A inconstitucionalidade do voto obrigatório

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Universidade Federal Fluminense
Faculdade de Direito
Curso de Graduação em Direito
CAROLINA MATTOS LOURIVAL
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO VOTO OBRIGATÓRIO:
ANÁLISE JURÍDICA, HISTÓRICO-SOCIAL E FILOSÓFICA DE SUA
INEFICÁCIA.
Niterói
2016
Universidade Federal Fluminense
Faculdade de Direito
Curso de Graduação em Direito
CAROLINA MATTOS LOURIVAL
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO VOTO OBRIGATÓRIO:
ANÁLISE JURÍDICA E HISTÓRICO SOCIAL DA INEFICÁCIA DO
VOTO COMPULSÓRIO.
Trabalho de Conclusão de Curso apresentada ao Curso
de Direito da Universidade Federal Fluminense, como
requisito parcial para a obtenção do título de Bacharel
em Direito.
Orientador: Prof. Manoel Martins Júnior
Niterói
2016
Ficha Catalográfica elaborada pela Biblioteca Central do Gragoatá
Lourival, Carolina Mattos.
A (In)Constitucionalidade do voto obrigatório/ CAROLINA MATTOS LOURIVAL. –
2016.
63f.
Orientador: MANOEL MARTINS JÚNIOR.
Trabalho de Conclusão de Curso – Universidade Federal Fluminense, Faculdade
de Direito, Departamento de Direito Público, 2016.
Bibliografia: f. 60 a 62.
1.Voto Obrigatório. 2. Voto Facultativo. 3.Inconstitucionalidade de normas
constitucionais. 4.Direitos políticos. 5. Eficácia. 6.Direito Constitucional. 7. Rio de
Janeiro (RJ). Martins Jr., Manoel. II. Universidade Federal Fluminense. Faculdade
de Direito III.A (in)Constitucionalidade do voto obrigatório. CDD 000.000000
Universidade Federal Fluminense
Faculdade de Direito
Curso de Graduação em Direito
CAROLINA MATTOS LOURIVAL
A (IN)CONSTITUCIONALIDADE DO VOTO OBRIGATÓRIO:
ANÁLISE JURÍDICA E HISTÓRICO SOCIAL DA INEFICÁCIA DO
VOTO COMPULSÓRIO.
BANCA EXAMINADORA
............................................................
Prof. Manoel Martins Júnior
Universidade Federal Fluminense
Niterói
2016
DEDICATÓRIA
Dedico este Trabalho de Conclusão de Curso a
Itan de Azeredo Mattos e Gilda Martins Mattos por toda a criação e
educação de valores que formaram meu caráter, pelo apoio e amor incondicional de
verdadeiros mentores, que ultrapassa o título de avós;
Walter dos Santos Lourival, que está ao lado de Deus, a quem espero ter
correspondido a todas as expectativas e conseguir encher de orgulho,
Cinara Martins Mattos, a cujo apoio essencial me possibilitou o ingresso na
Universidade Federal Fluminense;
Luiz Renato Macedo de Aguiar Peixoto, por todo seu apoio, suporte,
paciência e dedicação;
AGRADECIMENTO
Agradeço àqueles que contribuíram de maneira relevante, para a realização
desse trabalho,
Como o Grande Mestre Professor Manoel Martins Júnior.
EPÍGRAFE
“Uma sociedade só é democrática quando: ninguém for
tão rico que possa comprar alguém; ninguém for tão pobre que
tenha de se vender a alguém.”
Jean-Jacques Rosseau
RESUMO
O presente trabalho tem por objetivo concluir o porquê da
inconstitucionalidade do voto obrigatório, através dos preceitos da Filosofia política,
teorias de poder, da desconstrução dos argumentos a favor, e comprovar sua
possibilidade jurídica. Procura demonstrar ainda a realidade por traz da manutenção
da obrigatoriedade em sua realidade nada democrática.
Palavras-chave: Voto Obrigatório. Consciência Política. Teoria do Estado.
Teoria da Constituição. Normas Constitucionais Inconstitucionais. Direito Público.
ABSTRACT
This paper, based on precepts of philosophical politics, research of the
theorys of power and desconstruction of arguments, aims on giving jurisdictional
answers on why compulsory voting is uncostitutional. Furthermore it brings a critical
view on the paths used to maintain this system and evaluate its antidemocratic
character.
Keywords: compulsory voting. Politica consciousness. Theory of the state.
Contitutional theory. Constitutional and Unconstitutional Standards. Public Law.:
Sumário
Sumário...................................................................................................................................... xi
1
2
3
4
INTRODUÇÃO ................................................................................................................ 13
Estado democrático de direito e sua legitimação pelo voto ............................................. 16
2.1
2.2
Teoria da Constituição ............................................................................................... 19
nacionalidade e sua importância para consciência política .............................................. 21
3.1
3.2
Construção do Nacionalismo brasileiro ..................................................................... 21
Nacionalismo e Consciência Política ......................................................................... 22
A evolução do voto nas constituições brasileiras e seu contexto histórico-social............ 24
4.1
Constituições Brasileiras de 1824 e 1891 .................................................................. 24
4.3
As Constituições de 1946 e 1967 ............................................................................... 27
4.2
5
Teoria Clássica do Estado .......................................................................................... 16
4.4
As Constituições de 1934 e 1937 ............................................................................... 26
A Constituição de 1988.............................................................................................. 27
voto obrigatório x voto facultativo ................................................................................... 29
5.1
Voto Obrigatório ........................................................................................................ 29
5.1.1
O voto é um poder-dever .................................................................................... 29
5.1.3
O exercício do voto é fator de educação política................................................ 30
5.1.2
5.1.4
5.1.5
5.2
A maioria dos eleitores participa do processo eleitoral ...................................... 30
A falta de maturidade democrática para adotar o voto facultativo ..................... 31
O voto obrigatório não constitui ônus para o Brasil ........................................... 31
Voto Facultativo ........................................................................................................ 31
5.2.1
O voto é um direito e não dever ......................................................................... 32
5.2.3
O voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral ................................ 32
5.2.5
A maturidade democrática brasileira .................................................................. 34
5.2.2 O voto facultativo é adotado por todos os países desenvolvidos e com tradição
democrática....................................................................................................................... 32
5.2.4
6
Educação e consciência política ......................................................................... 33
5.3
Conclusões acerca do voto facultativo x obrigatório ................................................. 35
6.1
Invalidade de normas constitucionais e competência do Constituinte Derivado....... 38
6.3
As diferentes possibilidades de normas constitucionais inconstitucionais (inválidas)
40
a inconstitucionalidade de normas constitucionais ........................................................... 37
6.2
Constituição e direito supralegal................................................................................ 40
7
8
9
6.4 Possibilidade jurídica da inconstitucionalidade do voto obrigatório segundo a Teoria
de Otto Bachof ...................................................................................................................... 44
CONSIDERAÇÕES FINAIS ........................................................................................... 48
CONCLUSÃO .................................................................................................................. 58
Fontes ............................................................................................................................... 60
9.1
9.2
Referências Bibliográficas ......................................................................................... 60
Outras Referências ..................................................................................................... 62
13
1 INTRODUÇÃO
Para nos debruçarmos sobre o tema em questão que consiste na
inconstitucionalidade do voto obrigatório, é preciso ir mais além.
O objetivo principal do presente trabalho é analisar a questão da
inconstitucionalidade do voto obrigatório, para constatar de maneira conclusiva o
porquê de sua inconstitucionalidade.
O objetivo secundário é analisar a questão através do prisma de sua eficácia
em termos de exercício da soberania por parte do cidadão brasileiro, titular desse
direito/dever, perpassando por toda construção histórica e social de nacionalidade
do brasileiro, evolução político, social e constitucional do Estado democrático de
direito e sobre a discussão da inconstitucionalidade de normas constitucionais para
que se possa chegar a uma conclusão concreta.
Tendo como base um intenso estudo sobre a doutrina existente que baseia
desde a Teoria Clássica do Estado e da Constituição até chegarmos aos
doutrinadores atuais, que versam sobre o tema do Direito Constitucional Positivo e
sua real eficácia enquanto norma.
Essa visão abrangente, partindo de estudos históricos e sociológicos mostra-
se necessária, tendo em vista que apenas as teses jurídicas não são suficientes
frente à complexidade do assunto, e para que se possa construir uma tese com
argumentação sólida.
A argumentação faz parte do mundo jurídico, que é feito de linguagem,
racionalidade e convencimento. É a atividade de fornecer razões para a defesa de
um ponto de vista, o exercício de justificação de determinada tese ou conclusão.
Trata-se de um processo racional e discursivo de demonstração da correção e da
justiça da solução proposta, que tem como elementos fundamentais: a linguagem,
as premissas que funcionam como ponto de partida e regras norteadoras da
passagem das premissas à conclusão.
Todas as análises feitas e aqui expostas, são de suma importância para que
a conclusão alcançada seja sustentada em alicerces firmes.
14
Em tempos de profunda crise no país que atinge todos os setores, estamos,
de fato, vivendo um marco histórico. A crise institucional afeta não só o Estado, mas
a sociedade como um todo.
Como aspecto positivo, podemos destacar desde as manifestações que
marcaram o mês de junho de 2013, uma mudança de pensamento da sociedade
brasileira. O cidadão brasileiro, em geral possui uma visão de sociedade limitada,
restrita a sua própria família e as pessoas de seu círculo de convivência social.
Poucos são aqueles que conseguem se enxergar como parte de um todo,
como uma célula inserida dentro de um organismo complexo, tendo uma
responsabilidade única sobre a função vital desse organismo. Sendo ainda as
atividades dessas, mesmo que independentes das outras, e únicas em suas
funções, geradoras de consequências diretas no funcionamento desse organismo e,
consequentemente, das outras células componentes desse, interdependentes entre
si.
Assim é a relação entre a sociedade e o Estado: a sociedade é o conjunto
de pessoas que legitima o Estado Democrático de Direito, através de sua
responsabilidade única (voto) sobre a função do organismo (Estado) que por sua vez
irradia consequências nas outras células (cidadãos) criando uma relação de
interdependência.
O voto de cada cidadão influência na vida do outro, na medida em que
escolhe os representantes da sociedade como um todo.
Porém, a falta dessa visão ampla de sociedade afeta diretamente a política
do país e todos os outros setores, pois quando um cidadão vai as urnas ele pensa
somente na representatividade dos ideais e necessidades daquele seu círculo de
convivência, ignorando e negligenciando as necessidades sociais como um todo.
Além disso, não faz parte da cultura brasileira a consciência política. Não é
comum ver que as pessoas escolheram um candidato mediante intensas pesquisas
sobre suas ideias, ideais, objetivos, propostas, projetos e etc., e muito menos um
acompanhamento por parte desses eleitores sobre a atuação do respectivo, caso
eleito.
Tudo isso é decorrente dessa falta de visão ampla e fundamental de
sociedade, que teve como resultado a crise que vivenciamos.
15
Entretanto, quando todos são bombardeados de informações sobre:
escândalos de corrupção; crise econômica -que causa impacto na mesa e no bolso;
sucateamento da saúde e da educação pública -no momento onde se fazem tão
essenciais. Dissemina-se uma grande e geral insatisfação em relação aos
representantes. Há uma mudança tímida de pensamento, por parte daqueles que
negligenciavam os acontecimentos do além-lar, mesmo que tudo isso seja resultado
da influência da grande mídia, positiva e negativa.
Decorrente da crise institucional, o Judiciário aparece como grande salvador
da pátria em bancarrota, porém ao se evidenciá-lo em seus aspectos positivos
expõe-se também seu lado obscuro, quando se percebe que o mesmo é falho por
muitas vezes, e que a justiça nem sempre é justa, ou seja não atende ao conceito de
justiça romântico (conceito dicotômico entre bem e mal, havendo justiça quando o
bem triunfa sobre o mal), pré-concebido por cada um.
E assim, chegamos ao ponto crucial: se a justiça não é justa, isso é culpa de
quem a aplica, ou o ordenamento é falho? E se é falho, onde está a falha? E iniciase assim, um questionamento social intenso sobre os institutos jurídicos e o papel do
próprio Judiciário na sociedade. Na esteira desses acontecimentos, abriu-se espaço
para debates sobre institutos, que até então estavam estáticos, principalmente no
âmbito constitucional.
O contexto nacional mostra-se propício, aberto, receptivo e carente de novas
ideias e questionamentos, e até mesmo de retomadas de assuntos que estavam
abandonados, sobre o que antes parecia ser imutável, então por que não focarmos
na fonte de legitimação do Estado Democrático de Direito?
16
2 ESTADO DEMOCRÁTICO
LEGITIMAÇÃO PELO VOTO
2.1
DE
DIREITO
E
SUA
Teoria Clássica do Estado
A ascensão da burguesia ao poder trouxe uma nova necessidade de
legitimação, se no modelo social que o antecedeu o exercício do poder era algo
natural (organicista), comportando uma defesa social ilimitada, na nova ordem passa
a ser artificial (contratualista) e modificável. A ideia do contrato social não foi um
mero recurso liberal, mas o paradigma da disputa política no espaço aberto pela
revolução industrial.
Dentre os pensadores contratualistas, destacam-se as ideias de Thomas
Hobbes, John Locke, Immanuel Kant e principalmente Jean Jacques Rosseau.
Embora sejam frequentemente postos em uma mesma corrente de
pensamento, Thomas Hobbes e John Locke, possuem inúmeros pontos de
divergência. O primeiro sustenta que, antes do estabelecimento do contrato, os
homens viviam em um estado de guerra, onde todos lutavam contra todos, não
havia segurança e, portanto, a liberdade era constantemente ameaçada.
No capítulo XIII de O Leviatã, obra na qual Hobbes desenvolve a defesa do
absolutismo inglês, observa, de maneira etnocêntrica, que o estado de guerra pode
ser encontrado na América. Passando-se desse estado para o estado civil, não se
pode admitir, segundo ele, o direito de resistência; o poder deve estar concentrado
nas mãos do soberano encarregado de impor a paz.
Diferentemente, para Locke, ideólogo do parlamentarismo burguês, o
estágio anterior à criação da sociedade é o estado de natureza, onde todos vivem
livre e harmoniosamente. Assina-se o contrato apenas com o intuito de aperfeiçoálo.
Nesse caso, o direito de resistência é admitido, pois não pode o soberano
pretender e/ou cercear os direitos naturais dos indivíduos. Para ele, o estado de
guerra é declarado pelo infrator, que assim se converte num inimigo da humanidade.
17
A contradição presente em ambos os autores, refere-se ao fato de não terem
percebido que o poder punitivo exercido pelo Estado, independente de seu modelo,
sempre limita a liberdade; quando legitimado, já se tem a destruição dos próprios
limites que traça.
A filosofia de Immanuel Kant, próximo do despotismo ilustrado, sob a égide
do “século das luzes”, sustenta que o ser humano jamais pode ser tratado como
meio, porque contrário à moral, mas, sim, como um fim em si mesmo - imperativo
categórico kantiano. Todavia, ao conceber a pena como um meio que garantisse o
imperativo categórico, caiu em contradição, justificando que aquela não mediatizaria
o homem porque era a única garantia de seu tratamento enquanto humano. Como
dever do estado civil, a pena (talião) deve ser imposta sempre que um delito for
cometido. Nesse sentido, assim como Hobbes, Kant não admitia o direito de
resistência à opressão, uma vez que o imperativo categórico só pode existir no
estado civil.
Por fim, Jean Jacques Rosseau, identifica o problema principal, ao qual o
Contrato Social encontrou a solução:
Encontrar uma forma de associação que defenda e proteja de toda
força comum, as pessoas e os bens de cada associado, e pela qual
qualquer um, se unidos a todos, obedeça apenas, portanto, a si
mesmo, e permaneça tão livre quanto antes. (ROSSEAU, p. 27.)
Nasce assim, o chamado Contrato Social, o qual nada mais é hoje que
nossa magnífica Carta Magna, com a criação de aglomerados, de povoados, sobre
os quais assim dispõe:
Esta pessoa pública, que é formada destarte pela união de todas as
outras, tinha antigamente o nome de cidade e agora o de república
ou de corpo político, que é chamado pelos seus membros Estado
quando é passivo, soberano como ativo, potência comparando-o a
seus semelhantes. Quanto aos associados, recebem coletivamente o
nome de povo, e se chamam individualmente cidadãos. (ROSSEAU,
p.28)
Já naquela época pensava-se na transmissão da soberania popular, em que
o soberano iria exercer a mando do povo, contudo esta sempre seria do povo:
Afirmo que a soberania sendo apenas o exercício da vontade geral,
jamais pode ser alienada, e que o soberano, que é um ser coletivo,
apenas pode ser representado por si mesmo: o poder pode ser
transmitido, mas não a vontade. (ROSSEAU, p.37)
18
Esse direito mostra-se então indivisível e inalienável. A soberania é
indivisível pela mesma razão que é inalienável; pois a vontade é geral.
Assim a soberania popular deve ser exercida por todos e para todos, posto
que quando todos a exercem mediante o voto, realizarão, pensando cada um em si
mesmo, e assim com a vontade de cada particular, teremos a vontade geral.
As reuniões, assembleias, onde o povo deveria deliberar teriam de ser
obrigatórias, e o povo deveria comparecer em data determinada, porque somente
submetendo a vontade de todos ao sufrágio universal é que saberemos qual a
vontade geral, afirma ainda ser nula qualquer lei se não ratificada pelo povo.
Rousseau defendia que a segurança jurídica deveria ser de certa forma
mantida por ser perigoso tocar na Constituição “Pacto Social” e forma de Governo,
entretanto, caso deseje o povo neles tocar, modificar ou até mesmo abolir, assim o
poderão fazer, pois o povo é que o constituiu para dessa maneira para si e, portanto
tem o direito de dele fazer o que lhe convier. (p.38)
Do ponto de vista histórico, o processo de formação dos Estados visou
aplicar como pilar Constitucional a soberania popular, a qual somente é
compreendida através da ideia de pacto social.
Concretamente, na impossibilidade de reunir todo o povo em praça pública
para manifestar livremente sua vontade, buscaram-se outras formas viáveis para
que tal vontade pudesse expressar-se, manifestando a realização do pacto. Por isso
nos primeiros estados modernos a questão da soberania popular foi tratada
juntamente com o problema da representação, ou seja, dos diferentes arranjos
institucionais que tornam possível a expressão de tal soberania. Por conseguinte,
concluísse que toda Constituição que pretenda ser legítima deve resultar,
necessariamente, de uma Assembleia Nacional Constituinte responsável por sua
elaboração.
A máxima - “Todo poder emana do povo e em seu nome deverá ser
exercido” que abre as Constituições modernas, é a expressão da origem de que
todo poder legítimo existente em uma sociedade se afirma derivado de uma única
fonte: soberania popular.
19
Por isso, só o povo em seu conjunto compete legislar, quando se trata de
organizar o Estado e a nação, de definir a cidadania e fixar as relações dos cidadãos
entre si e em relação ao seu Estado, no momento de instituir a Constituição de um
país. Só ao povo caberia, o Poder Constituinte Originário, e ele o manifesta através
de uma Assembleia Nacional, na qual haverá representantes livremente escolhidos,
aos quais incumbe legislar, sem que nenhum poder possa a ela sobrepor-se.
2.2
Teoria da Constituição
Para os doutrinadores da Teoria da Constituição, como José Afonso da Silva
que conceitua democracia, como a realização da igualdade, da liberdade e da
dignidade da pessoa humana. Para ele o Estado Democrático funda-se no Princípio
da Soberania Popular, que impõe a participação efetiva do povo na coisa pública.
Assim, não é um valor fim, mas sim, o meio e instrumento de realização de
valores essenciais de convivência humana, onde o poder repousa na vontade do
povo, sendo o princípio democrático garantidor dos direitos fundamentais da pessoa
humana.
Na mesma esteira de pensamento, preleciona o professor Thiago Pellegrini
Valverde:
(...)podemos conceituar democracia como sendo a soberania
popular, de distribuição equitativa de poder, que emana do povo,
pelo povo e para o povo, que governa a si mesmo ou elege
representantes, através do sufrágio, direto, universal, secreto,
facultativo, onde todos devem estar representados, porém
prevalecendo a vontade da maioria, desde que não contrarie os
princípios da legalidade, igualdade, liberdade e da dignidade da
pessoa humana.
No tocante a questão do Poder Constituinte Originário, José J. G. Canotilho
o compara com a soberania, pois ambos são pertencentes ao povo, como
indivíduos, onde cada cidadão exerce sua cota de soberania individualmente ao
exercitar o poder de voto.
20
Cumpre salientar que o direito Constitucional tendo sido criado pelo poder
constituinte originário, o qual emana do povo e para o povo, estabeleceu a soberania
popular e o direito à cidadania, a forma federativa de estado e a representação
política, portanto, seria mais que contraditório dizer que o próprio povo criou uma
norma
não
para
governar
as
leis e
sim
para
governar
a
si
próprio,
consequentemente obrigando a cada cidadão que pode exercer sua parcela de
soberania popular, a obedecer a uma norma imposta por um legislador que recebeu
representação política por determinado período.
21
3 NACIONALIDADE
E
SUA
CONSCIÊNCIA POLÍTICA
3.1
IMPORTÂNCIA
PARA
Construção do Nacionalismo brasileiro
A comunidade brasileira surgiu a partir da miscigenação de nacionalidades,
tendo seu início no período colonial, que deu origem ao brasileiro. Sendo esse
resultado da mistura entre negros, portugueses e os próprios indígenas.
Frisa-se que os negros não eram componentes de uma única nação,
eles eram provenientes de uma alta variedade de etnias, tribos, e nações diferentes
da África. Entre 1750 e 1850, segundo João José Reis só a Bahia importou escravos
das regiões do Golfo do Benin e do antigo Daomé, principalmente povos Aja-Fonewe (jejes), iorubas (nagôs) e haussás.
Esse povo que surge então não comunga de uma consciência coletiva
homogênea nem de uma nacionalidade desenvolvida por meios próprios e sim por
uma acumulação cultural advinda de povos de sociedades além mar.
No dicionário se buscarmos o significado de Nacionalismo, temos que:
s.m. Preferência determinada pelo que é o próprio à nação à qual se
pertence. Doutrina que reivindica para a nação o direito de praticar
uma política ditada unicamente pelos seus interesses, opondo-se a
qualquer associação suscetível de limitar-lhe a liberdade de ação.
Movimento social de indivíduos que tomam consciência de formar
uma comunidade em virtude dos elos étnicos, linguísticos, culturais
etc., que os unem.
A nacionalidade nasce então de uma visão exteriorizada, devido também a
mentalidade europeia que via os brasileiros não como um povo descendente de
outro, e sim como uma nova espécie emergente.
O fato do brasileiro não se identificar com nenhum outro povo, nem com o
seu povo indígena nativo, nem com os negros africanos, nem com os europeus e
nem os próprios brasileiros se identificarem entre si, cria a priori um sentimento
simplesmente de integração, sendo o território como o único elemento de união.
22
Diante disso, esse novo povo transfere seu sentimento de nacionalidade da
sociedade como um todo para os núcleos parentais. A proximidade entre famílias, e
a dos patrões com seus subordinados vai criando um vínculo entre as pessoas que
passam a se aceitar como partes integrantes de um todo nacional.
É bem provável que o brasileiro comece a surgir e a reconhecer-se a
si próprio mais pela percepção de estranheza que provoca no
lusitano, do que por sua identificação como membro das
comunidades socioculturais novas, porventura também porque
desejoso de remarcar sua diferença e superioridade frente aos
indígenas.(RIBEIRO, p.127)
No interior do país os vínculos fundados na “vassalagem” vão se fixando
juntamente com a autonomia dos proprietários de terras e produtores rurais. Assim,
além de sua autoridade como patrões, esses senhores tinham autoridade familiar, e
eram verdadeiros líderes em sua localidade, e o que diziam em suas terras era lei,
para todos que ali viviam e deles dependiam.
3.2
Nacionalismo e Consciência Política
Além do fator cultural que influencia diretamente o desenvolvimento da
sociedade brasileira, a falta de consciência política pode ser explicada por fatores
que estão ligados ao caráter sócio político, como o nacionalismo.
A falta desse sentimento afeta diretamente a participação da sociedade nos
assuntos políticos, visto que a falta dessa consciência de pertencer a uma nação, e
um só povo, gera um menor interesse pelo coletivo, e pelo político.
O sentimento de pertencimento revolucionou muitos Estados fazendo com
que o fenômeno do nacionalismo mudasse toda uma sociedade, propulsionando
pensamentos que culminaram em grandes mudanças resultantes de revoluções
sociais, políticas e econômicas, citando como exemplo a Revolução Francesa.
Segundo Hélio Jaguaribe, o nacionalismo brasileiro é classificado como
integrador, a qual resume-se: ‘O propósito configurador e preservador de uma
nacionalidade historicamente possível, experimentada como necessária por seus
membros, mas ainda não constituída ou consolidada politicamente’(1958, p.21)
23
Essa condição provocou um nacionalismo tardio, nas últimas décadas do
século XX.
O verdadeiro sentimento nacionalista, seja do ponto de vista psicológico ou
sociológico , tendo início somente no início desse século. Antes disso, a economia
brasileira, bem como seus costumes e cultura eram intimamente dependentes e
influenciados pelas potências europeias e pelos Estados Unidos da América.
Até momentos como a proclamação da Independência e da República
tenham sido atos retratados, erroneamente, como uma defesa e um sentimento
proveniente da Nação, elas não modificaram de fato as instituições e estruturas
econômicas e políticas do Brasil.
Tendo como contexto histórico o pós-Primeira Guerra e a quebra da bolsa
de Nova Iorque, houve um terreno fértil para o nascimento de um sentimento
nacional, uma vez que a economia, antes totalmente dependente do mercado
externo, buscou no mercado interno a recuperação para a crise econômica mundial.
Destaca-se a Semana de Arte Moderna em 1922, unidos aos movimentos
políticos como o tenentismo, às políticas de contenção da crise com os
investimentos no mercado interno e às medidas futuramente tomadas durante a Era
Vargas, como marcos que contribuíram para a consolidação de uma identidade
brasileira mais nacionalista, onde evidencia-se uma onda de preocupações voltadas
às questões internas do país.
Percebe-se assim, que o surgimento do nacionalismo é tardio pois não
possui relação direta com os processos de Independência e de proclamçaõ da
República. Em consequência disso, temos a consciência política pouco disseminada
e, muitas vezes, inexistentes em certas áreas do país que não tiveram acesso e nem
influência direta desses movimentos.
Sendo assim, pode se dizer que o nacionalismo brasileiro concreto limita-se
ao futebol, o que compromete diretamente o exercício da soberania popular.
24
4 A EVOLUÇÃO DO VOTO NAS CONSTITUIÇÕES
BRASILEIRAS E SEU CONTEXTO HISTÓRICO-SOCIAL
O voto no Brasil passou por intensas mudanças, desde que foi garantido na
primeira Constituição pátria em 1824 até a Constituição atualmente vigente de 1988.
Porém a análise a ser realizada, vai além de sua evolução Constitucional, e
alcança seus contextos histórico-sociais, de fundamental importância para que esse
direito dever possa ser compreendido em sua totalidade e se tenha uma visão ampla
não só de sua importância como direito fundamental do Estado Democrático de
Direito, mas como seu manejo enquanto instrumento político.
4.1
Constituições Brasileiras de 1824 e 1891
A primeira Constituição brasileira foi criada ainda na época do Império em
1824, e possui forte influência do liberalismo, sobretudo no rol de direitos individuais
bem como na adoção da tripartição dos poderes.
O voto era direto para as eleições de juiz de paz e vereadores – cargos
locais. Para a Assembleia Provincial, Senado e Câmara dos Deputados o voto era
indireto e não obrigatório até 1880.
Só podiam votar homens maiores de 25 anos. Os maiores de 21 anos
podiam votar se fossem casados ou oficiais militares. Não possuíam idade mínima
para votar os clérigos e bacharéis, os analfabetos não eram proibidos de votar,
porém era necessária a assinatura da cédula, o que limitou o direito de voto desses.
O mais importante aqui, é que havia exigência de obtenção de renda anual para que
se tivesse direito ao voto, sendo esse censitário.
Após o golpe de Estado onde destitui-se a monarquia, inicia-se a República
Velha ou Primeira República, o período republicano compreendido entre 1889 e
1930.
25
A segunda Constituição brasileira veio em 1891, trazendo a eliminação do
voto censitário, porém manteve-se a assinatura necessária da cédula –o que na
prática excluía os analfabetos do direito ao voto-, os menores de 21 anos(com
exceção dos casados,dos oficiais militares, os bacharéis e doutores e dos clérigos
de ordens sacras),e os praças, e as mulheres. O voto era aberto e não obrigatório.
É importante dizer, que a vedação das mulheres e dos analfabetos ao voto
não era expressa, e sim tácita.
A República Velha é divida ainda em dois períodos, A República da Espada
durou entre 1889 e 1894. Com o fim dessa, deu-se início a República Oligárquica
que foi marcada pelo controle político exercido pela oligarquia cafeeira paulista e a
rural mineira, conhecida como política do café com leite.
Assim, nos períodos de eleição a ordem dos senhores e o seu apoio político
aliados ao voto aberto, geravam um grande número de votos a favor de
determinados candidatos. Esse modelo de influência dos pleitos por parte das elites
agrárias ficou conhecido como o coronelismo.
Entre os senhores de terra era feita a escolha do candidato que mais eram
convenientes a seus interesses, a partir daí pressionavam seus subordinados a
votarem no escolhido.
O sufrágio então era exercido com base no mando do senhor, e não com
base na vontade ou na esperança política da população em geral. O voto nessa
época era o grande instrumento pelo qual se legitimava o interesse das oligarquias
em detrimento ao interesse geral, o que garantia inclusive a perpetuação da
concentração dessas classes dominantes no poder e a concentração de renda e
poder político. Sendo o modelo clientelista, que consiste em uma ‘espécie de troca
de favores políticos entre candidatos e os senhores de terras’ (WOLKMER, 2003, p
115), como grande marco desde o povoamento e a expansão territorial brasileira o
poder era concentrado na mão das elites dominantes, a qual destacam-se (até os
dias de hoje) os grandes proprietários de terras.
O voto de cabresto foi a expressão máxima do coronelismo e marcou toda a
fase inicial da República brasileira, que foi nossa primeira experiência democrática.
26
Nesse modelo de voto a população submissa ao poderio dos donos de
terras era fiscalizada por capangas dos coronéis, aproveitando-se do voto aberto
fazendo com que o resultado das eleições fosse forjado, fazendo dessas um grande
teatro.
4.2
As Constituições de 1934 e 1937
Após a Revolução de 1930 que levou Getúlio Vargas ao poder, teve como
um dos primeiros atos de governo provisório a criação de uma comissão de reforma
da legislação eleitoral, que teve como fruto o Código Eleitoral Brasileiro, a criação da
Justiça Eleitoral em 1932, trazendo como a principal modificação a extensão do voto
às mulheres.
A Constituição de 1934 estabeleceu 18 anos como idade mínima pra votar e
determinou o voto obrigatório para homens e mulheres funcionárias públicas.
Em 1937, com a outorga da nova Constituição por Getúlio Vargas, instituiu-
se o Estado Novo, um regime de governo autoritário e centralizador na figura do
Presidente da República.
Dentre os principais dispositivos podemos destacar a pena de morte, e com
a decretação do estado de emergência foi dado amplos poderes ao Presidente que
estava permitido a governar por decreto, a suspensão da imunidade parlamentar, a
prisão e o exílio dos opositores e a suspensão da Justiça Eleitoral.
Aqui as eleições passam a ser indiretas para a Câmara, Conselho federal
(atual Senado) e para Presidência da República.
O voto secreto e obrigatório busca o efetivo poder de escolha da população
de maneira que se possa eleger seus representantes de maneira menos fraudulenta
e mais participativas, correspondendo as expectativas da democracia enquanto
regime político.
Esse novo sistema eleitora se desenvolve com a finalidade de diminuir os
erros do processo eleitoral que tinha como marca a opressão unilateral dos grandes
proprietários de terras, e a perpetuação da elite agrária no poder. A população então
poderia afirmar sua vontade política e tê-la efetivamente reconhecida.
27
4.3
As Constituições de 1946 e 1967
A Constituição de 1946 determinava o voto obrigatório para os maiores de
18 anos e os alfabetizados, e a eleição para Presidente e Vice eram diretas, por
maioria simples e possuíam pleitos separados.
Em julho de 1950 foi promulgado um novo Código eleitoral, com definição de
sufrágio direto e secreto.
A Constituição de 1967 teve a função de institucionalizar o regime militar,
ampliando o poder Executivo frente ao Legislativo e ao Judiciário, marcado pela
supressão de garantias constitucionais.
As eleições feitas durante o Regime Militar foram reguladas pelo
Código Eleitoral de 1965, que introduziu uma série de mudanças no
processo eleitoral brasileiro: a) obrigatoriedade de o eleitor votar em
candidatos di mesmo partido nas eleições para deputado federal e
estadual; b) proibição de coligação entre os partidos nas eleições
proporcionais; c) prazo máximo de seis meses antes das eleições
para o registro de candidatos; d) multa de 5% a três salários mínimos
para os eleitores que não comparecerem para votar e não
justificarem perante o juiz eleitoral; f) sem a prova de ter votado, se
justificando ou pagando multa, o eleitor não podia, entre outros, obter
passaporte ou carteira de identidade, inscrever-se em concurso ou
prova para cargo público e obter empréstimo de órgão público.
(NICOLAU, 2002, P.58)
4.4
A Constituição de 1988
Em outubro de 1988 é promulgada a oitava Constituição do país trazendo
um avanço para os direitos sociais e individuais e consolidando o período
democrático. A democracia tem como um dos seus pilares a participação política do
povo através do voto.
Assim o Brasil, consolida-se como um Estado Democrático de Direito, onde
o Estado submete-se às normas Constitucionais, ás leis e à vontade popular.
Os conceitos de soberania e popular e cidadania estão intimamente ligados
aos direitos políticos.
Manteve-se aqui o voto obrigatório como a reflexão da Constituinte
Originária de que o Estado é o tutor da consciência popular, devendo impor sua
vontade à vontade da população até mesmo para obrigá-lo a exercer sua cidadania.
28
Essa Constituição vigente até os dias de hoje, tenta por meio da coerção
estatal, garantir a melhor participação da soberania popular, face ao atual contexto
social brasileiro, obrigando a população a participar do processo eleitoral, em tese,
se proporcionaria indiretamente um caráter educacional de inserção no contexto
político.
A intenção seria inserir também, o que deveria ser uma minoria desprovida
de consciência política na participação das decisões estatais, para que se exerça a
soberania popular de modo cada vez mais consciente.
Demonstra-se que a obrigatoriedade do voto completa 84 anos de
positivação e vigência. Os períodos anteriores a esse tratavam o sufrágio como algo
baseado em princípios capitalistas e um instrumento de concentração de poder,
tanto no império quanto na república.
29
5 VOTO OBRIGATÓRIO X VOTO FACULTATIVO
Através da leitura da doutrina existente, identifica-se os principais
argumentos utilizados pelos defensores do voto obrigatório e por aqueles que
defendem sua mudança para o facultativo.
Apresenta se aqui um resumo explicativo desses principais argumentos para
que, após identificados se possa confrontá-los.
5.1
Voto Obrigatório
Destaca-se os principais argumentos dos defensores da manutenção do
instituto do sufrágio obrigatório elencada em tópicos para se facilitar a compreensão
e a explicação.
5.1.1 O voto é um poder-dever
Muitos doutrinadores alegam que o ato de votar é um dever e não um mero
direito, a essência desse dever, estaria na ideia da responsabilidade que cada
cidadão tem em relação a sociedade ao escolher seus representantes.
(...)conclui-se que o voto tem, primordialmente,o caráter de uma função pública. Como componente do órgão eleitoral, o eleitor concorre,
para compor outros órgãos do estado também criados pela Constituição. Em geral, porém, as constituições têm deixado o exercício da
função de votar a critério do eleitor, não estabelecendo sanções para
os que se omitem. Nessa hipótese, as normas jurídicas sobre o voto
pertenceriam à categoria das normas imperfeitas, o que redundaria
em fazer do sufrágio simples dever cívico ou moral somente quando
se torna obrigatório, o voto assumiria verdadeiro caráter de dever jurídico. Tal obrigatoriedade foi estabelecida por alguns países, menos
pelos argumentos sobre a natureza do voto do que pelo fato da abstenção de muitos eleitores, - fato prenhe de consequências políticas,
inclusive no sentido de desvirtuar o sistema democrático. Nos pleitos
eleitorais com alta porcentagem de abstenção, a minoria do eleitorado poderia formar os órgãos dirigentes do Estado, ou seja, Governo
e Parlamento. (1981,p. 66)
Evidencia-se também o fato do voto ser considerado um dever sócio político
e jurídico, sendo caracterizado com um direito, um dever e uma função.
30
5.1.2 A maioria dos eleitores participa do processo eleitoral
A legitimidade inconteste surge quando a maioria dos eleitores vota,
tornando o peito insuscetível de alegações em contrário por parte dos eventuais
perdedores. Isso é importante em democracias ainda não inteiramente consolidadas,
como a nossa, em que há uma clivagem social que favorece à instabilidade políticoinstitucional.
Pode-se trazer a voga o período de crise atual que vivemos onde a grande
parcela da população que não concorda com a reeleição da presidente Dilma
Rousseff, clama por seu impeachment, ignorando as reais motivações pelas quais
esse instrumento deve ser utilizado.
Se houvesse um baixo comparecimento eleitoral, haveria um maior
comprometimento da credibilidade das instituições políticas nacionais perante a
população.
Outro ponto a ser abordado, é a crença de que a obrigatoriedade do voto é
essencial para o preenchimento de abismos sociais crivados com os sistemas
eleitorais anteriores, fazendo com que a soberania popular fosse exercida o mais
idônea possível. Na visão de Renato Janine Ribeiro, temos:
Na cidade grande, praticamente acabaria o voto a contragosto. Mas
nos grotões do interior continuaria a pressão dos coronéis. O
resultado, obviamente, seria oposto ao que desejam os
reformadores, poderia ser uma redução do voto urbano e um
aumento do peso rural: uma queda na participação do eleitor
independente e uma ampliação no papel do eleitor rural. Acabaria a
boca de urna, mas não o cabresto. (apud)
5.1.3 O exercício do voto é fator de educação política
O exercício obrigatório do voto, e a participação constante no processo
eleitoral torna o eleitor ativo enquanto cidadão. O obriga a determinar o destino da
coletividade do qual faz parte.
Ao escolher um candidato pelas suas propostas o eleitor direciona e sinaliza
a administração pública através dos seus representantes quais problemas devem
ser discutidos e resolvidos.
31
A omissão poderia acentuar a atraso sócio econômicos das áreas mais
pobres, e diminuiria o debate eleitoral existente nas casas e localidades de lazer e
trabalho, atrapalhando inclusive a formação das crianças e jovens.
5.1.4 A falta de maturidade democrática para adotar o voto facultativo
A sociedade brasileira na visão de muitos doutrinadores e políticos não
estaria ainda preparada para possuir a liberdade de decisão de ir ou não as urnas.
Isso se deve a profunda desigualdade social, fazendo com a que a maioria
da população que já não possui amplo conhecimento dos seus direitos enquanto
cidadãos, sendo o voto seu único instrumento de manifestação de vontade e crença
política.
Além do fato da minoria letrada, que constituiria de fato o público formador
de opinião, não iria as urnas por simples comodidade, favorecendo o êxito de
candidatos com inclinação clientelista, empobrecendo a política.
5.1.5 O voto obrigatório não constitui ônus para o Brasil
Essa modalidade de voto já teria sido bem assimilada pelo eleitor, não
havendo o que se falar em prejuízo de suas liberdades individuais.
O fim do voto obrigatório ensejaria um ganho mínimo de liberdade e um
prejuízo substancial do nível e a da qualidade de participação no processo eleitoral.
5.2
Voto Facultativo
A construção desse tópico tem como objetivo desconstruir as ideias
utilizadas nos argumentos anteriores e acrescentar dados e argumentos favoráveis
ao voto facultativo.
32
5.2.1 O voto é um direito e não dever
A faculdade de ir ou não as urnas significa a plena aplicação do direito ou da
liberdade de expressão, caracterizada como um direito subjetivo do cidadão do que
um dever cívico.
Para esse direito ser pleno deve haver a possibilidade de se votar como a
consciência determina ou de abster-se sem sofrer qualquer sanção do Estado.
5.2.2 O voto facultativo é adotado por todos os países desenvolvidos e com
tradição democrática
A maioria dos países, muitos deles nos quais surgiu-se a ideia de
democracia e Estado Democrático de Direito que seguimos, adotam a modalidade
facultativa de voto.
O fato de não obrigarem seus cidadãos a irem às urnas não os torna sua
democracia e suas instituições mais frágeis.
Não há sequer nenhum país que possua uma nacionalidade desenvolvida,
que seja politicamente maduro que imponha a obrigatoriedade de voto aos seus
cidadãos.
5.2.3 O voto facultativo melhora a qualidade do pleito eleitoral
O voto exercido espontaneamente é mais vantajoso para a definição da
verdade eleitoral.
Com a adoção da faculdade, até admiti-se que em algumas localidades de
extrema pobreza, continue a ocorrer o “voto de cabresto” que muitos tem a ilusão
que teve fim junto com o voto aberto.
nulos
Por outro lado, haverá uma redução a níveis ínfimo a quantidade de votos
ou
brancos, demonstrado
um eleitorado
apresentadas e real motivação política.
motivado
pelas propostas
33
Os números relativos às últimas eleições presidenciais brasileiras, indicam
uma alta exponencial dos votos brancos e nulos, um dado da Carta Capital nos
mostra que este número chegou a 21,47% em 1998, caiu para 17,74% em 2002 e
para 16,75% em 2006. Depois, voltou a subir, passando a 18,12% em 2010 e
19,39% em 2014. Brancos e nulos somaram 8% e 10,6% em 1998, respectivamente.
Esses números foram para 3,03% e 7,36% em 2002; 2,73% e 5,68% em 2006;
2,56% e 5,51% em 2010; e, em 2014, voltaram a subir, para 3,84% e 5,8%.
O eleitor que comparece as urnas contra vontade para fugir às sanções
impostas pelo Estado, não está praticando um ato de consciência , tendendo a votar
no primeiro nome que lhe for sugerido, ou um candidato que não conhece, ou até
mesmo votar em branco ou anulá-lo.
A qualidade a qual se refere aqui, deve fugir a premissa que a consciência
do voto está intimamente ligada a escolaridade, pois o voto facultativo aqui
defendido não busca limitar em nenhum aspecto esse direito.
Fazendo uma analise comparativa, não há como escapar da comparação
com os Estados Unidos da América, pois a grande potência do mundo moderno e
possui semelhanças históricas e territoriais com o Brasil. Como resultado, mostra-se
que a educação política não se trata apenas do poderio econômico do país, mas sim
das bases educacionais que os governos aplicam no incentivo á participação e na
contestação política. O caso é mesmo de um plano de incentivo à participação e à
contestação, pelo fato de a alfabetização não ser a questão mais relevante nesse
caso, como Oliveira Vianna ressalta:
O analfabetismo tem muito pouco que ver com a capacidade política
de um povo; o citizen inglês, mesmo analfabeto, possui um senso
político e uma capacidade democrática que muitos homens da elite
de outros povos civilizados não possuem.
5.2.4 Educação e consciência política
Os defensores do voto obrigatório traduzem uma ideia ilusória de que a
obrigação de ir as urnas traria uma consciência política forçada.
Essa teoria que acredita que a necessidade de ir exercer o voto nos dias de
eleição desencadearia uma evolução do pensamento político por parte do cidadão,
beira o lamarquismo.
34
Essa
alegação
ingênua
parte
do
mesmo
pressuposto
da
Teoria
Evolucionista de Lamarck, que consiste na crença de que só há evolução pelo uso e
pela imposição de novas necessidades através de meios externos, e o desuso
atrofiaria e até faria desaparecer determinados órgãos.
A evolução da consciência política deveria ser fruto da capacidade e
competência dos políticos de cativar seus eleitores com suas propostas criando um
sentimento de representatividade, e não fruto de uma coerção estatal.
Parte-se aqui da premissa fundamental de teorização da norma, pois segue-
se a norma porque está na lei ou porque há uma sanção? E se seguimos apenas
porque há sanção, isso claramente não é um fator gerador de consciência nem
educacional.
5.2.5 A maturidade democrática brasileira
A alegação de imaturidade democrática, consiste na crença de que o eleitor
brasileiro ainda se encontra em estágio político inferior para o pleno exercício da
democracia, havendo necessidade da tutela do Estado para ensiná-lo e orientá-lo
como exercitá-lo.
Essa afirmação despreza o bom senso inerente à maioria dos cidadãos
constituída de pessoas simples, nem sempre letradas, porém sabias, para avaliar as
propostas dos partidos e de seus candidatos por si próprias. Esse pensamento é
muito mais elitista e antidemocrático, pois determina que só pessoas de nível
intelectual superior teriam capacidade para votar corretamente, e todo o resto está
suscetível a manipulação.
Se a consciência política de um povo ainda não está evoluída suficiente, isso
é decorrente de toda uma construção histórico social de nacionalidade e fruto de
uma falta de educação política, mas também do subdesenvolvimento econômico e
de seus mútuos reflexos nos níveis educacionais, não é tornando o voto obrigatório
que se obterá a transformação da sociedade, como todos esse 84 anos de
experiência nos provaram.
35
De modo geral podemos apontar que os regimes autoritários tem preferência
pelo voto obrigatório, porque assim o controle do Estado sobre a sociedade é mais
forte, pois há uma ilusão de democracia.
5.3
Conclusões acerca do voto facultativo x obrigatório
Os argumentos que determinaram a gênese da obrigatoriedade do voto
datam a Assembleia Constituinte de 1932, manteve-se em 1988, porém devemos
ressaltar que 28 anos são suficientes para que se hajam condições econômicas e
políticas bastante diferentes em um país, quiçá 84 anos.
Não há hoje, nenhuma democracia representativa relevante que adote a
obrigatoriedade do voto.
Comparando-se novamente com os Estados Unidos da América, mesmo nas
eleições mais disputadas em que mal se consegue levar às urnas metade do
eleitorado, não há uma dedução de falta de participação popular, nem de
comprometimento de credibilidade institucional e muito menos identifica-se uma
crise de representatividade.
Nos conceitos e ordenamentos mais contemporâneos, o voto é entendido
como faculdade da pessoa, uma autodeterminação do próprio cidadão, fruto de sua
liberdade de escolha e da sua vontade. O ato volitivo para ser amplo e irrestrito, não
pode ser obrigatório, pois vontade é uma questão particular de consciência.
Voto é direito, tal como é o direito ao protesto. É a expressão maior da
liberdade, se quiser votar, votará. Se quiser protestar, protestará, ou protestará
votando bem.
O que interessa efetivamente no pleito eleitoral é a mobilização da opinião
pública, e esta é a que exprime a substância da atuação política do eleitorado.
Aquele que vota apenas para evitar uma sanção não está imbuído de nenhum
propósito específico quanto aos negócios da polis, e não há lei que o faça se
interessar por um assunto o qual não lhe parece dizer respeito.
O voto compulsório não conduz a democracia, visto que não corresponde a
uma real intenção democrática por parte do Estado, visto que muitos governos
autoritários o mantiveram como fonte de legitimação.
36
A faculdade de ir ou não às urnas insere o cidadão no plano de livre escolha,
tornando o sufrágio mais compatível com os ideais democráticos; e por ser
voluntário, constitui um passo à frente na direção do aperfeiçoamento das nossas
instituições democráticas.
Sendo o ato formal que assegura o direito de escolha, é inegável sua
importância operacional na prática dos ideais democráticos, pois é por seu
intermédio que o cidadão influi e participa da vida política.
O fim desse modelo compulsório significaria um avanço na emancipação do
brasileiro em relação ao Estado, pois ao longo de anos de políticas clientelistas e
populistas, criou-se uma relação de paternalismo. Constituída na crença de que a
mão boa do Estado guia quando é necessário, e fornece o que é preciso.
O resultado das urnas tem revelado uma crescente falta interesse do eleitor
em relação ao processo eleitoral, visto que tem-se um crescente número de
abstenção e votos brancos e nulos.
Mostra-se assim que o voto obrigatório em não tem nenhum compromisso
com a realidade prática representativa, no máximo força o eleitor a sair de casa e ir
às urnas, transformando-se num ato mecanizado e não consciente.
Em seu artigo “o voto obrigatório” publicado na coletânea Cem Anos de
Eleições Presidenciais, o cientista político Marcus Faria Figueiredo, baseando-se em
dados de pesquisas realizadas pelo Instituto de Estudo Econômicos, Sociais e
Políticos de São Paulo – IDESP e por outros institutos, conclui que a participação do
eleitor varia em função da sua maior ou menor convicção de que, através de seu
voto, ele será capaz de influir na vida política nacional. A flutuação na taxa de
abstenção, está ligada ás condições em que ocorre a competição política e à crença
na efetividade do voto como mecanismo de mudança política.
Democracia na ponta do cabresto, com reserva de mercado de eleitores,
nada mais é que alicerce viciado e retrógado sobre o qual se fortalece a
incompetência e a corrupção. É a terra fértil para a indústria e o comércio eleitoral, e
para os currais eleitorais e de candidatos movido à ganância.
37
6 A
INCONSTITUCIONALIDADE
CONSTITUCIONAIS
DE
NORMAS
As análises anteriores nos permitem concluir, que o voto compulsório foge
ao conceito chave de democracia e dos alicerces sobres os quais esse conceito foi
construído.
Depreende-se também, que o voto obrigatório enquanto norma possui sua
eficácia comprometida, a medida que a população não se identifica e da ineficácia
de sua própria sanção.
Esse capítulo tem como finalidade destacar as reais possibilidades jurídicas
da implementação do voto facultativo com base na teoria das normas constitucionais
inconstitucionais do autor e jurista alemão Otto Baschof.
Sabe-se que o direito brasileiro sofreu forte influência alemã, e que ambos
são derivados do mesmo sistema legal, a civil law.
Mesmo sendo uma obra datada da década de 1950, possui importantes
pontos da dogmática jurídico-constitucional, quais sejam, do conceito d Constituição
e o da natureza do poder constituinte, no plano material, bem como o de controle
contencioso da constitucionalidade no plano processual.
Pretende-se analisar e fixar os pontos controvertidos que permeiam a
inconstitucionalidade das normas constitucionais, fugindo da discussão sobre o
prisma limitado e singelo atrelado a questões do poder constituinte originário e
derivado, partindo-se para a desproblematização da hierarquia entre as normas
constitucionais originárias, e até que ponto a rigidez constitucional afasta as
influências e vinculações supralegais.
Para que não haja leis contrárias a Constituição, deve-se observar todas as
regras que comportam a admissibilidade da eficácia de normas, os critérios
materiais. Esses critérios muitas vezes não podem ser abolidos muitos como as
cláusulas pétreas - direitos e garantias fundamentais, e também observar os critérios
formais, o qual uma norma não poderá entrar em conflito com uma outra, ou, em se
tratando de reforma constitucional, a lei reformadora não constranger os princípios
constitutivos ou ser contrários aos preceitos do art. 60 da Carta Magna de 1988.
38
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
I - de um terço, no mínimo, dos membros da Câmara dos Deputados
ou do Senado Federal;
II - do Presidente da República;
III - de mais da metade das Assembléias Legislativas das unidades
da Federação, manifestando-se, cada uma delas, pela maioria
relativa de seus membros.
§ 1º A Constituição não poderá ser emendada na vigência de
intervenção federal, de estado de defesa ou de estado de sítio.
§ 2º A proposta será discutida e votada em cada Casa do Congresso
Nacional, em dois turnos, considerando-se aprovada se obtiver, em
ambos, três quintos dos votos dos respectivos membros.
§ 3º A emenda à Constituição será promulgada pelas Mesas da
Câmara dos Deputados e do Senado Federal, com o respectivo
número de ordem.
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente
a abolir:
I - a forma federativa de Estado;
II - o voto direto, secreto, universal e periódico;
III - a separação dos Poderes;
IV - os direitos e garantias individuais.
§ 5º A matéria constante de proposta de emenda rejeitada ou havida
por prejudicada não pode ser objeto de nova proposta na mesma
sessão legislativa.(grifos próprios)
6.1
Invalidade de normas constitucionais e competência do Constituinte
Derivado
Sendo uma norma plena e máxima, A Constituição deve possuir um caráer
integrador constituindo o pilar dos direitos, garantias, organização e poderes do
Estado.
39
Otto Bachof, afirma que o judiciário só não estaria apto a intervir em casos
de normas inválidas que possuem ampla aceitação popular, pois não há que se falar
em controle judicial efetivo frente à vontade popular que é causa legitimadora de
uma norma. Segundo o jurista, in verbis:
Uma proteção judicial, ainda que completa, não poderá salvar uma
Constituição que falhe nessa missão, assim como também,
inversamente, a falta de proteção judicial não tem de representar
necessariamente um prejuízo para uma Constituição dotada de
genuína eficácia integradora. (BASCHOF, p. 11)
No contexto da antiga República de Weimar, a Constituição pode ter
contribuído para partilhar o Tribunal Constitucional Federal, que possuía poderes
amplos de guarda da Constituição e, através da jurisprudência constitucional, fazer
valer necessária a eficácia integradora da Constituição.
Todavia, também pode conceber-se uma inconstitucionalidade de
normas constitucionais (um só e o mesmo plano) e também ela não
pode ser pura e simplesmente excetuada do controle
judicial.(BASCHOF, p.12)
Desse modo, a norma constitucional seria inconstitucional no caso de uma
norma, com aspectos inalteráveis, ser alterada por consequência de uma errada
avaliação do alcance da norma modificadora. Se isso ocorresse, não seria um
problema recorrer ao Tribunal Constitucional Federal para julgar improcedente e
inconstitucional uma norma feita para vigorar diante as pendências inalteráveis que
lhe é fornecida.
Ou seja, esse caráter de controle mais amplo e menos restrito, era
necessário ao contexto político, social e histórico da República de Weimar na
Alemanha.
Lei
Logo, a inconstitucionalidade da norma nesse caso, se daria por infração da
Fundamental
a
sua
matéria
jurídico-material
contraposta
aos
limites
estabelecidos para a formação do texto legal. Finalizando o texto, Bachof preleciona:
“Os tribunais constitucionais devem considerar-se obrigados a
recusar aplicação a qualquer norma jurídica alemã, e, portanto,
também a uma norma constitucional alemã, se, no controle incidental
a que têm de proceder, se apurar sua incompatibilidade com o direito
de ocupação: resulta isto do fato de não se reconhecer a faculdade
judicial de controle no respeitante à validade (Geltung) do direito da
ocupação.”
40
6.2
Constituição e direito supralegal
Preliminarmente, ressalta-se que existem direitos supralegais positivados na
Constituição Federal e não positivados. Segundo o precitado autor a positivação do
direito supralegal possui mero caráter declaratório de seu reconhecimento, incluindo-
se o direito supralegal no conceito de Constituição enquanto materialidade,
independentemente de positivação. Não apenas as infrações aos preceitos
textualmente escritos no documento Constitucional, mas também as infrações às
normas não escritas da Constituição material, contrárias ao direito natural, podem
aparecer necessária e como passíveis de violação do conteúdo fundamental da
Constituição.
O direito positivo acaba recebendo um caráter declaratório em termos de
direito supralegal. Porém, as normas não escritas da Constituição podem ser
contrárias ao direito natural, violando, portanto, seu conteúdo fundamental.
Todavia, a positivação do direito supralegal sofre uma delimitação objetiva,
sendo que uma incorporação desse direito supralegal na Constituição se limita ao
caráter declaratório não para criar o direito fundamental e sim reconhecê-lo na
esfera social em formato de legislação. Logo, esse reconhecimento não poderia ser
parcial, mas absoluto e integral.
Portanto,
independentemente
de
o
direito
seu
supralegal
reconhecimento
existe
legal,
e
ou
se
se
torna
não
válido,
existir
o
reconhecimento, mesmo que parcialmente, contradirá as regras do positivismo.
Assim, Bachof afirmava que esse reconhecimento deveria existir mesmo que o
direito não fosse positivado.
6.3
As
diferentes
possibilidades
de
normas
constitucionais
inconstitucionais (inválidas)
A inconstitucionalidade, nas palavras de Canotilho, é o não cumprimento de
imposições constitucionais permanentes e concretas.
41
A constitucionalidade é intimamente relacionada à validade jurídica, que por
sua vez toma posição no processo legislativo de criação de normas, terá frente o
conceito da eficácia de normas. Desse modo, a simples existência enquanto lei
promulgada e existente no ordenamento e no mundo a torna válida. Em outras
palavras, se a lei é inválida, será também inconstitucional, se válida, constitucional
será.
Bachof indica que a validade de uma Constituição não se pressupõe a sua
legalidade, mas a legitimidade da mesma. A legitimidade, é a vontade do povo, que
pode ser confundido com o direito supralegal da sociedade, e a legalidade se
confunde, com a lógica formal da Constituição escrita. No entanto, se uma norma for
ilegal, significa que ela foi contrária aos preceitos formais de legalidade e que
deverá, ser taxada como inconstitucional e sustar seus efeitos.
Se uma Constituição, em tudo o resto, se tornou juridicamente eficaz,
mas uma das suas normas, isoladamente, não corresponde aos
requisitos de eficácia por aquela mesma estabelecida, pode bem
falar-se de uma norma constitucional inconstitucional: em qualquer
caso, porém, tratar-se-á de uma norma inválida.(BACHOF, p.51)
Se uma norma entrou em vigor e mesmo assim for encontrada uma norma
em desconformidade com a Lei Fundamental, será ela isolada por não corresponder
aos requisitos exigidos pela Constituição e declarado sua invalidade no
ordenamento jurídico.
Tem-se a ideia de que uma lei que altere a Constituição pode se tornar
inconstitucional se for contrária a esta. No Brasil, sabemos que o processo de
alteração da Constituição é feito pelas Emendas Constitucionais, seguindo os
critérios estabelecidos no art. 60 da Constituição Federal, para sua plena eficácia no
ordenamento.
Dessa maneira, a inconstitucionalidade dessas leis com poder de alteração
seria dada se infringisse, formal ou materialmente, as disposições da Constituição
formal, como assevera Bachof.
Prima facie, temos que a entrada em vigência da Emenda deverá adotar
conteúdos modificáveis que reformulem a Constituição, pois, no Brasil, temos plena
consciência que a mesma possui normas imodificáveis que não poderiam ser objeto
de deliberação, como é o que acontece com as cláusulas pétreas.
42
Nesse ínterim, Bachof diz que há sim uma real possibilidade dessas leis
inconstitucionais tornarem-se vigentes se legitimadas pelo povo. Assim, se o direito
adquire positividade e obrigatoriedade baseado no direito suprapositivo e,
consequentemente, na vontade do povo, não há que se falar em invalidade dessa
norma modificadora, desde que não macule as mencionadas cláusulas pétreas.
Portanto, pode fazer-se valer a vontade constituinte do povo, de modo que a
alteração evidentemente inconstitucional, represente um ato constituinte da vontade
do popular, sendo estes o titular máximo desse poder.
Otto Bachof, expressa que seria uma questão paradoxal uma lei
constitucional violar a si mesmo. Assim haveria uma certa hierarquia entre as
normas formalmente constitucionais,sendo que algumas possuiriam preceitos
secundários e assim seriam normas de grau inferior.
Via de regra, se a norma de grau inferior, formalmente constitucional, vier a
ser contrária ao padrão material da Constituição, que é de grau superior, a norma
inferior seria inconstitucional e, por isso, inválida.
Deverá ainda, além disso, excluir-se aqui a hipótese de uma norma
de grau superior conter uma positivação de direito supralegal, de tal
maneira que a não obrigatoriedade da norma de grau inferior
pudesse advir de uma infração deste direito supralegal. (BACHOF,
p.55)
Em termos de mera possibilidade, entende Bachof, a violação da lei
Constitucional, só seria possível se a norma material ou formal violasse o direito
supralegal.
Entretanto, houve na doutrina alemã, autores que defendessem a hipótese
de hierarquia entre essas normas, pois as normas materiais teriam um diferente
peso normativo do que as normas formais, por dispor sobre a fundamentação do
Estado.
Em se tratando de inconstitucionalidade, se os pressupostos, que
determinaram o legislador ao emitir uma norma jurídica, não vierem a verificar-se, ou
se falharam as expectativas que manifestamente se ligaram à norma jurídica, pode a
norma perder seu sentido.
Importante é o teor sobre a mudança de natureza de normas constitucionais.
Desse modo, equivale falar que a essa mudança de natureza é a chamada mutação
constitucional, que é um processo informal de alteração do sentido da norma.
43
Assim, segundo o renomado constitucionalista e atual ministro do Supremo
Tribunal Federal brasileiro, Luiz Roberto Barroso:
A mutação constitucional consiste em uma alteração do seu
significado de determinada norma da Constituição, sem observância
do mecanismo constitucionalmente previsto para emendas e, além
disso, sem que tenha havido qualquer alteração de seu texto. Esse
novo sentido ou alcance do mandamento constitucional pode
decorrer de uma mudança na realidade fática ou de uma nova
percepção do Direito, uma releitura do que deve ser considerado
ético ou justo. (BARROSO, p. 126)
Destarte, a consequência da mudança de contexto social, político, histórico e
econômico no qual aquela norma foi promulgada, pode fazer com que as mesmas
deixem de cumprir sua missão integradora e passem, a ter um caráter de
desintegração.
Como já abordado antes nos delineamentos acima, o direito supralegal
antecede a existência do Estado através de normas, fazendo com que suas normas
estejam acima da lei, isto é, hierarquicamente superior a outras que não sejam
supralegais.
O direito supralegal denota-se como pré estatal, ou supra estatal, ou ainda,
supraconstitucional. Entretanto, a Constituição representaria o direito supralegal que
foi positivado.
Haverá uma inconstitucionalidade da norma se esta infringir Direito
Constitucional positivado e, por conseguinte, contrária ao direito natural. Logo:
Se uma norma constitucional infringir uma outra norma da
Constituição, positivadora de direito supralegal, tal norma será, em
qualquer caso, contrária ao direito natural e, (...) carecerá de
legitimidade, no sentido de obrigatoriedade jurídica. (BACHOF, p.62
e 63)
Na hipótese de uma norma anteceder a existência de direito supralegal, será
contrário ao direito natural, pois o direito supralegal é primário. O Direito
Constitucional como direito positivo, deve ter sua gênese no direito supralegal.
Infere-se então que a positivação não significa a criação de normas jurídicas novas,
e sim um reconhecimento de direito pré-constitucional.
Bachof nos elucida então que norma constitucional infringente de direito
supralegal não se torna inconstitucional, mas pode se invalidar, por não ser
juridicamente vinculativa.
44
6.4
Possibilidade jurídica da inconstitucionalidade do voto obrigatório
segundo a Teoria de Otto Bachof
Assim, considerando que sufrágio é distinto de voto, a questão volta a ser
discutida em decorrência do comando constitucional no art. 14, § 1º, inciso I, da CF
de 1988, o qual obriga os cidadãos maiores de 18 anos e menores de 70 anos de
idade a votarem sob as penas da lei, ou seja, a exercer o exercício do direito que
seria em “tese” subjetivo, in verbis:
Art. 14. A soberania popular será exercida pelo sufrágio universal e
pelo voto direto e secreto, com valor igual para todos, e, nos termos
da lei, mediante:
I - plebiscito;
II - referendo;
III - iniciativa popular.
§ 1º - O alistamento eleitoral e o voto são:
I - obrigatórios para os maiores de dezoito anos;
II - facultativos para:
a) os analfabetos;
b) os maiores de setenta anos;
c) os maiores de dezesseis e menores de dezoito anos.
De início, pode-se concluir que o voto obrigatório previsto no artigo 14, § 1º, I
da Constituição Federal, não está previsto como cláusula pétrea, sendo passível de
emenda constitucional para o estabelecimento do voto facultativo para todos.
Não afronta também o artigo 60 da mesma Carta Magna a partir do
momento que no inciso e versa sobre o voto não consta o termo obrigatório quando
elenca um rol taxativo, vejamos:
Art. 60. A Constituição poderá ser emendada mediante proposta:
(...)
§ 4º Não será objeto de deliberação a proposta de emenda tendente
a abolir:
(...)
II - o voto direto, secreto, universal e periódico; (grifos meus)
Já em uma segunda análise, conclui-se que o voto obrigatório previsto no
artigo 14, § 1º, I da Constituição Federal de 1988, vai contraria o artigo 1º, I, II, III e
parágrafo único da mesma, ocasionando em tese a inconstitucionalidade por
contradição positiva, pois ofende, com a obrigatoriedade, os princípios basilares da
Constituição.
45
Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada pela união
indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constituise em estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:
I – a soberania;
II – a cidadania;
III – a dignidade da pessoa humana;
IV – os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa;
V – o pluralismo político.
Parágrafo único. Todo poder emana do povo, que o exerce por meio
de representantes eleitos ou diretamente, nos termos dessa
Constituição.
Canotilho disciplina sobre o assunto da alegando que a inconstitucionalidade
de uma norma resulta do fato de esta norma ser considerada hierarquicamente
inferior e estar em contradição com outra norma da constituição julgada
hierarquicamente superior, originando as chamadas contradições positivas.
Otto Bachof por sua vez, fala em sua obra sobre a inconstitucionalidade de
normas constitucionais em virtude de contradição com normas constitucionais de
grau superior.
No caso, a obrigatoriedade do voto seria uma norma de grau inferior que
estaria em contradição a liberdade que é norma de grau superior.
José J. G. Canotilho preleciona sobre a obrigatoriedade do voto e sobre a
liberdade do votar, em quem votar e como votar alegando que o princípio da
liberdade de voto significa garantir ao eleitor um voto formado sem qualquer coação
física ou psicológica exterior de entidade públicas ou de entidades privadas.
Deste princípio da liberdade de voto deriva a doutrina da ilegitimidade da
imposição legal do voto obrigatório. A liberdade de votar abrange dois aspectos: a
liberdade de votar ou não votar e a liberdade no votar.
Não há preceito constitucional que determine o voto como um dever
fundamental obrigatório, assim parece evidente que a imposição legal do voto
obrigatório é inconstitucional.
Considerando o voto uma expressão de confiança que se perfaz por uma
escolha, não é viável e lógico ser seu exercício obrigatório. É através do voto que se
materializa o direito público subjetivo dos cidadãos.
A escolha dos governantes nos governos representativos deve ser
manifestada
pelo
voto,
obrigatoriedade jurídica.
sendo
dever
sociopolítico,
o
que
independe
da
46
O voto hoje está representado como um dever jurídico e não como o
exercício da cidadania ou soberania popular, deveria ser um dever político-social e
não jurídico, sendo facultado ao cidadão o comparecimento ou não as urnas, a
opção de votar ou não, de em quem votar e de como votar. Nessa linha de
pensamento reside o professor Zimmermann:
(...) se os direitos de cidadania são em princípios incondicionais, a
obrigatoriedade de votar se transforma em um autêntico imposto de urna –
uma perversão da cidadania; porque a cidadania não é apenas um status
passivo, mas antes de tudo é uma oportunidade, uma chance de levar uma
vida ativa e plena de participação no processo político, no mercado de
trabalho, na sociedade.
A participação democrática precisa ser compreendida como um
direito dos cidadãos, mas não como um dever dos
mesmos.(ZIMMERMANN, p.289)
há
A base de uma sociedade democrática é a liberdade. Sem a liberdade não
como expressar pensamentos e ideias e assim defende novamente
Zimmermann:
Para nós, esta obrigatoriedade de votar é simplesmente uma
violência contra a liberdade do cidadão, ainda que camuflada pelo
manto negro de um suposto dever cívico. (ZIMMERMANN, p.288)
Deve-se considerar ainda, que além da modificação da modalidade de voto
obrigatórios para facultativo ser passível de Emenda Constituição por não constar no
rol taxativo do supramencionado art.60, da Constituição, esse instituto não se
encontra no rol de cláusulas pétreas positivadas no Art. 1º da Constituição.
Poderia ainda ser considerado inconstitucional, com base na interpretação
sistemática da Constituição pátria, se percebemos que o art. 14, parágrafo 1º, I, está
em desconformidade com o supracitado art. 1º e com o infracitado Art.5º, in verbis:
Art. 5º (...)
VIII - ninguém será privado de direitos por motivo de crença religiosa
ou de convicção filosófica ou política, salvo se as invocar para eximirse de obrigação legal a todos imposta e recusar-se a cumprir
prestação alternativa, fixada em lei;
Portanto, é indubitável o fato da modalidade compulsória de voto ser
inconstitucional. Seja com base nas teorias de Otto Bachof, ou com a interpretação
sistemática da Constituição a conclusão é a mesma.
47
O voto obrigatório fere o princípio da liberdade dos cidadãos, que
demonstra-se um direito supralegal, direito natural, e com todas as cláusulas pétreas
de cidadania, soberania, dignidade da pessoa humana, e da máxima onde “todo
poder emana do povo”.
Sendo ainda uma norma não vinculativa e dotada de evidente ineficácia visto
que possui uma legitimidade dissimulada.
O voto obrigatório não é uma proteção do cidadão e do seu direito de
sufrágio, e sim uma coação tendenciosa do Estado para produzir legitimidade
através de cidadãos sem consciência e maturidade política desenvolvida.
É inconstitucional porque desrespeita os cidadãos, os coage, os manipula a
acreditar que estão exercendo seu poder de soberania quando na verdade estão
sendo coagidos a votar sem consciência e convicção. Estão sendo impedidos de
exercer sua cidadania e soberania de fato, que só pode ser exercida através do
papel de escolha, quando se toma as rédeas do seu poder de decisão.
48
7 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Se um assunto desperta pouco interesse político, é justamente esse assunto
que mais merece nossa atenção e questionamentos.
O poder tem a característica de ser centralizado, mesmo quando se
apresenta aparentemente descentralizado, através do governo representativo.
A
democracia burguesa, com o sufrágio universal e obrigatório, e o modelo de governo
representativo. A liberdade de expressão, a probabilidade de todos ascenderem
socialmente, é o que forjou a falsa impressão do poder como bem comum.
Os autores clássicos da Filosofia Política, anteriormente citados, todos eles
tratam da questão do poder, Maquiavel, Hobbes, Locke, Rosseau, Marx e Lênin,
possuem três pontos de convergência em suas teorias, quais sejam: a) vêem o
poder exclusivamente como dominação; b) suas teorias de poder equivalem a
projetos políticos-ideológicos em favor de uma classe ou grupo social; c) centram
seus estudos no macropoder Estado (e seus aparelhos), organismo concentrador do
poder.
A definição de poder weberiana se adéqua perfeitamente a desses autores,
segundo a qual poder é uma ação social comunitária racional de um indivíduo ou
grupo de indivíduos, sobre o outro indivíduo ou grupo de indivíduos visando impor a
sua vontade, mesmo que à força, sendo assim, poder é uma ação social racional pré
determinada com vistas a se obter basicamente dominação, obediência. (WEBER,
1984, p. 682)
O poder ainda visto como dominação, imposição da vontade de um ou uns
sobre outro ou outros, apoia-se um pilar dicotômico: força e um projeto políticoideológico.
A força é algo latente que deve ser usada sempre que necessária, sendo
indispensável para quem quer conquistar e/ou manter o poder, tendendo para a
teoria principalmente de Maquiavel, que possui a máxima de que é melhor “ser
temido que amado”.
49
O
projeto
político-ideológico
que
visa
impor-se
hegemonicamente,
legitimando-se universalmente, busca para isso o consentimento e a submissão dos
dominados (MARX & ENGELS, 2002).
Tendo a Europa como plano de fundo, na Idade Média, por exemplo, a
sociedade tinha como substrato do poder senhorial vigente o projeto políticoideológico do catolicismo, pelo qual o soberano se legitimava pelo poder divino.
O capitalismo tem o liberalismo –com suas nuances de Locke a Friedman-
como projeto político-ideológico que passa a ilusão que o Estado é res publica,
decorrente ainda da falsa ideia de que todos são iguais perante a lei.
O socialismo científico de Marx a Gramsci tem o marxismo-leninismo como o
seu projeto político-ideológico, pelo qual o poder tem que ser tomado pela força
revolucionária do proletariado esclarecido, criando-se um modelo de estado de
ditadura para a burguesia e seus apoiadores e uma democracia exclusiva para os
proletários. Aqui o poder é visto como forma de disputa e como troféu resultante do
conflito entre as classes.
A ideia marxiana se mostra interessante, pois refuta a ideia de Estado como
bem comum de todas as classes, e o vê como instrumento a serviço dos interesses
da classe dominante, e contra os interesses da classe dominada, o que não exclui a
possibilidade de concessões, pois isso faz parte do jogo para manutenção do poder
de quem já o detém. Em O Capital, Marx demonstra por exemplo que a redução das
jornadas de trabalho, fruto de muita luta por parte do proletariado não foi suficiente
para que o Estado deixasse de ser instrumentalizado a serviço da classe dominante,
mas foi necessário para a manutenção de seu poder.
Percebe-se então que a burguesia mais do que qualquer outra classe ou
grupo dominante do passado e do presente, busca passar a impressão de que não
tem e que não quer ter o controle sobre o Estado, sendo tão somente uma classe de
mercado, estando o Estado sob o controle rotativo, em rodízio, dos políticos
profissionais eleitos democraticamente pelo povo.
As teorias de poder não se expressam no plano abstrato, mas buscam uma
intervenção concreta na realidade. O liberalismo possui como marca o abandono da
coerção e o aperfeiçoamento persuasão, tendo como o governo representativo sua
grande invenção.
50
O capitalismo tem como base a igualdade jurídica de direitos. As massas
foram essenciais à burguesia para sua ascensão ao poder, entretanto com a
Revolução Industrial e os movimentos insurrecionais de 1848 e com a Comuna de
Paris em 1871, começou a assustá-los. Esses movimentos foram reprimidos, porém
a repressão baseada só na violência e na persecução penal não era suficiente, era
preciso aperfeiçoá-la.
Adam Smith, através das suas teses de self-interest e do homem ser
naturalmente propenso a trocas econômicas, dilui o elemento político no elemento
econômico, sendo, uma forma eficaz de alienar as massas, afastando-as da política
e proclamando que a vida pública é praticamente uma vida de mercado. Pelo projeto
smithiano, é fundamental que todos percebam que praticando o self-interest estarão
galgando sua ascensão social, tornando-se parte essencial da sociedade e
construtores da riqueza nacional.
Dentre todas as contribuições teóricas para manter a estabilidade do
capitalismo, o governo representativo se mostra a mais eficiente, sobretudo a partir
do momento em que instaurou-se o voto igualitário e obrigatório. Evidentemente,
assim como a igualdade jurídica mostra-se na prática, condicionada aos poderes
políticos, econômicos e ideológicos de cada um, já que um candidato que dispõe de
dinheiro, apoio da grande mídia, e financiado por grandes capitais tem muitos mais
chances de se eleger.
Eleitores dependentes de um certo tipo de clientelismo político tendem a
votar naqueles candidatos aos quais estejam ligados de forma clientelista. Assim
como eleitor que não tenha uma consciência crítica desenvolvida tenderá a votar
motivado por influências midiáticas, ou supérfluas que venha a ter no processo
eleitoral, ao invés de votar com convicção.
Percebe-se ainda no modelo político atual, um distanciamento significativo
entre o eleito e o eleitor. Esse distanciamento durante o exercício do mandato seja
ele, legislativo ou executivo, legitimado pelo sufrágio universal, tende a se agravar a
medida que os eleitos se aproximam daqueles eleitores que possuem maior poder
de lobby, que não por acaso são aqueles que apoiaram com financiamento e espaço
midiático, garantindo assim a manutenção dos seus interesses, e a concentração de
poder.
51
O governo representativo, mostrou na prática que os medos infundados de
teóricos antidemocráticos, como Tocqueville e Stuart Mill, de que a massa chegaria
ao poder através do sufrágio universal não se concretizaram.
Um estudo realizado por Przeworski, sobre partidos socialistas europeus de
orientação marxista, traz um dado muito interessante. Ele percebeu que só a
simples existência do modelo representativo de governo, fez com que esses partidos
abandonassem o radicalismo dos seus discursos e a luta revolucionária de classes e
passassem a buscar votos para além da classe operária para não correrem o risco
de perder as eleições, já que o voto do operariado não era suficiente para elegê-los.
Então para tornar-se competitivo no processo eleitoral, passaram a fazer o jogo
político
burguês,
tanto
durante
governos.(PRZEWORSKI, 1989).
as
eleições
quanto
nos
seus
Aprofundando-se mais na concretude das teorias de poder, Foccault
identificou a necessidade de criação de novas formas de controle para que a
burguesia continuasse a proteger seus bens. O controle apenas através de
macropoderes estatais não bastava.
Surgiu assim a necessidade de mecanismos de micropoderes oriundos pela
própria sociedade civil, componentes da teia social. Essa demanda nasce
naturalmente da necessidade do regime industrial ter um controle mais efetivo sobre
cada indivíduo, que os macropoderes e seus aparelhos não davam conta. Mostrouse necessário um controle além da distribuição de riquezas, que pode ser facilmente
exercido de fora, era necessário um controle sobre cada indivíduo.
Em “Vigiar e Punir”, Foccault pega como exemplo a estrutura carcerária
panóptica de Jeremy Bentham, que possui uma arquitetura inovadora aonde cada
preso é constantemente vigiado em sua cela iluminada pelo sol, individualmente
através de uma torre de vigia equidistante, criada para causar uma sensação de
constante vigília.
A sociedade panóptica está submetida a uma “pirâmide de
olhares” (FOCCAULT, 1979, p. 86), onde todos vigiam todos. Uma sociedade onde o
poder , menos do que um instrumento disciplinador que gera saberes, que por sua
vez geram poderes e assim sucessivamente.
Esses micropoderes que se apresentam como ramificações do macropoder,
são expressões do poder disciplinar, tornam-se indispensáveis para a manutenção
da ordem e estabilidade das sociedades industriais.
52
O controle individual, faz com que todos aceitem às normas sociais de forma
sutil e persuasiva ao invés da pedagogia do terror decorrente da dominação pela
violência.
Se a violência for grande, há o risco de provocar revoltas; ou, se a
intervenção for descontínua, há o risco de permitir o
desenvolvimento, nos intervalos, dos fenômenos de resistência, de
desobediência, de custo político elevado. (FOCCAULT,1992, p.217)
O poder através da força ou violência também era dispendioso, tendo como
objetivo ser opressivo, não mostrava-se lucrativo ao sistema. Era necessário um tipo
de poder que penetrasse em todos os recônditos do corpo social, de maneira
ininterrupta e que fosse absorvido em todas as mentes para que adestrasse os
indivíduos, de maneira a domesticá-los e modelá-los.
Ora, as mudanças do século XVIII tornaram necessário fazer circular
os efeitos do poder, por canais, cada vez mais sutis, chegando até
aos próprios indivíduos, seus corpos, seus gestos, cada um de seus
desempenhos cotidianos. (FOCCAULT, 1992, p.214)
A teoria das relações de poder de Foccault faz-se mister para a conclusão
de que a democracia exercida através do governo representativo legitimado pelo
sufrágio universal e compulsório, é uma modelo de dominação lucrativo e eficiente.
O voto obrigatório transformou as eleições em um jogo de convencimento.
As propostas e o discurso político, não se pautam em um modelo de governo, nem
no atendimento as reais demandas das camadas sociais mais baixas daquela
sociedade, e sim no número de votos, já que essa é a maioria dos eleitores. Não se
busca alcançar o eleitor, através de sua consciência e ideologia política, mas sim o
convencimento das massas através de discursos clichês com cunho sofista. O
importante é convencer o maior número de pessoas para se obter um maior número
de votos, sem nenhum compromisso com a verdade.
As discussões políticas ficaram empobrecidas, assim como a própria
política, já que se abandonam discursos ideológicos revolucionários para se
adequarem ao lugar comum que agrada todos, ou melhor, não desagradam a
ninguém.
Ganha a eleição quem souber melhor manipular as massas, seja com
propostas populistas, seja com a prática de clientelismo, ou com propostas mágicas
de resolução de problemas, que nunca de fato vão alcançar concretude.
53
Temos o sufrágio obrigatório como lucrativo, e eficaz na manutenção da
concentração do poder para as classes dominantes. A partir do momento que se
aliena ainda mais eleitor, mecaniza o ato, esvazia os discursos e debates políticos,
amortizando as ideias revolucionárias e inibindo a produção de novas ideias
políticas.
No Brasil, o voto tornou-se o ato mecanizado e alienado que produz em
massa governos corruptos e incompetentes, que se mantém no poder graças ao
eterno e inesgotável curral eleitoral.
Não há interesse em resolver os problemas estruturais da população como a
educação, a saúde, o desemprego, a desigualdade social ou até a própria seca do
Nordeste, pois esses são uma fonte inesgotável de promessas em época eleitoral
que provavelmente serão de fato cumpridas, mas que são suficientes para agregar o
discurso sofista e manipular os eleitores que são obrigados a votar.
As concessões parte do jogo político burguês ganharam a roupagem de
políticas sociais e integram o discurso de maneira a mostrá-lo como grande ganho
social e concretização de promessas de campanha. Na mesma medida que não
resolvem os problemas estruturais, e mantém o Estado a serviço do interesse,
criando ainda novas ramificações dos micropoderes.
Com o fim da República Velha e o advento do voto secreto tem se a falsa
sensação de que com o fim do voto de cabresto, as eleições serão mais legitimas e
terão resultados que expressem de fato a esperança política da população.
A grande verdade é que a obrigatoriedade do voto criou uma nova
modalidade, aperfeiçoou-se o voto de cabresto para o voto fordista.
O fordismo foi o modelo de produção desenvolvido por Henry Ford, em
1914, que consiste no modelo de produção em massa de um produto, ao sistema
das linhas de produção. Esse modelo de linha de produção que reduzia custos,
causava uma alta especialização do operário em sua função específica e uma
alienação quanto ao resto da produção, e tinha como objetivo a rapidez e o baixo
custo de produção.
54
O voto obrigatório mecaniza o ato de votar. Ao ser obrigado a votar o eleitor
escolhe qualquer um, seja por benefício próprio, seja por obrigação (voto de
cabresto), seja por influência do núcleo-social do qual faz parte, mas não com a
consciência plena de que aquele ato influencia na sociedade como um todo, e como
fruto de pesquisa, analise de propostas e plataformas.
Tal qual o operário da linha de produção que se torna especialista naquela
função de, somos especialistas em operar a urna eletrônica, escolhemos uma foto,
um número e apertamos “confirma”, essa especialidade é alienante na medida em
que não se produz a consciência daquele ato como nossa cota parte de soberania.
Quando um operário da Ford vê um carro da Ford ele tem a ilusão de que o
construiu tanto quanto qualquer outro, afinal ele possui parafusos, porém não tem o
conhecimento de como ele de fato é feito por inteiro, ou do que acontece além da
sua tarefa de apertar os parafusos. Seu conhecimento se limita a sua função
especializada no processo mecanizado de produção. Quando vemos nosso
representante igualzinho o da foto, nos identificamos nele, mas temos o
conhecimento de sua trajetória política, negligenciamos seus projetos, ideias e
ideais, não sabemos quem os financia, e que grupo os apoia, e não o
acompanhamos depois disso.
Tendo a massa alienada com suas visões de sociedade limitadas aos
núcleos familiares, exercendo o voto como ato mecanizado de apertar “confirma” e
com a ilusão de que vive em Estado democrático de direito, através de um modelo
representativo de governo, legitimado pelo sufrágio universal, igualitário e
obrigatório, temos a manutenção do poder concentrado e a serviço dos interesses
das classes dominantes.
Se destacam aqui os núcleos familiares e sociais enquanto micropoderes,
pois tende-se a votar nos candidatos que mais assemelham em termos de
familiaridade de acordo com o que esses núcleos disciplinam.
55
Vejamos, se vivemos em núcleo operário, onde no nosso circulo temos
trabalhadores que vivenciam de fato certas realidades de conflitos desse grupo,
tendemos a votar em candidatos que representam a classe operária, não
necessariamente enquanto propostas, mas como o indivíduo se declara. Não há
aqui uma preocupação em relação a propostas, e sim uma identificação enquanto
identidade. Se um candidato diz que é do povo, foi operário e alega ter sido pobre,
se veste de maneira mais humilde, e possui um linguajar mais acessível é suficiente
para alcançar um sentimento de representatividade.
Porém, se esse mesmo candidato expõe suas ideologias políticas por
exemplo de maneira mais revolucionária, os micropoderes enquanto formadores de
opinião o reprimem, pois não agradam ao macropoder e seus aparelhos.
A democracia legitimada pelo voto obrigatório é a grande ilusão do poder
descentralizado, e do Estado como res publica, a medida que ele se centraliza de
fato. Ainda numa mesma jogada, conseguiu uma fonte inesgotável de legitimação,
através do voto obrigatório, e um meio pelo qual se exerce o domínio, a disciplina, e
o adestramento das massas através da sutileza alienante da ilusão de soberania
popular.
O domínio da lei é apenas outra máscara do domínio de uma classe.O voto
é o instrumento pelo qual se produz a legitimação em massa. Pois para se manter
no poder as classes dominantes precisam que a massa os legitime.
Ao contrário do que se expõe muitos historiadores e filósofos, os
dominados não são tão ignorantes quanto se imagina, e quanto faz crer. É inerente
ao caráter específico da lei, como corpo de regras e procedimentos, que aplique
critérios lógicos referidos a padrões de universalidade e igualdade, para que se
pense que os dominadores também seguem as regras do jogo.
Obvio que é ingenuidade crer na imparcialidade e das leis, até os leigos
muitas vezes conseguem perceber ceras nuances, mas o excesso disso que possa
saltar aos olhos, as consequências serão contraproducentes. Se uma lei é
claramente parcial e injusta não mascara nada, não legitima nada e não contribui em
nada para a hegemonia de classe alguma.
A condição prévia essencial para a eficácia da lei, em sua função ideológica
e que mostre uma independência forte frente a manipulações flagrantes. Dessa
maneira ela acaba sendo as vezes realmente justa.
56
Ademais, não se pode descartar uma ideologia dominante como mera
hipocrisia, mesmo os dominantes tem necessidade mesmo que egocêntrica de
legitimar seu poder, moralizar suas funções e sentir de alguma maneira que estão
sendo úteis e justos.
O brasileiro possui ainda a política de ser manso, pois somos uma
sociedade avessa a conflitos, mesmo que de fato haja conflitos, não gostamos de
transparecê-lo ou de dar espaço para eles, até porque podemos ser reprimidos por
nossos núcleos sociais. A falta de questionamento sobre regras, e a falta de
atividade política faz parte dessa mentalidade, que é ainda fortalecida pela rede de
micropoderes sociais que regulamentam e disciplinam na medida a se manter a
política da boa vizinhança e de ser boa-praça, afinal somos o povo da alegria, do
carnaval e do futebol.
Caso alguém da nação fuja a essa política é logo taxado de subversivo, ou
de rebelde sem causa, não é normal questionar, não é normal possuir ideias
revolucionárias, não é isso que aprendemos na escola, não é isso que devemos
aprender em lugar nenhum. Logo somos reprimidos pelos micropoderes, pois é não
é isso que o Estado quer.
Essa política da “boa-pracia” inerente a massa, nos disciplina a não
questionar, a não ver, nos aliena como cidadãos, e não nos permite desenvolver
nossa consciência e educação política.
O voto fordista cria, possui uma massa de eleitores alienados enquanto
cidadãos que simplesmente operam a urna eletrônica, e legitima através deles o
produto final de Estado que nunca vai atender a seus interesses de fato e resolver
os problemas estruturais desses eleitores, para que continuem aceitando esmolas e
produzindo sua legitimidade sem fim, já que sua função é compulsória e
inquestionável.
Enquanto
isso
as
classes
dominantes
se
mantém
no
poder
e
instrumentalizando o Estado a serviço de seus interesses, enquanto os cidadãos
tem a falsa sensação de democracia.
57
No fim das contas, votamos porque somos a obrigados a fazê-los - é o
nosso papel na produção, fazemos para se manter a esteira de produção de votos
ativa, e votamos em quem a classe dominante escolhe para nos dominar e iludir, e
assim a indústria fordista do voto se mantém lucrativa, incólume e a pleno a vapor
produzindo desigualdades.
58
8 CONCLUSÃO
As análises delineadas anteriormente servem de suporte para a afirmação
da inconstitucionalidade do voto compulsório.
A inconstitucionalidade do voto obrigatório é atestada em seu âmbito jurídico
pelo fato de violar direito supralegal, que está inclusive positivado formalmente na
Constituição material, através de seu artigo 1º, que determina a soberania,
cidadania, liberdade, e que todo poder emana do povo, e representa uma norma
jurídica de grau superior frente a obrigatoriedade.
A legitimidade da norma é atestada pelo governo representativo, porém a
partir do momento que se dissimula a soberania popular, a legitimidade é derivada
de coação.
A população é facilmente manipulável e alienável já que não possui uma
consciência política madura, e tendo em vista que não é estimulada a fazê-lo, nem
pelo Estado nem os micropoderes a permitem.
Nesse diapasão, a perpetuação do sufrágio universal e obrigatório é o
instrumento do Estado mantém o poder e mascara a sua real inclinação e
instrumentalidade a serviço das classes dominantes, e não do povo que o legitima.
Como visto, o voto obrigatório é a esteira de produção sem fim e em plena
produção de legitimidade em massa de governos clientelistas e corruptos.
A questão aqui é uma nuance que faz toda diferença entre a obrigação e o
poder de escolha. Quando se há a liberdade de escolha, se estimula a consciência
política.
E quando há necessidade de que se convença o eleitor conscientizado, o
jogo dissimulado da política passa a ter regras, levando-o a um outro patamar, o de
compromisso com a verdade.
Um eleitor quando não é coagido a ir as urnas, quando ele escolhe votar, ele
o faz com convicção, ai reside a diferença.
Uma modalidade de sufrágio que obriga o eleitor a votar de qualquer jeito
sob o pretexto de exercer sua soberania e o dá uma falta sensação de democracia,
não é constitucional, é cláusula abusiva do Contrato Social, é propaganda
enganosa, é má-fé.
59
O voto facultativo, que poderia ser implementado através de Emenda
Constitucional, por não se tratar de modificação de cláusula pétrea, obrigaria a
relação Estado-povo a ser mais sincera e menos clientelista.
A Constituição Federal deve servir ao povo, para o povo, e não para enganá-
lo e ser utilizada como instrumento de dominação mascarada de classes. Deve ser
integradora e garantidora dos direitos fundamentais.
Não tem-se a que a ilusão ou a crença de que o voto facultativo acabaria
com a corrupção, ou é alguma saída mágica e definitiva para os problemas do
Brasil. Há ainda a necessidade de se resolver inúmeros problemas estruturais.
Porém, o voto facultativo por tratar de uma questão chave da relação entre
Estado e a população, tem a possibilidade de equilibrar melhor a balança das
relações de poder, pois agrega mais poder e independência ao povo, estimulando a
sua consciência enquanto cidadão.
Vivemos um momento histórico, onde é necessário se enriquecer a cultura
política do país, é necessário mudar antigos pensamentos, resgatar antigos
questionamentos. A estabilidade da imutabilidade desinteressada da Constituição
não nos levou a lugar algum, está na hora de dar espaço para o novo. Não há lógica
em se manter voto obrigatório para além dos seus 84 anos de vigência.
É necessário resolver a estrutura, consertar-se os alicerces, para que
cresçamos em todos os aspectos e cheguemos ao país do futuro que deveríamos
ser no presente, e devolver o poder d escolha e controle do Estado ao povo.
60
9 FONTES
9.1
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