovação. Isso significa dizer que a lei ordinária não se submete à lei complementar, o que tem sentido à medida que ambas se submetem diretamente à Constituição, ou seja, retiram seu fundamento de validade da própria Constituição da República. Seção 3.5 Lei Delegada Lei delegada, segundo prescrição do artigo 68 da Constituição da República, é o ato normativo elaborado e editado pelo chefe do Poder Executivo em virtude de autorização do Poder Legislativo, expedida mediante resolução e dentro dos limites nela traçados. Constitui-se verdadeira delegação externa da função legiferante, utilizada como mecanismo necessário para possibilitar a eficiência do Estado em decorrência da necessidade de maior agilidade e celeridade. 11 Disponível em: <http://www.davidireito.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011. 79 EaD Aldemir Berwig De uso bastante raro, apenas duas leis delegadas foram promulgadas após a Constituição de 1988 (Leis Delegadas nº 12, de 7 de agosto de 1992, e nº 13, de 27 de agosto de 1992). 3.5.1 – NATUREZA JURÍDICA DA LEI DELEGADA A lei delegada, quanto ao conteúdo e à eficácia, tem natureza jurídica idêntica às demais leis previstas no artigo 59 da Constituição da República, portanto, de ato normativo primário, derivado diretamente da Constituição. A diferença entre a lei ordinária e a lei delegada consiste unicamente na delegação da competência para elaborar a lei, mediante aprovação de uma resolução pelo Poder Legislativo competente, autorizando o chefe do Executivo a editá-la. 3.5.2 – PROCESSO DE ELABORAÇÃO DA LEI DELEGADA O processo de elaboração da lei delegada é semelhante ao da lei ordinária? Como vimos, o Po d e r Legislativo “autoriza” o chefe do Executivo a elaborar a lei delegada. Para exercer essa competência, o chefe do Executivo deverá solicitar a delegação ao Poder Legislativo, indicando o assunto referente à lei a ser editada, dentre os autorizados pela Constituição. No caso da Constituição da República, estão previstas algumas vedações à delegação no artigo 68 e seu § 1º. Encaminhada a solicitação ao Poder Legislativo, a mesma será submetida à votação e, em sendo aprovada por maioria simples, será expedida resolução que especificará obrigatoriamente as regras sobre seu conteúdo e os termos de seu exercício. O Poder Legislativo poderá estabelecer as restrições de conteúdo e exercício que entender necessárias, tais como o termo de caducidade da habilitação, linhas gerais da lei, período de vigência, entre outras. A delegação, portanto, nunca será ilimitada; deverá estabelecer exatamente a amplitude da delegação. 80 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Além disso, é importante salientar que a delegação tem caráter temporário que jamais poderá ultrapassar a legislatura, sob pena de caracterizar abdicação ou renúncia de competência pelo Poder Legislativo, o que é vedado pelo Direito brasileiro em razão de que a função legiferante é irrenunciável. Isso permite que, mesmo durante o prazo concedido ao chefe do Executivo para editar a lei delegada, o Poder Legislativo discipline a matéria por meio de lei ordinária. Além disso, é permitido ao Poder Legislativo que, a qualquer tempo, mesmo não transcorrido o prazo fixado na resolução, retire a delegação. Após autorizado pela Resolução, o chefe do Executivo elabora o texto normativo, promulgando-o e determinando sua publicação, uma vez que se a resolução não contiver previsão de apreciação pelo Poder Legislativo (artigo 68, § 3º, CR), todo o restante do processo legislativo se esgotará no interior do Poder Executivo (delegação típica ou própria). 3.5.3 – O PODER LEGISLATIVO EXERCE ALGUM CONTROLE SOBRE A LEI DELEGADA? A Constituição da República determina ser de competência exclusiva do Congresso Nacional sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem os limites de delegação legislativa (artigo 49, V, CR). Assim, entendemos que nas outras órbitas governamentais segue-se o mesmo controle. Dessa forma, extrapolando o chefe do Executivo os limites fixados na Resolução concedente da delegação legislativa, poderá o Poder Legislativo, por meio da aprovação de decreto legislativo, sustar a referida lei delegada, paralisando seus efeitos. A sustação tem efeitos ex nunc e operam a partir da publicação do Decreto Legislativo. 3.5.4 – É POSSÍVEL CONTROLE DE CONSTITUCIONALIDADE DE LEI DELEGADA? É possível a análise de inconstitucionalidade da lei delegada de modo que declarada inconstitucional a lei, diferentemente da sustação levada a termo pelo Poder Legislativo, e terá efeitos retroativos à época de sua aprovação, operando ex tunc.12 A Constituição da República estabelece expressamente no § 1º do artigo 68 quais as matérias que não podem ser objeto de delegação, quais sejam: os atos de competência exclusiva do Congresso Nacional, os de competência privativa da Câmara ou do Senado Federal, a matéria reservada à lei complementar e a legislação sobre: a) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; 12 Ex tunc significa desde o início. Os efeitos retroagem ao momento de edição do ato. 81 EaD Aldemir Berwig b) nacionalidade, cidadania, direitos individuais, políticos e eleitorais; c) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias e orçamentos. Excluídas, portanto, essas matérias, todas as outras podem, em tese, ser delegadas ao chefe do Executivo para que sejam regulamentadas mediante lei delegada. O termo lei delegada, entretanto, pode ser entendido em dois sentidos: um amplo e outro estrito. Em sentido amplo, compreende tanto a delegação interna quanto a externa; em sentido estrito, compreende apenas a delegação externa. Sobre o assunto é importante citar Ferreira Filho (2002, p. 229), para quem a Constituição da República, por defeito de técnica legislativa, deixou de mencionar a delegação interna corporis ao dispor da delegação no artigo 68, posto que a mesma está prevista no artigo 58, § 2º, II. É a previsão das competências das comissões das casas legislativas para apreciar conclusivamente os projetos de lei. Segundo o autor, o legislativo brasileiro está constitucionalmente autorizado a delegar o poder de editar normas que inovem na ordem jurídica tanto para o chefe do Poder Executivo quanto a suas comissões. É pertinente entendermos, entretanto, que a delegação prevista no artigo 68 da Constituição transfere a competência ao Executivo. Quanto à natureza da lei delegada, de fato, deve-se considerá-la ato normativo de natureza primária, pois inova na ordem jurídica diretamente da Constituição da República. Embora sua delegação, no caso do chefe do Executivo, dependa de resolução do Poder Legislativo, temos de analisar os efeitos que decorrem da lei editada. Seus efeitos são como os que decorrem de qualquer lei editada pelo Poder Legislativo. Ato normativo de natureza primária, portanto, pois está no primeiro nível de eficácia, logo abaixo das normas constitucionais. Seção 3.6 Medida Provisória O artigo 62 da Constituição da República determina que, em caso de relevância e urgência, o presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. Editada a medida provisória, será 82 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA submetida imediatamente ao Poder Legislativo para apreciação e permanecerá em vigor pelo prazo de 60 dias. A análise da medida provisória segue as disposições dos 12 parágrafos do artigo 62, incluídos pela Emenda Constitucional nº 32/2001. Medida provisória é ato normativo com força de lei que pode ser editado pelo Chefe do Poder Executivo em caso de relevância e urgência,13 em caráter temporário. Tal medida deve ser submetida de imediato à deliberação do Congresso Nacional, sujeitando-se a todo o processo legislativo, na forma exigida para as leis ordinárias. Após a análise pelo Congresso Nacional, será convertida em lei ordinária se aprovada. É, segundo Ferreira Filho (2002, p. 237), legislação provisória a ser utilizada quando “urgência e relevância se somassem”, até serem convertidas em lei ou perderem sua eficácia. Trata-se, entretanto, de um instrumento jurídico deformado pela prática reiterada, admitida pelo Supremo Tribunal Federal. Em princípio, como afirma Ferreira Filho (2002, p. 237), o STF recusava-se a analisar a ocorrência das condições de relevância e urgência em que via questões políticas de apreciação discricionária e subjetiva, razão pela qual, em inúmeras delas, flagrantemente se verificou que as medidas editadas ocorreram em inconstitucionalidade. Isso levou à alteração constitucional da previsão de edição de medidas provisórias, embora não tenha suprimido o verdadeiro poder delegado ao chefe do Executivo para editar atos legais com força de lei. Na nova redação do artigo 62 da Constituição da República, estabelecida pela Emenda Constitucional nº 32/2001, está previsto que as medidas provisórias perdem a eficácia desde a edição se não forem convertidas em lei no prazo de 60 dias, prorrogável por mais 60. Neste caso, o Congresso Nacional deverá disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas decorrentes da medida provisória. Se tal disciplina não for feita no prazo de 60 dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante a vigência da medida provisória conservar-se-ão por ela regidas. 13 “Os conceitos de relevância e de urgência a que se refere o art. 62 da Constituição, como pressupostos para a edição de Medidas Provisórias, decorrem, em princípio, do Juízo discricionário de oportunidade e de valor do Presidente da República, mas admitem o controle judiciário quanto ao excesso do poder de legislar, o que, no caso, não se evidencia de pronto” (STF – Pleno – Adin n.° 1621/DF – medida liminar – Rel. Min. Moreira Alves, Diário da Justiça, Seção I, 19 set. 1997, capa). Conferir, ainda, nesse sentido: “A jurisprudência do STF tem considerado da competência da Presidência da República e do Congresso Nacional a avaliação subjetiva da urgência da Medida Provisória. É de se exceptuar, apenas, a hipótese em que a falta de urgência possa ser constatada objetivamente. E, no caso, não há evidência objetiva da falta de urgência, sendo a relevância da Medida Provisória incontestável” (STF – Pleno – Adin n.° 1.516-8 – medida liminar – Rel. Min. Sydney Sanches, Diário da Justiça, Seção I, 13 ago. 1999, p. 3). “Conforme entendimento consolidado da Corte, os requisitos constitucionais legitimadores da edição de medidas provisórias, vertidos nos conceitos jurídicos indeterminados de ‘relevância’ e ‘urgência’ (art. 62 da CF), apenas em caráter excepcional se submetem ao crivo do Poder Judiciário, por força da regra da separação de poderes (art. 2º da CF) (ADI n.2.213, Rel. Min. Celso de Mello, DJ de 23-4-2004; ADI n. 1.647, Rel. Min. Carlos Velloso, DJ de 26-3-1999; ADI n.1.753-MC, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ de 12-6-1998; ADI n. 162-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ de 19-9-1997)” (ADC 11-MC, voto do Min. Cezar Peluso, julgamento em 28-3-07, Plenário, DJ de 29-6-07). 83 EaD Aldemir Berwig Aparentemente, a redação determinada pela Emenda Constitucional nº 32/2001 teve como objetivo diminuir a discricionariedade na edição de medidas provisórias, mediante o estabelecimento de uma série de limitações materiais, inclusive da impossibilidade de reedições sucessivas. O objeto das Medidas Provisórias é, basicamente, o mesmo das leis ordinárias; contudo, são excluídas como objeto de medida provisória as seguintes matérias: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvada a abertura de crédito extraordinário, a qual é expressamente reservada à Medida Provisória (Constituição, artigo 167, § 3º); e) as que visem a detenção ou sequestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; f) as reservadas à lei complementar; g) as já disciplinadas em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do presidente da República; h) aprovação de Código; e i) regulamentação de artigo da Constituição cuja redação tenha sido alterada por meio de emenda constitucional promulgada no período compreendido entre 1 o de janeiro de 1995 até a promulgação da Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001. Deve-se, ainda, fazer uma consideração a respeito das matérias que poderão ser objeto de medidas provisórias nos termos da Constituição da República. A Constituição estabeleceu a competência para legislar de forma geral; a partir dela é que determinou quais matérias poderiam ser objeto de leis complementares e quais não poderão ser reguladas por leis delegadas e medidas provisórias. A lei ordinária, portanto, é a regra constitucional; as demais são as exceções, nos termos estabelecidos constitucionalmente. Se não forem observados os limites instituídos constitucionalmente, compete ao STF aplicar o remédio jurídico constitucional para resguardar a situação. 84 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 3.6.1 – QUAL O PROCEDIMENTO LEGISLATIVO PARA APROVAÇÃO DA MEDIDA PROVISÓRIA? A partir da Emenda Constitucional nº 32/2001, a aprovação da medida provisória passa a ter as seguintes especificidades: o prazo para aprovação será contado da publicação da medida provisória e ficará suspenso durante os períodos de recesso do Congresso Nacional; não há previsão constitucional de convocação extraordinária do Congresso Nacional para se reunir e deliberar sobre a medida provisória. Assim, a medida provisória poderá excepcionalmente exceder o prazo constitucional de 60 dias se for editada antes do recesso parlamentar. Por exemplo, uma medida provisória publicada em 10 de dezembro somente perderá sua vigência em 10 de abril do ano seguinte, permanecendo em vigor por mais de 120 dias, em decorrência do recesso parlamentar de final de ano. Se houver convocação extraordinária, entretanto, não se aplica a suspensão, em decorrência de sua inclusão automática na pauta de votação, nos termos dos §§ 7º e 8º, do artigo 57, da CR. Quanto aos trâmites de análise da medida provisória, que estão estabelecidos nos parágrafos do artigo 62 da CR, é importante salientar que esta medida será encaminhada ao Congresso Nacional, quando, antes de qualquer apreciação em separado, será examinada por Comissão mista de deputados e senadores, que apresentará parecer por sua aprovação ou não. Após a apreciação conjunta pela Comissão mista, será encaminhada à Câmara dos Deputados, e iniciará a votação. Aprovada na Câmara dos Deputados, por maioria simples, a medida provisória será encaminhada ao Senado Federal. Cabe ressaltar que em cada uma das Casas Legislativas, antes da deliberação sobre o mérito das medidas provisórias, deverá haver juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais, qual seja, do atendimento aos requisitos de relevância e urgência. Atenção: a apreciação e votação das medidas provisórias, após a Emenda Constitucional nº 32/2001, passou a ser muito semelhante à apreciação dos projetos de lei ordinária de iniciativa do chefe do Executivo. 85 EaD Aldemir Berwig 3.6.2 – É NECESSÁRIA A SANÇÃO DO PRESIDENTE DA REPÚBLICA À CONVERSÃO? Essa é uma importante questão que terá desdobramentos distintos caso seja ou não emendada,14 ou, ainda caso não seja convertida em lei. Caso a medida provisória seja integralmente convertida em lei, sem emendas, caberá ao presidente do Congresso Nacional promulgar a lei sem a necessidade de sanção do presidente da República.15 Segundo a jurisprudência do STF sobre a medida provisória, sua aprovação e promulgação integrais apenas lhe tornam definitiva a vigência, com eficácia ex tunc e sem solução de continuidade, preservada a identidade originária de seu conteúdo normativo. A conversão da medida provisória em lei opera uma novação de fontes que produz dois efeitos básicos. Em primeiro lugar, converte em disposição de lei a norma constante da medida provisória, que passa a vigorar para o futuro; em segundo lugar, convalida a medida provisória que vigora até aquele momento (Mendes; Coelho; Branco, 2008, p. 893). Caso a medida provisória seja aprovada com alterações de mérito, o projeto de lei de conversão deverá ser encaminhado ao presidente da República pela Casa Legislativa que concluiu a votação, ao qual caberá a sanção ou veto. O pronunciamento do presidente da República é necessário em razão de que houve recusa da medida provisória em alguns pontos. Assim, para a vigência das alterações promovidas pelo Legislativo, é necessário o seu pronunciamento praticamente na mesma forma do processo legislativo da lei ordinária. Caso a medida provisória seja rejeitada ou não convertida em lei no prazo constitucional, suas normas perderão eficácia desde sua edição. Neste caso, as relações jurídicas formadas durante a vigência da medida provisória serão disciplinadas por meio de decreto legislativo do Congresso Nacional. Caso não seja editado o decreto legislativo, permanecerão reguladas pela medida provisória. É uma “hipótese de ultra-atividade da medida provisória não convertida em lei” (Mendes; Coelho; Branco, 2008, p. 893). 14 “Conversão em lei das medidas provisórias, sem alteração substancial do seu texto: ratificação do ato normativo editado pelo Presidente da República. Sanção do Chefe do Poder Executivo. Inexigível. Medida Provisória alterada pelo Congresso Nacional, com supressão ou acréscimo de dispositivos. Obrigatoriedade da remessa do projeto de lei de conversão ao Presidente da República para sanção ou veto, de modo a prevalecer a comunhão de vontade do Poder Executivo e do Legislativo.” (RE 217.194, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 17-4-01, DJ de 1º-6-01). 15 É a regra estabelecida na Resolução 1/2002 do Congresso Nacional, de acordo com a prescrição do § 12 do artigo 62 da CR. 86 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Constituição da República – 1988 (redação determinada pela Emenda Constitucional nº 32, de 2001) Art. 62. Em caso de relevância e urgência, o Presidente da República poderá adotar medidas provisórias, com força de lei, devendo submetê-las de imediato ao Congresso Nacional. § 1º É vedada a edição de medidas provisórias sobre matéria: I – relativa a: a) nacionalidade, cidadania, direitos políticos, partidos políticos e direito eleitoral; b) direito penal, processual penal e processual civil; c) organização do Poder Judiciário e do Ministério Público, a carreira e a garantia de seus membros; d) planos plurianuais, diretrizes orçamentárias, orçamento e créditos adicionais e suplementares, ressalvado o previsto no art. 167, § 3º; II – que vise a detenção ou seqüestro de bens, de poupança popular ou qualquer outro ativo financeiro; III – reservada a lei complementar; IV – já disciplinada em projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional e pendente de sanção ou veto do Presidente da República. § 2º Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 153, I, II, IV, V, e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em que foi editada. § 3º As medidas provisórias, ressalvado o disposto nos §§ 11 e 12 perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de sessenta dias, prorrogável, nos termos do § 7º, uma vez por igual período, devendo o Congresso Nacional disciplinar, por decreto legislativo, as relações jurídicas delas decorrentes. § 4º O prazo a que se refere o § 3º contar-se-á da publicação da medida provisória, suspendendo-se durante os períodos de recesso do Congresso Nacional. § 5º A deliberação de cada uma das Casas do Congresso Nacional sobre o mérito das medidas provisórias dependerá de juízo prévio sobre o atendimento de seus pressupostos constitucionais. § 6º Se a medida provisória não for apreciada em até quarenta e cinco dias contados de sua publicação, entrará em regime de urgência, subseqüentemente, em cada uma das Casas do Congresso Nacional, ficando sobrestadas, até que se ultime a votação, todas as demais deliberações legislativas da Casa em que estiver tramitando. § 7º Prorrogar-se-á uma única vez por igual período a vigência de medida provisória que, no prazo de sessenta dias, contado de sua publicação, não tiver a sua votação encerrada nas duas Casas do Congresso Nacional. § 8º As medidas provisórias terão sua votação iniciada na Câmara dos Deputados. § 9º Caberá à comissão mista de Deputados e Senadores examinar as medidas provisórias e sobre elas emitir parecer, antes de serem apreciadas, em sessão separada, pelo plenário de cada uma das Casas do Congresso Nacional. § 10. É vedada a reedição, na mesma sessão legislativa, de medida provisória que tenha sido rejeitada ou que tenha perdido sua eficácia por decurso de prazo. § 11. Não editado o decreto legislativo a que se refere o § 3º até sessenta dias após a rejeição ou perda de eficácia de medida provisória, as relações jurídicas constituídas e decorrentes de atos praticados durante sua vigência conservar-se-ão por ela regidas. § 12. Aprovado projeto de lei de conversão alterando o texto original da medida provisória, esta manter-se-á integralmente em vigor até que seja sancionado ou vetado o projeto. 87 EaD Aldemir Berwig 3.6.3 – MEDIDA PROVISÓRIA NO ÂMBITO DOS ESTADOS-MEMBROS E DOS MUNICÍPIOS As regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição da República são, em tese, fundamento para o estabelecimento das regras nas Constituições Estaduais.16 Estas, por sua vez, vão determinar o modelo que poderá ser adotado pelos municípios. Desta forma, não havendo vedação de edição de medida provisória no âmbito dos Estados-membros, caso a adotem, também os municípios poderão adotá-la. Assim, se a Constituição estadual conferir tal poder ao Chefe do Executivo, não destoará da Constituição da República (Mendes; Coelho; Branco, 2008, p. 898). Se, todavia, no âmbito estadual é permitida a edição de medida provisória, em decorrência do princípio da simetria, também será possível no âmbito municipal, desde que prevista na respectiva Lei Orgânica Municipal.17 Seção 3.7 Decreto Legislativo Decretos Legislativos são atos normativos destinados a regular matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional que tenham efeitos externos a ele. Segundo Pontes de Miranda (apud Ferreira Filho, 2002, p. 197), “decretos legislativos são as leis que a 16 “Ação direta de inconstitucionalidade. Artigo 51 e parágrafos da Constituição do Estado de Santa Catarina. Adoção de medida provisória por estado-membro. Possibilidade. Artigos 62 e 84, XXVI da Constituição Federal. Emenda constitucional 32, de 11-9-01, que alterou substancialmente a redação do art. 62. Revogação parcial do preceito impugnado por incompatibilidade com o novo texto constitucional. Subsistência do núcleo essencial do comando examinado, presente em seu caput. Aplicabilidade, nos estados-membros, do processo legislativo previsto na Constituição Federal. Inexistência de vedação expressa quanto às medidas provisórias. Necessidade de previsão no texto da carta estadual e da estrita observância dos princípios e limitações impostas pelo modelo federal. Não obstante a permanência, após o superveniente advento da Emenda Constitucional 32/01, do comando que confere ao Chefe do Executivo Federal o poder de adotar medidas provisórias com força de lei, tornou-se impossível o cotejo de todo o referido dispositivo da Carta catarinense com o teor da nova redação do art. 62, parâmetro inafastável de aferição da inconstitucionalidade argüida. Ação direta prejudicada em parte. No julgamento da ADI 425, rel. Min. Maurício Corrêa, DJ 19-12-03, o Plenário desta Corte já havia reconhecido, por ampla maioria, a constitucionalidade da instituição de medida provisória estadual, desde que, primeiro, esse instrumento esteja expressamente previsto na Constituição do Estado e, segundo, sejam observados os princípios e as limitações impostas pelo modelo adotado pela Constituição Federal, tendo em vista a necessidade da observância simétrica do processo legislativo federal. Outros precedentes: ADI 691, rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 19-6-92 e ADI 812-MC, rel. Min. Moreira Alves, DJ 14-5-93. Entendimento reforçado pela significativa indicação na Constituição Federal, quanto a essa possibilidade, no capítulo referente à organização e à regência dos Estados, da competência desses entes da Federação para ‘explorar diretamente, ou mediante concessão, os serviços locais de gás canalizado, na forma da lei, vedada a edição de medida provisória para a sua regulamentação’ (art. 25, § 2º). Ação direta cujo pedido formulado se julga improcedente.” (ADI 2.391, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 16-8-06, DJ de 16-307). No mesmo sentido: ADI 425, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 4-9-02, DJ de 19-12-03. 17 Analisando hipótese em que a Lei Orgânica Municipal não previa a possibilidade de o prefeito editar medidas provisórias, o STJ entendeu que não pratica o crime de prevaricação o alcaide que edita, ilegalmente, medida provisória, pois, apesar de ferir os princípios da legalidade e moralidade administrativas, o fato será atípico por ausência do elemento do tipo ato de oficio (STJ – 6.ª T – Resp. n 1º 78.425/RS – Rel. Min. Luiz Vicente Cernicchiaro, Diário da Justiça, Seção I, 8 set. 1997, p. 42.611). Diferentemente da Constituição anterior, que proibia expressamente a adoção pelos Estados-membros dos decretos-lei, esta silencia a respeito. 88 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Constituição não exige remessa do presidente da República para a sanção (promulgação ou veto)”. Ferreira Filho afirma, entretanto, que, em relação às competências exclusivas do Congresso Nacional, não cabe normatividade abstrata que são características da lei propriamente dita. Da mesma forma, portanto, que abordamos a respeito das medidas provisórias, estamos diante de matérias às quais a Constituição da República possibilitou a regulamentação por ato exclusivo do Poder Legislativo, independente da manifestação do Poder Executivo mediante sanção ou veto. Trata-se de matéria de competência exclusiva do Poder Legislativo. Em decorrência do exposto, é perfeitamente aceitável que o objeto do decreto legislativo seja as matérias enunciadas no artigo 49 da Constituição da República. Além das matérias previstas no artigo 49, é necessário acrescentar a disciplina das relações jurídicas decorrentes de medida provisória não convertida em lei, prevista no artigo 63, § 3º da Constituição da República. O decreto legislativo é a espécie normativa destinada a veicular as matérias de competência exclusiva do Congresso Nacional, previstas no artigo 49 da Constituição da República. Além destas matérias, também é exteriorizada, por meio de decreto legislativo, a regulamentação exigida no artigo 62 da CR, com redação pela Emenda Constitucional nº 32/ 2001. Os decretos legislativos são atos normativos primários veiculadores de normas decorrentes da competência exclusiva do Congresso Nacional, cujo procedimento não é estabelecido pelo Regimento Interno do Poder Legislativo. 3.7.1 – PROCESSO LEGISLATIVO ESPECIAL DO DECRETO LEGISLATIVO A Constituição da República declara que os decretos legislativos serão, obrigatoriamente, instruídos, discutidos e votados em ambas as casas legislativas, no sistema bicameral; aprovados, serão promulgados pelo presidente do Senado Federal, na qualidade de presidente do Congresso Nacional, que determinará sua publicação.18 Não há participação do chefe do Executivo no processo legislativo de elaboração de resoluções, e, consequentemente, inexistirá veto ou sanção, por se tratar de matérias de competência exclusiva do Poder Legislativo. 18 Artigo 48, XXVIII, do RICD: Compete ao presidente do Senado Federal promulgar as resoluções do Senado e os Decretos Legislativos. 89 EaD Aldemir Berwig Competências exclusivas do Congresso Nacional: Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional: I – resolver definitivamente sobre tratados, acordos ou atos internacionais que acarretem encargos ou compromissos gravosos ao patrimônio nacional; II – autorizar o Presidente da República a declarar guerra, a celebrar a paz, a permitir que forças estrangeiras transitem pelo território nacional ou nele permaneçam temporariamente, ressalvados os casos previstos em lei complementar; III – autorizar o Presidente e o Vice-Presidente da República a se ausentarem do País, quando a ausência exceder a quinze dias; IV – aprovar o estado de defesa e a intervenção federal, autorizar o estado de sítio, ou suspender qualquer uma dessas medidas; V – sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa; VI – mudar temporariamente sua sede; VII – fixar idêntico subsídio para os Deputados Federais e os Senadores, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) VIII – fixar os subsídios do Presidente e do Vice-Presidente da República e dos Ministros de Estado, observado o que dispõem os arts. 37, XI, 39, § 4º, 150, II, 153, III, e 153, § 2º, I; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) IX – julgar anualmente as contas prestadas pelo Presidente da República e apreciar os relatórios sobre a execução dos planos de governo; X – fiscalizar e controlar, diretamente, ou por qualquer de suas Casas, os atos do Poder Executivo, incluídos os da administração indireta; XI – zelar pela preservação de sua competência legislativa em face da atribuição normativa dos outros Poderes; XII – apreciar os atos de concessão e renovação de concessão de emissoras de rádio e televisão; XIII – escolher dois terços dos membros do Tribunal de Contas da União; XIV – aprovar iniciativas do Poder Executivo referentes a atividades nucleares; XV – autorizar referendo e convocar plebiscito; XVI – autorizar, em terras indígenas, a exploração e o proveitamento de recursos hídricos e a pesquisa e lavra de riquezas minerais; XVII – aprovar, previamente, a alienação ou concessão de terras públicas com área superior a dois mil e quinhentos hectares. Seção 3.8 Resolução Resolução é ato do Congresso Nacional ou de qualquer de suas casas, mediante procedimento estabelecido no Regimento Interno das Casas Legislativas, destinado a regular matéria de competência do Congresso Nacional ou de competência privativa do Senado Federal (artigo 213, c, RISF) ou da Câmara dos Deputados (artigo 213, c, RICD), que, em regra, geram efeitos internos; excepcionalmente, pode ocasionar efeitos externos, como é o caso da previsão constitucional de edição para delegação legislativa. A resolução é ato normativo primário previsto no artigo 59 da Constituição da República e será, em geral, utilizada para regulamentar matérias não privativas de decreto legislativo (artigos 49 e 62, parágrafo único, da CR). 90 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 3.8.1 – PROCESSO LEGISLATIVO PARA A ELABORAÇÃO DAS RESOLUÇÕES A Constituição da República não estabelece o processo legislativo para a elaboração da resolução, cabendo ao regimento interno de cada uma das Casas ou ao Congresso Nacional, a sua disciplina. A regra é que, para sua aprovação, a casa competente fará a discussão, cabendo a seu presidente19 sua promulgação e publicação. No caso de resolução do Congresso Nacional, a aprovação deverá ser bicameral, cabendo ao presidente do Senado, no exercício da presidência do Congresso Nacional, a promulgação e publicação. Por se tratar de ato normativo privativo do Poder Legislativo, não há participação do chefe do Executivo mediante sanção ou veto. Seção 3.9 Atos Normativos de Competência do Chefe do Executivo Assim como afirmamos que quanto ao aspecto formal os atos normativos têm trâmite especial estabelecido na Constituição da República e dependem de aprovação pelo Poder Legislativo e sanção pelo Executivo, promulgação e publicação, em regra pelo Executivo, alguns serão editados por competência do Poder Executivo. Se para o Legislativo existe a figura do decreto legislativo, para o Executivo existe o decreto. Em geral, esses atos seguem as mesmas regras abordadas para sua elaboração. 3.9.1 – DECRETO Decretos são atos administrativos da competência exclusiva do chefe do Executivo, destinados a prover situações gerais ou individuais, abstratamente previstas, de modo expresso ou implícito, na lei (Meirelles, 1988, p. 155). Esta é a definição clássica, a qual, no entanto, é inaplicável aos decretos autônomos, tratados adiante. Os decretos podem ser singulares, regulamentares e autônomos. 19 Ver artigo 200, § 2º, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados: as resoluções da Câmara serão promulgadas pelo presidente no prazo de duas sessões após o recebimento dos autógrafos; não o fazendo, caberá aos vice-presidentes, segundo a sua numeração ordinal, exercer essa atribuição. De igual forma, determina o artigo 48, XXVIII, do Regimento Interno do Senado Federal: compete ao presidente do Senado Federal promulgar as resoluções do Senado e os Decretos Legislativos. 91 EaD Aldemir Berwig Os decretos podem conter regras singulares ou concretas, como é o caso dos decretos de nomeação, de aposentadoria, de abertura de crédito, de desapropriação, de cessão de uso de imóvel, de indulto de perda de nacionalidade. Os decretos regulamentares são atos normativos subordinados ou secundários, pois são editados para regulamentar a lei, nunca a Constituição. A diferença entre a lei e o regulamento, no Direito brasileiro, não se limita à origem ou à supremacia daquela sobre este. A distinção substancial reside no fato de que a lei inova originariamente o ordenamento jurídico, enquanto o regulamento não o altera, apenas fixa as regras para a concretização da lei, de acordo com as diretrizes por ela estabelecida e na amplitude permitida. Já os decretos autônomos são os editados diretamente em decorrência da norma constitucional. A Constituição da República de 1988, após a Emenda Constitucional nº 32, de 11 de setembro de 2001, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85), passou a prever a competência exclusiva para o chefe do Poder Executivo para editar ato normativo primário, isto é, que se subordina diretamente à Constituição inovando na ordem jurídica, independentemente de lei. São exemplos a competência do presidente da República para dispor, mediante decreto, sobre organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos (artigo 84, VI, a, da Constituição) e revogar, por meio de decreto, funções ou cargos públicos, quando vagos (artigo 84, VI, b). Diante de tal entendimento, resta fazer uma análise para verificar qual a sua natureza jurídica. Tal competência estabelecida não trata de lei, pois é assunto interna corporis. Esta competência, portanto, será formalizada mediante decreto do Poder Executivo e terá efeitos concretos. Como atos normativos editados diretamente de previsão constitucional, talvez fosse correto compreender como exercícios de Poder Regulamentar autônomos, embora a doutrina entenda que no direito pátrio não existe tal figura. Tal espécie normativa, contudo, limita-se às hipóteses de organização e funcionamento da administração federal, quando não implicar aumento de despesa nem criação ou extinção de órgãos públicos, e revogação de funções ou cargos públicos, quando vago (artigo 84, VI, da Constituição). 3.9.2 – PORTARIA É o ato normativo pelo qual ministros ou outras autoridades expedem instruções sobre a organização e funcionamento de serviço e praticam outros atos de sua competência. Em regra, são utilizados pelas autoridades subordinadas ao chefe do Executivo, embora, na 92 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA prática, se verifique que o próprio chefe do Executivo possa editá-los sem qualquer prejuízo de ilegalidade. É necessário, contudo, salientar que deverá ser observado o conteúdo do ato. Seção 3.10 Sistema Legislativo Estadual e Municipal Basicamente, o processo legislativo no âmbito estadual e municipal segue as normas previstas na Constituição da República, podendo se tomar por base as normas estudadas no âmbito federal. Recomenda-se, entretanto, que, em face de questões específicas, se busque na legislação própria do ente competente a norma jurídica que deverá ser utilizada, visando a equívocos na sua aplicação. A regra é que a Constituição da República estabelece linhas gerais obrigatórias sobre processo legislativo a serem observadas em todas as órbitas governamentais. Em razão disso, quando se fala em Congresso Nacional ou presidente da República na esfera federal, entenda-se Poder Legislativo ou Poder Executivo no âmbito do Estado-membro ou do município. SÍNTESE DA UNIDADE 3 Nesta Unidade abordamos as diversas espécies normativas para verificar em que consiste cada uma e quais as competências para editá-las, relacionando o conteúdo com o da Unidade anterior. Elencamos as distinções mais visíveis entre as espécies normativas a partir do próprio texto constitucional e a participação dos Poderes Públicos em sua elaboração. Verificamos que algumas espécies normativas são de competência privativa ou exclusiva de determinado Poder Estatal, de forma que ocorre uma limitação na sua edição pela própria Constituição da República. 93 EaD 94 Aldemir Berwig EaD Unidade 4 PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA PROCESSO LEGISLATIVO OBJETIVOS DESTA UNIDADE • Apresentar as fases de desenvolvimento do processo legislativo na atualidade, enfatizando que as normas jurídicas existentes em cada órbita governamental estabelecerão as peculiaridades específicas. • Distinguir o papel de cada um dos Poderes Públicos no desencadeamento do processo legislativo, da iniciativa à publicação. AS SEÇÕES DESTA UNIDADE Seção 4.1 – Iniciativa do projeto de lei Seção 4.2 – Apresentação e distribuição dos projetos de lei Seção 4.3 – Regimes de tramitação dos projetos de lei Seção 4.4 – Discussão Seção 4.5 – Emendas ao projeto de lei Seção 4.6 – Deliberação parlamentar Seção 4.7 – Apreciação do projeto de lei no plenário Seção 4.8 – Prazo para deliberação parlamentar Seção 4.9 – O Projeto de Iniciativa Reservada pode ser emendado? Seção 4.10 – Votação Seção 4.11 – Deliberação do Poder Executivo ao projeto de lei aprovado Seção 4.12 – Fase complementar Seção 4.13 – Publicação 95 EaD Aldemir Berwig O termo processo legislativo1 pode ser compreendido em dois sentidos: um, jurídico, e outro, sociológico. Juridicamente, consiste no conjunto coordenado de disposições que disciplinam o procedimento a ser obedecido pelos órgãos competentes para a produção de leis e atos normativos previstos na Constituição da República. Sociologicamente, é possível defini-lo como o conjunto de fatores reais que impulsionam e direcionam os legisladores a exercitarem suas tarefas. Poderíamos dizer que sob este enfoque está a análise política da ação legislativa. 2 A Constituição da República estabelece, em seu artigo 59, algumas espécies de atos normativos primários que decorrem diretamente dela. Além disso, determina o procedimento para aprovação de alguns desses atos, e, para outros, institui diretrizes básicas, especialmente nos interna corporis. Juridicamente, o processo legislativo constitucional define a sequência a ser respeitada na elaboração da lei em sentido amplo (lei ordinária, complementar e delegada, emendas constitucionais e medidas provisórias) posto que os decretos legislativos e as resoluções terão seu procedimento firmado pelo Regimento Interno da respectiva Casa Legislativa. É de se salientar, entretanto, que a técnica legislativa constitucional é precária, uma vez que a orientação adotada pelo constituinte revela-se problemática, pois, se, de um lado, contempla as emendas constitucionais, que, não obstante dotadas do caráter material de lei, devem ser distinguidas destas por serem manifestação do poder constituinte derivado, contempla, de outro, as resoluções e os decretos legislativos, que, pelo 1 Assista o vídeo produzido pela Câmara dos Deputados sobre o processo legislativo. Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/ atividade-legislativa/processolegislativo>. Acesso em: 22 jan. 2011. 2 Conheça no site da Câmara dos Deputados o Projeto Jovem Brasileiro: como se faz um projeto de lei. Disponível em: <http:// www.camara.gov.br/internet/diretoria/cefor/tutoriais/cursoprojetodelei/projeto_de_lei/Modulo1/loader.html>. Acesso em: 22 jan. 2011. 96 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA menos do ponto de vista material, não deveriam ser equiparados às leis, por não conterem, normalmente, regras de direito gerais e impessoais (Ferreira Filho apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 105). O respeito ao devido processo legislativo na elaboração das espécies normativas decorre da observância do princípio da legalidade. Seu desrespeito acarreta a inconstitucionalidade formal da lei ou ato normativo produzido, requerendo o controle repressivo de constitucionalidade por parte do Poder Judiciário, tanto pelo método difuso quanto pelo concentrado. Além disso, afirma-se que os parlamentares têm o direito público subjetivo à fiel observância do procedimento para elaboração de cada espécie normativa, cabendo, inclusive, em alguns casos, questionamento judicial, via mandado de segurança. O Supremo Tribunal Federal considera as regras básicas de processo legislativo previstas na Constituição da República modelo estruturador do processo legislativo em outras órbitas estatais. Diante desse entendimento, o Estado-membro tem sua competência para estabelecer o processo legislativo de acordo com os limites constitucionais. Antes de analisar a forma e estrutura da lei no ordenamento jurídico brasileiro, é importante ressaltar que, segundo Ferreira Filho (2002, p. 206), a lei é um ato complexo. Diz o autor que, conforme Lucifredi (apud Ferreira Filho, 2002, p. 206), há um ato complexo sempre que “duas ou mais vontades homogêneas tendentes a um mesmo fim se fundem numa só vontade declarada, idônea a produzir determinados efeitos jurídicos que não poderiam de modo algum produzir-se, se faltasse tal concurso de vontades”. Tal compreensão decorre de que o processo legislativo para elaboração da lei compreende diversas fases das quais participam necessariamente dois órgãos públicos, podendo participar até três, dependendo da iniciativa para a propositura. A lei, portanto, vai expressar a vontade política conjunta dos órgãos competentes. Acerca da complexidade de distribuição de competências entre entidades e órgãos no sistema brasileiro, analise a citação a seguir, que inicia por um questionamento: (...) ao lado da competência privativa da União, dos Estados e dos Municípios, não haverá um campo de ação concorrente onde os três poderes possam exercer a sua atividade? Essa matéria se resolve no campo do Direito positivo, isto é, tendo em vista a Constituição em vigor. Cada Constituição estabelece círculos diferentes de competência privativa e concorrente entre a União, os Estados e os Municípios. A Constituição de 24 de fevereiro de 1891 obedecia, por exemplo, a certos critérios que não foram acompanhados pelas constituições posteriores. De acordo com o sistema de Direito Constitucional Brasileiro, ora em vigor, temos três círculos originários, cada qual representando uma esfera privativa de ação. À União cabe o que o legislador constituinte considerou relativo à comunidade brasileira como um todo, de tal maneira que não poderão os Estados legislar sobre essa matéria e nem tampouco os Municípios. Compete à União, por exemplo, legislar sobre Direito Civil, Direito Comercial, 97 EaD Aldemir Berwig Direito Processual e Financeiro. É atribuição exclusiva do Governo Federal legislar sobre as forças armadas, correios e telégrafos, comércio externo, navegação de cabotagem etc. É privativo da União ainda cobrar impostos de exportação, sobre a renda etc., pois também o “poder de tributar ” é objeto de uma discriminação de caráter constitucional. Ao lado dessa competência de ordem geral, a Carta Magna fixa os “espaços de poder ” que tocam, respectivamente, aos Estados, Distrito Federal, Territórios e Municípios. O Município é declarado, pela Carta Magna, uma entidade autônoma, ou seja, capaz de decidir assuntos próprios lançando mão de recursos próprios. A autonomia consiste, tecnicamente, na maior ou menor capacidade que tem uma entidade para resolver, sem interferência de terceiros, problemas que lhe são peculiares. Nessa linha de distribuição de competências, cabe ao Município lançar o imposto territorial urbano, impostos de licença, predial e de indústrias e profissões. Da mesma forma, discriminam-se as atribuições de cada Estado, bem como os tributos que lhe competem, de maneira privativa, ou em concurso com a União e os Municípios. O Estado, digase de passagem, goza de autonomia bem mais ampla do que a dos municípios que o integram, porquanto lhe é conferido o poder de “autoconstituição”, ou seja, de elaborar a sua própria Constituição, muito embora dentro dos limites traçados pela Carta Maior. Na construção do Estado Brasileiro, por conseguinte, o legislador pátrio concebe três círculos distintos de ação que se completam e se integram, formando, no seu todo, a República Federativa do Brasil, segundo os princípios do chamado federalismo cooperativo, ou integrado. Isto posto, verificamos que a ordem jurídica positiva brasileira pode ser concebida como três círculos secantes, com uma parte comum e três partes distintas. Dentro da esfera de atribuição que lhe é reconhecida pela Constituição, cada pessoa de Direito Público Interno pode declarar o Direito próprio: primeira condição da vigência da lei, é, pois, a de ser declarada pelo poder competente como tal reconhecido por uma norma constitucional “de reconhecimento”, para empregarmos a terminologia de Hart3 (Reale, 2001, 98-99). Há, portanto, grande complexidade na análise da competência da iniciativa que consiste no ponto de início da atividade legislativa propriamente dita. Equívoco no momento da iniciativa do projeto de lei redundará em falta de validade da norma jurídica, mesmo após sua publicação. Como ato complexo, é importante citar o desenvolvimento do processo legislativo para formulação da lei. À luz da Constituição da República é possível constatar que apresenta três fases: uma introdutória, uma constitutiva e uma complementar. A fase introdutória, que na concepção de Ferreira Filho (2002, p. 206) não é propriamente uma fase do processo legislativo, consiste no ato que desencadeia a elaboração da lei. Como afirma o autor, juridicamente é o ato pelo qual se propõe a adoção de direito novo. É uma 3 Para um melhor entendimento do tema, sugiro a leitura do capítulo X da obra de Reale, “Lições Preliminares de Direito” (2001), quando, de forma muito apropriada, aborda a validade da norma jurídica. 98 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA declaração de vontade manifestada por escrito e articulada, pela qual se apresenta o projeto de lei à autoridade competente para aprová-la. Pode se manifestar como ato simples ou coletivo. Na realidade, o ato coletivo consiste na exigência de um “quórum” para a propositura da iniciativa de lei no caso dos próprios órgãos legislativos ou na exigência de número mínimo de eleitores no caso da iniciativa popular. Basicamente, o processo de elaboração das leis ordinárias e complementares segue exatamente o mesmo procedimento, diferenciando-se especificamente em relação ao quorum necessário Ato simples É aquele emanado por um sujeito ou órgão, no qual está concentrado o poder de editálo (Mortati, apud Ferreira Filho, 2002, p. 206, nota 22). Exemplo de ato simples está previsto no Artigo 61 da Constituição da República, excluído o parágrafo segundo, pois a iniciativa pelos cidadãos exige subscrição por 1% (um por cento) do eleitorado nacional. Nesse último caso, portanto, é ato coletivo. à aprovação da lei, e se desdobra nas seguintes etapas: Ato coletivo a) iniciativa; b) discussão ou debates; c) deliberação ou votação; d) sanção ou veto; e) promulgação; f) publicação. É “o que resulta da conjugação de várias vontades com igual conteúdo e finalidade, que se unem somente para a manifestação comum, permanecendo juridicamente autônomas” (Diez, apud Ferreira Filho, 2002, p. 206, nota 23). Exemplo de ato coletivo está previsto no artigo 67 da Constituição da República. 99 EaD Aldemir Berwig 4 Fluxograma de elaboração de lei ordinária previsto na Constituição da República 4 Disponível em: <http://www2.camara.gov.br/atividade-legislativa/processolegislativo/fluxo/fluxoConstitucional>. Acesso em: 22 jan. 2011. 100 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Seção 4.1 Iniciativa do Projeto de Lei A iniciativa é a proposta de edição de direito novo, mediante a apresentação do projeto de lei pelo agente público legitimado. Em outras palavras, iniciativa de lei é a faculdade que se atribui a alguém ou a algum órgão para apresentar projetos de lei ao Legislativo. A iniciativa será parlamentar ou extraparlamentar, concorrente ou exclusiva. Diz-se iniciativa parlamentar de lei a prerrogativa que a Constituição confere a todos os membros do Congresso Nacional (deputados federais/senadores da República) de apresentação de projetos de lei, no âmbito do Estado-membro, aos deputados, e, no município, aos vereadores. Por outro lado, a iniciativa de lei será extraparlamentar quando a competência for conferida ao chefe do Poder Executivo, aos Tribunais Superiores, ao Ministério Público e aos cidadãos (iniciativa popular de lei). Por sua vez, a iniciativa concorrente é aquela pertencente a vários legitimados, como é a que compete simultaneamente aos parlamentares e ao presidente da República; enquanto iniciativa exclusiva é aquela reservada a determinado cargo ou órgão, como, por exemplo, as privativas do chefe do Executivo. É importante esclarecer que uma das funções primordiais do exercício da iniciativa de lei, por meio da apresentação do projeto de lei ordinária ao Congresso Nacional, é definir qual das casas legislativas analisará primeiramente o assunto (Deliberação Principal) e qual atuará como revisora (Deliberação Revisional). Assim, a regra é que a deliberação principal ocorra na Câmara dos Deputados e a Revisão no Senado Federal. A Constituição da República estabelece no artigo 64 a regra para iniciativa e apreciação do projeto de lei no sistema bicameral: todo projeto de lei, independentemente do proponente, é proposto e tem iniciada sua análise na Câmara dos Deputados. A exceção está para os projetos de lei de iniciativa do Senado Federal que, logicamente, terão seu início na própria Casa Legislativa, seguindo, posteriormente, à Câmara dos Deputados. Tratando-se, portanto, de projeto oriundo do Senado Federal, nesta Casa Legislativa terá início sua tramitação; sendo de iniciativa do presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores e outros legitimados, terá início na Câmara dos Deputados; se for por iniciativa popular, será exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados do projeto de lei (artigo 61, § 2º, CR). 101 EaD Aldemir Berwig Embora a Constituição não tenha tratado do tema, é certo, igualmente, que os projetos de lei de iniciativa do Ministério Público começarão a tramitar na Câmara dos Deputados, como se observa no artigo 109, § 1º, VII, do Regimento Interno da Câmara dos Deputados. O projeto de lei apresentado por qualquer dos legitimados citados deverá ser apreciado pelas duas Casas do Congresso Nacional. A primeira Casa a apreciar o projeto é chamada de Casa iniciadora, sendo a outra denominada de Casa revisora. Como referenciado anteriormente, a regra é que a Casa iniciadora seja a Câmara dos Deputados. Somente quando o projeto é de autoria de um senador ou de uma comissão do Senado é que a tramitação se inicia no Senado Federal. A iniciativa deflagra o processo legislativo e determina a obrigação da Casa Legislativa destinatária de submeter o projeto de lei a uma deliberação definitiva. A iniciativa de projeto de lei pode ser geral (regra) ou reservada (exceção). Quando a iniciativa é geral, a propositura pode ocorrer por ato do presidente da República, de qualquer deputado ou senador, de qualquer comissão de ambas as Casas do Congresso Nacional e do povo, além de outros órgãos com competência para tal. Embora se afirme isso, segundo Ferreira Filho (2002, p. 207), “a designação vale simplesmente na medida em que significa poder propor direito novo sobre qualquer matéria (exceto as reservadas), já que os titulares de iniciativa reservada, salvo o Presidente da República, apenas possuem iniciativa para a matéria que lhes foi reservada”. A iniciativa popular, embora iniciativa geral, não alcança as matérias reservadas. O ritual de desenvolvimento do processo de elaboração da lei está previsto na Constituição da República. Em regra, a lei tem início pela propositura na Câmara dos Deputados, embora silencie a respeito da iniciativa pelo procurador geral da República. Nos parece evidente, entretanto, que a única exceção para a iniciativa de lei ocorre no caso da iniciativa de lei por senador, posto que há previsão expressa de que o início ocorre na Câmara dos Deputados quando a iniciativa for do presidente da República, do Supremo Tribunal Federal e dos Tribunais Superiores (artigo 64) e decorrente de iniciativa popular (artigo 61, § 2o). A Constituição da República possibilita a participação dos cidadãos no processo de elaboração das leis, mas estabelece que a iniciativa popular será exercida pela apresentação à Câmara dos Deputados de projeto de lei subscrito por, no mínimo, 1% do eleitorado nacional, distribuído pelo menos por cinco Estados, com não menos de 0,3% dos eleitores de cada um deles, o que representa mais de um milhão de eleitores. A exigência desse elevado número de adesões à proposição, sem dúvida, termina por dificultar o exercício da iniciativa popular.5 5 Na Câmara dos Deputados, a partir de 2001, houve a criação da Comissão de Legislação Participativa – CLP – que simplificou a participação popular no processo legislativo, por intermédio da apresentação de uma sugestão de lei à CLP. O recebimento de sugestões para a proposição de projetos de lei, entretanto, está restrita a associações e órgãos de classe, sindicatos e entidades organizadas da sociedade civil, excluídos os partidos políticos e o recebimento de sugestões individuais. 102 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 4.1.1 – INICIATIVA COMUM OU CONCORRENTE A iniciativa comum ou concorrente compete ao presidente da República, a qualquer deputado ou senador, a qualquer comissão de qualquer das Casas do Congresso, e à iniciativa popular (artigo 61, caput, CR). A iniciativa popular decorre do princípio democrático participativo direto e, em matéria de lei federal, a propositura de lei está condicionada à manifestação de pelo menos 1% do eleitorado nacional, que deverá estar distribuído em, no mínimo cinco Estados, exigida em cada um deles a manifestação de 0,3% de seus eleitores (§ 2º, artigo 61, CR). 4.1.2 – INICIATIVA RESERVADA A Constituição da República estabelece regras para a iniciativa de projetos de lei sobre determinadas matérias, privativa ou exclusivamente, a determinados órgãos, em razão de que existe alguma vinculação com a função pública exercida no âmbito do órgão competente. Assim, por exemplo, matérias que dizem respeito especificamente ao funcionamento de algum órgão, serão de natureza interna corporis e somente a ele dirão respeito, sendo-lhe reservada a competência, que, neste caso, será exclusiva. 4.1.2.1 – Iniciativa reservada ao presidente da República O artigo 61, § 1º, da Constituição da República, reserva ao presidente da República6 a iniciativa das leis que: – criem cargos, funções ou empregos públicos, ou aumentem sua remuneração;7 – fixem ou modifiquem os efetivos das Forças Armadas; – disponham sobre organização administrativa e judiciária; 6 A EC n° 32, de 11 de setembro de 2001, alterou parcialmente a redação do artigo 61, em sua alínea e, do inciso II, § 2°. Assim, por exemplo, a iniciativa reservada das leis que versem o regime jurídico dos servidores públicos revela-se, enquanto prerrogativa conferida pela Carta Política ao Chefe do Poder Executivo, projeção específica do princípio da separação de poderes, incidindo em inconstitucionalidade formal a norma inscrita em Constituição do Estado que, subtraindo a disciplina da matéria ao domínio normativo da lei, dispõe sobre provimento de cargos que integram a estrutura jurídico-administrativa do Poder Executivo local. A Constituição Federal inseriu, ainda, na esfera de atribuições do Executivo, o poder de elaborar e de encaminhar ao Legislativo o projeto de lei referente ao orçamento anual, função esta que deverá observar somente as limitações da própria Carta Magna, da lei de diretrizes orçamentárias e do plano plurianual, inexistindo possibilidade, sob pena de afronta à Separação dos Poderes, consagrada textualmente na Constituição Federal, do Poder Judiciário determinar ao presidente da República a inclusão, no texto do projeto de lei orçamentária anual, de cláusula pertinente à fixação da despesa pública, com a consequente alocação de recursos financeiros destinados a satisfazer determinados encargos. 7 “As Cartas de 1969 e de 1988 não conferiram poder normativo ao Senado Federal que o legitimasse a adotar estatuto próprio, veiculado por meio de resolução, para disciplinar o regime jurídico de seus servidores, achando-se os funcionários civis dos três poderes da República submetidos a regime funcional único instituído por lei que era, ao tempo da edição da referida Resolução, e continua sendo, de iniciativa privativa do Presidente da República (art. 57, V, da EC 01/69 e art. 61, § 1º, II, c, da CF/88)” (MS 22.644, Rel. Min. p/ o ac. Ilmar Galvão, julgamento em 1º-9-99, DJ de 19-11-99). 103 EaD Aldemir Berwig – disponham sobre matéria tributária8 e orçamentária,9 serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios; – disponham sobre a organização do Ministério Público e da Defensoria Pública da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios (artigo 128, § 5º da Constituição); – criem e extingam órgãos da administração pública; – disponham sobre militares das Forças Armadas. As referidas matérias são de observância obrigatória pelos Estados membros que, ao disciplinarem o processo legislativo no âmbito das respectivas Constituições estaduais, não poderão afastar-se da disciplina constitucional federal. Observe-se, entretanto, que a iniciativa para os projetos de lei em matéria tributária é concorrente entre Executivo e Legislativo pois a regra da alínea “b”, do inciso II, do § 1º, do artigo 61, da CR, refere-se unicamente aos territórios federais. 8 Em matéria tributária a Constituição da República silencia sobre a obrigatoriedade de observância nos Estados e municípios, da reserva de iniciativa ao chefe do Executivo: STF – “Competência exclusiva do Poder Executivo iniciar o processo legislativo das matérias pertinentes ao Plano Plurianual, às Diretrizes Orçamentárias e aos Orçamentos Anuais” (STF – Pleno – ADIn n.° 1.759-1/SC – Rel. Min. Néri da Silveira – Diário da Justiça, Seção I, 6 abr. 2001, p. 66). No mesmo sentido: STF – “Considerando que não há reserva de iniciativa do chefe do Poder Executivo para a propositura de leis referentes à matéria tributária, o Tribunal indeferiu pedido de medida cautelar em ação direta ajuizada pelo Governador do Estado do Espírito Santo contra a lei 6.486/2000, do mesmo Estado, que, alterando o art. 3° da Lei 3.829/85, reduziu o valor da alíquota do Imposto sobre a Propriedade de Veículos Automotores – IPVA. À primeira vista, o Tribunal entendeu não haver relevância jurídica na tese de inconstitucionalidade em que se alegava ofensa ao art. 61, § 1°, II, b, da CF – que confere ao Presidente da República a iniciativa privativa das leis que disponham sobre ‘organização administrativa e judiciária, matéria tributária e orçamentária, serviços públicos e pessoal da administração dos Territórios’; – dado que tal dispositivo refere-se exclusivamente aos territórios federais. Precedentes citados: ADinMC 2.304-RS (DJU de 15-12-2000); ADinMC 352-DF (DJU de 8-3-1991)” (STF – Pleno – ADinMC n° 2.392/ES – Rel. Min. Moreira Alves, 28-3-2001 – Informativo STF n° 222, 26 a 30 mar. 2001, p. 1). “Ação direta de inconstitucionalidade. Lei n. 553/2000, do Estado do Amapá. Desconto no pagamento antecipado do IPVA e parcelamento do valor devido. Benefícios tributários. Lei de iniciativa parlamentar. Ausência de vício formal. Não ofende o art. 61, § 1º, II, b da Constituição Federal lei oriunda de projeto elaborado na Assembléia Legislativa estadual que trate sobre matéria tributária, uma vez que a aplicação deste dispositivo está circunscrita às iniciativas privativas do Chefe do Poder Executivo Federal na órbita exclusiva dos territórios federais. Precedentes: ADI n. 2.724, Rel. Min. Gilmar Mendes, DJ 2-4-04, ADI n. 2.304, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 15-12-2000 e ADI n. 2.599-MC, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 13-12-02. A reserva de iniciativa prevista no art. 165, II da Carta Magna, por referir-se a normas concernentes às diretrizes orçamentárias, não se aplica a normas que tratam de direito tributário, como são aquelas que concedem benefícios fiscais. Precedentes: ADI n. 724-MC, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 274-01 e ADI n. 2.659, Rel. Min. Nelson Jobim, DJ de 6-2-04. Ação direta de inconstitucionalidade cujo pedido se julga improcedente” (ADI 2.464, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 11-4-07, DJ de 25-5-07); “Ação direta de inconstitucionalidade: L. est. 2.207/00, do Estado do Mato Grosso do Sul (redação do art. 1º da L. est. 2.417/02), que isenta os aposentados e pensionistas do antigo sistema estadual de previdência da contribuição destinada ao custeio de plano de saúde dos servidores do Estado (...) Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente à invocação do art. 61, § 1º, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais” (ADI 3.205, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 1910-06, DJ de 17-11- 06). No mesmo sentido: ADI 2.392-MC, Rel. Min. Moreira Alves, julgamento em 28-3-01, DJ de 1º-8-03; ADI 2.474, Rel. Min. Ellen Gracie, julgamento em 19-3-03, DJ de 25-4-03; ADI 2.638, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 15-2-06, DJ de 9-6-06. 9 Nesse sentido, decidiu o Supremo Tribunal Federal: “Processo legislativo: matéria tributária: inexistência de reserva de iniciativa do Executivo, sendo impertinente a invocação do art. 61, § 1°, II, b, da Constituição, que diz respeito exclusivamente aos Territórios Federais” (STF – Pleno – ADin n° 2.304-7/RS – Medida Liminar – Rel. Min. Sepúlveda Pertence. Diário da Justiça, Seção I, 15 dez. 2000, p. 61). Assim, decidiu o Supremo Tribunal Federal que “a Constituição de 1988 admite a iniciativa parlamentar na instauração do processo legislativo em tema de direito tributário. A iniciativa reservada, por constituir matéria de direito estrito, não se presume e nem comporta interpretação ampliativa na medida em que – por implicar limitação ao poder de instauração do processo legislativo – deve, necessariamente, derivar de norma constitucional explícita e inequívoca. O ato de legislar sobre direito tributário, ainda que para conceder benefícios jurídicos de ordem fiscal, não se equipara – especialmente para os fins de instauração do respectivo processo legislativo – ao ato de legislar sobre o orçamento do Estado”. 104 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 4.1.2.2 – Iniciativa reservada à Câmara dos Deputados e ao Senado Federal A Constituição da República estabeleceu competência reservada para os projetos de lei sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados e do Senado Federal, o que decorre da previsão dos incisos IV do artigo 51 e XIII do artigo 52, combinados com o inciso II do artigo 63. Constituição da República – 1988 Art. 51. Compete privativamente à Câmara dos Deputados: Art. 52. Compete privativamente ao Senado Federal: Art. 63. Não será admitido aumento da despesa prevista: IV – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) XIII – dispor sobre sua organização, funcionamento, polícia, criação, transformação ou extinção dos cargos, empregos e funções de seus serviços, e a iniciativa de lei para fixação da respectiva remuneração, observados os parâmetros estabelecidos na lei de diretrizes orçamentárias; (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) II – nos projetos sobre organização dos serviços administrativos da Câmara dos Deputados, do Senado Federal, dos Tribunais Federais e do Ministério Público. 4.1.2.3 – Iniciativa reservada aos tribunais Os tribunais detêm competência privativa para propor a criação de novas varas judiciárias (artigo 96, I, “d”, CR). O Supremo Tribunal Federal e os Tribunais Superiores têm autoridade para propor a criação ou extinção dos tribunais inferiores, bem como a alteração do número de membros destes, a criação e a extinção de cargos e a fixação de vencimentos de seus membros, dos juízes, inclusive dos tribunais inferiores, dos serviços auxiliares dos juízos que lhes forem vinculados, e a alteração da organização e da divisão judiciária (artigo 96, II, “a”, “b”, “c” e “d”, CR), observado o disposto no artigo 169, CR, que diz respeito aos limites de despesa com pessoal (Lei de Responsabilidade Fiscal). Compete, ainda, privativamente, ao Supremo Tribunal Federal, a iniciativa da lei complementar sobre o Estatuto da Magistratura (artigo 93, CR). 4.1.2.4 – Iniciativa reservada ao Ministério Público A Constituição da República assegurou ao Ministério Público a iniciativa privativa para a introdução de projetos de lei sobre a criação ou a extinção de seus cargos ou de seus serviços auxiliares (artigo 127, § 2º, CR). Foi-lhe conferida, portanto, maior autonomia em relação à Constituição anterior. 105 EaD Aldemir Berwig 4.1.2.5 – Iniciativa conjunta de projeto de lei A Constituição da República inovou com a Emenda Constitucional nº 19/1998 em relação à previsão de iniciativa de lei para fixação do teto salarial previsto no seu inciso XI, do artigo 37. O inciso XV do artigo 48 estabelece que compete ao Congresso Nacional fixar, por meio de lei ordinária, o valor do subsídio dos ministros do Supremo Tribunal Federal, por projeto de iniciativa conjunta dos presidentes da República, da Câmara dos Deputados, do Senado Federal e do Supremo Tribunal Federal. 4.1.2.6 – Iniciativa popular de lei A iniciativa popular de lei decorrente do exercício da soberania popular prevista no artigo 14, III, CR, será proposta, mediante apresentação de projeto de lei que preencha os requisitos constitucionais, à Câmara dos Deputados (§ 2º, do artigo 61, CR). As Constituições estaduais devem prever, nos termos do § 4º do artigo 27 da Constituição Federal, a iniciativa popular de lei estadual. 4.1.3 – INICIATIVA VINCULADA A iniciativa vinculada consiste no estabelecimento de competência para iniciar o projeto de lei, na qual a apresentação do projeto é obrigatória por determinação constitucional. Está prevista nos artigos 84, XXIII, e 165, da Constituição da República, que preveem o envio, pelo chefe do Executivo Federal ao Congresso Nacional, do plano plurianual, do projeto de lei de diretrizes orçamentárias e do projeto de orçamentos anuais. A sistemática do controle judicial da omissão legislativa consagrada nos artigos 5º, LXXI, e 103, § 2º da Constituição da República, permite converter direito de iniciativa assegurado em dever de deflagrar o procedimento legislativo, ou, mais propriamente, em dever de legislar (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 78). Reconhecida a inconstitucionalidade da omissão, na decisão em mandado de injunção (artigo 5º, LXXI, CR) ou na ação direta de inconstitucionalidade por omissão (artigo 103, § 2º, CR), ficam os órgãos competentes pela iniciativa do processo legislativo obrigados a empreender a iniciativa reclamada.10 10 Ver Mandado de Injunção nº 107. Relator: Ministro Moreira Alves, In: Diário da Justiça de 21 de setembro de 1990. Também: “Mandado de injunção. Garantia fundamental (CF, art. 5º, inciso LXXI). Direito de greve dos servidores públicos civis (CF, art. 37, inciso VII). Evolução do tema na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). Definição dos parâmetros de competência constitucional para apreciação no âmbito da Justiça Federal e da Justiça estadual até a edição da legislação específica pertinente, nos termos do art. 37, VII, da CF. Em observância aos ditames da segurança jurídica e à evolução jurisprudencial na interpretação da 106 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Seção 4.2 Apresentação e Distribuição dos Projetos de Lei No Congresso Nacional, como já afirmamos anteriormente, a regra é que a propositura de projeto de lei seja apresentada à Câmara dos Deputados. A exceção ocorre unicamente quando a criação do projeto de lei decorrer de iniciativa de senador, quando será protocolada na própria Casa Legislativa. No caso da propositura na Câmara (artigos 82, § 4º e 101/RICD), se o projeto de lei for de deputado ou de Comissão, deverá ser apresentado durante as sessões ordinárias do Plenário. Nos demais casos, o projeto deverá ser exposto diretamente à Mesa, órgão diretor da Câmara dos Deputados. A distribuição será feita pelo presidente da Câmara por meio de um despacho de distribuição, enviando os projetos às Comissões competentes para apreciação. A definição das Comissões será feita com base na matéria tratada no projeto. Essas Comissões são chamadas temáticas e suas competências estão estabelecidas no respectivo Regimento Interno da casa legislativa. omissão legislativa sobre o direito de greve dos servidores públicos civis, fixação do prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção deferido para determinar a aplicação das Leis nºs 7.701/ 1988 e 7.783/1989. Sinais de evolução da garantia fundamental do mandado de injunção na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal (STF). No julgamento do MI n. 107/DF, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 21-9-1990, o Plenário do STF consolidou entendimento que conferiu ao mandado de injunção os seguintes elementos operacionais: i) os direitos constitucionalmente garantidos por meio de mandado de injunção apresentam-se como direitos à expedição de um ato normativo, os quais, via de regra, não poderiam ser diretamente satisfeitos por meio de provimento jurisdicional do STF; ii) a decisão judicial que declara a existência de uma omissão inconstitucional constata, igualmente, a mora do órgão ou poder legiferante, insta-o a editar a norma requerida; iii) a omissão inconstitucional tanto pode referir-se a uma omissão total do legislador quanto a uma omissão parcial; iv) a decisão proferida em sede do controle abstrato de normas acerca da existência, ou não, de omissão é dotada de eficácia erga omnes, e não apresenta diferença significativa em relação a atos decisórios proferidos no contexto de mandado de injunção; v) o STF possui competência constitucional para, na ação de mandado de injunção, determinar a suspensão de processos administrativos ou judiciais, com o intuito de assegurar ao interessado a possibilidade de ser contemplado por norma mais benéfica, ou que lhe assegure o direito constitucional invocado; vi) por fim, esse plexo de poderes institucionais legitima que o STF determine a edição de outras medidas que garantam a posição do impetrante até a oportuna expedição de normas pelo legislador. Apesar dos avanços proporcionados por essa construção jurisprudencial inicial, o STF flexibilizou a interpretação constitucional primeiramente fixada para conferir uma compreensão mais abrangente à garantia fundamental do mandado de injunção. A partir de uma série de precedentes, o Tribunal passou a admitir soluções ‘normativas’ para a decisão judicial como alternativa legítima de tornar a proteção judicial efetiva (CF, art. 5º, XXXV). Precedentes: MI n. 283, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, DJ 14-11-1991; MI n. 232/RJ, Rel. Min. Moreira Alves, DJ 27-3-1992; MI n. 284, Rel. Min. Marco Aurélio, Red. para o acórdão Min. Celso de Mello, DJ 26-6-1992; MI n. 543/DF, Rel. Min. Octavio Gallotti, DJ 24-5-2002; MI n. 679/DF, Rel. Min. Celso de Mello, DJ 17-12-2002; e MI n. 562/DF, Rel. Min. Ellen Gracie, DJ 20-6-2003. (...) Em razão da evolução jurisprudencial sobre o tema da interpretação da omissão legislativa do direito de greve dos servidores públicos civis e em respeito aos ditames de segurança jurídica, fixa-se o prazo de 60 (sessenta) dias para que o Congresso Nacional legisle sobre a matéria. Mandado de injunção conhecido e, no mérito, deferido para, nos termos acima especificados, determinar a aplicação das Leis n.s 7.701/1988 e 7.783/1989 aos conflitos e às ações judiciais que envolvam a interpretação do direito de greve dos servidores públicos civis” (MI 708, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgamento em 25-10-07, Plenário, DJE de 31-10-08). No mesmo sentido: MI 670, Rel. p/ o ac. Min. Gilmar Mendes, e MI 712, Rel. Min. Eros Grau, julgamento em 25-10-07, Plenário, DJE de 31-10-08 (grifos apostos). 107 EaD Aldemir Berwig O Regimento Interno da casa legislativa poderá prever, ainda, a criação de comissões temporárias (artigo 33 do RICD; artigo 74 do RISF), que poderão ser especiais (ou internas), de inquérito e externas, cujas competências são estabelecidas no próprio Regimento ou lhes são conferidas no próprio ato de criação, caso haja previsão. Havendo a propositura de projeto de lei, antes de efetivar a distribuição, a Mesa Diretora deverá verificar se não existe algum outro projeto em tramitação que trate da mesma matéria ou tema semelhante ou conexo. Nesse caso, ocorrerá a “distribuição por dependência”, determinando a apensação ao projeto em tramitação. Após datado e numerado, o projeto será tornado público pelos meios oficiais. Seção 4.3 Regimes de Tramitação dos Projetos de Lei 11 Os regimes de tramitação dos projetos de lei estarão previstos no Regimento Interno da respectiva casa legislativa e estabelecem o rito. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados (artigos 52, 151, 152 e 158 do RICD) prevê três regimes de tramitação: urgência, prioridade e ordinária. A principal diferença entre eles está relacionada aos prazos e às formalidades que a tramitação do projeto deve cumprir, como, por exemplo, a publicação e distribuição em avulsos ou por cópia. A tramitação ordinária, que é a regra, é o regime de tramitação mais longo, no qual o prazo das comissões é de 40 sessões para cada uma delas, ou seja, quando o projeto vai para outra comissão, esse prazo de 40 sessões se reinicia neste órgão. A tramitação em prioridade é estabelecida pelo próprio Regimento Interno: são os projetos de lei de iniciativa do presidente da República, do Poder Judiciário, do Ministério Público, da Mesa, de Comissão, do Senado Federal ou dos cidadãos. Neste regime, cada uma das Comissões têm um prazo de 10 sessões para apreciá-los. 11 Disponível em: <http://www.pimentanocafe102fm.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan 2011. 108 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA A tramitação de urgência decorre da dispensa de algumas exigências e formalidades regimentais, com exceção da publicação e distribuição, em avulsos ou cópias, dos pareceres das Comissões e do quorum para deliberação, mas o prazo é diminuído para 5 sessões, que corre simultaneamente para todas as comissões. Existem matérias cujos projetos já nascem urgentes devido ao próprio conteúdo e estão previstos no próprio Regimento. Outros projetos se tornam urgentes em virtude de requerimento aprovado pelo Plenário. Existe ainda a urgência urgentíssima. É um tipo de urgência que, embora não conste do Regimento Interno da Câmara e do Senado, está consagrada pelo uso. Significa que o projeto de lei poderá ser incluído automaticamente na Ordem do Dia da sessão plenária para discussão e votação imediata, ainda que a sessão já tenha iniciado, caso seja aprovado requerimento nesse sentido. Seção 4.4 Discussão Apresentado o projeto de lei ao Poder Legislativo, iniciam-se os debates para votação sobre a matéria (conjunta ou separadamente, dependendo da matéria, no caso do sistema bicameral). Nos termos do artigo 165 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados (RICD), “discussão é a fase dos trabalhos destinada ao debate em Plenário”. A disciplina sobre a discussão e instrução do projeto de lei é estabelecida pelos Regimentos Internos das Casas Legislativas. O projeto de lei aprovado por uma casa será revisto pela outra em um só turno de discussão e votação. Não há tempo prefixado para deliberação das Câmaras, salvo quando o projeto for de iniciativa do presidente e este formular pedido de apreciação sob regime de urgência (artigo 64, § 1º, CR). Em caso de regime de urgência, se ambas as Casas não se manifestarem cada qual, sucessivamente, em até 45 dias, o projeto será incluído na ordem do dia, ficando suspensas as deliberações sobre outra matéria até que seja votada a proposição do presidente (artigo 64, §§ 1º e 2º, CR). Seção 4.5 Emendas ao Projeto de Lei Proposto o projeto de lei, iniciam-se os debates para sua aprovação. Durante os debates a proposta poderá ser emendada pelos parlamentares, únicos que no direito brasileiro detêm competência para emendar o projeto de lei. Deve-se deixar claro, portanto, que nem 109 EaD Aldemir Berwig todo titular de competência para propor a iniciativa de lei tem competência para emendar a proposta. A reserva dessa competência aos parlamentares, segundo Ferreira Filho (2002, p. 209), decorre de que eles são membros do órgão que constitui o direito novo, apresentandose a emenda como reflexo desse poder. Isso significa que, após proposto o projeto de lei, o autor não poderá alterá-lo, havendo a possibilidade de retirá-lo e apresentá-lo novamente, reformulado. Admite-se, entretanto, que o autor altere a proposta sem retirá-lo unicamente nos casos de inclusão de dispositivos na proposta apresentada, jamais para suprimir dispositivo. Os parlamentares, como dito anteriormente, poderão emendar o projeto de lei em discussão. São cinco as possibilidades de emenda (artigo 118, RICD), que podem ser supressivas, substitutivas, aditivas, modificativas e aglutinativas. As supressivas são aquelas que suprimem todo um dispositivo: artigo, parágrafo, inciso ou alínea; as substitutivas são as que substituem parte da proposição ou a modificam por inteiro, propondo outro texto para a lei; as aditivas são as que acrescentam dispositivo inteiro ao futuro texto legal e podem ocorrer mediante acréscimo de artigo, parágrafo, inciso ou alínea; as modificativas acrescentam, suprimem ou modificam parte ou expressões no dispositivo; as aglutinativas resultam da fusão de emendas apresentadas ou das emendas com o próprio texto do projeto de lei. Mesmo, entretanto, que se diga que somente os parlamentares possam apresentar emendas ao projeto de lei, não significa que todo e qualquer parlamentar possa apresentálas a qualquer momento. Para propor emenda a projeto de lei é necessário observar em que fase da apreciação ele se encontra e verificar se é ou não cabível a emenda. Embora se diga que nem todo titular de iniciativa goza do poder de emenda, uma vez que esta faculdade é reservada aos parlamentares, uma prática comum na tramitação de projetos de lei é a possibilidade de alteração do projeto mediante a apresentação de mensagens aditivas. Essa alternativa tem seus limites, não podendo ser empregada para suprimir ou substituir dispositivos. A supressão ou a substituição somente poderá realizar-se pela retirada e posterior reapresentação do projeto. Seção 4.6 Deliberação parlamentar No sistema bicameral, o projeto de lei é proposto em uma das casas legislativas, é instruído e vai para aprovação, normalmente em Plenário; caso aprovado, segue para a outra casa legislativa, onde é novamente instruído e vai para votação também, pela regra, 110 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA em Plenário. Não necessitará ir a Plenário o projeto que baixar às comissões em caráter conclusivo ou terminativo. Durante a instrução do projeto de lei ele baixa às comissões (artigo 58, § 2º, I, CR), quando será analisada inicialmente sua constitucionalidade e, posteriormente, seu mérito, nas chamadas, respectivamente, Comissão de Constituição e Justiça e Comissões Temáticas. 12 Nos debates nas comissões, o projeto de lei poderá sofrer emendas ou ter substitutivo apresentado pelos parlamentares da respectiva casa legislativa, os quais serão analisados quanto aos aspectos constitucionais, legais, jurídicos, regimentais ou de técnica legislativa, e, no caso de emenda constitucional, de sua admissibilidade. Pedido de vista é um instrumento regimental concedido somente aos membros da Comissão, para que possam analisar mais detalhadamente o projeto. A vista do processo poderá ser individual ou conjunta e o prazo é estabelecido no Regimento Interno. É vedada a concessão a pedidos sucessivos e para projetos em regime de urgência. Apensação de proposição ocorre quando são anexados novos projetos de lei que tratem de matéria correlata ou conexa ao projeto que está sendo discutido na Comissão. Nesse caso, o projeto será devolvido ao Relator, que deverá proferir novo voto, considerando também o novo projeto que foi apensado. Uma vez aprovado nas comissões, tratando-se de análise conclusiva, o projeto seguirá para a Mesa da Casa Legislativa, onde aguardará o prazo recursal do artigo 58, § 2º, I, da CR; decorrido o prazo, será enviado para redação final e retorna à comissão competente para aprovação, seguindo novamente para a Mesa, que o encaminhará ao Senado Federal ou à Presidência da República; no primeiro caso, para revisão, no segundo, como casa revisora (artigo 58 do RICD). 12 O artigo 32 do Regimento Interno da Câmara dos Deputados estabelece as Comissões Permanentes e respectivos campos temáticos ou áreas de atividade, sendo elas: Comissão de Agricultura e Política Rural, Comissão de Ciência e Tecnologia, Comunicação e Informática, Comissão de Constituição e Justiça e de Redação, Comissão de Defesa do Consumidor, Meio Ambiente e Minorias, Comissão de Defesa Nacional, Comissão de Economia, Indústria e Comércio, Comissão de Educação, Cultura e Desporto, Comissão de Finanças e Tributação, Comissão de Minas e Energia, Comissão de Relações Exteriores, Comissão de Seguridade Social e Família, Comissão de Trabalho, de Administração e Serviço Público e Comissão de Viação e Transporte, Desenvolvimento Urbano e Interior. Por sua vez, o artigo 72, do Regimento Interno do Senado Federal, institui as seguintes comissões permanentes: Comissão de Assuntos Econômicos, Comissão de Assuntos Sociais, Comissão de Constituição, Justiça e Cidadania, Comissão de Educação, Comissão de Relações Exteriores e Defesa Nacional e Comissão de Serviços de Infraestrutura. 111 EaD Aldemir Berwig Apreciação conclusiva nas comissões Nomeada a Comissão para apreciação do projeto de lei, é designado um Relator e aberto o prazo para a apresentação de emendas, que pode variar conforme o Regimento Interno da casa legislativa.13 Na apreciação conclusiva, qualquer parlamentar pode apresentar emendas ao projeto, mesmo não pertencendo à Comissão. O Relator, responsável pela elaboração do parecer ao projeto de lei, pode apresentar emendas ao projeto durante a sua análise. Em regra, os prazos estabelecidos nos Regimentos são fixados em sessões ordinárias do Plenário da casa legislativa, mas eventualmente algum prazo pode ser contado em dias. É importante frisar que na análise de projetos de lei nas Comissões, qualquer parlamentar pode participar dos debates, inclusive com direito a uso da palavra, embora seja vedado tomar parte das votações, uma vez que apenas pode partilhar das votações naquela em que for membro integrante. Na votação (artigo 47 da CR; artigos 56, § 2º e 57, X a XV do RICD), a Comissão pode aprovar ou rejeitar o parecer do Relator, total ou parcialmente, com ou sem emendas ou com substitutivo. Recurso contra a votação conclusiva na comissão Como afirmamos, a votação conclusiva ocorre na própria Comissão mas poderá ser questionada se houver pronunciamento contrário de 10% dos membros da casa legislativa em decorrência de que julgarem que o projeto deva ser apreciado pelo Plenário. Neste caso (art. 58 do RICD), após o encerramento da apreciação conclusiva da matéria e pronunciamento de todas as comissões, o projeto é enviado à Mesa da casa legislativa, onde fica aguardando o recurso regimental. Caso não seja apresentado recurso, volta à Comissão para votação. Regras para as votações nas Comissões Se o parecer do Relator for aprovado, será considerado parecer da comissão. Caso a Comissão não acate o voto do Relator, será designado outro parlamentar para redigir o parecer que tenha sido aprovado pela comissão; o parecer rejeitado do Relator será considerado voto em separado. As votações nas comissões, em regra, são tomadas por maioria simples de votos, estando presente a maioria absoluta de seus membros, prevalecendo em caso de empate o voto do Relator, salvo disposição constitucional em contrário. O presidente de comissão terá direito a voto nas deliberações. Não se tratando de análise terminativa, o projeto seguirá para o plenário da Casa deliberativa principal, quando será discutido e votado nos termos do respectivo Regimento Interno. Tratando-se de lei ordinária, a aprovação do projeto de lei condiciona-se à maioria simples dos membros da respectiva Casa, ou seja, somente haverá aprovação pela maior quantidade dos votos, presente a maioria absoluta de seus membros, nos termos do artigo 47, da Constituição da República. Formas de apreciação dos projetos de lei São duas as formas de apreciação dos projetos de lei: a apreciação conclusiva ou terminativa (artigo 58, § 2º, I, CR; artigo 24, II, RICD; artigo 91, do RISF) e a apreciação pelo Plenário. A apreciação conclusiva ocorre nos casos em que a competência para a apreciação da matéria cabe apenas a uma ou mais Comissões, que têm o poder de aprová-los ou rejeitá-los, sem necessidade de o projeto ser discutido em Plenário. Caso, entretanto, um décimo dos parlamentares interponha recurso (artigo 132, RICD; artigo 91, § 3º, do RISF), será obrigatória a submissão ao Plenário para análise, discussão e aprovação. Já a apreciação sujeita à apreciação do Plenário, é a regra, e, neste caso, o Plenário debate o tema do projeto após a apreciação pelas Comissões para que a proposição vá ao Plenário; a apreciação é sujeita à deliberação do Plenário, quando este é quem dá a palavra final sobre o projeto, após a análise das Comissões. 13 Na Câmara dos Deputados o prazo é de cinco sessões. 112 A respeito da competência para analisar, discutir e aprovar os projetos de lei, é importante esclarecer que deverá estar estabelecida no Regimento Interno da Casa Legislativa. EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Atenção! O quorum constitucional de maioria simples corresponde a um número variável, pois, dependendo de quantos parlamentares estiverem presentes, este número poderá alterar-se. O que a Constituição da República exige é um quorum mínimo para instalação da sessão. Dessa forma, presentes, no mínimo, a maioria absoluta dos membros da respectiva Casa Legislativa, o projeto de lei poderá ser posto em votação, aplicando-se como quorum de votação a maior parte dos presentes. Devemos, portanto, diferenciar o quorum para instalação da sessão, do quorum de votação de um projeto de lei ordinária.14 Na Casa Revisora, igualmente, o projeto de lei será analisado pelas Comissões, discutido e votado. Se o projeto de lei for aprovado nos mesmos termos da Casa Inicial, seguirá para o presidente da República. Sendo rejeitado o projeto de lei, a matéria nele constante somente poderá constituir objeto de novo projeto na próxima sessão legislativa. Poderá, entretanto, ser reapresentada mediante proposta da maioria absoluta dos deputados federais ou dos senadores da República, conforme anota o artigo 67 da Constituição da República. Caso o projeto de lei seja aprovado com alterações, retornará à Casa Legislativa inicial para análise e votação das alterações em turno único. Na Casa Inicial, as alterações passam pela Comissão de Constituição e Justiça, seguindo para votação. Importante ressaltar que, em face do bicameralismo, sempre que houver emenda ao projeto de lei pela Casa Revisora o projeto deverá retornar à Casa Inicial para que seja analisada e aprovada ou não (artigos 285, 286 e 287 do RISF). 14 Assim, por exemplo, se estiverem presentes os 513 deputados federais, teremos quorum para instalação da sessão, e para a aprovação do projeto de lei ordinária haverá necessidade da maioria dos presentes, ou seja, 257 deputados. Se, porém, estiverem presentes 300 deputados federais, igualmente teremos quorum para instalação da sessão, porém a aprovação do projeto de lei ordinária dar-se-ia com 151 votos. Se estiverem presentes 260 deputados, haverá necessidade de 131 votos favoráveis para aprovação do projeto de lei. Uma vez, e somente se aprovado o projeto de lei por uma das Casas, seguirá para a outra, que exercerá o papel de Casa Revisora. A Constituição Federal determina que o projeto de lei aprovado por uma Casa será revisto pela outra em um só turno de discussão e votação (CF, artigo 65, caput). 113 EaD Aldemir Berwig O que é quorum? Quorum é a exigência constitucional ou regimental de número mínimo de parlamentares que devem estar presentes para a prática de determinado ato ou que devam se manifestar a respeito de determinada matéria. Quorum de abertura de sessão é o número mínimo de parlamentares exigido para o início de uma sessão. Quorum de deliberação é o número mínimo de parlamentares que devem estar presentes em uma reunião de comissão ou sessão do Plenário para que se possa deliberar sobre qualquer matéria. Esse número é fixado constitucionalmente e corresponde à maioria absoluta do total de membros da comissão ou da casa legislativa , conforme o caso. Quorum de maioria absoluta corresponde a mais da metade dos membros da casa legislativa. Quorum qualificado ou especial é qualquer quorum superior ao de maioria simples. Quorum de aprovação é o número mínimo de votos necessários para que determinada matéria seja aprovada. Seção 4.7 Apreciação do Projeto de Lei no Plenário Como vimos, o projeto de lei tramita primeiro nas comissões de mérito para depois seguir à discussão em Plenário, caso não haja aprovação conclusiva nas comissões. A última, em regra, será a Comissão de Constituição e Justiça, para análise de constitucionalidade do projeto de lei. No Plenário, a discussão tem início quando for anunciado o projeto na Ordem do Dia. Em regra, a discussão é sobre o projeto como um todo, mas, quando muito extensa, poderá ser feita por títulos, capítulos, seções ou grupos de artigos. A apreciação no Plenário da Casa Legislativa acontecerá quando não houver previsão de aprovação nas comissões. Caso o projeto tenha recebido pareceres favoráveis de todas as comissões, poderá haver dispensa da discussão mediante requerimento de um Líder, sem impedimento de apresentação de emendas, quando ocorrerá a votação. O parlamentar que desejar discutir matéria incluída na Ordem do Dia deverá se inscrever previamente junto a Mesa e, no momento da inscrição, deverá declarar sua posição favorável ou contrária à matéria. O orador que não estiver presente no momento em que for chamado, perderá a oportunidade e não poderá se pronunciar posteriormente. Em regra, cada parlamentar pode pronunciar-se somente uma vez, durante o tempo estabelecido no Regimento. Somente o Autor e o Relator do projeto de lei poderão pronunciar-se duas vezes. É permitida a solicitação de aparte por um parlamentar enquanto outro faz seu pronunciamento. O aparte, que deverá ser autorizado pelo orador, consiste em breve intervenção visando a um esclarecimento ou questionamento sobre algum ponto da matéria em discussão. 114 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Antes de iniciada a discussão pode ser adiada uma única vez, mediante requerimento de Líder, Autor ou Relator, e desde que aprovado pelo Plenário. Para os projetos urgentes, o adiamento será no máximo por duas sessões; nos demais casos, no máximo por dez sessões. O encerramento da discussão poderá ocorrer pela ausência de oradores, pelo decurso dos prazos regimentais ou por decisão do Plenário. As emendas ao projeto de lei sujeitos à apreciação no Plenário serão apresentadas no momento de discussão, antes de iniciada a votação, por qualquer deputado ou Comissão. Encerrada a discussão, sem emendas, passa-se à votação do projeto, com a presença de maioria absoluta de parlamentares em Plenário. A regra geral para se aprovar um projeto de lei ordinária é a maioria simples de votos, que corresponde ao número de votos favoráveis superior ao número de votos contrários. Se pegarmos como exemplo a Câmara de Deputados, veremos que é necessária a presença absoluta, ou seja, 257 deputados. Para aprovar o projeto de “lei ordinária”, será necessária a aprovação por, no mínimo, 129 votos favoráveis, se estiverem presentes apenas 257 Deputados. Se o projeto for de “lei complementar ”, serão precisos 257 votos favoráveis. Na votação, o parlamentar poderá abster-se de participar da votação, registrando “abstenção”; poderá também votar em branco, no caso de se declarar impedido de votar. As abstenções e os votos em branco são considerados para efeito de quorum. Essa observação é importante, pois a ausência ou inobservância de quorum mínimo pode levar à anulação da votação. No Senado Federal segue-se a mesma lógica citada. Para aprovar o projeto de lei é necessária a presença de maioria absoluta dos 81 senadores: portanto, presença mínima de 41. Se for projeto de “lei ordinária”, será preciso o voto favorável de, no mínimo, 21 senadores, caso estejam presentes o mínimo de 41; se projeto de “lei complementar ”, será necessário o voto favorável de 41 senadores. 115 EaD Aldemir Berwig Importante! Os projetos de lei deverão, sempre, ser aprovados por ambas as Casas Legislativas; retornam à Casa Inicial somente em caso de emendas na Casa Revisora; se houver aprovação por uma das Casas e rejeição por parte da outra, o projeto de lei será arquivado, somente podendo ser reapresentado nos termos do artigo 67, da Constituição da República. Após a aprovação do projeto de lei pelo Congresso Nacional, esse seguirá para o autógrafo que constitui o instrumento formal de apresentação do texto definitivamente aprovado pelo Poder Legislativo, antes de ser remetido ao presidente da República. O autógrafo equivale à cópia autêntica da aprovação parlamentar do projeto de lei, devendo refletir, com fidelidade, em seu conteúdo intrínseco, as transformações introduzidas na proposição legislativa e o resultado da deliberação parlamentar. Seção 4.8 Prazo para Deliberação Parlamentar A Constituição da República, como regra, não fixou prazo para que o Poder Legislativo exerça sua função legiferante. Dessa forma, ressalvados os prazos eventualmente fixados no regimento interno de cada uma das Casas, inexiste outra determinação. Há, entretanto, uma exceção prevista no artigo 64, § 1º, da Constituição da República, que estabelece o chamado “ regime de urgência constitucional” ou “processo legislativo sumário”. Esse regime não exclui o pedido de urgência para apreciação de determinado projeto de lei no âmbito de cada uma das Casas Legislativas, porém essa disciplina é regimental. O Regimento Interno do Senado Federal prevê a possibilidade de urgência no artigo 336, enquanto o Regimento interno da Câmara dos Deputados disciplina o assunto no artigo 152. O regime de urgência constitucional (CF, artigo 64, §§ 1° a 4°) depende da vontade do presidente da República, ao qual é concedida a faculdade de solicitar urgência para apreciação de projetos de sua iniciativa, seja privativa, seja concorrente. Neste caso, nos termos do já citado artigo 64, caput, a Câmara dos Deputados realizará a deliberação principal, cabendo ao Senado Federal a deliberação revisional. Para este procedimento legislativo especial, dois são os requisitos constitucionais: projetos de iniciativa do presidente da República e solicitação ao Congresso Nacional. 116 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Cada uma das Casas Legislativas terá o prazo de 45 dias, sucessivamente, para apreciação do projeto de lei. Além disso, a apreciação de eventuais emendas do Senado Federal (como Casa Revisora) pela Câmara dos Deputados, deverá ser feita no prazo de dez dias. Considerando esses prazos, é possível dizer que o processo sumário não poderá exceder a cem dias. Caso seja desrespeitado esse prazo em decorrência de que cada uma das casas legislativas não se manifestar no prazo de 45 dias, será o projeto incluído na ordem do dia, sobrestando-se a deliberação quanto aos demais assuntos, com exceção das matérias que tenham prazo constitucional determinado, como é o caso das medidas provisórias, até que se ultime a votação. É vedada a ocorrência do processo legislativo sumário durante o recesso do Congresso Nacional. Seção 4.9 O Projeto de Iniciativa Reservada Pode Ser Emendado? A Constituição da República veda emenda aos projetos de lei de iniciativa reservada (artigo 63, I e II, CR) unicamente quando aumentem a despesa prevista originalmente. É jurídica e perfeitamente possível, portanto, a apresentação de emendas a qualquer projeto de lei oriundo de iniciativa reservada, desde que não implique aumento de despesa por flagrante ofensa ao princípio de independência e harmonia entre os Poderes da República. 4.9.1 – É POSSÍVEL EMENDA AO PROJETO DE LEIS ORÇAMENTÁRIAS? As leis orçamentárias são de competência reservada ao chefe do Executivo (artigo 165, CR). Tal como afirmamos anteriormente, entretanto, a Constituição não impede a apresentação de emendas ao projeto de lei orçamentária. Elas, todavia, deverão ser compatíveis com o plano plurianual e com a lei de diretrizes orçamentárias e devem indicar os recursos necessários, sendo admitidos apenas aqueles provenientes de anulação de despesa (artigo 166, § 3º, CR). Há vedação expressa (artigo 166, § 4º, CR) unicamente em relação às emendas ao projeto de lei de diretrizes orçamentárias que não guardem compatibilidade com o plano plurianual. 117 EaD Aldemir Berwig Seção 4.10 Votação 15 A votação da matéria legislativa constitui ato coletivo de cada uma das Casas do Congresso. Realiza-se, normalmente, após a instrução do projeto nas comissões e dos debates no Plenário. Essa decisão toma-se da seguinte forma: – maioria simples (maioria dos membros presentes) para aprovação dos projetos de lei ordinária – desde que presente a maioria absoluta de seus membros: 254 deputados (são 513 no total) na Câmara dos Deputados e 41 senadores (são 81 no total) no Senado Federal (artigo 47, CR); – maioria absoluta dos membros das Câmaras para aprovação dos projetos de lei complementar – 257 deputados e 42 senadores – (artigo 69); e, – maioria de três quintos dos membros das Casas do Congresso para aprovação de emendas constitucionais – 309 deputados e 51 senadores – (artigo 60, § 2º, CR). Seção 4.11 Deliberação do Poder Executivo ao Projeto de Lei Aprovado Concluída a deliberação parlamentar, o projeto de lei aprovado pelo Congresso Nacional é remetido ao chefe do Executivo para deliberação, podendo ser sancionado ou vetado. A sanção ou o veto pelo chefe do Executivo incidirão sobre o autógrafo, o qual deve retratar fielmente o projeto aprovado pelo Poder Legislativo. A existência da participação do Poder Executivo, além dos casos de iniciativa, na elaboração das leis, justifica-se pela ideia de interrelacionamento entre os Poderes do Estado e visa ao controle recíproco. 15 Disponível em: <http://www.apaginadavida.blogspot.com>. Acesso em: 10 jan. 2011. 118 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 4.11.1 – QUAL A NATUREZA JURÍDICA DA DELIBERAÇÃO DO PODER EXECUTIVO? Muito tem discutido a doutrina sobre a natureza jurídica da participação do Poder Executivo no processo de elaboração das leis. Hilda de Souza (1998, p. 212-214), fundamentada nos posicionamentos de Temer e Rodrigues, defende a ideia de que os atos de deliberação do Poder Executivo para vetar ou sancionar o projeto de lei já aprovado no Poder Legislativo, não integram propriamente o processo legislativo e, por tal motivo, somente as fases que estiverem tramitando neste último Poder é que devem ser consideradas competência legislativa. Assim, para a autora, os atos de deliberação pelo chefe do Executivo, seja para sancionar ou para vetar o projeto de lei aprovado, são atos executivos, não legislativos. Para a autora, são meras “formalidades exclusivamente burocráticas” (p. 114). “Esses atos, embora integrantes da cadeia sucessiva de atos do processo legislativo, não são de natureza legislativa. Ao contrário, consubstanciam-se o exercício de um Poder, de natureza executiva, atribuído ao Chefe deste Poder ” (p. 103). Esse não nos parece o melhor entendimento em razão de que o processo de elaboração legislativa é um conjunto de atos que decorrem do exercício de uma função estatal, a “função legislativa”. Afirmar que a participação do Executivo na elaboração da lei não caracteriza o exercício de função legislativa, terminaria por nos induzir a afirmar erroneamente que cada um dos Poderes exerce exclusivamente a sua função precípua, quando é por demais conhecido entre nós que cada um dos Poderes tem uma função principal mas que a Constituição da República lhes estabelece outras, de forma secundária, mediante as competências funcionais. Nos parece, portanto, que as deliberações do chefe do Executivo acerca do projeto de lei aprovado pelo Poder Legislativo têm natureza legislativa. São competências de natureza legislativa conferidas ao chefe do Poder executivo pela constituição da República. É a compreensão de José Afonso da Silva (1990, p. 454), para quem trata-se de “ato legislativo de competência exclusiva do Presidente da República”, posto que “a matriz da compreensão encontra-se no fato de que ao Poder Executivo também são cometidas atribuições legislativas, pela própria Constituição, e que ao colaborar com o Poder Legislativo, vetando ou sancionando um projeto de lei, está exercitando funções propriamente legislativas, decorrente de seu poder constitucional de, nos casos previstos, exercer funções legislativas, também ele, integrando-se como legislador no Processo Legislativo” (Souza, 1998, p. 112). 119 EaD Aldemir Berwig 4.11.2 – SANÇÃO É a concordância do chefe do Executivo aos termos do projeto de lei devidamente aprovado pelo Poder Legislativo. Poderá ser: expressa, quando o chefe do Executivo manifesta-se favoravelmente no prazo de 15 dias úteis; tácita, quando silencia nesse mesmo prazo. Fórmula utilizada no caso de sanção expressa: O PRESIDENTE DA REPÚBLICA. Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte Lei: (...) Exemplo de lei promulgada após a verificação da sanção tácita: Lei no 8.172, de 18 de janeiro de 1991. Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL aprovou, o Presidente da República, nos termos do § 3º do art. 66 da Constituição, sancionou, e eu, NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado Federal, nos termos do § 7º do mesmo artigo, promulgo a seguinte Lei: Restabelece o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico. Art. 1º Fica restabelecido o Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico – FNDCT, criado pelo Decreto-Lei no 719, de 31 de julho de 1969. Art. 2º Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação, produzindo os efeitos a partir de 5 de outubro de 1990. Art. 3º Revogam-se as disposições em contrário. Senado Federal, em 18 de janeiro de 1991. Nelson Carneiro Presidente. 4.11.3 – VETO É a manifestação de discordância ao projeto de lei pelo chefe do Executivo, aprovado pelo Poder Legislativo no prazo de 15 dias úteis, contados do seu recebimento. Ponto que não apresenta unanimidade entre os doutrinadores diz respeito à natureza jurídica do veto. Alguns entendem que se trata de um direito; outros, de poder; por fim, alguns entendem que se trata de um poder-dever. Nos parece que a melhor compreensão é a terceira, que o entende como um poder-dever ou “dever-poder ”, como afirma Mello (2001). O chefe do Executivo veta pelas razões expressas no § 1º, do artigo 66, CR, em razão de sua competência: trata-se de dever; por outro lado, faz uso da competência para atender o interesse maior do ente político-administrativo e da coletividade: é o exercício do poder. 120 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Existem dois fundamentos para o veto do chefe do Executivo: vetá-lo por entendê-lo inconstitucional (aspecto jurídico) ou contrário ao interesse público (aspecto político). No primeiro caso teremos o chamado veto jurídico, enquanto no segundo, o veto político. O veto é irretratável, pois, uma vez manifestado e comunicadas as razões ao Poder Legislativo, tornar-se-á insuscetível de alteração de opinião do presidente da República. Além disso, é importante dizer que o veto parcial somente abrangerá texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. Exemplo de veto por inconstitucionalidade: Veto ao artigo 39, inciso X, do Projeto de Lei que dispunha sobre a proteção do consumidor, convertido na Lei nº 8.078, de 11 de setembro de 1990: Art. 39. É vedado ao fornecedor de produtos ou serviços: Inciso X – praticar outras condutas abusivas. Razões de veto: O princípio do Estado de Direito (Constituição, art. 1º) exige que as normas legais sejam formuladas de forma clara e precisa, permitindo que os seus destinatários possam prever e avaliar as conseqüências jurídicas dos seus atos.16 Exemplo de veto em razão de contrariedade ao interesse público: Veto do § 2º do artigo 231 do Projeto de Lei que instituía o Regime Único dos servidores públicos. Art. 231. (...) § 2º O custeio da aposentadoria é de responsabilidade integral do Tesouro Nacional. Razões do veto: A matéria acha-se adequadamente disciplinada nos arts. 183 e 231, caput. Assim, ao estabelecer que o custeio da aposentadoria é de responsabilidade integral do Tesouro, o § 2º do art. 231 revela manifesta incongruência frente aos textos referidos, podendo gerar equívocos indesejáveis. 16 Mensagem no 664, de 11 de setembro de 1990, publicada no Diário Oficial da União de 12 de setembro de 1990 (apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 108). 121 EaD Aldemir Berwig 4.11.3.1 – Características do veto a) quanto aos fundamentos, o veto pode ser jurídico (inconstitucionalidade) ou político (contrariedade ao interesse público); b) quanto à forma, o veto deverá ser expresso: sempre decorre da manifestação expressa do chefe do Executivo, no prazo de 15 dias úteis, pois o silêncio ocasiona a sanção tácita. c) Quanto à motivação deverá ser motivado: o veto expresso deverá ser sempre motivado para que se conheçam as razões que levaram a ele. Decorre da necessidade de que se dê conhecimento ao Poder Legislativo e à sociedade sobre as razões que levaram ao veto; é necessário, pois o Poder Legislativo deverá examinar as razões do veto para mantê-lo ou derrubá-lo, visando, neste último caso, a sua promulgação. d) quanto à extensão, o veto pode ser total ou parcial: o chefe do Executivo poderá vetar total ou parcialmente o projeto de lei aprovado pelo Legislativo, desde que esta parcialidade somente alcance texto integral de artigo, de parágrafo, de inciso ou de alínea. É vedado o veto de palavras, frases ou orações isoladas pois fere a boa técnica legislativa. e) quanto aos efeitos poderá ser apenas supressivo: no Direito brasileiro o veto somente poderá determinar a supressão de parte da lei, sendo vedado qualquer acréscimo. f) quanto ao efeito, o veto é relativo: é relativo em razão de que poderá ser derrubado pela maioria absoluta dos deputados e senadores, em escrutínio secreto e sessão conjunta do Congresso Nacional. O veto apenas impede a imediata conversão do projeto em lei, sem prejudicar sua posterior análise pelo Poder Legislativo que poderá, rejeitando -o, reencaminhá-lo ao Executivo para promulgação e publicação da lei. g) quanto à devolução, a atribuição para apreciar o veto é confiada, exclusivamente, ao Poder Legislativo (veto legislativo). 4.11.3.2 – Tramitação do veto Sendo vetado o projeto de lei, ele retorna ao Poder Legislativo, quando será apreciado. Se parte do projeto tiver veto parcial, apenas o texto vetado retornará ao Legislativo para apreciação e deliberação. A parte sancionada deverá ser, no prazo de 48 horas, promulgada e publicada. A votação sobre a manutenção ou derrubada do veto será realizada em escrutínio secreto, no prazo de 15 dias. Derrubado o veto, será encaminhado ao chefe do executivo para promulgação; mantido o veto, será arquivado. Esgotado o prazo de 15 dias úteis sem deliberação, o veto será colocado na ordem do dia da sessão imediata, sobrestadas todas as proposições, até sua votação final. 122 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Seção 4.12 Fase Complementar A fase complementar compreende a promulgação e a publicação da lei, posto que a primeira lhe dá vigência enquanto a segunda lhe dá notoriedade, da qual decorre sua obrigatoriedade. 4.12.1 – PROMULGAÇÃO Promulgar é atestar que a ordem jurídica foi inovada, declarando que uma lei existe e deve ser cumprida. A promulgação incide sobre um ato perfeito e acabado, a própria lei. O projeto aprovado pelo Legislativo torna-se lei com a sanção do chefe do Executivo ou, em caso de veto, com sua derrubada por parte do Legislativo, uma vez que a promulgação refere-se à própria lei. Segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 110), a promulgação atesta a existência da lei, produzindo dois efeitos básicos: a) reconhece os fatos e atos geradores da lei; b) indica que a lei é válida. 4.12.2 – OBRIGATORIEDADE DE PROMULGAR A promulgação das leis compete ao chefe do Executivo (artigo 66, § 7º, CR) no prazo de 48 horas decorrido da sanção ou da superação do veto. Neste último, não havendo promulgação, esta competirá ao presidente do Senado Federal, que disporá, igualmente, de 48 horas para fazê-lo; se este não o fizer, deverá fazê-lo o vice-presidente do Senado, em prazo idêntico. 4.12.3 – CASOS E FORMAS DE PROMULGAÇÃO A complexidade do processo legislativo, também na sua fase conclusiva – sanção, veto, promulgação –, faz com que haja a necessidade de se desenvolverem formas diversas de promulgação da lei. Podem ocorrer as seguintes situações (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 111): 123 EaD Aldemir Berwig a) o projeto é expressamente sancionado pelo presidente da República, verificando-se a sua conversão em lei. Nesse caso, a promulgação ocorre concomitantemente à sanção; b) o projeto é vetado, mas o veto é rejeitado pelo Congresso Nacional, que o converte, assim, em lei. Não há sanção nesse caso, devendo a lei ser promulgada mediante ato solene (Constituição, artigo 66, § 5º); c) o projeto é convertido em lei mediante sanção tácita. Nessa hipótese, compete ao presidente da República – ou, no caso de sua omissão, ao presidente ou ao vice-presidente do Senado – proceder à promulgação solene da lei. Exemplos de Atos Promulgatórios de Lei: a) Sanção expressa e solene: O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: (...) b) Promulgação pelo presidente da República de lei resultante de veto total rejeitado pelo Congresso Nacional: O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional manteve e eu promulgo, nos termos do art. 66, § 5º, da Constituição, a seguinte Lei: (...) c) Promulgação pelo presidente do Congresso Nacional de lei resultante de veto total rejeitado: O Presidente do SENADO FEDERAL promulga, nos termos do art. 66, § 7º, da Constituição Federal, a seguinte Lei, resultante de Projeto vetado pelo Presidente da República e mantido pelo Congresso Nacional: (...) d) Parte vetada pelo presidente da República e mantida pelo Congresso Nacional: O Presidente da República: Faço saber que o Congresso Nacional manteve e eu promulgo, nos termos do art. 66, § 5º, da Constituição, o seguinte (ou seguintes dispositivos) da Lei nº ..., de..., de ..., de 1991: (...). e) Promulgação pelo presidente do Senado Federal de parte vetada pelo presidente da República e mantida pelo Congresso Nacional: O Presidente do Senado Federal: Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL manteve, e eu, NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado Federal, nos termos do § 7º, do art. 66, da Constituição Federal, promulgo a seguinte parte da Lei nº 7.712, de 22 de dezembro de 1988: (...). 124 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA f) Promulgação pelo presidente do Senado Federal de lei sancionada tacitamente pelo presidente da República: Faço saber que o CONGRESSO NACIONAL aprovou, o Presidente da República, nos termos do § 3º do art. 66 da Constituição, sancionou, e eu, NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado Federal, nos termos do § 7º do mesmo artigo promulgo a seguinte Lei: (...). g) Promulgação pelo presidente do Senado Federal de Lei resultante de Medida Provisória integralmente aprovada pelo Congresso Nacional: Faço saber que o Presidente da República adotou a Medida Provisória nº 293, de 1991, que o Congresso Nacional aprovou e eu, NELSON CARNEIRO, Presidente do Senado Federal, para os efeitos do disposto no parágrafo único do art. 62 da Constituição Federal, promulgo a seguinte Lei: (...). Seção 4.13 Publicação 17 A publicação consiste em trazer a conhecimento de toda a coletividade a existência da lei, de seu conteúdo e do início de vigência, mediante a inserção do texto promulgado na íntegra no Diário Oficial, para que se torne de conhecimento público, sendo condição de vigência e eficácia da lei. A lei estabelece a forma oficial de publicidade das leis. No âmbito federal, as leis e demais atos normativos são publicados no Diário Oficial da União. 4.13.1 – A SANÇÃO DE PROJETO DE LEI CONVALIDA O VÍCIO DE INICIATIVA? A questão que já ocupou os Tribunais e o Supremo Tribunal Federal afirmou, inicialmente, que “a falta de iniciativa do Executivo fica sanada com a sanção do projeto de lei” (Súmula nº 5). Tal entendimento, entretanto, foi deixado de lado, e hoje a orientação é de que a sanção não supre defeito de iniciativa.18 17 Disponível em: <http://www.sites.google.com>. Acesso em: 10 jan. 2011. 18 “A sanção do projeto de lei não convalida o vício de inconstitucionalidade resultante da usurpação do poder de iniciativa. A ulterior aquiescência do Chefe do Poder Executivo, mediante sanção do projeto de lei, ainda quando dele seja a prerrogativa usurpada, não tem o condão de sanar o vício radical da inconstitucionalidade. Insubsistência da Súmula n. 5/STF. Doutrina. Precedentes.” (ADI 2.867, Rel. Min. Celso de Mello, julgamento em 3-12-03, DJ de 9-2-07). No mesmo sentido: ADI 2.113, Rel. Min. Cármen Lúcia, julgamento em 4-3-09, Plenário, DJE de 21-8-09; ADI 1.963-MC, Rel. Min. Maurício Corrêa, julgamento em 18-3-99, DJ de 7-599; ADI 1.070, Rel. Min. Sepúlveda Pertence, julgamento em 29-3-01, Plenário, DJ de 25-5-01. 125 EaD Aldemir Berwig 4.13.2 – PUBLICAÇÃO E INÍCIO DA VIGÊNCIA DA LEI A entrada em vigor da lei subordina-se aos seguintes critérios (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 111): a) o da data de sua publicação; b) o do dia prefixado ou do prazo determinado, depois de sua publicação; c) o do momento em que ocorrer certo acontecimento ou se efetivar dada formalidade nela previstos, após sua publicação; d) o da data que decorre de seu caráter. 4.13.3 – CLÁUSULA DE VIGÊNCIA Até o advento da Lei Complementar nº 95, de 1998, a cláusula de vigência era apresentada com a seguinte expressão: “Esta Lei entra em vigor na data de sua publicação”. Hoje, ainda, a fórmula é indistintamente utilizada, pelo menos no âmbito da legislação municipal. A Lei Complementar nº 95/1998 dispôs em seu artigo 8º que as leis passariam a indicar o início da vigência de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que delas se tenha conhecimento, reservando-se a expressão referida apenas para as leis de pequena repercussão. Assim, no caso das leis que tenham impacto nas relações jurídicas, a cláusula padrão passou a ser: Esta Lei entra em vigor após decorridos .....dias de sua publicação oficial. Caso a lei silencie sobre o início da vigência da lei, deverá ser aplicado o princípio estabelecido no artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil (Decreto-Lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942, artigo 1º): Salvo disposição contrária, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias depois de oficialmente publicada. 4.13.4 – VACATIO LEGIS Vacatio legis é o período intercorrente entre a publicação da lei e a sua entrada em vigor. Será o período anterior ao início da vigência, previsto na lei, ou, no silêncio desta, o prazo de 45 dias após a publicação da lei. Enquanto não transcorrer o prazo da vacatio legis, continua em vigor a lei anterior sobre a mesma matéria. 126 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA A vacatio legis é contada em dias corridos, com exclusão do primeiro e inclusão do último, computados domingos e feriados (dies a quo non computatur in termino; dies termini computatur in termino). Não se aplica para o cômputo da vacatio legis o princípio da prorrogação para o dia útil imediato quando o último dia do prazo for domingo ou feriado. A vacatio legis é disciplinada pelas normas estabelecidas na Lei de Introdução ao Código Civil. 4.13.5 – VACATIO LEGIS E O INÍCIO DA OBRIGATORIEDADE DA LEI BRASILEIRA NO ESTRANGEIRO Quando admitida, a lei brasileira torna-se obrigatória nos Estados estrangeiros 90 dias após sua publicação (Lei de Introdução ao Código Civil, artigo 1º, § 1º). 4.13.6 – VACATIO LEGIS E NORMAS COMPLEMENTARES, SUPLEMENTARES E REGULAMENTARES Diferentemente do que se possa entender, não é apenas durante o prazo que a lei estabelece para que entre em vigor, que se verifica a vacatio legis. Ocorre também quando esta, para ser executada, reclama ou exige a edição de normas complementares, suplementares ou regulamentares (Rao apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 112). Tem-se pois, nesse caso, um intervalo de tempo entre a publicação da lei e o início de sua obrigatoriedade, que há de se encerrar, em princípio, com a entrada em vigor dessas normas derivadas ou secundárias. 4.13.7 – VACATIO LEGIS E REPUBLICAÇÃO DO TEXTO PARA CORREÇÃO Caso o ato normativo contenha incorreções ou erros materiais ao ser publicado, deverá ocorrer nova publicação, parcial ou total, com o texto retificado. Se republicação da lei ocorrer antes do início da vigência, a parte republicada terá prazo de vigência contado a partir da nova publicação (artigo 1º, § 3º, LICC). As emendas ou as correções à lei que já tenha entrado em vigor são consideradas lei nova (artigo 1º, § 4º, LICC), seguindo as regras antes estabelecidas para início da vigência. 127 EaD Aldemir Berwig SÍNTESE DA UNIDADE 4 Nesta quarta Unidade abordamos as fases de desenvolvimento do processo legislativo indicando a atribuição de cada órgão na elaboração da lei, desde a iniciativa até a sua publicação. Demonstramos que a elaboração da lei não é competência exclusiva do Poder Legislativo, enfatizando que o papel de cada um dos Poderes ressalta segundo a competência estabelecida em lei, assunto já indicado também em Unidade anterior. Argumentamos sobre os regimes de tramitação dos projetos de lei e os requisitos para a deliberação parlamentar, enfatizando as regras para votação no Plenário e nas Comissões, neste caso, quando se tratar de deliberação conclusiva. 128 EaD Unidade 5 PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA FORMA E ESTRUTURA DA LEI SEGUNDO A LEI COMPLEMENTAR Nº 95/1998 OBJETIVOS DESTA UNIDADE • Apresentar, a partir das regras estabelecidas na Lei Complementar nº 95/1998, a estrutura da lei, que compreende a ordem legislativa, a matéria legislada e suas partes. • Analisar as especificidades necessárias para produzir uma boa lei e torná-la facilmente interpretável, isenta de controvérsias, e a necessidade atual de consolidação legislativa como forma de tornar mais claro o ordenamento jurídico. AS SEÇÕES DESTA UNIDADE Seção 5.1 – Ordem legislativa Seção 5.2 – Vigência da lei Seção 5.3 – Cláusula de revogação Seção 5.4 – Repristinação Seção 5.5 – Fecho da lei Seção 5.6 – Assinatura e referenda Seção 5.7 – Parte normativa da lei Seção 5.8 – Desenvolvimento de uma lei Seção 5.9 – Organização interna da lei Seção 5.10 – Critérios de sistematização Seção 5.11 – Remissões legislativas Seção 5.12 – Consolidação da legislação 129 EaD Aldemir Berwig O artigo 1º da Lei Complementar nº 95/1998 estabelece regras obrigatórias para a elaboração dos atos normativos previstos no artigo 59 da Constituição da República, e, também, aos atos normativos administrativos de competência do Poder Executivo Federal. Peca por falta de precisão quanto ao alcance de suas normas, não se podendo afirmar que seja de observância obrigatória a todos os órgãos públicos, embora fosse desejável. O artigo 2º da lei nos revela a dimensão das normas que deverão seguir seus dispositivos: as emendas à Constituição Federal e as leis complementares, ordinárias e delegadas, aparentemente em virtude do respeito à autonomia dos entes político-administrativos. Feitas essas considerações, passemos à análise das normas previstas na lei. A Lei Complementar nº 95/1998 estabelece a estrutura que a lei a ser elaborada deve apresentar, composta por dois elementos básicos: a ordem legislativa e a matéria legislada. A ordem legislativa compreende a parte preliminar e o fecho da lei; a matéria legislada diz respeito ao texto ou corpo da lei. Seção 5.1 Ordem Legislativa O ato normativo é estruturado em três partes básicas: a) A parte preliminar, que compreende a epígrafe, a ementa, o preâmbulo, o enunciado do objeto e a indicação do âmbito de aplicação das disposições normativas; b) A parte normativa, que é o texto das normas de conteúdo substantivo relacionadas com a matéria regulada; c) A parte final, que diz respeito às disposições pertinentes às medidas necessárias à introdução das normas de conteúdo substantivo, às disposições transitórias, se for o caso, à cláusula de vigência e à cláusula de revogação, quando couber. 5.1.1 – EPÍGRAFE A epígrafe é a parte do ato que o qualifica na ordem jurídica e o situa no tempo, por meio da data, da numeração e da denominação. É grafada em caracteres maiúsculos, propiciando a identificação numérica singular à lei, formada pelo título designativo da espécie normativa, pelo número respectivo e pelo ano de promulgação. Na prática, a epígrafe traz a data de promulgação por extenso. 130 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Exemplo de epígrafe: LEI COMPLEMENTAR Nº 95, DE 26 DE FEVEREIRO DE 1998. 5.1.2 – EMENTA OU RUBRICA DA LEI A ementa é a parte inicial do ato normativo, logo após sua identificação, que, de modo conciso, sintetiza o conteúdo da lei, a fim de permitir, de modo imediato, o conhecimento da matéria legislada. Exemplos de ementa: Consolida a legislação relativa à pessoa com deficiência no Estado do Rio Grande do Sul. Dispõe sobre a informatização do processo judicial; altera a Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 – Código de Processo Civil; e dá outras providências. Altera disposições da Lei nº 8.121, de 30 de dezembro de 1985, Regimento de Custas, e da Lei nº 8.960, de 28 de dezembro de 1989, que dispõe sobre a Taxa Judiciária. 5.1.3 – PREÂMBULO O preâmbulo contém a declaração do nome da autoridade, do cargo em que se acha investida e da atribuição constitucional em que se funda para promulgar a lei e a ordem de execução ou mandado de cumprimento, e prescreve a força coativa do ato normativo. Exemplo de autoria: O Presidente da República Faço saber que o Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei (...) Exemplo de ordem de execução: O Congresso Nacional decreta e eu sanciono a seguinte lei: 5.1.4 – ÂMBITO DE APLICAÇÃO O primeiro artigo da lei indicará o objeto e o âmbito de aplicação do ato normativo a ser editado de forma específica, em conformidade com as competências estabelecidas constitucionalmente, observados os seguintes requisitos: 131 EaD Aldemir Berwig a) cada lei tratará de um único objeto, com exceção das codificações; b) a lei não conterá matéria estranha a seu objeto ou a este não vinculada por afinidade, pertinência ou conexão; c) o âmbito de aplicação da lei será estabelecido de forma tão específica quanto o possibilite o conhecimento técnico ou científico da área respectiva; d) o mesmo assunto não poderá ser disciplinado por mais de uma lei, exceto quando a subsequente se destine a complementar lei considerada básica, vinculando-se a esta por remissão expressa. Seção 5.2 Vigência da Lei A vigência da lei será indicada de forma expressa e de modo a contemplar prazo razoável para que dela se tenha amplo conhecimento. A vigência imediata mediante a cláusula “entra em vigor na data de sua publicação” será utilizada apenas para leis de pequena repercussão. As leis que estabeleçam período de vacância determinam a cláusula “esta lei entra em vigor após decorridos (o número de) dias de sua publicação oficial”. Trata-se, portanto, de dar publicidade à norma jurídica para que o cidadão tenha conhecimento da lei, para que só posteriormente ela tenha exigibilidade. Ainda, para a contagem do prazo de entrada em vigor, inclui-se o primeiro e o último dia do prazo para que a vigência inicie no dia subsequente a sua contagem. Caso a lei não consigne data ou prazo para entrada em vigor, aplica-se preceito constante do artigo 1º da Lei de Introdução ao Código Civil, segundo o qual, salvo disposição em contrário, a lei começa a vigorar em todo o país 45 dias após a sua publicação. Seção 5.3 Cláusula de Revogação Uma norma essencial para a clareza das normas jurídicas está estabelecida com a obrigatoriedade de cláusula expressa de revogação, que deve enumerar, expressamente, as leis ou disposições legais revogadas. É vedada, portanto, a revogação genérica de dispositivos ou leis mediante o uso de cláusulas gerais como a seguinte, muito utilizada no ordenamento jurídico brasileiro: “ revogam-se os dispositivos em contrário”. 132 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Tal dispositivo é vedado em razão de que acarreta uma afronta ao princípio da segurança jurídica em razão de uma complexidade na interpretação, uma vez que não expressa as normas que podem ter sido revogadas. A melhor técnica legislativa, portanto, estabelece que o legislador deve ter o cuidado em dizer quais as normas que estão sendo revogadas e que estão fora do ordenamento jurídico para evitar a sua invocação extemporânea. A partir da promulgação da Lei Complementar nº 95/1998, no entanto, o direito brasileiro passou a exigir cláusula de revogação específica, que estabeleça qual a lei, leis ou dispositivo de lei que estão sendo revogados. Exemplos de cláusulas revogatórias específicas: Revogam-se a Lei no 3.071, de 1º de janeiro de 1916 – Código Civil e a Parte Primeira do Código Comercial, Lei nº 556, de 25 de junho de 1850. Revogam-se as Leis nºs 1.533, de 31 de dezembro de 1951, 4.166, de 4 de dezembro de 1962, 4.348, de 26 de junho de 1964, 5.021, de 9 de junho de 1966; o art. 3º da Lei nº 6.014, de 27 de dezembro de 1973, o art. 1º da Lei nº 6.071, de 3 de julho de 1974, o art. 12 da Lei nº 6.978, de 19 de janeiro de 1982, e o art. 2º da Lei nº 9.259, de 9 de janeiro de 1996. Fica revogado o Decreto no 3.834, de 5 de junho de 2001. Como lembram Mendes e Forster (2002, p. 95), é importante acrescentar que a doutrina já apontava a desnecessidade de cláusula revogatória genérica em razão de que a derrogação do direito anterior decorre da simples incompatibilidade com a nova disciplina jurídica conferida à matéria, o que está previsto no artigo 2º, § 1º da Lei de Introdução ao Código Civil. O emprego, portanto, de cláusula específica de revogação, além de marcar o encerramento da vigência do texto legal, remete com precisão aos dispositivos revogados. Seção 5.4 Repristinação Repristinação é o fenômeno que ocorre quando uma lei revogada entra em vigor novamente em razão de que a lei revogadora foi revogada. É a restauração da vigência da lei para que possa voltar a produzir efeitos novamente. Em nosso Direito, a repristinação é proibida pelo artigo 2°, § 3°, da Lei de Introdução ao Código Civil, que estabelece: “Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência”. 133 EaD Aldemir Berwig É, então, vedada a repristinação automática de lei anterior pela revogação da lei revogadora. A lei que revoga a lei revogadora, entretanto, pode prever em seus dispositivos a repristinação da lei revogada e ela voltará a ter vigência. Seção 5.5 Fecho da Lei No Direito brasileiro está consagrado o fechamento dos atos legislativos no âmbito da União pela referência a dois acontecimentos marcantes da História: a Declaração da Independência e a Proclamação da República. Exemplo de fecho de lei: Brasília, 26 de fevereiro de 1998; 177º da Independência e 110º da República. PALÁCIO PIRATINI, em Porto Alegre, 04 de setembro de 2007. Seção 5.6 Assinatura e Referenda Os atos normativos, para terem validade, além de designarem a autoridade competente que decreta ou sanciona o ato, devem ser assinados por ela. É prática amplamente consolidada no Direito Constitucional e Administrativo brasileiros. Além da assinatura da autoridade competente, as leis devem ser referendadas pelas autoridades subordinadas ao chefe do Executivo (ministros e secretários de Estado ou Municipais), responsáveis pela matéria (Constituição da República, artigo 87, parágrafo único, I), que assumem, assim, a corresponsabilidade por sua execução e observância. Seção 5.7 Parte Normativa da Lei A parte normativa da lei é o seu corpo; o conjunto de normas jurídicas que estabelece as regras de condutas a serem observadas por todos. 134 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA 5.7.1 – SISTEMÁTICA DA LEI No Estado de Direito as leis destinam-se a disciplinar praticamente todas as situações do mundo da vida. Encontramos leis que regulam as relações jurídicas nas quais está envolvido o Estado, bem como as relações jurídicas que compreendem situações individuais até mesmo dentro de um núcleo familiar, em razão de que o Estado considera que tais relações jurídicas envolvem um bem jurídico relevante e devem receber atenção estatal. Tais relações passam a ser consideradas importantes unicamente se fizermos uma análise dentro do contexto de um sistema jurídico fundamentado em algumas premissas, como ocorre com o sistema constitucional brasileiro. Ao elaborar as leis, portanto, o legislador, embora tenha uma aparente discricionariedade política, em tese, tem sua liberdade limitada pelos valores fundamentais do Estado Democrático de Direito e, nesta concepção, esses valores fundamentais estabelecem as balizas da atuação parlamentar. Disso decorre que o legislador, ao atuar para dar ênfase à produção legislativa, deve exercer suas competências de acordo com o sistema constitucional vigente, de modo que as leis resultantes sejam harmônica e coerentemente dispostas no ordenamento jurídico. O legislador deve redigir as leis dentro do espírito do sistema normativo de forma que exista interna e externamente coerência e harmonia de suas disposições, de modo que as leis sejam adequadamente inseridas no ordenamento jurídico. Quando, portanto, se fala em coerência e harmonia da lei, pode-se entendê-la em relação à sistemática interna e sistemática externa. A primeira, diz respeito à compatibilidade teleológica e ausência de contradição lógica; a segunda, à estrutura da lei. 5.7.1.1 – Sistemática Interna A sistemática interna da lei se refere ao conjunto de normas que estão dispostas na lei, as quais não podem apresentar contradições lógicas, teleológicas, ou valorativas. Na contradição lógica, a conduta autorizada pela norma “A” é proibida pela norma “B”; a contradição valorativa é uma contradição principiológica, como o estabelecimento de normas discriminatórias dentro de um sistema que determina a igualdade como princípio basilar; a contradição teleológica ocorre com a contradição entre os objetivos perseguidos por disposições diversas, de modo que a observância de um preceito importa a nulificação dos objetivos visados pela outra (Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 79). 135 EaD Aldemir Berwig 5.7.1.2 – Sistemática externa A sistemática externa diz respeito à forma como a lei se apresenta; é a estrutura básica da lei. Considera o desdobramento dela em diversos fragmentos menores para a melhor distribuição de seu conteúdo. Quanto à sistemática externa, a Constituição da República apresenta a seguinte estrutura: Constituição Federal de 1988 PREÂMBULO CAPÍTULO III DOS ESTADOS FEDERADOS TÍTULO I CAPÍTULO IV DOS MUNICÍPIOS DOS PRINCÍPIOS FUNDAMENTAIS TÍTULO II DOS DIREITOS E GARANTIAS FUNDAMENTAIS CAPÍTULO I DOS DIREITOS E DEVERES INDIVIDUAIS E COLETIVOS CAPÍTULO II DOS DIREITOS SOCIAIS CAPÍTULO III DA NACIONALIDADE CAPÍTULO IV DOS DIREITOS POLÍTICOS CAPÍTULO V DOS PARTIDOS POLÍTICOS TÍTULO III DA ORGANIZAÇÃO DO ESTADO CAPÍTULO I DA ORGANIZAÇÃO POLÍTICOADMINISTRATIVA CAPÍTULO II DA UNIÃO CAPÍTULO V DO DISTRITO FEDERAL E DOS TERRITÓRIOS Seção I Do Distrito Federal Seção II Dos Territórios CAPÍTULO VI DA INTERVENÇÃO CAPÍTULO VII DA ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Seção I Disposições Gerais Seção II Dos Servidores Públicos Seção III Dos Militares dos Estados, do Distrito Federal e dos Territórios Seção IV Das Regiões A sistematização externa da lei vai depender de sua complexidade e poderá se desdobrar nas seguintes partes: Livros, Títulos, Capítulos, Seções, Subseções e Artigos. Os artigos, por sua vez, podem ser desdobrados em parágrafos, incisos, alíneas e ítens. 5.7.1.2.1 – Artigo A unidade básica para apresentação, divisão ou agrupamento de assuntos num texto normativo é o artigo. Os artigos de uma lei são designados pela abreviatura “Art.” e numerados até o nono artigo com números ordinais (art. 1º a art. 9º) e, a partir do décimo artigo, com números cardinais, seguidos de um ponto final (art. 10.). Após a numeração do artigo, 136 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA deverá haver um espaçamento simples, sem traço ou qualquer outro dispositivo. O texto do artigo será iniciado com letra maiúscula e encerrado com ponto final, exceto quando tiverem incisos, caso em que serão encerrados por dois-pontos. Os artigos podem desdobrar-se, por sua vez, em parágrafos e incisos; e estes, em alíneas; e as alíneas, em ítens. 5.7.1.2.2 – Parágrafo O parágrafo é subdivisão direta de um artigo ou sua disposição secundária; explica ou modifica a disposição principal que está no artigo. O parágrafo é representado pelo sinal gráfico §. O parágrafo segue a mesma numeração utilizada para o artigo: numeração ordinal do primeiro ao nono (§ 1º a § 9º) e cardinal a partir do parágrafo dez (§ 10.), também seguido de ponto final. No caso de haver apenas um parágrafo, adota-se a grafia Parágrafo único (tudo por extenso e não “§ único”). Os textos dos parágrafos serão iniciados com letra maiúscula e encerrados com ponto final. 5.7.1.2.3 – Inciso e alínea Os incisos são utilizados como elementos discriminativos de artigo se o assunto nele tratado não puder ser condensado no próprio artigo ou não se mostrar adequado a constituir parágrafo. Os incisos são indicados por algarismos romanos e as alíneas por letras (Pinheiro, apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 81). As alíneas ou letras constituem desdobramentos dos incisos e dos parágrafos. A alínea ou letra será grafada em minúsculo e seguida de parêntese: a); b); c); etc. O desdobramento das alíneas faz-se com números cardinais, seguidos do ponto: 1.; 2.; etc. Na elaboração dos artigos devem ser observadas algumas regras básicas, tal como recomendado por Pinheiro (apud Mendes; Forster Júnior, 2002, p. 81): a) cada artigo deve tratar de um único assunto; b) o artigo conterá, exclusivamente, a norma geral, o princípio. As medidas complementares e as exceções deverão ser expressas em parágrafos; c) quando o assunto requerer discriminações, o enunciado comporá o caput do artigo, e os elementos de discriminação serão apresentados sob a forma de incisos; d) as expressões devem ser usadas em seu sentido corrente, salvo quando tratar de assunto técnico, em que, então, será preferida a nomenclatura técnica, peculiar ao setor de atividades sobre o qual se pretende legislar; 137 EaD Aldemir Berwig e) as frases devem ser concisas; f) nos atos extensos, os primeiros artigos devem ser reservados à definição dos objetivos perseguidos pelo legislador e à limitação de seu campo de aplicação. Como deverão ser utilizados na lei o artigo, o parágrafo, o inciso e a alínea, em exemplo tirado da Constituição da República: Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: (...) LXXX – conceder-se-á mandado de injunção sempre que a falta de norma regulamentadora torne inviável o exercício dos direitos e liberdades constitucionais e das prerrogativas inerentes à nacionalidade, à soberania e à cidadania; LXXII – conceder-se-á habeas-data: a) para assegurar o conhecimento de informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais ou de caráter público; b) para a retificação de dados, quando não se prefira fazê-lo por processo sigiloso, judicial ou administrativo; (...) § 1º As normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata. § 2º Os direitos e garantias expressos nesta Constituição não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que a República Federativa do Brasil seja parte. 5.7.1.2.4 – Agrupamento de artigos Os artigos são agrupados em Seções, Capítulos, Títulos, Livros e Partes. A Seção é o conjunto de artigos que versa sobre o mesmo tema. As seções são indicadas por algarismos romanos (Seção I; Seção II) e grafadas em letras minúsculas em negrito. Eventualmente, as Seções subdividem-se em Subseções. O Capítulo é formado por um agrupamento de Seções e, assim como os Títulos, Livros e Partes, são grafados em letras maiúsculas e identificados por algarismos romanos. O Título engloba um conjunto de Capítulos. Nas leis mais extensas os conjuntos de Títulos são reunidos em Livros e estes podem ser reunidos em Partes. Quando a lei for composta de apenas duas Partes, poderão ser denominadas Parte Geral e Parte Especial; se a lei tiver várias partes, serão nominadas com números ordinais: Parte Primeira; Parte Segunda. A parte normativa da lei consiste na ordem estabelecida e será articulada, segundo seu artigo 10, que estabelece alguns princípios de observância obrigatória. 138 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Quais os princípios estabelecidos pela LC nº 1 95/1998 para a articulação e redação das leis? Art. 10. Os textos legais serão articulados com observância dos seguintes princípios: I – a unidade básica de articulação será o artigo, indicado pela abreviatura "Art.", seguida de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste; II – os artigos desdobrar-se-ão em parágrafos ou em incisos; os parágrafos em incisos, os incisos em alíneas e as alíneas em itens; III – os parágrafos serão representados pelo sinal gráfico "§", seguido de numeração ordinal até o nono e cardinal a partir deste, utilizando-se, quando existente apenas um, a expressão "parágrafo único" por extenso; IV – os incisos serão representados por algarismos romanos, as alíneas por letras minúsculas e os itens por algarismos arábicos; V – o agrupamento de artigos poderá constituir Subseções; o de Subseções, a Seção; o de Seções, o Capítulo; o de Capítulos, o Título; o de Títulos, o Livro e o de Livros, a Parte; VI – os Capítulos, Títulos, Livros e Partes serão grafados em letras maiúsculas e identificados por algarismos romanos, podendo estas últimas desdobrar-se em Parte Geral e Parte Especial ou ser subdivididas em partes expressas em numeral ordinal, por extenso; VII – as Subseções e Seções serão identificadas em algarismos romanos, grafadas em letras minúsculas e postas em negrito ou caracteres que as coloquem em realce; VIII – a composição prevista no inciso V poderá também compreender agrupamentos em Disposições Preliminares, Gerais, Finais ou Transitórias, conforme necessário. Seção 5.8 Desenvolvimento de uma Lei A atividade legislativa constitui-se de um complexo conjunto de interesses diferenciados e relações de força que vão se materializar em um conjunto de leis, de acordo com o poder político e o exercício da discricionariedade política dos agentes políticos. A Constituição da República estabelece as diretrizes para a elaboração legislativa, embora não exista, propriamente, um planejamento do desenvolvimento do sistema normativo. A regulamentação e concretização do ordenamento jurídico é mais uma consequência dos acontecimentos do que um planejamento de situações a serem concretizadas. Isso porque as relações jurídicas e situações do mundo da vida são muito complexas e, muitas vezes, são bem mais rápidas que a própria evolução legislativa. Embora Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85) afirmem que seja possível fixar planos para a elaboração legislativa com o estabelecimento de diretrizes para a legislatura vindoura, isso somente é possível a respeito de algumas matérias, nunca de todo o conjunto legislativo. Como afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85), muitas iniciativas, no plano legislativo, são determinadas por circunstâncias ou eventos imprevistos ou imprevisíveis, que exigem uma pronta ação do legislador, uma vez que a falta de lei significa a liberdade de ação em determinada circunstância ou situação. Nesses casos, portanto, haverá necessidade de legislar mesmo sem qualquer planejamento. É por essas razões que, embora possa haver planejamento sobre algumas questões, ele não será absoluto. 139 EaD Aldemir Berwig Claro que seria muito interessante um planejamento estabelecido a partir das normas constitucionais. Sabemos que existem dispositivos constitucionais que estão esperando por regulamentação por lei há mais de 20 anos; nestes casos, fica evidente que a falta de regulamentação decorre da discricionariedade política, pois não há, em tese, uma obrigatoriedade de proposição. Por outro lado, apenas em algumas poucas hipóteses é que verificaremos que existe expresso dever de agir. Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85-86) afirmam que a impossibilidade de um planejamento rigoroso da atividade legislativa acaba por fazer com que o desenvolvimento da lei dependa, não raras vezes, de impulsos isolados, que podem ser de índole jurídica ou política. Os primeiros decorrem, normalmente, de uma exigência expressamente estabelecida na Constituição, ou seja, do dever constitucional de legislar. Como exemplos inequívocos de deveres impostos ao legislador, os autores citam os seguintes: a) Constituição, artigo 5º, XXIX: a lei assegurará aos autores de inventos industriais privilégio temporário para sua utilização, bem como proteção às criações industriais, à propriedade das marcas, aos nomes de empresas e a outros signos distintivos, tendo em vista o interesse social e o desenvolvimento tecnológico e econômico do País; b) Constituição, artigo 5º XXXII: o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor; c) Constituição, artigo 7º: São direitos dos trabalhadores urbanos e rurais, além de outros que visem à melhoria de sua condição social: I – relação de emprego protegida contra despedida arbitrária ou sem justa causa, nos termos de lei complementar, que preverá indenização compensatória, dentre outros direitos; (...) IV – salário mínimo, fixado em lei, nacionalmente unificado, capaz de atender a suas necessidades vitais básicas e às de sua família, com moradia, alimentação, educação, saúde, lazer, vestuário, higiene, transporte e previdência social, com reajustes periódicos que lhe preservem o poder aquisitivo, sendo vedada sua vinculação para qualquer fim; (...) XI – participação nos lucros, ou resultados, desvinculada da remuneração, e, excepcionalmente, participação na gestão da empresa, conforme definido em lei. Deve-se salientar, entretanto, que o legislador não tem respeitado os mandamentos jurídico-constitucionais e tem deixado de regulamentar aquilo que a constituição tem determinado. É uma questão que merece ser analisada com maior profundidade. 140 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Por outro lado, Mendes e Forster Júnior (2002, p. 86) afirmam que o dever constitucional de legislar pode derivar de princípios gerais consagrados na Constituição, como os postulados da Democracia, do Estado de Direito e Social e da dignidade da pessoa humana. Outras vezes esse dever torna-se manifesto em virtude de uma decisão judicial proferida pelo Supremo Tribunal Federal nos processos de mandado de injunção ou na ação direta de controle da omissão (Constituição, artigos 5º, LXXI, e 103, § 2º). De qualquer forma, a iniciativa política decorre da discricionariedade que os agentes públicos competentes têm, salvo nos casos em que a iniciativa pode ser provocada por órgãos da sociedade, como é o das propostas formuladas por associações, órgãos de classe, sindicatos, igrejas, órgãos de opinião pública, ou ainda, quando há iniciativa popular, embora esta última seja a forma de maior complexidade para iniciativa em razão dos requisitos constitucionais. Quando o tema é a elaboração de leis, todavia, é interessante ponderar a necessidade de regulamentação legal pois, a partir dos princípios constitucionais do Estado Democrático de Direito, já é possível decidir a respeito das situações de fato. Para compreender essa colocação, assista o vídeo no qual Dallari (2008) expressa seu entendimento a respeito do assunto. O vídeo está disponível no Conecta. O texto da lei é o conteúdo que altera a ordem jurídica quanto à matéria. É composto por artigos dispostos em ordem numérica que enunciam as regras estabelecidas para a matéria legislada. O artigo constitui a unidade básica de apresentação da norma jurídica e poderá ser apresentado como o agrupamento de fragmentos menores ou agrupado em frações maiores. Serão subdivididos em fragmentos menores quando o assunto tratado no artigo tiver particularidades ou exceções que demandam tratamento distinto. Para o desdobramento dos artigos aparecem os parágrafos, os incisos, as alíneas e os itens. Seção 5.9 Organização Interna da Lei Como já mencionado, as leis são o resultado de um conjunto de normas jurídicas normalmente expressas em artigos. Para formar o corpo da lei é necessário o agrupamento de artigos, o que se expressa pela sistemática externa da lei. Quanto mais complexa a lei, maiores desdobramentos ela exige. Assim, dependendo da dimensão do texto de lei, ela poderá ter um dos seguintes desdobramentos previstos no artigo 10 da LC nº 95/1998. 141 EaD Aldemir Berwig – um conjunto de artigos compõe uma SEÇÃO; – uma seção é composta por várias SUBSEÇÕES; – um conjunto de seções constitui um CAPÍTULO; – um conjunto de capítulos constitui um TÍTULO; – um conjunto de títulos constitui um LIVRO; – um conjunto de livros constitui uma PARTE. Assim, se houver necessidade de subdividir a lei em partes, elas poderão ser denominadas Parte Geral e Parte Especial ou então ser subdivididas em partes expressas em numeral ordinal, por extenso. Seção 5.10 Critérios de Sistematização Embora o legislador disponha de discricionariedade política e com isso possa eleger os critérios de sistematização da lei, estes devem ter coerência técnica para regular a matéria. Algumas regras básicas podem ser enunciadas, segundo Mendes e Forster Júnior (2002, p. 82): a) matérias que guardem afinidade objetiva devem ser tratadas em um mesmo contexto; b) os procedimentos devem ser disciplinados segundo uma ordem cronológica; c) a sistemática da lei deve ser concebida de modo a permitir que ela forneça resposta à questão jurídica a ser disciplinada e não a qualquer outra indagação; d) deve-se guardar fidelidade básica com o sistema escolhido, evitando a constante mistura de critérios; e) institutos diversos devem ser tratados separadamente. Como afirmam os autores, a natureza e as peculiaridades de cada disciplina jurídica têm influência decisiva sobre o modelo de sistematização a ser adotado, como se pode depreender de alguns exemplos: 142 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Classificação segundo os bens tutelados – Parte Especial do Código Penal: PARTE ESPECIAL TÍTULO I – DOS CRIMES CONTRA A PESSOA TÍTULO II – DOS CRIMES CONTRA O PATRIMÔNIO TÍTULO III – DOS CRIMES CONTRA A PROPRIEDADE IMATERIAL TÍTULO IV – DOS CRIMES CONTRA A ORGANIZAÇÃO DO TRABALHO TÍTULO V – DOS CRIMES CONTRA O SENTIMENTO RELIGIOSO E CONTRA O RESPEITO AOS MORTOS TÍTULO VI – DOS CRIMES CONTRA OS COSTUMES TÍTULO VII – DOS CRIMES CONTRA A FAMÍLIA TÍTULO VIII – DOS CRIMES CONTRA A INCOLUMIDADE PÚBLICA TÍTULO IX – DOS CRIMES CONTRA A PAZ PÚBLICA TÍTULO X – DOS CRIMES CONTRA A FÉ PÚBLICA TÍTULO XI – DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO PÚBLICA Classificação segundo os institutos jurídicos e as relações jurídicas: Código Civil de 10 de janeiro de 2002: PARTE ESPECIAL LIVRO I – DO DIREITO DAS OBRIGAÇÕES TÍTULO I – DAS MODALIDADES DAS OBRIGAÇÕES TÍTULO II – DA TRANSMISSÃO DAS OBRIGAÇÕES TÍTULO II – DO ADIMPLEMENTO E EXTINÇÃO DAS OBRIGAÇÕES TÍTULO IV – DO INADIMPLEMENTO DAS OBRIGAÇÕES TÍTULO V – DOS CONTRATOS EM GERAL TÍTULO VI – DAS VÁRIAS ESPÉCIES DE CONTRATO TÍTULO VII – DOS ATOS UNILATERAIS TÍTULO VIII – DOS TÍTULOS DE CRÉDITO TÍTULO IX – DA RESPONSABILIDADE CIVIL TÍTULO X – DAS PREFERÊNCIAS E PRIVILÉGIOS CREDITÓRIOS Classificação segundo a ordem cronológica dos procedimentos – Código de Processo Civil: TÍTULO VIII – DO PROCEDIMENTO ORDINÁRIO CAPÍTULO I – DA PETIÇÃO INICIAL CAPÍTULO II – DA RESPOSTA DO RÉU CAPÍTULO III – DA REVELIA CAPÍTULO IV – DAS PROVIDÊNCIAS PRELIMINARES CAPÍTULO V – DO JULGAMENTO CONFORME O ESTADO DO PROCESSO CAPÍTULO VI – DAS PROVAS CAPÍTULO VII – DA AUDIÊNCIA CAPÍTULO VIII – DA SENTENÇA E DA COISA JULGADA CAPÍTULO IX – DA LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA CAPÍTULO X – DO CUMPRIMENTO DA SENTENÇA 143 EaD Aldemir Berwig Cuidados necessários para alterar as leis estabelecidos pela LC nº 95/1998 Art. 12. A alteração da lei será feita: I – mediante reprodução integral em novo texto, quando se tratar de alteração considerável; II – mediante revogação parcial (Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001); III – nos demais casos, por meio de substituição, no próprio texto, do dispositivo alterado, ou acréscimo de dispositivo novo, observadas as seguintes regras: a) revogado (Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001); b) é vedada, mesmo quando recomendável, qualquer renumeração de artigos e de unidades superiores ao artigo, referidas no inciso V do art. 10, devendo ser utilizado o mesmo número do artigo ou unidade imediatamente anterior, seguido de letras maiúsculas, em ordem alfabética, tantas quantas forem suficientes para identificar os acréscimos (Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001); c) é vedado o aproveitamento do número de dispositivo revogado, vetado, declarado inconstitucional pelo Supremo Tribunal Federal ou de execução suspensa pelo Senado Federal em face de decisão do Supremo Tribunal Federal, devendo a lei alterada manter essa indicação, seguida da expressão “revogado”, “vetado”, “declarado inconstitucional, em controle concentrado, pelo Supremo Tribunal Federal”, ou “execução suspensa pelo Senado Federal, na forma do art. 52, X, da Constituição Federal” (Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001); d) é admissível a reordenação interna das unidades em que se desdobra o artigo, identificando-se o artigo assim modificado por alteração de redação, supressão ou acréscimo com as letras “NR” maiúsculas, entre parênteses, uma única vez ao seu final, obedecidas, quando for o caso, as prescrições da alínea "c" (Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001). Parágrafo único. O termo “dispositivo” mencionado nesta Lei refere-se a artigos, parágrafos, incisos, alíneas ou itens (Parágrafo incluído pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001). Seção 5.11 Remissões Legislativas Em um ordenamento jurídico, qualquer que seja sua dimensão, será impossível regulamentar as situações sem fazer uso da remissão legislativa. A remissão é técnica legislativa que pode ser utilizada tanto dentro da sistemática interna quanto da externa. A remissão interna, quando uma norma jurídica refere-se a um dispositivo da mesma lei, não apresenta qualquer complexidade, embora o legislador deva ter alguns cuidados; no caso da remissão externa, quando a norma jurídica refere-se a dispositivos de outra lei, apresentam alguma complexidade e são passíveis de sofrer objeções de índole constitucional, pois podem afetar a clareza e precisão da norma jurídica. A remissão apresenta uma complexidade maior quando ocorre a revogação ou alteração das leis que são referidas por outros dispositivos legais quando se trata de remissão externa. Quando for utilizada, a remissão deverá possibilitar que o intérprete compreenda o sentido que se quer dar ao dispositivo legal. Quando a remissão for interna, deverá haver indicação expressa do dispositivo objeto de remissão interna, evitando o uso das expressões “anterior”, “seguinte” ou outras equivalentes. 144 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA É necessário, todavia, ressaltar que a remissão entre textos legais deverá guardar coerência com a hierarquia dos textos legais sem fazer referência a textos normativos secundários. Como afirmam Mendes e Forster Júnior (2002, p. 85), “a remissão a atos secundários, como regulamentos ou portarias, pode configurar afronta aos princípios da reserva legal e da independência entre os poderes”. Agora, vamos verificar alguns exemplos de remissão interna e externa, todos retirados da Lei nº 8.987/95. Para melhor visualização grifei todos eles. Nos artigos 11 e 42, temos exemplos de remissões internas; no artigo 45, interna e externa. Art. 11. No atendimento às peculiaridades de cada serviço público, poderá o poder concedente prever, em favor da concessionária, no edital de licitação, a possibilidade de outras fontes provenientes de receitas alternativas, complementares, acessórias ou de projetos associados, com ou sem exclusividade, com vistas a favorecer a modicidade das tarifas, observado o disposto no art. 17 desta Lei. Art. 42. As concessões de serviço público outorgadas anteriormente à entrada em vigor desta Lei consideram-se válidas pelo prazo fixado no contrato ou no ato de outorga, observado o disposto no art. 43 desta Lei. § 1o Vencido o prazo mencionado no contrato ou ato de outorga, o serviço poderá ser prestado por órgão ou entidade do poder concedente, ou delegado a terceiros, mediante novo contrato (Redação dada pela Lei nº 11.445, de 2007). § 2o As concessões em caráter precário, as que estiverem com prazo vencido e as que estiverem em vigor por prazo indeterminado, inclusive por força de legislação anterior, permanecerão válidas pelo prazo necessário à realização dos levantamentos e avaliações indispensáveis à organização das licitações que precederão a outorga das concessões que as substituirão, prazo esse que não será inferior a 24 (vinte e quatro) meses. § 3º As concessões a que se refere o § 2o deste artigo, inclusive as que não possuam instrumento que as formalize ou que possuam cláusula que preveja prorrogação, terão validade máxima até o dia 31 de dezembro de 2010, desde que, até o dia 30 de junho de 2009, tenham sido cumpridas, cumulativamente, as seguintes condições: (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007) I – levantamento mais amplo e retroativo possível dos elementos físicos constituintes da infraestrutura de bens reversíveis e dos dados financeiros, contábeis e comerciais relativos à prestação dos serviços, em dimensão necessária e suficiente para a realização do cálculo de eventual indenização relativa aos investimentos ainda não amortizados pelas receitas emergentes da concessão, observadas as disposições legais e contratuais que regulavam a prestação do serviço ou a ela aplicáveis nos 20 (vinte) anos anteriores ao da publicação desta Lei; (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007). II – celebração de acordo entre o poder concedente e o concessionário sobre os critérios e a forma de indenização de eventuais créditos remanescentes de investimentos ainda não amortizados ou depreciados, apurados a partir dos levantamentos referidos no inciso I deste parágrafo e auditados por instituição especializada escolhida de comum acordo pelas partes; e (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007). 145 EaD Aldemir Berwig III – publicação na imprensa oficial de ato formal de autoridade do poder concedente, autorizando a prestação precária dos serviços por prazo de até 6 (seis) meses, renovável até 31 de dezembro de 2008, mediante comprovação do cumprimento do disposto nos incisos I e II deste parágrafo (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007). § 4o Não ocorrendo o acordo previsto no inciso II do § 3o deste artigo, o cálculo da indenização de investimentos será feito com base nos critérios previstos no instrumento de concessão antes celebrado ou, na omissão deste, por avaliação de seu valor econômico ou reavaliação patrimonial, depreciação e amortização de ativos imobilizados definidos pelas legislações fiscal e das sociedades por ações, efetuada por empresa de auditoria independente escolhida de comum acordo pelas partes (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007). § 5o No caso do § 4o deste artigo, o pagamento de eventual indenização será realizado, mediante garantia real, por meio de 4 (quatro) parcelas anuais, iguais e sucessivas, da parte ainda não amortizada de investimentos e de outras indenizações relacionadas à prestação dos serviços, realizados com capital próprio do concessionário ou de seu controlador, ou originários de operações de financiamento, ou obtidos mediante emissão de ações, debêntures e outros títulos mobiliários, com a primeira parcela paga até o último dia útil do exercício financeiro em que ocorrer a reversão (Incluído pela Lei nº 11.445, de 2007). § 6o Ocorrendo acordo, poderá a indenização de que trata o § 5o deste artigo ser paga mediante receitas de novo contrato que venha a disciplinar a prestação do serviço (incluído pela Lei nº 11.445, de 2007). Art. 45. Nas hipóteses de que tratam os arts. 43 e 44 desta Lei, o poder concedente indenizará as obras e serviços realizados somente no caso e com os recursos da nova licitação. Parágrafo único. A licitação de que trata o caput deste artigo deverá, obrigatoriamente, levar em conta, para fins de avaliação, o estágio das obras paralisadas ou atrasadas, de modo a permitir a utilização do critério de julgamento estabelecido no inciso III do art. 15 desta Lei. Observe que o parágrafo único do artigo 45 apresenta duas remissões: a primeira, interna, e a segunda, externa. Apresentamos a seguir alguns exemplos de remissão externa: no caso do artigo 1º, remissão à Constituição Federal; nos outros casos, remissão a leis ordinárias. Art. 1º As concessões de serviços públicos e de obras públicas e as permissões de serviços públicos reger-se-ão pelos termos do art. 175 da Constituição Federal, por esta Lei, pelas normas legais pertinentes e pelas cláusulas dos indispensáveis contratos.” Art. 7º Sem prejuízo do disposto na Lei no 8.078, de 11 de setembro de 1990, são direitos e obrigações dos usuários: Art. 23-A. O contrato de concessão poderá prever o emprego de mecanismos privados para resolução de disputas decorrentes ou relacionadas ao contrato, inclusive a arbitragem, a ser realizada no Brasil e em língua portuguesa, nos termos da Lei no 9.307, de 23 de setembro de 1996 (incluído pela Lei nº 11.196, de 2005). 146 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Seção 5.12 Consolidação da Legislação Consolidar é tarefa necessária, mas de certa complexidade. Em razão de que há uma produção desenfreada de leis, muitas são praticamente “esquecidas” no ordenamento jurídico e terminam por não ter valor algum. Outras, em decorrência da falta de revogação expressa, causam insegurança jurídica, além de o tornarem, por vezes, contraditório. A citação a seguir é ilustrativa do assunto: Quinze anos mais tarde retornaram eles com camelos trazendo apenas quinhentos volumes... Contudo, bem excessivo ainda era este número; por isso o rei mandou se pusessem à obra novamente. Mais dez anos se volveram, quando reapareceram, já agora exibindo somente cinqüenta volumes. O rei, no entanto, já estava velho e exausto. Tempo não tinha ele para ler nem mesmo esses poucos volumes. Determinou, assim, que reduzissem ainda o número de tomos... Voltaram ao término de mais cinco anos. Anciãos já eram quando, nessa última vez, depuseram, em mãos do rei, o resultado de seu labor. Acontece, entretanto, que o monarca, moribundo, não teve tempo de ler o que lhe trouxeram. Esse era o livro por cujo encontro suspirava SOMERSET MAUGHAM; e pelo qual suspiram todos quantos percorrem a via forense (Moraes, apud Rizek Junior, 2009, p. 11). A Lei Complementar nº 95, de 1998, determina a elaboração da Consolidação da Legislação Federal, que consiste “na integração de todas as leis pertinentes a determinada matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados” (§ 1º, artigo 13, LC nº 95). Além disso, estabelece que é possível a edição de projeto de lei de consolidação com a finalidade de revogar expressamente leis que estejam implicitamente anuladas, ou inclusão de dispositivos de leis esparsas em leis preexistentes, revogando-se formalmente as leis já consolidadas (incisos I e II, § 3º, do artigo 14, LC nº 95/1998). Segundo o § 1º do artigo 14 da LC nº 95/1998, não poderá ser incluída na consolidação a medida provisória ainda não convertida em lei. O projeto de Lei de Consolidação deve manter o conteúdo normativo original dos dispositivos consolidados, não sendo meio hábil para alterar opções políticas anteriormente tomadas. Isto, no entanto, não significa vedação de alteração no texto das normas. Quando se fala em consolidação, deve-se pensar no agrupamento das leis esparsas sobre determinada matéria. As alterações possíveis em uma consolidação estão previstas nos 8 incisos do § 2º do artigo 13 da LC nº 95/1998. Assim, o projeto de lei constitui a matriz de consolidação à qual serão integrados os atos normativos esparsos, segundo o artigo 29 do Decreto Federal nº 4.176, de 2002. 147 EaD Aldemir Berwig A iniciativa do Projeto de Consolidação pode ser tanto do Poder Executivo quanto do Poder Legislativo. O procedimento legislativo adotado, segundo a LC nº 95/1998, será “simplificado” na forma do Regimento Interno de cada uma das casas. O Regimento Interno da Câmara dos Deputados disciplinou a matéria nos artigos 212 e 213. Vejamos qual o procedimento: O projeto de consolidação poderá decorrer de iniciativa da Mesa Diretora ou de qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados e deverá limitar-se aos aspectos formais, resguardada a matéria de mérito. O projeto será analisado pelo Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis e pela Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que o examinarão nos aspectos formais. Após a análise, o projeto será submetido ao Plenário da Casa e, ali, poderá receber emendas, que serão encaminhadas para a Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, que sobre elas emitirá parecer, sendo-lhe facultada, para tanto e se for o caso, a requisição de informações junto ao Grupo de Trabalho de Consolidação das Leis. O Relator proporá, em seu voto, que as emendas consideradas de mérito, isolada ou conjuntamente, sejam destacadas para fins de constituírem projeto autônomo, o qual deverá ser apreciado pela Casa, dentro das normas regimentais aplicáveis à tramitação dos demais projetos de lei. Após o pronunciamento definitivo da Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania, o projeto será encaminhado ao Plenário para inclusão em Ordem do Dia. O Regimento Interno do Senado Federal não estabelece procedimento de consolidação. Apenas prevê no seu artigo 402 que a Mesa fará, ao fim de cada legislatura, consolidação das modificações realizadas no próprio Regimento Interno, sem modificação de mérito. 148 EaD PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA Você sabia que é importante “consolidar” as leis? E que a LC nº 95/1998 estabelece normas de consolidação? Art. 13. As leis federais serão reunidas em codificações e consolidações, integradas por volumes contendo matérias conexas ou afins, constituindo em seu todo a Consolidação da Legislação Federal. § 1o A consolidação consistirá na integração de todas as leis pertinentes a determinada matéria num único diploma legal, revogando-se formalmente as leis incorporadas à consolidação, sem modificação do alcance nem interrupção da força normativa dos dispositivos consolidados. § 2o Preservando-se o conteúdo normativo original dos dispositivos consolidados, poderão ser feitas as seguintes alterações nos projetos de lei de consolidação: I – introdução de novas divisões do texto legal base; II – diferente colocação e numeração dos artigos consolidados; III – fusão de disposições repetitivas ou de valor normativo idêntico; IV – atualização da denominação de órgãos e entidades da administração pública; V – atualização de termos antiquados e modos de escrita ultrapassados; VI – atualização do valor de penas pecuniárias, com base em indexação padrão; VII – eliminação de ambigüidades decorrentes do mau uso do vernáculo; VIII – homogeneização terminológica do texto; IX – supressão de dispositivos declarados inconstitucionais pelo Supremo Tribunal Federal, observada, no que couber, a suspensão pelo Senado Federal de execução de dispositivos, na forma do art. 52, X, da Constituição Federal; X – indicação de dispositivos não recepcionados pela Constituição Federal; XI – declaração expressa de revogação de dispositivos implicitamente revogados por leis posteriores. § 3o As providências a que se referem os incisos IX, X e XI do § 2o deverão ser expressas e fundadamente justificadas, com indicação precisa das fontes de informação que lhes serviram de base. Art. 14. Para a consolidação de que trata o art. 13 serão observados os seguintes procedimentos: I – O Poder Executivo ou o Poder Legislativo procederá ao levantamento da legislação federal em vigor e formulará projeto de lei de consolidação de normas que tratem da mesma matéria ou de assuntos a ela vinculados, com a indicação precisa dos diplomas legais expressa ou implicitamente revogados; II – a apreciação dos projetos de lei de consolidação pelo Poder Legislativo será feita na forma do Regimento Interno de cada uma de suas Casas, em procedimento simplificado, visando a dar celeridade aos trabalhos; III – revogado. § 1o Não serão objeto de consolidação as medidas provisórias ainda não convertidas em lei. § 2o A Mesa Diretora do Congresso Nacional, de qualquer de suas Casas e qualquer membro ou Comissão da Câmara dos Deputados, do Senado Federal ou do Congresso Nacional poderá formular projeto de lei de consolidação. § 3o Observado o disposto no inciso II do caput, será também admitido projeto de lei de consolidação destinado exclusivamente à: I – declaração de revogação de leis e dispositivos implicitamente revogados ou cuja eficácia ou validade encontre-se completamente prejudicada; II – inclusão de dispositivos ou diplomas esparsos em leis preexistentes, revogando-se as disposições assim consolidadas nos mesmos termos do § 1o do art. 13. § 4o (VETADO) Art. 15. Na primeira sessão legislativa de cada legislatura, a Mesa do Congresso Nacional promoverá a atualização da Consolidação das Leis Federais Brasileiras, incorporando às coletâneas que a integram as emendas constitucionais, leis, decretos legislativos e resoluções promulgadas durante a legislatura imediatamente anterior, ordenados e indexados sistematicamente. Os artigos 13 e 14, seus parágrafos e incisos estão com redação determinada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001. Esclarecemos, entretanto, que o texto da lei deve, obrigatoriamente, mencionar as alterações promovidas pela legislação posterior. Finalizando a unidade, é preciso fazer referência às normas da LC nº 1 95/1998 que determinam clareza, precisão e ordem lógica das leis. É importante fazer alusão em decorrência de que inúmeras leis que, em tese, estão em vigor nas diversas esferas governamentais, são imprecisas ao ponto de causar uma grande insegurança jurídica e, com isso, contrariar os princípios elementares do Estado de Direito. 149 EaD Aldemir Berwig O que a LC nº 95/1998 estabelece para que a lei tenha clareza, precisão e ordem lógica? Art. 11. As disposições normativas serão redigidas com clareza, precisão e ordem lógica, observadas, para esse propósito, as seguintes normas: I – para a obtenção de clareza: a) usar as palavras e as expressões em seu sentido comum, salvo quando a norma versar sobre assunto técnico, hipótese em que se empregará a nomenclatura própria da área em que se esteja legislando; b) usar frases curtas e concisas; c) construir as orações na ordem direta, evitando preciosismo, neologismo e adjetivações dispensáveis; d) buscar a uniformidade do tempo verbal em todo o texto das normas legais, dando preferência ao tempo presente ou ao futuro simples do presente; e) usar os recursos de pontuação de forma judiciosa, evitando os abusos de caráter estilístico; II – para a obtenção de precisão: a) articular a linguagem, técnica ou comum, de modo a ensejar perfeita compreensão do objetivo da lei e a permitir que seu texto evidencie com clareza o conteúdo e o alcance que o legislador pretende dar à norma; b) expressar a idéia, quando repetida no texto, por meio das mesmas palavras, evitando o emprego de sinonímia com propósito meramente estilístico; c) evitar o emprego de expressão ou palavra que confira duplo sentido ao texto; d) escolher termos que tenham o mesmo sentido e significado na maior parte do território nacional, evitando o uso de expressões locais ou regionais; e) usar apenas siglas consagradas pelo uso, observado o princípio de que a primeira referência no texto seja acompanhada de explicitação de seu significado; f) grafar por extenso quaisquer referências a números e percentuais, exceto data, número de lei e nos casos em que houver prejuízo para a compreensão do texto (Redação dada pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001); g) indicar, expressamente o dispositivo objeto de remissão, em vez de usar as expressões “anterior”, “seguinte” ou equivalentes; (Alínea incluída pela Lei Complementar nº 107, de 26.4.2001); III – para a obtenção de ordem lógica: a) reunir sob as categorias de agregação-subseção, seção, capítulo, título e livro – apenas as disposições relacionadas com o objeto da lei; b) restringir o conteúdo de cada artigo da lei a um único assunto ou princípio; c) expressar por meio dos parágrafos os aspectos complementares à norma enunciada no caput do artigo e as exceções à regra por este estabelecida; d) promover as discriminações e enumerações por meio dos incisos, alíneas e itens. SÍNTESE DA UNIDADE 5 Nesta quinta Unidade apresentamos as disposições da Lei Complementar nº 95/1998, enfatizando as regras de elaboração normativa e seu alcance. Abordamos as diversas partes que compõem os atos normativos, especialmente a lei, procurando demonstrar a necessidade que se tem de produzir leis claras e precisas e que apresentem uma ordem lógica, para que se tenha segurança jurídica. 150 EaD Conclusão PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA AVALIAÇÃO LEGISLATIVA COMO INÍCIO E FIM Verificamos durante o desenvolvimento do componente curricular que a questão legislativa, mais especificamente de produção das leis, tem uma grande importância no Estado Democrático de Direito, pois é por meio dela que o próprio Estado se estrutura, estabelece competências e diretrizes pelas quais vai concretizar os princípios fundamentais elencados na Constituição da República. Dito isso, é satisfatório afirmar que a lei, como parte do Direito, tem de se concretizar com fundamento em valores fundamentais e deve ser o mecanismo para assegurar esses próprios valores. Para garantir a desenvoltura desses valores fundamentais, é necessário que todos, mas principalmente os órgãos estatais e seus agentes públicos, de qualquer esfera, os utilizem como diretrizes para o desempenho da função pública legislando para a coletividade. Finalizando este componente, é possível apresentar o seguinte questionamento: É necessária a avaliação legislativa? Segundo Cristas (2006, p. 81), a avaliação legislativa, sob o aspecto funcional, é um elemento essencial da legística material que pretende verificar na realidade social se certo ato normativo é necessário, quais os efeitos que produzirá e se cumpriu os objetivos a que se propunha; sob aspecto metodológico, visa a fundar as suas conclusões em elementos objetivos, fiáveis e controláveis. Este entendimento demonstra que a reflexão a que este componente se propôs é necessária e urgente. Temos observado que o nosso ordenamento jurídico é muito complexo, que existe um universo de leis que, em tese, estão em vigor mas não são eficazes. Essa universidade de leis está em todas as órbitas governamentais. É urgente, portanto, que se desenvolva um debate sobre as leis, sua eficácia, sua necessidade e seus impactos na sociedade. Esse debate deve acontecer em todos os âmbitos da sociedade para que se possa dizer que realmente vivemos em um Estado Democrático de Direito. 151 EaD 152 Aldemir Berwig EaD Referências PROCESSO E TÉCNICA LEGISLATIVA ALARCÃO, Rui de. A feitura das leis: uma perspectiva. Conferência proferida na sede do Conselho Distrital de Coimbra da Ordem dos Advogados. Disponível em: <http://www.oa.pt/ Uploads/{64788B1C-7F94-4C0B-B9EB-6B4F46557C9E}.doc>. Acesso em: 15 nov. 2006. BRASIL. Câmara dos Deputados. Conheça o processo legislativo. 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