n. 177, 5 de outubro de 2010. Ano IV. "o povo, acrescentamos, pôs-se em ação: ele espera votar; a corrente tornou-se irreversível. Eu nego a realidade desse encadeamento" (proudhon). a eleição eletrônica Nada mais de escrever numa cédula, nem mesmo marcar com X. Com as urnas eletrônicas, estendem-se as boas e normalizadas relações com os programas computacionais na democracia midiática. Entretanto, técnicos denunciam o uso do software brasileiro por não garantir ao eleitor o sigilo do voto. Como é sabido, ele não é aceito em nenhum lugar, nem mesmo no Paraguai. Alguns cidadãos ainda contestam a obrigatoriedade do voto na democracia brasileira. Uns e outros divertem-se ou se angustiam com a enxurrada de candidatos ubuescos! Os poucos libertários não se cansam de anunciar os efeitos da representação política que exige a abdicação da vontade de cada um. Entre vias e desvios tudo permanece como antes para um povo que ama ganhar um super pai ou uma incógnita mãe para governá-lo. Na era da democracia midiática, votar é mais um exercício cujo fim é um game over, até a próxima jogada. Conformado e alegre, o rebanho vai às urnas, sejam elas tradicionais ou eletrônicas. Ele quer melhorar seu pasto cuidando de suas cercas. anarquistas Em 1982, debochando da esperança de certos militantes de esquerda na chamada “abertura política” durante o governo militar do último general da ditadura, libertários do jornal O Inimigo do Rei avacalhavam com as eleições programadas para este mesmo ano estampando nas páginas do jornal frases como: “parlamentar? É prá lamentar!”; “Para as eleições de 82! Cannabis pras cabeças” ou “O Inimigo do Rei propõe: depositar o lixo atômico das usinas em Brasília e preservar o Raso da Catarina”. Vinte anos após esta edição do periódico libertário, com a democracia já institucionalizada no Brasil, um anarquista problematizava a obrigatoriedade do voto, que aprisionava “a liberdade do sujeito dirigido cada vez mais pelo espetáculo midiático que a televisão proporciona diariamente em nossas casas através de uma lei que obriga a transmissão de programas eleitorais”, lembrando ainda em seu breve e intenso escrito que o voto obrigatório era efeito das práticas políticas que vigoram durante os vinte anos de Ditadura Militar no país. Hoje, diante da continuidade desta obrigação e da celebração do ritual eletrônico eleitoral é preciso relembrar, atualizar, perguntar novamente com estas práticas anarquistas: E você, porquê foi votar? eis o saldo Em plena ditadura militar, muitas exposições de arte foram fechadas por forças militares, obras foram censuradas e artistas e diretores de museus foram perseguidos. Uma série proibida mostrava notícias de tortura e morte com o título Repressão outra vez — eis o saldo, hoje, é destaque na Bienal de São Paulo de 2010. Era o período do chamado Estado de Exceção, hoje substituído pelo Estado de Direito, da democracia. No entanto, a Ordem dos Advogados do Brasil recomendou aos curadores da Bienal que fossem retiradas determinadas obras que “desrespeitam as instituições”, sob ameaça de responsabilização penal dos responsáveis pela mostra. “Não pode haver censura quando um artista cria a obra” — afirma o chefe da OAB-SP, “mas se deve impedir que [esta] seja exposta à sociedade em espaço público se afronta a paz social”. A admoestação recai em recentes desenhos mostrando políticos ameaçados por uma arma. A censura não é mais exceção, nem regra, mas surge como técnica de cuidar do direito das pessoas a uma boa imagem pública. Bio Laden e o terrorismo sustentável Em recente gravação atribuída a Osama Bin Laden, o recluso comandante teria advogado pela criação de uma agência internacional para lidar com os impactos das mudanças climáticas. Bin reafirma sua intenção de contribuir para a gestão do planeta, mostrando mais uma vez que apesar de seu domicílio em alguma remota montanha na Ásia central, está conectado e sintonizado com as últimas tendências da sustentabilidade contemporânea. Chama a atenção dos Estados para sua responsabilidade com o bem-estar do planeta. Dedicado a melhorar a ação dos Estados, estaria Osama ampliando sua plataforma política? Ao romper seu longo silêncio, algo parece se mover quando tudo parecia calmo e tranquilo... vida sustentável sideral Gliese 581 G é diferente dos mais de 400 exoplanetas (nome dado aos planetas que orbitam outras estrelas que não o Sol) já encontrados. O novo planeta orbita a estrela vermelha anã Gliese 581, localizado a 1,9 trilhões de quilômetros da Terra, na Constelação de Libra, o que em termos siderais é consideravelmente próximo. Mereceu editorial do The New York Times o fato de Gliese 581 G encontrar-se em uma “zona habitável” de seu sistema estelar, ou seja, uma área com grande probabilidade para sustentar a vida, inclusive a humana, como destaca o jornal. Cálculos matemáticos estimam ser o novo planeta parecido com a Terra: três a quatro vezes mais massa que ela, com superfície sólida e rochosa, com gravidade suficiente para comportar atmosfera, com médias de temperatura entre -12ºC e -31ºC, o que, por sua vez, permitiria a existência de água em estado líquido. Além de restaurar a vida do planeta Terra, a ecopolítica da sociedade de controle busca rastrear outras “reservas siderais” com qualidade e sustentabilidade para que os últimos homens — aqueles que, segundo Nietzsche, são como pulgas e tornam “tudo pequeno” — povoem de felicidade o universo. nos poros: absorção do fascismo Dormitório da Universidade Rutgers, New Jersey, Estados Unidos. Um jovem violinista de 18 anos pulou da ponte George Washington no rio Hudson após ter sido filmado, secretamente, por seu colega de quarto e por uma universitária, quando trepava com outro rapaz. As imagens foram disponibilizadas na internet junto a uma mensagem avisando que a cena se repetiria e que seria novamente disponibilizada na rede. Diante do grotesco, duas faces de uma mesma ordem: no campus da Universidade, ativistas de grupos de direitos dos homossexuais organizaram manifestações clamando pela punição dos jovens. A questão continua: como acabar com o fascismo incrustado dentro de nós? "em vez de incumbir os outros pela defesa de seus próprios interesses, decida-se" (elisée reclus).