CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO PARECER COREN-SP 017/2012 – CT PRCI n° 99.066/2012 Ticket n°s 275.609 e 275.952 Assunto: Realização pelo Enfermeiro de procedimento de recarga de bomba de morfina implantável. 1. Do fato Solicitado parecer por Enfermeiros à respeito da competência para a realização do procedimento de recarga de dispositivo de infusão de morfina (bomba) implantável em pacientes da neurocirurgia. Tal procedimento, delegado pelo médico, envolve bloqueio anestésico com Xylocaína 2%, prévio à injeção de morfina por punção do reservatório no espaço subcutâneo. Os Enfermeiros solicitam o esclarecimento sobre a legalidade de realizar o procedimento sem a presença do médico. Referem ter recebido treinamento do médico responsável para tal. 2. Da fundamentação e análise A dor crônica ou de intensidade grave tem impacto devastador no individuo e familiares em relação aos aspectos físicos, emocionais e sociais. Em função da complexidade da sensação dolorosa, torna-se fundamental uma abordagem multiprofissional com principal objetivo de avaliar e compreender o fenômeno doloroso, bem como obter o seu controle efetivo. Os profissionais devem assumir ações conjuntas visando promover a integridade, a funcionalidade e o bem estar dos pacientes. 1 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO Para tanto, utilizam-se diversas estratégias de tratamento envolvendo medidas farmacológicas e não-farmacológicas que, isoladas ou combinadas, têm como meta a eliminação ou alivio da condição dolorosa. Para uma orientação terapêutica adequada da dor é preciso seguir basicamente duas premissas: reconhecimento e tratamento de sua causa, e alívio do sintoma doloroso tão rápido quão possível para uma recuperação completa. Em princípio, a dor pode ser tratada de quatro maneiras: por drogas, por métodos invasivos, por métodos físicos e psicoterapia (OLIVEIRA; GABBAI, 1998, p. 88). A abordagem farmacológica para o tratamento da dor é a principal estratégia utilizada nos serviços de saúde. Envolve uma variedade de grupos farmacológicos que são propostos em esquemas terapêuticos individualizados a partir da avaliação das características da dor do paciente, bem como da causa ou doença associada. A terapia por drogas inclui tanto a administração sistêmica de medicamentos como procedimentos anestésicos locais ou de administração intratecal de determinadas drogas (OLIVEIRA; GABBAI, 1998, p. 88). A Organização Mundial da Saúde (OMS) preconiza como critério de tratamento a utilização da Escada Analgésica, conforme abaixo. Nos pacientes com dor leve a moderada, o primeiro degrau indica o uso de droga não opiácea (anti-inflamatórios não esteroidais), com adição de uma droga adjuvante, conforme a necessidade. Se a droga não opiácea, em dose e frequência recomendada não alivia a dor, passa-se para o segundo degrau, onde se adiciona um opioide fraco. Se a combinação de opioide fraco com o não opioide também não for efetiva no alívio da dor, substitui-se o mesmo por um opioide forte (BRASIL, 2001, p. 22). 2 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO Fonte: palliumcsnisa.blogspot.com As condições de dores crônicas intensas, com resposta inadequada ao tratamento farmacológico convencional, requerem a abordagem intervencionista. Segundo Mendonça et al. (2008, p. 12), o tratamento intervencionista deve ser considerado nas seguintes condições: quando os tratamentos convencionais falharam ou apresentaram efeitos colaterais intoleráveis; após avaliação de condições físicas e sociais; após excluir outras causas de analgesia incompleta; em pacientes em bom estado clinico, com grande probabilidade de resposta terapêutica; e existência de profissionais com experiência para a realização dos procedimentos. Dentre os procedimentos intervencionistas indica-se o bloqueio neural com analgésicos e neuroliticos, que consiste na infusão intratecal e epidural de drogas através da inserção de cateteres em nível específico da medula espinhal, o que produz profunda analgesia sem bloqueios motores, sensoriais ou simpáticos. A vantagem é o alcance desse efeito com doses baixas de morfina e redução dos efeitos colaterais. Este tratamento está indicado para dores abdominais, pélvicas e difusas de difícil controle com tratamentos regionais (MENDONÇA et al., 2008, p. 13). 3 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO A terapia de infusão espinhal, conhecida como bomba de morfina consiste num sistema de fluxo constante, composto essencialmente por uma bomba de titânio e um cateter de silicone (LEÇA; LEÇA; GÓIS, 2006). O implante da bomba deve ser precedido pelo teste, que envolva a injeção da medicação por cateter epidural durante alguns dias até que se avalie controle da dor e efeitos colaterais. A técnica do implante consiste em punção da raque, fixação do cateter no músculo e subcutâneo, tunelização do mesmo, pelo subcutâneo até o abdômen, onde é conectado a bomba, localizada em bolsa do subcutâneo abdominal (LABRUNA, 2008). Ressalta-se que a instalação dos sistemas implantáveis é um procedimento de competência exclusiva do profissional médico. A analgesia espinhal compreende a administração epidural ou intratecal de drogas para alívio da dor. Cateteres espinhais são implantados por especialista (usualmente, anestesista do grupo de dor) e a escolha pela infusão epidural ou intratecal dependerá de sua preferência (BRASIL, 2001, p. 67-8). A administração da droga pelo sistema implantável é feita lenta e continuamente, com necessidade de preenchimento do reservatório no período de 30 a 60 dias. Este procedimento envolve a punção do reservatório com agulha e infusão da droga. Os Enfermeiros solicitantes do parecer referem ter recebido treinamento pelo médico neurocirurgião para o preenchimento da bomba. O procedimento é semelhante à punção com agulha de catateres port-a-cath, o que é realizado rotineiramente por Enfermeiros treinados nos serviços de oncologia. Entretanto, os Enfermeiros consultantes citam no procedimento a realização prévia de botão anestésico com Xylocaína 2% subcutânea, sendo respeitada técnica asséptica. A realização de anestesia local por Enfermeiros está permitida somente na situação de assistência ao parto normal sem distocia, conforme a determinação da Lei do Exercício Profissional da Enfermagem, Lei nº 7.498/86, artigo 11, parágrafo único, alínea “c”, em que incumbe aos Enfermeiros obstetras a realização de episiotomia e episiorrafia e 4 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO aplicação de anestesia local, quando necessária. (BRASIL, 1986; CONSELHO DE ENFERMAGEM, 2009). Na prática clinica, a realização de anestesia local é um procedimento atribuído exclusivamente a médicos e odontólogos. Segundo a Resolução do Conselho Federal de Medicina (CMF) nº 1.802/2006, que dispõe sobre a prática do ato anestésico, cabe ao médico anestesista conduzir as anestesias gerais e regionais com segurança, bem como decidir da conveniência ou não da prática do ato anestésico, de modo soberano e intransferível (CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA, 2006). Nesta situação, considera-se o artigo 31 do Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem, que proibe a prescrição de medicamentos, exceto nos casos previstos na legislação vigente e em situação de emergência, e o artigo 13, que determina que o profissional deve avaliar sua competência técnica e legal e somente aceitar encargos ou atribuições, quando capaz de desempenho seguro para si e para outrem, podendo recusar ações que não são de sua competência (CONSELHO FEDERAL de ENFERMAGEM, 2007). 3. Da Conclusão A atuação do Enfermeiro no controle da dor dos pacientes é de extrema importância e se dá em conjunto com a equipe multidisciplinar. Várias são as ações realizadas pelo Enfermeiro no contexto de alívio da dor, seja na administração de analgésicos prescritos pelo médico, seja na implementação de medidas não-farmacológicas como conforto, aplicação de métodos físicos, massagens, entre outras. É fundamental a participação e acompanhamento do Enfermeiro na avaliação da dor e dos resultados das medidas analgésicas. No que se refere ao tratamento intervencionista, o Enfermeiro fica limitado ao acompanhamento dos procedimentos realizados pelo médico, com intervenções dependentes e prescritas, por envolver principalmente o uso de fármacos. 5 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO Considerando o exposto, esclarece-se que a recarga de bombas de infusão pode ser realizada pelo profissional Enfermeiro, exclusivamente dentro da equipe de enfermagem, estando o mesmo devidamente capacitado para o procedimento de punção do reservatório. Neste sentido considera-se adequado que o Enfermeiro realize o preenchimento e a recarga da Bomba de Morfina, desde que a punção não inclua a anestesia local por infiltração de Xilocaína subcutânea, ação esta que não compete a este profissional. Sugerese que a analgesia cutânea, se necessária, seja substituída por agentes anestésicos tópicos mediante prescrição médica. É o parecer. São Paulo, 21 de agosto de 2012. Membros da Câmara Técnica Prof. Dr. Mauro Antonio Pires Dias da Silva Enfermeiro Presidente COREN-SP 5.866 Ms. Marcília R. C. Bonacordi Gonçalves Enfermeira Conselheira COREN-SP 47.797 Profa. Dra. Carmen Maria Casquel Monti Juliani Enfermeira COREN-SP 44.306 Prof. Dr. Paulo Cobellis Gomes Enfermeiro COREN-SP 15.838 Profa. Dra. Consuelo Garcia Corrêa COREN-SP 37.317 Enfermeira Ms. William Malagutti Enfermeiro COREN-SP 36.580 Prof. Dr. João Batista de Freitas Enfermeiro COREN-SP 43.776 Alessandro Lopes Andrighetto Enfermeiro COREN-SP 73.104 Regiane Fernandes Enfermeira e Fiscal COREN-SP 68.316 6 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO Referências BRASIL. Lei nº 7.498, de 25 de junho de 1986. Dispõe sobre a regulamentação do exercício da Enfermagem e dá outras providências. Disponível em: <http://site.portalcofen.gov.br/node/4161>. Acesso em: 17 ago. 2012. BRASIL. Ministério da Saúde. Instituto Nacional de Câncer. Cuidados paliativos oncológicos: controle da dor. Rio de Janeiro: INCA, 2001. CONSELHO FEDERAL DE ENFERMAGEM. Resolução n° 311, de 08 de fevereiro de 2007. Código de Ética dos Profissionais de Enfermagem. Disponível em: <http://site.portalcofen.gov.br/node/4158>. Acesso em: 13 ago. 2012. CONSELHO FEDERAL DE MEDICINA. Resolução n° 1802, de 04 de outubro de 2006. Dispõe sobre a prática do ato anestésico. Disponível em: <http://www.portalmedico.org.br/resolucoes/CFM/2006/1802_2006.htm>. Acesso em: 21 ago. 2012. LABRUNA, R. M. Implante de bomba de infusão para tratamento de dor neuropática. Revista de Neurocirurgía Funcional, Esterotáxia, Radiocirugía e Dolor, v. 3, n. 1, maio 2008. Disponível em: <http://www.neurotarget.com/v3n1_implante_de_bomba.html> Acesso em: 13 ago. 2012. LEÇA, S.; LEÇA, N.; GÓIS, R. Bombas de morfina: cuidados de enfermagem. Fórum de dor das ilhas do atlântico, 2006. Disponível em: <HTTP://www.forumdor.org/bombasmorfina.htm>. Acesso em 13 ago. 2012. 7 CONSELHO REGIONAL DE ENFERMAGEM DE SÃO PAULO MENDONÇA, I. C. A.; BRETAS, C. G.; CARVALHO, L. M. A.; AVELAR, S. O. A.; KELLES, S. M. B. Tratamento da dor do paciente oncológico. UNIMED-BH – Grupo de Avaliação de Tecnologias em Saúde – GATS. Belo Horizonte. 2008. 20 p. Disponível em: <www.unimed.com.br/pct/servlet/ServletDownload?id>. Acesso em: 20 ago. 2012. OLIVEIRA, A. S. B.; GABBAI, A. A. Abordagem Terapêutica da Dor Neuropática na Clínica Neurológica. Rev. Neurociências, v. 2, n. 6, 1998. Disponível em: <http://www.unifesp.br/dneuro/neurociencias/Neurociencias%2006-2.pdf>. Acesso em: 20 ago. 2012. Aprovado na 802ª Reunião Plenária Ordinária. 8